Cultivar 273 - Alerta verde

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Cultivar Grandes Culturas • Ano XXII • Nº 273 • Fevereiro 2022 • ISSN - 1516-358X

Destaques

Expediente Fundadores Milton Sousa Guerra, Newton Peter e Schubert Peter Grupo Cultivar de Publicações Ltda. CNPJ: 02783227/0001-86 Insc. Est. 093/0309480 Rua Sete de Setembro, 160, sala 702 Pelotas – RS • 96015-300

20 e 24

Alerta verde

Diretor Newton Peter

O comportamento do

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percevejo barriga-verde

Assinatura anual (11 edições*): R$ 269,90 (*10 edições mensais + 1 edição conjunta em Dez/Jan) Números atrasados: R$ 22,00 Assinatura Internacional: US$ 150,00 Euros 130,00

no sistema de produção brasileiro e o que é preciso

REDAÇÃO • Editor Gilvan Dutra Quevedo

considerar na aplicação de inseticidas

• Redação Rocheli Wachholz Cassiane Fonseca • Design Gráfico e Diagramação Cristiano Ceia • Revisão Aline Partzsch de Almeida COMERCIAL • Coordenação Charles Ricardo Echer • Vendas Sedeli Feijó José Geraldo Caetano CIRCULAÇÃO • Coordenação Simone Lopes

Apetite afiado

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Estratégias indispensáveis

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Como lidar com a lagarta-

O que não pode faltar no

dos-cafezais sem prejudicar

manejo das doenças que

os inimigos naturais

limitam a cultura da soja

• Assinaturas Natália Rodrigues • Expedição Edson Krause

Índice

GRÁFICA: Kunde Indústrias Gráficas Ltda.

Diretas

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Informe Spraytec

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Controle de lagartas em café

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Bioinsumos em algodoeiro

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Antracnose em milho

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Herbicidas pré-emergentes

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Capa - Percevejo barriga-verde

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Capa - Percevejo barriga-verde

24

Drones em aplicações agrícolas

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Estratégias contra doenças em soja

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Manejo do cancro bacteriano

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Manejo da broca-da-cana-de-açúcar

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Coluna Agronegócios

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Coluna Mercado Agrícola

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Coluna ANPII

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Por falta de espaço não publicamos as referências bibliográficas citadas pelos autores dos artigos que integram esta edição. Os interessados podem solicitá-las à redação pelo e-mail: contato@grupocultivar.com Os artigos em Cultivar não representam nenhum consenso. Não esperamos que todos os leitores simpatizem ou concordem com o que encontrarem aqui. Muitos irão, fatalmente, discordar. Mas todos os colaboradores serão mantidos. Eles foram selecionados entre os melhores do país em cada área. Acreditamos que podemos fazer mais pelo entendimento dos assuntos quando expomos diferentes opiniões, para que o leitor julgue. Não aceitamos a responsabilidade por conceitos emitidos nos artigos. Aceitamos, apenas, a responsabilidade por ter dado aos autores a oportunidade de divulgar seus conhecimentos e expressar suas opiniões.

Nossa Capa

Crédito: Ivan Cruz


Diretas

Conselho

Gerhard Bohne

A Symbiomics anunciou a nomeação de Gerhard Bohne como membro do Conselho Consultivo da empresa. Com mais de 35 anos de experiência no mercado agrícola, Bohne liderou operações em organizações do setor agrícola, tendo sido CEO da Bayer Crop Science Brasil, divisão agrícola da multinacional. Ao longo de sua carreira acumulou diversos papéis de liderança no Brasil e no mundo, passando por posições nas áreas de P&D, marketing, vendas e operações. Há mais de sete anos tem atuado como conselheiro, atualmente figurando como membro de conselhos de administração e consultivos de empresas em ascensão no ramo de Biotecnologia e Agricultura. “Me orgulha muito fazer parte da história da Symbiomics, que vem contribuir com inovação e pesquisa de produtos biológicos de nova geração para impulsionar a sustentabilidade da agricultura”, comentou Bohne.

Mudanças O brasileiro Rodrigo Oliveira assumiu o cargo de Global COO (Chief Operating Officer) do Grupo Stoller. Já a regional Usca (Estados Unidos, Canadá, América Central e Caribe) será liderada pelo vice-presidente de Subsidiárias, Greg Warren. Os gerentes gerais localizados nessas subsidiárias continuarão a se reportar diretamente a Greg, assim como nas demais regionais. Na regional Latam (Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Brasil, Paraguai, Chile, Argentina e Uruguai), Tiago Gontijo, que estava na diretoria executiva da Stoller do Brasil, assume o cargo de vice-presidente de Subsidiárias. Com essa mudança, a partir de março, Ignacio Moyano passará a ocupar o cargo de diretor executivo no Brasil, deixando seu cargo na Argentina. A regional Ásia Pacífico (Austrália, China, Filipinas, Índia e Singapura) continuará a ser liderada por Rodrigo Oliveira. Por fim, a regional Emea (Europa, Rússia, Ucrânia, Turquia, África do Sul e África) permanecerá liderada pelo Rodrigo Oliveira, Tiago vice-presidente de SubGontijo e Ignacio Moyano sidiárias, Sergio Aguilar.

Embrapa

Stanley Oliveira

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Stanley Oliveira, pesquisador da área de Ciência da Computação, assumiu em fevereiro a gestão da Embrapa Agricultura Digital (Campinas, São Paulo). Para os cargos de chefes-adjuntos também foram nomeados Carla Macário, na área de Pesquisa e Desenvolvimento, Vitor Mondo, na Transferência de Tecnologia, e Eduardo Caputi, na área administrativa. O novo gestor substitui a pesquisadora Silvia Massruhá, que esteve à frente do centro de pesquisa desde julho de 2015. “É preciso aumentar a oferta de serviços digitais de qualidade, com segurança dos dados em todo o território nacional e soluções para gestão e monitoramento da produção animal e vegetal, além da organização de dados em bases estruturadas e confiáveis que possibilitem o desenvolvimento de modelos e aplicações com o uso de inteligência artificial, geotecnologias e internet das coisas”, avaliou Oliveira.

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Ivan Veronese

Mercado Ivan Veronese acaba de assumir o cargo de Desenvolvimento de Mercado Pleno na Basf. Possui experiência profissional nas áreas de vendas e assistência técnica a produtores rurais de grãos em diferentes regiões do Sul do Brasil. Também já atuou no gerenciamento de contas de canais de distribuição, como revendas e cooperativas, para culturas de soja, milho, trigo e feijão. Trabalhou anteriormente na Bayer e também na Forquímica.

André Savino e André Pozza

Lideranças A Syngenta Proteção de Cultivos anunciou uma nova liderança de sua plataforma de distribuição (Atua Agro e Dipagro). À frente da gestão dessa plataforma estratégica, a empresa anuncia André Savino, atual head de Marketing Brasil, como diretor-geral dessa estrutura, reportando-se a Juan Pablo Llobet, diretor para Proteção de Cultivos Latam. Com esta mudança, a Syngenta designou André Pozza como novo head de Marketing Brasil, a partir de 3 de março, também sob a liderança de Juan Pablo Llobet. Savino é formado em Agronomia pela Unesp, possui MBA na Fundação Dom Cabral e especializações nas universidades de Purdue e Insead. Pozza é formado em Agronomia pela Uenp, com MBA pela Fundação Dom Cabral e especializações nas universidades de Insead e Columbia.


Digital A Corteva Agriscience apresenta novidades em sua Plataforma Digital para o Brasil e América Latina. Na nova estrutura, Nicolás Loria é o líder de Digital para a América Latina. O executivo fica responsável pelas áreas de vendas, suporte e marketing, e por liderar a parceria da Corteva com o Cubo Itaú. Loria também trabalhará com a liderança comercial da Corteva no Brasil para alinhar as estratégias digitais entre as equipes de Sementes e Proteção de Cultivos. Também na equipe da Plataforma Digital, Guilherme Foresti Caldeira, líder de Marketing, é responsável pelos planos de negócios, sinergia Guilherme com as demais plataformas da Corteva e definição de prioridades F. Caldeira junto aos líderes de portfólio da Plataforma Digital.

Nicolás Loria

Lançamento A Basf lançou em fevereiro o sistema Provisia para a cultura do arroz. A tecnologia, que será oferecida por meio da marca de sementes Lidero, conta com tolerância ao novo herbicida Provisia 50 EC e estará disponível aos agricultores brasileiros na safra 2022/23. Recomendada em rotação com o sistema Clearfield, o lançamento chega para ser mais um aliado no combate a plantas daninhas como o capim-arroz e o arroz vermelho. O lançamento faz parte do investimento global da Basf de 900 milhões de euros ao ano em pesquisa e desenvolvimento. Participaram do evento o pesquisador da Universidade Federal de Santa Maria, Enio Marchezan, o gerente de Sementes de Arroz da Basf, José Mauro Guma, o gerente de Desenvolvimento de Mercado Sul da Basf, Sergio Silva, e o gerente de Marketing Cultivos e Portfólio da Basf, Luciano Pizzuti.

Luto Morreu no final de janeiro o presidente da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc), Plínio de Castro. Em sua vida pública foi secretário de Estado para o Desenvolvimento do Oeste (2001-2002) e prefeito de São José do Cedro (2013-2020). Ocupava a Presidência da Cidasc desde fevereiro de 2021. Em nota, a Secretaria da Agricultura, da Pesca e do Desenvolvimento Rural de Santa Catarina lamentou a perda. “Plínio era um ser humano raro. De fala fácil, discursava como quem declama, e cativava todos a sua volta com um sorriso largo, uma gentileza própria e uma simplicidade única. Hoje é um dia triste. Santa Catarina perde um homem público vocacionado, incansável e superlativo nos melhores aspectos. Nós, que tivemos o privilégio de conviver com ele, perdemos um amigo leal e um parceiro nas horas boas e nas mais difíceis”, diz um trecho do comunicado Plínio de assinado pelo secretário da Castro Agricultura, Altair Silva.

Sergio Silva, Luciano Pizzuti e José Mauro Guma

Pesar Morreu no final de janeiro, aos 84 anos, em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, o pesquisador e empresário Ottoni Rosa. Fundador da OR Sementes teve atuação destacada na pesquisa científica, com larga contribuição para a cultura do trigo. engenheiro agrônomo, formado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), ajudou a organizar instituições de pesquisa e a melhorar o desempenho da cultura. Em nota a OR Sementes lamentou a perda. "A pesquisa, a tecnologia e o conhecimento perdem hoje um grande protagonista. É com pesar e tristeza que comunicamos o falecimento do sócio e diretor da empresa OR Sementes, Dr. Ottoni de Sousa Rosa. Nos deixa um enorme legado que foi sua dedicação e pesquisa para as lavouras de trigo, faremos jus ao seu nome mantendo viva a sua história nos campos. Sentiremos diariamente a sua falta", diz o comunicado.

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Informe publicitário

Alto sinergismo Ivan Cruz

Associação de Fulltec S Max a inseticidas convencionais aumenta controle da cigarrinha do milho, reduz acamamento e incrementa a produtividade, ao proteger de modo sustentável as plantas

A

utilização de Fulltec S Max apresentou alto sinergismo quando associado a inseticidas convencionais, aumentando o controle da cigarrinha do milho em 26,1%, reduziu o acamamento de plantas em 31,9% e incrementou a produtividade da cultura em 5,1 sacas por hectare, em média, com relação ao tratamento padrão. Fulltec S Max é um fertilizante foliar premium inovador que melhora a qualidade da

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aplicação e, em pequenas doses, restabelece o estado de equilíbrio nutricional e fisiológico, o qual é considerado um dos principais fatores responsáveis pelo desencadeamento dos mecanismos de defesa natural das plantas contra estresses bióticos e abióticos. O manejo de insetos-praga é um recurso importante para a manutenção do potencial produtivo e de altas produtividades da cultura do milho. A cigarrinha (Dalbulus maidis) é um inseto-vetor de

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patógenos, ou seja, não causa danos expressivos diretamente, mas de forma indireta. O dano é causado quando a praga, durante o processo de alimentação, desempenha o papel de transmissora dos patógenos causadores dos enfezamentos pálido e vermelho do milho, e da virose do raiado fino e acamamento. O acamamento é consequência do menor sistema radicular e amolecimento do colmo na base decorrente da infecção por Molicutes e outros patógenos, como Pythium, Fusarium e Gibberella. Outros sintomas comuns são avermelhamento de folhas, proliferação de espigas pequenas, grãos malformados e chochos, plantas menores (encurtamento de entrenós), redução na absorção de água e nutrientes, menor produção de fotoassimilados, enfezamentos causados por microrganismos da classe dos Molicutes, conhecidos como espiroplasmas (enfezamento pálido por Spiroplasma kunkelii) e fitoplasmas (enfezamento vermelho por Maize Bushy Stunt). O grande desafio no manejo da cigarrinha, entre outros, reside no baixo efeito residual dos inseticidas, visto que o milho, na fase vegetativa, emite folhas novas constantemente, e reinfestações da praga acabam exigindo pulverizações frequentes. Os sintomas do enfezamento são percebidos tardiamente, mas a presença da cigarrinha pode ocorrer desde os primeiros estádios de desenvolvimento do milho. Quanto mais cedo a planta for atacada e infectada, maiores serão os danos causados à cultura. Nesse contexto, a associação de inseticidas com Fulltec S Max é uma excelente ferramenta para melhorar o manejo. Fulltec S Max apresenta dois mecanismos de ação sobre pragas: desalojante e fumigante. Esses efeitos resultam em maior movimentação da praga e consequentemente maior contato e ingestão do inseticida. Fulltec S Max significa nutrição, maior defesa


Figura 1 - Efeito de Fulltec S Max, Twin Pack Max e Cubo IR sobre cigarrinha e acamamento do milho

natural das plantas e melhor qualidade da aplicação. Formulação muito estável e solúvel, de alta tecnologia e biodegradável que atua nos processos fisiológicos das plantas, com reflexos positivos na produtividade, Fulltec S Max desempenha funções essenciais no desenvolvimento das plantas, como a formação dos aminoácidos cisteína, cistina e metionina, estando, desta forma, presente em todas as proteínas vegetais. Além disso, fornece elementos que fazem parte da composição de coenzimas e vitaminas essenciais para o metabolismo energético e síntese de compostos orgânicos. A utilização de híbridos de alto potencial genético associado ao desenvolvimento sustentável exige produtos inovadores e disruptivos como o Fulltec S Max.

OBJETIVO

Avaliar o efeito de Fulltec S Max, Twin Pack Max e Cubo IR associados a inseticidas convencionais no manejo da cigarrinha (Dalbulus maidis) e na produtividade da cultura do milho.

MATERIAIS E MÉTODOS

O experimento foi conduzido pela Farm Consultoría & Investigación Agronómica em Colonia Yguazú, Alto Paraná, Paraguai. No ensaio foi utilizado o híbrido de milho 30A37 semeado em 3/3/2021 e colhido em 18/8/2021. O delineamento experimental utilizado foi o de blocos ao acaso, com quatro repetições. Os tratamentos utilizados foram (ha-1): padrão produtor (2.000g atrazina WG + 80g benzoato 10% + 50ml teflubenzuroen 30%), padrão + Fulltec S Max (300ml), padrão + Fulltec S Max (300ml) + Twin Pack Max (300ml) e padrão + Fulltec S Max (300ml) + Cubo IR (300ml). Foram realizadas duas aplicações de cada tratamento (V4 + V8). As variáveis analisadas foram número de cigarrinhas por planta em cinco metros lineares aos oito, 15 e 21 DAA, número de plantas acamadas na pré-colheita e produtividade. Os dados foram submetidos à análise de variância e ao teste de Tukey (p < 0,01).

RESULTADOS

Fulltec S Max apresentou alto sinergismo com os inseticidas utilizados, aumentando a eficácia no manejo da cigarrinha. O número médio da praga por planta aos oito, 15 e 21 DAA (Figura 1) no padrão era de 5,2, 4,3 e 4,4; para o padrão + Fulltec S Max, de 4,1, 3,2 e 3,8; para o padrão + Fulltec S Max + Twin Pack Max, de 3,9, 3,2 e 3,2, e para o padrão + Fulltec S Max + Cubo IR, de 3,2, 3,2 e 3,2, respectivamente, o que corresponde a uma redução média de 26,1%. O número de plantas acamadas para os mesmos tratamentos foi de 35,8%, 30,1%, 28,3% e 15%, respectivamente, o que corresponde a uma redução média de 31,9%. O aumento na eficácia de controle e redução do acamamento foi de extrema importância para a manuten-

ção do potencial produtivo da cultura. Nesse contexto, com relação ao rendimento (Figura 2), para produtividade (sacas/hectare) o resultado para o padrão foi de 82,8 sc/ha, padrão + Fulltec S Max 85,3 sc/ha, padrão + Fulltec S Max + Twin Pack Max 88,1 sc/ha e padrão + Fulltec S Max + Cubo IR 90,3 sc/ha.

CONCLUSÃO

Fulltec S Max, além de nutrir as plantas para a máxima expressão de seu potencial produtivo, mostrou-se uma alternativa promissora no manejo da cigarrinha do milho, apresentando alto sinergismo quando associado a C inseticidas convencionais. Fabrício Krzyzaniak, Farm Consultoría & Investigación Agronómica

Figura 2 - Produtividade do milho em resposta à aplicação de Fulltec S Max, Twin Pack Max e Cubo IR

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Café

Fotos Paulo Rebelles Reis

Apetite afiado Vorazes por folhas e brotos terminais, as lagartas da espécie Eacles imperialis magnifica podem se tornar pragas nocivas em cafeeiro em situações de desequilíbrio ambiental. A aplicação de inseticidas convencionais, recomendada em circunstâncias específicas, exige cuidados para preservar os inimigos naturais

O

s cafeeiros (Coffea spp.) podem hospedar muitas espécies de lagartas que danificam as folhas, entretanto algumas são mais frequentemente encontradas, como a lagarta-dos-cafezais, a lagarta-lonômia, o bicho-cesto, a taturana, entre outras. Além das desfolhadoras, pode ocorrer aquela que ataca as rosetas, conhecida como a lagarta-das-rosetas. A lagarta da espécie de mariposa Eacles imperialis magnifica é conhecida popularmente como lagarta-dos-cafezais, embora também ataque outras plantas, cultivadas ou não. Apesar de muito comum em cafeeiros de todas as 08

regiões do Brasil, na maioria das vezes não se constitui em praga, a não ser em casos de desequilíbrio biológico, natural ou não, por vezes ocasionado pelas condições climáticas favoráveis à lagarta e/ ou ausência de seus inimigos naturais em consequência do uso indiscriminado de produtos fitossanitários. É considerada praga cíclica, porém seu ataque aos cafezais tem sido acentuado. Essa espécie de lagarta tem causado danos aos cafezais canéfora, cultivar Conilon (Coffea canephora Pierre & Froehner), no município de Cacoal, estado de Rondônia, desde a década de 1990 e se estendendo até a década de 2000. Por ser polífaga, além do cafeeiro,

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essa lagarta pode atacar abacateiro, goiabeira, plátano, amendoeira-da-praia, amoreira, araçazeiro, aroeira, cajueiro, cedro, jaqueira, macieira, mamoneira, milho, pau-ferro, pereira, roseira, sarandi, tamarindeiro etc., sendo que nesses outros hospedeiros o ataque é menos comum. As lagartas dessa espécie são grandes quando comparadas com outras espécies que também atacam os cafeeiros, medem cerca de 10cm a 12cm de comprimento por até 2cm de diâmetro, e apresentam coloração variável entre o verde, o alaranjado e o marrom. Ao longo de todo o corpo apresentam pubescência branca, e no dorso do segundo


Tabela 1 - Produção de cafeeiro ‘Mundo Novo’ em consequência da redução da área foliar causada por lagartas Eacles imperialis magnifica, na fase construtiva das plantas (início da época chuvosa) Número de lagartas por planta 42 83 125

Redução na área foliar (%) 25 50 75

Redução da produção (%) 39,2 42,9 46,3

Fonte: Crocomo, 1977

Figura 1 - Lagarta-dos-cafezais, Eacles imperialis magnifica, em cafeeiro Arábica, Coffea arabica L., na região Sul de Minas Gerais

e terceiro segmentos torácicos apresentam tubérculos avermelhados e um processo dorsal dessa mesma cor no décimo segundo segmento do corpo (Figura 1). Lagartas dessa espécie não são urticantes, ao contrário de outras que também atacam os cafeeiros, porém, devido ao seu grande tamanho, e instinto de levantar a parte anterior do corpo (Figura 1), impõe medo aos trabalhadores nas lavouras de café. O inseto na fase adulta é uma mariposa considerada de grande porte, de coloração amarela e com pontos escuros nas asas, mais numerosos nos machos. Além das pontuações, apresentam nas asas, anteriores e posteriores, uma faixa de coloração violáceo-escura. As fêmeas são maiores, menos manchadas que os machos, e podem apresentar até 13,5cm de envergadura (medida tomada da ponta de uma asa à outra quando abertas), sendo que os machos possuem cerca de 10cm de envergadura (Figura 2). O acasalamento ocorre nas primeiras 12 horas a 24 horas de vida dos machos, que morrem após esse período. A mariposa fêmea, depois de acasalada, coloca, no período noturno, durante os sete dias em que vive, cerca de 300 ovos de coloração amarelada e em grupos, de preferência na superfície superior das folhas. O período de incubação dos ovos é de cinco a sete dias, podendo se estender até 12 dias em temperaturas mais baixas. Após a eclosão, as lagartas passam os próximos 30 dias a 37 dias se alimentado de folhas do cafeeiro, até atingirem cerca de 12cm de comprimento e 15g de peso. No final da fase de lagarta descem ao solo, onde empupam a 2cm de profundidade. A fase de pupa ou crisálida dura em média de 30 dias a 40 dias, podendo ser mais longo em condições

Figuras 2 - Adultos fêmea (acima) e macho (abaixo) de Eacles imperialis magnifica

menos favoráveis, após o que emergem os insetos adultos, que são as mariposas. O ciclo evolutivo de ovo a adulto é, em média, de 65 dias a 85 dias. Em geral, só ocorre uma geração a cada ano, podendo as pupas ficar enterradas no solo até o ano seguinte, porém, em locais de temperaturas mais elevadas, sem inverno muito frio, pode ocorrer mais de uma geração ao ano, como é o caso do ataque dessa lagarta nas diversas regiões cafeeiras do Brasil.

DANO CAUSADO PELA LAGARTA-DOS-CAFEZAIS

As lagartas são vorazes, alimentam-se de folhas e de brotos terminais, e se ocorrerem em grande quantidade podem ser prejudiciais ao cafeeiro, principalmente os mais novos, ainda com reduzido número de folhas. Resultados de pesquisa já realizada mostraram que são necessárias 166 lagartas para a destruição de todas as folhas de um cafeeiro adulto da cultivar

Mundo Novo, pois uma lagarta consome 0,60% da planta ou 0,30m² de folha de café, sendo que em função da redução da área foliar ocorre também a redução da produção de grãos de café (Tabela 1). Além dos prejuízos citados, pode ocorrer a não aceitação, por parte dos colhedores de café, da colheita em lavouras infestadas pelas lagartas, devido ao aspecto repugnante que apresentam. Ainda, a intensa desfolha causada pelas lagartas resulta em ramos desnudos, com posterior secamento, inclusive dos frutos neles presentes, como resultado do não enchimento dos grãos, da incidência direta do sol e de temperaturas elevadas no interior das plantas (Figura 3). No município de Cacoal, estado de Rondônia, essa espécie de lagarta já causou danos aos cafezais canéfora, cultivar Conilon (C. canephora), tendo sido constatada uma redução de até 70% na produção de café.

CONTROLE BIOLÓGICO

Em condições normais, lagartas de qualquer espécie, incluindo a lagarta-dos-cafezais, E. imperialis magnifica, não se constituem em pragas severas do cafeeiro devido ao alto grau de parasitismo natural que apresentam. Larvas

Figura 3 - No primeiro plano duas linhas de plantas desfolhadas pelo ataque da lagarta-dos-cafezais, e no final da linha (detalhe ao fundo) plantas ainda enfolhadas (esquerda) e plantas totalmente desfolhadas (direita) devido ao ataque da lagarta-dos-cafezais

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Fotos Paulo Rebelles Reis

Reis aponta a importância de manter o equilíbrio biológico e preservar os predadores naturais

CONTROLE QUÍMICO

Figura 4 - Lagarta de Eacles imperialis magnifica parasitada por Apanteles sp. e casulos dos parasitoides pendurados por fios de seda por eles mesmos produzidos após as larvas terem saído do interior do corpo da lagarta ainda viva

de moscas das espécies Belvosia bicincta Robineau-Desvoidy, 1830, Belvosia potens (Wideman, 1830) e Pararrhinactia parva Townsend, 1935 (Diptera: Tachinidae) são frequentemente encontradas parasitando as lagartas, as quais não se transformarão em insetos adultos. Ainda, larvas de micro-himenópteros, vespinhas, do gênero Apanteles (Hymenoptera: Braconidae), também podem parasitar as lagartas, podendo ser encontradas aproximadamente 150 delas por lagarta parasitada (Figura 4). Outros Hymenoptera parasitoides que podem ser encontrados parasitando as lagartas são Glypta sp. (Ichneumonidae), Macrocentrus ancylivorus Rohwer, 1923, Meteorus sp. e M. eaclidis Muesebeck, 1958 (Braconidae), Horismenus cockerelli Blanchard (Eulophidae), Spilochalcis sp. (Chalcididae) etc.

Caso seja necessária a intervenção do homem para o controle da lagarta, é recomendável a utilização de pulverizações com inseticidas biológicos à base de uma bactéria em forma de bastonete, o Bacillus thuringiensis Berliner, 1911 (Bacillales: Bacillaceae), conhecido como Bt. A dose recomendada é de 250g a 500g do produto comercial/ha, produto que não afetará o controle biológico natural realizado pelos parasitoides (moscas e micro-himenópteros). Esses produtos agem por ingestão, são mais eficientes principalmente quando as lagartas ainda são novas, e não as matam imediatamente como os inseticidas convencionais, porém ao ingerirem os bacilos as lagartas param de se alimentar, não causando mais danos. Como característica, as lagartas ficam escurecidas e penduradas pelas pernas caudais quando já estão mortas (Figura 5). Em altas infestações recomenda-se a aplicação da maior dose recomendada do produto contendo o B. thuringiensis. Por ocasião do controle químico da broca-do-café, Hypothenemus hampei (Ferrari, 1867) (Coleoptera: Curculionidae, Scolytinae), com o uso de inseticidas, é feito também o controle simultâneo e indireto das lagartas pelos mesmos produtos, caso elas estejam presentes nos cafezais. Embora o controle químico com inseticidas convencionais seja eficiente, não é recomendável a utilização daqueles de largo espectro de ação, como os piretroides, para não colocar em risco C o equilíbrio biológico.

Figura 5 - Lagartas-dos-cafezais dependuradas pelas pernas caudais e já mortas após terem ingerido o Bacillus thuringiensis

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Paulo Rebelles Reis, CropTest, Lavras, MG


Algodão Cherre Bezerra da Silva

Bioinsumos no algodão Como o uso do controle biológico tem crescido na cultura do algodoeiro, que fatores limitam sua adoção e como a pesquisa tem trabalhado para aumentar a gama de ferramentas e tecnologias disponíveis ao produtor

C

om a safra de algodão 2021/2022 em andamento nas várias regiões produtoras, problemas recorrentes relativos a pragas se manifestam. Além do bicudo-do-algodoeiro, outras pragas que estão assolando as lavouras são a lagarta Spodoptera frugiperda, os ácaros fitófagos e os percevejos migrantes. Ano passado, para controlar os surtos destas e outras pragas, os produtores gastaram aproximadamente US$ 386 por hectare, efetuando em média 26 aplicações de inseticidas químicos ou biológicos. Destas aplicações, 70% continham produtos para o controle do bicudo, 20% para o controle de lagartas, 15% contra ácaros e 12% contra percevejos.

Na cultura do algodoeiro, embora várias estratégias que compõem o manejo integrado sejam utilizadas para conter as populações de pragas, o controle mais adotado ainda é o químico. Mas a utilização constante deste método de controle tem levado à seleção de organismos-praga resistentes, além de onerar o custo de produção (uma vez que os gastos com defensivos químicos correspondem a aproximadamente 32% do custo total de produção do algodão). O controle biológico é definido como o uso de agentes predadores, parasitoides e/ou entomopatógenos com o objetivo de reduzir as populações de pragas. Já se observa uma tendência de aumento do uso de agentes de controle biológico ou

bioinsumos no Brasil. Desde 2013, esta tendência tem sido alavancada pelo sucesso no uso de vírus para o controle da então recém-chegada Helicoverpa armigera. Como consequência do aumento da demanda, novas empresas produtoras de bioinsumos vêm surgindo a cada ano no país. Em 2015, o mercado global de agentes de biocontrole foi de US$ 1,7 bilhão. Em 2017, esse mercado cresceu (avaliado em US$ 2,8 bilhões), e entre 2018 e 2023 há uma expectativa de crescimento de 16,4% ao ano na América do Sul. Esta taxa tem sido ainda maior no Brasil, atingindo 20% ao ano nos últimos anos. Esse crescimento acelerado comprova o interesse dos agricultores brasileiros pelo controle biológico de

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ou seja, de qualidade igual ou superior aos organismos selvagens, e em grandes quantidades (milhões de indivíduos/semana). No caso específico dos parasitoides, esta tarefa se torna mais complicada, pois para completar seu desenvolvimento estes organismos exigem um hospedeiro. Portanto, com raras exceções, a criação de parasitoides exige também a criação de uma ou mais espécies hospedeiras. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) aprovou o registro de 95 produtos biológicos para uso agrícola a partir de 2020, ampliando para aproximadamente 430 o número de produtos disponíveis no Brasil, entre eles bioinseticidas, biofungicidas, bionematicidas e feromônios. Recentemente, em maio de 2021, o Mapa lançou o Programa Nacional de Incentivo à Produção e Uso de Bioinsumos, o qual se propõe a oferecer um conjunto estratégico de ações para o acesso da diversidade biológica brasileira e o desenvolvimento de alternativas sustentáveis para a agricultura. Com incentivos como este e dado o interesse cada vez maior dos produtores,

Priscila Marques de Paiva

pragas. Na cultura do algodão, esta tática sustentável de controle só não vem sendo mais utilizada devido à baixa oferta de agentes de biocontrole para esta cultura. Isso ocorre, em parte, devido ao reduzido nível tecnológico utilizado na produção de parasitoides do bicudo, o que acaba inviabilizando a produção massal (em larga escala). Portanto, para impulsionar a adoção do controle biológico nesta cultura, é necessário que se desenvolvam métodos economicamente viáveis de produção massal de inimigos naturais em um contexto de MIP, ou seja, em sinergia com outros métodos de controle de pragas. O controle biológico aumentativo basicamente consiste na produção massal e liberação de milhões de inimigos naturais (parasitoides) para o controle populacional de pragas. Esta tática tem sido uma das principais ferramentas do MIP em diversos sistemas, como cana-de-açúcar, soja e tomate. Contudo, para que seja viável, é essencial que técnicas de criação dos agentes de controle biológico de interesse estejam bem desenvolvidas, viabilizando a produção de organismos de elevada qualidade,

Lagarta atacada por baculovírus

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espera-se que já na safra 2021/2022, cerca de 30 milhões de hectares recebam ao menos uma aplicação de produtos biológicos em culturas anuais e perenes. Na cultura do algodoeiro, o controle biológico de lagartas é o mais difundido, através do uso de bactérias Bacillus thuringiensis, baculovírus, fungos entomopatogênicos dos gêneros Metarhizium, Beauveria e Isarya, e parasitoides. Pulgões são controlados com eficiência por parasitoides da espécie Lysiphlebus testaceipes. Parasitoides de ovos de percevejos das espécies Trissolcus basalis e Telenomus podisi são eficientes no controle de percevejos que ocorrem na parte aérea do algodoeiro. Parasitoides de ovos, como Trichogramma pretiosum e Telenomus remus, têm se mostrado muito eficazes na redução de populações de lagartas pragas da cultura do algodão. Liberações inundativas por avião, drone ou motocicleta estão se tornando cada vez mais comuns. Mesmo em lavouras Bt, onde podem ainda persistir infestações de Spodoptera frugiperda e Helicoverpa armigera, três ou quatro liberações do parasitoide no período de florescimento do algodoeiro auxiliam o manejo integrado na cultura, baixando a população das lagartas a níveis abaixo do dano econômico. Adicionalmente, com a substituição parcial dos inseticidas pelos bioinsumos, insetos polinizadores como abelhas e vespas são favorecidos nestas áreas. Para percevejos que ocorrem no solo, o controle biológico através de nematoides entomopatogênicos dos gêneros Steinernema e Heterorhabidits é alternativa interessante. Esses gêneros de nematoides são vetores de bactérias, que são os agentes patogênicos. Ao serem introduzidas no interior da hemocele do inseto pelo nematoide, as células bacterianas são liberadas na hemolinfa, onde excretam toxinas, que matam o inseto em 24 horas a 48 horas. O nematoide digere substâncias do inseto, além de se alimentar das próprias bactérias que nele se multiplicaram.


Embrapa

Mosca Toxomerus sp. predando pulgões

Bicho-lixeiro Chrysoperla sp. atacando pulgões

O bicudo-do-algodoeiro, principal praga da cultura no País, é atacado por 13 espécies de parasitoides, sendo Catolaccus grandis e Bracon vulgaris as que mais contribuem para o controle biológico desta praga. Ambas as espécies são consideradas vespas ectoparasitoides, ou seja, são parasitoides que se anexam à parte externa da pele de seus hospedeiros, de onde se alimentam e se desenvolvem. Como a maioria dos parasitoides, a produção massal tanto de B. vulgaris quanto de C. grandis exige a criação do hospedeiro natural (o bicudo-do-algodoeiro) em escala também massal. Os gastos para criação do hospedeiro representam boa parte dos custos totais de produção dos parasitoides. Uma das formas de mitigar estes custos é substituindo o bicudo por hospedeiros alternativos ou dietas artificiais. Pesquisas realizadas no exterior têm demonstrado que a criação de parasitoides do bicudo em hospedeiros alternativos e dietas artificiais são estratégias promissoras para a redução dos custos de produção destes inimigos naturais. A Embrapa dispõe de diversos bancos de germoplasma microbiano dedicados exclusivamente à preservação e à caracterização de micro-organismos, agentes de controle biológico de pragas e promotores de crescimento de plantas. Recentemente a empresa lançou o aplicativo Bioinsumos, que oferece ao público as opções de produtos de controle biológico disponíveis no País. A fer-

Embrapa

Daniel Sosa-Gomez

Methahizium anisopilae infectando besouro

ramenta está disponível para dispositivos com sistemas iOS e Android e pode ser encontrada nas plataformas Play Store e Apple Store. Pesquisas em execução da Embrapa buscam desenvolver novas cepas de fungos e bactérias entomopatogênicas e tecnologias que associam o controle biológico a semioquímicos (feromônios e compostos voláteis do algodoeiro) ou a táticas de controle cultural, como a catação de botões florais em pequenas áreas.

Em parceria com o setor privado, um projeto de pesquisa recém-aprovado empregará redes neurais para desenvolver novas armadilhas automáticas para detecção do bicudo, percevejo-marrom e lepidópteros-praga do algodoeiro. Ao todo, são 84 projetos de pesquisa relacionados ao tema de controle biológico de pragas distribuídos em 40 unidades da empresa. O esforço da pesquisa se concentra, assim, em criar novas estratégias biológicas para manejar as pragas C agrícolas.

José Ednilson Miranda e Cherre Sade Bezerra da Silva, Embrapa Algodão

Parasitoide Trichogramma pretiosum parasitando ovos de lagartas

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Milho

Diagnose e manejo

N

Luciano Viana Cota

Como identificar de modo correto a antracnose na cultura do milho e adotar medidas capazes de evitar que a produtividade e a lucratividade do produtor sejam comprometidas pela doença

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os últimos anos, as doenças têm sido um dos grandes problemas enfrentados por parte dos técnicos e produtores envolvidos no agronegócio do milho. Relatos de perdas na produtividade devido ao ataque de patógenos têm sido frequentes nas principais regiões produtoras do País. O crescimento dessas doenças está estreitamente relacionado à evolução do sistema de produção da cultura no Brasil. Modificações ocorridas no sistema de produção, que resultaram no aumento da produtividade da cultura, foram, também, responsáveis pelo aumento da incidência e severidade das doenças. Desse modo, a expansão da fronteira agrícola, a ampliação das épocas de plantio (safra e safrinha), a adoção do sistema de plantio direto, o aumento do uso de sistemas de irrigação, a ausência de rotação de culturas e o uso de materiais suscetíveis têm promovido modificações importantes na dinâmica populacional dos patógenos, resultando no surgimento, a cada safra, de novos problemas para a cultura, relacionados à ocorrência de doenças. Dentre as doenças da cultura do milho que causam danos às lavouras no Brasil destacam-se as podridões de colmo. A antracnose causada pelo fungo Colletotrichum graminicola (Ces.) G.W. Wils está entre as principais que incidem na cultura. A doença pode reduzir a produção do milho em até 40% em cultivares suscetíveis sob condições favoráveis de ambiente e ainda o tombamento das plantas dificulta a colheita mecânica (Figuras 1 e 2). Um fator complicador relacionado à ocorrência da antracnose é a inexperiência por parte da maioria dos técnicos em reconhecer os sintomas dessa enfermidade no campo, permitindo que ocorra em elevadas severidades que resultam em perdas significativas à cultura. O fungo C. graminicola é capaz de infectar praticamente todas as partes da planta. Nas folhas os sin-


Rodrigo Véras Cota

Luciano Viana Cota

tomas típicos da antracnose são observados em plantas nos primeiros estágios vegetativos. É, de modo geral, a primeira doença detectada no campo. Os sintomas são caracterizados por lesões de coloração marrom-escura e formato oval a irregular, o que torna, às vezes, difícil seu diagnóstico. Tipicamente, um halo amarelado circunda a área doente das folhas. Sob condições favoráveis as lesões podem coalescer, necrosando grande parte do limbo foliar, e surgem, no interior das lesões, pontuações escuras que correspondem às estruturas de frutificação do patógeno, denominadas acérvulos (Figura 3). Nas nervuras são observadas lesões elípticas de coloração marrom-avermelhada, que resultam em uma necrose foliar em formato de “V” invertido (Figura 4). Esses sintomas são geralmente confundidos com os de deficiência de nitrogênio. A fase de podridão do colmo é

Figura 2 - Sintomas da antracnose foliar em plantas jovens de milho

Rodrigo Véras Cota

Figura 1 - Efeito da antracnose na produção do milho: planta esquerda doente e da direita sadia

caracterizada pela formação, na casca, de lesões encharcadas, estreitas, elípticas na vertical ou ovais. Posteriormente, essas lesões tornam-se marrom-avermelhadas e, finalmente, marrom-escuras a negras (Figura 5). As lesões podem coalescer, formando extensas áreas necrosadas de coloração escura brilhante. O tecido interno do colmo apresenta, de forma contínua e uniforme, coloração marrom-escura podendo se desintegrar, levando a planta à morte prematura e ao acamamento (Figuras 6 e 7). A fase de podridão de colmo da antracnose é reconhecidamente uma das mais importantes para a cultura do milho. As podridões do colmo na cultura do milho podem ocorrer antes da fase de enchimento dos grãos, em plantas jovens e vigorosas, ou após a maturação fisiológica dos grãos, em plantas senescentes. No primeiro caso as perdas se devem à morte prematura das plantas com efeitos negativos no tamanho e no peso dos grãos, como

Figura 3 - Sintomas da antracnose na nervura e queima foliar em formato de “V” invertido em plantas de milho

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Fotos Luciano Viana Cota

Figura 4 - Sintomas da antracnose na parte externa do colmo de milho

à baixa capacidade de competição do fungo com a microbiota do solo. Outro fator a influir na quantidade de doença é a taxa de reprodução do patógeno, que vai depender das condições ambientais da própria raça do patógeno presente. Temperaturas elevadas (28°C a 30°C), alta umidade relativa do ar e chuvas frequentes favorecem o desenvolvimento da doença. O correto manejo da antracnose é imprescindível para evitar reduções na produtividade da cultura no Brasil. O manejo da doença deve começar com a escolha de híbridos que apresentem um bom nível de resistência. Outras medidas como uso de adubação equilibrada, principalmente quanto à relação nitrogênio/potássio, manejo correto de irrigação, manejo de pragas e plantas daninhas, uso de densidade de plantio recomendada para a região e para as cultivares, realização do plantio e da colheita em épocas adequadas devem ser consideradas para o manejo dessa enfermidade. Práticas que reduzam o potencial de inóculo

consequência da redução na absorção de água e nutrientes. No segundo caso, as perdas na produção se devem ao tombamento das plantas, o que dificulta a colheita mecânica e expõe as espigas à ação de roedores e ao apodrecimento, pelo contato com o solo. O tombamento das plantas é função do peso e da altura da espiga, da quantidade do colmo apodrecido, da dureza da casca e da ocorrência de ventos. A taxa de aumento da doença é uma função da quantidade inicial de inóculo presente nos restos de cultura, o que indica a importância do plantio direto e plantio em sucessão para o aumento do potencial de inóculo. A permanência do inóculo no campo está associada aos restos culturais. O fungo sobrevive como saprófita, desde que os tecidos da planta tenham sido previamente colonizados. Caso os restos culturais sejam enterrados, a capacidade de sobrevivência se reduz devido 16

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do patógeno nos restos de cultura e no solo, como rotação de culturas e/ ou de híbridos, são importantes para a redução da incidência da doença. Essas medidas, além de trazerem um benefício imediato ao produtor por reduzir o potencial de inóculo dos patógenos presentes na lavoura, contribuem para uma maior durabilidade e estabilidade da resistência genética presente nas cultivares comerciais por reduzirem a população de agentes patogênicos. A mais atrativa estratégia de manejo de doenças é a utilização de cultivares geneticamente resistentes, uma vez que o seu uso não exige nenhum custo adicional ao produtor, não causa nenhum tipo de impacto negativo ao meio ambiente, é perfeitamente compatível com outras alternativas de controle e é, muitas vezes, suficiente para o controle da doença. C Luciano Viana Cota, Dagma Dionisia da Silva e Rodrigo Véras da Costa, Embrapa Milho e Sorgo

Figuras 5 e 6 - Sintomas da antracnose no tecido interno do colmo e plantas de milho apresentando sintomas da antracnose do colmo em estádio próximo da colheita


Plantas daninhas

Aliado eficiente Como o uso de herbicidas pré-emergentes pode auxiliar no controle de daninhas, no aumento da produtividade e no manejo de resistência do glifosato nas culturas de soja e milho

O

glifosato passou a ser o herbicida mais utilizado em todo o mundo, com o advento da tecnologia RR, Roundup Ready. A tecnologia, implementada incialmente na soja resistente ao herbicida glifosato, também foi inserida, posteriormente, nas culturas do milho e do algodoeiro, permitindo assim o controle eficaz do amplo espectro de plantas daninhas de difícil controle, que se tornaram ainda mais problemáticas após a adoção do sistema plantio direto e passaram a ser controladas com uma maior praticidade, por um mesmo ingrediente ativo. Porém, sabe-se que devido à não adoção das boas práticas agrícolas, como a aplicação continuada de um mesmo princípio ativo sobre um determinado alvo, se pode selecionar indivíduos resistentes, em uma população. No Brasil, já foram relatados alguns casos de plantas daninhas resistentes ao herbicida glifosato, que pertence ao grupo EPSPs. São exemplos Digitaria insularis (campim-amargoso), Euphorbia heterophylla (leiteiro/ amendoim-bravo) e Amaranthud hybridus (caruru) (https:// www.hrac-br.org). Além disso, nem sempre se consegue realizar a intervenção com o herbicida no “time” ideal de controle das daninhas, seja por condições técnicas, climáticas ou operacionais, sendo, muitas vezes, necessário utilizar doses mais elevadas ou mes-

mo repetir uma operação, aumentando-se assim os custos de produção, bem como os riscos de escape de controle e problemas de resistência, acarretando perda de produtividade para a matocompetição. Vale ressaltar que o mercado de insumos já prevê a falta do herbicida glifosato na indústria química, refletindo diretamente na elevação dos preços, aumentando o custo de produção, principalmente da soja. Sendo assim, para a próxima safra, o produtor deve estar preparado para lidar com a falta de oferta e garantir o uso racional dessa molécula. Nesse contexto, é importante otimizar a aplicação do glifosato nos talhões da fazenda. Após a identificação dos talhões com maior índice de plantas daninhas, a utilização do glifosato deverá ser realizada preferencialmente no período da manhã, já que essa molécula é extremamente dependente da luz. Além disso, o produtor pode se beneficiar da adoção dos herbicidas pré-emergentes, pois além de rotacionar princípio ativo e evitar problemas com resistência, permite uma maior segurança e tempo hábil no controle das plantas daninhas presentes nos cultivos, muitas vezes sem a necessidade de se realizar mais de uma pulverização do herbicida glifosato, na pós-emergência da cultura. Assim, desenvolveu-se um trabalho na Fundação Chapadão em três áreas, onde o manejo de plantas daninhas foi realizado Fotos Suélen Cristina da Silva Moreira

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A

B

C

(A) Área 1 - testemunha sem manejo de daninhas; (B) Área 2 - manejo com glifosato na pós-emergência; (C) Área 3 - aplicação do pré-emergente Metolacloro

com e sem adoção de herbicidas pré-emergentes, bem como um tratamento testemunha (sem controle). Para tal, nessas áreas foi realizada uma dessecação, aos 20 dias antes do plantio (DAP) da cultura da soja, utilizando-se os herbicidas: glifosato + saflufenacil + óleo mineral, dose 2.050g.i.a/ha + 15g.i.a/ há + 0,05%. No dia do plantio (aplique e plante) realizou-se uma nova operação de dessecação, com herbicida: diquate + óleo mineral, dose 1.935,8g.i.a/ha + 0,05%, nas três áreas do estudo. O plantio da cultivar TMG 7368 foi realizado no dia 11 de novembro de 2020. Na Área 1, nenhum manejo de plantas daninhas foi realizado até as avaliações de controle (Testemunha). Na Área 2, realizou-se o manejo de plantas daninhas na pós-emergência da soja, utilizando-se o herbicida: glifosato, dose 1.640g.i.a/ha, no estádio V3, de desenvolvimento da cultura (Manejo somente em pós-emergência). Já na Área 3, após as operações de dessecação, foi realizada, aos três dias

depois do plantio (plante e aplique) da soja, a aplicação do pré-emergente S-Metolacloro, dose 1.440g.i.a/ha (Manejo com pré-emergente). Após a realização das avaliações (a cultura encontrava-se no estádio de desenvolvimento V7), padronizou-se o manejo com uma aplicação de: glifosato + cletodim + óleo mineral, dose 1.640 + 760 g.i.a/ha + 0,05% nas três áreas do experimento. Aos 14 e 21 DAE realizou-se a avaliação do controle de plantas daninhas, separando-se por espécie presente no experimento: campim-amargoso (Digitaria insularis), campim-pé-de-galinha (Eleusine indica) e trapoeraba (Commelina benghalensis), atribuindo-se a seguinte escala de notas: 0, para nenhum controle e 100 para a morte total da planta daninha, segundo a metodologia adaptada da Alam (1974). Realizou-se, ainda, a colheita de duas linhas centrais de cinco metros de comprimento, em quatro pontos de cada área, transformando-se o valor obtido

Figura 1 - Eficiência de herbicidas no controle de capim-amargoso (Digitaria insularis), capim-pé-de-galinha (Eleusine indica) e trapoeraba (Commelina benghalensis) na cultura da soja, em três Áreas. Sem manejo de herbicidas (Área 1); com herbicida pós-emergente (Área 2); com herbicida pré-emergente (Área 3). Fundação Chapadão, Chapadão do Sul, MS. Segunda safra 2021

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em sacas por hectare (60kg), ajustado a 13% de umidade. Verificou-se aos 14 DAE, 100% de controle das daninhas na área onde se utilizou o pré-emergente (Área 3), ao passo que no local em que o pré-emergente não foi implementado no manejo (Área 2) a eficiência de controle foi insatisfatória (60%), sendo necessário realizar uma intervenção com glifosato nessa área (Figura 1). Já aos 21 DAE, o controle na Área 3, onde nenhuma intervenção na pós-emergência da soja havia sido realizada, encontrava-se com percentual de controle satisfatório, com 10% a mais de eficiência em comparação ao manejo da Área 2 (Figura 1). Quando se avaliou a produtividade nessas áreas, observou-se que a adoção do pré-emergente além de reduzir uma aplicação do herbicida glifosato na Área 3, proporcionou incremento de 8,7 sacas de soja/ha em relação ao manejo realizado na Área 2, evidenciando que essa é uma estratégia técnica e economicamente viável. Já em relação à testemunha (Área 1), sem manejo de plantas daninhas, o incremento foi de até 28,89 sacas de soja/ha (Figura 2). Nessas mesmas áreas, o estudo foi repetido na cultura do milho. Para tal foi realizada uma dessecação, em área total, utilizando-se: diquate + óleo mineral, dose 1.935,8g.i.a/ha + 0,05%. Foi realizado o plantio do híbrido MG 711 PWU, no dia

Figura 2 - Produtividade da soja em três Áreas. Sem manejo de herbicidas (Área 1); com herbicida pós-emergente (Área 2); com herbicida pré-emergente (Área 3). Fundação Chapadão, Chapadão do Sul, MS. Segunda safra 2021


8 de março de 2021. Na Área 1, não foi realizado o manejo de plantas daninhas durante o período de avaliações de eficiência de controle. Na Área 2, aos 21 dias após a emergência (DAE) do milho, realizou-se o manejo das plantas daninhas com os herbicidas: atrazina + tembotriona + óleo mineral, nas doses de 1.800g.i.a/ ha + 156,6g.i.a/ha + 0,05%. Já na Área 3 realizou-se o manejo com pré-emergente, aos três dias após o plantio (DAP) da cultura, utilizando-se: S-metolacloro, na dose de 1.440g.i.a/ha. Nessa mesma área, aos 28 DAE, realizou-se uma nova aplicação, utilizando-se os herbicidas pós-emergentes: atrazina + tembotriona + óleo mineral, nas doses de 1.800g.i.a/ha + 156,6g.i.a/ha + 0,05%. Aos 14 DAE e 21 DAE realizou-se a avaliação do controle de plantas daninhas, separando-se por espécie presente no experimento: campim-amargoso (Digitaria insularis), campim-pé-de-galinha (Eleusine indica), trapoeraba (Commelina benghalensis) e buva (Conyza sp), atribuindo-se a seguinte escala de notas: 0, para nenhum controle e 100, para a morte total da planta daninha, segundo a metodologia adaptada da Alam (1974). Realizou-se ainda a colheita de duas linhas centrais de três metros de comprimento, em quatro pontos de cada área, transformando-se o valor obtido em sacas por hectare (60kg), ajustado a 13% de umidade.

Fotos Suélen Cristina da Silva Moreira

Desempenho do cultivo nas áreas 1, 2 e 3 em experimento realizado na Fundação Chapadão

Verificou-se, aos 14 DAE, 95% de controle das plantas daninhas na área onde se utilizou o pré-emergente (Área 3). Ao passo que na área onde não foi realizado o manejo preventivo de ervas daninhas (Área 2) a eficiência de controle observada foi de 70% (Figura 3). Aos 21 DAE, o controle na Área 3, onde se utilizou o tratamento em pré-emergência, ainda apresentava uma excelente performance de controle (90% de eficiência). Já na Área 2 a eficiência de controle apresentou-se insatisfatória (60%), sendo necessário, nesse momento, realizar uma aplicação em pós-emergência com os herbicidas: atrazina + tembotriona + óleo mineral, nas doses de 1.800g.i.a/ha + 156,6g.i.a/ha + 0,05%. Ao final do ciclo da cultura foi realizada avaliação de produtividade. Na Área 3, onde foi realizada a aplicação do pré-emergente, observou-se um incremento de 2,78 sc/ha de milho em relação à Área 2 (sem pré-emergente). Já em relação à testemunha (Área 1), onde realizou-se aplicação de herbicida

Figura 3 - Eficiência de herbicidas no controle de capim-amargoso (Digitaria insularis), capim-pé-de-galinha (Eleusine indica), trapoeraba (Commelina benghalensis) e buva (Conyza sp), na cultura do milho, em três Áreas. Sem manejo de herbicidas (Área 1); com herbicida pós-emergente (Área 2); com herbicida pré-emergente (Área 3). Fundação Chapadão, Chapadão do Sul, MS. Segunda safra 2021

somente na pós-emergência da cultura (DAE), o incremento de produtividade foi de 6,86 sc/ha de milho (Figura 4). Vale ressaltar que mesmo sendo realizada uma intervenção com herbicidas, em pós-emergência do milho em ambas as áreas (Área 2 e Área 3) verificou-se redução da matocompetição no estádio inicial de desenvolvimento da cultura na Área 3, sendo evidenciado pelo acréscimo de 2,78 sc/ha em relação à Área 2. Esse incremento poderia ser ainda maior se o estudo tivesse sido implantado dentro da janela de plantio, que permite o estabelecimento da cultura em condições regulares de chuva, além de outros fatores ambientais determinantes para produtividade. Além disso, a falta de chuva interrompeu a germinação de novos fluxos de C plantas daninhas nessas áreas. Claudemir Marcos Theodoro, Suélen Cristina da Silva Moreira, Yasmin Calixto Milken e Édipo Silva Freitas, Fundação Chapadão

Figura 4 - Produtividade da soja em três Áreas. Sem manejo de herbicidas (Área 1); com herbicida pós-emergente (Área 2); com herbicida pré-emergente (Área 3). Fundação Chapadão, Chapadão do Sul, MS. Segunda safra 2021

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Capa

Sem hesitar Praga crescente nas lavouras, o percevejo barriga-verde é um dos grandes desafios no sistema de produção agrícola brasileiro. Para não errar no manejo é preciso entender a dinâmica desse inseto, de ciclo curto, alta capacidade de reprodução e dono de uma gama de hospedeiros que inclui plantas daninhas

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iversos são os desafios enfrentados pelos produtores nas últimas safras no manejo de pragas. O agroecossistema utilizado nos mais de 40 milhões de hectares de soja do Brasil apresenta várias características favoráveis à sua multiplicação. A complexidade do sistema de produção, com culturas concomitantes, semeadas em sucessão, ou mesmo a presença de plantas remanescentes (“tigueras”), aliada a características das pragas, como a polifagia e a migração, tem levado ao aumento de aplicações e prejuízos às culturas. O sistema de produção de muitas áreas apresenta o milho em sucessão, sendo semeado logo após a colheita da cultura anterior. Esta cultura na segunda safra tem proporcionado ganhos em produtividade e rentabilidade nos últimos anos, apesar das intempéries climáticas. Na safra 2021/2022, de modo geral no Brasil, observou-se em muitas regiões a semeadura em uma janela anterior à safra 2020/2021. O fator clima propiciou tal cenário, levando para alguns produtores uma janela pequena, com colheitas já se iniciando no final de 2021. Este fato, no entanto, para alguns agricultores acaba não ocorrendo, em função do preparo, abastecimento de insumos, entre outros fatores, levando a “janelas” longas de semeadura. Estes fatores são muito importantes no entendimento da dinâmica de pragas. As pragas atuais apresentam grande polifagia, o que leva ao ataque inicial nas culturas, além da sua presença nas plantas daninhas, e mesmo em plantas remanescentes que hora não são controladas. Desta forma, existem hospedeiros para as pragas durante o ano todo, e aliados a outros fatores, como condições climáticas favoráveis, altas temperaturas e inverno ameno, tornam-se ideais para a multiplicação dos insetos. Entre as pragas migratórias, os percevejos fitófagos são o maior custo no Brasil, entre controle e prejuízos, sendo a média de três aplicações a

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cinco aplicações comumente realizadas pelos produtores no estado de Mato Grosso do Sul. Esses insetos destacam-se ainda no sistema de produção das grandes áreas de Cerrado, envolvendo as culturas de soja e milho. Este número aumenta para cinco aplicações a nove aplicações na safra e segunda safra, no ano agrícola. Compreender as diferentes “janelas de semeaduras”, ano após ano, leva o produtor e técnico ao maior entendimento da dinâmica populacional para o manejo. O percevejo barriga-verde (Diceraeus (Dichelops) melacanthus e D.furcatus) nas últimas safras aumentou em mais de 20% a sua infestação na grande maioria das áreas de soja, e algumas com até 100% de frequência e infestação. Fato constatado nos monitoramentos realizados na região dos Chapadões (Tomquelski, 2021). Na cultura do milho o número de aplicações, que na média era de uma aplicação em diversas regiões, passou para duas a três aplicações, e em algumas regiões do Mato Grosso até cinco aplicações somente no milho segunda safra. As explicações e os fatores que têm levado ao aumento desta praga são vários, mas entre os principais merece destaque o aumento na frequência de plantas tigueras. As plantas de milho têm aumentado sua frequência ao lon-

Fotos Germison Tomquelski

Folhas de plantas de milho danificadas pela ação da praga

go dos anos, principalmente as plantas com resistência ao glifosato, por apresentar maior custo e dificuldade no manejo. Alguns trabalhos observaram que espigas de milho que caíram ao solo geraram seis fluxos de milho (Adegas et al., 2015), o que pode ocasionar um número maior de aplicações na cultura da soja, principalmente em áreas com falhas no estande. Outro fator reside na adaptação dos percevejos no sistema de produção, que ocorre há vários anos, sendo o

período de entressafra uma época importante para entender a sua dinâmica (Rattes, 2004). De modo geral ao longo dos anos os percevejos se adaptaram às diversas plantas daninhas, sendo algumas delas de maior ocorrência atualmente, em função da seleção dos herbicidas utilizados. Entre as plantas daninhas de destaque na região central do Brasil estão trapoeraba (Commelina benghalensis), capim-amargoso (Digitaria insularis), buva (Conyza bonariensis), capim pé-de-galinha (Eleusine

Gráfico 1 - Efeito do inseticida em dessecação, TS e pós-inicial na cultura do milho sobre os danos de Diceraeus melacanthus (200 plantas avaliadas - nota Bianco) em milho. Desafio Agro Faz. Rio Grande. Chapadão do Sul/MS - Safra 20/21 - Exp.C1039M

Presença da praga em plantas daninhas tem aumentado a dificuldade de lidar com o problema

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Fotos Germison Tomquelski

Percevejo barriga-verde permanece próximo ao solo, o que dificulta, muitas vezes, que os inseticidas atinjam o alvo

indica) e por último o aumento de infestações da vassourinha de botão (Spermacocea verticillata) nos estados da Bahia, Mato Grosso, Piauí, Maranhão e Tocantins. Trabalhos realizados por Tomquelski et al., 2015 e Castro et al., 2020 verificaram 100% de frequência de D. melacanthus em plantas daninhas de C. benghalensis. Consequentemente, áreas de milho na sucessão à soja apresentaram danos superiores a 20% diante da presença da praga e da planta daninha no sistema. A praga possui ciclo que varia de 25 dias a 45 dias na região dos Chapadões. Apresenta, entre os percevejos, grande capacidade de reprodução, podendo a fêmea colocar mais de 80 ovos, superior a outras espécies comuns no Brasil. Com ciclo menor, alta taxa reprodutiva e podendo ocorrer até seis gerações no sistema de produção, dependendo da oferta de alimento e de outros fatores, com certeza é um dos grandes desafios de manejo. A base de seu manejo passa por um bom monitoramento dos indiví-

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duos no sistema, onde a soja deve ter a atenção especial. Nesta cultura as observações se iniciam por ocasião da dessecação anterior à semeadura e no estádio vegetativo, com a observação na cultura (cotilédones – plantas), plantas daninhas e tigueras de milho, a fim de entender a população presente. A supressão destas populações deve ser realizada quando não houver ocorrência de inimigos naturais, aumentos populacionais (início de ciclo na cultura) e, principalmente, hospedeiros alternativos. Inseticidas à base de acefato e (zetacipermetrina + bifentrina) são atualmente as ferramentas de maior eficiência, no entanto, o uso de outros piretroides pode também manter populações baixas. Alguns inseticidas biológicos (Beauveria e Metarhizium) estão sendo avaliados em aplicações na fase vegetativa da cultura da soja, já apresentando resultados promissores de controle, em função da maior exposição da praga nesta fase da cultura. Aplicações ao final da cultura da soja, em estádios mais avançados ou na dessecação (desfolha) da cultura,

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tendem a levar à diminuição de parte das populações da praga, principalmente espécies como Euschistus heros, chegando a resultados de 70% de supressão. No entanto, o PBV tende a ter resultados menores, em função de a praga estar mais próxima ao solo, e pouco inseticida alcançar a parte inferior das plantas. Mas os resultados mostram que estas aplicações na última safra levaram a resultados de 20% na diminuição dos danos da praga na cultura do milho (Gráfico 1). Um fator fundamental é o monitoramento ao final da cultura da soja, que pode ser realizado com “iscas” de milho (dez-20 sementes agrupadas – plantas de milho), em que a praga irá atacar, sendo colocadas anteriormente à dessecação e à desfolha da cultura. Estimativas com o pano de batida (método usual na cultura da soja) têm mostrado que somente 15% a 30% da população é verificada neste método. Da mesma forma no milho, na fase inicial, “iscas” com soja colocadas em uma solução com sal, deixadas por um período de seis horas, alocadas nos campos, ajudam a identificar as populações que podem vir a atacar na emergência. Os horários para amostragem e manejo também são pontos que fazem a diferença, sendo que os trabalhos de pesquisa têm mostrado que horários ao final da tarde têm promovido melhores resultados, além de períodos pós as primeiras horas da manhã. Entre as estratégias de manejo, o tratamento de sementes promove supressão da população inicial, levando a maior uniformidade de plantas e consequentemente a mais produtividade. Esta estratégia, atualmente muito utilizada no milho, deve ser repensada também para a cultura da soja, a fim de trabalhar melhor a dinâmica populacional da praga. A estratégia do tratamento de sementes avançou muito com a utilização de polímeros, estimulantes (promotores) e principalmente com o avanço em máquinas no processo. Na cultura do milho é grande a diferença do tratamento de sementes industrial,


quando comparado à média de tratamento nas fazendas. Este fato deve-se principalmente à melhoria da homogeneidade da dose nos grãos, garantindo a dose correta para cada semente – planta. Alguns trabalhos mostraram discrepâncias nas doses de até 40% de uma semente para outra. Entre as estratégias no milho, a primeira aplicação por ocasião do “palito” – um a dois dias após a emergência - é fundamental para o manejo da população migrante que estava presente na lavoura ou em áreas circunvizinhas, levando a danos iniciais. A definição da reaplicação é baseada no monitoramento, atentando-se aos horários, mas trabalhos no passado apresentavam intervalos de sete dias. No entanto, nos últimos anos em função da maior pressão ocorreu a necessidade de rever isto, com intervalo reduzido a cinco dias. O controle da praga neste momento de pulverizações exige que os inseticidas tenham um bom efeito de choque, e certa persistência ainda na planta. Este período de controle da praga em função da aplicação muitas vezes é de um a dois dias no máximo, ou seja, não se tem controle após este intervalo, em função das características de rápido desenvolvimento das plantas, além de que, muitas vezes por ocasião do desenvolvimento inicial, a frequência de chuvas leva à diminuição do período de controle. Quanto ao controle químico, ferramenta mais empregada no manejo do PBV, existe um fator a ser analisado, que é, muitas vezes, a questão da exposição das moléculas, fazendo com que aplicações fiquem aquém do esperado. As diferenças regionais ocorrem muito em função da ampla utilização de certa molécula, levando à necessidade de rotação. E outro fator é a necessidade, em função da exposição, do aumento de doses das diversas ferramentas existentes no mercado. Atualmente o PBV é a espécie de maior tolerância nas diversas regiões produtoras. Nesta definição do número de aplicações o técnico precisa entender o

potencial de dano da praga, onde cada indivíduo pode atacar até sete plantas de milho, o que, dependendo do dano, pode levar a perdas de até 100% (planta dominada sem espiga – “encharutamento”). A escala de Bianco (2005) auxilia a traçar as estratégias de manejo na cultura do milho, entretanto, muitas vezes os danos da praga ocorreram de dez a 14 dias antes. Somente um bom planejamento, monitoramento e equipe bem treinada para executar o manejo no momento adequado são capazes de proteger não só a cultura implantada, mas também trabalhar esta dinâmica, diminuindo gerações e migrações.

O controle cultural, eliminando os restos da cultura antecessora (tigueras) e possíveis plantas hospedeiras (daninhas), pode ser, além do primeiro passo, a estratégia de melhor resultado antes dos surtos populacionais. Novos e velhos desafios, que para serem vencidos somente com muita informação e atenção às lavouras para se chegar a altos patamares de produtiviC dade e rentabilidade. Yasmin Milken, Mariana Vale e Germison Tomquelski, Desafios Agro

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Juliano Farias /Instituto Phytus

Capa

Alvo atingido Qual o melhor modo de exposição de inseticidas para o controle do percevejo barriga-verde e em que horário devem ser realizadas as aplicações para melhorar as chances de sucesso contra essa praga que tem alto potencial de comprometer a produtividade e a qualidade dos grãos

O

s percevejos pentatomídeos são considerados os principais problemas nos cultivos de verão e de segunda safra (safrinha) na região do Cerrado brasileiro, cujos danos resultam na redução de estande das culturas, diminuição da produtividade, bem como da qualidade dos grãos e das sementes produzidas. O percevejo barriga-verde, Diceraeus melacanthus (Dallas, 1851) (Hemiptera: Pentatomidae), representa um sério problema especialmente na cultura do milho safrinha, onde causa danos expressivos. Sua distribuição no País se estende principalmente pelas regiões agrícolas mais quentes, como é o caso do Centro-Oeste, tendo o seu primeiro registro reportado no Brasil em plantas de milho do município de Rio Brilhante, Mato Grosso

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do Sul (Ávila & Panizzi, 1995). Os danos na cultura do milho variam de pequenas perfurações nas folhas e encharutamento das plantas, injúrias no cartucho, perfilhamento ou até mesmo a morte da planta, que repercutem em perdas de produtividade. Esses insetos se alimentam também de soja, trigo, aveia, triticale e algumas espécies de plantas daninhas, que ocorrem na entressafra, sendo já registradas 29 espécies hospedeiras dessa praga no Brasil, abrangendo dez diferentes famílias de plantas. A população do percevejo barriga-verde aumenta exponencialmente no final do ciclo da soja, principalmente nos sistemas de sucessão de culturas implantadas em plantio direto, com o seu pico populacional sendo observado no início do ciclo do cultivo do milho safrinha. O controle do percevejo barriga-

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-verde tem sido realizado basicamente através de inseticidas químicos aplicados em pulverizações das plantas ou via tratamento de sementes. Os neonicotinoides tornaram-se o grupo químico mais utilizado no manejo desses insetos nas culturas da soja e do milho, os quais na maioria das vezes são utilizados em mistura com piretroides. Os inseticidas de contato sistêmicos são tóxicos pelo modo de exposição contato direto, como também afetam o sistema neuromuscular dos insetos. O uso da mistura piretroides + neonicotinoide confere bons níveis de controle dos insetos-praga, pois os piretroides são conhecidos pelo seu efeito de choque, enquanto os neonicotinoides por possuírem um bom efeito residual. Todavia, pouco se conhece sobre os efeitos dos diferentes modos de exposição dos princípios ativos, seja em mistura


INSTALAÇÃO DOS ENSAIOS

Foram avaliados 16 tratamentos (15 ingredientes ativos + testemunha) sobre adultos do percevejo D. melacanthus (Tabela 1). Os tratamentos químicos avaliados neste trabalho correspondem exatamente às doses de inseticidas recomendadas para o controle de D. melacanthus na cultura do milho. Vale ressaltar que no caso de produtos formulados em mistura, os componentes dessa mistura foram testados juntos e separadamente, para avaliar o efeito exclusivo de cada ingrediente ativo da mistura no controle do percevejo. Dessa forma, os diferentes tratamentos foram avaliados em três modos de exposição, como segue: contato direto (aplicação direta da calda inseticida sobre o inseto); contato tarsal (exposição dos percevejos aos inseticidas apenas pelo caminhamento sobre uma superfície tratada) e ingestão (contato dos percevejos através de sua alimentação em vagens frescas de feijão tratadas). No ensaio de contato direto, os trata-

Tabela 1 - Tratamentos (ingredientes ativos i.a.) utilizados, isoladamente ou em mistura, para o controle de adultos do percevejo Diceraeus melacanthus em três modos de exposição: contato direto, contato tarsal e ingestão. Dourados/ MS. Embrapa Agropecuária Oeste. 2020 g i.a./ha¹ 100,0 12,5 100,0 + 12,5 35,2 26,5 35,2 + 26,5 20,0 100,0 + 20,0 750,0 75,0 + 75,0 75,0 75,0 30,0 + 90,0 30,0 90,0 -

Tratamentos (i.a.) Imidacloprido Beta-Ciflutrina Imidacloprido + Beta-Ciflutrina Tiametoxam Lambda-Cialotrina Tiametoxam + Lambda-Cialotrina Bifentrina Imidacloprido + Bifentrina Acefato Acetamiprido + Bifentrina Acetamiprido Bifentrina Bifentrina + Carbosulfano Bifentrina Carbosulfano Testemunha (sem inseticida)

¹Doses recomendadas para o controle de D. melacanthus na cultura do milho segundo Agrofit (2020)

mentos foram pulverizados diretamente sobre os adultos do percevejo, utilizando-se pulverizador de pressão constante (CO2) equipado com bico tipo cone e empregando-se um volume de calda equivalente a 150L/ha. Posteriormente, esses insetos tratados (dez adultos do percevejo) foram colocados em bandejas plásticas retangulares de 0,2m x 0,4m forradas com papel toalha (Figura 1A). Para contenção dos insetos nas bandejas utilizou-se tecido tule, o qual foi fixado nas bordas superiores das bandejas com elástico, para cobri-las. No ensaio de contato tarsal, bandejas como as descritas previamente para o ensaio de contato direto foram forradas na sua base e nas bordas com Embrapa Agropecuária Oeste. 2020

ou individualmente sobre percevejos fitófagos, desconhecendo-se a contribuição exclusiva que cada modo de exposição (contato, contato tarsal e ingestão) apresenta no controle dessas pragas. Os efeitos mais conhecidos são os de contato direto dos insetos com cada inseticida, enquanto as demais formas de exposição não têm sido quantificadas. Diante desse cenário, faz-se necessário a condução de estudos para avaliar a eficácia de inseticidas considerando os diferentes modos de exposição para o controle dos percevejos. O desenvolvimento de trabalhos dessa natureza é de extrema importância, uma vez que poderão indicar o modo de exposição mais eficaz para o controle dessas pragas, em uma determinada situação nos diferentes cultivos em que ocorrem. Foram conduzidos na Embrapa Agropecuária Oeste estudos para avaliar a toxicidade de inseticidas, aplicados isoladamente ou em mistura, em três diferentes modos de exposição para o controle de adultos do percevejo barriga-verde, D. melacanthus.

A

B

folhas verdes de soja, sobre as quais realizaram-se as pulverizações como os mesmos tratamentos do ensaio de contato direto e deixadas assim em repouso para secar (Figura 1B). Após a secagem da calda inseticida nas folhas de soja, dez percevejos adultos foram liberados para caminhamento sobre a superfície tratada de modo que o contato do inseto com os produtos pulverizados fosse apenas pelo seu tarso. À semelhança do ensaio de contato direto, as bandejas de plástico foram também cobertas com tule e fixadas nas bordas com elástico. Já no ensaio de contato por ingestão os mesmos tratamentos foram pulverizados sobre vagens frescas de feijão comum, as quais, depois de secar a calda inseticida, foram oferecidas aos percevejos para alimentação. Para isso, dez percevejos adultos foram colocados dentro de uma gaiola de PVC, de 100mm de diâmetro, forrada na sua parte superior com tule, sobre o qual continham três vagens de feijão tratadas que foram oferecidas para a alimentação dos percevejos presentes na gaiola. Para evitar o contato tarsal do percevejo com as vagens tratadas, foram colocados canudos de plástico (diâmetro de 2,5mm) entre as vagens e o tecido tule da gaiola, de modo que o inseto tivesse contato às vagens apenas pelo seu estilete, durante a alimentação (Figura 1C). Após a instalação dos três ensaios avaliou-se a mortalidade dos percevejos nos períodos de uma hora, cinco horas, 24 horas e 48 horas após o início do contato dos insetos em cada modo de exposição. Os percentuais de mortalidade obtidos foram submetidos à análise de variância e, quando constatado efeito significativo de tratamento, as C

Figura 1 - Detalhes das bandejas e gaiolas utilizadas para pulverização dos tratamentos químicos ou liberação dos adultos de D. melacanthus nos ensaios de modos de exposição contato direto (A), contato tarsal (B) e ingestão (C)

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médias foram comparadas pelo teste de Scott-Knott, a 5% de probabilidade. Para facilitar a interpretação dos resultados, os percentuais de controle foram agrupados em três categorias: vermelho, que apresentou de 0% a 50% de controle; amarelo, de 50% a 80%, e verde, acima de 80% de controle do percevejo. Todos os ensaios foram conduzidos no delineamento inteiramente casualizado com os 16 tratamentos (ingredientes ativos + testemunha) em quatro repetições (bandejas ou gaiolas de PVC com dez insetos adultos cada).

RESULTADOS OBTIDOS

Fotos Dirceu Gassen

No ensaio de contato direto, todos os tratamentos químicos apresentaram mortalidade significativa do percevejo barriga-verde em todas as avaliações realizadas, à exceção dos tratamentos acefato (750) e beta-ciflutrina (12,5), que não apresentaram mortalidade significativa do percevejo na primeira avaliação e nas duas primeiras avaliações, respectivamente, quando comparados ao tratamento testemunha (Tabela 2). Esses resultados evidenciam um baixo efeito de “knock down” para o contato direto do acefato e da beta-ciflutrina aos adultos de D. melacanthus. Após cinco horas de exposição, à exceção do trata-

mento beta-ciflutrina (12,5), todos os demais tratamentos químicos melhoraram o nível de controle do percevejo, com destaque para o inseticida tiametoxam isolado ou em mistura com a lambadacialotrina, que já se mostraram eficientes (eficiência agronômica de controle maior ou igual a 80% da praga) no controle da praga (Tabela 2). Já na avaliação de 24 horas, após a pulverização, quase todos os tratamentos químicos testados apresentaram níveis de controle do percevejo iguais ou superiores a 85% por contato direto, à exceção de imidacloprido (100), beta-ciflutrina (12,5) e bifentrina (30) que proporcionaram níveis de controle intermediários, variando entre 65% e 78% (Tabela 2). Na avaliação de 48 horas todos os tratamentos químicos foram eficientes no controle do percevejo pelo contato direto (> 90%), à exceção da bifentrina (30) que apresentou um controle intermediário do inseto (75%). No ensaio de contato tarsal foram constatadas, de modo geral, baixas mortalidades do percevejo D. melacanthus para a maioria dos tratamentos avaliados com uma hora e cinco horas após a exposição dos insetos (Tabela 3), evidenciando que este modo de ação não proporciona um controle imedia-

Danos provocados pelo percevejo barriga-verde em folha de milho

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to do percevejo, independentemente do tratamento químico avaliado. Já na avaliação de 24 horas os tratamentos bifentrina (75), acefato (750), acetamiprido + bifentrina (75 + 75), bifentrina + carbosulfano (30 + 90), bifentrina (30) apresentaram controle intermediário do percevejo (53% a 65%), enquanto a 48 horas estes quatro últimos tratamentos apresentaram níveis de controle variando de 83% a 100% (Tabela 3). Nas três primeiras avaliações do ensaio com modo de exposição por ingestão (uma hora, cinco horas e 24 horas), todos os tratamentos químicos testados apresentaram, de um modo geral, baixa ou nula mortalidade dos percevejos (Tabela 4). Todavia, após o período de 48 horas da exposição, os tratamentos bifentrina (20), imidacloprido + bifentrina (100 + 20,0) e acefato (750) apresentaram mortalidade intermediária dos percevejos, variando entre 50% e 75%, enquanto os demais tratamentos químicos apresentaram níveis de mortalidade que não diferiram do tratamento testemunha (Tabela 4). Os resultados obtidos nesta pesquisa evidenciaram que a forma mais efetiva para causar toxicidade e, consequentemente, mortalidade do percevejo barriga-verde é através do contato direto do inseto com a calda inseticida, quando comparado aos modos de exposição contato tarsal e ingestão. Todavia, o método de exposição contato tarsal mostrou-se também relativamente eficiente em causar mortalidade do percevejo após 24 horas e principalmente após o período de 48 horas de exposição para alguns tratamentos químicos. Já para o contato por ingestão, todos os tratamentos químicos testados apresentaram, de um modo geral, baixa eficiência no controle do percevejo, à exceção de alguns poucos que apresentaram apenas um nível intermediário de controle da praga na última avaliação do ensaio. Embora os percentuais de redução populacional do percevejo barriga-verde tenham sido relativamente baixos por contato tarsal e principalmente por ingestão, esses percentuais não devem ser descon-


Tabela 2 - Porcentagem média acumulada de controle de adultos de Diceraeus melacanthus observada no modo de exposição contato direto, no período de 1, 5, 24 e 48 horas após a pulverização dos percevejos com diferentes tratamentos. Dourados/MS. Embrapa Agropecuária Oeste. 2020 Tratamentos (g i.a./ha) Imidacloprido (100,0) Beta-ciflutrina (12,5) Imidacloprido + beta-ciflutrina (100,0 + 12,5) Tiametoxam (35,2) Lambda-cialotrina (26,5) Tiametoxam + lambda-cialotrina (35,2 + 26,5) Bifentrina (20,0) Imidacloprido + bifentrina (100,0 + 20,0) Acefato (750,0) Acetamiprido + bifentrina (75,0 + 75,0) Acetamiprido (75,0) Bifentrina (75,0) Bifentrina + carbosulfano (30,0 + 90,0) Bifentrina (30,0) Carbosulfano (90,0) Testemunha (sem inseticida)

Período de avaliação (horas) 1h 5h 24h 48h 43 b 65 b 78 b 90 a 0c 5d 65 c 100 a 48 a 63 b 98 a 100 a 60 a 83 a 93 a 100 a 53 a 65 b 85 b 98 a 58 a 85 a 100 a 100 a 28 b 50 c 93 a 100 a 33 b 55 c 95 a 100 a 0c 60 b 98 a 100 a 70 a 70 b 100 a 100 a 28 b 48 c 100 a 100 a 33 b 40 c 100 a 100 a 55 a 65 b 100 a 100 a 45 a 68 b 75 b 75 b 50 a 70 b 100 a 100 a 0c 3d 10 d 15 c

Médias seguidas pela mesma letra, na coluna, não diferem estatisticamente pelo teste de Scott Knott (p < 0,05) 0 a 50% de mortalidade

50 a 80% de mortalidade

80 a 100% de mortalidade

siderados, pois complementarão a mortalidade obtida com o modo exposição contato direto e assim poderão garantir um bom controle total deste percevejo nos cultivos. Pode-se, portanto, inferir, que as pulverizações de inseticidas para o controle do percevejo barriga-verde nos cultivos devem ter sempre a preocupação para que a calda inseticida chegue onde o inseto esteja alojado no dossel foliar das plantas, para assim maximizar o efeito do contato direto dos ingredientes ativos aplicados e assim garantir uma melhor eficiência no controle dessa praga. Culturas que apresentam intenso dossel foliar podem impedir a chegada da calda do inseticida no alvo quando o percevejo estiver alojado na região mediana ou no baixeiro das plantas e, dessa forma, proporcionar um controle insatisfatório dessa praga. Essas informações reforçam a necessidade de se desenvolver tecnologias de aplicação ou identificar os horários mais adequados para se realizar uma pulverização que permita a chegada da calda dos inseticidas no alvo desejado. Trabalhos desenvolvidos na Embrapa Agropecuária Oeste mostraram que adultos e ninfas de Euschistus heros ficam mais expostos no terço superior das plantas de soja entre 11h e 14h. Este seria o período adequado para fazer a pulverização da soja para o controle dessa praga, pois irá maximizar o contato direto C da calda inseticida sobre o inseto.

Tabela 3 - Porcentagem média acumulada de controle de adultos de Diceraeus melacanthus observada no modo de exposição contato tarsal, no período de 1, 5, 24 e 48 horas após a exposição dos percevejos na superfície tratada com diferentes tratamentos. Dourados/MS. Embrapa Agropecuária Oeste. 2020 Tratamentos (g i.a./ha) Imidacloprido (100,0) Beta-ciflutrina (12,5) Imidacloprido + beta-ciflutrina (100,0 + 12,5) Tiametoxam (35,2) Lambda-cialotrina (26,5) Tiametoxam + lambda-cialotrina (35,2 + 26,5) Bifentrina (20,0) Imidacloprido + bifentrina (100,0 + 20,0) Acefato (750,0) Acetamiprido + bifentrina (75,0 + 75,0) Acetamiprido (75,0) Bifentrina (75,0) Bifentrina + carbosulfano (30,0 + 90,0) Bifentrina (30,0) Carbosulfano (90,0) Testemunha (sem inseticida)

Período de avaliação (horas) 1h 5h 24h 48h 0c 3b 13 b 33 b 0c 3b 3b 13 b 0c 3b 8b 28 b 0c 5b 10 b 40 b 0c 35 a 40 a 58 a 0c 0b 5b 35 b 0c 38 a 33 a 60 a 0c 28 a 30 a 63 a 8b 45 a 53 a 83 a 15 a 28 a 63 a 100 a 8b 23 a 35 a 73 a 3c 38 a 53 a 70 a 18 a 38 a 65 a 93 a 10 b 43 a 60 a 90 a 3c 13 b 15 b 28 b 0c 00 b 0b 6b

Médias seguidas pela mesma letra, na coluna, não diferem estatisticamente pelo teste de Scott Knott (p < 0,05) 0 a 50% de mortalidade

50 a 80% de mortalidade

80 a 100% de mortalidade

Tabela 4 - Porcentagem média de controle acumulada de adultos de Diceraeus melacanthus observada no modo de exposição de ingestão no período de 1, 5, 24 e 48 horas após o início da alimentação dos percevejos em vagens tratadas com diferentes tratamentos. Dourados/MS. Embrapa Agropecuária Oeste. 2020 Tratamentos (g i.a./ha) Imidacloprido (100,0) Beta-ciflutrina (12,5) Imidacloprido + beta-ciflutrina (100,0 + 12,5) Tiametoxam (35,2) Lambda-cialotrina (26,5) Tiametoxam + lambda-cialotrina (35,2 + 26,5) Bifentrina (20,0) Imidacloprido + bifentrina (100,0 + 20,0) Acefato (750,0) Acetamiprido + bifentrina (75,0 + 75,0) Acetamiprido (75,0) Bifentrina (75,0) Bifentrina + carbosulfano (30,0 + 90,0) Bifentrina (30,0) Carbosulfano (90,0) Testemunha (sem inseticida)

Período de avaliação (horas) 1h 5h 24h 48h 0a 0a 3b 5c 3a 3a 3b 3c 0a 5a 10 b 25 c 0a 0a 0b 5c 3a 3a 3b 5c 0a 3a 3b 13 c 0a 0a 5b 50 b 0a 10 a 38 a 70 a 0a 3a 28 a 75 a 0a 0a 5b 5c 0a 0a 5b 18 c 0a 0a 5b 15 c 0a 0a 8b 28 c 0a 0a 5b 10 c 0a 3a 8b 10 c 0a 1a 4b 4c

Médias seguidas pela mesma letra, na coluna, não diferem estatisticamente pelo teste de Scott Knott (p < 0,05) 0 a 50% de mortalidade

50 a 80% de mortalidade

80 a 100% de mortalidade

Crébio José Ávila, Embrapa Agropecuária Oeste Elizete Cavalcante de Souza Vieira, Marizete Cavalcante de Souza Vieira, Paula Gregorini Silva e Ivana Fernandes da Silva, Universidade Federal da Grande Dourados

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Soja

Aplicação avaliada O que já se sabe sobre a pulverização agrícola com drones, quais as vantagens, os cuidados necessários, a legislação que regula e o que ainda precisa ser estudado e melhorado nessa tecnologia, cujo uso tem crescido nas lavouras

A

tecnologia de aplicação de produtos fitossanitários pode ser definida pelo emprego de conhecimentos científicos e técnicos que proporcionam a correta colocação do produto biologicamente ativo no alvo de interesse. Esse processo deve envolver, preferivelmente, somente as quantidades necessárias de produto, de forma econômica e apresentar o mínimo de deriva para

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evitar atingir outras áreas localizadas na vizinhança do alvo planejado. Os sistemas de aplicação de produtos fitossanitários mais tradicionalmente utilizados no Brasil são os pulverizadores costais, os tratorizados (de arrasto ou autopropelidos) e as aeronaves agrícolas específicas para a operação de pulverização. Para o manejo de plantas daninhas, doenças e insetos que atacam a parte aérea da soja, a pulverização de produ-

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tos fitossanitários é uma ferramenta importante que o agricultor dispõe. Entre as doenças destaca-se a ferrugem-asiática, causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi, considerado o maior problema fitossanitário da cultura. Ocorre em praticamente todas as regiões produtoras de soja e pode causar perdas acentuadas de produtividade se não controlada. O percevejo-marrom (Euschistus heros) destaca-se como principal inseto-praga da cultura. Esse percevejo apresenta elevado potencial de dano, por atacar diretamente as estruturas reprodutivas, podendo ocasionar abortamento ou má formação de vagens e grãos, redução da massa e qualidade de grãos e sementes colhidas, além de retenção foliar e perdas durante o armazenamento da produção. Já o controle de plantas daninhas é fundamental para a obtenção de altas produtividades na soja, sendo o uso de herbicidas amplamente difundido na agricultura, pois além de eficiente, é ágil e tem uma boa relação custo/benefício quando comparado com outros métodos de controle.


Fotos Rafael Moreira Soares

Figura 1 - Croqui da área experimental para o teste de fungicida

Uso de drones pode auxiliar a atender à demanda de aplicações de defensivos agrícolas em diferentes locais e ambientes

A evolução tecnológica, em especial a agricultura de precisão, vem proporcionando cada vez mais a adoção de novas ferramentas para o processo de pulverização, com o objetivo de maior eficácia e rapidez, com menor custo e mitigação de riscos de contaminação ambiental e humana. Além disso, a expansão da soja tem levado seu cultivo para ambientes muito distintos, como em locais de relevo acidentado, perto de áreas urbanas, de proteção ambiental ou redes elétricas, entre outros, aumentando a necessidade da utilização de tecnologias de aplicação mais adequadas para essas situações, sendo que o uso de drones agrícolas pode ser uma dessas tecnologias. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), no ano de 2017, regulamentou o uso de aeronaves remotamente pilotadas (popularmente conhecidas como drones ou vants) em todo o País. O Regulamento Brasileiro de Aviação Civil Especial (RBAC) 94/2017 apresenta as normas para tornar as operações com esse tipo de equipamento mais viáveis e seguras. Alguns limites estabelecidos

no regulamento seguem definições de outras autoridades de aviação civil, como Federal Aviation Administration (FAA), Civil Aviation Safety Authority (Casa) e European Aviation Safety Agency (Easa), reguladores dos Estados Unidos, da Austrália e da União Europeia, respectivamente. Esse regulamento complementou as normas relacionadas às operações de drones, já estabelecidas pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) e pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Devido à evolução da tecnologia, com aumento na capacidade de carga e de tipos de utilização dos drones, a Anac tem demonstrado intenção em atualizar o regulamento, para que não se torne ultrapassado. De forma complementar, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) publicou a Portaria 298, de 22 de setembro de 2021, que estabelece regras para a operação de aeronaves remotamente pilotadas destinadas à aplicação de agroquímicos e afins, adjuvantes, fertilizantes, inoculantes, corretivos e sementes. Com isso, a partir de 1º de outubro de 2021, para

o trato de lavouras com os drones agrícolas será exigido que os operadores de empresas de aplicação ou o produtor rural usuário tenham registro no Mapa, através da plataforma do Sistema Integrado de Produtos e Estabelecimentos Agropecuários (Sipeagro). Além disso, para o trabalho em campo, será exigido que o aplicador seja maior de 18 anos e tenha curso de aplicação aeroagrícola remota (Caar), ministrado por entidade ou empresa de ensino autorizada pelo Mapa. Com o objetivo de determinar a viabilidade, desenvolver parâmetros técnicos e testar a eficiência de drones agrícolas, como veículo de pulverização de produtos fitossanitários, a Embrapa Soja iniciou um projeto no ano de 2020, onde serão conduzidos ensaios de campo para o controle de plantas daninhas, de insetos e de doenças na cultura da soja. Também serão avaliados aspectos da tecnologia de aplicação como diferentes vazões, pontas de pulverização, deposição e distribuição de gotas. Na safra 2020/2021 foram obtidos resultados preliminares, que tiveram

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Figura 2 - Severidade da ferrugem-asiática em função do estádio de desenvolvimento da soja, após aplicação de fungicida usando diferentes pulverizadores

foco na comparação entre as pulverizações utilizando o drone, o pulverizador tratorizado de arrasto e o costal. Os ensaios foram conduzidos no campo experimental da Embrapa Soja, em Londrina, Paraná. Com o objetivo de avaliar o controle da ferrugem-asiática com a pulverização de fungicida foram comparados três diferentes métodos de pulverização, utilizando drone, pulverizador tratorizado de arrasto e pulverizador costal pressurizado por CO2, mais um tratamento testemunha sem aplicação (Tabela 1). Foi empregado o delineamento de blocos ao acaso, com quatro repetições. As parcelas experimentais 30

Fotos Rafael Moreira Soares

Figura 3 - Depósito de inseticida (µg/folíolo) em três alturas da planta de soja. Colunas de cor igual e com a mesma letra não diferiram entre si pelo teste de Tukey (p≤0,05). Adaptado de Oliveira et al., 2021

tinham comprimento de 20 metros e largura distinta para cada tratamento, para adaptação a cada tipo de pulverizador (Figura 1). O comprimento de 20 metros foi adotado para ofertar cinco metros de bordadura em cada extremidade, para a aceleração e a desaceleração do drone. Nos tratamentos foram realizadas duas pulverizações, com base no monitoramento do clima e da ocorrência da doença na região e do estádio da cultura, nos estádios R2 e R5.1. Foi utilizado o fungicida bixafen + protioconazol + trifloxistrobina (62,5 + 87,5 + 75 g i.a./ha) na dose de 0,5L p.c./ha, em mistura com adjuvante (óleo vegetal emulsionável) na dose de 0,25% v/v. As avaliações de severidade da ferrugem-asiática ao longo do ciclo (Figura 2), com o cálculo da área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD), mostraram não haver diferença significativa entre os tratamentos com pulverização, sendo esses superiores à testemunha, com eficiência de controle acima de 95%. No entanto, períodos de déficit de chuvas durante boa parte da safra na região, não favoreceram a ocorrência severa da ferrugem-asiática, que incidiu sobre o ensaio entre os estádios R3/R4 e atingiu severidade de 26% na testemunha no estádio R5.5. Os ensaios serão repetidos na safra 2021/2022. Verificou-se leve fitotoxicidade do fungicida em algumas parcelas dos tratamentos de forma desuniforme após a primeira aplicação, com o costal e o drone, típica do princípio ativo protio-

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Pulverizador tratorizado de arrasto utilizado em aplicações na cultura da soja


Tabela 1 - Tratamentos testados para a aplicação de fungicida na soja Equipamento Testemunha sem aplicação Drone Costal – CO2 Tratorizado de arrasto

Modelo DJI Agras MG-1P CO2 barra de 4 bicos Jacto Advance 2000

conazol, caracterizada pelo amarelecimento e queima do tecido foliar entre as nervuras (folha carijó) das folhas superiores, mas que aparentemente não prejudicou o desenvolvimento das plantas. Supõe-se que, além do estresse hídrico no mês de fevereiro, no caso do costal, a fitotoxicidade possa ter ocorrido por desuniformidade na deposição do produto pela alteração da velocidade do passo do aplicador no percurso de 20 metros da parcela. Para o drone, a concentração da calda 15 vezes maior para o fungicida pode ter favorecido a fitotoxicidade. Em outro ensaio avaliou-se o depósito de inseticidas em diferentes alturas das plantas de soja obtido com a pulverização com drone, comparando com o pulverizador tratorizado de arrasto e o pulverizador costal. Foi pulverizada calda com mistura de corante azul brilhante (0,3%) e os inseticidas tiametoxam + lambdacialotrina (35,25 + 26,5 g i.a./ha) e bifentrina + carbossulfano (30 + 90 g i.a./ha), no estádio R5.2 de desenvolvimento da soja. A avaliação foi realizada por meio da coleta de folíolos para a análise de absorbância em espectrômetro ótico regulado para o comprimento de onda de 630nm. A estimativa do depósito do inseticida foi calculada considerando os valores de depósito de corante/folíolo (absorbância x concentração do corante) e a concentração de inseticida na calda. Os resultados indi-

Pulverizadores costais ainda são bastante utilizados nos sistemas de aplicação de agroquímicos no Brasil

Ponta de pulverização XR 110.01 XR 110.02 AXI 120.03

Parâmetros de aplicação Vazão = 10 L/ha; altura de voo = 1,5 m do dossel; velocidade = 18 km/h; faixa de aplicação = 5 m Vazão = 150L/ha; altura = 30cm do dossel; velocidade = 3,6km/h; faixa de aplicação = 2m Vazão = 150L/ha; altura = 50cm do dossel; velocidade = 9km/h; faixa de aplicação = 5m

caram que a pulverização com drone proporcionou depósito de inseticidas equivalente aos demais tratamentos avaliados, no estrato superior e médio da planta, e depósito superior de inseticida no estrato inferior das plantas de soja (Figura 3). Com isso, supõe-se que a combinação do espectro de gotas (relacionada à ponta, à pressão de trabalho e à concentração de produtos na calda) e do efeito do movimento das hélices do drone (downwash) tenham proporcionado maior penetração de inseticida para o interior do dossel da soja. Isso pode significar uma melhoria do desempenho de controle de pragas presentes no interior do dossel da cultura, que habitualmente são mais difíceis de serem atingidos por métodos tradicionais de pulverização (Oliveira et al., 2021, no prelo). Analisando a tecnologia, observa-se que o drone para a pulverização pode trazer benefícios imediatos, como tirar o aplicador de dentro da lavoura no momento da aplicação, principalmente o que usa o pulverizador costal; não causar amassamento da cultura; não depender das condições do solo para entrar na lavoura; utilizar menos água; não empregar combustíveis fósseis; rapidez de aplicação em pequenas áreas; complementar a pulverização tratorizada e com o avião em áreas acidentadas, com obstáculos e em aplicação localizada, de acordo com mapas de aplicação, no contexto de agricultura de precisão.

Emprego de drones em operações agrícolas vem se popularizando

No entanto, embora o drone de pulverização já esteja sendo utilizado, por se tratar de uma tecnologia nova, ainda necessita de mais informações técnicas e agronômicas, tanto para o meio acadêmico como para o setor produtivo. O menor volume de calda, a maior altura e a velocidade de aplicação demandam maior cuidado com as condições ambientes para evitar deriva. A maior concentração da calda pode aumentar o risco de incompatibilidade e fitotoxicidade de produtos, caso os procedimentos adequados de preparo não sejam adotados. A evolução da tecnologia e das práticas agronômicas também deve trazer melhorias em gargalos como a baixa autonomia das baterias e o alto custo dos equipamentos e da operação de pulverização. Por fim, a normativa publicada pelo Mapa deve ajudar a organização e a profissionalização do setor, aumentando a qualidade e a segurança das operações, principalmente no tocante ao uso C dos produtos fitossanitários.

Rafael Moreira Soares, Fernando Storniolo Adegas e Samuel Roggia, Embrapa Soja Lúcio André de Castro Jorge, Embrapa Instrumentação Agropecuária Alberto Kalin Youssef Matulaitis, Onesolve Tecnologia

Soares aponta avanços e desafios do uso de drones nas lavouras brasileiras

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Soja

Fotos Elevagro

Estratégias indispensáveis O que não pode faltar no planejamento dos produtores e técnicos quando o assunto é o controle de doenças na cultura da soja

A

s doenças estão entre os principais fatores que têm limitado a produtividade da soja e a lucratividade do produtor. Anualmente, comprometem, em média, mais de 20% do potencial produtivo da cultura no Brasil, resultando em perdas que superam dez bilhões de dólares (Balardin). Considerando a diversidade de patógenos que acometem a cultura da soja e o seu elevado potencial de dano, torna-se imprescindível a adoção de múltiplas estratégias de controle. Fatores como a escolha da cultivar, o momento e o intervalo entre as aplicações dos fungicidas, a escolha e o posicionamento dos fungicidas, o manejo agronômico e a tecnologia de aplicação são determinantes para que se obtenha sucesso no controle de doenças.

ESCOLHA DA CULTIVAR

O uso de materiais com resistência 32

a doenças pode atrasar o início da epidemia (resistência vertical) ou reduzir a taxa de progresso da doença (resistência horizontal). No campo, além da conhecida resistência de algumas tecnologias à ferrugem-asiática, como Inox e Shield, são evidentes as variações na suscetibilidade dos materiais à antracnose, ao crestamento por Cercospora e à mancha alvo. Porém, outros atributos determinados pela genética, incluindo o ciclo e a arquitetura, têm influência sobre as doenças. O ciclo dos materiais modernos tem diminuído. De um lado, essa redução de ciclo é interessante, pois quanto mais precoce for a cultivar, menor será o tempo de exposição ao patógeno, que completará menos ciclos durante a estação de cultivo, estratégia consagrada no controle da ferrugem-asiática. Por outro lado, a redução no ciclo da planta diminui sua capacidade de compensa-

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ção frente a estresses, incluindo aquele causado por doenças, demandando um programa de controle químico bastante ajustado. Com relação à arquitetura, cultivares com menor estatura, folíolos lanceolados e dossel aberto desaceleram a doença (efeito no microclima), além de favorecerem a penetração de fungicidas (efeito na tecnologia de aplicação), aumentando a eficácia dos programas de controle. Experimentos realizados na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Santa Helena, evidenciaram a elevada variação na resposta das cultivares de soja ao controle químico, em programas sem a aplicação de fungicidas (controle), com duas aplicações ou com quatro aplicações (Figura 1). Algumas cultivares, como a Syn 15630 IPRO, foram pouco responsivas à aplicação de fungicidas, apresentando aumento de 30 sc/ha (controle) para


35 sc/ha e 36 sc/ha, com duas e quatro aplicações, respectivamente. Por outro lado, a cultivar BMX Garra IPRO foi altamente responsiva, produzindo 52sc/ha no tratamento controle, 69sc/ ha no tratamento com duas aplicações e 90sc/ha no tratamento com quatro aplicações. Esses resultados evidenciam a necessidade de um ajuste específico dos programas de controle, de acordo com a cultivar.

MOMENTO E INTERVALO ENTRE AS APLICAÇÕES DE FUNGICIDA

Com o intuito de reduzir o número de aplicações de fungicida, muitos produtores têm atrasado o início das aplicações e estendido o intervalo entre elas, o que constitui um equívoco grave. A maioria das áreas de soja é cultivada em monocultura. Assim, o inóculo de grande parte dos patógenos, incluindo os agentes causais de antracnose, crestamento foliar por Cercospora, mancha alvo e mancha parda, já está presente na lavoura desde o início do ciclo, sobrevivendo nos restos culturais. O inóculo remanescente na palha ou presente nas sementes pode se estabelecer tão logo cesse o efeito residual dos fungicidas usados no tratamento de sementes. Portanto, a proteção química é importante desde o início do ciclo da soja. Resultados obtidos em diferentes regi-

ões do Brasil têm demonstrado que as aplicações iniciadas até os 30 dias após a emergência (DAE) conferem ganhos médios de mais de três sc/ha em relação a aplicações iniciadas aos 40 DAE. Entretanto, o ganho produtivo pode superar oito sc/ha quando produtos adequados para essa aplicação são posicionados em cultivares suscetíveis, semeadas no final da época recomendada em áreas com pouca palha. Uma vez iniciadas as aplicações, é de suma importância que intervalos seguros sejam mantidos, para a manutenção de ingredientes ativos em quantidades letais ao patógeno. Na maior parte dos casos, o intervalo ao redor de 15 dias permanece como o mais seguro. Intervalos muito curtos podem demandar um número muito elevado de aplicações, aumentando o custo, bem como o risco de fitotoxicidade. Por outro lado, intervalos muito dilatados permitirão que o patógeno se estabeleça entre uma aplicação e outra, pois a quantidade de ingrediente ativo no tecido vegetal é insuficiente para prevenir a infecção. Com isso, a aplicação seguinte será realizada numa condição curativa ou erradicante, comprometendo a eficácia de todo o programa de controle. Estudos conduzidos no Instituto Phytus mostraram que a flexibilização de 14 dias para 21 dias no intervalo somente na aplicação realizada depois daquela de R1 resultou

em perda de produtividade de uma sc/ ha a nove sc/ha, dependendo do nível de suscetibilidade da cultivar.

ESCOLHA E POSICIONAMENTO DOS FUNGICIDAS

Os principais grupos químicos de fungicidas sítio-específicos para o controle químico de doenças na cultura da soja incluem carboxamidas, estrobilurinas, triazóis/triazolintiona e morfolina. Devido ao seu caráter essencialmente preventivo, misturas de carboxamidas e estrobilurinas devem ser posicionadas nas primeiras aplicações. Eventualmente, a complementação com algum ingrediente ativo curativo pode ser necessária, a depender do cenário. Os ingredientes ativos usados nessas aplicações devem ser eficientes no controle de antracnose, manchas foliares e/ou oídio. Em áreas com histórico de mancha alvo, o protioconazol (triazolintiona) é um ingrediente ativo interessante para ser posicionado já na primeira ou segunda aplicação. Nas últimas aplicações, ou mesmo nas primeiras (semeaduras atrasadas), ferramentas curativas como triazóis/ triazolintiona e morfolina devem ser posicionadas em virtude da maior pressão de doenças. Nesse caso, além das doenças mencionadas anteriormente, o risco de ferrugem aumenta, e ingre-

Figura 1 - Produtividade (sc/ha) de cultivares de soja não tratadas (sem aplicação) ou tratadas com duas ou quatro aplicações de fungicida. As aplicações foram realizadas aos 65 e 80 dias após a emergência (DAE) para o tratamento com duas aplicações e aos 35, 50, 65 e 80 DAE para o tratamento com quatro aplicações. Santa Helena/ PR, 2022. Fonte: Daniel Debona.

Sintomas da mancha parda em folha unifoliolada de soja

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MANEJO AGRONÔMICO

Alterações na época e na profundidade de semeadura, densidade de plantas e espaçamento entre linhas podem diminuir a intensidade de doenças. Semeaduras antecipadas, por exemplo, permitem o “escape” à ferrugem-asiática. Além disso, a maior incidência de radiação solar, o aumento na ventilação e o menor molhamento, proporcionados por uma densidade de plantas adequada e pelo aumento no espaçamento, desaceleram o progresso de doenças. De fato, reduções na taxa de progresso da ferrugem-asiática e aumento na eficácia de programas de controle químico e na produtividade foram observados conforme o espaçamento entre linhas da soja aumentou de 30cm para 60cm (Madalosso, 2009). Outra medida fundamental consiste no suprimento adequado de nutrientes. Plantas bem nutridas tornam-se mais resistentes a doenças, pois os nutrientes interferem em diversas respostas de defesa estruturais e bioquímicas. Plantas de soja deficientes em potássio (K) são mais suscetíveis ao cancro da haste e à antracnose. Por outro lado, um bom suprimento com cálcio (Ca), fósforo (P) 34

e K aumenta a resistência à ferrugem-asiática (Balardin et al., 2006; Debona et al., 2008).

TECNOLOGIA DE APLICAÇÃO

Embora grande parte do resultado da eficácia de controle seja atribuída ao produto, a eficácia de um dado fungicida varia grandemente de acordo com o modo de aplicação. Considerando o número crescente de produtos misturados no tanque, é importante tomar alguns cuidados (produtos misturados e sua formulação, ordem da mistura, pH da calda, qualidade da água) para que não ocorra incompatibilidade entre os componentes da mistura. O uso de pontas de pulverização que propiciem boa penetração e cobertura também é de grande relevância, pois os fungicidas apresentam sistemicidade limitada. Contudo, as gotas menores, que proporcionam tais características, são mais propensas à deriva, devendo-se atentar às condições de umidade relativa, temperatura e vento durante a aplicação. Finalmente, deve-se buscar um equilíbrio entre o tamanho de gotas e o volume de calda aplicado. Embora exista uma tendência de redução no volume de calda, volumes muito reduzidos aumentam o risco de incompatibilidade e podem comprometer a cobertura do

alvo, diminuindo a eficácia do programa de controle. Resultados de diversos experimentos demonstraram reduções superiores a 30kg/ha para cada 10L de redução no volume de calda.

CONCLUSÕES

O controle eficiente de doenças na cultura da soja depende da adoção de múltiplas estratégias. Medidas de controle usadas isoladamente aumentam o risco de epidemias e de perdas de produtividade. É importante destacar que o controle de doenças evoluiu muito nas últimas safras. Esse fator, aliado à genética das cultivares, às condições de ambiente adequadas e ao manejo agronômico ajustado, explica os sucessivos recordes de produtividade, embora ainda haja espaço para crescer. Outras ferramentas, a exemplo dos indutores de defesa e do controle biológico, estão sendo gradativamente incorporadas aos programas de controle de doenças, com resultados que encorajam a sua utilização. Cabe ao produtor, com o auxílio de uma assistência técnica qualificada, escolher as melhores estratégias para mitigar o dano causado pelas doenças, preservando o potencial C produtivo da cultura. Daniel Debona, em parceria com Elevagro - elevagro.com

Daniel Debona

dientes ativos que também contemplem esse alvo devem ser buscados. O fenpropimorfe (morfolina) constitui um ingrediente ativo interessante para as últimas aplicações em áreas onde a ferrugem-asiática representa uma ameaça. Dado o aumento no número de relatos de doenças cujos fungos apresentam resistência a fungicidas (antracnose, crestamento foliar por Cercospora, ferrugem-asiática e mancha alvo), a adoção de estratégias antirresistência torna-se indispensável. Primeiro, é importante que misturas de fungicidas com diferentes mecanismos de ação sejam usadas em rotação ao longo do ciclo da cultura. Segundo, o uso de multissítios (clorotalonil, mancozebe e oxicloreto de cobre) torna-se essencial, sendo uma estratégia que, além de mitigar a resistência a fungicidas, aumenta a eficácia e amplia o espectro do programa de controle, resultando em ganhos de produtividade.

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Folha de soja com sintomas da mancha alvo


Tadeu Antonio Fernandes da Silva Júnior

Soja

Vulneráveis a bactérias Ferimentos causados pelo clima ou por tratos culturais expõem as plantas de soja e servem de porta de entrada para doenças como o cancro bacteriano. Realizar o manejo exige a adoção de medidas implementadas antes da instalação da cultura no campo e que passam por todo o ciclo de cultivo até a pós-colheita

A

soja é o principal grão produzido no Brasil, com grande contribuição na economia nacional. O País é o maior produtor, com 135,4 milhões de toneladas cultivadas em uma área de 38,5 milhões de hectares. Atualmente, emprega-se alta tecnologia no cultivo da soja, o que garante avanço na produção da cultura. Entretanto, a ocorrência de doenças pode limitar sua produtividade, uma vez que fungos, vírus, nematoides e bactérias são

responsáveis por grandes perdas. A importância de cada doença varia de acordo com fatores como época de plantio, região, cultivar utilizada e práticas agronômicas adotadas. Bactérias se destacam como importantes patógenos em plantas. A alta incidência e a severidade com que atacam culturas de importância agrícola, aliadas à facilidade de disseminação e à dificuldade de controle, ocasionam prejuízos aos produtores. O conhecimento destes patógenos desempenha um papel

importante na prevenção da doença em campo, bem como a utilização de um manejo eficiente. O crestamento bacteriano, causado pela bactéria Pseudomonas savastanoi pv. glycinea (Psg), ganha destaque nas áreas de cultivo e tem se tornando uma doença recorrente nas regiões produtoras de soja no Brasil. Em condições de clima temperado, com temperaturas mais amenas, a doença aparece com maior severidade e seus danos podem variar de 5% a 40%.

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SINTOMAS

FotosTadeu Antonio Fernandes da Silva Júnior

Ferimentos que podem ocorrer nas plantas durante os tratos culturais, chuvas intensas e ventos fortes podem servir como porta de entrada para as bactérias. Diferentemente dos fungos, as bactérias não possuem estruturas que possibilitem de forma ativa o acesso ao interior das plantas. Desta forma, estes patógenos aguardam sobre a superfície foliar alguma abertura em seu hospedeiro, seja através de ferimentos ou de aberturas naturais. Após a penetração, os espaços existentes entre as células vegetais são ocupados pela bactéria, causando sintomas em toda parte aérea da planta. Hastes, pecíolos e vagens podem apresentar sintomas caracte-

rísticos da doença, mas as folhas são os órgãos mais afetados. Os sintomas do crestamento bacteriano aparecem inicialmente nas folhas jovens. Essas folhas são mais suscetíveis à infecção da bactéria, o que pode diferir de outras doenças foliares, tais como a ferrugem (Phakopsora pachyrhizi) e a mancha-parda (Septoria glycines), que se iniciam em folhas mais velhas. Em contrapartida, em ataques severos da bactéria, os sintomas nas folhas jovens podem ser de aparência enrugada, semelhantes a doenças causadas por vírus. De uma maneira geral, os sintomas tidos como característicos da doença são pequenas manchas amareladas e aquosas, que podem

ou não apresentar uma coloração verde-amarelado em torno da lesão, conhecida como halo clorótico. A temperatura influencia diretamente no aparecimento do halo. Sob temperaturas amenas sua ocorrência pode ser bem evidente, e em temperaturas superiores a 27°C é pouco perceptível ou ausente. Com o desenvolvimento da doença, as manchas necrosam, ganham contornos angulares, coalescem e causam extensas áreas de tecido morto entre as nervuras secundárias. Na parte inferior da folha, as manchas passam a ser de coloração quase negra, e na presença de orvalho, apresentam uma película brilhante formada pela saída de conteúdo bacteriano do interior da planta. Com o progresso da colonização da folha por Psg pode ocorrer o rompimento do tecido foliar.

AGENTE CAUSAL

Sintomas de crestamento bacteriano em folha de soja

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Além da superfície das plantas de soja, a bactéria Psg pode sobreviver em restos culturais remanescentes na área de cultivo e em sementes. No Brasil, durante o inverno, a bactéria sobreviveu por dois meses em restos culturais de soja mantidos na superfície do solo da área de cultivo. Esta informação é importante para produtores de soja que utilizam o sistema de plantio direto, uma vez que a palhada infectada pela bactéria mantida na superfície do solo pode ser fonte de inóculo para a propagação da doença. Pseudomonas savastanoi pv. glycinea ainda pode ter sua sobrevivência associada às sementes, aderida à sua superfície ou de forma interna ligada ao embrião. A utilização de sementes contaminadas pode resultar em plantas infectadas e na introdução do patógeno em novas áreas. Em sementes, a sobrevivência da bactéria foi constatada por 24 meses, quando armazenadas a 3°C. A transmissão da bactéria pode ocorrer da planta para a semente, da semente para a semente, durante a colheita,


beneficiamento e armazenamento, e da semente para a planta. Neste último caso, os cotilédones podem apresentar lesões necrosadas, a partir das bordas, logo após a emergência. Com a evolução da infecção, as lesões migram para as folhas unifolioladas e trifolioladas. Durante o ciclo da cultura podem ocorrer infecções e disseminações secundárias, que são favorecidas pela ocorrência de alta umidade, associada à alta pluviosidade e à presença de ventos, e de temperaturas médias amenas, entre 20°C e 26°C.

MANEJO

O manejo integrado de doenças (MID) é a alternativa que pode estabelecer um manejo eficiente e se faz cada vez mais necessário no controle de fitobactérias. As medidas devem ser implementadas antes da instalação da cultura no campo, passando por todo o ciclo de cultivo até a pós-colheita. O emprego de cultivares resistentes representa um pilar dentro das estratégias de manejo de doenças. É considerado um método ideal de controle, por ser aplicado em grandes áreas e possuir baixo impacto ambiental. Entretanto, a maioria das cultivares de soja disponíveis no Brasil é suscetível ao crestamento bacteriano. Somente as cultivares BRS 6680 e BRS 7481 apresentam resistência. Essas duas cultivares também mostram resistência a mancha olho-de-rã, pústula bacteriana, cancro da haste, ferrugem-asiática e podridão de fitoftora. Além destas, as cultivares convencionais Embrapa 48; 58; 59; 60; 61; 62; BRS-132; BRS133; BRS-134; e BRS-135, e com tecnologia IPRO, M59471; M6210; M6410; TEC 7849; BS 2606; TEC 7849; M6210 apresentam resistência moderada ao crestamento bacteriano. Também vale destacar que Psg apresenta raças fisiológicas, possuindo graus de agressividade distintos em relação à soja. A classi-

A maioria das cultivares de soja disponíveis no Brasil é suscetível ao ataque do crestamento bacteriano

ficação é feita com base na patogenicidade da bactéria às variedades ou genótipos de soja, e no Brasil já foram descritas oito raças fisiológicas (R2, R3, R4, R6, R7, R10, R11 e R12), sendo R3 a mais comum. Nas áreas produtoras, observam-se diferentes níveis de severidade da doença entre as cultivares utilizadas, possivelmente devido às variações edafoclimáticas e às diferenças específicas entre as raças da bactéria no Brasil. Para o controle químico do crestamento bacteriano da soja são recomendados fungicidas cúpricos, à base de oxicloreto de cobre e óxido cuproso, e, atualmente, seis defensivos estão registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Esses produtos devem ser aplicados duas vezes durante o ciclo da cultura: a primeira aplicação aos 50-60 dias após a emergência, e a segunda aplicação no estádio R1. Esses defensivos agrí-

colas são classificados como protetores, uma vez que o cobre forma uma camada protetora sobre a folha, impedindo que a bactéria consiga infectá-la. Por essa razão, devem ser usados preventivamente ou logo após aparecerem os primeiros sintomas. As informações completas sobre os defensivos agrícolas indicados para o controle químico podem ser encontradas no Agrofit – Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários. Com relação ao controle biológico ainda não existem defensivos registrados C para o crestamento bacteriano. Luana Laurindo de Melo, Daniele Maria do Nascimento e João César da Silva, FCA/Unesp Luís Otávio Saggion Beriam, APTA/Campinas-SP Antonio Carlos Maringoni e Tadeu Antônio Fernandes da Silva Júnior, FCA/Unesp

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Lívia Aparecida Souza

Cana

Broca vilã Responsável por danos diretos e também pela infecção das plantas de cana-de-açúcar por fungos, Diatraea saccharalis demanda a associação de medidas de controle químico e biológico. O uso de inseticidas seletivos é fundamental para a preservação dos agentes de biocontrole

A

cana-de-açúcar é uma das culturas mais importantes da agricultura brasileira e serve, principalmente, como matéria-prima para a produção de etanol e açúcar (Conab, 2021). O País é destaque mundial no complexo sucroalcooleiro, contribuindo para o fortalecimento do agronegócio brasileiro. Entretanto, a produtividade da cana-de-açúcar é limitada pelo ataque e a infestação de pragas e doenças. A broca

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da cana-de-açúcar, Diatraea saccharalis (Lepidoptera: Crambidae) é responsável por perdas bilionárias que estão não só relacionadas ao consumo do colmo pelas lagartas, mas também à entrada de fungos oportunistas causadores da podridão vermelha. A broca-da-cana é uma mariposa que está presente em todo o Brasil, e a fase de lagarta é a que afeta diretamente as plantas de cana-de-açúcar. Os ovos da D. saccharalis são depositados em agru-

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pamentos de 15-20 ovos, em média (Figura 1A). Após um período de quatro dias a seis dias de incubação, eclodem as lagartas, que inicialmente raspam as folhas e depois penetram no colmo. As lagartas apresentam de cinco instares a seis instares e são de coloração branco-amarelada com manchas amarronzadas (Figura 1B). A fase de lagarta dura cerca de 40 dias a 60 dias, tempo em que passa a maior parte se alimentando e escavando galerias no colmo da cana-de-açúcar.


Figura 1 - Fases do desenvolvimento da D. saccharalis. (A) Ovos depositados em agrupamentos; (B) Lagarta da broca da cana-de-açúcar; (C) Pupa da broca da cana-de-açúcar; (D) Adulto

DANOS E PERDAS CAUSADOS PELA D. SACCHARALIS

Os danos causados pela lagarta podem ocorrer de forma direta ou indireta. Os danos diretos se dão quando o inseto penetra e se alimenta do colmo (Figura 2A e 2B), resultando em perda de peso e afinamento do colmo, tombamento da planta, enraizamento aéreo e aparecimento de brotações laterais. A infestação em plantas jovens acarreta danos ainda mais sérios, pois frequentemente leva à morte da gema apical, resultando na morte da planta, um sintoma conhecido como coração morto. Os danos indiretos da infestação pela broca no canavial são igualmente relevantes, já que a broca está intimamente associada aos fungos causadores da podridão vermelha, Colletotrichum falcatum e Fusarium moniliforme (Túler et al., 2021). Assim, a penetração e a escavação de galerias no colmo pela broca facilitam a infecção pelos fungos causadores da podridão vermelha, que promovem a transformação da sacarose em glicose, além de prejudicar o transporte de água e nutrientes na planta. Como consequência desses processos, há uma perda ainda maior sobre a produção de etanol

e açúcar. Os níveis de infestação pela broca da cana-de-açúcar no canavial, dados pela porcentagem de entrenós brocados, dependem de diversas variáveis, como condições climáticas, genótipo da cana, tratos culturais e ciclo da cultura. Em geral, a cada 1% de entrenós brocados, tem-se, aproximadamente, entre 2% e 3% de perda da produtividade dos colmos (Dinardo-Miranda et al., 2013). Apesar dessa perda, um nível de infestação entre 3% e 4% é aceitável. Acima desse valor, medidas de controle são necessárias (Nava; Pinto; Silva, 2009).

TÁTICAS DE CONTROLE DA D. SACCHARALIS

Existem diversas táticas de manejo da broca da cana-de-açúcar, porém, as mais comuns são por meio do controle químico associado ao biológico. O controle químico (exemplos fipronil, clorantraniliprole, clorfluazuron e triflumuron) é efetivo logo após a eclosão das lagartas, quando ainda

Lara Sales, Lívia Aparecida de Souza, Nathan Jhon Silva Lopes, Patrícia Pereira, Marina Chaves e Maria Fernanda G. V. Peñaflor, Universidade Federal de Lavras

Figura 2 - (A) Orifícios causados pela D. saccharalis; (B) Dano causado pela D. saccharalis Fotos Souza, L. A. (2021)

É dentro dessas galerias que as lagartas se tornam pupas (Figura 1C), que duram de oito dias a 15 dias até emergirem as mariposas, ou a fase adulta do inseto. As mariposas são de coloração amarelada a marrom-amarelada e têm hábito noturno (Figura 1D) (Gallo et al., 2002). Após 24 horas, a fêmea já emite o feromônio de atração sexual e os parceiros se encontram para a cópula. Os adultos duram em torno de cinco dias a sete dias, período em que uma fêmea deposita até 700 ovos (Parra et al., 1999).

raspam as folhas. Porém, após a penetração no colmo, a efetividade desse controle é muito reduzida. O controle biológico da broca com a vespa Cotesia flavipes (Hymenoptera: Braconidae) apresenta vantagens e é bem estabelecido. As usinas de cana-de-açúcar costumam produzi-las para liberação de grandes quantidades desses agentes. Essa vespinha se guia por odores da planta infestada pela broca, assim como das fezes da lagarta, para encontrar e parasitar aquelas que já estão no interior dos colmos da cana-de-açúcar. Uma segunda espécie de vespa que tem sido utilizada com sucesso no controle da broca em canaviais é o Trichogramma galloi, que parasita os ovos da praga. Assim como os dois inimigos naturais parasitam diferentes estágios de vida da broca da cana-de-açúcar, o uso dos dois agentes de controle biológico é compatível e reduz eficientemente a população da broca da cana-de-açúcar. Já o uso do controle químico pode reduzir a eficácia do controle biológico, já que os agentes são insetos. Dessa forma, é importante que sejam escolhidos inseticidas seletivos C aos agentes de controle biológico.

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Coluna Agronegócios

Adaptação da agricultura às mudanças climáticas

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s mudanças climáticas chegaram para ficar. Observaremos cada vez mais eventos climáticos extremos, com maior frequência, duração e intensidade. Em particular, excesso e falta de chuvas (disponibilidade hídrica) serão fatores cruciais para manter a segurança alimentar da população mundial. A qual continuará crescendo, com renda per capita mais elevada, portanto, com maior consumo e maiores exigências. Diversas técnicas agronômicas deverão ser melhoradas e empregadas para garantir o abastecimento de produtos agrícolas em um cenário de mudanças climáticas. Neste artigo discutiremos a regulamentação de técnicas de edição de genoma, no Brasil denominadas Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão (Timp), derivadas da expressão inglesa New Breeding Technologies (NBT).

ANÁLISE DE RISCO

A avaliação de risco é importante para garantir a segurança dos alimentos, desde que lastreada em informações científicas inequívocas. O risco de um alimento nunca é zero, sempre haverá um risco, contido em uma amplitude aceita pela sociedade, transcrita nos regulamentos. A discussão sobre Timps é potencializada com a necessidade de adaptar a agricultura a um ambiente de profundas mudanças climáticas. Países grandes produtores de grãos (Brasil, Argentina, EUA, Canadá, entre outros) estabeleceram legislações nas quais, quando não há introdução de DNA de outra espécie, a planta com genoma editado poderá ser considerada não transgênica. Vamos partir de um princípio socialmente aceitável: se o risco de um novo produto for igual ou menor que seus similares já existentes no mercado, ele deve ser aprovado para consumo. Do ponto de vista científico, o princípio se baseia na chamada equivalência substancial. Com o avanço das Timps é possível remover um gene, silenciá-lo ou alterá-lo para que não seja expresso ou que sua expressão ocorra em níveis maiores ou menores. Qual o risco envolvido nessa ação? Tracemos um paralelo com o que ocorre na Natureza. Estima-se que o ge40

noma da soja contenha 55 mil genes. As taxas de mutação natural de seres vivos variam de 1:100.000 a 1:1.000.000. Assim, a partir da segunda geração poderíamos ter uma mutação no genoma da soja, potencializada pelo fato de a soja ser cultivada em mais de 100Mha no mundo. Logo, as mutações naturais no genoma da soja seriam em número muito maior que aquelas introduzidas por cientistas, sob absoluto e estrito controle, e com objetivo e alcance restritos.

RISCOS E REGULAMENTOS

É impossível regular as taxas e os novos caracteres advenientes de mutações naturais. Na natureza, se a mutação for benéfica será transmitida e fixada na descendência. Se, além de beneficar a soja, for benéfica para a espécie humana, nós, os humanos, nos incumbiremos de fixar e ampliar a sua ocorrência. Aí vem a questão: se é impossível regular uma mutação natural, totalmente aleatória, quão severa deve ser a regulação de mudanças em genes, promovidas por Timps, altamente direcionadas e controladas? Estudos já demonstraram a enorme dificuldade para distinguir uma mutação feita por CRISPRs de uma mutação natural. A polêmica se potencializa porque o processo regulatório costuma ser muito caro e demorado. E os consumidores pagarão pelo custo e pelo atraso e, no caso das mudanças climáticas, estamos correndo contra o tempo.

TIMPS E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Existem plantas (e animais) com adaptação a todas as condições climáticas existentes no planeta, tolerantes à seca, à salinidade e ao encharcamento do solo. Plantas (cultivadas ou não), submetidas à pressão de seleção de eventos climáticos adversos, vão fixar mutações naturais que lhes confiram capacidade de adaptação. Só que isto pode demorar décadas ou séculos. Então, por que não acelerar o processo, com o uso de Timps? Será que alterar, de forma controlada, dois ou três genes – para tolerar estresse hídrico- entre milhares de genes de uma planta, é uma

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mudança que implica elevado risco de consumo do produto obtido? Nos regulamentos dos países anteriormente citados, se a tolerância à seca já existir em uma determinada espécie, e essa característica for potencializada com o uso de Timps, o produto obtido poderá não exigir regulamentação adicional. Os regulamentos precisam ser apropriados ao risco e aplicados quando houver uma mudança genômica significativa. A União Europeia tem pautado a segurança da produção e do consumo de alimentos pelo príncipio da precaução. O medo e a incerteza dos produtos obtidos por meio de Timps permeiam o seu processo regulatório, emulando o que já ocorre com biotecnologia ou com pesticidas. A Europa sempre foi um grande polo científico e de inovação. A manutenção desta abordagem, em face da premência de soluções para mudanças climáticas, deslocará o eixo inovativo para fora do continente, bem como a produção de alimentos na Europa perderá competitividade conforme o ambiente produtivo se tornar mais inóspito.

FUTURO

É difícil traçar um cenário da evolução das mudanças climáticas no longo prazo a respeito, e como serão as respostas da Natureza e da Ciência, para que os cultivos a elas se adaptem. A nós parece que não é aconselhável apostar nas mutações naturais para garantir a oferta em um cenário de demanda por alimentos cada vez maior. A solução que se nos afigura mais apropriada é uma tríade composta por: a) portentosos investimentos em C&T para encontrar as melhores soluções para adaptação da agricultura às mudanças climáticas; b) sistemas regulatórios equilibrados e harmonizados, de maneira a garantir a segurança dos alimentos, sem impor custos e prazos desnecessários; c) rápida e abrangente adoção das inovações por parte dos agricultores, para garantir a oferta de alimenC tos a todos os consumidores. Décio Luiz Gazzoni e Alexandre Lima Nepomuceno, Os autores são Engenheiros Agrônomos, pesquisadores da Embrapa Soja


Coluna Mercado Agrícola

Clima ceifa safra recorde do Brasil e traz grandes prejuízos aos campos do Sul

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Brasil é destaque mundial na produção de alimentos. Com isso, em ano em que o clima ceifa parte da safra brasileira o mundo sente a pressão. O potencial, em 2022, de alcançar 300 milhões de toneladas de grãos pode ser comprometido por perdas no Sul e parte do Centro-Oeste, onde a seca extrema e as temperaturas de deserto resultam em aproximadamente 30 milhões de toneladas perdidas em milho, soja, feijão e arroz. O calor escaldante em janeiro trouxe ainda mais prejuízos, secando as lagoas e os rios que abastecem a safra de arroz do Rio Grande do Sul, onde as perdas podem passar de dois milhões de toneladas. Ainda estimam-se prejuízos de

20 milhões de toneladas na soja do Brasil, mais de dez milhões de toneladas de perdas no milho e o feijão também fortemente afetado e perdendo perto de meio milhão de toneladas. Situação que também afeta os países vizinhos como Argentina, Uruguai e Paraguai. Com esse cenário haverá mais pressão de alta nas cotações internacionais e nas cotações internas. Com o mercado interno já mostrando pressão positiva em janeiro e dando sinais de que haverá novos ajustes positivos. Os estados do meio do Brasil para cima, que estão com boas lavouras, devem ter alta rentabilidade. O ano começa com força e cotações em alta.

bre o arroz, porque neste ano há demanda maior devido ao Auxílio Brasil, que alcança R$ 400,00 para uma fatia de 17 milhões de beneficiários. Uma boa parte desses recursos vai para os alimentos, e o arroz é o primeiro da fila. Junto, haverá escassez da oferta. A safra gaúcha, que deveria superar oito milhões de toneladas, não deve bater sete milhões de toneladas. No Brasil, de 11,5 milhões de toneladas esperadas, estima-se que alcance pouco mais de dez milhões de toneladas para um consumo de 11 a 11,5 milhões de toneladas. Será necessário importar, porém, os fornecedores Argentina, Uruguai e Paraguai também estão com perdas grandes e terão pouco para vender. Desta forma, o mercado seguirá em pressão de alta e valorizado, devendo avançar muito além ARROZ dos R$ 60,00 e R$ 65,00 por saca, regisOs consumidores brasileiros vão sentir trados em 2021. Com fôlego para avanços SOJA nos próximos meses o efeito da seca sofortes nestes próximos meses. Os produtores plantaram cerca de

MILHO A safra de verão ou primeira safra do milho foi plantada no período ideal e com chuvas regulares no início da temporada. Mas depois houve uma onda de calor e seca nos estados de São Paulo para baixo. Os prejuízos passam dos 60% da safra do Rio Grande do Sul, perdas de 40% na safra do Paraná e Santa Catarina e perdas no Mato Grosso do Sul e também em São Paulo. As safras mais próximas do normal neste momento são as de Minas Gerais, Goiás e Bahia, que tiveram chuvas regulares. O potencial de 30 milhões de toneladas, agora, fica reduzido a pouco mais de 20 milhões de toneladas. O mercado já está respondendo a isso com forte alta nas cotações e o milho junto às indústrias do Sul já se encontra na faixa de R$ 105,00 a saca, com chances de novos aumentos.

40,5 milhões de hectares de soja nesta safra e tudo andou bem no começo. Depois, o País foi dividido em dois, com a faixa da metade de cima com chuvas constantes e até casos de excesso de precipitações e no Sul seca e calor de deserto. O potencial de colher 150 milhões de toneladas agora deve ficar próximo de 130 milhões de toneladas. Mato Grosso, maior produtor, está muito bem e pode chegar a 40 milhões de toneladas. Mas Paraná e Rio Grande do Sul devem ter safra pela metade, com perdas acumuladas de 20 milhões de toneladas. Com safra menor que o ano passado, o mercado responde com pressão de alta nas cotações. Chicago também deve continuar a evoluir nesta mesma esteira.

Curtas e boas TRIGO - O mercado seguirá em alta em 2022 porque o trigo importado chegará próximo de R$ 1.800,00 a R$ 2.000,00 por tonelada em alguns momentos. A temporada de 2022 já começa com mercado batendo a marca dos R$ 1.600,00 por tonelada internamente. Neste ano haverá avanço na área plantada do Sul, porque os produtores perderam com a seca de verão e agora devem buscar o trigo como alternativa deste meio de ano. EUA - Os produtores começam 2022 com temperaturas polares, chegando a níveis entre 15ºC e 25ºC negativos. Há temor de que o inverno se alongue e atrapalhe o início de preparo da safra, com risco de inundações à frente em função do solo que segue congelado. Ainda há indefinições sobre o que irá ser plantado, mais soja ou mais milho. Com a soja podendo ganhar terreno.

CHINA - A China deve seguir comprando forte neste ano, porque está de olho na quebra da safra da América do Sul e temendo que os problemas também venham a ocorrer nos EUA, o que afetaria a oferta mundial de grãos ao país que mais importa do planeta. ARGENTINA - Os argentinos sofrem perdas grandes na safra, com indicativos de que mais de 15 milhões de toneladas de soja, milho e arroz já estejam perdidos. Podem perder mais e ter ainda menos para exportar. E se o governo limitar exportações devido à C inflação interna, agravará os prejuízos ao produtor.

Vlamir Brandalizze Twitter@brandalizzecons www.brandalizzeconsulting.com.br Instagram BrandalizzeConsulting ou Vlamir Brandalizze www.revistacultivar.com.br • Fevereiro 2022

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Coluna ANPII

A tecnologia na agricultura Tecnologia ou conhecimento tecnológico é, para os efeitos que nos interessam, o conjunto ordenado de conhecimentos científicos ou empíricos utilizados para a produção de bens ou serviços na atividade econômica organizada Conhecimento tecnológico e sua importância: Possibilidades de sua transferência internacional Dorodame Moura Leitão

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palavra tecnologia vem sendo utilizada em grande escala nas publicações atuais. Muitas vezes citada como sendo apenas o avanço na área de informática, tecnologia apresenta um sentido mais amplo, mais universal, abrangendo todas as atividades humanas. A palavra tecnologia tem origem no grego "tekhne" que significa "técnica, arte, ofício" juntamente com o sufixo "logia", que significa "estudo". Portanto, tudo o que utilizamos no nosso dia a dia teve uma origem “tecnológica”, seja por conhecimento empírico, aperfeiçoado pelo uso, pelo erro e acerto, seja pelo estudo científico, metódico, organizado. Sem dúvida alguma a revolução industrial trouxe um enorme avanço no uso de novas técnicas, novas ferramentas para aumentar cada vez mais a produtividade e a qualidade dos produtos. Em paralelo, as universidades foram demandadas a gerar estudos que embasassem novas descobertas de equipamentos e métodos para permitir as indústrias de continuar em seu crescimento, modernização e diferenciação, a fim de abastecer um mercado crescente de consumidores que se acostumaram com novidades constantes. Uma novidade tecnológica passou a ser um item importante no crescimento de mercado. Enquanto isso, a agricultura permanecia com os conhecimentos empíricos passados de pai para filho. A cidade era o

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moderno, o novo, o dinâmico e o campo o atrasado, o antigo, parado no tempo. E este estereótipo permaneceu pelo século 19 até a metade do século 20. Após o final da Segunda Guerra Mundial a fome grassava no mundo. As nações desenvolvidas formaram uma aliança para minorar esta situação, mas como as ações eram pontuais, os resultados também. Somente após a intervenção de Norman Borlaug passou-se a realizar ações mais estruturantes, buscando aumentar a produção agrícola como um todo, mas especialmente naqueles países onde a falta de alimentos era dramática. A aplicação dos conhecimentos da genética no melhoramento das plantas alimentícias, o estudo do solo, dos fertilizantes, dos defensivos para eliminar pragas, dos herbicidas para eliminar as plantas competidoras, tudo envolvido em “pacotes” de conhecimentos aplicados às lavouras, trouxeram um enorme incremento na produtividade e um barateamento dos alimentos em todo o mundo. E, talvez mais importante, descobriu-se que o uso de tecnologias não era exclusivo para a indústria, mas, se estendido para o campo, trazia significativo aumento de produtividade, resultando não só em mais alimentos, mas na não necessidade de aumento de produção apenas com o crescimento da área cultivada. Cada hectare passou a gerar mais alimento, cada pé de trigo, milho ou soja passou a produzir mais grãos.

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E aí foi uma “bola de neve”. Fertilizantes mais eficientes, cultivares melhoradas, defensivos mais eficazes, solo mais cuidado, não só mais preservado ao longo do tempo, mas, sim, melhorado. Drones, tratores ligados a satélites, fazendas administradas através de um celular a milhares de quilômetros de distância. Sem dúvida a agricultura não é o “primo pobre”. Ganhou status de alto uso de tecnologia. E desaguamos agora na era dos produtos biológicos, seja para melhorar a nutrição, seja para aumentar a defesa contra pragas e doenças. Uma onda mundial lança produtos, conceitos e a microbiologia do solo ganha um enorme destaque tanto na geração de conhecimentos como em novas tecnologias. Hoje sabemos que o solo guarda um incomensurável tesouro de micro-organismos que ainda são pouco utilizados. Ainda não temos a dimensão do que isto representa em termos de avanços na agricultura. Uma nova linguagem começa a permear as pesquisas, a indústria e vem chegando ao agricultor. DNA, metagenômica, transcriptônica, proteômica, metabolômica, enfim, as ciências “ômicas” entram em definitivo no dicionário da agricultura. Novos horizontes se abrem para a geração C de conhecimentos e tecnologias. Solon Araujo, Consultor da ANPII




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