Cultivar 35

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Nesta edição conjunta - dezembro e janeiro - em que completamos o terceiro ano de Ano III - Nº 35 Dezembro/2001 - Janeiro/2002 ISSN - 1518-3157 Empresa Jornalística Ceres Ltda CGCMF : 02783227/0001-86 Insc. Est. 093/0309480 Rua Sete de Setembro 160 7º andar Pelotas RS 96015 300 E-mail: cultivar@cultivar.inf.br Site: www.cultivar.inf.br Assinatura anual (11 edições*): R$ 76,00 (*10 edições mensais + 1 edição conjunta em Dez/Jan)

circulação da Cultivar, oferecemos a você, amigo leitor, a oportunidade de rever alguns dos artigos mais polêmicos de nossa história. Eles não representam toda a qualidade que os nossos colaboradores e jornalistas apresentaram ao longo dessa caminhada, mas servem para mostrar por que nos tornamos referência nacional em agricultura. Temas como uma nova visão da agricultura, o ressurgimento do bicudo, formas de controle biológico e a contabilização dos estragos causados pelas pragas em lavouras preencheram nossas páginas. Pretendemos continuar essa caminha lado a lado com você, para que possamos cada vez mais afirmar a vocação agrícola do Brasil.

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índice Diretas Problemas iniciais na soja II Congresso Brasileiro de Soja Segunda Safra Lagarta-do cartucho no milho Proteção vegetal Retorno do bicudo Controle do bicudo Entrevista: Marcos Kogan Insetos comedores de lucro Controle biológico de pragas Tratamento de sementes de soja Pulgão-da-raiz em arroz Agricultura: visão holística Soca do arroz irrigado Coluna da Aenda Agronegócios Mercado agrícola

Nossa capa 04/05 06 08 11 18 20 22 24 26 28 30 32 34 35 37 20 28 30

Foto Capa / Leila Costamilan

Saiba como controlar os problemas iniciais da soja


diretas Milho por soja em SC

Na empresa Agro Ouro, filiada à Aprosesc, continuava a colheita de trigo e triticale, sem aumento de produtividade. A aveia preta, por sua vez, teve acréscimo de 40% se comparado à penúltima safra. Em âmbito geral, disse o sócio-diretor da empresa, Arlindo Falavigna, 30% do pessoal saíram do milho e foram para a soja por causa do clima (falta de chuvas) que prejudicou sobretudo o milho.

Mais soja e milho no RS

A Fazenda Três Rios, associada à Apassul, está colhendo trigo e plantando milho e soja, com incremento de 20% de área cultivada em relação ao plantio anterior, informou o administrador Franco Francisco Stedile.

Boas perspectivas em Minas Gerais Carmélio Roos

Trigo entra bem no MS

No Mato Grosso do Sul, deverá aumentar a área plantada com trigo, chegando a cerca de 100 mil hectares. Lembrando que no estado a safrinha é maior que a safra, o presidente da Aprossul, Carmélio Romano Roos, disse que este ano a área cultivada com milho deve ficar em torno de 300 mil hectares. Já o sorgo teve incremento de área cultivada e situa-se em cerca de 50 mil hectares. A aveia pode ter área plantada de 100 mil hectares.

Na Agropecuária Chimarrão, filiada à Apsemg, a expectativa é de que haja uma ampliação de área de safrinha em torno de 20%, disse o diretor Luis Fernando Gonçalves. A empresa está entrando com arroz e milho nos campos de sementes, sem aumento se comparado ao ano passado. De outra parte, diz Gonçalves, a oferta de sementes deve ser maior em função de alguma sobra da safraverão.

Milho no Pr

Na região abrangida pela Coprossel, associada à Apasem, foi colhido trigo em pequena quantidade por falta de plantio e triticale, além de aveia produzida para o próprio consumo. O plantio da soja está praticamente concluído numa área de 1500 hectares. Já o milho ocupa área de 1.200 hectares, com redução de 20% em virtude da rotação de culturas e os preços de mercado, informou o técnico e responsável pelo setor de produção, Carlos Alberto Machado.

Trigo ganha mais espaço

A empresa Mário José Basso, filiada à Apassul, já colheu ervilha, canola, estava colhendo cevada e preparando-se para a colheita da aveia branca e, depois, o trigo. Nesta cultura houve aumento de 20% em relação ao plantio anterior e só não cresceu mais porque faltaram sementes, que foi toda plantada. O clima tem ajudado bastante na colheita, disse o proprietário da empresa, Raul Basso.

Chuva cedo ajuda no MT

A chuva ocorrida cedo na região do MédioNorte do Mato Grosso viabilizou uma boa safrinha, bem direcionada para o milho, informou o presidente da Aprosmat, Edeon Vaz Ferreira. Alguns produtores poderão trabalhar com algodão, mas como os preços não estão bons, a tendência é milho mesmo. Já as sementes de soja foram comercializadas e o plantio caminha normalmente.

Em linha ascendente

A Agromen vê com bons olhos a safrinha, principalmente no Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e em algumas regiões paulistas e mineiras, onde deverá ser mais cedo, disse o gerente de Desenvolvimento de Produtos, Edson Cesarino. Ele garante que a empresa, filiada à APPS, está crescendo, principalmente em sorgo e milho, apesar de todas as dificuldades.

Edson Cesarino

Abimaq cancela Agrishow Cerrado 2002 A feira de negócios agrícolas Agrishow Cerrado 2002 , que estava marcada para ser realizada pela primeira vez em Mato Grosso em abril do ano que vem, foi cancelada. A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), empresa organizadora do evento, alega problemas operacionais e internos para o cancelamento. A expectativa era de que pelo menos 100 empresas participassem, movimentando R$ 400 milhões em negócios e no total R$ 6 bilhões em atividades paralelas, como o turismo. Todos os hotéis de cidades vizinhas como Pedra Preta, Juscimeira, Jaciara e Primavera do Leste estavam bloqueados pela Secretaria de Desenvolvimento do Turismo para atender os participantes da feira. O evento seria realizado em Rondonópolis e ocuparia 60 hectares de terra ao lado do Parque de Exposições da cidade. Esse terreno serviria para demonstrações das máquinas e equipamentos, plantações de soja, milho e algodão, e de outras culturas locais.

Safrinha promissora

A expectativa para a safrinha de milho em Goiás é muito boa, disse o secretário executivo da Agrosem, Siguê Matsuoka. O pessoal está plantando muita soja precoce, o que sinaliza para o plantio de grande quantidade de milhosafrinha, em torno de 15% a 20% a mais do que anteriormente. Os produtores têm o clima como aliado, com chuvas normais, o que resulta também no plantio de uma área maior de soja. O plantio e as vendas de sementes estão quase concluídos. 04

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Apostando no clima

A Coagril, filiada à Apsemg, está apostando no clima para obter uma boa safrinha. Agora, tem em torno de 70% de área plantada com soja, feijão e milho. Conforme o gerente geral José Mário Kazmircvak, no ano passadado a seca foi muito grande e atingiu as lavouras. Mesmo assim, este ano o pessoal está animado a fazer safrinha. A cooperativa produz soja, arroz, milho, feijão, algodão e algumas áreas com café irrigado.

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40 anos Agripec

Beto e Deda Studart, proprietários da Agripec, estão contentes com o desenvolvimento da empresa. A Agripec completou 40 anos de participação no mercado agrícola brasileiro, consolidando-se como uma das maiores empresas Deda e Beto Studart do ramo. O faturamento anual da Agripec é de US$ 50 milhões, porém, Beto e Deda pretendem fazer com que esse número dobre até 2004. A julgar pela história de vitórias da empresa, ninguém pode duvidar que eles consigam.

Safrinha cheia

Uma safrinha cheia. Assim o secretário executivo da APPS, Cássio Luiz C. de Camargo faz estimativas para a safrinha, incluindo milho e sorgo. O mercado de grãos está bastante ajustado, o que sinaliza para uma sustentação do preço do milhogrão e cria a perspectiva de uma safrinha animadora em São Paulo. Sobre a bolsabranca, Cássio Luiz diz que por o milho ser híbrido, o problema não é tão grave. A respeito dos transgênicos, diz que está na expectativa.

Colheita de trigo no PR A Copacol, filiada à Apasem, já colheu trigo, com 30% de perdas causadas pela geada. O milho-safrinha também sofreu danos, com 15% a menos.

O clima agora, diz o engenheiro agrônomo Milton Dalbosco, está dentro da normalidade dos anos considerados bons. A soja e o milho são as culturas já implantadas.

Eugênio Bohatch

Trigo no Paraná

No Paraná os produtores estão mais inclinados, particularmente na Região de Palotina, a plantar milho. Nas demais regiões, incluindo uma parte da Região Oeste, as tendências também apontam o milho. A área representa em torno de 30% e foi atingida pela geada no mês de setembro, que prejudicou também o trigo. O secretário executivo da Apasem, Eugênio Bohatch, diz que quanto ao trigo o pessoal está bastante animado. A estimativa de produção de sementes de trigo para a próxima safra fica em torno de 130 mil toneladas, cultivadas em 950 mil hectares.


Especialistas mostram as maneiras de controlar os problemas iniciais na cultura da soja

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uitos agricultores e técnicos, ao observarem plantas de soja com problemas, na lavoura, logo pensam em doenças como possíveis causas. Porém, alguns dos sintomas causados por herbicidas, por insetos e por estresses fisiológicos podem ser confundidos com danos causados por doenças, levando a erros de diagnóstico. Neste artigo, serão apresentados os problemas com sintomas similares mais comuns, que podem ser encontrados na fase inicial de desenvolvimento de soja, para facilitar a identificação das causas e a tomada de decisão para controle. Essas informações encontram-se completas e ilustradas no livro Estresses em soja , publicado pela Embrapa Trigo. Neste livro, são abordados problemas em soja ligados à ecofisiologia, ao manejo de solo e da cultura, aos efeitos de nutrientes, às reações fitotóxicas de defensivos químicos e aos danos causados por insetos, por ácaros, por moluscos, por fungos, por bactérias, por vírus e por nematóides, em sete capítulos escritos por especialistas em cada área. As informações relativas aos estresses de ordem fisiológica foram escritas por Norman Neumaier, por Alexandre Nepomuceno, por José Farias e por Tetsuji Oya, da Embrapa Soja. Erivel06

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ton Roman foi responsável pela descrição de estresses ocasionados por fitotoxicidade de herbicidas, e o capítulo sobre estresses ocasionados por pragas ficou a cargo de Gabriela Tonet, de Dirceu Gassen e de José Salvadori, estes da Embrapa Trigo.

José T. Yorinori

Atenção na largada Fig. 02

PRINCIPAIS SINTOMAS

Os principais sintomas causados por doenças, na fase inicial de desenvolvimento de soja, são os tombamentos de plântulas, que ocorrem logo após a emergência. Entre os patógenos responsáveis, destacamse Rhizoctonia solani, Sclerotium rolfsii e Pythium spp. Há diferenças básicas entre os sintomas característicos que causam. Em todos os casos, as plântulas emergem normalmente e, após alguns dias, apresentam menor porte, as folhas escurecem e murcham e as plantas morrem. A diferença encontra-se no sistema radicular, pois a planta com Rhizoctonia desenvolve apodrecimento seco das raízes, estrangulamento do colo e lesões aprofundadas e escuras no hipocótilo, ao nível do solo (Figura 1). Já plantas doentes por Sclerotium (Figura 2) e por Pythium (Figura 3) desenvolvem apodrecimento escuro e aquoso nos tecidos das raízes e do colo, que se rompem com facilidade quando as plantas são arrancadas www.cultivar.inf.br

Plântulas de soja com sintomas de apodrecimento mole do colo e das raízes causado por Sclerotium rolfsii

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do solo. Sclerotium está relacionado com temperaturas altas na superfície do solo, principalmente onde não há cobertura de palhada, enquanto que Pythium ocorre em locais onde o solo é mais úmido e frio. No caso de ser necessário replantar, o tratamento de sementes pode ser útil na redução do risco de ocorrer novo tombamento, levando-se em conta que há fungicidas mais adequados para cada patógeno. Pode-se, também, manejar a cultura para se escapar de períodos ou de condições favoráveis ao aparecimento dessas doenças. Se o agente causal dos tombamentos de plântulas não for um patógeno, o problema pode ser fisiológico, como os originados por calor ou, ainda, por herbicidas como benzotiadiazinas, bipiridílios, derivados da glicina, difenil-éteres, dinitroalaninas, imidazolinonas, ftalimidas, sulfoniluréias, triazinas, triazolo pirimidina sulfoanilidas e uréias, ou serem causados por insetos, como mosca-da-semente, corós, gorgulho-do-solo, piolho-de-cobra, besouro-preto ou ligeirinho, lagarta-elasmo ou broca-do-colo, tamanduá-da-soja, percevejo-barriga-verde e cigarrinhas. O tombamento fisiológico, também conhecido como cancro de calor, caracteriza-se pelo estrangulamento do colo da planta causado por temperaturas da superfície do solo extremamente elevadas, acima de 55 ºC, logo após a emergência. Não é muito comum, mas pode ocorrer em dias ensolarados, quentes (temperatura do ar acima de 35 ºC) e sem vento, principalmente em solos sem cobertura de palhada, escuros, compactados e argilosos. Os herbicidas citados são, em sua maioria, seguros para soja, mas aplicações mal realizadas podem resultar em injúrias. Sobrepasses, misturas com outros herbicidas e com adjuvantes, condições de temperatura e de umidade relativa do ar elevada, além de acúmulo de produto na camada superficial do solo causado por falta de umidade para translocálo para camadas mais profundas, são fatores responsáveis por danos à cultura. Os sintomas em soja variam entre pontuações necróticas nas folhas; murcha e desDezembro 2001 / Janeiro 2002

secação rápida da planta; intumescimento e rachadura do hipocótilo e pequeno desenvolvimento de raízes e de entrenós.

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INSETOS NA CULTURA

Quanto aos insetos, grande parte de sua ocorrência está associada a condições de estresses. Os sintomas mais comuns são murcha e morte de plântulas ao acaso, resultando em falhas de estande de plantas. Quando a semeadura é realizada em condições adversas, em profundidade excessiva e em solos de baixa temperatura e com excesso de umidade, há condições para desenvolvimento da mosca-da-semente. Em períodos de deficiência hídrica, podem ocorrer lagarta-elasmo, gorgulho-do-solo, piolho-de-cobra e besouro-preto. Corós e piolhos-de-cobra ocorrem, geralmente, em manchas (reboleiras) na lavoura. O tamanduá-da-soja pode afetar grande número de plântulas ao acaso, se a soja for cultivada em área infestada na safra anterior e, no caso de rotação, o ataque inicial irá concentrar-se nas plantas da bordadura. Culturas antecessoras, como canola, nabo forrageiro, tremoço e ervilhaca, além de algumas plantas daninhas, podem hospedar gorgulho-do-solo, percevejo-barriga-verde e cigarrinhas, que migram para a soja após a dessecação, causando tombamento de

Leila fala sobre os problemas iniciais na cultura da soja

Técnicos e produtores devem sempre considerar o tipo de herbicida aplicado na lavoura, a presença de insetos e as condições climáticas predominantes, além da qualidade de sementes, que deve apresentar sempre padrões adequados de germiLeila Costamilan

Leila Costamilan

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Fig. 01

Tombamento de plântula de soja com apodrecimento seco das raízes causado por Rhizoctonia solani

plântulas. O controle desses insetos é difícil, pois somente em alguns casos o tratamento de sementes com inseticidas impede a postura e o desenvolvimento de larvas. Como pôde ser notado, os problemas iniciais da cultura de soja têm poucas causas relacionadas a doenças, sendo freqüentes os danos por herbicidas e por insetos. www.cultivar.inf.br

nação e de vigor. Esses dados podem ser decisivos para a correta diagnose e para a solução de muitos problemas que ocorrem na fase inicial de desenvolvimento da la. voura de soja. Leila Maria Costamilan e Emídio Rizzo Bonato, Embrapa Trigo Cultivar

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Soja

Olho no futuro Especialistas brasileiros e do exterior discutirão as perspectivas do agronegócio da soja, em junho de 2002

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ientistas, professores, agrônomos, produtores e todos os empresários que atuam na cadeia agroprodutiva da soja, em todo o Cone Sul, têm encontro marcado no II Congresso Brasileiro de Soja e no Mercosoja 2002, a realizar-se de 3 a 6 de junho de 2002, em Foz do Iguaçu. O tema central do Congresso será Perspectivas do agronegócio da soja . O Congresso é uma promoção da Embrapa Soja, em parceria com a Associação dos Produtores de Soja Aprosoja. Assuntos do momento, como é o caso do Manejo de Plantas Daninhas para evitar o desenvolvimento de resistência a herbicidas, ou a análise da evolução da produção de soja argentina, após o advento da soja transgênica, serão discutidos em profundidade. Novas tendências, como a produção de soja orgânica ou o desenvolvimento de biodiesel, fazem parte da temática dos eventos. No âmbito da sanidade vegetal, todos os participantes terão a oportunidade de discutir os riscos sanitários da expansão da fronteira da soja e ou uso de variedades resistentes e do controle biológico, além do trânsito de material reprodutivo e da estratégia do governo para proteger a cultura da soja e adequá-la às exigências do mercado internacional. De Roma virá um oficial da FAO 08

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para discutir uma questão candente: A nova agricultura estará baseada em mais subsídios ou em mais profissionalismo? Dos Estados Unidos virão cientistas para apresentar teses a respeito do manejo adequado do solo. Representantes do governo brasileiro estarão presentes para apresentar e discutir a política agrícola brasileira, com destaque para as questões financeiras, de seguro agrícola e da comercialização de OGMs. Detalhes da gestão da propriedade rural serão abordados por especialistas no assunto. A conferência inaugural será proferida pelo doutor Per Pinstrup-Andersen, diretor geral do IFPRI (International Institute for Food Policy Research). O Dr. Pinstrup é o ganhador do Prêmio Alimentação 2001, que equivale ao Nobel na área de Alimentos. O tema de sua conferência será Demanda e consumo de soja no mundo: uma perspectiva para 2020 , sendo ele uma das poucas personalidades do mundo capazes de discorrer sobre as tendências do agronegócio em prazo tão largo, pois o IFPRI possui um ambicioso projeto para traçar o cenário mais provável para os agronegócios em 2020. Também serão conduzidas 20 mesas redondas sobre os mais diferentes aspectos da cultura da soja, como: Novas doenças e o enfoque do melhoramento; www.cultivar.inf.br

uso de OGMs; manejo de pragas e de doenças; a soja como alimento e seu efeito na saúde humana; perspectivas da produção e da pesquisa de soja no cone sul; impacto do uso de micronutrientes e da inoculação; manejo do solo e de plantas daninhas; qualidade de sementes de OGMs; política agrícola e gestão da propriedade rural; novos usos da soja; soja orgânica; agricultura de precisão; perigos sanitários na expansão da soja e investimento público e privado na pesquisa e desenvolvimento da soja. Ao final de cada tarde haverá uma sessão de apresentação de trabalhos científicos em forma de pôsteres para a qual estão sendo esperados mais de mil trabalhos de pesquisa, ainda inéditos. Além da programação científica central dos dois congressos, teremos a realização de diversos eventos paralelos, incluindo simpósios sobre bio-estimulantes em soja; uso da soja na alimentação animal; casos de sucesso com transferência de tecnologia, avanços tecnológicos, . entre outros. Para maiores informações, consulte a homepage do congresso em www.pjeventos.com.br/cbsoja ou solicite informações pelo email cbsoja@cnpso.embrapa.br.

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Aildson P. Duarte, IAC

Como fazer uma boa

Segunda safra O Milho Safrinha é o milho de sequeiro cultivado extemporaneamente, de janeiro a abril, após a cultura de verão na região Centro-Sul brasileira. É semeado quase sempre depois da soja e, por ser a produtividade muito baixa e a adubação antieconômica em solo de baixa fertilidade, preferencialmente em terras férteis. As experiências positivas de agri-

A população de plantas por hectare deve ser bem pesada para não comprometer o retorno econômico

cultores no Paraná apontaram a potencialidade desse novo mercado, incentivando que as Empresas de sementes direcionassem híbridos de milho para as condições de outono/inverno. Paraná e São Paulo foram os Estados onde se iniciou a explosão da safrinha (figura 1).

Atualmente, dos 12 a 13 milhões de hectares de milho no Brasil, cerca de 2,5 milhões são cultivados na safrinha, o que corresponde a 25% e 20% da área total de milho na região Centro-Sul e no País respectivamente (CONAB, levantamento de dados). Ocorreu redução da área de milho na safra de verão e aumento da safrinha (Tsunechiro, 1998); no Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, o milho safrinha já corresponde a mais de 60% da área total desse cereal (safrinha + verão) (Quadro 1). O rápido crescimento da safrinha ocorreu principalmente pela busca de alternativas agrícolas para o período de outono-inverno em regiões onde tradicionalmente as terras ficavam em pousio após a cultura da soja (Mato Grosso, Goiás e norte do Estado de São Paulo) e pela substituição parcial do trigo nos Estados do Paraná, Mato Grosso do Sul e de São Paulo - Vale do Paranapanema, em vista da redução dos ganhos econômicos com esta cultura a partir de 1989 (Duarte et al., 1995). No início da expansão do milho safrinha , a produtividade era muito baixa e os investimentos em insumos desprezíveis; safrinha era sinônimo de risco e baixa tecnologia. Havia, de um lado, agricultores que estavam ganhando dinheiro com o milho safrinha e, de outro, poucos técnicos que acreditavam que essa cultura tinha vindo para ficar. Os primeiros trabalhos de pesquisa foram desenvolvidos pelo IAPAR, no Estado do Paraná (Gerage & Bianco, 1990). Na década de noventa, o IAC desenvolveu técnicas de cultivo específicas para o milho safrinha , as quais proporcionaram aos agricultores da região paulista do Vale do Paranapanema serem os primeiros a obter rendimento médio regional superior a 3.000 kg/ha. Técnicos das empresas públicas de pesquisa (IAC, IAPAR e EMBRAPA) e de extensão (CATI e EMA-

O cultivo da safrinha pode oferecer boa rentabilidade ao produtor, mas algumas dicas devem ser seguidas para evitar prejuízos

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Nas regiões mais tecnificadas, a semeadura direta na palha, sem preparo do solo, possibilita a antecipação da semeadura do milho safrinha em uma a duas semanas. Temse utilizado também a dessecação da soja com produtos químicos visando à antecipação de sua colheita, geralmente 7 a 10 dias

TER), Centro de Desenvolvimento do Médio Vale do Paranapanema (CDVale), cooperativas, universidades e empresas privadas passaram a realizar periodicamente, desde 1993, o Seminário Sobre a Cultura do Milho Safrinha , visando à discussão de tecnologias e perspectivas desse tipo de cultura no País. Portanto, em decorrência do desenvolvimento, divulgação e adoção de técnicas apropriadas, hoje podemos denominar o milho safrinha de milho segunda safra e afirmar que a safrinha não é o termo mais apropriado para caracterizar as culturas de outono/inverno. Os rendimentos médios, porém, ainda são muito baixos (Quadro 1), em decorrência de parte da semeadura ser efetuada em época acentuadamente tardia, reduzindo o potencial produtivo e tornando antieconômico o amplo emprego de insumos modernos . Embora a produtividade seja menor na safrinha, temse maiores preços de venda, por ser a colheita realizada em período de entressafra, e menor custo de produção, devido ao baixo uso de insumos (Tsunechiro et al., 1995). O fertilizante é o item mais dispendioso dos fatores da produção nas duas épocas de semeadura (cerca de 1/3 dos custos variáveis) (Quadro 2). No sistema de produção de baixa tecnologia, empregado sobretudo nas semeaduras em época marginal, devido à baixa probabilidade de sucesso da lavoura, o agricultor economiza principalmente em insumos, mas obtém menor lucratividade. Outro fator que determina o nível dos investimentos é a expectativa de preços na colheita, os quais dependem do volume produzido na safra normal. Como ocorreu aumento de área de milho verão em 2000/2001 e existe previsão de uma excelente safra, a expectativa é que os preços não aumentem tanto na entressafra 2001, ocasião em que o milho safrinha será comercializado.

SEMEAR CEDO É O DESAFIO

Devido à redução da disponibilidade de água no solo e das temperaturas do ar no inverno, o sucesso do milho safrinha depende principalmente da época de semeadura. Quanto mais tarde for semeado, menor será o potencial produtivo e maior o risco de perdas por geadas e/ou seca. Assim, o planejamento do milho safrinha começa com a cultura de verão, visando liberar a área o mais cedo possível para a segunda cultura. As épocas limites recomendadas, preferencialmente para a semeadura, encontram-se no quadro 3. Em Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, norte de São Paulo e Mato Grosso do Sul, o principal fator de risco é o déficit hídrico, sendo atenuado nas áreas de altitude em razão das temperaturas amenas proporcionarem menor evapotranspiração. No Paraná, sul de Mato Grosso e sudoeste de São Paulo (Vale do Paranapanema) tem-se elevado risco de geada, principalmente nas áreas acima de 600 m de altitude. Assim, ao contrário do que é preconizado para o milho verão, as baixas altitudes são favoráveis ao cultivo da safrinha nas regiões mais ao sul do País. Nas duas principais regiões produtoras paulistas, por exemplo, tem ocorrido redução acentuada do potencial de produção com o atraso da semeadura dos experimentos de milho safrinha (Figuras 2 e 3). Porém, no Médio Vale do Paranapanema, região de transição entre inverno úmido e seco, as produtividades são maiores e a semeadura pode ser realizada mais tardiamente do que na região norte/noroeste, com estação seca bem definida. Não se dispõe de informações em outros Estados, o que não significa que o milho safrinha não possa ser cul-

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tivado. Conforme já citado, essa cultura não apresenta ampla dispersão geográfica nos Estados, concentrando-se em regiões onde o microclima e o solo são propícios ao seu desenvolvimento. Em vista dos baixos índices de chuvas desse período, a capacidade de armazenamento de água no solo é fator limitante para o cultivo da safrinha em algumas áreas; de maneira geral, é menor nos solos arenosos e maior nos argilosos. Isso, juntamente com a fertilidade do solo, explica porque a maioria da área de milho safrinha está concentrada em regiões que apresentam solos mais argilosos. A época de semeadura é o principal fator determinante do nível tecnológico da cultura do milho safrinha . Como essa cultura produz pouco quando é semeada tardiamente, não é vantajosa a compra de sementes de alto potencial genético (mais caras) para semear fora da época recomendada, devido ao baixo retorno econômico desse investimento. Deve-se priorizar a aquisição de sementes dos melhores cultivares e o emprego de adubação NPK nas lavouras implantadas dentro da época recomendada. Nas regiões mais tecnificadas, a semeadura direta na palha, sem preparo do solo, possibilita a antecipação da semeadura do milho safrinha em uma a duas semanas. Tem-se utilizado também a dessecação da soja com produtos químicos visando à antecipação de sua colheita, geralmente 7 a 10 dias. Estima-se que, em média, apenas metade dos agricultores procede à semeadura dentro da época recomendada, mesmo em algumas regiões que adotaram a semeadura na palha. Considerando que o milho safrinha é viabilizado com a colheita da soja de ciclo precoce e que as variedades precoces disponíveis no mercado devem ser semeadas preferencialmente em meados do mês de novembro, quando nem sempre tem ocorrido chuvas, é comum atrasar a implantação da soja para fins de novembro até dezembro. É necessário ficar atento à umidade do solo para antecipar a semeadura da soja (preparo operacional para começar a semeadura o quanto antes) e utilizar sementes de variedades de soja com período juvenil longo, a exemplo da IAC 18, IAC 22 e BR 133. Se as chuvas forem suficientes para umedecer o solo em outubro, o agricultor poderá implantar parte da sua lavoura antecipadamente, não precisando aguardar e correr o risco de não semear toda a soja em novembro. Independentemente da época de semeadura, têm sido observadas limitações na produtividade decorrentes da monocultura da sucessão soja - milho segunda safra (DeMaria et al., 1999). Onde não for possível antecipar a semeadura do milho, deve-se priorizar o emprego de culturas alternativas de outono/inverno, como trigo, triticale, aveia, sorgo e girassol, ou mesmo a adubação verde, visando obter maiores rendimentos das culturas subseqüentes.

PREPARO DO SOLO

Embora exista uma grande diversidade de preparo da área para o cultivo do milho na segunda safra, predomina o emprego do plantio direto permanente ou temporário, visando antecipar a implantação do milho safrinha . No preparo direto temporário realiza-se a semeadura direta do milho safrinha e o preparo convencional para a soja. Nesse caso, no verão tem sido freqüente o preparo com grades devido ao grande volume de palha deixado pelo milho dificultar o funcionamento dos arados de discos, aivecas e escarificadores.

Assim, é comum a mistura parcial de calcário no solo e a existência de camadas compactadas denominadas pé de grade , fatores que delimitam o desenvolvimento do sistema radicular e tornam a cultura mais suscetível aos períodos de estiagem (DeMaria et al., 1999). Um dos problemas do sistema de plantio direto do milho safrinha é o emprego da monocultura da sucessão soja/milho safrinha na maioria das lavouras, o que acarreta baixa cobertura do solo. Mesmo sendo semeado após a soja, que fixa simbioticamente o nitrogênio do ar, existem evidências de que está havendo limitação na produtividade do milho devido ao empobrecimento do solo com as exportações contínuas de nutrientes sem a reposição adequada nas adubações. O milho safrinha, em sucessão à soja, apresenta boa resposta à adubação nitrogenada, que não precisa ser parcelada em cobertura quando a produtividade esperada estiver em torno de 3.000 kg/ha. Isso ocorre porque as chances de lixiviação do N aplicado no plantio são pequenas, em virtude do volume decrescente de chuvas no período da safrinha (Cantarella, 1995). Nesse caso, todo o nitrogênio pode ser aplicado na semeadura com a fórmula NPK, evitando as incertezas de haver ou não umidade no solo no momento em que deveria ser feita a cobertura, além de liberar maquinário e mão-de-obra. A tabela de recomendação de adubação desenvolvida pelo IAC para o milho safrinha (Duarte et al., 1996) indica que em latossolos roxos, com teores de fósforo e potássio médios a altos, podem ser utilizados cerca de 200 kg/ha da fórmula NPK 15-15-15 ou similar. Essa adubação poderá ser complementada ou não com nitrogênio em cobertura, dependendo da evolução das condições climáticas que determinam o potencial de produção. Ressalte-se que em solos arenosos ou em áreas cultivadas com milho ou outra gramínea no verão, a quantidade de nitrogênio requerida é maior. Nesses casos, não é recomendável dispensar a adubação nitrogenada de cobertura, mesmo quando se empregam fórmulas NPK concentradas em N na semeadura. Havendo condições de umidade no solo a cobertura deve ser feita antes de as plantas atingirem o estádio de 8 folhas, pois existe o risco da ocorrência de seca durante e posteriormente a essa fase. Foram desenvolvidos experimentos de população de plantas na região do Médio Vale do Paranapanema com cultivares de milho recomendados com densidade de 55.000 plantas por hectare no período do verão (Duarte et al., 1994), verificando-se que os melhores rendimentos foram obtidos entre 33.333 e 44.444 plantas por hectare, com van-

tagem da população superior, quando o potencial produtivo era igual ou maior a 3 toneladas por hectare. Corroborando, Shioga et al. (1999) verificaram, em trabalho recente desenvolvido no Paraná, que apenas nos locais onde a produtividade média foi próxima à da safra normal (em torno de 6.000 kg/ha), os rendimentos dos cultivares continuaram aumentando em populações superiores a 44.444 plantas por hectare. Como a média das melhores lavouras de milho safrinha está entre 3 a 4 toneladas de grãos por hectare e os problemas recentes de pragas estão comprometendo o estabelecimento do estande, sugere-se implantar as lavouras de milho safrinha com popu-

Dezembro 2001 / Janeiro 2002 Cultivar 13


Em 1995, fase inicial de cultivo de milho safrinha no Estado de São Paulo, verificou-se que na região do Vale do Paranapanema, onde essa cultura substituiu o trigo, predominavam as seguintes espécies: soja, leiteiro, trapoeraba, picãopreto e nabiça. No Norte, região mais seca e quente, onde as terras permaneciam ociosas no outonoinverno, predominavam soja, apaga-fogo, caruru, capim-carrapicho e picão-preto (Duarte & Deuber, 1999)

lação entre 40 e 45 mil plantas por hectare, dependendo das particularidades da propriedade e do cultivar. Para o milho safrinha, devido ao menor potencial produtivo em relação à safra normal, podese utilizar menor população de plantas sem prejuízo no rendimento de grãos (população inicial = 40 a 45 mil plantas/ha). Populações excessivas oneram o custo total do item sementes, podem aumentar o acamamento e quebramento de plantas e não compensam a desuniformidade de semeadura (Duarte et al., 1994). O espaço entre as sementes deve ser uniforme; a produção das plantas de milho juntas não compensam à daquelas que poderiam existir nos espaços vazios, resultando em queda da produção. Considerando que o milho safrinha é semeado em período de baixa freqüência de chuvas e, preferencialmente, na palha, fatores que favorecem o desenvolvimento de algumas pragas de solo, e devido à necessidade de o estande ser uniforme, o tratamento de sementes com inseticidas é fundamental para reduzir os riscos de um mal começo da cultura.

CONTROLE DAS PLANTAS DANINHAS

Em levantamento da flora infestante, realizado pelo Instituto Agronômico (IAC) na cultura do milho safrinha , no Estado de São Paulo, verificou-se que, aproximadamente, um terço das lavouras apresentavam-se com infestação significativa de plantas daninhas (Duarte & Deuber, 1999). Isso foi explicado pela ineficiência do cultivo mecânico, empregado em algumas lavouras, e por deficiências no controle químico da flora infestante naquela época. Em 1995, fase inicial de cultivo de milho safrinha no Estado de São Paulo, verificou-se que na região do Vale do Paranapanema, onde essa cultura substituiu o trigo, predominavam as seguintes espécies: soja, leiteiro, trapoeraba, picão-preto e nabiça. No Norte, região mais seca e quente, onde as terras permaneciam ociosas no outono-inverno, predominavam soja, apaga-fogo, caruru, capim-carrapicho e picão-preto (Duarte & Deuber, 1999). Atualmente, pelo emprego generalizado e contínuo da atrazina e suas misturas com óleo vegetal e 2,4-D, que controlam predominantemente espécies de folhas largas, o capim-carrapicho é uma das principais espécies da flora infestante em todo o Estado. Visando antecipar a implantação do milho safrinha , sua semeadura é realizada ao mesmo tempo em que a soja é colhida em área subseqüente tornando escassa a disponibilidade de tratores e mãode-obra para a aplicação de herbicidas nesse momento. Devido à necessidade de flexibilização da época de aplicação, tem sido priorizado o emprego dos herbicidas pós-emergentes e, quando for necessária a dessecação de plantas daninhas remanescentes da soja, é comum realizá-la imediatamente após a semeadura do milho safrinha. É possível reduzir a dose dos herbicidas pósemergentes na safrinha em relação à safra normal, devido ao menor vigor das plantas daninhas nesse período. A menor disponibilidade de água e calor, principalmente nos estádios finais da cultura, faz também com que a reinfestação seja pequena. Estudos sobre adequação de doses de atrazina em milho safrinha demonstraram que nesse período pode-

14 Cultivar Dezembro 2001 / Janeiro 2002

se reduzir a quantidade do produto comercial atrazine mais óleo vegetal (Primóleo) para 1,5 a 2,5 L/ ha e que, para a maioria das espécies, a adição de 65 a 130 mL de 2,4-D comercial apresentava efeito sinérgico e não causava fitotoxidade quando aplicado na fase inicial da cultura, exceto quando o híbrido apresenta alta sensibilidade (Deuber, 1997). Atualmente, devido ao grande risco de fitotoxidade, não se recomenda o uso isolado do 2,4-D em doses maiores que as já citadas. A mistura de óleo com a atrazine é importante, principalmente para o controle de soja e caruru. Em vez do óleo vegetal, pode-se adicionar o óleo mineral (1 L/ha de Assist), que deve ser misturado diretamente na água do tanque do pulverizador. Nas lavouras de milho safrinha com problema de folhas estreitas pode-se utilizar o nicosulfuron (Sanson) na dose de 0,50 a 0,75 L/ha, que é um excelente herbicida para o controle do capim-carrapicho. Como não controla muito bem a maioria das espécies de folhas largas, especialmente trapoeraba, caruru, apaga-fogo e guaxuma, deve-se empregá-lo em mistura com atrazine (Deuber & Duarte, 1999). Ao se aplicar nicosulfuron + atrazine para o controle da soja, caruru, leiteiro, picão-preto e carrapicho-de-carneiro não é necessário adicionar 2,4-D, pois o próprio nicosulfuron maximiza o efeito da atrazine. É necessário adicionar 2,4-D (130 mL/ha) ao nicosulfuron + atrazine, apenas para o controle da trapoeraba. A omissão do 2,4-D é relevante quando não for possível realizar a aplicação no milho ainda jovem ou se o cultivar for muito suscetível. O óleo mineral ou vegetal também não precisa ser utilizado quando se aplica nicosulfuron + atrazine, exceto quando predomina caruru (Deuber & Duarte, 1999).

PROBLEMAS COM PRAGAS

A lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda), principal praga do milho, está sendo controlada com um número cada vez maior de pulverizações com inseticidas, ocasionando a eliminação indiscriminada de inimigos naturais e muito possivelmente o aparecimento de populações resistentes. Há necessidade de utilizar métodos de amostragens de pragas, para a cultura do milho safrinha, para possibilitar o manejo integrado de pragas (Cruz, 1999). A semeadura extemporânea do milho, por prolongar a oferta de alimento para as pragas, pode-se transformar em um fator multiplicador, bem como favorecer o surgimento de outras pragas consideradas exóticas ou mesmo mudar o status de uma praga secundária para primária (Gerage & Bianco, 1990). Os autores relataram a ocorrência de larvasde-vaquinha (Diabrotica speciosa), causando graves problemas de acamamento de plantas em lavouras no Estado do Paraná. Houve, recentemente, grande aumento do complexo de pragas subterrâneas na cultura do milho, as quais diminuem significativamente o número ideal de plantas da cultura. Apareceram também, novos problemas com percevejos (percevejo-verdeda-soja - Nezara viridula e percevejo barriga-verde Dichelops furcatus), tripes e insetos vetores de doenças como as cigarrinhas e os pulgões. Atualmente,


MILHO SAFRINHA NOS ESTADOS EVOLUÇÃO DA ÁREA 2500

2000

1500

1000

500

0 84

85

86

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89

90

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93

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98

99

Fig.02

Período (anos)

Rendimentos médio decêndial do milho safrinha nos experimentos desenvolvidos na região norte do Estado de São Paulo no período 1993 a 1999

PRODUTIVIDADE Kg/h

RENDIMENTO DE GRÃOS DO MILHO SAFRINHA REGIÃO NORTE/NOROESTE

Fig.03

(Fonte: IAC citado por Duarte et al.,2000)

Rendimentos médio decendial do milho safrinha nos experimentos desenvolvidos no Médio Vale do Paranapanema (SP) no período 1992 a 1999

PRODUTIVIDADE Kg/h

RENDIMENTOS DE GÃOS DO MILHO SAFRINHA MÉDIO VALE DO PARANAPANEMA

Fig.04

(Fonte: IAC citado por Duarte et al.,2000)

Evolução dos rendimentos do milho safrinha nos experimentos de avaliação de cultivares IAC/CATI/Empresas, desenvolvidos no Médio Vale do Paranapanema no período de 1992 a 2000 (1 a 9)

RENDIMENTO Kg/h

RENDIMENTOS MÉDIO DO MILHO SAFRINHA REGIÃO MÉDIO VALE DO PARANAPANEMA

Anos (1992 a 2000)

16 Cultivar Dezembro 2001 / Janeiro 2002

Quadro 1

recomenda-se o monitoramento da população de percevejos da parte aérea no final da cultura da soja para verificar a necessidade do seu controle químico no estádio de emergência do milho safrinha. Uma das alternativas é o emprego de inseticidas para tratamento de sementes, os quais apresentam a vantagem de não afetar os inimigos naturais. Além de reduzir a produtividade, essas novas pragas estão exigindo maior gasto com inseticidas, seja no tratamento de sementes seja nas pulverizações, o que poderá inviabilizar economicamente o milho safrinha nas áreas mais críticas. Essas pragas, até então sem importância econômica nas principais regiões produtoras, estão associadas a fatores que favoreceram seu aparecimento, entre os quais podemos citar: 1) Monocultura da sucessão soja/milho safrinha , provocando desequilíbrio ambiental; 2) Quase metade das lavouras é semeada em época marginal, que apresenta menor potencial produtivo e maior risco de perdas, quando o retorno dos investimentos em insumos é reduzido e as lavouras pouco cuidadas (sem adubação e controle de pragas); 3) Aumento do plantio direto na palha, principalmente o temporário; que favorece os insetos residentes e exige manejo mais complexo (acompanhamento). Deve-se priorizar a rotação de culturas no planejamento da ocupação das áreas na propriedade, evitando a monocultura da sucessão soja/ milho safrinha principalmente nas áreas mais críticas. Sugere-se que o milho safrinha seja implan-

tado preferencialmente nas glebas onde for possível a semeadura na época recomendada para viabilizar o emprego dos insumos (incluindo fertilizantes e inseticidas) e técnicas culturais apropriadas. É necessário o exame dos tipos de pragas no solo (amostragem e identificação) para dimensionar quando e onde está ocorrendo cada tipo de praga e qual o seu potencial de dano - mapear o problema na propriedade (Gassen, 1999). Para isso, sugere-se difundir o hábito de observação da população residente através de escavações. Outro problema bastante grave no milho safrinha é a presença de nematóides, tanto os formadores de galhas (Melodoigyne sp.) e os Pratylenchus.sp. A maioria dos cultivares de milho multiplicam os nematóides formadores de galhas, especialmente o Melodoigyne incognita, (Lordello et al., 1999). Nas semeaduras extemporâneas é necessário maior rigor na escolha dos cultivares, utilizando os reconhecidamente resistentes às doenças de ocorrência regional, devido às condições propícias para a manutenção de fonte de inóculo no campo e aos estresses que tornam as plantas debilitadas. No período da safrinha têm ocorrido, sobretudo, as doenças transmitidas por insetos, especialmente o enfezamento causado por molicutes (Massola Junior et al, 1999; Duarte et al., 1999). Dentre as doenças foliares destaca-se, de maneira mais generalizada, a pinta-branca (Phaeosphaeria maydis) e, em determinadas regiões, a helmintosporiose (Exserohilum turcicum), a ferrugem branca (Physopella zeae), a ferrugem polissora (Puccinia polysora) e a cercosporiose (Cercospora zeae-maydis) (Fantin et al, 1999; Arias et al., 1999; Gerage & Bianco, 1990). No outono-inverno a disponibilidade diária de calor é menor do que nos cultivos de verão e a perda de umidade dos grãos é mais lenta, fazendo com que o ciclo se alongue em quase um mês. Tal fato, juntamente com os estresses fisiológicos, requer que seja dada atenção especial à resistência às doenças do colmo que podem provocar acamamento e quebramento de plantas e aos patógenos depreciadores da qualidade dos grãos. Os problemas de sanidade dos grãos têm sido notados com maior freqüência quando ocorre seca ou geada durante a maturação dos grãos.

EVOLUÇÃO DOS CULTIVARES

Atualmente, existem estudos que orientam a escolha dos cultivares mais adaptados e estáveis para a produção de grãos nas principais regiões produtoras (Corrêa, 1999; Duarte et al., 2000; Gerage & Shioga, 1999; IAC, 2000; Oliveira et al., 1999). Ressalte-se que, embora poucos genótipos comerciais adaptam-se na safrinha, não se tem material desenvolvido apenas para esse período, ou seja, todos os genótipos de milho recomendados para a safrinha são cultivados também na safra normal. A alteração da época de semeadura pode modificar as características fenológicas da planta de milho, sendo conhecido o prolongamento do ciclo das plantas na safrinha em relação à safra normal e, muitas vezes, a redução do porte das plantas (Duarte et al., 1995). Devido à grande variabilidade da época de semeadura do milho safrinha, juntamente com a pró-

pria irregularidade climática desse período, tem sido dada especial atenção à estabilidade da produção de grãos dos cultivares recomendados. Mas, de maneira geral, a estabilidade geral do cultivar na safra de verão não é bom indicativo da sua adaptação na safrinha, requerendo estudos específicos nessa época (Sawazaki et al., 1995). Isso se deve à ocorrência de temperaturas estressantes opostas entre as modalidades de cultivo: no verão ocorre calor excessivo e no outono-inverno, temperaturas muito baixas. Visando ao escape das condições adversas do meio, que acentuam com o decorrer do inverno, existe uma tendência de recomendar cultivares de ciclo precoce e superprecoce na safrinha. Porém, em regiões como o Médio Vale do Paranapanema, onde há transição climática entre inverno seco e úmido, a probabilidade de ocorrência de geadas é relativamente baixa e o atendimento hídrico é satisfatório na maioria dos anos, existem alguns cultivares de ciclo normal que se sobressaiam em relação aos mais precoces na maioria do anos. Embora não tenha havido o lançamento de materiais específicos para as condições da safrinha, foi o melhoramento genético que viabilizou o sucesso dessa cultura no País, principalmente pela introdução de cultivares mais precoces e/ou adaptados a essa condição. Houve também benefícios do emprego de práticas culturais adequadas para essa modalidade de cultivo, como pode ser observado nos resultados dos experimentos realizados na região paulista do Médio Vale do Paranapanema a partir de 1992 (Figura 4). Excluindo os resultados de 2000, em que a perda foi quase total devido às geadas, a produtividade média dos últimos anos foi 53% (cerca de 1.400 kg/ha) superior à média dos quatro primeiros anos do trabalho, correspondendo a um ganho de 7,6% ao ano. Na escolha dos cultivares, deve-se considerar que os melhores são aqueles que apresentam bom desempenho agronômico em nível regional, e a melhor relação entre o benefício do seu emprego e o custo das sementes. Quanto maior o potencial produtivo da lavoura, em razão da época de semeadura e dos demais investimentos em insumos (adubos, inseticidas e herbicidas), maior será o ganho em rendimento de grãos com o emprego dos cultivares mais produtivos (Souza et al., 1993). Nas semeaduras muito tardias, devido à necessidade de reduzir os investimentos, deve-se utilizar as sementes mais baratas (híbridos duplos e variedades), que geralmente são de cultivares que apresentam menor potencial relativo de produção entre aqueles adaptados regionalmente. Particularmente na safrinha 2001, o agricultor deverá ser cauteloso na compra de sementes, utilizando as de maior preço apenas nas lavouras a serem implantadas na época recomendada. A qualidade dos grãos é outro fator que deve ser levado em consideração. Os consumidores têm comprado preferencialmente grãos duros e semiduros para evitar possíveis problemas com micotoxinas advindos principalmente do manuseio inadequado do produto. O milho de melhor qualidade, porém, tem sido remunerado de maneira diferenciada apenas . quando o mercado é de grande oferta.

Médias das áreas e produtividade em 1997/98 e 1998/99 de milho verão e safrinha e valores relativos do milho safrinha nos principais Estados produtores

Estado

Verão

Área Safrinha

Total

Relativo %

Verão

2.402 1.197 541 473 740 9.024

38 35 67 63 63 25

3.735 3.634 3.580 4.325 4.425 3.386

1.000 ha PR SP MT MS GO Centro-Sul (1) (1)

1.500 784 177 173 529 6792

902 413 364 300 211 2232

Produtividade Safrinha Kg/ha

Relativo %

2.510 2.500 1.825 2.398 2.650 2.377

67 69 51 55 60 68

Inclui Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo , Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Fonte: CONAB (levantamento de dados)

Quadro 2

Evolução da área de milho safrinha nos principais Estados produtores no período 1984 a 1999. (Fonte: CONAB, levantamento de dados).

Custo de produção do milho verão e safrinha na Região Paulista do Médio Vale do Paranapanema

Milho verão

Milho Safrinha Alta tecnologia

Fatores da Produção

Baixa tecnologia

R$ e % do custo efetivo Despesas de operação Serviços de terceiros Material consumido Calcário Semente Adubo Herbicidas Inseticidas Custo efetivo Encargos financeiros Encargos sociais Administração Depreciação de máquinas Seguro Subtotal Custo operacional Produtividade (kg/ha) Valor produto (R$/sc) Receita Lucro

45,92 130,44

( 7) (21)

32,92 50,74

( 9) (13)

26,80 35,49

(11) (15)

16,65 93,71 224,00 92,40 26,17 629,29 62,93 30,50 62,93 25,84 25,00 207,20 836,49 6.000 10,00 1.000,00 163,51

( 3) (15) (35) (15) ( 4) (100)

11,10 85,19 108,39 66,00 21,81 376,15 37,61 24,40 37,61 18,60 23,90 142,12 518,27 3.200 12,50 666,67 148,40

( 3) (22) (29) (18) ( 6) (100)

11,10 51,15 84,00 10,66 21,81 240,86 24,10 16,99 24,10 15,76 19,28 100,23 341,09 2.200 12,50 458,33 117,24

( 5) (21) (35) ( 4) ( 9) (100)

Método IEA descrito por Matsunaga (1976), sem incluir os custos de oportunidade. Lavoura de aproximadamente 50 ha em latossolo roxo em plantio direto. Valores de referência: verão = US$5,60/sc, e safrinha = US$7,00/sc (25 % superior à safra). Fonte: CDVale/COOPERMOTA

Quadro 3

Fig.01

Limite das épocas de semeadura para a cultura do milho safrinha por Estado e região produtora, de acordo com o Zoneamento Agrícola e trabalhos da EMBRAPA, IAC, IAPAR e EMPAER

Estado Mato Grosso Goiás Minas Gerais Mato Grosso do Sul São Paulo

Paraná

Época Limite 15 de março 28 de fevereiro 15 de fevereiro 28 de fevereiro 15 de março 15 de março 28 de fevereiro 15 de março 30 de março 30 de março 15 de março 30 de janeiro

Altitude (1) Alta Alta Baixa Baixa Baixa e Alta Baixa Alta Baixa Baixa Baixa Baixa Baixa Baixa Alta

Região ( cidades referência) Centro-Norte (Sapezal, Lucas do Rio Verde) Sudoeste (Rio Verde, Jataí e Montividiu) Sudeste (Bom Jesus, Santa Helena) Vale do Rio Grande (Conceição das Alagoas) Centro-Norte (Campo Grande, São G. do Oeste, Chapadão do Sul) Centro-Sul (Dourados, Sidrolândia, Itaporã, Ponta Porã) Alto Paranapanema (Taquarituba, Itapeva, Capão Bonito) Norte (Guaíra, Orlândia, Ituverava) Noroeste (Votuporanga, Araçatuba) Médio Vale do Paranapanema (Assis, Ourinhos) Norte (Cornélio Procópio, Londrina, Maringá, Apucarana) Noroeste (Paravaí, Umuarama) Oeste e Vale do Iguaçu (Campo Mourão, sul de Palotina, Medianeira e Cruzeiro do Iguaçu) Transição (Wenceslau Braz, Mauá da Serra, sul de Ivaiporã, Cascavel, sul de Toledo até Francisco Beltrão)

Alta = altitude semelhante ou superior a 600 m e Baixa = altitude inferior a 600 m. Fonte: Brasil (1998), Brunini et al. (1995, 1997), Caramori et al. (1999), Oliveira & Fornasieri (1999) e Sans et al. (1999). (1)

Dezembro 2001 / Janeiro 2002 Cultivar 17


Ivan Cruz, da Embrapa Milho e Sorgo

Lagarta-do-cartucho:

O principal inimigo do milho Carlos Medeiros

A larva penetra na base da plântula e se alimenta no inteiror do colmo

Desde o início da emergência da planta este inseto ataca a sua lavoura. Os prejuízos são imensos. O pesquisador Ivan Cruz, da Embrapa Milho e Sorgo, ensina como lidar com a praga

A lagarta-do-cartucho,Spodoptera frugiperda é a principal praga da cultura do milho no Brasil, ocorrendo em todas as regiões produtoras, tanto nos cultivos de verão como nos de segunda safra ( safrinha ). O inseto está sempre presente a cada ano de cultivo e ataca a planta desde sua emergência até a formação de espigas. Seus prejuízos são estimados em mais de US$ 400 milhões, anualmente. Nos últimos anos tem atacado também a cultura de algodão, causando severos prejuízos. Especialmente na cultura de milho, os prejuízos contabilizados não estão relacionados à falta de tratamento fitossanitário, pois o número de aplicações de produtos químicos tem também aumentado e, em algumas regiões, é comum uma média acima de cinco aplicações na safra. Vários fatores podem ser levantados para explicar os danos crescentes da praga ao milho. Um deles refere-se à aplicação de maneira incorreta, como a não-utilização de jato dirigido. Mas a grande preocupação no momento é o desenvolvimento de populações resistentes a produtos químicos, já verificado em algumas regiões, e a diminuição sensível da diversidade de agentes de controle biológico, em conseqüência do mau uso dos agrotóxicos. Portanto, é a hora de os agricultores pensarem em adotar um programa de manejo integrado, principalmente para restabelecer o equilíbrio ecológico dentro do sistema de produção. A mariposa fêmea, de coloração geral acinzentada, com cerca de 25 mm de envergadura, coloca seus ovos em massa, em média cerca de cem a cada vez. Em tem-

18 Cultivar Dezembro 2001 / Janeiro 2002

peraturas ao redor de 25oC, ocorre a eclosão das lagartas em três dias. Os insetos recém-nascidos geralmente permanecem juntos nas primeiras horas de vida, iniciando sua alimentação pela casca dos próprios ovos. Depois raspam a folha da planta hospedeira, propiciando um sintoma típico do dano da praga, mas sem perfurar a folha, deixando a epiderme membranosa intacta. As larvas maiores, especialmente a partir do segundo instar, começam a migrar para outras plantas. Elas tecem uma teia e pela ação do vento são levadas para áreas ou plantas adjacentes. Posteriormente dirigem-se, em menor número, para a região do cartucho, onde se alimentam das partes mais tenras. Em uma planta normalmente são encontradas poucas larvas de uma mesma idade, em função da alta taxa de canibalismo existente. Todo o período larval é verificado dentro do cartucho da planta. Quando completamente desenvolvido o inseto sai do cartucho, dirigindose para o solo, onde se transforma na fase de pupa. Os períodos de vida da larva e da pupa duram em torno de 25 e 11 dias, respectivamente. Nas épocas mais quentes do ano, o ciclo biológico do inseto de ovo até a emergência do adulto pode ser completado em pouco mais de 30 dias. Como danos típicos do inseto, podem ser consideradas as raspagens das folhas pelas larvas de primeiro instar e a destruição do cartucho por larvas mais desenvolvidas. No entanto, tem-se verificado outros sintomas de danos, provavelmente até em função da evolução do sistema de produção da cultura de milho. Nos últimos anos, tem sido verificada grande mortalidade de plântulas pela presença da praga em altas infestações, logo após a germinação. Essa situação se tornou muito comum, particularmente em áreas de safrinha e em cultivos de plantio direto. Nesses casos há necessidade de entrar com o controle dentro de um intervalo curto de tempo, ou as perdas serão altas, às vezes levando a novo plantio. A utilização de medidas químicas preventivas de controle através do tratamento de sementes, dependendo do inseticida utilizado, pode evitar esse ataque. O agricultor deve consultar um agente de assistência técnica para discutir produtos e maneiras de efetuar o tratamento. O inseto também pode atacar e causar danos ao milho de maneira semelhante à lagarta-elasmo e lagarta-rosca. A larva penetra na base da plântula e alimentase no interior do colmo pouco desenvolvido, ocasionando, antes de matar completamente a planta, o sintoma conhecido como coração morto , típico da lagarta-elasmo. As folhas centrais são facilmente destacáveis. Em plantas maiores, pode ocorrer um seccionamento total ou parcial do colmo, matando a hospedeira, à semelhança

do ataque da lagarta-rosca; geralmente esse tipo de dano é ocasionado por larvas mais desenvolvidas. Nesta circunstância o agricultor deve entrar com rápidas medidas de controle, pois os danos são elevados, com a diminuição no número ideal de plantas na colheita. O jato do inseticida deve ser dirigido para a base da planta. Para o ataque mais comum da praga, verificado no cartucho, o agricultor deve iniciar o controle quando a planta atingir o nível de dano econômico. Para produtividade ao redor de 100 sacos de milho por hectare, inicia-se o controle quando a incidência da praga no campo for ao redor de 10% de plantas atacadas. Se a medida basear-se em produtos químicos, deve-se considerar características do produto, além de sua eficiência: custo, toxicidade e seletividade aos diferentes inimigos naturais. Em relação à seletividade, deve-se considerar que existem vários outros insetos vivendo dentro da lavoura de milho, cujo alimento é alguma fase de desenvolvimento da praga. O uso de inseticida químico não-seletivo reduz a população desses agentes de controle biológico, impedindo ação satisfatória. Esse crescimento é fundamental, especialmente em estágios de crescimento mais avançados da planta, quando os equipamentos convencionais de pulverizações, como os tratores, não conseguem entrar na lavoura sem causar prejuízos. Plantas podem ser quebradas, ou apenas dobradas na passagem do pulverizador, e, nesse caso, o inseticida não atinge o alvo, a praga alojada no cartucho. Atualmente tem-se verificado um aumento substancial no ataque da lagarta-do-cartucho nas espigas de milho, onde também ocorre uma outra importante praga, conhecida como a lagarta-da-espiga (Helicoverpa zea), abordada em artigo anterior (Cultivar, Janeiro/99). As duas espécies podem conviver, alimentando-se no mesmo local. A separação das duas é simples, através da coloração da cabeça, marrom clara na lagarta-da-espiga e marrom bem escura na lagartado-cartucho. Os danos da lagarta-do-cartucho não se restringem à ponta da espiga. O ataque na espiga tem sido verificado com mais intensidade em cultivos de milho de ciclo mais curto, caracterizados pela emissão rápida do órgão reprodutor masculino (pendão). Dessa maneira acaba-se o cartucho da planta antes que a larva atinja completo desenvolvimento. Assim, o inseto dirige-se para o pendão ou para a região da espiga. É comum alimentar-se no ponto de inserção da espiga no colmo, seccionando-o. Neste caso a perda de rendimento da planta é total. A larva também pode penetrar na base da espiga, danificando os grãos, o que prejudica os produtores de sementes. Além do dano direto, através do orifício deixado pela larva, pode ocorrer a penetração de patógenos, como as micotoxinas, origem de problemas da saúde humana e de animais domésticos. O controle da lagarta-do-cartucho, quando o ataque é verificado na região da espiga, é difícil pela falta de equipamentos adequados. Muitas vezes o agricultor é obrigado a utilizar a aplicação aérea ou a aplicação via água de irrigação. Mesmo através dessas modalidades a eficiência é baixa, com a praga instalada na espiga. Além disso, por ser uma aplicação em área total, arrisca o desequilíbrio pela eliminação dos agentes de controle biológico da lagarta-da-espiga ou mesmo da lagarta-do-cartucho, piorando a situação.

MIP no milho é uma das soluções, segundo Cruz

POSSIBILIDADE DE CONTROLE BIOLÓGICO

O desenvolvimento de resistência a inseticidas tem trazido preocupações. Aumeta o número de aplicações sem melhorar o controle. Alternativas, como o controle biológico, começam então a ser procuradas. Na cultura do milho é bem conhecida pelos pesquisadores e até por alguns agricultores a presença de um inimigo natural eficiente da lagarta-do-cartucho. É a conhecida tesourinha (Doru luteipes), inseto predador eficiente tanto de ovos como de larvas pequenas. Ela coloca ovos no cartucho da planta. Quando nascem as formas jovens, estas, juntamente com os adultos, fazem o controle biológico da praga. O inseto está também presente nos estiloestigmas, alimentando-se da lagarta-da-espiga. Na espiga, os ovos são colocados nas primeiras camadas de palha. Outros agentes de controle biológico já são também conhecidos pela pesquisa, com ênfase para inimigos naturais que atuam nas primeiras fases de desenvolvimento das pragas, reduzindo perdas. Para a grande maioria dos sistemas de produção de milho, à medida que a planta se desenvolve, o controle da lagarta-do-cartucho se reduz pela falta de equipamento adequado. Sem uso de medidas convencionais torna importante a contribuição dos inimigos naturais, cuja população vai ser maior ou menor em função até do tipo de inseticida utilizado em estádios de crescimento prévios. Em qualquer circunstância, é, portanto, fundamental que o produto utilizado tenha características apropriadas para programas de manejo integrado. Existe já um conhecimento sobre o desempenho dos principais inseticidas tanto sobre a praga como sobre seus principais inimigos naturais. O agricultor deve procurar ajuda de um técnico especializado quando decidir por um ou outro produto. O uso e/ou a preservação dos inimigos naturais deve ser o grande trunfo que o agricultor usará para enfrentar as pragas de sua lavoura . no próximo milênio.

O uso de inseticida químico não-seletivo reduz a população desses agentes de controle biológico, impedindo ação satisfatória. Esse crescimento é fundamental, especialmente em estágios de crescimento mais avançados da planta, quando os equipamentos convencionais de pulverizações, como os tratores, não conseguem entrar na lavoura sem causar prejuízos

Dezembro 2001 / Janeiro 2002 Cultivar 19


Octavio Nakano, ESALQ-USP

A proteção vegetal

Bayer

A mosca branca é uma das mais prejudiciais pragas introduzidas

É preciso também educar o povo, ensinar as pessoas a não trazer clandestinamente vegetais suspeitos de abrigarem organismos indesejáveis. Tudo indica que as pragas exóticas até agora introduzidas foram trazidas através de bagagens de mão, voluntária ou involuntariamente.

Na medida em que o intercâmbio de mercadorias agrícolas se torna mais fácil, aumentam as chances de disseminação de pragas e doenças pelo mundo. A globalização, de certa forma, pegou os países subdesenvolvidos desprevenidos, pois os mais ricos já dispunham de mecanismos rigorosos em relação à vigilância sanitária vegetal. O Brasil, com esse imenso território, com extensas áreas de fronteira e sem estrutura para uma fiscalização rigorosa, terá o problema agravado por esse processo. Mesmo sem considerar a abertura de mercado o país já vem sofrendo introdução de pragas exóticas desde longos anos. A lagarta rosada do algodoeiro, a broca do café, o bicho mineiro do café, a mosca das frutas, entre outras, são pragas introduzidas no Brasil no século passado. Mas, em menos de 20 anos, somente na área entomológica, inúmeras pragas foram aqui introduzidas, como a mosca do sorgo, bicudo do algodoeiro, a lacerdinha em ficus, o besouro Idi Amin, a cochonilha dos capins, o percevejo Blissus, a cochonilha da mangueira, a broca das axilas da soja, a traça do tomate, o Thrips palmi e Frankliniella occidentalis, a Bemisia argentifolii, a larva minadora das folhas dos citros e, mais recentemente, a traça da macieira. Há ainda mais de uma centena de pragas importantes que, se introduzidas no país, podem produzir prejuízos de alto vulto. Por isso é perfeitamente justificável a ampliação da vigilância sanitária vegetal em todo o território nacional. Entretanto, esse tipo de trabalho, por melhor que seja, não é suficiente para manter afastada a entrada de organismos exóticos. É preciso também educar o povo, ensinar as pessoas a não trazer clandestinamente vegetais suspeitos de abrigarem organismos indesejáveis. Tudo indica que as pragas exóticas até agora introduzidas

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foram trazidas através de bagagens de mão, voluntária ou involuntariamente. Exceção, talvez, possa ter havido com as importações de flores como o bico de papagaio e outras, que teriam introduzido os tripes e a nova espécie de mosca branca. Nesse caso, a ausência de quarentena poderia ter proporcionado a entrada desses agentes, que se disseminaram pelo país. O problema fica bastante complexo quando se pode admitir a entrada de pragas por conta própria de países vizinhos quando não há barreiras . Assim entraram a traça do tomate, a broca das axilas da soja e, mais recentemente, em Vacaria, a traça da macieira. A mosca-da-carambola, uma praga exótica em todo o hemisfério ocidental, é mais uma ameaça à fruticultura nacional e de países vizinhos. De origem asiática, foi introduzida no Suriname nos anos 60/70. O Brasil participa de uma campanha de erradicação para impedir que essa mosca entre no país. São freqüentes suas capturas na margem brasileira do Oiapoque. Trata-se de mais uma mosca das frutas, mais agressiva do que as existentes no país. Outra praga que se avizinha é a cochonilha rosada, originária da Índia, levada para o Egito em 1908 e daí espalhada pela África tropical. Ela já está na Guiana Inglesa e ataca mais de 200 espécies de plantas, como algodoeiro, cacau, cana-de-açúcar, café e citros, por exemplo. Um país essencialmente agrícola como é o nosso não pode abrigar todas as pragas existentes no mundo. O futuro do país está na dependência direta da agricultura. Se medidas urgentes não forem tomadas, principalmente em relação à educação do povo, dificilmente teremos êxito na contenção das pragas exóticas, cujos prejuízos poderão inviabilizar a rique. za deste país.


Um fantasma assola os produtores de algodão do cerrado. Agricultores e entomologistas estão espantados com a expansão do bicudo (Anthonomus grandis), que existia no cerrado sem muita expressão, como praga incipiente, e que na última safra exerceu forte pressão, como comenta Walter Jorge dos Santos, do IAPAR. O entomologista considera impressionante o que aconteceu em alguns locais como Goiás, Minas, Bahia e algumas áreas do Mato Grosso, no final do ciclo da cultura, a partir dos 90 dias. É uma praga em expansão, já em disseminação e preocupante, diz o acatado Walter Jorge, que registrou a presença de bicudo em algumas áreas de cerrado em níveis incomuns até em locais onde já existia de forma branda

Walter vai além. Acha que seria grande falta de inteligência deixar o bicudo tomar conta do cerrado, onde as condições de entressafra são desfavoráveis para a sua sobrevivência. Naquele período lá não chove e a umidade relativa é muito baixa, enquanto as temperaturas permanecem altas. Em função disso, não há vegetação para alimentá-lo. Igualmente não há matas que lhe sirvam de refúgios, pois os talhões são muito longos. E ainda há os incêndios para ajudar. No início das safras a sobrevivência de indivíduos é baixa. Tomando atitudes no final da colheita, não permitindo a proliferação, e há muitas técnicas para isso, é possível controlá-lo. É preciso fazer alguma coisa para que o bicudo não se transforme no grande limitador do plantio de algodão do cerrado. Walter lembra que os americanos, com sua alta tecnologia, facilidade de recursos e subsídios agrícolas, convivem com o bicudo há 100 anos e agora resolveram erradicá-lo. E o Brasil deve também impedir que ele aumente no cerrado. Já estamos quase perdendo a oportunidade, mas ainda há tempo. Podemos, pelo menos, tornar o bicudo uma praga secundária, de final de ciclo, sem gastar muito e reduzindo prejuízo , diz, advertindo que o processo exigirá muitas pulverizações. Não há alternativa. A expansão explodiu em alguns locais. Há muitos pontos onde a praga se encontra há muitos anos, como em Pedra Preta, ou Cáceres, Mato Grosso, regiões de pequenos produtores, que plantam pouco e tentam conviver com a praga apesar dos sérios prejuízos. O que preocupa são os focos na Bahia, generalização em todo Goiás e Minas. Há registros da praga em Rondonópolis, na Serra da Petrovina, Campo Verde, portanto, já no cerrado. O produtor está sensível e há necessidade de se tomar decisões sérias e urgentes.

CULTIVARES PLANTADAS

Até o momento predominaram no plantio no cerrado os materiais suscetíveis às viroses, como o Ita 90 e o DeltaPine Acala. Nessa safra surgiu uma cultivar em franca expansão, o DeltaOpal, também resistente a viroses, junto com materiais da Coodetec e da Embrapa. E a tendência é que ocupem mais espaço ainda. Nesse caso, a questão virose, e por conseqüência a do pulgão, deixa de ter importância, passando a ser praga secundária. Pode então a redução de aplicações de inseticidas dar espaço a uma praga, como o bicudo, que não crescia em função dos cuidados dispensados ao pulgão. Walter acha que o aumento de plantio de cultivares resistentes reduziria os cuidados com o pulgão, favorecendo o bicudo. Uma substituição de pragas. Na safra passada o entomologista desenvolveu, com a Fundação MT, um projeto de trabalho de controle do bicudo nos focos, executado inicialmente na região

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da Pedra Preta, onde a produção estava quase inviabilizada. O resultado foi bom, com poucas aplicações de inseticidas e boa produtividade, aprovando o controle. Em contrapartida, no Ceará, onde se plantou 100 mil hectares, o governo informou ter havido prejuízo de 40% devido ao bicudo. No passado essa praga dizimou o cultivo de algodão cearense e nem mesmo a atual tecnologia impediu sua volta.

PULGÃO É CHAVE

O pulgão (Aphis gopssypii) ainda é praga-chave na cultura do algodão no cerrado, onde as cultivares suscetíveis a viroses, tanto a Ita 90 como a DeltaPine Acala 90 são as mais plantadas (70%). Como o plantio do algodão começou com materiais suscetíveis, a extensão de seu plantio aumenta a infecção. Os pulgões, polífagos e distribuídos em todas as áreas, se infectam e disseminam a virose. Após anos de aprendizado com esse material suscetível, o produtor se especializa e fica atento. Com o crescimento da infecção cresce também o domínio da situação pelo produtor. Para ajudar, nas últimas safras surgiram novos produtos, com boas performances de controle, aumentando a segurança e auxiliando no tratamento de sementes. É o grupo dos neonicotinóides, por exemplo, como Actara e o Mospilan. Eles têm maior efeito residual no momento crítico, pois o grande risco das viroses é no início do processo, onde há maior prejuízo. À medida que a planta cresce o prejuízo é menor. Uma planta infectada de saída deixa de produzir, parando o seu desenvolvimento. Os botões florais surgem, por exemplo, ao redor dos 35, 40 dias. Se a virose ocorrer antes disso, não haverá botões, nem flor ou bola. Ocorrendo aos 90 dias, porém, já haverá algum botão, alguma flor e já bola, o que garante certa produção. Em geral ela ataca no final do ciclo, quando a planta já garante 80% da produção ou mais. A infecção pode crescer no tempo, mas o risco de prejuízo é menor. Por isso Walter recomenda aos produtores, que façam o melhor possível no início do ciclo da cultura, fechando o controle para manter os níveis baixos. Nessa fase o nível admitido está ao redor de 5% de plantas com presença de pulgões. Conforme os técnicos observarem que o algodão já atingiu os 40, 50 dias sem a presença de viroses, pode-se abrir esse controle, admi-

PRAGUEIRO NA DEFESA

O produtor brasileiro também descobriu que não pode ter algodão sem gente treinada no processo, aqueles funcionários chamados pragueiros ou monitores de campo, lembra o entomologista, pois controlar o vetor é a questão principal. E isso nos leva a uma ciência única no mundo, pois se costuma controlar vetores de viroses em culturas de menores extensões, como tomates, batatas ou flores. O sistema era desconhecido em grandes extensões e foi aperfeiçoado no Brasil. Inicialmente os produtos não tinham boas performances. Depois vieram outros, como o Marshall, que deu sustentação à cultura, e mais recentemente os neonicotinóides. Vital, no processo, é a atuação do pragueiro, que dirá se a infestação existe e determinará seu nível e desenvolvimento. E vai definir, com esses dados e de acordo com o tempo da cultura, a hora certa da pulverização. O pragueiro ou monitor de campo é a figura mais importante no processo, pois o algodão vem tendo alterado seus paradigmas. Já é plantado em altitudes de 800, 900 metros, superiores às antes recomendadas, de 500, e com regimes de chuvas mais intensos, passando a sofrer com enfermidades. Hoje essa pessoa que caminha no campo é importante para detectar as pragas, as doenças, e ainda para determinar a hora certa do tratamento. Ele observa também o desenvolvimento da cultura e ajuda na nutrição, aplicação de redutores de crescimento, de herbicidas e tudo o mais. O pragueiro, segundo Walter, é a figura que garante o sucesso nesse processo novo de produção. Quem não valorizou isso já está com problemas.

AVANÇAM AS VIROSES

Outra novidade em algumas regiões de cerrado, como a de Barreiras, por exemplo, onde o pulgão era tratado apenas como praga, é que se notou o surgimento de viroses. Na safra passada a virose tornou-se importante e o pulgão deverá ser tratado como vetor, o que é mais difícil. Até aqui tranqüilos, os produtores devem se preocupar com a disseminação da praga em áreas antes livres de viroses. O que estão os produtores fazendo? Notou-se que o produto ainda mais usado, nas propriedades amos-

tradas, foi o Carbosulfan (Marshall), com 58%, o mesmo que deu sustentação para a implantação da cultura do algodão, quando não havia alternativa. Também usaram produtos como o Mospilan (Acetamiprid), Sauros e o Actara, mais específicos e de uso crescente. E houve também uso de Endosulfan, com várias marcas no mercado.

COMPORTAMENTO DOS INSETOS

Cultivar

A volta do bicudo

tindo-se maior quantidade de pulgões, com 10, 15 ou 20%, pois cai o risco de prejuízo.

Uma análise do comportamento dos insetos na safra no cerrado mostra que houve também pressão maior da Heliothis virescens, a lagarta das maçãs, junto com o pulgão (Aphis gossypii), que ocorre de qualquer jeito. Teve uma freqüência de postura alta mas com eclosão pouco acentuada, talvez por infertilidade ou parasitismo de ovos. A taxa de eclosão, no entanto, era suficiWalter explica a sua ente para causar dano. Houve contropreocupação com uma le imediato e evitou-se maior prejuízo possível praga de bicudos dessa que, no mundo, de modo geral, é a principal praga do algodão. No Brasil chegou a ser caracterizada como resistente aos antigos clorados e fosforados dos anos 70 e dizimou o algodão em diversas regiões onde não havia Vital, no processo, é condições de controle. Em muitos países desenvolveu a atuação do resistência aos piretróides, que nem são mais usados. pragueiro, que dirá Em função dessa praga é que surgiram os transgênicos em algodão, como nos Estados Unidos e China pois os se a infestação existe agroquímicos perderam a eficácia. Em anos recentes, a e determinará seu lagarta das maçãs não causou maiores problemas no nível e Brasil. desenvolvimento. E Nessa safra retornou com pressão forte, talvez por questão climática. No ano anterior havia sido a Spovai definir, com doptera frugiperda. Na última safra, alguma coisa no esses dados e de ambiente, geralmente ligada à umidade, favoreceu a acordo com o tempo Heliothis virescens. Pode ser isso, pois foi o ano em que da cultura, a hora surgiram também mais enfermidades no algodão. Foi combatida com Metomil, Propinofos, Triadifos, e tamcerta da bém com Endosulfan. Todos esses produtos, junto com pulverização os piretróides, funcionam bem quando as larvas são pequenas, no primeiro ou segundo instar, logo após a . eclosão. NP


Paulo E. Degrande, UFMS; Ezelino Carvalho, Proplanta; Celito E. Breda, Círculo Verde

Bloqueio ao bicudo

A região do Oeste baiano conseguiu uma efetiva redução da população do bicudo do algodoeiro graças à implantação de uma estratégia regional de controle. A economia foi de mais de US$ 2 milhões no último ano

Os resultados da Estratégia de Bloqueio do Bicudo do Algodoeiro no Oeste Baiano (safra 2000-2001) superaram as expectativas neste primeiro ano de implantação. A efetiva redução da população da praga estava prevista para a safra 2002-03. Basicamente, os resultados positivos alcançados são decorrentes da rápida e ampla adesão dos produtores e demais profissionais envolvidos com o agronegócio do algodão na Região. Graças à implantação da estratégia regional de bloqueio do bicudo, estima-se que o conjunto dos produtores de algodão do oeste baiano economizaram mais de US$ 2 milhões durante o último ano agrícola, somente em produtos que seriam utilizados nas pulverizações para o controle da praga. Também ocorreram benefícios ambientais e sociais com a adoção da estratégia, difíceis de serem medidos economicamente, mas muito importantes no manejo ambiental e agro-sociológico. E como os danos da praga foram minimizados e as produtividades não foram ameaçadas, diminuíram os riscos da atividade.

A PRAGA E O PROBLEMA

Se não controlado corretamente, o inseto Anthonomus grandis pode causar perdas de até 70% da produção em função da sua alta capacidade de reprodução e elevado poder destrutivo. Devido ao seu ataque, botões florais, flores e maçãs novas caem da planta. A praga também destrói, internamente, maçãs firmes (provocando o carimã ). O aspecto vegetativo da lavoura atacada é bom, mas sem produção. Seus danos repercutem em redução da produção e a perda da qualidade do algodão colhido. Este foi o inseto que mais provocou prejuízos ao algodoeiro no oeste da Bahia na safra passada (19992000), daí a razão da reação da coletividade do oeste baiano para detê-lo nesta safra. Buscando alternativas para o manejo racional do complexo de pragas que atacam o algodoeiro, agrônomos e produtores da região decidiram tomar uma atitude conjunta, com o intuito de bloquear explosões populacionais do bicudo, e então assumiram a Estratégia de bloqueio como uma ação coletiva. Devido às características bioecológicas do bicudo, é de suma importância considerar ações regionais para controlá-lo. Por isso, a estratégia de bloqueio ao bicudo baseia-se em cinco pontos, que adotados em conjunto por todos os produtores participantes, fundamentalmente visa eliminar a primeira geração da praga regionalmente. São eles: 1. Aplicar inseticida altamente eficiente no final do ciclo da cultura, no momento do desfolhante/maturador; 2. Manter a entressafra livre de alimento para a praga (rigoroso controle das plantas de algodão - foto). Deixar um período mínimo e ideal de 4 meses livre de

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algodoeiros ou soqueiras (de agosto até dezembro). Manter um controle altamente eficiente da sementeira ou tiguera de algodão nas culturas subseqüentes. Enfim, obedecer a legislação. 3. Concentrar a época de semeadura da macroregião em até 40 dias; 4. Tratamento rigoroso nas bordaduras com inseticida (foto), as quais devem ter 40 m de largura, inclusive nas cabeceiras. Estas aplicações nas bordaduras devem começar no primeiro sinal da praga, na situação que primeiro ocorrer: a) aparecer o 1º bicudo nas armadilhas de feromônio; b) for encontrado o 1º bicudo na lavoura (bordadura); c) aparecer o 1º botão floral na área; 5. Uma a duas aplicações, conforme intensidade da praga, em área total no momento da emissão dos primeiros botões florais;

SOLIDIFICANDO O MANEJO

Nas propriedades, devem ser adotadas as medidas usuais de manejo de pragas. a) Nível de controle: 5% de botões atacados, devendo-se amostrar 250 botões preferidos por talhão de até 100 ha. b) Usar inseticidas eficientes para o controle de bicudo, evitando-se o uso de piretróides antes dos 70 a 80 dias (inclusive bordaduras e plantas iscas, pois são produtos repelentes, e a praga pode se espalhar para o interior da área precocemente). Evite produtos que desequilibram populações de ácaro rajado.

USO RACIONAL DE INSETICIDAS

Levando em conta os produtos atualmente disponíveis, eficácias de controle, manejo da resistência (rotação de modos de ação de produtos, ver tabela), prevenção de desequilíbrios biológicos, tecnologias de aplicação disponíveis, seletividade a inimigos naturais e custos de produção, são sugeridos: 1) Tratamento de bordaduras: paration metílico ou fosmet a cada cinco dias. Se aí existir focos iniciais de ácaro, na 1ª aplicação destas bordaduras acrescentar à calda um acaricida à base de abamectin + óleo, fazendo a pré-mistura. Caso as plantas ainda estejam muito pequenas, usar doses reduzidas do abamectin. Nas aplicações subseqüentes de bordadura utilizar abamectin + óleo a cada 15 dias, se for necessário o acaricida. 2) Tratamento da área total: endosulfan por ocasião dos primeiros botões florais, e até os 80 dias de idade da cultura quando a praga atingir nível de con-

trole. A partir dos 80 dias passar a usar os inseticidas piretróides formulação SC ou EW, como betaciflutrina, deltametrina ou zetacipermetrina, entre outros, desde que registrados e altamente eficientes para o bicudo.

INTEGRANDO AS MEDIDAS DE CONTROLE

a) Plantio isca: nas áreas adjacentes aos refúgios da praga (matas, capoeiras, capinzais, proximidade de rios ou aguadas e focos) pode-se instalar o plantio-isca nos bordos da cultura, para atrair os insetos que conseguiram sobreviver durante a entressafra, pulverizando-o metodicamente; b) Variedade, espaçamento, densidade e altura de plantas: variedades que formam carga mais cedo e em período curto permitem a redução da fase crítica das plantas em relação à praga, além de possibilitar que a colheita e a destruição dos restos culturais também seja antecipada. O espaçamento, a densidade e altura de plantas devem permitir populações adequadas de algodoeiros, evitando-se o fechamento excessivo da cultura, que dificulta a boa fotossíntese e as pulverizações. O uso de regulador de crescimento é necessário nas áreas em que as plantas tenham crescimento exagerado; c) Catação dos botões florais e maçãs caídas: visa coletar e destruir as estruturas que caíram no solo, matando larvas e pupas do bicudo. É de fácil aplicabilidade nas reboleiras, bordaduras e plantio-isca, bem como em área total nas pequenas lavouras. A operação de catação manual dos botões e/ou maçãs novas que caem da planta deve ser feita até os 80 dias após a emergência das plantas, sendo recomendável sua realização a cada 5 dias a partir do início da queda dos botões; d) Uso do desfolhante: permite também uma úni-

ca, rápida, e eficiente colheita. Ao ser usado com inseticida tem seu benefício ampliado no controle do bicudo; Essa ação de responsabilidade para com a cotonicultura da região é um exemplo positivo, pois sua adoção não permite que tenham descrédito pelo uso incorreto das tecnologias disponíveis ou pelo simples desleixo em relação a atitudes que devessem ser adotadas coletivamente. A seguir encontram-se os custos comparativos da tecnologia de bloqueio versus o convencional, evidenciando os benefícios econômicos: A adesão de todos os produtores e consultores regionalmente a estas medidas, tem reduzido significativamente o potencial de infestação da praga e por conseqüência o número de aplicações de inseticidas para a praga, na safra, com benefícios econômicos, ecológicos e sociais que se alinham com a sustentabilidade. E, para as próximas safras, todos os produtores têm sido convidados para aderir às ações regionais com vistas a um bloqueio ainda mais efetivo e vantajoso para todo agronegócio do algodão baiano. Têm estado envolvidos com a estratégia proposta os seguintes engenheiros agrônomos consultores da região: Ezelino Carvalho, José Olinto Giongo e Sidnei Antonio Marchesan da Proplanta; Celito Eduardo Breda e Pedro Brugnera da Círculo Verde; Antonio Cássio de Oliveira Filho da Plasteca; José Cláudio de Oliveira da Jco Agronômica; além dos agrônomos autônomos João Rosin e Valmor dos Santos. Além destes profissionais, as entidades de pesquisa e representação dos produtores (Fundação Bahia, Abapa e Aiba), Secretaria Estadual da Agricultura (Seagri, Ebda e Adab), empresas fornecedoras de insumos, equipamentos e serviços têm sido fundamentais. Sem a participação dos quais não seria possível atingir este su. cesso nesta safra.

Grupo químico (exemplo de ingrediente ativo) Organofosforado (paration metílico e fosmet) Éster do ácido sulfuroso / ciclodieno (endosulfan) Piretróide (betaciflutrina, deltametrina e zetacipermetrina)

Modo de ação no inseto (sítio primário) Inibidores da enzima acetilcolinesterase Antagonistas de canais do íon Cl- mediados pelo GABA (ácido gama aminobutírico) Afetam o fluxo de íons Na+ nos canais do axônio, mantendo-os abertos

BENEFÍCIOS DA ESTRATÉGIA DE BLOQUEIO DO BICUDO DO ALGODOEIRO NO OESTE BAIANO CUSTOS COMPARATIVOS E ECONOMIA (R$) NO MANEJO DO BICUDO - SAFRA 2000/01 ÁREAS DE PRODUTORES

Área total (ha) Área da bordadura pulverizada (ha) Aplicação das bordaduras (12x) Aplicação nos 1ºs botões florais (1x) Aplicação no desfolhamento (1x) Armadilhas de ferômonio TMB Aplicação p/ controle (1,5 a 2,0 x)* Sub-total Custo / ha (específico p/ bicudo) Controle indireto ** TOTAL GERAL CUSTO / ha

Faz. I

Faz. II

Faz. III

Faz. Convencional

440 26 10400,00 11400,00 6600,00 3900,00

1050 52 18500,00 25200,00 16000,00 6000,00

315 21 8000,00 7500,00 4700,00 2500,00

315 21

3200,00 45500,00 103,41 16500,00 62000,00 40,91

51000,00 116700,00 111,14 36500,00 153200,00 145,90

9500,00 32200,00 102,22 12600,00 44800,00 142,22

Buscando alternativas para o manejo racional do complexo de pragas que atacam o algodoeiro, agrônomos e produtores da região decidiram tomar uma atitude conjunta, com o intuito de bloquear explosões populacionais do bicudo, e então assumiram a estratégia de bloqueio como uma ação coletiva

4700,00 2800,00 64260,00 71760,00 227,81 12600,00 84360,00 267,81

Dezembro 2001 / Janeiro 2002 Cultivar 25


Cultivar

Pragas:

Biodiversidade e controle O conceito de Manejo Integrado de Pragas sempre incorporou a filosofia da sustentabilidade, antes que essa viesse a dominar os corações e mentes do final desse século, como uma herança devida aos nossos filhos. A preservação do ecossistema, e o entendimento da necessidade de integração de métodos de regulação de populações constituem parcela da filosofia atual de desenvolvimento sustentado. Durante o XXI International Congress of Entomology, realizado em Foz do Iguaçu, em agosto passado, a questão da sustentabilidade do processo agrícola perpassou toda a discussão sobre entomologia aplicada à agricultura. O ponto alto foi a conferência proferida pelo Dr. Marcos Kogan, um brasileiro a quem qualquer platéia ouve com atenção e respeito, e cujos escritos são disputados com avidez. Ao invés da coluna tradicional, Décio Gazzoni entrevistou o Dr. Marcos Kogan, Diretor do Integrated Plant Protection Center, localizado em Oregon – EUA.

Cultivar - É possível a convivência entre a pressão para um imediato aumento da oferta de alimentos e desenvolvimento sustentável? Marcos Kogan - Nos últimos 50 anos a população mundial teve um crescimento de 140%, até atingir 6,1 bilhões de pessoas nesse ano. O crescimento populacional dos últimos 50 anos foi superior ao total de habitantes que a Terra já teve nos últimos 4 milhões de anos. Nos próximos 50 anos estima-se uma dramática redução da taxa de crescimento, mas ainda assim o planeta crescerá, em média, um Brasil a cada 2 anos, devendo abrigar 9 bilhões de pessoas em 2050. O excessivo crescimento populacional da segunda metade do século teria comprovado a teoria de Malthus, não fossem os avanços tecnológicos que permitiram um sensível aumento da produtividade. Em muitos pontos do planeta, a exploração de recursos finitos ultrapassou o ponto da irreversibilidade e atingiu índices de insustentabilidade do uso de recursos como terra, água e energia. Sem um controle demográfico adequado será muito difícil pensar em desenvolvimento sustentável. C - Então o conceito de sustentabilidade está vinculado às sociedades mais ricas e mais avançadas tecnologicamente? MK - Não necessariamente. A sustentabilidade dos sistemas é uma necessidade tanto de sociedades ricas quanto pobres. Essas porque encontram na exploração predatória, com baixo uso de tecnologia, a única solução de curto prazo para sua sobrevivência. Aquelas porque têm seu padrão de consumo baseado no excesso e no desperdício. Mais do que esse enfoque, é importante entender a definição dada pela Sociedade Americana de Agronomia: agricultura sustentável é aquela que, no longo prazo, melhora a qualidade do ambiente e dos recursos básicos dos quais depende a agricultura; atende as demandas de fibras e alimentos; é economicamente viável; e melhora a qualidade de vida dos agricultores e da sociedade como um todo. C - Durante sua apresentação no XXI ICE o senhor colocou uma série de princípios nos quais se baseia a sustentabilidade da agricultura. Quais são esses princípios? MK - Foram propostos cinco princípios para o manejo sustentável do agroecossistema: (1) é baseado em um uso prudente dos recursos renováveis ou recicláveis; (2) protege a integridade dos sistemas naturais, de maneira que os recursos naturais são continuamente regenerados; (3) melhora a qualidade de vida dos indivíduos e das comunidades; (4) é viável do ponto de vista econômico; (5)é baseado em uma ética que considera os benefícios de longo prazo para todos os membros de uma comunidade.

C Se hoje a sustentabilidade dos ecossistemas atinge o ponto de consenso, porque a geração que nos antecedeu foi tão perdulária no uso dos recursos naturais? MK - O chamado esforço de guerra concentrou to-

26 Cultivar Dezembro 2001 / Janeiro 2002

dos os recursos disponíveis durante o período 1939-45, e um dos efeitos da Segunda Guerra foi a destruição de campos e lavouras, gerando uma fome endêmica nos países afetados. O aumento da oferta de alimentos tornou-se uma das prioridades máximas, e como as pragas respondiam por 30% das perdas da produção agrícola, houve uma euforia com o uso de pesticidas organo-sintéticos recém-descobertos. O sucesso inicial foi muito grande, obscurecendo os sinais de que os efeitos colaterais negativos poderiam superar os benefícios advenientes do aumento de produção. Passaram-se muitos anos, e quase três milhões de toneladas de organo-clorados foram despejados no ambiente, para que o paradigma do uso exclusivo de inseticidas migrasse para o conceito de manejo de pragas. Quase 50 anos depois, as perdas estimadas por ataques de pragas continuam na faixa de 30%, o que sugere que os avanços na produtividade foram devidos principalmente a outros fatores que não o controle adequado das pragas. C Um dos efeitos dos maus tratos aos recursos naturais é a mudança climática. Nesse caso, qual o papel da agricultura? MK - Um dos aspectos mais importantes para o efeito estufa é a concentração de gás carbônico na atmosfera. A agricultura contribui para o processo pela destruição de florestas, e pela queima de combustíveis fósseis em diversas fases do processo. Entretanto, a agricultura pode mitigar o efeito estufa através de fontes renováveis de energia, para substituir os combustíveis fósseis. Por exemplo, a produção de álcool para substituir derivados de petróleo; e a produção de energia a partir de biomassa, para reciclar o carbono ao invés de liberá-lo na atmosfera. C De alguma forma o efeito estufa pode afetar um Programa de Manejo de Pragas? MK - Sem dúvida. Tomemos o exemplo do MIP de frutíferas nos EUA, que tem a Cydia pomonella como praga-chave em pereiras e macieiras. O manejo da praga é baseado em um sofisticado monitoramento, acompanhado de modelos matemáticos de predição de eventos, que dependem de dados biológicos obtidos em determinadas condições climáticas. Um acréscimo de 2oC na temperatura média anual seria suficiente para causar uma geração adicional da praga, forçando os agricultores a pulverizar muito próximo à colheita, quando as restrições sanitárias são maiores. Somente esse fato seria suficiente para colocar em xeque um dos programas de MIP de maior sucesso nos EUA. C E nesse caso estaria criado um problema potencial para o comércio de produtos agrícolas, como também é o caso das invasões biológicas? MK - As invasões biológicas cresceram muito com a globalização e a liberação do comércio, e também com a intensificação dos fluxos turísticos. O potencial de impacto econômico das espécies invasivas não ocorre ape-

A agricultura pode mitigar o efeito estufa através de fontes renováveis de energia, para substituir os combustíveis fósseis

nas quando elas se tornam pragas, mas quando ocorrem restrições impostas pelos regulamentos quarentenários. Existem referências mostrando ter havido mais de 2000 introduções de insetos exóticos nos EUA, dos quais 235 espécies se tornaram pragas sérias, causando prejuízos superiores a 92 bilhões de dólares durante o século que ora finda. E essas invasões também podem desestabilizar programas consolidados de Manejo de Pragas, como ocorreu com o ingresso do bicudo no Brasil, na década de 80. C As invasões biológicas contribuem para a redução da biodiversidade? MK - Seguramente, assim como a destruição progressiva dos ecossistemas, a poluição e outros fatores. A redução da biodiversidade é mais clara nos sistemas agrícolas, e está muito associada com a revolução verde , posto que muitas variedades locais foram substituídas por exóticas, de maior produtividade. Por exemplo, a China reduziu o número de variedades de trigo de 10.000, que eram plantadas em 1949, para 10% desse total em 1970. A perda desse material genético se acentua continuamente, porque novas variedades são desenvolvidas a partir de uma base genética que se estreita cada vez mais, e que também representa um risco do ponto de vista da vulnerabilidade ao ataque de insetos. C Mas o risco para os programas de manejo de pragas estariam concentrados na redução da biodiversidade? MK - Embora muito importante, existem outros fatores associados, com as pressões provenientes da comunidade onde os sistemas de manejo de pragas estão contextualizados. Por exemplo, a sociedade se debate hoje com duas questões apaixonantes e polêmicas, que tratam da segurança dos alimentos e da utilização de variedades transgênicas. No caso da segurança alimentar, podemos tomar o exemplo dos EUA, onde cerca de um terço das 8500 amostras de alimentos analisadas, produzidas localmente ou importadas, apresentavam algum resíduo de pesticida, sem que fosse constatada a presença de resíduos acima dos limites estabelecidos. Mesmo nessa situação, a sociedade tem pressionado no sentido de revisar os padrões de resíduos estabelecidos, exigindo garantias adicionais de segurança dos alimentos.

C No caso das variedades transgênicas, a pressão também tem sido grande? MK - O surgimento de variedades de algodão, batata, soja, milho e outras culturas obtidas com a incorporação da toxina do Bacillus thuringiensis, em alguns momentos, lembrou a excitação do surgimento dos inseticidas orgânicos. Entretanto, a reação tanto de leigos quanto de cientistas tem acompanhado o assunto desde o surgimento dos primeiros plantios comerciais. Pergunta-se: Há espaço para variedades transgênicas em programas de manejo de pragas? A discussão aparentemente aponta para o uso de variedades transgênicas como mais uma ferramenta no manejo de pragas que, se utilizada adequadamente, pode ser uma técnica poderosa para o controle de populações de pragas. Entretanto, é necessário sempre ter em mente que estamos falando de integração. Caso essas variedades sejam utilizadas com cuidado, integradas no conceito de manejo de pragas, considerando as prescrições de resistência de plantas, e monitorando cuidadosa e continuamente seus efeitos colaterais, sempre dentro do contexto de integridade do ecossistema, então existe um espaço para variedades transgênicas em programas de manejo de pragas. C Em resumo, o Manejo de Pragas pode auxiliar na sustentabilidade do processo agrícola? MK - Considerando-se que um programa bem conduzido de manejo de pragas pode reduzir um terço das perdas causadas por insetos, pode-se aumentar a disponibilidade de alimentos em 750 milhões de toneladas de grãos, suficientes para alimentar 1,8 bilhões de pessoas por ano. Para atingir esse objetivo, são necessário alguns avanços importantes no desenvolvimento de novas táticas de controle que sejam compatíveis com a sustentabilidade ambiental, e que podem substituir técnicas consideradas disruptivas. Temos sido pouco criativos nas propostas de novas estratégias. O uso de manejo de pragas em grandes áreas é um exemplo recente de como pequenas adaptações estratégicas podem conduzir a resultados palpáveis. É necessário também avançar em outros conceitos, como a necessidade de deslocar o foco de uma cultura para um sistema, e de pequenas áreas ou propriedades isoladas para uma região relativamente homogênea. Devemos objetivar concretamente a que o conceito de agricultura sustentada utilize o que tem sido denominado de nível III de integração, com a adoção do planejamento em eco-regiões como unidade básica, quando então as abordagens de agricultura sustentada e de manejo de pragas serão indissociáveis.

O manejo da praga é baseado em um sofisticado monitoramento, acompanhado de modelos matemáticos de predição de eventos, que dependem de dados biológicos obtidos em determinadas condições climáticas. Um acréscimo de 2o. C na temperatura média anual seria suficiente para causar uma geração adicional da praga, forçando os agricultores a pulverizar muito próximo à colheita, quando as restrições sanitárias são maiores

C Para finalizar, o senhor referiu que estamos ganhando as batalhas, mas perdendo a guerra. O que isso significa? MK - Essa frase de um agrônomo americano significa que o Homem imagina que a Natureza possa ser agredida impunemente. Quando surge um problema, a tendência é resolvê-lo isoladamente. Ganhamos a batalha ao resolver o problema, muitas vezes à custa da agressão à natureza. E é justamente onde podemos estar perdendo a guerra, porque com agressão à natureza não há sustentabilidade. E sem sustentabilidade, o mundo continuará a passar fome, . donde perdemos a guerra. Dezembro 2001 / Janeiro 2002 Cultivar 27


José Maurício S. Bento, Esalq

Comedores de lucro

No ano passado a descoberta e síntese do feromônio sexual do bicho-furão-doscitros Ecdytolopha aurantiana, por uma equipe de pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em parceria com colaboradores japoneses, promete tornar o controle desta praga mais eficiente e econômico aos produtores

tituições do país. Foram feitas consultas adicionais ao banco de dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e à biblioteca da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq). Os prejuízos financeiros foram obtidos a partir da produção anual em cada cultura, multiplicada pelo preço médio da unidade deste produto, obtendo-se, por fim, o valor correspondente à porcentagem perdida pelo ataque dos insetos. Os respectivos valores de produção foram compilados de dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), e pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Paraná (Deral), extraídos junto à publicação Agrianual 99 (Anuário da Agricultura Brasileira, 1998, FNP Consultoria e Comércio, Ed. Argos, São Paulo, 521p.). De acordo com esses parâmetros, a perda de produção no Brasil por causa do ataque de insetos é de 7,1%, em média, variando de 2 a 30%, dependendo da cultura. Estes dados representam um prejuízo financeiro da renda agrícola do país em torno de US$ 2,2 bilhões ao ano. Dentre as culturas, a seringueira é a mais afetada (30%), seguido do caju (15%), café (12%) e coco-da-baía (12%). Quanto às perdas financeiras, a cana-de-açúcar lidera o ranking com prejuízos anuais estimados em US$ 467 milhões, com perda de 10% da produção. Em segundo lugar, vem o café (US$ 310 milhões), que tem 12% da sua safra atingida. Em seguida está a soja (US$ 281 milhões) com perdas de 5%. Já o milho (US$ 275 milhões) perde 7% da sua safra.

O PAPEL DA PESQUISA

O caminho mais curto para reduzir as perdas e aumentar a oferta de alimentos no Brasil tem sido a Todo produtor já presenciou em sua lavoura a capacidade destrutiva de ao menos uma dezena de insetos. Imagine esta situação ocorrendo em todas as culturas agrícolas no Brasil ao longo de um ano. A soma de todas estas perdas representa o que o país deixa de produzir anualmente - e que certamente poderia alimentar milhões de pessoas. Muitas são as maneiras pelas quais os insetos podem ocasionar injúrias nas plantas e seus produtos (Tabela). Dependendo da(s) espécie(s), número (densidade) de indivíduos envolvidos, estágio de desenvolvimento e da duração do ataque haverá maior ou menor dano, comprometendo tanto a qualidade, quanto a quantidade produzida. Tudo isso sendo regulado pelas condições climáticas, pelas variedades, pela época de plantio e colheita, pelo modo de condução da lavoura, dentre outras.

PERDAS NO MUNDO

Vários motivos, muitos dos quais listados anteriormente, impedem ou dificultam os técnicos de estabelecer uma estimativa precisa de perdas por insetos na agricultura, ou mesmo numa cultura. Tal fato é mais evidente quando consideramos as diferenças sociais e econômicas entre os diversos países ou regiões no mundo. Entretanto, sempre existiu a preocupação, principalmente de instituições governamentais e não-governamentais, de se estabelecer algum tipo de parâmetro, no sentido de direcionar recursos 28 Cultivar Dezembro 2001 / Janeiro 2002

para estimular pesquisas ou estratégias de controle de pragas, visando reduzir futuras perdas num setor considerado estratégico, como é a agricultura para muitos países. Uma oscilação para mais ou para menos nestes parâmetros representa elevadas somas financeiras, que podem interferir fortemente em suas economias. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) estimou, na década de 1970, uma perda de produção da ordem de 14%, em razão do ataque de insetos na agricultura mundial. Nos Estados Unidos, um dos países mais tecnificados do mundo, essa perda estava em torno de 10% ao ano, variando de 2 a 20%, dependendo da cultura (exceto grãos armazenados), segundo seu Departamento de Agricultura (USDA) em 1988.

PERDAS NO BRASIL

No Brasil, poucos são os estudos com a finalidade de se estabelecer parâmetros de perdas por insetos na agricultura, muito embora várias instituições disponham de relatos ou registros de danos, para boa parte dos insetos-praga em diversas regiões. Entretanto, os dados variam muito de uma região para outra, o que dificulta um consenso. As estimativas de perdas por insetos, no Brasil (Tabela), foram baseadas na perda média em cada cultura por ano, obtida de registros e observações de campo realizadas por entomologistas em diversas ins-

pesquisa agrícola. Assim como em outras áreas, a pesquisa científica torna possível ao país formar técnicos e adquirir os conhecimentos necessários para assegurar o seu desenvolvimento. No Brasil inúmeros são os casos de sucesso no manejo e controle de insetos-praga. Mais recentemente, temos dois novos exemplos no Estado de São Paulo. Há pouco mais de dois anos, a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), disponibilizou cerca de US$ 13 milhões para o seqüenciamento do genoma da Xylella fastidiosa, bactéria responsável pelo amarelinho ou CVC em citros. Esta doença tem como inseto vetor diversas espécies de cigarrinhas e chega a ocasionar prejuízos de U$ 130 milhões anuais. Embora este valor represente uma quantia considerável, corresponde a apenas 10% das perdas agrícolas nesta cultura devido ao ataque de insetos durante um ano. Devemos lembrar ainda, que este projeto permitiu ao país formar uma equipe de profissionais do mais alto nível nesta área. No ano passado a descoberta e síntese do feromônio sexual do bicho-furão-dos-citros Ecdytolopha aurantiana, por uma equipe de pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em parceria com colaboradores japoneses, promete tornar o controle desta praga mais eficiente e econômico aos produtores. Hoje as perdas representam cerca de U$ 50 milhões anuais, o que deve cair substancialmente nos próximos anos. A pesquisa foi bancada integralmente pelo Fundecitrus (Fundo de Defesa da Citricultura) e consumiu pouco mais de US$ 100 mil, ou seja, cerca de 0,2% . das perdas anuais desta praga.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) estimou, na década de 1970, uma perda de produção da ordem de 14%, em razão do ataque de insetos na agricultura mundial

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José Roberto P. Parra, ESALQ

Hoje a comunidade científica está conscientizada da necessidade de utilização de manejo de pragas, que tem no controle biológico um dos seus principais aliados. Esta conscientização, aliada ao treinamento maciço de pesquisadores na área de entomologia no exterior e com o crescente desenvolvimento de nossos cursos de pós-graduação, apontam para um futuro promissor nesta área ainda emergente em nosso país

Nos dias de hoje, em que se utiliza cada vez mais o Manejo Integrado de Pragas (MIP) ou Manejo Ecológico de Pragas (MEP) em direção a uma agricultura sustentável, o controle biológico, seja clássico ou aplicado, assume importância cada vez maior. Primeiramente, por ser um dos pilares de sustentação de qualquer programa, pois os inimigos naturais são os principais fatores de mortalidade no agroecossistema, com papel relevante na manutenção do equilíbrio de pragas. Eles representam, ao lado de taxonomia, métodos de amostragem e níveis de controle, a sustentação de qualquer programa. Em segundo lugar, aparecem como uma importante medida de controle para manutenção das pragas em níveis populacionais toleráveis, ao lado de tantos outros métodos de controle, como os culturais, físicos, de resistência de plantas a insetos e métodos comportamentais (feromônios), que podem até ser harmoniosamente integrados com métodos químicos (especialmente produtos fisiológicos e aqueles de última geração, pouco agressivos ao ambiente). Em MIP devem ser adotados os procedimentos básicos de controle biológico, quais sejam, introdução, conservação e multiplicação. Com relação à conservação, devem ser utilizados produtos seletivos (controle biológico natural), especialmente em culturas com grande número de pragas, onde poderia ser difícil a utilização de agentes biológicos, dada a sua especificidade. Em culturas com pequeno número de pragas, sejam exóticas, para as quais a introdução de inimigos naturais pode ser de grande valia, ou para pragas nativas, para as quais devem ser utilizados inimigos naturais locais, o Controle Biológico Aplicado (CBA), envolvendo produções massais de inimigos naturais (multiplicação) e posterior liberação inundativa, assume grande importância. A introdução de inimigos naturais em nosso país foi iniciada em 1921, com a importação de Prospaltela berlesi (Aphelinidae), proveniente dos EUA para controlar a cochonilha branca do pessegueiro, Pseudaulacaspis pentagona. Seguiram-se outras importações como as de Neodusmetia sangwani para controle de Antonina graminis em pastagens na década de 60, com resultados animadores. Na década de 70, também houve introduções muito bem sucedidas, como as de Cotesia flavipes, de Trinidad-Tobago, para controlar Diatraea saccharalis; a de parasitóides de pulgões do trigo feita pela EMBRAPA, para controlar os principais afídeos da cultura. Recentemente, na década de 90, foi introduzido da Colômbia, Trichogramma pretiosum, para controle da traça Tuta absoluta em tomateiro industrial, resultando no primeiro caso de sucesso desse parasitóide no Brasil. As introduções tendem a aumentar cada vez mais em nosso país, pois recentemente foi criado o Sistema de Quarentena Costa Lima pela Embrapa-CNPMA, Jaguariúna, SP, que, além de facilitar tais importações, dará maior credibilidade aos pro-

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José R. P. Parra

USO DO CONTROLE BIOLÓGICO APLICADO

Trichogramma pretiosum parasitando ovos de Corcyra cephalonica

gramas de Controle Biológico no Brasil. É importante salientar que o próprio Controle Biológico nada mais é do que um fenômeno natural de regulação de plantas e animais por inimigos naturais (agentes de mortalidade biótica) e que também sofreu modificações com os avanços tecnológicos. Assim, enquanto no passado ele era considerado uma medida de controle cujos resultados seriam obtidos a longo prazo e somente em culturas perenes, pois as liberações eram inoculativas e dependiam da permanência e adaptação do parasitóide ou predador na área, hoje já pode ser considerado uma medida emergencial, em alguns casos, semelhante a inseticidas. Por que estas mudanças? Porque no passado, só se falava em Controle Biológico Clássico, e, pela falta de domínio de técnicas de criação de insetos, eram produzidas pequenas quantidades de inimigos naturais. Hoje, com o domínio dessas técnicas (especialmente em dietas artificiais), aumentaram-se as possibilidades de criações massais de inimigos naturais, e posteriores liberações em grandes quantidades. Tais liberações reduzirão os danos às culturas pela diminuição da evolução populacional da praga, de uma forma rápida e sem prejuízos ao ambiente. E por que a comparação anteriormente feita com inseticida? Porque o agricultor se acostumou a usar produtos químicos que matam rapidamente as pragas, e somente irá substituí-los por algo equivalente. Com tais liberações inundativas, a mudança de estratégia é mais facilmente visualizada pelo agricultor e, rapidamente aceita. O próprio Controle Biológico Clássico que, na época dos orgânicos sintéticos (1950-1980), deixou de ter a devida importância, pela agressividade de tais produtos,

Nos dias de hoje, em programas de Manejo de Pragas, é mais comum falar-se em CBA. Para se ter sucesso em CBA devem ser esquematizados programas inter e multidisciplinares, envolvendo especialistas em diferentes áreas da entomologia, associados a fitotecnistas, melhoristas, patologistas, nutricionistas de plantas, ambientalistas etc., que de uma forma conjunta, poderão gerar pacotes tecnológicos para serem utilizados em grandes áreas, com uma visão econômica, ecológica e social, com vistas a uma agricultura sustentável. Entretanto, tais programas, que hoje já incluem até plantas transgênicas, devem ter uma seqüência lógica que se inicia com a seleção da(s) cultura(s) e do(s) inimigo(s) natural(is), seguindo-se com uma criação de pequeno porte do hospedeiro e do inimigo natural para desenvolvimento de pesquisas básicas. Seguese o desenvolvimento de um sistema de criação massal que produza inimigos naturais com qualidade semelhante àqueles da natureza. O programa tem seqüência com a avaliação do custo/benefício, variável com o tipo de cultura visada, finalizando-se o processo com a transferência da tecnologia ao usuário. Programas com essas características têm sido desenvolvidos no Brasil, seja com parasitóides ou predadores importados e nativos, nas culturas de cana-de-açúcar, tomate, soja, trigo e florestas. Os excelentes resultados gerados e as grandes áreas tratadas com inimigos naturais têm aumentado a credibilidade no Controle Biológico, fazendo com que os congressos nacionais sobre o assunto reunam cerca de mil participantes. Sem dúvida, a pressão mundial existente, relacionada a problemas ambientais, e o potencial de utilização de agentes de controle biológico em países tropicais, apontam para uma utilização cada vez maior dessa tática de controle. Hoje a comunidade científica está conscientizada da necessidade de utilização de manejo de pragas, que tem no controle biológico um dos seus principais aliados. Esta conscientização, aliada ao treinamento maciço de pesquisadores na área de entomologia no exterior e com o crescente desenvolvimento de nossos cursos de pós-graduação, apontam para um futuro promissor nesta área ainda emergente em nosso país.

AINDA FALTAM ESTUDOS BÁSICOS

No Brasil existem ainda problemas relacionados à falta de estudos básicos (incluindo análises de impacto ambiental); descontinuidade de programas e/ou proje-

tos mal planejados e, muitas vezes, isolados (sem características inter ou multidisciplinares); falta de credibilidade no controle biológico, o que dificulta o aparecimento de firmas idôneas que comercializem inimigos naturais (prática comum em países desenvolvidos); inexistência de uma política nacional com definição de prioridades, principalmente voltada para estudos de controle biológico em culturas de subsistência; poucos investimentos na área; dificuldade de transferência da tecnologia gerada ao usuário. Este último talvez seja o mais importante deles, pois, muitas vezes existe a tecnologia e ela não chega ao agricultor. Assim, hoje o Brasil possui programas comparáveis aos melhores do mundo, em qualiA utilização correta do controle biológico dade e em áreas tratadas, pois, é o tema abordado pelo professor Parra apenas para exemplificar, para controle de Diatraea saccharalis liberam-se Cotesia flavipes em 300.000 ha por ano. Esse e os outros casos de sucesso, citados em nosso país, sempre contaram com excelente suporte da extensão. Nesse programa em cana-de-açúcar houve uma relação custo/benefício realmente espetacular, pois na década de 80 perdiam-se, em São Paulo, US$ 100 milhões por ano, devido ao ataque da broca-da-cana. Hoje, após a introdução do braconídeo citado, estas perdas diminuíram para 20 milhões/ano. Somos um país tropical, É importante com um grande potencial de agentes biológicos e temos salientar que o massa crítica já formada. Portanto, esses exemplos depróprio Controle verão aumentar cada vez mais, com alguns outros agentes como Trichogramma, utilizados em 18 milhões de Biológico que nada ha, em 18 países no mundo, o qual já se mostrou eficimais é do que um ente entre nós em tomate, cana, milho, algodão, etc. fenômeno natural de Para que se possa atingir o próximo milênio em conregulação de plantas dições de competir com países desenvolvidos é fundamental que os problemas citados sejam corrigidos e que e animais por haja um equilíbrio entre pesquisa básica e aplicada para inimigos naturais o desenvolvimento de novas tecnologias. O treinamen(agentes de to de pesquisadores no Brasil ou exterior e o relacionamento internacional são fundamentais para que possamortalidade biótica) mos acompanhar, em igualdade de condições, o mundo e que também moderno, envolvendo aplicações de biologia molecular, sofreu modificações plantas transgênicas e produção de parasitóides in vicom os avanços tro (uma realidade no Brasil). O controle biológico continuará sofrendo mudantecnológicos ças, pois, no futuro, serão aprofundados os estudos de relações tritróficas e desenvolvidas linhagens mais vigorosas de inimigos naturais (adaptáveis às drásticas variações climáticas), ao lado de aprimoramento de técnicas de criação (manejo da criação) com o controle de qualidade do parasitóide ou predador produzido, desenvolvimento de produtos cada vez mais seletivos e novas técnicas de liberação e armazenamento, tornando este insumo biológico cada vez mais eficiente e acessível ao usuário. Para ampliar o seu espectro de utilização, é importante que cada vez mais o controle biológico seja analisado sob um ponto de vista global, e, não como uma atividade isolada dentro de um programa de manejo de . pragas. Esalq

Quando apoiar o inimigo

hoje deverá ter o seu renascimento, pois produtos fisiológicos e outros inseticidas menos agressivos ao ambiente facilitarão tais liberações inoculativas. Existe um exemplo bastante recente no Brasil. Em março de 1996, foi introduzida em nosso país, a minadora-dos-citros, Phyllocnistis citrella, que não somente causa danos diretos às brotações cítricas, como está intimamente relacionada ao cancro cítrico, doença limitante à citricultura. Em função disso, introduziu-se dos EUA, um encirtídeo, Ageniaspis citricola, que, originário da Ásia, dera excelentes resultados em Israel, Austrália, Espanha e EUA. Entretanto, esse inseto somente dará resultados, ou se adaptará, nos locais onde houver uma aplicação racional de produtos químicos nas plantas cítricas. Nos EUA apenas nas propriedades onde se aplicou enxofre, óleos minerais ou produtos fisiológicos, houve adaptação do parasitóide.

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Com fungicida, safra tranqüila

O tratamento de sementes de soja com fungicidas tem como finalidades: evitar a introdução dos fungos fitopatogênicos associados a sementes na lavoura, evitar a transmissão dos fungos da semente aos órgãos aéreos, manter a germinação e o vigor das plantas, assegurar a emergência em condições adversas de semeadura e proteger do ataque de fungos do solo

As maiores dificuldades ocorrentes nas lavouras relacionam-se com a germinação, emergência e estabelecimento de plântulas de soja. Em geral estes problemas agravam-se quando após a semeadura ocorrem temperaturas altas do solo (> 25 oC) e solo encharcado; nesta situação algumas espécies do gênero Pythium podem atacar as plântulas. Por outro lado, também é causa de estresse a ocorrência de períodos prolongados de deficiência hídrica logo após a semeadura. Neste último caso, o apodrecimento da semente geralmente tem como causa os fungos Penicillium spp. e Aspergillus spp., provenientes do solo e/ou das sementes. Os produtores não estão preocupados com o fato de a semente levar os agentes causais de doenças para suas lavouras. Preocupam-se, principalmente, em obter lavouras com alta densidade populacional. A pesquisa recomenda populações de 25-30 sementes aptas/m2; não raramente encontram-se lavouras com populações de até 80 plantas/m2. As altas populações de plantas determinam condições climáticas favoráveis ao desenvolvimento de doenças dos órgãos aéreos, como a podridão branca da haste (Sclerotinia sclerotiorum), a seca da haste e da vagem (Phomopsis spp.) e a antracnose (Colletotrichum truncatum). Como o tratamento de semente de soja assegura melhor emergência, semeaduras com densidades acima da recomendada deveriam por razões econômicas serem evitadas. Os principais patógenos veiculados pela semente de soja são: Phomopsis sojae, P. phaseoli f.sp. meridionalis, Cercospora kikuchii, Colletotrichum truncatum, Fusarium semitectum, Sclerotinia sclerotiorum e Peronospora manshurica. Geralmente a intensidade das doenças causadas por estes parasitas é maior nas lavouras conduzidas em monocultura e plantio direto. Este conjunto de doenças, como em qualquer outro patossistema, apresenta intensidade máxima no final do ciclo da cultura. Por isso, são denominadas de doenças de final de ciclo, embora tenham surgido nos primeiros estádios de desenvolvimento da cultura. Com base nestes fatos, as lavouras produtoras de semente de soja deveriam ser obrigatoriamente conduzidas em rotação de culturas. Nesta condição, a semente colhida apresentará melhor sanidade. Os patógenos mais comuns envolvidos com podridão de sementes e morte de plântulas, presentes no solo são: Pythium spp., Rhizoctonia solani e Fusarium spp. Os danos de germinação, emergência de plântulas, estabelecimento de plantas e doenças dos órgãos aéreos em plantas adultas podem ser amenizados pelo uso de sementes sadias, produzidas em lavouras com rotação de culturas com milho, tratamento da semente com

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Fotos Cultivar

Erlei Melo Reis, Ricardo Trezzi Casa, Universidade de Passo Fundo

Cultivar

Colheita com qualidade resulta do tratamento

fungicidas e doses eficientes, melhoria das propriedades físico-químicas do solo (plantio direto), rotação de culturas, correção da acidez e nutrição mineral equilibrada. A eficiência do controle dos fungos associados às sementes e da proteção contra os presentes no solo depende da incidência dos patógenos na semente, da densidade de inóculo no solo e do modo de ação dos fungicidas. A maior eficiência de controle em soja é obtida pela mistura de fungicida sistêmico com protetor. A relação dos fungicidas e suas respectivas doses, recomendados pelo tratamento de sementes de soja é anualmente revisada e divulgada conjuntamente pe-

Para Erlei a prevenção é o melhor remédio

Ricardo Casa recomenda fungicida na semente

las instituições de pesquisa. A eficiência do tratamento pode ser comprometida pela qualidade da cobertura da semente tratada. A qualidade da cobertura depende do veículo usado para a diluição do fungicida e do equipamento que dosa, distribui e homogeniza a mistura fungicida + veículo na superfície da semente. O tratamento de semente, mesmo com fungicidas sistêmicos, não confere proteção às plantas de soja contra o ataque de oídio, Microsphaeria diffusa. O período de proteção conferido pelo tratamento de semente com fungicidas não possibilita o controle de manchas foliares, do míldio e das doenças denominadas de final de ciclo. As podridões radiculares, do colo e da haste, causadas por Fusarium solani f.sp. glycines, Rhizoctonia solani, Macrophomina phaseoli, Sclerotium rolfsii e S. sclerotiorum, cujos sintomas manifestam-

se em plantas adultas também não são controladas pelo tratamento de sementes. Nestes casos, o fungicida aplicado à semente novamente não confere proteção às plantas. Estes agentes causais são habitantes do solo, com habilidade de competição saprofítica com alguns produzindo estruturas de resistência, cujos danos podem ser reduzidos pela rotação de culturas e pelo estímulo da supressividade do solo. O tratamento de sementes confere proteção contra o ataque de fungos de solo durante os processos de germinação e emergência de plântulas. Lembrase que S. sclerotiorum é transmitido por sementes e, neste caso, pode ser controlado também pelo tratamento de sementes. Os resultados obtidos tanto pela pesquisa como em lavouras permitem recomendar esta prática que tem evitado a ressemeadura de soja . em áreas extensas no Brasil.

Os produtores não estão preocupados com o fato de a semente levar os agentes causais de doenças para suas lavouras. Preocupam-se, principalmente, em obter lavouras com alta densidade populacional


José Francisco Martins Embrapa, CPACT

Antes de infestar plantas de arroz, o pulgão da raiz se alimenta e reproduz em plantas daninhas e outras gramíneas, contudo, permanecendo exposto à ação de inimigos naturais, que podem reduzir sua população. No período que antecede a inundação dos arrozais o pulgão passa a alimentar-se dos colmos e raízes das plantas de arroz, próximo ao nível do solo. As plantas atacadas amarelecem, murcham e morrem

Milton de Sousa Guerra, Engenheiro Agrônomo

Praga em expansão

Visão holística da agricultura

O pulgão da raiz tradicionalmente era referido como praga da cultura do arroz de sequeiro nas regiões Sudeste e Central do Brasil. Em arroz irrigado, no Rio Grande do Sul, o pulgão Rhopalosiphum rufiabdominale (Sasaki), (Homoptera: Aphididae) tem sido mais freqüente em lavouras da região da Fronteira Oeste, onde, nos últimos cinco anos, os índices de infestação têm aumentado, principalmente após o advento do cultivo sobre as taipas, onde as plantas são mais danificadas pelo inseto. Em novembro passado foram constatados surtos na localidade de Ponche Verde, no Município de Dom Pedrito, causando danos severos em 290 hectares de arroz. Segundo o arrendatário da área, o pulgão da raiz atacou plantas recém emergidas, reduzindo em cerca de 45% a população destas. A constatação do inseto em Dom Pedrito, fora da região tradicional de ocorrência, a Fronteira Oeste, é indicativo de que a praga encontra-se em processo de expansão no Rio Grande do Sul. Antes de infestar plantas de arroz, o pulgão da raiz se alimenta e reproduz em plantas daninhas e outras gramíneas, contudo, permanecendo exposto à ação de inimigos naturais, que podem reduzir sua população. No período que antecede a inundação dos arrozais o pulgão passa a alimentar-se dos colmos e raízes das plantas de arroz, próximo ao nível do solo. As plantas atacadas amarelecem, murcham e morrem. Dependendo do nível de infestação pode ocorrer redução drástica da população de plantas, comprometendo o estabelecimento da cultura. Nos Estados Unidos, o aumento da área de cultivo do arroz do cedo (semeaduras precoces) é apontado como um dos fatores responsáveis pela intensificação dos danos causados pelo pulgão, visto o desenvolvimento de sua população iniciar em período de temperaturas amenas, no início da primavera. Por outro lado, é considerado que tal condição de temperatura pode restringir o crescimento das plantas de arroz e o desempenho de inimigos naturais do pulgão. Neste contexto, torna-se importante considerar que na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, área significativa de arroz é semeada mais cedo, em meados de setembro, época de temperaturas mais amenas (cerca de 18ºC), o que pode ser ali uma das causas da maior intensidade de danos do inseto. A lavoura danificada, em Ponche Verde, foi instalada em 2 de outubro de 98, portanto, ainda em época com predominância de temperaturas amenas. Para evitar danos do pulgão da raiz, é recomendável vistoriar os arrozais, em períodos de 3 a 5 dias, da emergência das plantas à inundação. Áre-

O impacto sobre a qualidade de vida do ser humano e à saúde ambiental causado pela agricultura atual, baseada nos agroquímicos, vem exigindo uma rápida mudança nos métodos e filosofia do trato da terra. As mudanças no modelo da agricultura convencional são conhecidas por agricultura alternativa, muito embora muitos não aceitem esta denominação. No contexto da agricultura alternativa, vários são os segmentos abraçados por agricultores e apoiados por ecologistas, com maior ou menor número de adeptos, em diferentes partes do mundo. Destas manifestações a mais antiga é a Biodinâmica, inspirada por Rudolf Steiner. Outras propostas se seguiram como a Agricultura Ecológica, a Natural, a Orgânica, a Biológica, a Permacultura e a de Tecnologias Apropriadas. Uma análise das diferentes linhas da agricultura alternativa ao modelo convencional, evidencia uma preocupação generalizada e direcionada às condições do solo. O solo é colocado como a mais importante função do sistema agrícola. Outra característica marcante é um determinante e inflexível posicionamento contra os agroquímicos. Cabe lembrar porém que, por mais equilibrado que esteja o solo em matéria orgânica, por mais que esteja vivo e fértil, as plantas que nele se desenvolvem também podem adoecer, sofrer a ação das pragas, o estresse da ação dos fatores abióticos do meio, alterar a produção por carência mineral, modificarem o desenvolvimento, definhar ou morrer.

34 Cultivar Dezembro 2001 / Janeiro 2002

Infestação de pulgão na raiz do arroz

Infestação de pulgão na raiz do arroz

as onde o solo permanece estruturado (com torrões) são mais propensas às infestações. Havendo evidência de que o nível de infestação do inseto está aumentando e a população de plantas de arroz diminuindo, a alternativa de controle mais viável consiste em inundar imediatamente a lavoura. Em Ponche Verde, a inundação das áreas infestadas, cerca de 5 dias após a emergência das plantas, interrompeu o ataque da praga, criando condições de recuperação do arrozal. Apesar do uso de inseticidas químicos também ser recomendado, no Brasil não existem ainda produtos oficialmente registrados para controle do inseto em arroz irrigado. Ademais, aplicações curativas de formulações líquidas ou granuladas, na superfície do solo, geralmente são ineficientes, por não atingirem a maioria dos pulgões, instalados sob torrões. Perante a atual situação de ocorrência do pulgão da raiz, no Rio Grande do Sul, julga-se necessário, a curto prazo, concentrar esforços em pesquisas sobre (1) bioecologia (épocas de ocorrência, flutuação populacional, plantas hospedeiras, inimigos naturais), (2) avaliação de danos (relação entre densidades populacionais do pulgão e produtividade das principais cultivares de arroz) e (3) aplicação racional de inseticidas, enfatizan. do o tratamento de sementes.

FATORES ADVERSOS

Um agricultor precisa estar bem informado e atento a todos os fatores adversos e ocorrências que possam a vir alterar o agro-ecosistema em que se insere. O entendimento de todas as interações e necessidades do indivíduo, a planta, e do sistema como um todo, seja a lavoura que ela forma, são sistemas que simultaneamente são o todo e a parte, numa interação dinâmica, embora mantidas suas tendências tanto integrativa como auto-afirmativa que, tanto a integra no todo, como preserva sua autonomia individual, estabelecendo um equilíbrio saudável. Os modelos anteriormente referidos, embora mantendo a matriz quanto à forma, continuam em essência, com a base no paradigma cartesiano-newtoniano, portanto, reducionista e mecanicista. O momento impõe uma visão holística, de sistemas, ecológica para a agricultura. Embora sem uma definição exata e concisa, poder-se-ia dizer que a Agricultura Holística é um sistema que abrange uma infinidade de métodos ou procedimentos visando compatibilizar a produtividade com a qualidade de vida e a preservação ambiental dentro da visão holística. Portanto, compreende um sistema de produção agropecuária que abrange um fluxo comum e harmonioso

Reconhecimento

Cultivar

O professor Milton de Sousa Guerra foi homenageado, durante a Expointer 2000, com o prêmio Futuro da Terra 2000, na categoria Preservação Ambiental.

entre suas funções, segundo uma visão unificada da hierarquia universal. Assim sendo, reúne um conjunto de recursos, técnicas, práticas e posturas que no encontro da ciência moderna com a tradição, fundamenta um procedimento integrado e equilibrado do homem com a natureza na arte de cultivar a terra.

VALORIZAÇÃO DAS FUNÇÕES

A Agricultura Holística dá um enfoque de sistemas no processo da produção agropecuária em que são valorizadas todas as funções inter-relacionadas no sistema, enfatizando especialmente o insumo intelectual na estratificação do negócio agrícola. Preconiza o gerenciamento endógeno do processo produtivo. O modelo alicerça seus fundamentos na valorização do homem como protagonista do processo e na utilização de práticas, sejam elas técnicas ou científicas, tradicionais ou modernas, demonstradas ou postuladas no paradigma holístico. A Agricultura Holística não tem uma posição drástica contra os agroquímicos, mas adverte para a observação de André Voisan, que afirma: As aplicações de agroquímicos devem ter no primeiro objetivo, melhorar a qualidade biológica que tem prioridade sobre o rendimento quantitativo . O alvorecer da Nova Era , movimento que põe em cheque antigos padrões e valores, e despreza o absolutismo do modelo cartesiano, impõe a necessidade inteligente de uma alternativa ao modelo de agricultura dita convencional, quimicista, considerado concentrador, paternalista, de gerenciamento exógeno, desgastado e agressivo à qualidade de vida do homem e do ambiente. Somente assim será possível uma agricultura de lucratividade perene, saudável, auto-sustentável, capaz de re. verter o êxodo rural e fixar o homem na terra.

As mudanças no modelo da agricultura convencional são conhecidas por agricultura alternativa, muito embora muitos não aceitem esta denominação

Dezembro 2001 / Janeiro 2002 Cultivar 35


Fotos Embrapa Arroz e Feijão

Arroz

Duas colheitas soca de de arroz arroz irrigado irrigado AA soca pode ser ser cultivada cultivada com com pode 50 aa 60% 60% menos menos 50 trabalho, usa usa menos menos trabalho, água que que aa cultura cultura água principal ee não não principal necessita de de preparo preparo necessita do solo solo nem nem de de do semeadura semeadura

T

em-se verificado que a produ tividade da cultura de arroz irri-gado em áreas de várzeas na região tropical é menor que a obtida na região temperada. Isto pode ser resultante dos efeitos prejudiciais de fatores bióticos e abióticos sobre a cultura. Com isso, é necessário desenvolver sistemas de produção que possibilitem minimizar estes efeitos e fazer com que a planta de arroz possa conviver de forma sustentável com esta situação, com danos mínimos ao ecossistema. No entanto, as condições climáticas nas várzeas tropicais possibilitam o cultivo intensivo de arroz, ou arroz seguido de outras espécies, resultando em maior produção anual de biomassa que nas de clima temperado. O uso sustentável das várzeas compreende a utilização de sistemas de cultivos múltiplos, produzindo duas a três safras por ano na mesma área. Conseqüentemente, uma segunda colheita de arroz, através do aproveitamento da soca, pode ser uma alternativa viável para aumentar a produtividade de arroz em regiões tropicais. A soca pode ser cultivada com 50 a 60 % menos trabalho, usa 60 % menos água que a cultura principal, e não necessita de preparo do solo nem de semeadura. Com isso, a relação benefício / custo na soca é maior. O menor ciclo da soca possibilita realizar o seu cultivo ainda durante a estação chuvosa e o seu uso pode aumentar a produtividade onde o cultivo sucessivo do arroz é impossibilitado. Dezembro 2001 / Janeiro 2002

Colheita em que não foi utilizado o picador de palha

FATORES QUE AFETAM O POTENCIAL PRODUTIVO DA SOCA 1. PLANEJAMENTO

Para obter êxito no aproveitamento da soca é necessário realizar o planejamento do sistema de produção de arroz, compreendendo desde o estabelecimento da cultura até a segunda colheita. www.cultivar.inf.br

Altas produtividades de grãos das culturas somente serão obtidas se a cultivar, as práticas culturais e o ambiente estiverem adequadamente associados. Entre os elementos meteorológicos que afetam o crescimento e desenvolvimento das plantas, a temperatura e a radiação solar têm sido relatadas como os de maior influência no comportamento da soca. A definição das épocas de Cultivar

... 37


AENDA

Figura 02

Figura 01

Defensivos Genéricos

... semeadura se baseia no conhecimento das

condições climáticas preponderantes na região e na disponibilidade de água para irrigação.

2. CULTIVAR

A maioria dos estudos não tem mostrado correlação positiva e significativa entre as produtividades de grãos da soca e da cultura principal. Deve-se explorar a soca de genótipos com reconhecida capacidade produtiva nas duas colheitas.

3. MANEJO DA CULTURA PRINCIPAL

O sucesso do cultivo da soca é, em grande parte, determinado pelas práticas empregadas na cultura principal, como a época de semeadura, o sistema de plantio, a fertiliza-

ção, a população de plantas, o manejo de água e o sistema de colheita, pois a sua produtividade depende do desempenho da cultura principal. No planejamento da colheita devese considerar a época, a altura de corte e os equipamentos das colhedoras. O uso do picador de palha na colhedora é essencial, pois favorece a brotação dos perfilhos e reduz a incidência de doenças. Deve-se evitar o passeio desnecessário de colhedoras e graneleiros, para não danificar excessivamente as plantas de arroz. Com o cultivo da soca obtém-se maior eficiência na utilização das colhedoras, pois reduz a sazonalidade de uso de máquinas e implementos.

4. MANEJO DA SOCA

Práticas culturais que promovam uma

Veneno no campo brotação rápida e uniforme são especialmente importantes. Dentre as práticas culturais empregadas no cultivo da soca destacam-se a fertilização nitrogenada (Fig. 1), o manejo de água (Fig. 2) e os tratos fitossanitários. A fertilização nitrogenada deve ser feita logo após a colheita, favorecendo, assim, a uniformidade do perfilhamento. A inundação deve ser reiniciada no começo da brotação dos colmos. A soca de arroz possibilita aumentar a produtividade das várzeas tropicais, reduzir a sazonalidade do uso de máquinas e implementos, aumentar a ocupação da mão-de-obra rural e a renda líquida . dos produtores. Alberto Baêta dos Santos, Embrapa Arroz e Feijão

Afinal, qual a diferença entre agrotóxicos e afins?

A

expressão - AGROTÓXICOS, SEUS COMPONENTES E AFINS - está cunhada na Lei 7802, e tem suscitado dúvidas e controvérsias. A começar pela concepção da palavra agrotóxico, uma conjunção de agro (elemento de composição que significa campo cultivado) e tóxico (venenoso). Assim, seria uma substância extraída do campo e com atributos de veneno, como o curare (encontrado nos gêneros Strycnos e Chondrodendron) ou o extrato do comigo-ninguém-pode (Dieffenbachia maculata). Mas o parlamento brasileiro, mesmo dispondo de uma seção redacional, desrespeitando a lexicologia, legislou que seria o oposto: veneno que se esparge sobre as plantas para eliminar os seres-pragas. Hoje, passada uma década, já se dorme com esse barulho. Acostumou-se. Há quem, até, perceba e elogie a tonicidade forte nas sílabas. E, além disso, dizem com orgulho que é só nosso! Ninguém mais tem. Não é qualquer pesticida não, é tupiniquim, é lóxico, é agrotógico! A lei, em todo o seu texto, jamais desvincula a palavra agrotóxico da palavra afim, e, define: agrotóxicos e afins - os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos; e, arremata, incluindo: substâncias e produtos empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento. De imediato, vemos que são agrotóxicos tanto os produtos fitossanitários quanto os domissanitários ou outros sanitários que visem

preservar a flora e a fauna da ação de seres vivos nocivos. Porém, é de bom senso entender, que a regulamentação de cada um desses sub-segmentos deve atentar para outras leis e particularidades de uso e riscos. No caso dos produtos fitossanitários é investigada a periculosidade de natureza intrínseca da química dos produtos, bem como os riscos das exposições pontuais e dos resíduos que possam deixar nos alimentos. Destarte, é uma definição interessante, mas os contornos da lei, ao distribuir direitos e deveres, precisam ser atualizados para mitigar as imperfeições. Por exemplo: é jusSão agrotóxicos tanto os produtos fitossanitários quanto os domissanitários ou outros sanitários que visem preservar a flora e a fauna da ação de seres vivos nocivos to classificar ou exigir dos feromônios, repelentes, atrativos alimentares, armadilhas de cor e tantos outros instrumentos modernos da defesa sanitária os mesmos estudos que para os agrotóxicos em geral? E SEUS COMPONENTES, o que são? Vamos lá. A lei diz claramente que são os princípios ativos, os produtos técnicos, suas matérias-primas, os ingredientes inertes e aditivos usados na fabricação de agrotóxicos e afins. E, com isso, empurrou para a vala dos venenos, substâncias que servem apenas de veículo, de diluição ou que emprestam características físicas às formulações. Não que sejam isentas de toxicidade, mas, como o veneno é resultante da dose, a ciência de maneira pragmática trata essas substâncias com menos rigor, sem os ritos

processualísticos com que se trata o princípio ativo ou o correspondente produto em grau técnico, e, raras impurezas de relevante nocividade. Hoje, os espalhantes-adesivos, os antiespumantes e tantos outros aditivos ou adjuvantes, que nada têm a ver com a função sanitária e com a periculosidade implícita dos biocidas, precisam passar pelo mesmo processual dos ingredientes ativos ou mendigar perdões deste ou daquele estudo. Frustrante, irracional e inibidor dos empreendimentos. Cabe urgente ajuste desse desvio em nossa legislação. Por último temos o termo AFINS. No dicionário: assemelhados. No Decreto 98.816/90, de modo diverso à lei, encontramos esse vocábulo definido à parte da expressão agrotóxicos. Para agrotóxicos foi repetida a significação posta na lei, excluindo, porém, os agentes , considerando estes últimos como organismos vivos e deixando o vocábulo produtos apenas para os agrotóxicos químicos. Mas, na enunciação de afins, confunde-nos com o seguinte: os produtos e os agentes de processos físicos e biológicos que tenham a mesma finalidade dos agrotóxicos, bem como outros produtos químicos, físicos e biológicos utilizados na defesa fitossanitária, domissanitária e ambiental, não enquadrados no Inciso XX (ou seja, na definição de agrotóxico). Cotejando as duas definições, podemos concluir que são afins os produtos usados na defesa sanitária com a mesma finalidade dos agrotóxicos. Então, um agrotóxico é um afim e um afim é um agrotóxico. O Decreto foi redundante ao tentar corrigir a omissão da lei. Em matéria de direito, o que não é bem explicitado não existe. Passamos uma borracha e apagamos, é simples. Neste caso, que tal o termo agrotóxico morrer abraçado com o seu afim, e pronto ?


Agronegócios

O novo milênio inicia em 2002 As grandes negociações do segmento agrícola iniciarão de fato neste próximo ano

A

o menos para os efeitos do comércio internacional de produtos agropecuários, o milênio inicia mesmo no ano que vem. Em janeiro instalase a Rodada do Milênio da OMC, foro multilateral de negociação das regras do comércio internacional. Mas também ganham corpo a negociação da ALCA, que envolve 34 países americanos, porém polarizados entre Brasil e EUA; e a negociação entre Mercosul e União Européia, mas que tem no Brasil o grande interlocutor do Mercosul. Para as três negociações, o prazo inicialmente estipulado vence em 2005. Como até uma caminhada de 1000 quilômetros inicia com o primeiro passo, esse será dado ao alvorecer do próximo ano. A jornada será árdua e a recompensa esperada, ao final da mesma, será um novo ambiente de comércio internacional, livre de protecionismos, artificialismos e barreiras de qualquer ordem. É o melhor cenário que o Brasil pode imaginar para embicar a proa rumo à liderança dos agronegócios mundiais, no curto espaço de uma geração.

DOHA, QATAR

Até a quarta-feira, 14 de novembro, parecia que nem a clara mensagem de bin Laden e assemelhados havia sido suficiente para chamar à realidade empedernidos corações e mentes dos negociadores do Primeiro Mundo, que insistiam em impor uma agenda que previa a manutenção do execrado protecionismo agrícola, ao tempo em que tentavam impingir novas e atordoantes restrições aos 40

Cultivar

países emergentes, por conta das exigências ambientais, regras de investimento, concorrência e de compras governamentais. A conferência de encerramento da reunião ministerial da OMC atrasou em 24 horas para que negociações tensas pudessem parir a Agenda de Desenvolvimento de Doha , uma declaração de princípios e intenções que, embora não assuma qualquer compromisso com resultados finais, põe a mesa para uma ampla rodada de negociações.

OS TEMAS EM JOGO

Até o momento, a grande vitória ocorreu na restrição à aplicação do acordo de patentes e propriedade intelectual o TRIPS com o consenso de que nada no acordo sobre patentes ou propriedade intelectual pode se sobrepor ao interesse da saúde pública . Os aspectos práticos dessa declaração serão objeto de negociação para incorporação no Acordo. Da mesma forma, os países concordaram em entabular negociações destinadas a esclarecer e aperfeiçoar o artigo 6 do antigo GATT , que trata das regras antidumping, que vinham sendo usadas como barreiras por países ricos, toda a vez que aportava em seu território um produto proveniente de país pobre, com preço inferior ao produzido no país importador. Os temas mais encardidos versaram sobre comércio e investimento e comércio e política de concorrência. Numa verdadeira engenharia diplomática, foi remetido para a agenda da próxima conferência ministerial. www.cultivar.inf.br

AGRICULTURA

Esse era o busílis da questão para o Brasil e para o grupo de Cairns países que têm na agropecuária sua principal pauta no comércio internacional. A questão toda está no protecionismo conferido pelos países ricos à sua agropecuária, o que reduz dramaticamente o espaço negocial de países que não dispõem de fortunas para subsidiar uma agricultura ineficiente. De passagem é importante ressaltar que o protecionismo francês, o mais retrógrado e arraigado do mundo, foi candidamente elogiado por Luiz Inácio Lula da Silva, em outubro passado, em sua visita à França. Por ser o líder da corrida sucessória no presente momento, se empossado na Presidência será o responsável pelas diretrizes da pauta brasileira de negociação, razão pela qual é muito importante saber o que o candidato pensa a respeito do protecionismo agrícola dos países ricos.

agora estão reconhecendo que o tema deve ser renegociado. Explicitamente, na questão agrícola, o documento refere (serão estabelecidas) negociações abrangentes para melhorias substanciais do acesso ao mercado . Tradução: propõe negociar a redução das tarifas de importação, as quotas e as sobretaxas que impedem a entrada de produtos agrícolas no Primeiro Mundo. Vai além ao citar ...reduções, com vistas à eliminação progressiva, de todas as formas de subsídios às exportações, e substanciais reduções em apoio doméstico que distorçam o comércio . Ou seja, coloca-se sobre a mesa os mais de US$400 bilhões anuais que os países ricos usam para contrabalançar a falta de competitividade de sua agricultura.

NEGOCIAÇÃO

Absolutamente nada está ganho ou garantido, destarte a vitória das teses dos Ministros José Serra e Pratini de Morais, eis que Doha foi apenas uma rampa de lançamento da rodada de negociações, com o estabelecimento de alguns limites. O jogo mesmo começa no próximo ano. Será o momento de governo e iniciativa privada agirem em conjunto, com pauta única, consensada internamente. Temos que entrar em campo como um time que sabe que tem todas as condições de ganhar, atuar com segurança e profissionalismo, comparecendo com qualidade e quantidade nas mesas de negociação. O jogo será pesado, por vezes desanimador, dará muitas voltas, portanto o Brasil precisará arregimentar diversos parceiros para as suas teses. Será necessário habilidade, firmeza, perseverança, paciência, inteligência, esperteza, experiência, estratégia, visão de futuro, capacidade de negociação, entre outras virtudes. Mas é a única forma de pavimentar o caminho para o futuro do Brasil. Uma negociação bem sucedida poderá transformar a vergonha das 100 milhões de toneladas de grãos que produzimos hoje em 500 milhões daqui a 15-20 anos. Centenas de bilhões de dólares poderão ser arrecadados pela via do agronegócio para desenvolver o nosso país. É a melhor herança que poderemos deixar para a geração que nos sucederá.

A PROPOSTA

Numa linguagem apenas acessível a iniciados nos meandros diplomáticos, a declaração de Doha reza: Concordamos que negociações em assuntos relevantes de implementação devem ser parte integral do programa de trabalho que estamos estabelecendo . Tradução: Os países ricos haviam se comprometido, no acordo de Marraqueche de 1994, a reduzir drasticamente seus subsídios agrícolas até 2004, quando deveriam entrar em vigor novas regras para completa eliminação dos mesmos. Não o fizeram e Dezembro 2001 / Janeiro 2002

ARRANJO INTERNO

O protecionismo do Primeiro Mundo é um potente entrave externo, porém o principal mataburros ainda é o interno. Precisamos ter consciência de que, conforme se elimina o protecionismo financeiro, a competitividade passa a ser fortemente lastreada em tecnologia e sanidade agropecuária adequadas. A melhora da situação externa é uma conquista de médio prazo, em conseqüência, enquanto o ambiente externo não desanuvia, temos que fazer a lição de casa, composta de: a) uma política agrícola permanente e de incentivo efetivo aos agronegócios; b) uma política fiscal consentânea com os interesses da Nação; c) uma política tributária que não signifique apenas arrecadar mais, porém que concilie justiça, racionalidade tributária e competitividade dos agronegócios; d) investimentos estruturais em transporte, energia, comunicação, armazenagem, portos, aeroportos, etc.; e) políticas sociais e ambientais harmonizadas com o agronegócio; f) produtividade, qualidade e competitividade dos produtos agrícolas; g) agressividade no comércio internacional; e h) finalmente, porém não menos importante, investimentos contínuos e sustentados em ciência, tecnologia e sanidade agropecuária. Sendo 2002 um ano eleitoral, além de aquilatar a posição do candidato em relação ao protecionismo dos países ricos, sugiro que cada ator do agronegócio também atente para o programa de governo de cada candidato e verifique se, entre outros, os aspectos supra referidos foram contemplados.

GAUCHADA

Por ser Natal, vamos encerrar a coluna de maneira informal, porém sem deixar de fazer um contraponto com o restante do texto. A forma como os países ricos vêm tratando

os agronegócios dos países emergentes lembra um causo folclórico do qual teria sido protagonista o presidente da província do Rio Grande do Sul, Alberto Pasqualini. Reza a lenda que seu fanatismo pelo pôquer rivalizava apenas com sua personalidade ditatorial e impositiva. Os acólitos notívagos que com ele carteavam sabiam da necessidade de perder para o chefe. Já o enviado do Presidente Getúlio Vargas, recém chegado ao Estado mais desenvolvido da Nação, desconhecia o detalhe e aceitou o convite para um poquerzinho no Palácio Piratini. E, bom jogador, foi faturando as fichas de Pasqualini. Até que o presidente, destilando um péssimo humor por todos os poros, fez uma aposta alta e, ao mostrar as cartas, não dispunha sequer um par nas mãos. Nem Rei, Ás, nada! O contendor, com trinca de Reis, começou a recolher as fichas, sendo incontinenti interrompido por Pasqualini. - Aqui no Rio Grande essa mão se chama Farroupilha e é a maior do pôquer! Os protestos do carioca foram em vão: estamos no Rio Grande, valem as regras gaúchas e c est fini! Prossegue o jogo, alta madrugada e o visitante resolve apostar tudo. Pasqualini topa e mostra um par de valetes. - Farroupilha! berra o feliz carioca, com nada nas mãos. E começou a recolher as fichas. - Farroupilha só vale uma vez na noite! Retrucou Pasqualini, recolhendo todas as fichas da mesa. Invocando as bênçãos de Deus, auguro a todos um Feliz Natal, e um Ano Novo com solidariedade, justiça, igualdade e . muita paz. Décio Luiz Gazzoni

Engenheiro Agrônomo, Pesquisador da Embrapa e Diretor Técnico da FAEA-PR http://www.agronomo.eng.br/agronegocios/

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Mercado Agrícola - Brandalizze Consulting

Clima favorece a safra e soja ganha espaço Os produtores estão satisfeitos com o clima neste ano que mostrou bom volume de chuvas no mês de novembro, período que mais se planta, onde estão centrados os maiores volumes de plantio da safra de verão, com o milho e a soja tendo como mês mais importante para efetivar o plantio. Foi bastante favorável com bom nível de umidade no solo e assim as máquinas puderam andar com bom ritmo e assim o plantio do milho superou a marca dos 85%, e a soja também está chegando aos 75%, ficando pouca para este mês de dezembro. Como por enquanto tivemos um bom arranque inicial, já podemos esperar para um avanço no plantio da safrinha do milho em fevereiro e março, devendo avançar para cima dos 2,5 milhões de hectares, contra menos de 1,9 milhões plantados neste último ano. O trigo também está encerrando a colheita no Sul agora e vem mostrando um bom volume na safra com cerca de 2,9 milhões de T. O início da safra ½ está satisfazendo os produtores brasileiros, e pelos indicativos de clima, deverá continuar assim já que as previsões apontam que os próximos 3 meses devem mostrar chuvas regulares e assim beneficiando a safra. Começamos com o pé direito, e agora é bom estar atento à comercialização, principalmente da soja, que normalmente em dezembro mostra boas cotações para safra.

MILHO

Pressão de alta e poucos negócios O mercado do milho passou o mês de novembro, com as indústrias trabalhando com que tinham em estoque ou consumindo o produto que está para fixar. Com isso os negócios ficaram restritos a poucos volumes. Somente no final do mês é que os compradores voltaram a se posicionar. Mas temos visto poucos vendedores em atividade. Com o setor apontando que as exportações estão tirando mais de 5 milhões de T do mercado interno, e assim o quadro está se ajustando agora no final do ano e poderá ter escassez de produto em janeiro e fevereiro, porque as primeiras áreas plantadas foram afetadas pelas geadas tardias e assim o milho só chegará fevereiro em diante. Tivemos avanços nos indicativos em novembro, que devem continuar puxando agora em dezembro.

SOJA

Colheita americana chega ao final e mercado anda pouco O USDA divulgou em seu relatório de novembro a estimativa da safra em 79,5 milhões de T, ficando acima das expectativas do mercado, e junto veio com a produção mundial em 182 milhões de T, ou seja a maior da história. Nem mesmo com os números recordes serviram para derrubar as cotações, já que o mercado continua apostando na demanda que está em forte avanço e deverá consumir todo o produto que estará entrando a mais nesta safra que estamos encerrando o plantio. Os indicativos de dezembro normalmente mostram boas oportunidades de fechamentos para safra, por isso recomendamos ficar atento para aproveitar.

ARROZ

Governo vende estoques e mercado segue lento O mercado do arroz teve um banho de água fria proporcionado pelo governo em outubro e novembro, com varios pregões dos estoques oficiais e assim os indicativos que chegaram a superar a marca dos R$ 20,00 por saca aos pro42

Cultivar

dutores, recuaram para os R$ 18,00/19,00, que apontam permanecer em dezembro. Os vendedores reclamaram que o governo atrapalhou o setor, enquanto isso as indústrias apontavam que os consumidores não teriam recursos para manter a demanda, que poderia cair. O quadro aponta para andar em cima de estabilidade. O plantio vem sinalizando ligeiro crescimento no irrigado e aponta estabilidade no sequeiro. Com isso aponta-se para uma safra de 10,5 a 11,0 milhões de T, com avanços sobre as 10,3 colhidas neste ano.

FEIJÃO

Colheita começa e abastece o mercado O mercado do feijão que vinha com poucas ofertas e cotações em alta desde o meio do ano, agora está em cima da colheita da primeira safra e com isso deverá abastecer as necessidades de demanda e com isso pressionar os indicativos para baixo. Lembramos que dezembro não é um bom mês para o feijão e com isso poderemos ter pressão baixista nas

próximas semanas. Teremos que ensinar o Papai Noel comer feijão e aí sim poderíamos ter cotações melhores na virada do ano. Em janeiro a demanda volta a andar em ritmo normal.

TRIGO

Tudo colhido, e safra chega aos 2,9 MT A safra do Trigo já esta encerrada e agora os produtores tem pela frente a comercialização. Os números finais devem girar ao redor das 2,9 milhões de T, uma das melhores dos últimos anos. Devendo também ter boa remuneração aos produtores. No Rio Grande os produtores reclamam dos R$ 240/250 por T praticados, porém para estes se recomenda esperar para vender no começo do ano que vem, enquanto isso no Paraná os indicativos negociados giravam entre os R$ 280 e R$ 300 por T. Devendo trabalhar nestes níveis nas próximas semanas. O Trigo importado chegará com cotações maiores nos próximos meses e assim a situação e boa para os nossos produtores.

CURTAS E BOAS ALGODÃO - o plantio desta safra deverá ter queda na área no MT, principal estado produtor, que teve fraca liquidez neste ano. Devendo melhorar o quadro comercial em 2002. ARROZ - no mês passado uma indústria gaúcha trouxe um navio de arroz americano com 27 mil T. Causando grande reclamação do setor produtivo que pede ao governo que aumente a taxa de importação de 13 para 35%. O arroz foi comprado a US$ 102,00 por T, com liquidação acima dos R$ 16,00 no porto gaúcho. SOJA - a nova estimativa da safra da Argentina é de 28 milhões de T, contra as 27 do mês passado e dos 26 da safra passada. MILHO - as exportações já contabilizam 5 milhões de T, e alguns exportadores apontam que deverá ir além, e já chegou a se comentar em 6 milhões de T. Mas como em novembro o dólar andou trabalhando em baixo, deixou de se fechar varios negócios. O Brasil será o quarto maior exportador mundial neste ano, ficando atrás dos EUA, Argentina e China. ESTOQUES - a Conab conta com 1,6 milhões de T de arroz e outras 1,9 milhões de T de milho, volume que poderá ser pequeno para acalmar o mercado em 2002.

www.cultivar.inf.br

Dezembro 2001 / Janeiro 2002



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