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Graxas e lubrificantes
Fotos Qu4ttuor Consultoria
Mistura catastrófica
A mistura de óleos lubrificantes e graxas de diferentes composições, viscosidades e origens pode causar sérios problemas em sistemas hidráulicos, engrenagens ou qualquer outro tipo de componente que necessite de lubrificação
Um dos conceitos que resistem ao tempo é a de que óleos e graxas lubrificantes podem ser misturados sem as devidas considerações técnicas. Se esta forma de pensar é a da empresa em que você trabalha em função de problemas de ordem financeira ou visando à redução imediata de custos com a manutenção, pode-se ter graves e custosos problemas com indisponibilidade de equipamentos e sérios danos mecânicos em maquinários móveis ou industriais ao se adotar tal forma de pensar.
Entre os profissionais da área de manutenção mecânica é de amplo conhecimento que a mistura de óleos e graxas lubrificantes de diferentes composições ou de diferentes fornecedores sem o devido conhecimento das composições dos produtos a serem misturados, sem testes laboratoriais de compatibilidade e sem o devido planejamento técnico, em princípio, não é uma boa ideia.
Neste artigo serão abordadas algumas consequências resultantes da mistura de óleos lubrificantes em distintas situações.
ALTERAÇÃO DA
VISCOSIDADE CINEMÁTICA
A mistura de óleos lubrificantes de mesma aplicação e de diferentes viscosidades cinemáticas terá impacto imediato na característica do óleo lubrificante que está em serviço no maquinário e a viscosidade cinemática resultante dependerá dos fluidos misturados e da proporção da mistura.
Ou seja, ao se misturar produtos de diferentes viscosi-
dades cinemáticas, ainda que de mesma aplicação, será alterado todo o produto resultante e corre-se o risco de haver alteração na condição de operação do maquinário, como elevação de temperatura de serviço, desgaste por ruptura de película lubrificante que separa superfícies metálicas em movimento relativo etc.
A viscosidade cinemática do óleo lubrificante que será aplicado em determinado equipamento é determinada por estudos tribológicos com vistas a determinar a espessura do filme de óleo lubrificante para aquela aplicação específica. O filme de óleo lubrificante proverá a separação, por exemplo, entre os elementos rolantes e os anéis interno e externo em mancais de rolamento, sendo fatores importantes que afetam a espessura da película de óleo lubrificante a rotação do elemento de máquina, a carga imposta ao eixo e a viscosidade cinemática do fluido lubrificante.
Se a viscosidade cinemática do fluido lubrificante após a mistura for excessivamente baixa, o resultante filme de óleo lubrificante não terá espessura suficiente para prover a adequada separação das superfícies metálicas em movimento relativo. Por exemplo, entre elementos rolantes e pistas dos anéis externos e internos em mancais de rolamento ou entre os colos da árvore de manivelas e os mancais de deslizamento em motores de combustão interna Ciclo Otto/Ciclo Diesel 4T.
Caso o óleo lubrificante não tenha viscosidade cinemática para formar película de óleo lubrificante com espessura do filme de óleo lubrificante suficiente, o desgaste terá início até que venha a culminar com falha catastrófica. E se a viscosidade cinemática do fluido lubrificante após a mistura for excessivamente elevada para a aplicação? Neste caso, teríamos maior consumo de energia elétrica ou de combustível, elevação da temperatura de serviço, geração de calor e, até mesmo, desgaste acelerado dos componentes móveis em função do óleo lubrificante não penetrar nas folgas dinâmicas dos elementos de máquina e promover a devida separação das superfícies metálicas em movimento relativo.
Podemos assemelhar a operação do maquinário quando do aumento não avaliado ou imprevisto da viscosidade cinemática do fluido lubrificante a se mover circularmente uma colher em um copo com água e em um copo com mel. O esforço mecânico e o dispêndio de energia serão bem maiores no copo com mel, tendo em vista a viscosidade cinemática do mel ser bastante superior à da água.
O uso de óleos lubrificantes com viscosidade cinemática excessivamente superior em relação à recomendada pelo OEM poderá elevar a temperatura de serviço do maquinário e, com isto, acelerar o seu processo de oxidação com a consequente formação de borras, verniz e lacas, que interferirão na operação de equipamentos móveis e industriais em face do funcionamento deficiente de servo-válvulas, válvulas proporcionais etc. Estes problemas poderão levar, até mesmo, a avarias catastróficas em função da obstrução de filtros de óleo lubrificante.
LUBRIFICANTES COM ADITIVAÇÃO EP PARA ENGRENAGENS
Os óleos e as graxas lubrificantes são formulados de maneira customizada, com propriedades específicas para o atendimento aos níveis de desempenho demandados pelos OEMs de equipamentos móveis ou industriais. Como exemplo, podemos citar o uso de aditivação sulfo-fosforosa (P e S) de Extrema-Pressão (EP) na lubrificação de caixas de engrenagens.
A aditivação sulfo-fosforosa de Extrema-Pressão (EP) tem sido amplamente utilizada em caixas de engrenagens de dentes retos, dentes helicoidais, dentes bi-helicoidais, dentes cônicos, engrenagens hipoidais etc.
A configuração de engrenamento em que se recomenda um maior estudo quando do uso da aditivação de Extrema-Pressão (EP) é a que utiliza de parafuso sem-fim e coroa. Nestes casos, em função do elevado atrito de deslizamento e pelo fato de, geralmente, a coroa ser usinada em bron-
A mistura de óleos e graxas lubrificantes deve ser alvo de critérios e motivos bem definidos
A mudança da Viscosidade Cinemática do fluido em serviço pode ter consequências variadas
Aldivio Strasser, Strasser Agrícola
Fotos Qu4ttuor Consultoria
Falha em mancal de rolamento por deficiência de lubrificação
A espessura do filme de óleo lubrificante deve ser robusta o suficiente para separar as superfícies metálicas em movimento relativo
ze ou algum outro tipo de metal amarelo macio, tem-se verificado que óleos compostos têm apresentado melhor desempenho e proporcionado maior vida útil ao conjunto em serviço.
Como a extensão do contato entre os dentes do parafuso sem-fim e da coroa é longa, gera-se muito mais calor e pressão que o necessário para ativar a aditivação EP existente no óleo lubrificante. Em função disso, há certo risco que a aditivação EP, caso leve em sua composição enxofre (S) ativo, ao invés de formar um composto saponáceo dúctil, não corrosivo e que sirva como proteção adicional ao desgaste por microssoldagem, venha a causar desgaste corrosivo ao metal amarelo macio da coroa de bronze.
Da mesma forma, o uso de óleos lubrificantes com aditivação EP em mancais de deslizamento confeccionados de metal amarelo (exemplo: bronze) deverá ser realizado após estudos minuciosos em vista das situações adversas, anteriormente citadas para conjunto de engrenamento com coroas de metal amarelo, que possam vir a ocorrer.
Em função da complexidade que envolve o assunto, é redundante mencionar que a mistura de óleos lubrificantes com aditivação EP de diferentes origens deve ser alvo de prévias considerações técnicas. Caso haja necessidade de ser realizada a mistura de óleos lubrificantes para engrenagens de diferentes fornecedores, recomenda-se efetuar algum tipo de teste de compatibilidade entre os produtos a serem misturados em face dos potenciais danos aos maquinários que possam advir da mistura aleatória desses produtos.
LUBRIFICANTES COM ADITIVAÇÃO ANTIDESGASTE (AW)
Em sistemas hidráulicos de equipamentos móveis e industriais faz-se uso de fluidos hidráulicos com aditivação antidesgaste (anti-wear) em lugar da aditivação para Extrema-Pressão (EP).
Nos fluidos para uso em sistemas hidráulicos, a aditivação antidesgaste (AW) é de primordial importância. O aditivo antidesgaste (AW), sob condições de lubrificação limítrofe, forma uma camada sacrificial sobre as superfícies metálicas dos componentes móveis como forma de reduzir o desgaste por atrito.
Ao longo de décadas, a tradicional e eficiente aditivação antidesgaste em óleos lubrificantes para sistemas hidráulicos tem sido o ZDDP (dialquilditiofosfato de zinco), que além de ser eficiente aditivo antidesgaste, desempenha funções adicionais como, por exemplo, a de antioxidante. Porém, em função de diversos novos materiais metálicos que vêm sendo introduzidos na fabricação de componentes móveis de sistemas hidráulicos (exemplo: metais amarelos) ou por questões de ordem ambiental (melhor biodegradabilidade e menor toxidez em caso de contaminação da água), alguns OEMs de equipamentos móveis e industriais passaram a demandar fluidos hidráulicos com aditivação isenta de zinco (zinc-free).
A formação de borras e vernizes em sistemas hidráulicos é bastante indesejável, tendo em vista causar lentidão nos movimentos de válvulas proporcionais e direcionais, servo-válvulas etc., chegando ao ponto de causar-lhes emperramento.
Em face do exposto, determinados OEMs passaram a recomendar em seus manuais de serviço que se use, nos sistemas hidráulicos de seus equipamentos móveis, fluidos hidráulicos com aditivação livre de zinco em sua composição (zinc-free) e que possuam elevada resistência à oxidação, de forma a se evitar o desgaste corrosivo em peças compostas por ligas metálicas sensíveis ao zinco e a formação de depósitos em forma de verniz.
As demandas dos OEMs por fluidos hidráulicos estão se tornando cada vez mais customizadas e complexas. Em face disto, a aquisição de fluidos hidráulicos deve ter como critério principal os níveis de desempenho necessários para uso nos maquinários, não devendo o critério “preço” ser o balizador determinante na seleção de tais produtos, sob pena de custosos reparos e indisponibilidade de maquinário.
GRAXAS LUBRIFICANTES
Bastante resumidamente, podemos dizer que o processo de manufatura de graxas lubrificantes consiste em se adicionar fluidos lubrificantes a espessantes em proporção tal que se possa alcançar o grau de consistência desejado. Para um melhor entendimento do que constitui uma boa graxa, devemos nos concentrar nas propriedades de
seus componentes: espessantes, fluidos lubrificantes, aditivos e, em alguns casos, “fillers” (exemplo: grafite, MoS2, PTFE).
Ao selecionarmos uma graxa, devemos levar em consideração a aplicação e as condições de serviço em que ela irá trabalhar, sendo necessário analisar-se cuidadosamente itens como o tipo de óleo básico, o tipo do espessante, a viscosidade cinemática do óleo básico que compõe a graxa e os aditivos ou “fillers” utilizados na formulação.
A mistura de graxas sem estudos técnicos pormenorizados pode causar problemas de incompatibilidade e suas consequências, como perda de consistência e escorrimento pelo selo da caixa do mancal de rolamento. Além disso, pode ocorrer separação entre o fluido lubrificante e o espessante tendo, como resultado, uma massa endurecida e não lubrificante no interior da caixa do mancal de rolamento. Outra consequência resultante da incompatibilidade de graxas é o fluido lubrificante decorrente da mistura ser de viscosidade cinemática superior ou inferior à aplicação especificada ou de natureza não adequada ao uso pretendido.
O mundo ideal seria aquele em que uma única graxa lubrificante pudesse ser utilizada em todas as aplicações em plantas industriais e sites de equipamentos móveis. Infelizmente, esse mundo utópico não existe e as recomendações individualizadas de graxas pelos OEMs serão a realidade. Ou seja, vamos ter que conviver com uma diversidade cada vez maior de tipos de graxas lubrificantes, e efetuar-se a substituição ou misturas sem critérios técnicos bem fundamentados poderá ser a causa de desnecessárias avarias catastróficas.
CONCLUSÃO
Fato que deve ser frisado a despeito de ser amplamente mencionado e conhecido no meio da manutenção de equipamentos móveis e industriais é que misturar-se óleos e graxas lubrificantes sem critérios muito bem estudados e visando, apenas, a uma imediata redução de custos ou em virtude de falta de planejamento de demanda é a receita certa para custosas avarias, indisponibilidade de maquinário e perdas no processo produtivo.
Vale a pena meditar um pouco mais neste assunto antes de se proceder à mistura indiscriminada de óleos e graxas lubrificantes, mesmo que as justificativas para tal ação possam parecer válidas. .M
Marcos Lobo, Qu4ttuor Consultoria
Temperaturas elevadas: formação de borra, laca e verniz
Sistemas hidráulicos: aditivação antidesgaste
Êmbolos de válvulas proporcionais com verniz
Efeitos do uso de graxas com especificação diferente do recomenado para a aplicação