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Mecanização

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Rodando por aí

Rodando por aí

Detalhes da compactação

Apesar de estar presente em quase todas as lavouras e ser amplamente discutida, muitos produtores ainda não conseguem identificar as causas da compactação nem resolver o problema

Abordagens sobre o tema compactação do solo não são novidades na literatura brasileira e mundial. Todos os anos inúmeros trabalhos são publicados sobre o assunto, mas ainda restam muitas interrogações a responder. Os primeiros relatos e estudos sobre compactação em solos agrícolas foram feitos na época em que se utilizava intensamente o preparo convencional de solo, com emprego de arações e gradagens niveladoras. Nesse sistema de manejo, que ainda é utilizado no Brasil em mais de 25 milhões de hectares, a compactação pode ser superficial, decorrente da incidência de chuvas com alta intensidade, formando um selo (quando solo está úmido) ou crosta (quando solo está seco). Ambas as situações têm como principais implicação prática uma drástica redução da taxa de infiltração de água, propiciando ocorrência de empoçamento e erosão hídrica, com perdas de solo, água, nutrientes e defensivos aplicados. Outra consequência muito frequente dessa compactação superficial, provocada pelo impacto das gotas da chuva em solo preparado convencionalmente, é a dificuldade ou mesmo a não emergência de culturas, devido à crosta.

Já a compactação em subsuperfí-

ctação

cie, que ocorre neste sistema de manejo, é vulgarmente denominada de “pé de arado” e é devido principalmente ao tráfego de pelo menos dois rodados do trator dentro do sulco durante a aração. Pode haver também alguma contribuição do peso do arado que incide sobre os discos ou aiveca, mas não é tão importante quanto o efeito dos rodados que circulam dentro do sulco. Para exemplificar, um arado de quatro discos com diâmetro de 30” cada possui uma largura média é de 1,2m por passada de aração. Considerando um trator com potência de 78cv, com pneus traseiros 18.4x30R1, cuja largura é de aproximadamente 0,5m, conclui-se que, em apenas duas arações numa gleba, toda a subsuperfície terá sido trafegada pelos rodados do trator. Como normalmente o fundo do sulco possui teor de água mais alto do que a superfície do solo, poderá, ao longo do tempo e após várias e várias arações, se formar uma camada mais adensada, normalmente na profundidade máxima desse tipo de preparo de solo. As principais consequências deste tipo de camada compactada em subsuperfície podem ser a redução da percolação da água no sentido descendente ou ascendente, bem como restrição ao desenvolvimento do sistema radicular das culturas em maiores profundidades.

O diagnóstico da presença de camada compactada superficial é visual, notando-se a dificuldade de infiltração de água durante as chuvas, empoçamento, formação de crosta e problemas de emergência de plantas, por vezes necessitando de replantios. A detecção da compactação subsuperficial (pé de arado) também é bastante simples, podendo ser feita abrindo uma trincheira e, por toque de faca, ser “localizada” a profundidade e extensão da referida camada. Outro equipamento bastante utilizado para tal objetivo é o penetrômetro, o qual acusa uma maior resistência mecânica à penetração de uma ponteira colocada numa haste na camada compactada e menores valores antes e após a mesma.

Com advento e implantação do sistema de plantio direto (SPD), no seu conceito fundamental, essas formas de compactação praticamente deixaram de ser problema. Como neste sistema não é mais realizado o preparo convencional (aração, gradagem aradora, gradagem niveladora, enxada rotativa), já não se forma o “pé de arado”, ou seja, uma camada compactada em subsuperfície em toda a extensão da lavoura. Com a presença de cobertura (por plantas ou por resíduos de plantas) so-

Área de contato pneu-solo de pneu diagonal e radial com 3t de carga sobre os mesmos. Adaptado de Machado et al. (2015)

Preparo de solo em área total com aração seguido de gradagem para implantação da cultura da batata. Valores de resistência mecânica do solo à penetração para a zona mobilizada e não mobilizada pelos implementos (dir.)

Determinação das condições de consistência do solo em nível de campo com vistas à trafegabilidade e operação com maquinas agrícolas. Sempre que possível deve-se buscar trafegar e realizar as operações nas condições de friabilidade, onde o risco de compactação adicional ao solo é mínimo

bre a superfície do solo, o impacto das gotas, especialmente de chuvas de alta intensidade, já não provoca selamento ou crosta. No entanto, há ainda chance de isso ocorrer em áreas da superfície do solo sob sistema de plantio direto que foram mobilizadas pelos sulcadores da semeadora, pois nestas zonas pode haver solo descoberto, sem cobertura. Neste aspecto, maior ou menor mobilização nas linhas de semeadura em SPD se deve por diferenças entre tipos de sulcadores (facão, discos duplos, discos simples), velocidade de semeadura, tipo de solo, cobertura e estado de compactação do solo. Porém, no SPD, em especial em solos com mais de 30% de argila na camada superficial, novas causas para a compactação do solo se estabeleceram, sendo a principal o tráfego de rodados (tratores, máquinas e implementos agrícolas, colheitadeiras, pulverizadores e distribuidores autopropelidos, reboques, carretas graneleiras, caminhões, caminhonetes) e do pisoteio de animais em pastejo.

A pressão exercida sobre o solo depende do peso sobre o rodado ou pata do animal e de sua área de contato com o solo. Exemplificando: um bovino de 500kg, caminhando, cuja área de contato com o solo é de 200cm², imprime uma pressão de 2,5kgf/cm², ou 250kPa. Um trator, em cujo pneu traseiro (26.1x30R1) incide 5.000kg de peso (já considerando transferência de peso por carga no sistema hidráulico de três pontos ou por demanda de tração) e que tenha uma área de contato de 2.000cm², também imprime 2,5kg/cm² ou 250kPa. Assim, se verifica que a eventual compactação provocada pelo pisoteio é igual à do rodado traseiro do trator. Porém a primeira é superficial (até 8cm), enquanto a segunda pode atingir até a metade da largura do pneu (26,1 polegadas = 66cm de largura), ou seja, 33cm de profundidade do solo. No caso de rodados, estudos mostram que a pressão de inflação dos pneus pode afetar mais a compactação superficial e o peso incidente sobre os rodados afetar mais a compactação do solo em profundidade.

Mas deve-se ter em mente que a compactação do solo somente ocorre quando a pressão exercida sobre ele excede a sua capacidade de suporte de carga. A capacidade do solo em suportar cargas varia em função do tipo de solo, teor de argila e de óxidos, teor de matéria orgânica, mas especialmente do teor de água do solo. Um mesmo tipo de solo, com o mesmo teor de matéria orgânica, argila e óxidos, pode suportar cargas de até 450kPa (4,5kgf/cm²) quando está com baixo teor de água (solo seco) e bem menos de 100kPa, quando está úmido ou muito úmido. Estudos mostram que mesmo com aplicação de elevadas cargas, de mais de 400kPa, solos com mais de 60% de argila não alteram substancialmente sua estrutura quando estas são aplicadas na consistência friável a seco. Um solo está na consistência friável quando, de modo prático, se aperta uma porção dele na mão e depois se consegue esboroar facilmente o bloco formado, não formando torrões firmes (solo está seco) nem formando uma “linguiça”, ou seja, neste caso o solo está deixando se moldar por alta umidade. Também se verifica que alguns solos sob sistema de plantio direto mudam momentaneamente sua estrutura física após aplicação de altas cargas, mas conseguem voltar praticamente à condição original após algum tempo, desde que utilizadas práticas como utilização de plantas de cobertura e rotação de culturas.

COMO RESOLVER PROBLEMAS DE COMPACTAÇÃO

Mas as perguntas que ficam quando se trata de SPD são várias, como: quando a compactação é problema neste sistema de manejo? Quando ela inter-

Escarificadores com discos de corte de resíduos

Fotos Renato Levien

fere na produtividade das culturas e na qualidade ambiental, como perdas por erosão? Como é diagnosticada e como pode ser resolvida?

Mesmo com estudos já realizados, verifica-se que são necessárias muitas avaliações para se ter decisão correta sobre o grau ou o estado de compactação do solo estar mesmo prejudicando a produtividade das culturas. O clima (chuvas especialmente) pode mascarar ou reduzir o efeito da compactação do solo, ou seja, em anos sem deficiência hídrica e com distribuição regular de chuvas ou mesmo quando se utiliza irrigação, a produtividade pode ser a mesma em uma lavoura com solo com alto grau de compactação e outra com baixo grau.

Também se criaram alguns mitos sobre compactação, como, por exemplo, de que ela está sempre presente em lavouras que empregam máquinas de grande porte ou de grande peso. O peso é apenas um componente do processo de compactação. O principal dado a ser levado em conta é qual a pressão que está sendo impressa ao solo. Para isso, precisamos saber a área de contato que temos para suporte do peso.

Considerando o sistema de plantio direto, a área de contato de rodados depende do tamanho do pneu (largura e altura), do peso incidente sobre o pneu e da sua pressão de inflação. Quanto maiores forem a largura, a altura e o peso sobre o pneu, maior será a área de contato do mesmo com o solo. Quanto maior for sua pressão de inflação, menor será a área de contato. A condição de suporte da superfície sob SPD pode variar em função do seu grau de consolidação e estrutura, mas, especialmente, do teor de água do solo. Assim, solos na condição de friabilidade ou mesmo secos possuem alta capacidade de suporte de cargas. Caso o solo sob SPD estiver muito úmido, se comportará como superfície solta, ocorrendo um aumento da área de contato do pneu com o solo. Mas, em contrapartida, a superfície do solo passará a ter uma baixa capacidade de suporte às cargas aplicadas.

Pneus pareados (dois ou três, lado a lado) possuem maior área de contato com a superfície do solo, proporcionam maior capacidade de tração ao trator, embora possuam maior resistência ao rolamento. Um pneu radial, mesmo tendo o mesmo “tamanho” de um diagonal (exemplo: 18.4x30R1 x 18.4R30R1), submetido a uma mesma carga, imprime menor pressão ao solo, pois deforma mais (tem maior largura) e opera com menor pressão de

Charles Echer

A escarificação do solo nem sempre é uma solução para a compactação

Fotos Renato Levien

Sulcador tipo facão estreito guilhotina (esquerda), afastado (direita)

inflação (30psi no diagonal x 20psi no radial). Se considerarmos pneus tipo Bpaf (baixa pressão e alta flutuação), com ainda maior largura, deformação e menor pressão (4psi) do que radial, a pressão imposta ao solo será menor ainda, reduzindo a chance de provocar compactação. Esteiras e semiesteiras também possuem elevada área de contato com o solo, minimizando os efeitos da compactação do solo.

Dentre os métodos para “resolver” a compactação diagnosticada nas lavouras sob SPD tem se destacado o emprego de medidas mecânicas, como utilização de sulcadores do tipo facão nas semeadoras e até mesmo preparos de solo, como a escarificação. O uso de sulcadores do tipo facão estreito em semeadoras de precisão em geral minimizam o efeito da compactação mais superficial (0cm-14cm de profundidade), quando utilizados em espaçamento reduzido entre linhas de semeadura (38cm a 45cm) e o solo tendo teor adequado de água, ou seja, nem muito seco, nem muito úmido. Aliado a um sistema de rotação de culturas, com alternância de culturas com diferentes sistemas radiculares (pivotante e fasciculado) e boa cobertura do solo por palhada, esta medida poderá resolver uma compactação com interferência de baixo a médio grau na produtividade das culturas, devido, por exemplo, a tráfego ou pisoteio animal realizados em anos ou épocas do ano em que o solo estava muito úmido, ou seja, com baixa capacidade de suporte de cargas.

Em termos de dissipação de grau elevado de compactação utilizando somente plantas, os resultados mostram que isso pode acontecer, mas dependem de longo tempo. Culturas com maior quantidade de raízes tolerantes ao maior adensamento conseguem melhores resultados. Um “coquetel” de plantas espontâneas, vulgarmente denominadas de invasoras, possui maior poder de recuperação da estrutura do solo e de redução do seu grau de compactação do que espécies cultivadas, que ficam no solo por 110 a 130 dias. Mas essa solução em SPD parece ser pouco compatível.

Palhadas na superfície do solo também podem interferir na compactação, em doses acima de 6t/ha. Mas con-

vém lembrar que os rodados de tratores só exercem tração quando “desviam” essa palhada do seu trajeto ou quando a umidade do solo permite o recalque das suas garras no solo. Essa situação em SPD ocorre quando o solo está muito úmido. Também vale lembrar que, se existe palhada na superfície, em geral se tem a mesma (ou até maior) quantidade de raízes em subsuperfície, que também afetam a capacidade de suporte a cargas e o teor de matéria orgânica do solo.

ESCARIFICAÇÃO

A escarificação em SPD vem sendo analisada como solução para compactação do solo que exerce médio a alto grau de interferência na produtividade das culturas. Dependendo da época e da forma como é realizada, pode até resultar em redução da produtividade em SPD, em especial nas primeiras safras após sua execução. Nesse sentido, para exemplificar, dados mostram que nas linhas de semeadura onde houve coincidência com a área de tráfego do pneu do trator, a produtividade de cevada (cultura implantada após a escarificação) e de soja (posterior à cevada) em Latossolo (55% de argila) foi significativamente maior do que nos locais onde foi somente escarificado, sem passagem de rodados. O mesmo foi verificado para milho em Argissolo (25% de argila). Também se verificou que pressão de 220kPa (2,2kgf/cm²), imposta por rodados ao solo em SPD com 55% de argila e na condição de friabilidade, não causou redução de produtividade de cevada e soja em relação ao tratamento onde não houve aplicação dessa carga em área total.

O que tem se constatado é que a escarificação em geral tem sido muito problemática para resolver a questão de compactação em grau médio a alto nas lavouras, por diversos motivos técnicos, como utilização de equipamento não adequado (sem discos de corte para resíduos, sem rolo destorroador), regulagens (não levam em conta a relação entre profundidade de trabalho, espaçamento entre hastes e tipo de ponteiras) e umidade do solo inadequada. Somente a presença de rolo destorroador no equipamento já impedirá que a escarificação seja realizada em condição inapropriada de umidade do solo. Isso porque, em solo com alta umidade, haverá adesão solo-metal, ou seja, o solo ficará aderido ao rolo, impedindo a continuação do trabalho. Por vezes se verifica gasto, sem devido retorno dessa prática. Pode ter algum retorno indireto considerando que a mobilização harmoniza um pouco a questão do perfil químico formado nas propriedades que aplicam todos os fertilizantes e corretivos a lanço e em superfície no SPD.

Concluindo, é importante entender que nem toda a carga aplicada sobre o solo provoca compactação que possa interferir significativamente e negativamente sobre a produtividade das culturas; que as empresas fabricantes de máquinas possam disponibilizar e os produtores “comprar” a ideia de mudar o uso dos pneus da maioria dos tratores, colhedoras e demais máquinas que utilizam ainda pneus diagonais por pneus radiais ou Bpaf, e, principalmente, procurar, quando possível, trafegar e permitir pisoteio sobre o solo em condições adequadas de umidade, minimamente na consistência friável.

Charles Echer

.M

Renato Levien e Michael Mazurana, UFRGS

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