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Prefácio

Aobra que estamos submetendo à apreciação pública é fruto de um convívio íntimo com adeptos orientais e com o estudo de sua ciência. É oferecida a todos quantos se disponham a aceitar a verdade onde quer que ela se encontre e a defendê-la, sem medo, dos preconceitos populares. Deve ser considerada uma tentativa de ajudar o estudioso a entender os princípios vitais que subjazem aos sistemas filosóficos antigos.

O livro foi escrito com a máxima sinceridade. Tenciona ainda fazer justiça e contar a verdade sem malícia nem preconceito. Mas não tem consideração pelo erro sancionado nem respeito pela autoridade usurpada. Exige, para as conquistas de um passado espoliado, o crédito que lhes negam há muito tempo. Reclama a restituição de vestimentas subtraídas e a restauração de reputações caluniadas, mas gloriosas. A nenhuma forma de culto, fé religiosa ou hipótese científica foi sua crítica dirigida com outro espírito. Homens e partidos, seitas e escolas são simplesmente ocorrências passageiras do mundo atual: só a verdade, entronizada em sua rocha sólida como o diamante, é eterna e soberana.

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Não acreditamos em “magia” que transcenda a abrangência e a capacidade da mente humana nem em “milagres”, divinos ou diabólicos, caso impliquem uma transgressão das leis da natureza instituídas desde a eternidade. Não obstante, aceitamos as palavras do talentoso autor de Festus [Philip J. Bailey], para quem o coração humano ainda não se revelou por completo e estamos longe de avaliar, ou sequer entender, a extensão de seus poderes. Será ousadia excessiva acreditar que o homem esteja aprimorando novas sensibilidades e estreitando sua relação com a natureza? A lógica da evolução pode nos ensinar muita coisa se, com sua ajuda, tirarmos as conclusões legítimas. Se uma alma evoluiu até certo ponto na linha ascendente que vai do vegetal ou da ascídia ao mais nobre dos homens, dotado de qualidades intelectuais, será pouco razoável inferir e acreditar que uma faculdade de percepção também esteja se aperfeiçoando em nós, capacitando-nos a descobrir fatos e verdades para além de nosso conhecimento comum? Todavia, não hesitamos em aceitar a afirmação de Biffé segundo a qual “a essência é sempre a mesma. Quer talhemos o mármore para encontrar a estátua oculta lá dentro ou, por fora, empilhemos pedras até que o templo fique completo, o novo resultado é uma velha ideia. A eternidade mais recente encontrará na mais antiga a alma gêmea que lhe foi destinada”.

Quando, pela primeira vez, viajamos ao Oriente a fim de explorar os recessos de seus santuários desertos, duas perguntas melancólicas e insistentes oprimiram nossos pensamentos: onde está Deus? Quem é Deus? O que é Deus? Alguém já viu o espírito imortal do homem para garantir que o homem não é mortal?

Foi quando mais nos empenhávamos em resolver esses problemas intrigantes que entramos em contato com algumas pessoas dotadas de poderes tão misteriosos, de conhecimentos tão profundos que podemos, legitimamente, chamá-las de sábios do Oriente. Não hesitamos em ouvir suas instruções. Elas nos mostraram que, combinando ciência e religião,

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a existência de Deus e a imortalidade do espírito do homem podem ser demonstradas como um problema de Euclides. Pela primeira vez tivemos a certeza de que a filosofia oriental só tem lugar para uma fé absoluta e inamovível na onipotência do eu imortal do homem. Aprendemos que essa onipotência se origina do parentesco do espírito do homem com a Alma Universal: Deus! Este, disseram-nos, pode ser demonstrado apenas por aquele.

O espírito do homem prova o espírito de Deus, assim como uma gota de água prova a fonte de que se origina. Se falarmos sobre a existência do oceano a uma pessoa que nunca viu água, ela aceitará essa informação pela fé ou a rejeitará totalmente. Entretanto, se uma gota cair em sua mão, ela terá diante de si um fato a partir do qual todo o resto poderá ser inferido. Depois disso, se conscientizará aos poucos de que existe mesmo um oceano de água, ilimitado e insondável. A fé cega já não será necessária, pois terá sido suplantada pelo conhecimento. Quando vemos um homem mortal revelando imensos talentos, controlando as forças da natureza e abrindo-se para o mundo do espírito, a mente reflexiva é tomada pela convicção de que, se o ego espiritual de um homem pode realizar tantas façanhas, os talentos do Espírito Pai as ultrapassam na mesma medida em que o oceano inteiro ultrapassa a gota em volume e potência. Ex nihilo nihil fit, nada vem do nada: provai a alma do homem por seus maravilhosos poderes e provareis Deus!

Em nossos estudos, descobrimos que mistérios não são mistérios. Nomes e lugares que, para a mente ocidental, tinham apenas um significado oriundo da fábula oriental acabaram se tornando realidades. Com reverência, entramos em espírito no templo de Ísis, para correr o véu “daquela que é, foi e será” em Saís, para ver através da cortina entreaberta do Sanctum Sanctorum em Jerusalém e mesmo para interrogar, no interior das criptas que outrora existiram sob o edifício sagrado, o misterioso Bath-Kol. A Filia Vocis – a filha da voz divina –

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respondeu-nos por trás do véu do propiciatório: e, então, a ciência, a teologia, todas as hipóteses e concepções humanas nascidas do conhecimento imperfeito perderam para sempre, aos nossos olhos, seu caráter de autoridade. O Deus único e vivo falou por intermédio de seu oráculo – o homem – e nós ficamos satisfeitos. Esse conhecimento não tem preço e só esteve oculto daqueles que desdenharam, ironizaram ou negaram sua existência.

Nossa obra é, pois, um convite ao reconhecimento da filosofia hermética, a antiga Religião Universal, como a única chave possível para o Absoluto em ciência e teologia.

O conflito ora em curso entre o partido da consciência pública e o partido da reação já conseguiu dar um tom mais saudável ao pensamento. Dificilmente deixará de resultar na eliminação do erro e no triunfo da verdade. Repetimos: estamos trabalhando em prol de um amanhã mais luminoso.

Bem considerada a amarga oposição que fomos chamados a enfrentar, perguntamos: ao entrar na arena, quem está mais qualificado do que nós a inscrever em nosso escudo a saudação do gladiador romano a César: Moriturus te salutat! (O que vai morrer te saúda)?

Nova York, setembro de 1877 H. P. Blavatsky

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PARTE UM

Ciência

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