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1 Coisas velhas com nomes novos
from Ísis sem véu
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Coisas Velhas com Nomes Novos
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Em algum ponto deste vasto mundo, há um livro antigo – tão antigo que nossos modernos antiquários podem dedicar-lhe um tempo indefinido sem descobrir a natureza do material sobre o qual foi escrito. É o único exemplar original que ainda existe. O documento hebraico mais antigo sobre aprendizado oculto – o Sifra di-Tseniuta (Livro do Mistério Escondido) – foi compilado a partir dele, que na época já era visto apenas como uma relíquia literária. Uma de suas ilustrações mostra a Essência Divina emanando de Adão1 como um arco luminoso que avança para formar um círculo; então, após atingir o ponto mais alto de sua circunferência, a inefável Glória se inclina de novo e volta para a terra, conduzindo o tipo superior de humanidade em seu vórtice. À medida que se aproxima de nosso planeta, a Emanação vai ficando mais e mais sombria, até que, ao tocar o solo, torna-se negra como a noite.
Filósofos herméticos de todos os períodos alegaram ter a convicção, fundada em 70 mil anos de experiência,2 de que a matéria foi com o tempo se transformando, por causa do pecado, em substância mais grosseira e mais densa do que era quando da formação primitiva do
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homem; de que, no começo, o corpo humano apresentava uma natureza em parte etérea; e de que, antes da queda, a humanidade comungava livremente com universos agora invisíveis. Desde então, a matéria se constituiu numa formidável barreira entre nós e o mundo dos espíritos. As mais remotas tradições esotéricas ensinam também que, antes do Adão místico, inúmeras raças de seres humanos viveram e morreram, sucedendo-se uma à outra.
À medida que o ciclo prosseguia, os olhos do homem foram se abrindo até que ele conheceu “o bem e o mal” da mesma forma que os Elohim. Alcançado o ápice, o ciclo começou a descer. Quando o arco atingiu um ponto que o colocou paralelamente à linha fixa de nosso plano terrestre, o homem recebeu da natureza “trajes de peles” e o Senhor Deus “o vestiu”.
Essa mesma crença na preexistência de uma raça bem mais espiritual que a nossa pode ser encontrada nas tradições primitivas de praticamente todos os povos. No antigo manuscrito quíchua Popol Vuh, os primeiros homens são tidos como uma raça que podia raciocinar e falar, dotada de visão ilimitada e capaz de conhecer instantaneamente todas as coisas. Segundo Fílon, o Judeu (De gigantibus [Sobre os gigantes], 2), o ar está repleto de uma hoste invisível de espíritos, uns livres do mal e imortais, outros perniciosos e mortais. “Dos filhos de El descendemos, filhos de El devemos voltar a ser.” A declaração inequívoca do gnóstico anônimo que escreveu o Evangelho de João (1,12), segundo a qual “quantos O receberam”, isto é, seguiram na prática a doutrina de Jesus, “se tornarão filhos de Deus”, aponta para a mesma crença. “Acaso não sabeis que sois deuses?”, exclamou o Mestre. Platão descreve admiravelmente, no Fedro (246C), aquilo que o homem foi e aquilo que voltará a ser, antes e depois da “perda das asas”, quando “vivia entre os deuses, ele próprio divino no mundo aéreo”. Desde as épocas mais remotas, filósofos religiosos têm ensinado que o universo inteiro está cheio de
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seres divinos e espirituais de várias raças. De um deles, no curso do tempo, nasceu Adão, o homem primordial.
As descobertas da ciência moderna não contrariam as velhas tradições, que atribuem uma Antiguidade incrível à nossa raça. Nos últimos anos, a geologia, que só remontava o homem ao período terciário, encontrou provas inquestionáveis de que a existência humana antecede a última glaciação da Europa: mais de 250 mil anos! Problema difícil para a teologia resolver, mas fato aceito pelos filósofos antigos.
Além disso, instrumentos fósseis foram escavados juntamente com restos humanos, mostrando que o homem caçava naquelas épocas remotas e sabia acender fogueiras. Entretanto, o passo seguinte ainda não foi dado na busca da origem da raça; a ciência chegou a um beco sem saída e aguarda futuras provas. Nem geólogos nem arqueólogos são capazes de reconstituir, com base nos fragmentos até agora encontrados, o esqueleto completo do homem tríplice – físico, intelectual e espiritual. Como as ferramentas fósseis do homem, conforme se descobriu, vão se tornando mais toscas e primitivas à medida que a geologia se aprofunda nas entranhas da terra, parece cientificamente provado que, quanto mais perto chegamos da origem do homem, mais selvagem e bruto ele se revela. Estranha lógica! A descoberta de restos na caverna de Devon prova que, em sua época, não havia raças contemporâneas altamente civilizadas? Quando a atual população da Terra houver desaparecido e algum arqueólogo da “próxima raça” do futuro distante escavar os utensílios domésticos de nossas tribos indígenas ou da Ilha Andaman, poderá concluir que a humanidade, no século XIX, estava “começando a sair da Idade da Pedra”?
Quer cheguemos a esse resultado usando o método de Aristóteles ou o de Platão, não devemos nos deter para examiná-lo; mas é fato que as naturezas, interna e externa, do homem foram plenamente entendidas pelos andrologistas antigos. Apesar das hipóteses superficiais da
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geologia, estamos começando a obter provas quase diárias das assertivas desses filósofos.
Eles dividiram os intermináveis períodos da existência humana neste planeta em ciclos; durante cada um deles, a humanidade atingiu aos poucos o ponto culminante da mais alta civilização e, também aos poucos, foi recaindo na mais abjeta barbárie.3 Temos uma fraca ideia das culminâncias a que a raça chegou várias vezes, em seu progresso, pelos magníficos monumentos da Antiguidade ainda visíveis e pelas descrições feitas por Heródoto de outros, dos quais já não restam traços. Mesmo em seu tempo, as gigantescas estruturas de muitas pirâmides e templos célebres no mundo inteiro eram montões de ruínas. Dispersadas pela mão incansável do tempo, são descritas pelo Pai da História como “testemunhas veneráveis da glória imemorial de ancestrais desaparecidos”. Ele prefere “não falar das coisas divinas” e oferece à posteridade apenas uma descrição imperfeita, por ouvir dizer, de algumas maravilhosas câmaras subterrâneas do Labirinto, onde jaziam escondidas – e ainda jazem – as relíquias sacras dos Reis Iniciados.
O véu impenetrável do segredo arcano foi lançado sobre as ciências ensinadas no santuário e, por isso, os modernos depreciam as filosofias antigas. Mesmo Platão e Fílon, o Judeu, foram acusados por muitos comentadores de inconsistências absurdas, embora seja mais que evidente o traçado implícito nas contradições metafísicas tão confusas para o leitor do Timeu.
As especulações desses filósofos a respeito da matéria estavam abertas à crítica pública, mas seus ensinamentos sobre as coisas espirituais eram profundamente esotéricos. Obrigados por juramento à discrição e ao silêncio religioso no tocante a assuntos complexos que envolviam as relações entre espírito e matéria, rivalizavam entre si na descoberta de métodos engenhosos para ocultar suas verdadeiras opiniões.
A doutrina da metempsicose foi largamente ridicularizada por homens de ciência e rejeitada por teólogos; mas, caso a tivessem
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compreendido bem em sua aplicação à indestrutibilidade da matéria e à imortalidade do espírito, eles a veriam como uma concepção sublime. Não deveríamos primeiro examinar o assunto do ponto de vista dos antigos, antes de desautorizar levianamente seus mestres? A solução do grande problema da eternidade não depende nem da superstição religiosa nem do materialismo grosseiro.
Se a metempsicose pitagórica fosse meticulosamente explicada e comparada com a moderna teoria da evolução, sem dúvida se descobririam todos os “elos perdidos” na cadeia dessa teoria.
Nenhum filósofo de grande notoriedade deixou de cultivar a doutrina da metempsicose tal qual ensinada em seu sentido esotérico pelos brâmanes, os budistas e, mais tarde, os pitagóricos, fosse ela expressa com maior ou menor inteligibilidade. Orígenes e Clemente de Alexandria, Sinésio e Calcídio acreditavam nela; e os gnósticos, que a história considera sem hesitar um grupo de homens superiormente argutos, doutos e iluminados, eram todos crentes na metempsicose. As opiniões de Sócrates lembravam muito as de Pitágoras – e ambos, como castigo de sua divina filosofia, tiveram morte violenta. O vulgo foi sempre o mesmo em todas as épocas. O materialismo nunca viu e nunca verá as verdades espirituais. Esses filósofos ensinavam, como os hindus, que Deus infundiu na matéria uma porção de seu próprio Espírito Divino, dando assim animação e movimento a cada partícula. A seu ver, o homem tem duas almas, separadas e diferentes por natureza: uma perecível (a alma astral ou corpo interior, fluídico) e a outra incorruptível e imortal (a augoeides ou porção do Espírito Divino); a alma mortal ou astral sucumbe a cada mudança gradual, na entrada de cada nova esfera, purificando-se a cada transmigração. O homem astral, intangível e invisível aos nossos sentidos mortais e terrenos, é ainda constituído de matéria, mas de matéria sublimada.
Mas a excessiva dependência de fatos físicos levou ao fortalecimento do materialismo e, consequentemente, à decadência da
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espiritualidade e da fé. Na época de Aristóteles, era esse o tipo de pensamento que prevalecia. E embora o preceito délfico não tivesse sido completamente eliminado da filosofia grega e alguns pensadores ainda assegurassem que, “para saber o que o homem é, cumpre saber o que o homem foi”, o materialismo já começava a sacudir as bases da fé. Os próprios Mistérios haviam degenerado, ao extremo, em meras especulações sacerdotais e fraude religiosa. Poucos eram os verdadeiros adeptos e iniciados, os herdeiros e descendentes daqueles que haviam sido dispersados pelas espadas conquistadoras dos inúmeros invasores do antigo Egito.
O tempo profetizado pelo grande Hermes em seu diálogo com As clépio de fato chegara: o tempo em que estrangeiros ímpios acusariam o Egito de adorar monstros e fariam com que dele só restassem letras gravadas na pedra de seus monumentos – enigmas insondáveis para a posteridade. Os escribas sagrados e os hierofantes agora erravam pela face da Terra, obrigados, pelo medo da profanação dos santos mistérios, a buscar refúgio entre as fraternidades herméticas – conhecidas como essênios. O conhecimento esotérico estava sepultado mais fundo que nunca. O estandarte triunfante do discípulo de Aristóteles (Alexandre, o Grande) varreu de seu caminho de conquista todos os vestígios de uma religião outrora pura; e o próprio Aristóteles, típico representante de sua época, embora versado na ciência secreta dos egípcios, pouco conhecia dos imponentes resultados de milênios de estudos esotéricos.
Assim como aqueles que viveram nos dias dos Psaméticos, nossos filósofos atuais “ergueram o Véu de Ísis” – porque Ísis é, pura e simplesmente, o símbolo da natureza. Contudo, eles só enxergam suas formas exteriores. A alma que está lá dentro escapa a seu olhar e a Divina Mãe não tem nada a lhes dizer.
Nossa moderna ciência reconhece um Poder Supremo, um Princípio Invisível, mas nega um Ser Supremo ou Deus Pessoal. Sem dúvida, a diferença entre ambos pode ser questionada, já que nesse caso o Poder
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e o Ser são idênticos. A razão humana mal consegue imaginar um Poder Supremo Inteligente sem associá-lo à ideia de um Ser Inteligente. Não se pode esperar que as massas tenham uma concepção clara da onipotência e da onipresença de um Deus Supremo sem conferir esses atributos a uma gigantesca projeção de sua própria personalidade. Os cabalistas, porém, nunca contemplaram o AIN SOPH invisível senão como Poder.
Pouquíssimos cristãos entendem ou mesmo conhecem a teologia judaica. O Talmude é o mais intricado dos enigmas até para a maioria dos judeus e os estudiosos hebreus que o compreendem não alardeiam seu conhecimento. Os livros cabalistas são ainda menos compreendidos por eles, já que, em nossos dias, há mais eruditos cristãos que judeus empenhados na elucidação de suas grandes verdades. Pois a cabala oriental ou universal é, em definitivo, menos conhecida ainda! Seus adeptos são poucos, mas esses herdeiros escolhidos dos sábios que primeiro descobriram “as verdades estelares, fulgurantes no grande Shemaia da tradição caldaica”4 solucionaram o “absoluto” e agora descansam de seu pesado labor. Não podem ir além do que é dado aos mortais desta terra conhecer; e pessoa alguma, nem mesmo esses eleitos, deve ultrapassar a linha traçada pelo dedo da própria Divindade.
Viajantes encontraram esses adeptos nas margens do Ganges sa grado, passaram por eles nas ruínas silenciosas de Tebas e nas misteriosas câmaras desertas de Luxor. Nesses saguões, onde signos estranhos, inscritos nas abóbadas azuis e douradas, chamam a atenção de visitantes, que nunca percebem seu sentido, eles foram vistos, mas raramente reconhecidos. Memórias históricas registraram sua presença nos salões brilhantemente iluminados da aristocracia europeia. Foram vistos de novo nas áridas e desoladas extensões do enorme Saara, bem como nas cavernas de Elefanta. Na verdade, podem ser encontrados em toda parte, mas só se deixam conhecer por aqueles que devotaram suas vidas ao estudo desinteressado e provavelmente jamais agirão de outra maneira.
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