LITERATURA BRASILEIRA PARA O MUNDO Florianópolis, SC – Fevereiro/2019 – Número 03 – Edições A ILHA – Ano 01
SARAMAGO EM SÃO PAULO, EM 2000 CANUDOS NUMA VISÃO MODERNA
A DOCE CORA CORALINA CRUZ E SOUSA: DA VIDA OBSCURA AO TRIUNFO SUPREMO
SUMÁRIO
O SONHO.................................... 27
EDITORIAL.................................. 3
TATEIO...................................... 28
INFINITO...................................... 4
COBRA NORATO
O ACORDO ORTOGRÁFICO
(TRECHO DA OBRA).................. 29
EM PORTUGAL........................... 5
BEM NO FUNDO......................... 30
REALIZANDO SONHOS................ 7
O RELÓGIO................................ 31
VENTO QUE VEM...................... 10
SOB O CRUZEIRO DO SUL......... 32
SUAVEMENTE........................... 11
EM MARÇO, NOVA EDIÇÃO
DUPLA INCONTESTÁVEL......... 12 MUNDOS SOMBRIOS................. 15 SARAMAGO EM SÃO PAULO... 16 A CAMINHO DA RODOVIÁRIA.. 19 RUAS DA MINHA INFÂNCIA..... 20
NO AR!........................................ 33 ALMA SADINA........................... 34 MÁRIO VARGAS LLOSA........... 35 PÁSSARO AZUL......................... 39 CRUZ E SOUSA: DA VIDA OBSCURA AO TRIUNFO
A SALA....................................... 21
SUPREMO.................................. 40
UMA ROGATIVA........................ 22
VIDA........................................... 45
CORA CORALINA: POETA
PEDAGOGIA DA ESTÉTICA...... 46
E CONTADORA DE HISTÓRIAS........................... 23 PEQUENA BIOGRAFIA
ENCONTRO COMIGO................. 48 LUA CHEIA................................ 49
DE UMA GRANDE POETA......... 23
FLOR.......................................... 50
A DOCE CORA CORALINA......... 24
PÂNICO...................................... 51
ENCONTRADOS TEXTOS
CANÇÃO DA GAROA................. 52
INÉDITOS DE
ELE, ELA E A OUTRA................ 53
CORA CORALINA...................... 25
DISFARCE.................................. 55
AS CORES DA POESIA............... 26
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EXPEDIENTE Literatura brasileira para o mundo Edição número 03 – Fevereiro/2019 Publicação das Edições A ILHA Grupo Literário A ILHA Florianópolis, SC Editor: Luiz Carlos Amorim Contato: revisaolca@gmail.com Grupo Literário A ILHA na Internet: http://www.prosapoesiaecia. xpg.uol.com.br
Todos os textos são de inteira responsabilidade dos autores que os assinam. Contate com a redação pelo e-mail revisaolca@gmail.com para publicar conosco. Veja a página do GRUPO LITERÁRIO A ILHA – ESCRITORES DO BRASIL no Facebook, com textos literários, informações literárias e culturais e poemas e a edição on line, em e-book, desta revista.
EDITORIAL ESCRITORES DO BRASIL PARA O MUNDO A revista Escritores do Brasil está chegando aos quatro cantos do mundo e está fazendo o seu papel, qual seja o de fazer com que a produção do escritor brasileiro seja lida por falantes da língua portuguesa em qualquer parte do planeta. E iniciamos o ano com mais uma edição da revista, repleta de boas leituras. Muita poesia, crônica, conto, ensaio, entrevistas, resenhas… E ainda temos espaço para trechos de obras de maior envergadura e literatura infantil. Convidamos os leitores a entrarem em contato conosco dizendo o que acharam da revista, o que gostaram, o que não gostaram, o que gostariam de ver na revista. Poderemos abrir uma seção de leitores, que tal? O e-mail para contato é revisaolca@ gmail.com . A revista é feita pelo leitor, pois o escritor que participa também é leitor. Então continuem nos contatando, enviem suas mensagens dando opiniões, criticando e peçam as instruções para participar da próxima edição, que já estamos colocando mãos à obra para a seleção de trabalhos que comporão a edição quatro de ESCRITORES DO BRASIL. O Editor
Visite o Portal do Grupo Literário A ILHA:
PROSA, POESIA & CIA
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POESIA
LUIZ CARLOS AMORIM INFINITO O infinito sou eu. Trago o universo em meu coração, sou ser, sou sol, sou céu. E minha alma se perde dentro dessa imensidão. Eu sonho o meu destino num futuro que já vem. Eu revivo o passado e a saudade levanta a voz, grita alto, esperneia, memória revisitada. Minha cúmplice, a solidão, me reinventa o presente e construímos a paz, pequeno embrião, que se multiplicará. E me divido, me reparto, em presente, passado, futuro: sou eu, sou nós, sou todos, sou tempo, sou espaço, sou vida, sou tudo. Todos somos tudo…
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ARTIGO
LUIZ CARLOS AMORIM O ACORDO ORTOGRÁFICO EM PORTUGAL Escrevi e publiquei o texto abaixo em 2014, mas volto a publicá-lo porque chego mais uma vez, este ano, em Portugal, esta terra fantástica, e encontro manifestações do povo contra o Acordo Ortográfico de 1990, adotado no Brasil a partir de 2016. Em Portugal ele teria sido adotado em 2009, mas há polêmica quanto a essa data, em razão da não publicação em tempo hábil do Diário Oficial de Portugal. Mas a verdade é que o Acordo nunca foi totalmente assimilado no país, pois a maioria não quer mudar a maneira de falar nem de escrever. E os portugueses pedem para revogar o documento, com a Iniciativa Legislativa de Cidadãos Contra o Acordo Ortográfico, tendo conseguido já o número de assinaturas necessárias para encaminhá-la.
ter melhorado o acesso do livro português no mercado brasileiro, me chama muito a atenção: “Ao estabelecer uma ortografia unificada, o acordo ortográfico iria facilitar a circulação do livro português no Brasil. E a circulação de livros de um país lusófono nos outros. Este foi, entre muito outros, um dos argumentos brandidos em favor da sua aplicação. Agora que, tanto em Portugal como no Brasil, boa parte das editoras adoptaram o acordo, essa promessa começa já a concretizar-se? A resposta parece ser negativa.” O texto é de
Então, bem antes disso, um artigo, muito interessante, sobre o fato de o Acordo Ortográfico e a Unificação da Língua Portuguesa – essa pretendida “unificação” não tem como ser levada a efeito - não
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origem portuguesa, está num apanhado de clips sobre livro e literatura, mas não identifica o órgão publicador. Uma afirmação de Pedro Benard da Costa, da legendadora portuguesa Cinemateca, fecha o texto – que não é pequeno, com depoimentos de editores e livreiros portugueses: “A construção gramatical é completamente diferente e há muitas palavras que não têm o mesmo sentido cá e lá.” Pois venho escrevendo sobre isso há anos, ponderando que
o Acordo Ortográfico não significa que haverá, automaticamente, uma unificação da língua portuguesa em todos os países onde ela é falada. Existem muitas palavras que têm significado diferente aqui e em Portugal, por exemplo, mas é possível que isso aconteça na comparação com outros países, como Cabo Verde, Angola, etc. Lá fora existem muitas palavras que não são usadas aqui e vice-versa. Uma alteração quase que exclusivamente de acentuação não resolveria as diferenças de significação, o que não inviabiliza a leitura dos livros portugueses no Brasil. O que incomoda é a pretensão de alguns dos promotores do acordo em querer que o português seja exatamente o mesmo, independente do país onde ele é falado. Se até dentro do mesmo país, há
diferenças na maneira de falar o português – isso acontece no Brasil -, como esperar que a língua seja a mesma em vários países onde ela é a língua oficial, tão distantes uns dos outros? A linguística existe e vai continuar existindo sempre, não há como ser diferente. Tenho lido vários autores portugueses, como José Luís Peixoto, Gonçalo M. Tavares, Miguel Torga, Saramago, o angolano Valter Hugo Mãe, angolano que vive em Portugal, Agualusa, outro angolano, Mia Couto, moçambicano que também vive em Portugal - e não tenho tido dificuldade na compreensão dos textos, apesar de serem livros publicados em Portugal e, por isso, conter palavras desconhecidas. O contexto permite que se entenda per-
feitamente o assunto. Não tenho dicionário português que não seja o nosso aqui do Brasil, mas posso pesquisar na internet, se for o caso. Aliás, como já sabemos através dos clássicos portugueses mais conhecidos no Brasil, Pessoa e Camões, a literatura portuguesa é rica e de qualidade. Quem conhece os autores contemporâneos citados acima sabe do que estou falando, pois são autores consagrados em Portugal, com obra extensa e largamente premiada. Vale a pena conhecer. O português não é exatamente o mesmo que o nosso, há diferenças, sim, mas não há necessidade de tradução para publicação da obra de autores portugueses aqui, porque a compreensão é completamente possível.
REVISÃO DE TEXTOS E EDIÇÃO DE LIVROS Da revisão até a entrega dos arquivos prontos para imprimir. Contato: revisaolca@gmail.com •6•
ENTREVISTA
JACQUELINE AISENMAN REALIZANDO SONHOS PERGUNTA: Você publicou poesia ainda morando em Laguna. Já residindo em Genebra criou o site Coracional e veio também o livro com o mesmo nome. Em seguida veio o Varal do Brasil, com sua revista, suas antologias, os novos livros. Muitas realizações, não? JACQUELINE–Posso dizer que passei minha vida realizando sonhos. O sonho do primeiro livro, confeccionado artesanalmente e em Laguna, ainda quando lá residia; e outro sonho ao voltar a ter um encontro semelhante mais de vinte anos depois, com o lançamento do livro Entre os Morros da Minha Infância, também em Laguna. O livro Coracional foi um marco na minha vida. Editado em 2007, foi uma espécie de “desabafo” na vida e para a vida de muitas dores, tristezas e sonhos guardados. Como seu lançamento ocorreu alguns meses antes do falecimento de minha mãe e de meu
pai, foi como se, na realidade, tudo estivesse para sempre ali, materializado naquelas 400 páginas... O sonho de continuar escrevendo através de meu blog Coracional e de ter escrito e editado mais de dez livros contribuiu para ser quem sou hoje. Com o Varal do Brasil tornei realidade algo que habitava em mim e que eu não sabia ainda ser capaz de realizar: fazer mais emocional a intelectual literatura e unir e divulgar autores de Língua Portuguesa aqui no exterior. Foram sete anos de revista, mais de mil autores editados, cinco participações no Salão Internacional do Livro e da Imprensa de Genebra (fomos os primeiros brasileiros inde-
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pendentes a montar um estande nesta Feira Internacional) e as seis antologias com os mais diversos autores. Hoje, com quase 30 anos de Suíça, posso afirmar que me realizei pessoal e profissionalmente. PERGUNTA: Como você vê iniciativas de grupos como o Grupo Literário A ILHA, que com sua revista, seu portal na internet, sua editora, tem divulgado a literatura de Santa Catarina e do Brasil, publicando novos autores e autores consagrados, há quase quarenta anos? JACQUELINE – Para mim estas iniciativas são de grande importância e me causam uma imensa alegria vê-las vitoriosas
dia após dia. O Grupo Literário A ILHA é um exemplo a ser seguido e mereceria ser ainda mais divulgado e destacado por tudo o que já fez e faz pelo universo literário. Admiro pessoas que se agrupam em torno da literatura e a levam cada vez mais longe, numa união de culturas e continentes. Estas pessoas devem receber nossa gratidão e deveriam ser bem mais valorizadas. Seria muito importante se houvesse meios de apoiar financeiramente estes projetos para que pudessem ter a oportunidade de crescer, divulgar a literatura e, principalmente, criar diversidade e oportunidades num setor onde muitos ainda são esquecidos ou obscurecidos pela falta de meios. Tenho prazer em acompanhar os amigos que seguem divulgando a arte literária e meu desejo é de vê-los alcançando sucesso em suas realizações, iluminando o caminho para que surjam cada vez mais revistas, livros, clubes literários, tertúlias, enfim, eventos que alcancem o fundamental objetivo de mostrar como nossa Língua Portuguesa é bela e como é importante sua divulgação.
e os frutos são maravilhosos! Me emociono com isto. Vejo autores com seus talentos desabrochados, revistas, eventos, uma network literária que se formou e não se desfez mais, apenas cresceu. Há dois anos me retirei da vida literária pública por motivos de saúde. Tive um AVC e, com ele, sequelas que me impedem de levar a mesma vida de antes. Mas não reclamo. Creio que fiz minha parte com todo esforço e carinho possíveis e o sucesso está JACQUELLINE – O Varal solto por aí nas vitórias do Brasil foi uma fase dos que continuam e no importante na minha vida meu coração. Então, nesta minha nova vida, aproveito para ler, escrever em meu blog e viver plenamente a vida com a família e os amigos. Mais ainda agora que estou residindo entre a Suíça e Portugal! PERGUNTA–Por motivos alheios a sua vontade, teve que interromper a atividade excepcional de divulgar a literatura brasileira fora do Brasil, que fazia através da revista Varal do Brasil, das participações no Salão Internacional do Livro de Genebra (Suíça) e das antologias publicadas ao longo de anos profícuos de árduo trabalho. Foi uma semente lançada que está rendendo frutos. Há possibilidade de retomar essas realizações de tanto sucesso?
PERGUNTA–Quanto a sua produção literária em carreira solo, o que mais a provoca ou inspira? Você continua escrevendo, graças a Deus, portanto poderemos esperar muito mais de sua lavra. Poderia nos contar um pouquinho sobre esse processo de criação e o que está já armazenado?
e na vida de muitos que me acompanharam. Foram sete anos de muito trabalho, mas, principalmente, de uma sensação de dever cumprido. Como você cita, Não sei exatamente como o Varal lançou sementes funcionava meu processo
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de criação. Mas poderia dizer que como qualidade (ou defeito?) sempre fui c o m p u l s i v a . E s c re v i a muitas vezes sem parar durante horas, às vezes até demais! Escrevia na rua, no ônibus, em consultórios médicos, nas pausas do trabalho, em qualquer lugar. Como inspiração poderia falar simplesmente que me inspiro nas pessoas. Gosto de observar as pessoas, fotografá-las com meus olhos, imaginar suas vidas, sentir a energia que emana de seus rostos, seus gestos. Sobre gêneros, nunca tive um preferido, gosto de escrever de tudo. Tive uma fase de histórias curtas (Lata de Conserva, Briga de Foice, O Silêncio Alheio). Escrevi também várias crônicas e inúmeros poemas que podem ser lidos nos livros Coracional, Pintura Ingênua, Sentimentos Confiscados, Entre os Morros da Minha Infância, Poesias nos Bolsos... Tenho até um pequeno livro de frases, Palavras Para o Seu Coração. Hoje escrevo bem menos, até porque dou preferência a várias outras atividades. Não tenho pretensão de editar mais livros, mas continuarei postando no blog Coracional (www. coracional.com) e no Insta-
PERGUNTA: Você foi premiada pela Academia Catarinense de Letras pelo seu livro Lata de Conserva. Sei que isso não muda a nossa maneira de escrever, mas o reconhecimento pela obra é importante, não é? E a crítica, influencia o seu fazer literário?
Senti o dever de continuar me entregando da forma mais sincera aos meus leitores. Quanto às críticas de forma geral, todo autor espera que o leitor aprecie o que ele escreveu, embora deva-se compreender que ninguém jamais agradará a todos. Mas, sou muito agradecida, sempre recebi muitas críticas positivas. Isto para mim foi um reconhecimento que, bem mais do que qualquer prêmio físico, recebo ao longo dos anos como um profundo afago no coração. E sobre a leitura de críticas sobre livros de outros autores, em geral leio após ter feito minha leitura e ter formado minha própria opinião. Minha maneira de “dialogar” com os livros, de compreendê-los melhor.
RESPOSTA – Sou reconhecida à Academia Catarinense de Letras pelo prêmio de Melhor Livro de Contos por meu livro Lata de Conserva. Foi uma grande surpresa quando o recebi e com certeza me deixou imensamente feliz. Como escritora, foi como se tivesse recebido um “empurrão” do bem, que me fez escrever com mais vontade ainda. E, claro, senti a responsabilidade.
Agradeço a ti, Luiz Carlos Amorim, pelo convite para esta entrevista e gostaria de dizer mais uma vez o quanto te admiro e o quanto tenho orgulho de ver um conterrâneo, brasileiro e catarinense, ter uma carreira literária persistente e brilhante. Só posso desejar a ti, como escritor e editor, cada vez mais sucesso em todos os teus projetos.
gram @coracional.
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POESIA
MAURA SOARES VENTO QUE VEM Vento como um furacão, destrói casas, mas não o coração de quem, com esperança, aguarda o seu Amor. Este vento destruiu parte da Ilha, ruas, veredas e muitas trilhas, ajudado pela maré alta. Batendo nas vidraças com fúria, pessoas assustadas com as águas, ruas alagadas, trânsito parado, noite de terror. Casas nas encostas a deslizar, levando pertences da população. O vento vem com remoinho levando tudo pelo caminho. Vem a madrugada e numa forte lufada leva mais coisas embora, deixando a mãe que chora a perda de seus haveres, o filho pra cuidar, muitas bocas para alimentar. Com a força da maré o mar chega e destrói. Nas casas à beira da praia vem com tudo e corrói abalando os alicerces. Um verdadeiro temporal deixando a cidade em polvorosa, choros, tristezas; o vento vem e vai. O dia amanhece. O vento acalma. A esperança cresce para aplacar a dor. (19.5.2010)
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POESIA
LORENA ZAGO SUAVEMENTE Suave! Suave é a sonoridade musical Que se desprende do contexto e no meu entorno. Ouço-a e vislumbro a pureza instaurada no cenário. Suas notas emitem sensações de harmonia. Convidam a flutuar ao encontro da paz. Na frequência das ondas vibracionais, Sutis energias mesclam-se graciosamente. A serenidade transmuta-se em sentires De calmaria, leveza e equilíbrio, E vai ao encontro do mais intrínseco sentimento De paz, serenidade e amor. A delicadeza emana em suaves emoções, Sensações tão meigas, serenas e amenas! Sensíveis manifestações apontam o caminho Que leva à luz e à calidez transparente, Onde só o amor pode habitar. Alma e aura se complementam, Iluminando o Ser a meditar... Longe, muito ao longe... A suavidade a emanar.
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CRÔNICA
MARIA TERESA FREIRE DUPLA INCONTESTÁVEL Parceria estabelecida. Por todos desejada. Com muito desejo, mesmo. De deixar água na boca! Uma questão de tradição. Repassada de geração em geração. Aceita por todos. Aprovada, requisitada e às vezes venerada. Nunca esquecida.
situações, é aprovada totalmente sem preconceitos, sem divisão de classes. É, na realidade, promulgada pela humanidade ou, ao menos, por grande parte dela, como uma dupla quase incomparável de agrado geral. Incontestável e indubitavelmente um dos Presente em várias pares mais populares.
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Essa dupla atua geralmente à tarde ou à noite. Depende das escolhas, possibilidades, vontades, interesses. Alguns fanáticos não ficam sem a dupla por longo tempo. Sábado e domingo ela não tem folga. É demandada, exigida por crianças, jovens e
deles, iniciou-se esse relacionamento, primeiramente tímido, mas com a sua popularização adensou-se essa inteiração de tal forma, que atualmente um não vive sem o outro. Eternos companheiros, eternos parceiros. adultos. Na presença dessa dupla alguns capricham na vestimenta, um enfeite, um adorno, um cuidado a mais, pois vão a algum outro lugar. Com a dupla. Outros não se preocupam. A indumentária não é o importante. Mas, a dupla sim. Tem que ser bem apresentada. Deve ser interessante. Quem prepara um dos componentes, faz com carinho. Quem cria o outro é inteligente e se preocupa com a opinião pública. Um deles tem sua fama e preferência estabelecida. O outro depende do gosto popular. Por isso tem que ser ‘bem bolado’, atrair adeptos e opinião favorável.
Essa dupla imbatível não começou suas atividades ao mesmo tempo. Um dos componentes é bem antigo, surgido há mais de mil anos, dizem. No século XIX, foi mais difundida e participava da diversão popular com muito sucesso. O outro componente é mais recente, mas também apareceu no final do século XIX e causou comoção nas pessoas em geral. Todos queriam vê-lo, apreciá-lo. Passou a ser uma novidade de apreciação geral. No início da existência dos dois, não eram famosos como dupla. Viviam separados, se é que algum deles vivia. Com a era moderna e o período áureo de um • 13 •
De quem ou do que vocês pensam que estou relatando? Vocês pensam que estou comentando sobre algum casal famoso, sobre alguma história de amor inconcebível entre dois seres humanos inteira e totalmente amados, em que nenhuma partícula de seus corpos e mentes fica fora dessa união perfeita? De alguma paixão avassaladora e totalmente impossível que perdurou décadas, passando para o século seguinte, em que todos suspiravam ao acompanhar aquele amor incomparável? Ou de algo sumamente valioso que transcende qualquer valor material e alcança valor incon-
cebível em moeda pipoca. Alguém pode sonante? negar essa paixão? Ou dizer que nunca Ledo engano ! esteve com os dois? Quem assiste filme Estou me dedicando sem pipoca? Haverá de coração ao cinema alguns, mas a maioria e à pipoca ou filme e esmagadora confirma
essa tremenda parceria de sabor e distração! Se puderem, me desmintam!
LEIA o Blog CRÔNICA DO DIA
Em http://lcamorim.blogspot.com.br Literatura, arte, cultura, cotidiano, poesia. Todo dia um novo texto: um conto, uma crônica, um artigo, um poema. Leia e comente. Sua opinião é importante para que possamos melhorar o conteúdo.
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POESIA
ROBERTO MALOPER MUNDOS SOMBRIOS Estive em mundos sombrios Calafrios Caçando seu abraço Cansaço Sou fantasma noturno Soturno Sinto seu cheiro Seus cabelos atrás do nevoeiro Voltarei mundos sombrios Desafios Não quero, meu amor Te expor Minha flor Insano Eu te amo Sinto sua dor...
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ENTREVISTA
SARAMAGO EM SÃO PAULO No domingo, dia 3 de a Cegueira" e "Todos os dezembro de 2000, quando Nomes". vinha do aeroporto de Guarulhos para São Paulo, José "É como se eu tivesse andado Saramago viu algo que a descrever uma estátua. Ela "julgava impensável". Sobre é apenas a superfície da uma casa modesta, um pedra. A partir de "Ensaio letreiro anunciava: "Igreja sobre a Cegueira", eu deixei de Cristo. Fundada em de descrever os horrores Jerusalém no ano 30 d.C.". ou as belezas dessa estátua e passei para o interior "Vivemos mesmo na cav- dela. É como se eu quisesse erna", pensou o escritor passar para dentro do português. indivíduo. Voltei-me para as indagações que o homem Chegou o dia de São Paulo se faz desde que começou a ter seu "Abre-te, Sésamo". pensar. Quem diabos somos Depois de passar por 14 nós?", indagou-se o escritor. cidades portuguesas, por Angola e Moçambique e por Na entrevista a seguir, SaraBelo Horizonte, Saramago mago fala sobre algumas explicou, no teatro do Sesc características que encontrou Pompéia por que acredita nesse mergulho ao interior que estamos todos em uma das estátuas. Ataca a glogrande gruta. balização, fala sobre Harry Potter, comenta o "Brasil, o Ele esteve lançando "A Cav- país do presente", relembra erna", o primeiro romance a "inacreditável" igreja que que escreveu depois de encontrou nos seus privencer o Prêmio Nobel, em meiros momentos no Brasil 1998. e explica como sairemos da caverna: "Dando trabalho à Com a obra, o autor fechou cabeça. Pensando, oras". a "trilogia involuntária" que começou com "Ensaio sobre Pergunta – Por que a essa
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altura de sua carreira, tendo vendido milhões de livros e vencido o Prêmio Nobel, o sr. ainda se submete a maratonas de lançamento como essa de "A Caverna"? José Saramago – Não creio que já fosse necessário, nessa altura da vida e do meu trabalho, andar a correr o mundo como uma espécie de caixeiro-viajante a vender aquilo que faz. O que acontece na minha vida é que sempre tive uma participação constante na vida social e política em Portugal. A partir de uma certa altura, sobretudo a partir de "O Memorial do Convento", de 1982, isso tudo se ampliou até chegar ao Nobel e ao ponto em que estamos. Nunca considerei que o êxito literário me devesse afastar de um procedimento que foi sempre o meu, o de fazer intervenções na vida. Mesmo com algum prejuízo, não só do meu descanso, como da própria regularidade do meu trabalho, eu prefiro essa incomodidade a encerrar-me, para usar uma velha
expressão, em uma torre de agradável ou não, não marfim, dizendo que não sabemos. tenho nada com o mundo. Pergunta – Seria essa Pergunta – O que faz com praia na ilha que o senhor que o senhor prefira o exte- criou em "O Conto da Ilha rior da torre? Desconhecida"? Saramago – Depois do prêmio, tanto do plano material como do plano de difusão mundial de um nome e uma obra, pude decidir finalmente a ficar em casa. Mas continuei com o mesmo tipo de participação. Se corro tanto de um lado para o outro é porque também cheguei a outra conclusão, talvez a mais importante. Os meus leitores, além de gostarem dos livros que faço, gostam da pessoa que os escreveu. Isso é razão mais do que bastante para que eu vá até eles. Pergunta – O senhor disse que acha importante fazer intervenções. Que tipo de intervenções o senhor pensa fazer aqui no Brasil? Saramago – Neste momento não há como falar em Brasil, em Portugal ou em Itália. Hoje está-se a falar do mundo, que está todo envolvido em um processo, do qual não se pode escapar. Vamos arrastados pela mesma vaga em direção à mesma praia. Se ela será
Saramago – Era bom se fosse. Essa ilha é uma metáfora da necessidade de fazermos a nossa própria
de totalitarismo, não estarei filosoficamente longe da realidade. Pergunta – Outro aspecto bem comentado da globalização é o sucesso mundial dos livros de Harry Potter. Se tudo correr como nos livros anteriores do senhor, "A Caverna" estará logo ao lado desse outro mago
viagem em direção a nós na lista dos mais vendidos próprios. Infelizmente não no Brasil. Como o senhor creio que seja essa a ilha. encara o fenômeno? Estamos falando de globalização econômica, do cap- Saramago – Não li nenhum italismo autoritário. Muita dos livros da série. Mas gente vai estranhar o termo, até onde sei, não são muito mas me parece claro que se diferentes de um tipo de eu disser que a globalização livro com êxito antes, como econômica pode ser enten- "O Senhor dos Anéis". Tem dida como uma nova forma também essa espécie de
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falso medievalismo, com castelos misteriosos e bruxas. Isso responde a uma ansiedade que é visível até, digamos, na multiplicação das seitas. Demonstra, claro, uma necessidade de sobrenatural. Isso me lembra que, quando vinha do aeroporto para cá, passava distraído em uma avenida e vi uma casa com um letreiro que dizia algo que eu julgava impensável, de modo que as possibilidades de que as coisas aconteçam são quase infinitas. Dizia: "Igreja de Cristo. Fundada em Jerusalém no ano 30 d.C.". Isso mostra que a capacidade de engano de uns e a disponibilidade de ser enganado de outros juntas permitem as mistificações mais absurdas que se pode imaginar. Alguém fundou um igreja chamada Igreja de Cristo e declara ali que foi fundada por Jesus quando ele estava vivo, pois ao que parece ele morreu com 33 anos. Portanto teria fundado uma igreja em vida que só uma pequena parte do povo brasileiro estaria conhecendo.
há mudanças. A deslocação para a esquerda que vem ocorrendo aqui trará efeitos práticos para os cidadãos. Mas deve ser dito que é Saramago – Vamos apenas claro que nem tudo que se reunir a família, comer e promete se cumpre. beber algumas coisas. Não estaremos orando. Não Pergunta – O brasilianista teremos lá um presépio. São Thomas Skidmore disse que tolices que se convertem em o Brasil deixou de ser o país festas. Da mesma maneira do futuro para ser o do preque o cristianismo criou o sente. O que o senhor pensa Natal aproveitando-se de disso? uma época de festividades do calendário romano. São Saramago – Essas frases ocupações de terreno. que às vezes dizemos são frases que ficam bem e que Pergunta – O senhor diz que têm, com certeza, uma parte parou de fazer os "Cadernos de verdade. Mas devemos de Lanzarote", livros em que notar que se o Brasil é o anotava as suas lembranças país do presente, também do dia-a-dia. Que tipo de o será do futuro. Pior seria lembranças o senhor gostaria se o Brasil fosse um país do de poder levar desta viagem passado e que não tivesse ao Brasil? viabilidade nem no presente nem no futuro. O fato é que Saramago – Além da Igreja esses conceitos de tempo, de Cristo ainda tenho pouco do futuro e do presente, são a dizer. Mas percebo que bastante vagos. da conversa que voltará a Lanzarote antes do Natal. Como o senhor se relaciona com o Natal?
Pergunta – O senhor é um ateu convicto e disse antes
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CRÔNICA
EDLTRAUD ZIMMERMANN FONSECA A CAMINHO DA RODOVIÁRIA A caminho da rodoviária fui curtindo com muito amor o meu Rio de Janeiro, cada centímetro que me separava de casa! O Rio é lindo! Aberto, iluminado, bares aconchegantes e românticos na beira da praia, onde você pode ir simplesmente tomar uma Coca-Cola e desfrutar da glória suprema da obra de Deus: a orla marítima da zona sul. Sabia que grande parte do meu coração estava
fincado, enraizado ali.
saber o porquê.
Lembranças doces e lindas da infância e da juventude. Amigos que me amavam e respeitavam. Sabia que a minha permanência no Rio de Janeiro , neste longo período , deixara uma marca: o amor! Nunca pude saber ao certo porque deixara toda aquela exuberância mágica para viver em São Paulo, tão corrida, escura, fria e densa: onde todos correm... Correm sem
Ao Chegar em minha casa às cinco horas da manhã da segunda-feira, recebi as respostas às perguntas que fazia todos esses anos, nos abraços e beijos dos meus filhos e do meu marido, ainda sonolentos!
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“Nada será mais lindo do que aquilo que guardamos dentro de nós.”
CRÔNICA
EDLTRAUD ZIMMERMANN FONSECA RUAS DA MINHA INFÂNCIA Era feriado e uma das pistas da Av. Vieira Souto, em Ipanema, estava fechada para que as pessoas caminhassem em segurança. Surpreendeu-me a quantidade de participantes que lotavam a pista, além da ciclovia e por toda a sua extensão. Fotografei o Colégio São Paulo, onde estudei em 1946 como aluna externa. Está maravilhoso, ampliado e moderno. Ocupa o quarteirão da Rua Joaquim Nabuco e um da Vieira Souto. O coração bateu forte; lembrei-me do Padre
Luís , que todas as manhãs rezava a missa em latim para as alunas antes de entrarmos na sala de aula . Caminhar por ruas onde tudo mudou (menos a geografia)… fui levada pelas asas da imaginação, à minha doce infância; quando tantas vezes as percorri em companhia das saudosas e queridas colegas de aula do Ginásio Mello e Sousa, cujo proprietário, muitos anos depois fiquei sabendo, foi o famoso escritor Malba Tahan, pseudônimo usado por Júlio Cesar de Mello e Sousa, onde estudei nos anos 1947,
1948 e 1949, em total felicidade; Rua Joaquim Nabuco, minha primeira morada do Rio de Janeiro, onde cheguei em 1942 e era vizinha do já famoso escritor Carlos Drummond de Andrade; Rua Rainha Elisabeth, Raul Pompeia, Júlio de Castilhos, Francisco Sá, onde os bondes passavam; Prado Júnior, Francisco Otaviano e tantas outras que me viram crescer cheia de alegria e esperança. Na Rua Raul Pompeia, onde havia um cinema, no qual era frequentadora assídua, embarquei em um ônibus, com destino ao bairro Lins, zona norte do Rio.
Hoje, anos transcorridos, resta-me apenas a mais profunda saudade!
(Rua Joaquim Nabuco 1943 Edltraud a menina atrás do bebezinho )
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POESIA
CLÁUDIA KALAFATÁS A SALA Há uma difícil disciplina afetiva em monitorar os pensamentos para que o convívio desse amor, minha diva, se mantenha sem tormentos... Na grandeza da noite o silêncio, sorrateiramente, se apodera de meus medos. Muda, então, escrevo e sendo para ti, sem segredos. Os gritos internos que a caneta revela paralisam meus dedos. Esta pessoa que te olha, te ama! Meu olhar que te persegue, te chama! E esse amor me embala, chama que anima a vida solitária que resta nesta sala.
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POESIA
CLÁUDIA KALAFATÁS UMA ROGATIVA Que meus braços só existam para segurar o peso de seus temores; Que meus passos existam apenas para lhe trazer ao caminho da segurança: flores! Que o sopro de vida que eu tiver que viver com você, seja apenas para lhe enaltecer!... Peço aos versos que a vejam para que eles, ao lhe descrever, agrupem-se em poemas a deleitar seu doce coração: meu querer! E toda vez que a fagulha da tristeza quiser eclipsar a luz que emana de seus lindos olhos: faróis, peço que a doçura que em meu coração ainda restar restaure o brilho do amor de nós: dois sóis!
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REPORTAGEM
CORA CORALINA CORA CORALINA: POETA E CONTADORA DE HISTÓRIAS Faz mais de TRINTA anos que perdemos Cora Coralina, essa grande poetisa brasileira que nos deixou um legado tão rico: a sua poesia. Nascida em Goiás, em 1889, teve uma trajetória literária peculiar. Embora escrevesse desde muito jovem, tinha 76 anos quando seu primeiro livro foi publicado e quase 90 quando sua obra chegou às mãos de Carlos Drummond de Andrade - responsável por sua apresentação ao mundo literário nacional. Desde então, sua obra vem conquistando o público e seus livros têm sucessivas edições. Cora Coralina, com
seu estilo pessoal e característico que a consagrou, foi poeta e uma grande contadora de histórias de coisas de sua terra. Sua obra é considerada por vários autores um registro histórico-social deste século. Ela faleceu
em abril de 85. Sua obra: “Estórias da Casa Velha da Ponte”, “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais”, “”Os Meninos Verdes”, “Meu Livro de Cordel”, “O Tesouro da Velha Casa” e “Vintém de Cobre”.
PEQUENA BIOGRAFIA DE UMA GRANDE POETA Cora Coralina (Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas), nasceu na Cidade de Goiás em 20 de agosto de 1889. Filha de Jacinta Luíza do Couto Brandão Peixoto e do Desembargador Francisco de Paula Lins dos Guimarães. Casou-se com
Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas. Teve quatro filhos: Paraguassu, Cantídio Filho, Jacinta e Vicência, 15 netos e 29 bisnetos. Iniciou sua carreira literária aos 14 anos, publicando seu primeiro conto "Tragédia na Roça", em 1910, no Anuário
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Histórico Geográfico e Descritivo do Estado de Goiás. Saiu de Goiás em 25 de novembro de 1911, indo morar no interior de São Paulo: Avaré, Jaboticabal, Andradina e depois
na Capital paulista. Viveu fora de Goiás durante 45 anos. Voltou para Goiás em 1954, indo morar na Casa Velha da Ponte. Iniciou nova atividade, a de doceira, que desenvolveu
por mais de vinte anos. Faleceu em Goiânia, em 10 de abril de 1985, tendo sido seu corpo trazido para a Cidade de Goiás, onde jaz no Cemitério São Miguel.
A DOCE CORA CORALINA
Por Luiz Carlos Amorim
Em doze de abril de 85 o Brasil perdia a sua poetisa mais sensível, mais autêntica e mais verdadeira: Cora Coralina. E é difícil não lembrar de Cora, sempre, difícil não falar dela, difícil não reler os seus poemas. Eu queria escrever uma crônica em homenagem a ela, a grande poetisa do Brasil, mas não gosto de falar de perdas e acabei não escrevendo. E eis que, abrindo o Coojornal, como toda semana, me deparo com o texto de Cissa de Oliveira, minha vizinha lá no portal da nossa amiga Irene Serra do Rio Total: "Um Doce para Cora Coralina". Como não lê-lo e não aplaudí-lo? Além de falar de Cora, ela fala dos doces da doceira de mão cheia que ela era - e eu acabo de voltar da serra gaúcha, onde mora minha sogra, que faz doces fantásticos de figo, de pêssego, de marmelo, de morango, no fogão à lenha, não aquele
de barro e pedra, como o de Aninha, mas à lenha, também. E então chego a sentir o gosto do doce de laranja. Então cá estou eu, para agradecer à Cissa por lembrar de Cora e para me juntar à homenagem tão merecida. São trinta e quatro anos de ausência da Aninha, da poesia forte e despretensiosa, poesia que transmite a sua mensagem de amor à terra e à natureza, ao ser humano e à vida. A verdade é que Cora continua viva, cada vez mais viva nos seus poemas e na sua prosa. E no sabor dos doces que a Cissa me trouxe à boca. A poetisa maior da casa velha da ponte, em Goiás, que
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teria cento e trinta anos, hoje, publicou seu primeiro livro aos sessenta e sete anos: "Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais". Depois vieram "Meu Livro de Cordel", "Vintém de Cobre - Meias Confissões de Aninha", "Estórias da Casa Velha da Ponte", "O Tesouro da Casa Velha da Ponte", "Os Meninos Verdes", "A Moeda de Ouro que um Pato Comeu". Essa, a obra que transformou Aninha no ícone da poesia brasileira que ela é hoje. Em 2001, foram encontrados cerca de quarenta poemas inéditos de Cora, durante o trabalho de reconstituição de seu acervo. Esse material
foi transformado em livro e foi publicado pela Global, editora que publicou quase todos os títulos de Cora. O livro é "Vila Boa de Goyaz" e os poemas que o compõe exaltam a cidade de Goiás, onde a poeta nasceu. Ela fala da Goiás que conheceu no início do século passado, das ruas que mudaram de nome, mas não mudaram de jeito, da linguagem impressa em cada toque dos diversos sinos existentes na cidade e fala, também, da casa velha da ponte. Um canto de amor à cidade de Goiás. Foi-se o corpo singelo da grande poeta e da
grande mulher-menina (ou menina-mulher?), mas a poesia viva ficou. A poesia que é o coração, a alma de Aninha, a nossa Cora Coralina eterna, que continuará viva para sempre nos versos e na prosa que ela deixou. Dos inéditos encontrados de Cora, tomo a liberdade de transcrever aqui "Coração é terra que ninguém vê", pois não dá pra falar de Cora sem ler uma criação dela: "Quis ser um dia, jardineira / de um coração. / Sachei, mondei - nada colhi. / Nasceram espinhos / e nos espinhos me feri. // Quis ser um dia,
jardineira / de um coração. / Cavei, plantei. / Na terra ingrata / nada criei. // Semeador da Parábola... / Lancei a boa semente / a gestos largos... / Aves do céu levaram. / Espinhos do chão cobriram. / O resto se perdeu / na terra dura / da ingratidão // Coração é terra que ninguém vê / - diz o ditado. / Plantei, reguei, nada deu, não. // Terra de lagedo, de pedregulho, / teu coração. // Bati na porta de um coração. / Bati. Bati. Nada escutei. / Casa vazia. Porta fechada, / foi que encontrei..."
ENCONTRADOS TEXTOS INÉDITOS DE CORA CORALINA Deu nos jornais, em meados de 81: foram encontrados dezenas de poemas inéditos de Cora Coralina. E eles foram reunidos em livro. Faz mais de trinta anos que perdemos Cora Coralina, essa grande mulher brasileira que nos deixou um legado tão rico: a sua poesia. Ela teve uma trajetória literária peculiar. Seu padrinho foi Drummond. Os escritos inéditos foram encontrados por familiares da mais famosa poeta goiana, durante o trabalho de reconstituição de seu acervo. Característica da
obra de Cora, os poemas exaltam a cidade de Goiás, onde a poeta nasceu. Parte da história da cidade é contada nos poemas e contos da poeta. Através da palavra, ela faz um painel da cidade em que nasceu e morreu, biografando o povo do lugar e revendo o passado. Uma obra com forte influência modernista e engajamento social. A poeta Ana Lins dos Guimarães P. Bretas recorre ao artifício de criar Cora Coralina, a velha senhora que faz doces e versos, e Aninha, a menina que encarna as
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experiências de sua infância, unindo as duas pontas da vida. Cora antecipou seu tempo, rompendo com uma sociedade preconceituosa da época, quanto ao papel social da mulher. O material encontrado pela família foi transformado em livro pela Global, editora que publicou quase todos os títulos de Cora. Além dos poemas, foram encontrados cadernos
com contos, cartas e uma pasta com manuscritos que não puderam ser aproveitados. Todos os outros manuscritos foram revistos e copiados para evitar que se percam. Há cartas que não foram enviadas, textos comentando artigos de jornais e outros de forte cunho social. A Associação Casa de Cora Coralina, na cidade de Goiás, também está
contribuindo para manter o acervo da poeta intacto. Todo o material existente foi escaneado e microfilmado. Postumamente, foram lançados os infantis “Os Meninos Verdes” (86) e “A Moeda de Ouro que um Pato Comeu” (97). Todos os títulos foram relançados pela Global Editora.
AS CORES DA POESIA
Leia o novo livro do escritor Luiz Carlos Amorim, uma coletânea de poemas atuais e outros produzidos em outras épocas. O poema do autor desta edição está nesse livro. Peça o seu exemplar pelo e-mail revisaolca@gmail.com .
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GRANDES POETAS BRASILEIROS
CLARICE LISPECTOR O SONHO Sonhe com aquilo que você quer ser, porque você possui apenas uma vida e nela só se tem uma chance de fazer aquilo que quer. Tenha felicidade bastante para fazê-la doce. Dificuldades para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana. E esperança suficiente para fazê-la feliz. As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas. Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos. A felicidade aparece para aqueles que choram. Para aqueles que se machucam Para aqueles que buscam e tentam sempre. E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passaram por suas vidas.
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GRANDES POETAS BRASILEIROS
HILDA HILST TATEIO Tateio. A fronte. O braço. O ombro. O fundo sortilégio da omoplata. Matéria-menina a tua fronte e eu Madurez, ausência nos teus claros Guardados. Ai, ai de mim. Enquanto caminhas Em lúcida altivez, eu já sou o passado. Esta fronte que é minha, prodigiosa De núpcias e caminho É tão diversa da tua fronte descuidada. Tateio. E a um só tempo vivo E vou morrendo. Entre terra e água Meu existir anfíbio. Passeia Sobre mim, amor, e colhe o que me resta: Noturno girassol. Rama secreta.
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GRANDES POETAS BRASILEIROS
RAUL BOPP COBRA NORATO (TRECHO DA OBRA) Um dia ainda eu hei de morar nas terras do Sem-Fim. Vou andando, caminhando, caminhando; me misturo rio ventre do mato, mordendo raízes. Depois faço puçanga de flor de tajá de lagoa e mando chamar a Cobra Norato. — Quero contar-te uma história: Vamos passear naquelas ilhas decotadas? Faz de conta que há luar. A noite chega mansinho. Estrelas conversam em voz baixa. O mato já se vestiu. Brinco então de amarrar uma fita no pescoço e estrangulo a cobra. Honorato é, segundo uma lenda do Pará, um rapaz encantado em uma cobra-grande, que habita o fundo do rio e que a noite vira gente novamente. Esta lenda produziu uma obra-prima da moderna literatura brasileira, Cobra Norato, de Raul Bopp.
Agora, sim, me enfio nessa pele de seda elástica e saio a correr mundo: Vou visitar a rainha Luzia. Quero me casar com sua filha. — Então você tem que apagar os olhos primeiro. O sono desceu devagar pelas pálpebras pesadas. Um chão de lama rouba a força dos meus passos.
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GRANDES POETAS BRASILEIROS
PAULO LEMINSKI BEM NO FUNDO No fundo, no fundo, bem lá no fundo, a gente gostaria de ver nossos problemas resolvidos por decreto a partir desta data, aquela mágoa sem remédio é considerada nula e sobre ela — silêncio perpétuo extinto por lei todo o remorso, maldito seja quem olhar pra trás, lá pra trás não há nada, e nada mais mas problemas não se resolvem, problemas têm família grande, e aos domingos saem todos a passear o problema, sua senhora e outros pequenos probleminhas.
A poesia do poeta é marcante porque Leminski inventou um jeito próprio de escrever, com trocadilhos, brincadeiras com ditados populares e influência do haicai, além de abusar de gírias e palavrões, tudo de forma bastante instigante.
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GRANDES POETAS BRASILEIROS
JOÃO CABRAL DE MELO NETO O RELÓGIO Ao redor da vida do homem há certas caixas de vidro, dentro das quais, como em jaula, se ouve palpitar um bicho. Se são jaulas não é certo; mais perto estão das gaiolas ao menos, pelo tamanho e quadradiço de forma. Umas vezes, tais gaiolas vão penduradas nos muros; outras vezes, mais privadas, vão num bolso, num dos pulsos. Mas onde esteja: a gaiola será de pássaro ou pássara: é alada a palpitação, a saltação que ela guarda; e de pássaro cantor, não pássaro de plumagem: pois delas se emite um canto de uma tal continuidade.
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RESENHA
LUIZ CARLOS AMORIM SOB O CRUZEIRO DO SUL Tive o prazer de ler “Cruzeiros do Sul” da nossa romancista maior, Urda Alice Klueger, a moça loura de Blumenau, das mãos cheias de poesia. Com maestria e segurança, Urda volta à ficção histórica e nos mostra a saga dos nossos antepassados, a saga da formação do povo catarinense, desde a chegada dos portugueses, que aqui encontraram os índios, donos da terra, até os dias atuais. “Cruzeiros do Sul” é a história das gentes que trilharam os caminhos do tempo, construindo o nosso Estado e o nosso futuro. É a história da nossa gente, começada com Madjá-Aiu, índia xokleng e um branco europeu, que por acaso veio parar no litoral de Santa Catarina. É também a história de Miguel e Manoel, dois portugueses que começaram outra linhagem de catarinenses. Essas duas famílias, através de muitas gerações, vêm
até os nossos dias para cruzarem suas histórias, numa trajetória na qual a autora retrata com fidelidade as alegrias e lutas dessa gente que deu origem ao que hoje é o nosso Estado.
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Urda recria a história com pesquisa e muita sensibilidade, fazendo tudo acontecer sob as luzes cúmplices e ao mesmo tempo indiferentes do Cruzeiro do Sul. Sei que o título deste romance de fôlego de Urda era, a princípio, “Sob o Cruzeiro do Sul”, que lhe cabia muito melhor do que “Cruzeiros do Sul”, opção do editor. Independentemente disso, este romance, talvez o maior da autora, em número de páginas e em grandiosidade de conteúdo, é exemplo de competência e criatividade no ofício de escrever. Urda dá uma sacudida na gente quando, a certa altura do seu grande painel, nos deparamos com a dura realidade dos descendentes da índia e dos europeus, que cruzam seus destinos. E isso é muito importante, para que nos conscientizemos - e essa é a função da literatura - de que essas personagens não são apenas personagens,
são pessoas contemporâneas nossas, que existem e fazem parte do nosso dia-a-dia. Urda nos mostra que está acontecendo a vida ao nosso redor, sem que nos demos conta, sem que tomemos conhecimento dela e, consequentemente, sem que tomemos atitudes para melhorá-la. E há que se olhar e ver, pensar e repensar a nossa realidade, que é a mesma
das criaturas de Urda. Não estamos todos sob o Cruzeiro do Sul? Urda é conhecida em toda Santa Catarina e fora dela, pelo conjunto de sua obra, mas sobretudo por “Verde Vale”, seu primeiro romance. Seguramente, a partir de agora, Urda terá seu nome vinculado a “Cruzeiros do Sul”, que transformou-se, de imediato, num clássico da Literatura Catarinense. “Cruzeiros do Sul”
me lembra “Cem Anos de Solidão” pela saga das várias gerações e me levou a ler novamente Garcia Márquez. E em lendo novamente “Cem Anos de Solidão”, saltou-me aos olhos o contraponto entre o fantástico misturado com o real de Garcia e a recriação da realidade, da vida, com fidelidade e lirismo de Urda, empatando os dois na excelência na narrativa.
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POESIA
PIERRE ADERNE ALMA SADINA No corpo leva alma sadina Arrábida colina O meu rio a chorar De longe troia some As velas e os nomes Desses barcos a ancorar Na saudade eu vejo o Sado Das pescas e do fado No lamento dessa voz Vinhas velhas das vindimas Na água tinta dessas rimas Nós os dois um dia a sós Vestido branco a vestir
O poema “Alma Sadina” foi musicado por Pierre e gravado pela cantora portuguesa Cristiana Águas.
Tantas noites sem dormir De prata o rio pinta a lua Os vulcões dessa garganta Setúbal cais que canta Anda Bocage pela rua Água doiro moscatel Meus brilhantes pelo céu No olhar dessa menina Que hoje canta a lembrar Pousa os braços sobre o mar No corpo levo alma sadina
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RESENHA
ENÉAS ATHANÁZIO CANUDOS NUMA VISÃO MODERNA É uma observação antiga que “Os Sertões” têm inibido o aparecimento de outras obras sobre os episódios de Canudos, reveladoras talvez de fatos novos e com visões diferentes daquelas que foram sufragadas por Euclides da Cunha. Realmente, seria tarefa das mais árduas aventurar-se no terreno já palmilhado naquela obra monumental. Tenho lembrado tais observações quando ouço queixas de que a nossa “Guerra do Contestado” ainda não
encontrou o seu Euclides. Se não temos uma obra daquela envergadura – o que é um prejuízo – também não há receios na abordagem do tema que continua em aberto, permitindo o aparecimento de vários livros, como vem acontecendo – o que é benéfico. Até que um dia, da síntese desses trabalhos todos, acabe surgindo a grande obra definitiva, quando terá o Contestado descoberto o seu Euclides. Sobre Canudos, no entanto, foi preciso que um estrangeiro
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se aventurasse a enfrentar o assunto e produzisse outra obra monumental, embora de concepção diferente, como aconteceu com Mário Vargas Llosa e seu livro “A Guerra do Fim do Mundo”, traduzido por Remy Gorga, filho. Escritor de reconhecidos méritos literários, Vargas Llosa criou um romance empolgante em que a imaginação do ficcionista encontrou campo fértil para plantar mil figuras e desenvolver seus feitos sem abandonar, porém, as linhas
mestras dos acontecimentos históricos comprovados. Para isso foi necessária intensa pesquisa, permitindo ao autor colocar seus personagens e sua vivência dentro daquele contexto exato em que se desenvolveram os fenômenos que culminaram com a destruição de Belo Monte. Esse é um aspecto admirável do romance, mantendo o relato vivo e atraente, ainda que o epílogo fosse de antemão conhecido. A circunstância de que o leitor saiba o desenlace, por se tratar de uma ocorrência histórica inalterável, é o grande desafio desse gênero e que tem inviabilizado tantas tentativas entre nós. O escritor peruano, neste romance, venceu galhardamente esse desafio. As incontáveis personagens que se cruzam
e entrecruzam, verdadeiras ou fictícias, são tratadas com minúcia, como que biografadas naquilo que se sabe de suas vidas, esboçando-se seus perfis morais e psicológicos em consonância com seu passado. Assim acontece com Maria Quadrado, com o Beatinho, com o Leão de Natuba, o Anão e com tantos outros. E nesse trabalho a criatividade do ficcionista foi submetida a todas as provas. Apenas a figura de Antonio Conselheiro (Antonio Vicente Mendes Maciel) me parece um tanto distante, meio difusa, como se o escritor não contasse com muitos dados e temesse dar largas à imaginação e com isso pôr a perder a verossimilhança. O coronel Moreira César, por exemplo, aparece muito mais nítido, claro nas suas reações, mais real e humano. Outro aspecto interessante é observar como o autor, mesmo sendo estrangeiro, conseguiu penetrar tão bem a alma daquela gente nordestina. Seus personagens agem e reagem como brasileiros, coisa que não acontece nos romances estrangeiros, onde o leitor do Brasil percebe atitudes que nem sempre coincidem com as nossas. Creio que isso vem mostrar que nós,
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latino-americanos, não somos assim tão diferentes como às vezes nos imaginamos. Também a paisagem física é descrita com perfeição e qualquer leitor, mesmo que não a conheça, não terá dificuldade em visualizar as regiões desoladas em que os fatos aconteceram. A obra de Vargas Llosa mostra que seu autor nutre, se não simpatia, pelo menos compreensão e tolerância para com os seguidores do Conselheiro. É evidente o prazer com que cria as figuras mais bizarras – aleijados, enjeitados, doentes, cangaceiros e criminosos convertidos – e os vai reunindo, um a um, em torno do Conselheiro, em Canudos. E todos eles, sem exceção, por mais brutal que fosse seu passado, assumem a postura humilde e submissa de
verdadeiros crentes. Mesmo quando apelam às armas e se entregam à guerra sem quartel, agem sem ódio às pessoas que combatem, lutando com fatalismo na defesa de sua fé e de seu chefe. Exemplo bem claro, e a que o autor deu ênfase, é o de Pajéu, quando a decisão superior lhe tirou a mulher por quem se tinha apaixonado. É claro que, em outras circunstâncias, o ex-cangaceiro se rebelaria e tomaria a mulher desejada pela força. A cara de Pajéu se contrai, “a cicatriz parece inchar-se, rachar-se, e a boca se abre para perguntar ou, talvez, protestar”. Mas ele reflete, faz a si mesmo algumas perguntas e fica “outra vez inexpres-
sivo, verde-escuro, sereno, quieto, respeitoso, o chapéu de couro na mão, olhando o catre.” É esse um dos grandes momentos do livro. Narrando com fluência e sem omitir detalhes, o romancista vai mostrando as andanças do homem moreno, que cobre sua magreza com um hábito de azulão, pelos carreadores calcinados dos sertões. Restaurando capelas deterioradas pelo tempo, cercando cemitérios relegados ao abandono, aconselhando em voz suave os doentes e os infelizes, ele parece um beato como tantos outros e passa meio desapercebido, ainda que a cada novo aparecimento seja maior
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e mais estranho o séquito de seus seguidores. Nas paradas e nos pernoites em vilas perdidas há sempre alguém do lugar, homem ou mulher , que anoitece e não amanhece, desaparecendo com o monge andarilho. E a si próprios eles se chamam “jagunços”, o que quer dizer revoltados. Essa revolta, aos poucos, se dirige contra a República recém-proclamada, seus editais, sua moeda, seus impostos, o casamento civil, os fazendeiros que a apoiam. A República é o próprio Anticristo e urge combatê-la. Começam os atos de violência, de início isolados, dispersos, depois planejados, centrados. E o bando cresce, aumenta, incha: são
centenas de pessoas, maltrapilhas, sujas, analfabetas quase todas, mas convencidas de que só o Conselheiro lhes poderá dar a felicidade, a justiça e a paz. O banco imenso não poderia continuar nas andanças, era chegado o momento de encontrar o refúgio onde não entrariam os impuros e lançar as raízes com a construção do Templo. Avistaram ao longe a mansão avariada da Casa Grande e os ranchos da peonada do que foi a fazenda de Canudos, à margem do Vaza-Barris, e o Conselheiro então declarou: “Ficaremos lá!” Felizes e esperançosos ali se instalam, num sistema igualitário tosco, em que tudo era comum, e se organizam com base na experiência prática para uma vida de sonho que não vai durar muito – apenas alguns meses. Iniciam em pedras as obras do Templo, as lavouras, as casas, o armazém, a assistência, a defesa. Todas as tardes
ouvem a palavra do Conselheiro, serena mas firme. Novos crentes, de todos os recantos, doentes, infelizes, foragidos, perseguidos, desesperados, chegam a toda hora. Mas a República não pode tolerar aquilo, pois é a rebeldia contra suas normas, é um reduto monarquista, é o Estado dentro do Estado. Começam os ataques, frustrados pela defesa dos jagunços, que vão se repetindo cada vez com maior ênfase, com mais soldados e armas destruidoras, numa guerra do fim do mundo, que convulsionou os sertões e balançou os alicerces da jovem república. Gastaram-se fortunas, morreram centenas (inclusive Moreira César), até que Canudos foi esmagada, sem que ficasse pedra sobre pedra. Cenas terríveis, bárbaras, primárias, se repetem de lado a lado até o desmoronamento completo da cidade da esperança. Salvam-se uns poucos com a ordem de
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continuar a missão de resgatar os fatos para a história. Vargas Llosa descreve tudo mas não pretende explicar, mesmo porque Canudos não tem uma só explicação – mas são múltiplas e complexas. Aponta causas antigas e profundas que se conjugaram no momento histórico – sociais, econômicas, políticas, religiosas. Mostra o misticismo arraigado do nordestino, com tendência ao fanatismo, decorrente dos meios usados pelo colonizador português para introduzir o catolicismo na região. O resultado é este romance magistral que deixa no leitor, ao lado da sensação de ler uma autêntica obra de arte, a melancolia provocada por tanta violência, a rigor desnecessária, pois como já se disse, o caso era mais educação e diplomacia que de armas e guerra.
POESIA
ROSELI FOSSILI RICARDO PÁSSARO AZUL Quisera eu ser um pássaro, Poder voar mil espaços, Em busca de um ideal, Não pensar jamais no que faço. Fazer tudo, sem pensar. Quisera eu ser um pássaro, Ter a vida em liberdade, Não conhecer a saudade, Jamais pensar em voltar. Quisera eu ser um pássaro, Conquistar todo este azul, Não conter as alegrias, Viver cada dia, um dia a mais Sem pensar num depois. Quisera eu ser um pássaro, Sem sonhar, chorar, sofrer, Seguir os meus horizontes, Cruzar mares, subir montes, Não saber o que é sofrer. Quisera eu ser um pássaro Levar na alma só esperança, Viver como uma criança Sem ter pressa de crescer. Como não posso ser pássaro, Não tenho essa tal liberdade, Tento buscar na saudade O pouco que me restou. Vivo apenas de lembranças, Boas, ruins, que importa? Pois minha alma está morta; E eu? Como será que estou?
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ENSAIO
LAURO JUNKES CRUZ E SOUSA: DA VIDA OBSCURA AO TRIUNFO SUPREMO Cruz e Sousa, o mestre do simbolismo brasileiro, não é hoje apenas uma glória para seu estado natal. É alto patrimônio nacional e alvo da mais elevada consideração internacional. Infelizmente nós, seus conterrâneos, muitas vezes nos contentamos com o puro conhecimento do seu nome, com a suposta homenagem da denominação do Palácio Cruz e Sousa, com a exploração de seu
prestígio no “Prêmio Cruz e Sousa” de Literatura. A melhor homenagem que podemos prestar-lhe é ler, apreciar e valorizar sua obra. Entretanto, a própria edição de sua Prosa Completa há anos vem-se resumindo em já esquecida promessa dos órgãos culturais do Estado. Cruz e Sousa foi um dos escritores que mais tenazmente lutou pelo seu ideal estético-literário. Foi um ser que viveu para a poesia.
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Corporificou sua existência em poemas. Sofreu a tortura estética. Como verdadeiro fanático da arte, consagrou sua existência ao ansioso empenho pela realização poética. “Emparedado” por pobreza e preconceito racial, experimentou dramaticamente na própria carne a incompreensão, o desprezo e a oposição. Entretanto, não vacilou nunca e “entre raios, pedradas e metralhas ficou gemendo, mas ficou
sonhando”. E deixou um legado do mais alto mérito literário. Sua glória é sua obra. E bem merece continuar agora, após o “Triunfo Supremo”, o seu “ Caminho de Glória”, tendo superado a “Vida Obscura” e confirmado sua condição de “O Assinalado”. Se em vida lutou contra a pobreza, a miséria, a doença e o preconceito, tudo sacrificando pela sua criação literária, essa obra construída com o sacrifício da dedicação total e sob a angústia do aguilhão estético, nunca satisfeito e sempre a exigir mais, essa obra corporifica o que de mais admirável, sólido e denso pode criar o espírito humano, quando se obsessiona por uma causa enraizada em convicção profunda. João da Cruz e Sousa nasceu na cidade de Desterro, antiga denominação de Florianópolis, a 24 de novembro de 1861, filho de negros a serviço do Marechal Guilherme Xavier de Sousa, do qual o menino recebeu as melhores condições e estímulo para desenvolver bons estudos. Inteligente e dedicado, concluiu o curso secundário em 1876, tendo o renomado cientista Fritz Muller sido um dos seus professores. Em
seguida, tentou o magistério particular e logo depois empregou-se no comércio. Ligou-se a um grupo de jovens literatos, junto com os quais lutou posteriormente pela “Ideia Nova”, ou seja, pela implantação das ideias e da estética realista em oposição ao desgastado Romantismo. Participavam do grupo: Virgílio Várzea, Santos Lostada, Araújo Figueiredo e Horácio de
Carvalho. Aproximando do jornalismo, publicou seus primeiros escritos poéticos por 1879-80. Em 1881 tornou-se “ponto” de uma companhia teatral. De 1882 a 1885, novamente como “ponto”, percorreu todo o país. Nessa época foi anunciado seu livro de poemas “Cambiantes”, que não chegou a ser publicado, mas cujos poemas foram poste-
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riormente incorporados ao Livro Derradeiro. Em 1885, de volta a Desterro, assume a redação do jornal “O Moleque”, dinamizando-o, mas sofrendo várias restrições e resistências, devido ao preconceito de cor. No mesmo ano estreia, em conjunto com Virgílio Várzea, com o livro “ Tropos e Fantasias”. De 1886 a 1887 é novamente “ponto”, continuando em seguida no jornalismo, em Desterro. Em 1888 tentou o jornalismo no Rio de Janeiro, mas após oito terríveis meses, retornou. Em 1890, no entanto, Virgílo Várzea, que já se encontrava bem colocado na Corte, animou-o em convite e Cruz e Sousa seguiu, em dezembro, novamente para o Rio, onde passou a viver do trabalho em jornais. Logo no ano seguinte, é abalado pela morte de sua mãe, em Desterro. No Rio, tornou-se adepto da Escola Nova (Simbolismo), comungando as mesmas ideias e aspirações de Bernardino Lopes, Emiliano Perneta, Emilio de Menezes, Nestor Vítor, Gonzaga Duque, Oscar Rosas e outros, grupo que estabeleceu grandes polêmicas (como “novos”) contra os “velhos” da vitoriosa tradição parnasiana. O
ano de 1893 tornou-se posteriormente, marco histórico-literário, devido à publicação dos livros de Cruz e Sousa – “Missal” (prosa) e “ Broqueis” (poesia), que deflagravam o Simbolismo no Brasil. Desde 1891, Cruz e Sousa conhecera a bela moça negra Gavita Rosa Gonçalves. Em maio de 1893 já estavam vivendo juntos e em novembro casaram, embora sem recursos, mas estando ela já no sexto mês de gravidez. Em dezembro, Cruz e Sousa obteve modesto emprego de arquivista na Estrada de Ferro Central do Brasil, emprego necessário para a subsistência, mas burocrática atividade martirizante para seu gênio livre e de altos voos poéticos. Em fevereiro de 1894 nasceu o primeiro filho. A pobreza
atingia níveis dramáticos, que se refletiam em seus versos pessimistas. Sua luta pela superação da obscuridade e sua ânsia de glória literária não chegavam a realizar-se. Nestor Vítor, o mais achegado de seus amigos, caracterizou-o como verdadeiro fanático da arte, que tudo empenhou pelo ideal poético. Em 1895, Cruz e Sousa recebeu a visita de Alphonsus de Guimarães, que o procurava para melhor conhecer sua arte, sentindo-se atraído pelas mesmas tendências. Tornou-se posteriormente a grande alma irmã de Cruz e Sousa, os dois expoentes máximos no nosso Simbolismo. Em outubro daquele ano, nasceu o segundo filho e Gavita ainda o amamentava quando, em março de 1896, chegou à demência, que perdurou por seis terríveis meses. As tribulações
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do poeta eram superiores às suas forças. Sobreveio, ainda, em agosto do mesmo ano, a morte do pai do poeta. Em 1897 nasceu o terceiro filho e o poeta sentiu-se tuberculoso. Viu dois filhos morrerem, enquanto ele lutava desesperadamente contra a doença e a pobreza. Em 8989, logo nos inícios, não podendo mais trabalhar, foi aconselhado pelo médico a procurar melhores ares. Transportado para clima considerado mais saudável, em Sítio-MG, não resistiu e veio a falecer a 19 de março de 1898. Gavita, que estava grávida, deu à luz um quarto filho, João da Cruz e Sousa Jr. O terceiro filho também faleceu logo em seguida e Gavita igualmente o seguiu em 1901. O filho póstumo do poeta sobreviveu até 1915, quando também morreu,
mas deixando grávida D. Francelina, da qual nasceu posteriormente Sílvio Cruz e Sousa, neto do desditoso poeta, que conservou sua descendência, residindo em Moça Bonita-RJ. Todo o drama existencial de Cruz e Sousa foi magistralmente narrado por Raimundo Magalhães Jr. No livro “Poesia e Vida de Cruz e Sousa”, obra de leitura tão fascinante quanto instrutiva. O próprio poeta deixou ressoar sua vivência dramática através de inúmeros poemas, um dos quais é “Vida Obscura”. Após a morte, e somente então, a glória de Cruz e Sousa foi crescendo sempre mais. Figura insuperável do Simbolismo Brasileiro, e seu grande mestre, tornou-se das mais altas expressões da poesia universal, cada vez mais descoberto e estudado
em linha ascendente.
no estrangeiro. Entre nós, pouco reconhecido em vida, não obstante sua angustiante busca de realização literária, desprezado mesmo e combatido, seu reconhecimento foi lento e gradativo. Mas sua consagração já se manifesta de forma inconfundível pela ala espiritualista do Modernismo, com Tasso da Silveira, Cecília Meireles, Jorge de Lima e outros. E continua inabalável, sempre
Cruz e Sousa formou seu espírito dentro do movimento da “Ideia Nova”, que lutou pela implantação do pensamento realista e naturalista em Santa Catarina. Mais tarde, quando residia e militava no Rio de Janeiro, assimilou as novas ideias simbolistas. Sua produção inicial é claramente parnasiana, pelo rigor da métrica e meticulosidade da rima. E seu débito com o Parnasianismo acompanhou-o sempre, considerando-se sobretudo o rigor formalista de seus sonetos e um certo materialismo pessimista implícito em suas ideias. Mas na fase simbolista enriqueceu sua poética com um misticismo pagão e com vagas aspirações espiritualistas, bem como, no plano formal, com a rica musicalidade, a
Palácio Cruz e Sousa, em Florianópolis, onde estão os restos mortais do poeta.
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potência verbal, a opulência de estilo e a capacidade de criar imagens vibrantes e de sensível beleza.
entrega total à realização artística, sua firme persistência e perseverança na busca do ideal.
Ente os estudiosos de sua obra, sobretudo Abelardo F. Montenegro a interpretou como uma válvula de escape para suas tensões interiores, como compensação de insatisfações. Aliás, Montenegro, em seu alentado estudo, também é o autor que mais extenso e pormenorizado paralelo traça entre os dois mestres do Simbolismo Brasileiro: Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimarães. Realmente a trajetória humana e poética do Poeta Negro está marcada por uma densa angústia, por constante senso trágico, mas evidenciando ao mesmo tempo sua personalidade sofrida, sua
“Emparedado”, anseia pela libertação na transcendência e sublimação, por transpor-se para um misticismo cósmico. Revela-se, assim, constante em sua poesia e consciência de posiçoes antiestéticas: por um lado a sensação amarga e pessimista da existência, a angustia trágica, a consciência da raça sofredora, o vivo sentido da dor, como muito bem retrata em “Vida Obscura”; por outro lado, a busca da libertação, de reconhecimento e igualdade, a ânsia do infinito, o anseio pela ascensão ao mundo das Essências, a aspiração ao sonho, à diluição no vago, indefinido e nebuloso. Daí
2018: 150 anos do Grande Simbolista Brasileiro.
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sua poesia revestir-se de dramaticidade e perenidade, realidade e sonho, carne e espírito, materialidade concreta e diluição no abstrato. Um dos seus sonetos magistrais é “Cárcere das almas”, que bem exemplifica esses traços. Roger Bastide analisou muito bem as implicações simbolistas da poesia de Cruz e Sousa, quando colocou a gênese do Simbolismo no misticismo e mostrou a luta constante, na poesia do Cisne Negro, por desprender-se da natureza concreta, da prisão corporal, para ascender às esferas celestes, ao mundo das Essências, à transcendência – num misto de Platonismo e Cristianismo. Afirmando que o Simbolismo de Cruz e Sousa “é uma experiência sofrida e vivida do símbolo no interior de uma busca espiritual”, Bastide confere ao autor de “Últimos Sonetos” “situação à parte na grande Tríade harmoniosa: Mallarmé, Stephan George e Cruz e Sousa.” Essa afirmação, partida de alguém nascido na França, pátria do Simbolismo, é indiscutivelmente honrosa, ao menos “pós-mortem”, para nosso inditosa poeta.
POESIA
MARGARETE ROOS VIDA Dos caminhos não percorridos Dos sonhos inacabados Tudo é ilusão e amor. E a vida se vai levando, Sem saber o que virá, Mas sim o que já passou. No mundo de um só criador, No mundo em que nós vivemos Ou que pensamos viver Inabalados estamos Com nada nos contentando E apenas em horrores pensando. Queremos a paz para o mundo Queremos amar a vida Mas como obter o que está trancado? Todos só pensam no ódio E na destruição de tudo. Lutar… não conseguimos Amar… é o jogo da vida Falta-nos, unicamente, O caminho para ao destino chegar.
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ENSAIO
HARRY WIESE PEDAGOGIA DA ESTÉTICA Cada vez mais me empolgo com as palavras, principalmente com aquelas que mudam de significado com o passar do tempo. Sim, as palavras mudam de significado, ou simplesmente o ampliam, de acordo com as necessidades que as circunstâncias exigem. Nos tempos idos a palavra “pedagogia” significava “a ciência de ensinar e educar”. Hoje possui um leque de significações e interpretações. São comuns as palavras “pedagogia da autonomia”, “pedagogia do oprimido”, “pedagogia da esperança”, “pedagogia do olhar” e tantas outras pedagogias. Todas são bem fundamentadas, bem estudadas e bem aplicadas em instituições de ensino e até fora delas. Recentemente, muito me tem entusiasmado a “Pedagogia da estética”. Por isso desejo compartilhar algumas informações com você leitor. Assim, a velha “pedagogia”, a arte de
ensinar e educar, se dilui em tantas outras significações, sempre com o objetivo de dar conta do processo da comunicação humana.
sentimento da beleza para uma formação humanizadora. A educação estética é importante para o momento atual devido à necessidade de uma nova perspectiva de ver as coisas, pois as informações são constantes e é necessário capturar tudo o que está a nossa volta. A experiência estética nos desperta de um estado de dormência. É possível acordar e perceber o sensível e o belo nas coisas que nos rodeiam. A pedagogia da estética não precisa necessariamente ser ensinada, mas motivada para ser absorvida dentro e fora das escolas.
A educação estética é entendida como a possibilidade de as pessoas refinarem seus sentidos para um olhar que provoca experiências sensíveis, que podem constituir novos olhares sobre o Diante do exposto, não se mundo com o objetivo de pode deixar de aprender, ou deixá-lo mais fraterno. mesmo reaprender a olhar, a ouvir e a sentir tudo que Assim, pergunta-se como nos acompanha no dia a as pessoas se educam e dia, as pequenas e grandes podem ser educadas pela coisas, além daquilo que já pedagogia da estética. A está internalizado durante a experiência sensível permite nossa existência vital. Tudo que se tenha um olhar além é importante para comdaquilo que vemos, que leva preender e se apropriar da as pessoas a perceberem o educação estética e propor-
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cionar uma educação huma- águas mais profundas. “A nizadora por excelência. divina comédia”, de Dante Alighieri; “O pequeno prínEm termos práticos, per- cipe”, de Saint Exupéry; ceber o belo que nos “Memorial do convento”, de rodeia e encantar-se com José Saramago e “Grande ele é uma sugestão bem- sertão: veredas”, de Gui-vinda. Há quanto tempo marães Rosa e tantas outras não apreciamos as estrelas obras poderão suscitar o em uma noite de firma- antigo desejo de polir a mento aberto? Há quanto mente, deixando-a mais tempo não ouvimos nossas brilhante, conforme sugere músicas prediletas dos Alberto Dell’isola, com sua tempos idos, ou dos tempos obra “Mentes brilhantes”. mais recentes? Se não é possível ouvir o murmúrio Mas se tudo isso diz pouco, das estrelas, podemos ouvir ainda podemos mergulhar o murmúrio dos rios, do nos conhecimentos provento passando entre as duzidos pela humanidade, árvores e o canto dos pás- tanto no campo filosófico, saros nas manhãs ao nascer. teológico, científico e tecnoPara quem a poesia encanta, lógico, ou se tornar um propode fazer a leitura de um dutor de conhecimento novo poema, mas se isto é difícil, de que tanto a humanidade poderá lembrar-se de um precisa atualmente, para deles dos tempos de escola, embeber-se no belo, no bom ou lembrar-se de alguém que em algum momento fez de uma declamação um instante de emoção. Há poemas bastantes que falam de ternura, de paz, de amor, que falam de gente como você e eu. Por que não redescobrir Camões, Drummond, Vinícius e tantos outros ícones da literatura? To d a v i a , s e a c h a m o s esses fatos simplórios em demasia e sem serventia, podemos mergulhar em
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e no útil que contém. Lembro-me de um livro que li há muito tempo: “O vendedor de maravilhas”, de Jair Francisco Hamms. É inconveniente sugerir que leia esta obra, pois é uma raridade, disponível somente em bibliotecas e sebos. Todavia, até o título é um convite à leitura e um exemplo que se encaixa na Pedagogia da estética, no ir além, no ir ao encontro de um repertório cultural e aos interesses do outro, na aproximação, na reflexão, na percepção das pequenas coisas, na experimentação científica, no diálogo e no compartilhamento de reflexões que encantam. Sim, a pedagogia estética encanta! E encanta muito!
POESIA
ROSA C. VEIGA
ENCONTRO COMIGO Vento de outono que chega suave tocando-me a face… Me viro e te acho pairando, sozinho, um sopro de vida perdido no mundo um místico toque… E me acho na vida: a descoberta do nada, a descoberta de tudo…
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POESIA
GERALDINA DA SILVA PEREIRA LUA CHEIA Luz no céu prateada… Ah, se eu pudesse pegar Um pedacinho de nada… Ia muito bem guardar Para minhas noites escuras Poder um pouco clarear. As estrelas te adoram E eu, aqui embaixo, também. Quem me dera eu poder Estar lá no céu, no além, Ficar mais perto de ti. Ver todo teu esplendor. As nuvens, ao passarem, Vão molhando a tua face… Os ventos vão enxugando E tu vais clareando. E as noites são mais lindas Para o amor florescer, Para o poeta escrever…
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POESIA
SILVINHA SCHMIDT FLOR E essa tua liberdade De ser cor ao vento, Meio céu, meio sol, Meio chuva… E nascer sem preconceito De tempo e lugar Em terra, em arbusto, Em galho perdido no ar… E ser cheiro em campo aberto, Vida nascendo do chão, Meio paisagem, meio miragem… Flor, simplesmente… Sem explicações, Sem palavras… Flor, simplesmente…
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POESIA
JURANDIR SCHMIDT PÂNICO Vejo-te maior a cada instante crescendo, crescendo, provocando tristeza, desolação. Vejo-te gigante no espaço total, devorando seres, espécies. Vejo-te único, senhor do mundo, poderoso, mortificante. Vejo-te lúgubre, criado pela raça, irmão da gente, arma da gente, veneno da gente, poluição.
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CRÔNICA
MARY BASTIAN CANÇÃO DA GAROA Dos versos do Mário Quintana, este é o que mais gosto. Talvez por gostar de anjos e ficar com pena do coitadinho que, todo molhado, soluça no seu flautim, ou talvez por não gostar de chuvas intermitentes, que chovem sem saber por quê. Ou quem sabe, eu tenha medo dos retratos que me olham da parede. Eu tenho um monte de retratos de crianças nas paredes e acho que eles me olham quando estou com medo da chuva. E fazem pirulin, lulin, lulin... e sacodem as cabeças. Meu relógio não bate, portanto não tem molas pra ranger, o que range é a chuva batendo nas vidraças e as trovoadas que não têm sido poucas. Ou o raio que
caiu na casa da vizinha, bem perto da minha janela, parece que caiu só pra me fazer sofrer.
mostrar os estragos, os horrores, mas antes, ninguém teve tempo pra tomar providências.
“E chove sem saber por quê, E ainda tem os ladrões, que e tudo foi sempre assim.” surrupiam as doações que o povo dá de boa vontade. Deixando Quintana de lado, mas pensando nele, por que Não gosto de chuva, apesar tem chovido tanto? Lembro de saber que é necessária, das histórias da Bíblia mas esta chuva enjoada, sobre o dilúvio e tenho a com hora marcada, que impressão que ele está se causa mais mal que bem, eu repetindo. E os homens de não gosto mesmo. pouca fé e nenhuma vontade ainda não se deram Felizmente, moro numa conta de que as catástrofes região que não fica embaixo estão se repetindo em todo d’água, meu pátio não o globo terrestre e ninguém ensopa. Apenas reclamo está fazendo nada pra das janelas que não tem preparar as cidades antes proteção por fora, tipo uma que as coisas aconteçam. veneziana, então o barulho da chuva se torna mais forte Depois da porta arrombada, e assustador, quando bate não se precisa de tranca. diretamente nos vidros. Aí vai todo mundo pra TV Se eu encontrar, em cima do meu telhado, um anjo todo molhado, aí vou convidá-lo pra entrar, secar suas asas, dar um cafezinho e ouvi-lo tocar no seu flautin uma musiquinha mais alegre, sem soluços.
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CONTO
ISA SARAIVA FERREIRA ELE, ELA E A OUTRA Ele e Ela, ao longo de seu casamento, foram constatando não terem nada em comum. Ele, muito simples e sem grandes ambições, dava-se por feliz em tratar diariamente de seus pássaros antes de ir para o trabalho e esperar pacientemente pelo sábado à tarde, para ir pescar. Seu grande sonho, talvez o único, era se aposentar, comprar um sítio, cultivar a terra, criar galinhas e admirar as estrelas. Ela, ao contrário, esforçava-se por ascender profissionalmente. Apreciava atividades culturais, como teatro, orquestras, óperas e consertos que se apresentavam no Teatro Municipal
e na Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro, onde moravam. Acalentava o sonho de um dia, quem sabe, conhecer a Europa e passar um dia inteirinho no museu do Louvre. Enquanto para ela, as pescarias não ofereciam conforto algum, ele por sua vez, dormia nos concertos. Não se sentia bem em ambientes mais refinados. Passaram a não fazer mais companhia um ao outro. Mas, apesar das diferenças, já contavam vinte e cinco anos de vida em comum, mais por comodismo do que por amor.
adoeceu e foi levada para sua cidade natal, em Minas Gerais. A partir daí, Ele passou a visitá-la um fim de semana por mês e também nas férias e feriados. Mas, quando se aposentou, suas visitas passaram a ser progressivamente mais freqüentes e mais prolongadas, até que sua mãe veio a falecer.
Um dia, Ela abriu o armário dele para procurar alguma coisa, e levou um susto. Não havia mais roupa alguma. Ele havia se afastado aos poucos e ela acostumara-se tanto às suas ausências, que nem se dera A mãe dele, bem idosa, conta de que Ele se fora de
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vez e sabe-se lá quando.
misto de timidez e respeito.
Soube por um sobrinho que Ele estava com outra mulher, lá em Minas. Aí, sim, a revolta e amargura tomaram conta de seu coração: falava dele e reclamava, sempre que surgia oportunidade. Adoeceu: distúrbios na tireóide. Também doíam-lhe os joelhos e a coluna.
Muitas visitas aconteceram a partir daí. Conhecendo mais a Outra, Ela viu tratar-se de moça de origem bem humilde, com pouca instrução. Desde criança trabalhava na roça, na enxada, ajudando os pais muito pobres e cuidando dos irmãos menores. A vida
Ele, vez por outra aparecia, ia visitá-la. Inexplicavelmente, nenhum dos dois tocava no assunto. Era como se nada tivesse acontecido. Os anos passavam e a situação continuava a mesma. Certa vez, Ela fez uma viagem de peregrinação, trazendo de lá alguns terços para presentear a família e amigas. Assim que chegou teve a notícia: Ele estava no Rio, hospedado na casa da irmã, em companhia da Outra. Viera se tratar de câncer. Ela lamentou sua saúde e decidiu visitá-lo. Para diminuir o constrangimento ao deparar-se com a Outra, levou consigo dois terços para presentear o ex-marido e sua mulher. Ele demonstrou alegria com a visita e a Outra a recebeu com um
da Outra fora tão diversa da sua!
mento. Queria fazer uma surpresa para a Outra. Ela não só o ajudou na compra do terno e da camisa, como até lhe deu a gravata de presente. Dias depois, uma febre repentina levou-o a ser internado com urgência. Ela foi visitá-lo no hospital e na saída, Ele segurou e beijou sua mão, dizendo: “- Você é minha irmãzinha”. Ela se emocionou. Algo deve ter acontecido com os dois nesse momento, como um implícito pedido de perdão aceito sinceramente. Ele faleceu no dia seguinte. Ela, então, procurou a Outra e aconselhou-a que procurasse um advogado e requeresse, na justiça, a pensão dele. Afinal, disso Ela não precisava, pois tinha como se manter bem, com sua própria aposentadoria, ao contrário da Outra, que além do mais, compartilhara a pior parte da vida dele. Foram dezessete anos de dedicação, companheirismo e cumplicidade, sendo que os dois últimos, de noites mal dormidas, preocupação e cuidados adicionais com alimentação e horários dos remédios.
Numa de suas visitas, Ela perguntou porque Ele não se casava com a Outra, já que viviam juntos há tantos anos. Ele respondeu que não sabia se Ela aceitaria o divórcio. Ora, lógico que sim. Ela própria daria entrada nos papéis. Ele pediu então, que Ela o ajudasse na compra de um terno novo para o casa- Enquanto a decisão judi-
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uma das duas receberia cin- em que sempre viveu. Ela, qüenta por cento da pensão. que aos setenta e sete anos nunca esteve tão forte e Doze anos se passaram saudável, planeja sua quarta desde então. A Outra, com viagem à Europa, a tranquilidade financeira que a pensão lhe propor- na companhia das filhas e cionou, voltou a estudar e genros. A questão foi julgada e o hoje é professora da pré-esjuiz determinou que cada cola, na comunidade carente Ele? Acho que está em paz. cial não saía, durante mais de um ano, era Ela quem recebia a pensão dele, mas enviava para a Outra, através do banco, mensal e religiosamente, o valor integral.
POESIA
VALQUÍRIA IMPERIANO DISFARCE Tentei ocultar as tristezas nas falsas alegrias Procurando encantar o mundo Com meu sorriso disfarçado Enganei-os! Enganei-me! Bastou um contato com a mágoa... Bastou uma caricia do engano... Bastou a ilusão desvanecer... Meu riso apagou-se e A tristeza desabrochou. (Poema extraído do livro: Navegando em Ondas Altas) "Brasileira radicada na Suiça desde 1997, Valquíria é naturalizada e fixou-se em Genebra. Conscientizou-se do quanto o Brasil é carente de apoio cultural. Criou a Associação Cultive Art Littérature et Solidarité, da qual é a presidente, que leva cultura a lugares desfavorecidos no Brasil e divulga a literatura lusófona na Europa. Organizando eventos culturais literários, tais como o Salão do livro de Genebra e o Salão de Luxembourg, e realizando anualmente o Festival Cultural Cultive e a Campanha da Felicidade, a Cultive se impôs como uma associação séria e conceituada."
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A ILHA: 3 LITERATURA
Queiroz
Por Luiz Carlos editor e revisor, Fun Grupo Literário A de trajetória, cade SulBrasileira de Let
e,
Queiroz
minho
POETAS DA ILHA - ANTOLOGIA POÉTICA
m.
POETAS da ILHA
ANTOLOGIA POÉTICA
cidade andeza
bonito
Faz TRINTA E a revista Suplem ILHA surgiu, em Sul, a partir de u A ILHA. O j 1980 naquela vinha prover a f na região. A r recebia originais poemas, crônicas pequeno jornal e surgiu a necessi espaço, específi suplemento, que os escritores da c nascimento do ILHA, junto com De lá para cá o Joinville, onde fi anos, congregan escritores do no todo o Estado, outros países, e e sede em outra ilh O Suplemento L sem sombra de d literária mais Catarina. Nenhu essencialmente tanto tempo em três meses, um revista circulou, e oito anos, E continuará ci advento da Inte on-line no p (http://www.prosapoe
O Grupo Literário A ILHA fechou o ano de 2018 com o lançamento da antologia POETAS DA ILHA, com poetas que vivem na Grande Florianópolis. Pedidos para o e-mail revisaolca@gmail.com . • 56 •