Ailha143dez2017

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SUPLE MENTO

LITE RÁRIO Florianópolis - SC • Dezembro / 2017 • N.143 • Edições A ILHA • Ano 37

O VALOR da Palavra, por Enéas Athanázio

ESCRITOR-Leitor, por Luiz Carlos Amorim

O PRESENTE de Natal, por Else Sant´Anna Brum

ENCONTRO Catarinense de Escritores

NOVA

Revista Literária vem aí

QUINTANA, ETERNO E MODERNO

Portal A ILHA: http://www.prosapoesiaecia.xpg.uol.com.br


Florianópolis - SC • Dezembro / 2017 • N.143 • Edições A ILHA • Ano 37

SER BOCÓ Rita Marília – Florianópolis, SC

Q

uando me escondo na lua de lata e o vento me empina como pandorga, minha cabeça salta de estrela em estrela para pegar uma e amarrar na cabeleira do cometa.

desaparece; fui correndo me esconder em baixo da cama, achei minha boneca e descobri que era ali que as coisas desaparecidas ficam.

minha irmã não sabe que chorar também faz rio.

Nós estávamos todos comendo na cozinha quando entrou um homenzinho de chapéu e tudo. Meu pai não gostou e fechou o livro, minha mãe bocejou

Eu tenho um saco cheio de bolinhas de gude e uma delas chama “olho de gato”. Minha prima queria, mas não quis mais, porque eu disse que o olho não enxergava nada, então ela ficou contente.

Minha mãe disse que salada de fruta faz bem, por isto, à tardinha, vou chupar manga em baixo do pé de banana. Contei para o tio que pintei meu dedo de preto para assustar meu irmão, dizendo ter um dedo a menos. Então o tio disse que à noite, quando o dia fica preto, muita coisa

Minha mãe é que sabe das coisas: quando ela quer que algo desapareça, ela fecha os olhos.

Quem é bocó corre atrás dos versos e salta por cima dos números ímpares. Quem não é, sabe contar até dez.

e minha irmã foi chorar dentro do roupeiro, para não ver o rio de sangue. Eu fiquei rindo porque

Minha trisavó é vizinha d’um tal homem de barro chamado Manuel. Ela disse que ele disse que eu sou bocó porque minha alma não expandiu ainda.

Que vivia em atrofia. Alongo os músculos Dos sentidos Desprendo os ferrolhos Do olhar Liberto os desatinos Entorpecidos Permito-me desabrochar.

DESPERTAR Chris Abreu – Florianópolis, SC

Vejo flores onde era pedra Pôr de sol torna-se arte O coração guia a caneta O embrião cresce poesia Pasmando a poeta inerte 2


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SUPLE MENTO

LITE RÁRIO

EDITORIAL

A

qui está a última edição de 2017, mas a primeira com o começo das mudanças que teremos na revista em 2018. A diagramação muda, para tornar mais agradável a leitura. O conteúdo continua o mesmo, muita prosa, muita poesia, muita informação cultural e literária, contemplando escritores brasileiros e de outros países. Apenas a aparência mudará, ficará mais eclética, para acompanhar a modernidade e a tecnologia dos nossos tempos atuais.

O critério de participação continua mais ou menos o mesmo, a redação continua convidando os escritores. Apesar da não impressão, a confecção da revista implica em custos – um profissional estará encarregado de formatá-la e fazer sua editoração. Cada autor convidado terá informações detalhadas sobre isso, quando convidado. A revista tem um alcance mundial e não podemos descontinuá-la, pois é uma referência no que diz respeito à publicação literária nas últimas décadas. Então estamos procurando novas formas de mantê-la viva. Contamos com todos vocês.

Em 2018, lá por meados do ano, a revista deixará de ser impressa, passará a ser uma revista virtual, online, e será colocada no ar no portal do Grupo Literário A ILHA e em páginas literárias na internet, em blogs e programas de relacionamento, em duas versões: e-book, para ser folheado e em pdf, para que quem quiser imprimir, possa fazê-lo.

Vamos fazer um excelente 2018 literário. O Editor

Visite o Portal

PROSA, POESIA & CIA.

do Grupo Literário A ILHA, na Internet, http://www.prosapoesiaecia.xpg.uol.com.br 3


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QUEBRACABEÇAS Ângela Neves – Joinville, SC

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tem sentido se encontrar outra peça que se encaixe, só tem finalidade se ao juntar uma na outra se consiga observar a beleza que há no juntar-se para tornar-se maior.

Já nas igrejas, juntam-se as peças que fazem o evangelho da boa nova se espalhar, levando esperança e alento a todos aqueles que acreditam que o céu espera Na vida cada um é uma por nós. peça, que se juntando Em todos os lugares com outra, forma uma devemos ser tolerantes, família, uma empresa, compassivos, bondosos, uma ONG, uma igreja, generosos, colocar nossos enfim, não estamos dons à disposição de e não podemos viver quem enterrou os dons sozinhos. Nas famílias, que de Deus recebeu e as peças se encaixam assim multiplicar os pães e se multiplicam, vêm e peixes para alimentar o os filhos, os netos, os maior número de pessoas bisnetos, as noras, os genros, os agregados. possível.

ocê é fundamental! Quando compramos um quebra-cabeças, temos a impressão de que será um desafio enorme juntar as peças e formar o desenho. Cada peça é um pedacinho que algo maior, cada peça só faz sentido se juntarmos outra, mais outra e mais outra, até não termos mais peças para colocar. Não nos damos conta do que o Na empresa se encaiquebra-cabeça significa xam para compor novos produtos, serviços, para na realidade. melhorar a qualidade de Um jogo? Um passa- vida das pessoas, da tempo? Um brinquedo natureza, gerar emprego pedagógico? Talvez uma e renda. Nas ONG’s, ou duas opções acima, para lutar por uma boa mas para mim o real causa. Juntam-se para significado do quebra-ca- salvar animais, salvar beças é que cada peça vidas, crianças e assim é única e necessária no fortalecer o elo entre universo. Cada uma só natureza e humanidade.

Acredite, você, eu, somos uma peça do quebra-cabeças e com nossas falhas, qualidades, defeitos, somos parte de algo maior. Talvez ainda não saibamos qual o nosso lugar nesse quebra-cabeças que é a vida, mas devemos ter em mente que somos amados pelo que somos por nosso Senhor Deus.

EU AMO

A antiga e errônea fé

Fernando Pessoa

O ontem que a dor deixou, O que deixou alegria

Eu amo tudo o que foi Tudo o que já não é A dor que já me não dói

Só porque foi, e voou E hoje é já outro dia. 4


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Nem ele mais se conhece... Até que um dia tristemente, sua face enrugará. Depois verá claramente onde era o seu lugar... As máscaras findaram... Chega o homem, ao ponto crucial Hoje é o grande dia, do julgamento final. De cara lavada, e sem a alma mascarada. Pede a Deus que o reconheça, que se compadeça... Jogadas ao chão, viu as máscaras que conhecia. Máscaras da vaidade, da falsidade, da ignorância, da intolerância, da caridade, da bondade, da amizade, da religiosidade... Cerrou os olhos e falou: - Senhor! Não me resta mais nenhuma máscara. Este aqui sou eu...

MÁSCARAS Arlete Trentini dos Santos – Gaspar, SC

E as máscaras caem, como folhas de outono... Não duvida. Não há dúvida, uma pessoa é capaz De ter mil máscaras nesta vida. Como uma cobra que perde a pele O humano troca de máscaras Mas quase nunca é capaz De se mostrar por inteiro E pode até dizer, que é muito verdadeiro. Tem face que até seduz Tem um brilho que reluz Consegue emocionar Num choro minguado e infantil Querendo mostrar ao mundo, a inocência juvenil. Mas, se esperares mais um pouco Verás, outra máscara cair... Já não o reconhecemos, não sabemos quem é,

Migalhas de sol Nas árvores Para ti Dançavam alegria Do nascimento Da primavera.

NASCIMENTO Bogumil Wtorkiewicz – Polônia

Como cabeça de uma menina De Botticelli Nos raios dos cabelos Da tarde ardente.

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O IPÊ AMARELO doce, tão amorosa... tão Ah, a estação das flores! Sonia Pilon – Jaraguá do Sul, SC

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empre gostei de flores, de todos os tipos e cores. Desde as silvestres e não menos perfumadas, como a alfazema, até as mais rústicas espécies. Quando se apresentam com um colorido singelo e harmônico, esparramadas pelos campos, parecem trazer no âmago a missão de transmitir bem-estar, aquela sensação que nos faz sentir conectados com natureza. Combina com ar puro, cheiro de mato, céu azul, tranquilidade, paz interior. O aroma e o tom marcante de uma rosa vermelha seduz os sentidos, encanta e muitas vezes deixa um convite no ar, uma promessa para quem a recebe. Vermelho, cor de sangue, da paixão, do arrebatamento, destempero, descontrole. Lembra salto alto, empoderamento e protagonismo feminino. É o contraponto da rosa cor-de-rosa, tão

tranqüilizante quanto um chá de camomila no fim da tarde, ou um mantra oriental.

A primavera tem dessas coisas! Traz à tona sentimentos e sensações ocultas até então encolhidas pelo cinzento e chuvoso inverno de folhas escuras que formam tapetes ruidosos nas calçadas. Sai do estado de soprar gélido e pula para a alegria saltitante. É quando as portas e

janelas se abrem para que o espaço de viver seja invadido pelos raios solares, aquecendo o ambiente e a alma. Hora de espantar a umidade dos dias, o recolhimento embolorado e o enferrujar dos pensamentos. Hora de se despedir do desânimo, da solidão lotada de gente ao redor, do silêncio que grita por dentro. 6

Traz em seu bojo a esperança, aquela que pede o esperar, a paciência, e que, dizem, é a última que morre... Sempre gostei de flores, de todos os tipos e cores... A natureza é tão pródiga em beleza! Orquídeas, crisântemos, cravos, violetas, margaridas, girassóis... O manacá-da-serra, bicolor, em branco e lilás me encantou à primeira vista quando cheguei ao norte-catarinense. Suas flores povoam e se esparramam às margens das estradas. De tão perfeitas, as pétalas parecem pintadas por um mago das tintas. Nas últimas semanas, encontrei diversos pés de ipê-amarelo. Iluminados pelo sol, a florada se torna ainda mais vistosa, enchendo os olhos de admiração. Ontem choveu. As pétalas do ipê desprendidas dos galhos foram, pouco a pouco, transformando o encardido das ruas em um revestimento amarelo. Reduzi o passo e fiquei olhando aquela cena por alguns instantes. Precisava aproveitar aquela imagem fugaz... Pois é, sempre gostei de flores, de todos os tipos e cores...


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VELHOS GUARDADOS Maura Soares – Florianópolis, SC

Na velha caixa quase se desmontando, antigos papéis. Guardadas no fundo do armário junto a roupas em desuso, cartas amarradas em fita lilás. Ela pegou o pacote, desatou a fita e as lembranças saltaram das palavras escritas em letra fina e inclinada. Antigo amor, que desfilou em textos românticos palavras de submissão a um sentimento que desejava fosse eterno. Mas...as coisas mudam. As palavras ficaram guardadas nas velhas cartas e o amor, antes eterno, feneceu nas letras que o tempo se encarregou de desbotar.

do que o nada se não tem onde caiba, então extrapola e abre purple rain não passarei incólume viverei plenamente não sou de circo mas sigo em frente

LUA CHEIA LIBRA-ÁRIES Clarice Villac – Campinas, SP

a Lua tão cheia que nos alumia também ressalta a parte vazia… carregar uma saudade é melhor 7


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Encontrou, logo a seguir, - Tenho um só desejo O PRESENTE crianças brincando na nesta noite em que DE NATAL DO PRINCIPEZINHO rua. Puxou conversa comemoramos o nasciElse Sant´Anna Brum – Joinville, SC

N

com um dos meninos dizendo que gostaria de ver como estava arrumada sua casa para a festa de Natal. Num instante as outras crianças cercaram o principezinho e o levaram até suas casas. A maioria tinha apenas um quarto. Não havia nenhum presépio, nem comidas especiais nem nada.

um certo reino vivia um rei entre festas e banquetes, enquanto o povo passava muitas dificuldades. Este rei tinha um único filho que seria herdeiro do trono. Contava apenas dez anos de idade e era muito estimado por possuir um coração bondoso. O futuro rei voltou triste para o palácio pensando Estava chegando o Natal numa forma de ajudar e no palácio se preparava aquela gente. À noite, uma grande festa. Na quando chegou a hora véspera do dia de Natal, enquanto ricas carruagens de escolher seu prechegavam para as comemorações, o principezinho que tinha ouvido a história de Jesus – o menino que nasceu numa humilde manjedoura – resolveu sair do palácio para ver como eram as festas de Natal nas casas das crianças do reino. Saiu com roupa comum e um chapéuzinho de abas caídas para não ser reconhecido.

sente todos esperavam ansiosos para saber o que o menino escolheria. Diante do rei seu pai e de personalidades do reino, o principezinho falou: 8

mento de Jesus: ajudar os pobres que vivem em nosso reino. O rei levantou-se surpreso e exclamou: - Onde meu filho foi buscar esta idéia?

Mas, não podendo fugir ao pedido do filho, ordenou que seus conselheiros cumprissem o que o menino determinasse. Aquele foi um Natal especial. Dali em diante o rei mudou de atitude. Acabaram-se as festas suntuosas no palácio. Ao lado do filho o rei passou a percorrer as cidades e povoados conversando com os súditos para conhecer suas necessidades. Dentro de pouco tempo, a situação era bem diferente. E o Natal passou a ser festejado com alegria em todos os lares, pois, dizia o então jovem príncipe: o divino aniversariante deseja que todos vivam felizes!


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Sei! És encantamento! Uma criança nasce querubim! Avesso-me de corpo e alma e não te percebo em mim. Transcendo-me, indefiro-me e percebo a rigidez da solidão. – Como encontrar-te se não existes? – Como amar-te se és pensamento? – Como venerar-te se és encantamento? As coisas complexas da vida atormentam A mim e aos anjos. Vou-me vazio, vazio, tal transeunte ébrio de solidão.

AUSÊNCIA Harry Wiese – Ibirama, SC

Apalpo-me e sinto que não estás em mim. Biopsio-me e não estás em mim. – Onde estás que não te vejo? Indago a mim e aos caminhantes solitários tardios. Sei! És pensamento! Uma flor desabrocha no jardim! Orgulhar-me-ia de tê-la em mim. Dispo-me absoluto e esvazio-me inteiro. – Onde estás que não te percebo?

A sensação, a primeira sensação de sentimento. Será que era o amor? Aquilo era o amor? O seu vislumbre era, com certeza. O amor no seu estado pagão, assexuado. O susto primeiro, na solidão daquele sótão. O primeiro susto dos muitos que viriam…

O SUSTO Fátima Barreto – Laguna, SC

Assim, do nada, de assalto, uma certeza que sobe em correria as escadas. A estranheza de um querer bem na ausência absoluta do desejo. Só a alma e os inconfundíveis abraços na estação rodoviária. 9


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tudo o que o universo da imaginação continha. Até hoje eu não saberia dizer o tamanho que é o Urda Alice Kueger – universo da imaginação, Palhoça, SC mas sei que ele estava todo lá. Aquela velha árvore foi o meu primeiro primeira casa exercício para um dia vir da minha a ser uma escritora. infância havia, No seu tronco, eu encontrava ao lado, um quadrado tenebrosas cavernas onde, de grama onde a minha com certeza, moravam mãe quarava roupa, e, no anõezinhos para os quais meio desse quadrado, a eu imaginava as mais primeira árvore importante fantásticas aventuras. da minha vida. Era um Também fadinhas transvelho pé de Pflaumen parentes voavam por ali, (acho que é assim que se eu tinha certeza, e eram escreve – penso que hoje de realizar qualquer desejo as Pflaumen estão sendo que uma criança tivesse. chamadas de ameixas, Eu via esses anõezinhos aquelas vermelhas, que e essas fadinhas com a dão na época de Natal). mesma nitidez com que Aquele pé de Pflaumen via as borboletas, as continha um universo bichas-cabeludas e os inteirinho: na sua velhice, outros insetos que por era cheio de nodosidades, ali andavam, e para cada ocos e cascas esbran- um eu imaginava enredos quiçadas meio soltas, e e aventuras. Tinha um nele eu podia encontrar cuidado especial com

A MINHA PRIMEIRA ÁRVORE

Na

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as bichas-cabeludas, nas quais sabia que não deveria tocar, pois já, um dia, encostara numa delas, e doera terrivelmente a queimadura que seus pelos tinham deixado na minha pele. Mas elas eram lindas! Havia-as vermelhas, alaranjadas, amarelas, verdes – que fantásticas que eram, com suas dezenas de pezinhos e seus pequenos corpos que se movimentavam velozmente pelo tronco daquela árvore encantada! Por ali, também, estavam as inimigas – é triste constatar que, já lá ao três anos de idade, a gente descobre que sempre há algum tipo de inimigo! As inimigas, no caso, eram as aranhas, que estendiam magníficas teias perfeitamente tecidas aproveitando como apoio as cascas do rugoso pé de Pflaumen, e nas manhãs daquela Primavera onde


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eu estava descobrindo o mundo, aquelas teias acordavam resplandecentes de orvalho, como verdadeiras jóias tecidas de miríades de diamantes luminosíssimos! A aranha ficava lá, bem no meio daquela luminosidade toda, e eu ficava olhando, torcendo para que ninguém quisesse chegar perto. Não tinha jeito, porém – sempre alguém acabava atraído por toda aquela beleza que resplandecia ao sol, e às vezes eu conseguia salvar o inseto desavisado, puxando-o para fora da enganosa e grudenta teia com um pauzinho. Às vezes, porém, não era possível. Então, horro-

rizada, eu via a aranha vir andando devagar, com toda a calma, para saborear o seu almoço. E olhem que às vezes era almoço grande, uma bicha-cabeluda inteira para uma pequena aranha – então quando não tinha o que fazer, eu fechava os olhos e corria me esconder para chorar, escondida, pela sorte daquele bichinho que estava sendo devorado. Alguém há de perguntar: por que é que eu não matava as aranhas? Sei muito bem a resposta: porque não tinha coragem. Elas também eram vida e também faziam parte do mundo mágico

e encantado daquela minha primeira árvore. Havia que tentar proteger os outros insetos, mas também havia que respeitar as aranhas e as suas teias luminosas e enganadoras. Aquela minha primeira árvore muito me ensinou sobre a vida e sobre a imaginação. Mesmo agora, tantas décadas depois, quando as coisas ficam complicadas, às vezes eu penso nela, e desejo ser muito pequena, para voltar a ela e esconder-me numa das suas misteriosas cavernas. Imaginando com força, ainda consigo.

instrumento semeando pequenos pedaços de sonora paz. Trago em minhas mãos as marcas do tempo tecendo séculos no antes e o depois. Memórias de emoções sentidas em muitas vidas Aldeias, vilas, cidadelas e desertos… Altivo malê. Do meu destino maestro… Tornei-me alabê.

ALABÊ Denise de Castro – Florianópolis, SC

Trago em mim o pó das estradas, a esperança das encruzilhadas. A certeza dos caminhos e o não olhar para trás. Avanço sobre oceanos carregando um rio e faço das beiras casa. Ouço a sinfonia das trovoadas E nela sou apenas vento Lanço-me no ar como um 11


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Passa poste, fio de luz Passa casa, um homem passa Passa carro, desce o sol A mãe dirige, o tempo passa Passa anel e a uva passa Passa lá no mercadinho A filha chora, o filho abraça Passa o rei e o passarinho

Toda a gente, dor de dente, passa a vida, a vida passa. Chega em casa, passa o bife, passa a roupa, a hora passa Passa o filme, passa as ordens, passa o pano na vidraça A novela, a lição, a pomada e o lençol. Passa o sono e a noite passa antes fosse "tudo passa" tem saudade, tem saudade Tem saudade que não passa.

NATAL NA TERRA

São distintos alertas natalinos.

Aracely Braz –

As famílias se recolhem

São Francisco do Sul, SC

Ao silêncio e à reflexão,

O perfume celeste invade a terra! O povo se movimenta À procura de novidades festivas Porque outro Natal se aproxima. É o Natal das crianças, Sempre com expectativa de novidades; Papai Noel, sem preconceitos, Com certeza lembrará de todos. Renasce o Cristo da manjedoura, Quando nos lares, com pinheiros e presépios, Entoam-se hinos de louvor, Na esperança de um mundo melhor! O jacatirão em flor E o mágico trinar das cigarras

Na imagem de Cristo ressuscitado,

PASSAGEM Taiana Brancher – Florianópolis, SC

O cristo que por nós morreu E continua vivo entre nós, Para nos abençoar, Amar e perdoar.

Luiz Carlos Amorim e Aracely Braz

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NOVOS POETAS PORTUGUESES POEMA IX Rita Pea – Portugal

Retomo a poesia Delicadamente, no cálice do Tempo… Degusto os meus desejos, cor de vinho, sublimados pelo verbo. Invado-me, nos meus sonhos cor de mar, perpetuados nas palavras… E a vida, nasce, no meu corpo sedento de eternidade…

SEM TÍTULO Sandro William Junqueira - Portugal

As palavras não escrevem. Estão fechadas: dentro das emoções que ardem aos poucos pela casa. Lá fora o mundo foge pela noite; a chuva estala. Lembra-nos o sangue que ninguém abraça: o muro alto; a mão, clausura de si e movimento. A mão não escreve para Deus: tortura. A mão morre para dentro: amputada. 13


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PASSEIO COM UM CÃO DE ASILO Dulce Rodrigues Portugal

Depois de regressar de Portugal, um dos meus filhos e a minha nora tinham-me preparado uma grande surpresa! Uma ida ao asilo para animais de Gasperich, Luxemburgo! Razão? Levar a passear um cão do asilo. Um momento de felicidade para os pobres animais que o egoísmo humano condenou cruelmente ao abandono, como se fossem objectos de que nos desfazemos quando já não precisamos deles; uma experiência enriquecedora que nos permite uma hora de contacto com a natureza ao mesmo tempo que dispensamos atenção e um pouco de carinho a estes amigos de quatro patas que tanto têm para nos dar sem nada esperar em troca. O cão que nos foi atribuído para o passeio chama-se Chic e é um Jack Russel de pouco mais de 10 anos. Foi para o asilo

porque o dono mudou de casa e não o pôde levar. O Chic é um cão brincalhão e que gosta de exercício. Não simpatiza muito com os outros cães, sobretudo se eles são muito maiores do que ele, pelo que devemos evitar que se aproxime

momentos de felicidade a muita gente que gosta de cães, mas que não pode ter nenhum, contribui ainda para o aspecto pedagógico de sensibilização da sociedade para a causa animal, ao dar a oportunidade a muitos de ter um contacto directo com um cão, de uma forma lúdica e sem compromisso. Esse contacto trará inevitavelmente maior conhecimento sobre os cães e, indirectamente, levará ao despertar de interesse pelos mesmos. Como costumo dizer, não gostamos do que não conhecemos. Esta será uma boa maneira de dar o primeiro passo para se conhecer e gostar mais deles. À parte isso, o chic dos animais. é um cãozinho agradável Em homenagem aos e fácil de levar a passear. nossos incondicionais A possibilidade de poder- amigos de quatro patas, mos passear um cão não este maravilhoso poema, existe em todos os asilos de autoria desconhecida, e refúgios de animais, ao que poderão também que me parece, mas seria encontrar noutras línguas uma maravilhosa iniciativa em www.barry4kids.nete a pôr em prática. Além de que certamente não vos proporcionar agradáveis deixará indiferentes. 14


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JURAMENTO DE UM CÃO POLÍCIA (autor desconhecido)

Eu darei a minha vida por ti Sem nada esperar em troca senão amor. Protejo o meu dono com a minha própria vida E aceitarei ser atingido em seu lugar. Vou à procura de crianças perdidas E de fugitivos a monte. Encontro drogas e armas, até mesmo bombas. Sou o primeiro a chegar ao local E muitas vezes o último a ir-me embora. Sou o nariz e as orelhas do meu dono. Hei de protegê-lo e servi-lo. Darei a minha vida por ele e por si. Só peço um pouco de compaixão e uma palavra amiga.

COQUEIRAL Matilde Campilho - Portugal

A saudade é um batimento que rebenta assim vinte e oito vezes desde meu ombro tatuado de desastre até à rosa pendurada em sua boca E o amor, neste caso específico, é um mergulho destemido que deriva quase sempre de uma nota climática apenas para convergir no osso frontal do crânio do rei da ilusão – terno é o seu rosto Senhor, os ossinhos do mundo são de mel e ouro. 15


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Nascente de água pura Sacia a saudade Recebo minha cura Na luz do teu olhar Fui fogo e tive frio Com o Sado a desaguar Nos fados que copio Já fui vinha e olival Lá gastei as minhas vidas No açúcar e no sal De chegadas e partidas

A VINHA E O OLIVAL Pierre Aderne – Lisboa, Portugal

Janelas vão se abrir Os olhos marejar Telhados vão sorrir Os barcos vão dançar Nas ruas de Alfama Vai ter festa e procissão Nos rossios de quem ama Nas quadras da oração Na luz dessa cidade

AS ILHAS E AS FLORES Joel Neto - Portugal

P

ercorreu um trilho ao longo da manhã e sentou-se a comer entre as azáleas. Quando um dia voltasse a partir, talvez nada lhe

fizesse tanta falta como as flores. As hortênsias e as árvores-de-fogo, as beladonas e as camélias, as magnólias e as olaias: encantava-o a cadência a que floriam naquela ilha — e depois ainda havia os hibiscos, os jarros e os mantos infinitos de erva azeda,

Norma Bruno – Florianópolis, SC

A

Podia dizer-se o que se quisesse sobre as ilhas, menos que fossem claustrofóbicas. Não as ilhas onde houvesse flores. (Excerto sobre os Açores) dou com um grupo de mochileiras muito louras a olhar maravilhadas ao derredor. Uma delas me aponta com a cabeça. Talvez pela minha cara de sonada, percebo que me confundem com uma lisboeta. Faço pose.

JANELAS DE LISBOA

cordo alvoroçada. São 07h45 e um casal discute em algum ponto do casario. Abro a janela e

sempre prontos a acorrer a algum sobressalto da meteorologia, para que nunca faltasse a cor.

Chiado, Casa da Bica Foto da autora

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Um casal de jovens passa cantarolando um


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clássico do Rock em alemão, cada qual com uma cerveja na mão. Um cachorro puxa o dono morro acima e alivia-se diante da minha janela. O cachorro. Um sósia do João Bosco, só que mais feio e sem charme, passa também e alivia sua inquietação

mexendo freneticamente tudo enquanto o Elétrico, no celular. que em outros horários Um homem de cabelo ralo sempre vai socado de e jaqueta do Che desce gente, desce a colina com a ladeira com passos trô- apenas quatro senhorinhas. pegos e olhar embotado. Essas, sim, autênticas. O Jovens asiáticas muito casal silencia. Devem ter arrumadinhas e falando se entendido. baixinho tiram fotos com seus aparelhos de última Lisboa, 13 de outubro geração. Um alemão filma de 2017

DESEJOS Cláudia Kalafatás – Florianópolis, SC

Meus olhos registram o tempo e então na luz das efêmeras distrações me perco Tempo lento Não obstante olhos atentos filtrarão o que a memória adiante resgatará, me sinto cansado: sento! Crivo que conta com a colaboração do coração: engessado monumento que não esquece o que desaquieta e turbilhona a vida: catavento Amores que se foram com o vento: interior tormento... O gotejar dos anos a meus cabelos engrisalhar cansadas mãos que assisto enrugar até que por fim, quando a vida no corpo cessar para algum lugar melhor almejo merecer e rumar para que mais profundas prosas venha a trocar e no seio de quem me amou repousar. 17


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Capturadas pelos olhos do tempo E quando anoitece As colinas prateiam a noite de Nova Trento São colinas prateadas de saudade Colinas prateadas pelo tempo Vaga lumes dourando a noite Cantos e contos imigrantes... Sonoridade que habitará Permanentemente Em mim...

OLHOS DO TEMPO Selma Franzoi – Jaraguá do Sul, SC

Olho pelos olhos do tempo... Sou parte da paisagem Bucólica de meu vale neotrentino Alguns sentimentos provisórios Saudades permanentes Imagens permanentes Particularidades culturais De meu povo imigrante... Conjugar o verbo partir Esquecendo o verbo voltar Semblantes em imagens

estava preocupado com o melhor ângulo, com o Marcos Meira – ISO que iria usar, com a São José, SC profundidade de campo... E o homem mirava o assunto, disparava o obturador, olhava o visor omingo. O menino da máquina e não se queria sair para fotografar; o homem, não. O motivo? O homem sabia que a luz do sol ainda era forte, dura – as fotos não sairiam boas. O menino insistiu. O homem condescendeu. Chegaram à praia. O contentava. As fotos não mar paradinho; não tão saíam como ele queria. paradinho assim – ondas Mas o menino teimava, encrespavam levemente e o homem focava num a superfície do mar. barco ancorado, nas Na verdade, o vento gaivotas que pairavam desenhava o mar. Quem sob o azulado do céu, percebeu isso foi o num veleiro encostadinho menino, já que o homem ao horizonte...

BORBLETA

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O homem franzia o cenho; pensava em desistir. Até que o menino chamou a atenção do homem para uma pequena borboleta que pousava aqui e acolá; voltava a voar. A borboleta estava irrequieta; pouco tempo permanecia quietinha. E o homem, ele mesmo um menino, abaixou-se, focou a borboleta e, esquecendo-se das técnicas fotográficas, apertou o botão do obturador. O homem ergueu-se. Olhou no visor da máquina. Sorriu. E pensou: “Se o homem que tento ser não ouvisse a voz do menino que fui, essa borboleta jamais seria fotografada”. E só aí me dei conta de que estava sozinho.


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TODOS OS OLHOS Jacqueline Aisenman – Genebra, Suiça

F

ez-se silêncio no mundo.

Todos os olhos foram perdidos. As almas andam cegas por aí, temerosas das surpresas do caminho. Esbaram umas nas outras, subtraem-se de qualquer reação. Vagam desesperadas e em silêncio tentando não ser notadas. Descobrem a cada passo uma fragilidade desconhecida, uma agonia que aprisiona e suga a vitalidade que antes parecia ser eterna. Todos os olhos foram perdidos. Os corpos andam por aí vazios das almas agora cegas. Não se movem, poderiam ser confundidos com mortos tão bem a ceifadeira lhes maquiou as faces, lívidas e imóveis. De longe vem o frio e ele agarra brutalmente cada parte dos corpos que ainda se mostrava sensível. Aos poucos vem o sono e a vontade de partir, partir…

dos pensamentos quase esquecidos, tentam criar…. Buscam as ideias geniais, as palavras que possam traduzi-las…. Desejam conhecer um pouco mais…. Poderiam se questionar sobre tanto… Mas de repente não entendem mais o que significa isto… questionar… Sem ruídos ou imagens exteriores elas se calam… Todos os olhos foram perdidos. Esvaziaram-se as ruas, os campos, os mares e as montanhas. O infinito branco abraçou céu e terra. Como se um conto de fadas fosse tornado realidade, tudo no mundo foi silêncio.

a música lhes enaltecesse e com ela voaram… Abriram-se em seguida os olhos das mentes aturdidas. Estarrecidas e mesmo sem nada compreender, restava-lhes a imensa alegria da visão… E os corpos, que sentiam a melodia roçar os ouvidos, mesmo com tanta beleza, não abriram os olhos. Acostumados à cegueira e à imobilidade, negaram o convite das almas para dançar… Afastaram os pensamentos que lhes pediam para reagir… Os olhos de todos os corpos permaneceram fechados, esquecidos de tudo o que já tinham visto. Gelados e inertes, caídos e sem defesas, foram levados pelas mãos da morte que já os aguardava sedenta. Desabitados de qualquer vida verdadeira, partiram vazios de alma e pensamento.

Foi quando o primeiro acorde tocou. Depois o segundo e outros seguiram. A música, voando célere, carregava dentro dela uma energia que nenhuma consciência, em qualquer plano estivesse, conseguia subverter. Era Fez-se silêncio no mundo. uma força sem braços, sem máquinas, sem gritos e sem olhos. A força totalmente cega de sons unidos a se propagar em forma de uma melodia intraduzível, era tão elevada e sublime que conseguia atravessar distâncias em segundos…

Todos os olhos foram perdidos. Há mentes inquietas, outras apavoradas, mas há também Abriram-se primeiramente aquelas aquietadas pela os olhos das almas tristes. falta da visão. No limbo Encantados, deixaram que 19


Florianópolis - SC • Dezembro / 2017 • N.143 • Edições A ILHA • Ano 37

VIDA Márcio Rodrigues – Laguna, SC

A vida é a eterna celebração do novo. Do surpreendente, do inusitado. As coisas e as pessoas se movem para dar lugar à renovação. É a alegria do Criador se manifestando a cada dia. Águas estagnadas apodrecem. Existir é rio caudaloso. Alguém comemora seu aniversário. Celebra mais um ciclo de uma volta completa em torno do sol sem ter saído de seu pequeno rincão, secreto e único, onde se desenrola sua história no universo. Talvez nem se dê conta, mas em cada um deles havia mimos especiais de Deus. Um inverno, um verão, uma primavera e um outono inteirinhos, trezentos e sessenta e cinco dias e tantas outras noites, tantas auroras e ocasos. Garoas e tempestades, brisas e ventanias. Quantas vezes você parou para apreciar o céu estrelado sobre o infinito manto negro, o raio amedrontador riscando a noite escura com seus caminhos de fogo? A vida é um teatro onde somos ao mesmo tempo atores e espectadores, onde emocionamos pessoas e pessoas nos emocionam. E o espetáculo jamais repete, mudam atores e plateia, mas a mesma peça, nunca mais! Portanto, vivamos o novo de cada dia a cada dia, A eterna evolução de nossa fábula. Façamos dela um show digno de aplausos. 20


Florianópolis - SC • Dezembro / 2017 • N.143 • Edições A ILHA • Ano 37

“O” MALA ! Mary Bastian – Joinville, SC

A

lguém do meu tempo, lembra de uma história de um gato chamado Mundo? O dono dele era pobre e morreu. A viúva, durante o velório, com poucos recursos, fritava bolinhos pra quem estava se despedindo do morto. O gato chegava, de mansinho, e roubava um bolinho. A viúva já estava indignada e preocupada que fosse faltar farinha, dizia: ah! Mundo, Mundo, de um a um, vais levando todos. E ela chorava. Até que o gato levou uma vassourada e sumiu deixando os bolinhos em paz e a viúva mais sossegada. Pois é o caso da Lava Jato. De um a um, tá pegando todos. Mas cá pra nós, desta vez a coisa

tá muito feia. Como é que alguém que planeja um roubo deste tamanho, não faz um projeto decente, e deixa um rabo destes, maior do que o do gato Mundo? Até parece coisa da novela das sete, planejaram, planejaram, e se lascaram. E vão todos pro xilindró.

porque, os atuais estão superlotados. Como é que vão fazer?

Ah! Se eu ganhasse uma caixa daquelas, cheia de dinheiro. Mas isto é sonho e aposentados devem dar graças a Deus por terem saúde e não precisarem fazer acordo de delação.

Pra encerrar, tenho outra história de bichos safados pra contar, porque é bem parecida com as histórias dos homens. É a história de um raposo ladrão, que pedia dinheiro emprestado e dizia que pagaria no Dia da Poeira. Mas como o tal dia não chegava nunca, ele não pagava ninguém, até que ficou devendo pro leão, que saiu correndo e rosnando atrás do raposo, deixando uma nuvem de poeira por onde passavam. Quando os outros bichos viram aquela poeirada toda, riram e disseram: felizmente chegou o Dia da Poeira, hoje o raposão paga todos nós.

Estamos de cabeça pra baixo neste mundo todo. Furacões, terremotos, tsunamis, bandidos matando bandidos e policiais. Vai faltar presídio, mesmo

Acho que todos nós também estamos esperando pelo Dia da Poeira, pra ver um Leão sair correndo pra pegar os raposões desta linda terra brasileira.

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ESPERANÇA Lorena Zago – Ibirama, SC

A tarde apresenta-se serena e silenciosa, E os pensamentos voam ao encontro do ser amado. No aconchego da rede tramada de fibras e cipó, Descansa um corpo alquebrado, E na languidez da essência magoada Desprendem-se sentires, Lembrando olhares nostálgicos de um passado. A chuva fina descortina-se na relva, Inserindo-se por entre as pedras e flores do gramado. Sublimes mensagens, Que os anos incrustaram, Traduzem lembranças caladas Na alma sensível do Ser amado. Sentidos emergem! E a necessidade premente de fazer-se feliz Busca, no baú da memória, Motivação para elevar-se, E na intrepidez da tarde amena, Vislumbra alicerce para encontrar-se. E num salto frenético de esperança, Abre-se o Sol!!! Ilumina-se o Ser, A vida colore-se Com a magia do Arco Iris. Nova luz!!! Instaura-se a harmonia, Manifesta-se a alegria, E a entrega se traduz Na esperança de um novo dia!

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O VALOR DA PALAVRA Enéas Athanázio – Baln. Camboriú, SC

Em

livro publicado no ano passado, a poeta e ensaísta Elizabeth Rennó reuniu diversos ensaios abordando variados temas relacionados à literatura. Trata-se de “Post-Scriptum” (Anonelivros – Belo Horizonte – 2009), com o qual a autora homenageou a Academia Mineira de Letras no ano de seu centenário. São trabalhos de uma pessoa erudita e conhecedora das coisas literárias, procurando lançar luzes sobre aspectos às vezes complexos dessa arte que é uma das mais difíceis que existem – a literatura. No correr da leitura ela desvenda muitos segredos nem sempre conhecidos do leitor, ensinando-o e orientando-o, objetivo que é, afinal, a própria razão da crítica literária. Pois –

como dizia Nereu Corrêa, nosso crítico maior – a função do crítico é guiar o leitor na selva dos livros existentes para que saiba distinguir o joio do trigo. Entre os múltiplos ensaios que compõem a coletânea, a autora aprofunda investigações sobre temas como a herança portuguesa na língua do Brasil, a análise literária,

o corpo textual, aspectos variados da poesia e do romance e muitos outros. Aborda a obra de inúmeros escritores, dentre eles Domingos Carvalho da Silva, João Cabral de Melo Neto, Lêdo Ivo, Adélia Prado, Lacyr Schettino, Hen23

riqueta Lisboa, Carlos Drummond de Andrade, Alaíde Lisboa de Oliveira, Agripa Vasconcelos, Aníbal Mattos, João Alphonsus, Milton Campos e os mestres Guimarães Rosa e Machado de Assis. Mergulha ainda em temas interessantes, como o indianismo literário, a Geração de 45, a literatura infantil, a linguagem poética, Santos Dumont, o homem-pássaro, a poesia de Emily Dickinson e assim por diante. Como se vê, é a permanente preocupação com as letras, sopesando sempre e sempre o valor da palavra, uma vez que ela é o instrumento do escritor. “O valor da palavra”, um dos ensaios iniciais, é dos mais curiosos do volume e bem merece um exame mais detido. Em certa passagem a ensaísta deixa aflorar uma preocupação constante de todo escritor. “Vive-se hoje – diz ela – a agonia e a morte de palavras que se fizeram alicerces de uma civilização – virtude, educação dos


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espíritos, polidez, cultura das artes e das ciências. Experimentamos a época da força bruta, guerras, assassinatos, a velocidade supersônica, os ruídos da comunicação, o excesso de imagens” (p. 17). Em suma, aquela convivência lenta e meditada com os vocábulos não existe mais e a consequência é o empobrecimento do linguajar das pessoas em geral, limitando-se cada vez mais ao estritamente essencial à sobrevivência.

Referindo-se à História, afirma ela que é “uma retomada de operações culturais começadas e continuadas pelo nosso presente numa caminhada possível. O caminho será o reino das palavras com seu mundo de significações e relações e que tem o poder de refletir valores e costumes, e que formará a base do mundo de nossa cultura” (idem). Em síntese: ou cultuamos o valor da palavra ou retrocederemos

aos guinchos e trejeitos ancestrais. Uma vez que é o uso da palavra que nos distingue dos seres inferiores. Elizabeth Rennó é autora de numerosos livros e mantém permanente colaboração em publicações literárias. Mereceu vários prêmios e distinções. Integra a Academia Mineira de Letras e a Academia Feminina Mineira de Letras. É mestre em Literatura Brasileira pela UFMG.

COISAS DE JANELAS Júlio de Queiroz (Céu dos poetas)

Bem me lembro: foi ontem, como anteontem também. Abri a vidraça larga, contra a qual moscas e abelhas desesperavam-se por não voar para o mar derramado à nossa frente, ou aventura inaudita, chegar à Ilha das Vinhas. Já o sol, valente guerreiro, tinha mandado a vidraça às favas; se instalado na sala inteira. Disse eu para minha alma: - Opa, quanta beleza! Hoje, tudo cinzento. O Clube do Badesc, fechado. A Ilha, noviça, recatou-se. Repito para minha alma: -Outra vez, quanta beleza! 24


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Eu quero o começo, o meio e o fim. Eu quero saber quem sou eu, quero poder ver do início ao fim esse espetáculo inteiro, que é só meu. E de mais ninguém. E antes das cortinas fecharem, que eu possa ter entendido que daqui eu nada levo, a não ser tudo que eu sou e as experiências que eu pude viver. Que valeu a pena cada segundo. Que mesmo sem rumo certo, a vida valeu muito mais do que minhas confusões e medos pra chegar onde cheguei. Que no fim tudo foi como tinha que ser. E que meu eu do agora, não se arrepende de nenhum passo que dei, ou deixei de dar. Que a vida não foi em vão, mas que tudo é um espetáculo sem fim. Onde eu permaneço pra sempre, sem jamais esquecer de quem fui.

O ESPETÁCULO JAMAIS ACABA Pamela Schervinski – Jaraguá do Sul, SC

Eu busco o sentido em cada passo que dou. Busco simplicidade para viver cada momento e provar que vale a pena ser quem eu sou. Provar para mim mesma. Sem julgamentos. Sem máscaras. Sem atuação. Apenas eu. De mim para mim. E por mim. E nessa vida, que aliás, é curta e muitas vezes incerta não há tempo para viver de espetáculos breves. Que começam e terminam em minutos. E tudo se acaba, e começa em vão. Sem sentido, sem rumo.

ÁRVORE Ao longe,

Teresinka Pereira – Estados Unidos

um branco moinho acena,

A árvore pensa

como um relógio

sua sombra

que ultrapassa

sob um arco-íris.

o tempo. 25


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de Jesus, na estrebaria Família reunida, a árvore, com velas, acesa luzes apagadas. cantigas tradicionais. vinham, em couro, entoadas; Logo após, todos contentes a trocarem seus presentes. Os natais de hoje em dia apesar de apresentarem algo dos tempos de outrora, já não são mais tão iguais. A criança que fui ontem certamente cresceu; terão mudado os natais ou será que mudei eu?

TEMPOS DE NATAL Erna Pidner – Ipatinga, MG

Recordações natalinas de meus tempos de criança, de leve se achegando avivam-me a lembrança de quanto era diferente o Natal de antigamente. O pinheirinho enfeitado tinha um ar mais natural sem luzes e pisca-piscas nem aparatos modernos; o presépio traduzia fielmente o nascimento

sóis, e deixa A ira enleá-la, e é cheia de bondade.

A POESIA Luiz Delfino

O que é poesia, Helena? O céu invade, E tudo une e desune e tudo enfeixa; E tudo mete em sonorosa endeixa, E tudo quanto foi, e inda ser há de.

Embala o berço, e faz dançar a boda: Mesmo ao trágico empresta os seus encantos: Dá voz sublime à ventania douda.

É a voz de Deus, o som da tempestade: Dá músicas ao mar, amor à queixa: E ela em seu manto embrulha os

É de existência dor, sorriso, prantos: E a grande, a rica natureza toda Luz, freme, goza, sofre, haure em seus cantos... 26


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LIVRE Cruz e Sousa

Livre! Ser livre da matéria escrava, arrancar os grilhões que nos flagelam e livre penetrar nos Dons que selam a alma e lhe emprestam toda a etérea lava. Livre da humana, da terrestre bava dos corações daninhos que regelam, quando os nossos sentidos se rebelam contra a Infâmia bifronte que deprava. Livre! bem livre para andar mais puro, mais junto à Natureza e mais seguro do seu Amor, de todas as justiças. Livre! para sentir a Natureza, para gozar, na universal Grandeza, Fecundas e arcangélicas preguiças.

Não precisas da vida, poeta.

SAUDADE Mia Couto

Assim falava a avó. Deus vive por nós, sentenciava. E regressava às orações. A casa voltava ao ventre do silêncio e dava vontade de nascer. Que saudade tenho de Deus.

Que saudade tenho de nascer. Nostalgia de esperar por um nome como quem volta à casa que nunca ninguém habitou. 27


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mas outro canto de mim quer se jogar para todos os cantos do mundo, para concretizar todos os sonhos, para viver todas as vidas que trago comigo. E depois voltar para mim, pejado de completude, matar as saudades, e começar tudo de novo. Minhas vidas são muitas e quase não cabem dentro de mim. Minha alma precisa de mais asas, para levar-me mais longe…

ASAS DA ALMA Luiz Carlos Amorim – Florianópolis, SC

Queria sair de mim, transportar a alma através do tempo, através do espaço, através da vida, mas meu coração não deixa. Quero que a emoção me leve onde meus olhos não alcançam, onde meus sentidos não chegam. Um canto de mim quer um canto no mundo para ser eu mesmo,

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ESCRITORLEITOR Por Luiz Carlos Amorim - Escritor, editor e revisor – Fundador e presidente do Grupo Literário A ILHA, que completa 37 anos de literatura neste ano de 2017. Cadeira 19 da Academia Sulbrasileira de Letras. http:// www.prosapoesiaecia.xpg. uol.com.br – http://luizcarlosamorim.blogspot.com.br

S

ou fundador e coordenador de um um grupo literário há quase quarenta anos e faço parte de outro. Sou detentor da cadeira 19 da Academia Sulbrasileira de Letras, também. E, nós, participantes dessas agremiações, gostamos muito de ler, além de escrever, e lemos as obras de nossos pares, lemos os consagrados, até bestsellers. Não por obrigação, mas para conhecer o trabalho do próximo e deliciar-se com muita criação literária de

boa qualidade que está sendo produzida por aí afora. Sou da seguinte opinião: se eu não ler, como esperar ser lido?

do leitor comum, aquele que é só leitor, que não escreve. Falo do leitor escritor, aquele que escreve e que publica, Com o advento da internet, mas que nem sempre a possibilidade de publi- lê os seus pares. car, de colocar o que se Existem muitos “grupos” escreve à mostra, para no Facebook e colocam poder ser lido, é muito a gente neles sem nos grande. Os espaços consultar. De muitos são muitos, os grupos eu caio fora. Mas dos de escritores nas redes grupos de poesia, de de relacionamento, as literatura, eu não saí, revistas on line, os blogs mesmo que me tenham e portais literários dão incluído aleatoriamente. guarida à quase tudo que Afinal, é o nosso meio, se escreve. Quem quiser são grupos de gente que publicar, o espaço virtual escreve, como a gente. é amplo e democrático. Então, já que estou nos Não vamos entrar no grupos, resolvi interagir, mérito da qualidade, publicando poemas, pois a internet aceita artigos sobre literatura quase tudo. O que me publicados em jornais, tem assombrado é que, crônicas. São dezenas apesar do espaço virtual de grupos, alguns com ser democrático e uma milhares de participantes. quantidade incomen- Sim, milhares. Alguns têm surável de escritos ser duzentos e tantos, outros publicada todos os dias, quase mil, outros mais a quantidade de leitores de mil membros. Afinal, não acompanha o ritmo pensei, se são escritores, da produção. E não falo são leitores também. E 29


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tenho encontrado algumas coisas muito boas nesses grupos. Tem muita coisa lá, nem sempre dá pra ler tudo, mas faço questão de ler um pouco e curtir, se gostar.

mas não olham o que foi colocado que não é deles, não lêem o que foi publicado pelos seus pares. Existem muitos posts que, infelizmente, não têm sequer uma curtida. E não é neste O que me assustou é grupo ou naquele, é na que, verificando os posts, maioria. percebi que as curtidas são mínimas, comentá- Estou acostumado com o rios, então, menos ainda. nosso grupo da Confraria, Muito poucos. Os textos, com o Grupo A ILHA, poemas, etc. postados tanto no Facebook como são muitos, mas o que no Whatsapp, no blog, parece é que as pes- no portal, onde todos soas, os escritores, só leem tudo e curtem e colocam conteúdo lá, comentam. Então foi

um choque perceber que muitos escritores, também no virtual – pois já percebi que no real isso também acontece -, escrevem e publicam, esperam ser lidos, mas não dão reciprocidade, não apreciam a obra dos outros escritores. É muito triste ver tanta coisa na vitrine e ninguém, nem mesmo os escritores que as produzem, dando importância a isso tudo. Uma pena. Como ser escritor sem, antes, ser leitor?

POÉTICA José Fernandes – Goiânia, GO

O bisturi secciona a pele das palavras, abre as suas artérias, conota-lhes sentidos e lhes imprime a circularidade dos sisos na alquimia mais li(n)da das palavras. O coração da palavra poética palpita verdades nuas nas veias do poema; cruas verdades sendo e acontecendo nas longitudes limosas dos versos: a arte poética — a latitude do ser: encontra-lhe a morada e os mistérios — é descobrir os ardis e os logros da linguagem. Poesia é a sístole e a diástole da palavra sangrando verdades plurais, com seu fundo escuro de silêncio e inutensílio. 30


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SIMPLESMENTE Marli Lucia Lisboa – Bulucha – São José, SC

Você, criatura real dos momentos existentes, Dos momentos presentes no passado. Criatura real dos momentos ausentes Que lembra um amor calado. Você, figura simples ilusível Dos momentos , ilusão e triste. Figura do momento alegre e impossível Que traz a calma do trovão que existe. Você, miniatura de Deus, Dos momentos pequenos e dos grandes momentos. Miniatura dos olhos meus Que faz milagre de sentimentos ... Você, composição de todo o bem. Dos próximos e dos distantes momentos. Composição dos momentos passageiros que também, Traduz a incógnita dos meus tormentos ... Você, conjectura do meu ideal. Dos momentos pálidos e coloridos. Conjectura do tempo sem tempo no real, Que transforma os momentos curtos, feridos. Você, nomenclatura de paz. Dos momentos solitários e fingidos. Nomenclatura de tudo que procuro e me faz, Onde nasce a esperança de momentos perdidos... Você, o porque de tudo existir e ficar. Dos momentos verdade, meu alento. O porque de tudo partir e deixar : A saudade de você ... simplesmente : Momento! 31


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INVASÃO Rosangela Borges - México

Que essa escuridão que me invade a alma Me abra os olhos, Me inspire caminhos, Me dote de asas, de sorrisos e amor! Que essa chuva que molha minha calçada Me respire em dança, Me transforme em música, Me despedace em sonhos, encanto e flor! Que essa ventania que me varre a cara Me leve pra casa, Me pinte de esperança, Me entregue aos anjos, aos abraços, à poesia! Que esse gato que desfila no meu telhado Me traga melodias, Me arranhe a vida, Me mostre a calma, a cor, o dia! Que esse poema que passa por aqui, Me faça sorrir, me dê luz e abrigo Me deixe feliz e encantada comigo!

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QUINTANA, MODERNO E ETERNO

“Será que uma verdadeira sociedade precisa mesmo de cronista social?”. Ou “Lazer”: “Um bom lazer, mesmo, é não assistir a esses cursos sobre lazer”. A ironia e o humor presentes nos poemas já citados se repetem ao longo da obra, como em “Verbete”: “Autodidata. — Ignorante por conta própria”. E ainda em “Clarividência”: “O poema é uma bola de cristal. Se apenas enxergares nele o teu nariz, não culpes o mágico.”

Após a publicação da antologia Poesias, em 1962, pela editora Globo de Porto Alegre, Mario Quintana (1906-1994) passou a republicar poemas — ele já contava com seis obras autorais. Os inéditos reaparecem em A vaca e o hipogrifo (1977), livro por meio do qual o poeta retoma a sua carreira literária. Quintana estreou como A vaca e o hipogrifo traz poeta em 1940, com o outros poemas breves livro A rua dos cataventos. - alguns deles de fato Naquele contexto, o poeta repercutem na internet. trabalhava na editora Um exemplo é “De leve”: Globo e fazia traduções, 33

entre outros, de Giovanni Papini (Palavras e sangue), Fred Masyat (O navio fantasma), Alessandro Varaldo (Gata persa) e Joseph Conrad (Lord Jim) — Quintana ainda iria traduzir, entre outros autores e obras, Guy de Maupassant (Contos), Virgínia Woolf (Mrs. Dalloway) e Marcel Proust (A sombra das raparigas em flor e O caminho de Guermantes — ambos da série de sete romances “Em busca do tempo perdido”). Ele estreou com sonetos por ter um apreço pelos simbolistas. Quintana é um dos principais sonetistas brasileiros do século XX: ele usou o soneto, tido


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como refinado, para recriar sons da rua e do cotidiano. Qualquer leitor curte um soneto dele. Lançando mão do carrancudo soneto, segundo Pedro Marques “bicho papão dos iniciantes”, o poeta planta na forma um estranho acalanto. Primeiro, embala um ser inanimado: a rua. O poeta trata a rua como ente querido: Feita parente, diz que a visitará como ‘futura assombração’. ESTILO No texto de apresentação de Apontamentos de história sobrenatural (1976), livro que reúne poemas publicados anteriormente, Quintana afirma: “O fato é que nunca evoluí. Fui sempre eu mesmo.” Altair Martins reconhece que Quintana sempre foi o mesmo. “Mas ele evoluiu, com certeza”, completa. O professor observa que Quintana surge com os sonetos de A rua dos Cataventos (1940), segue com Canções (1946) e em 1948, publica Sapato florido — uma imagem que já estava num dos sonetos do primeiro livro. Neste livro (Sapato florido), os poemas ficam curtos e ele passa a explorar

o que a liberdade lhe permite — epigramas, haicais, poemas em prosa. Ele foi o mesmo, mas soube descobrir-se de formas diversas. Olhe o livro Velório sem defunto (1990) e perceba os poemas deitados na horizontal, como mortos. É espetacular!, comenta Martins.

cado, que sofre e que ri, que Quintana escreveu”. COTIDIANO

O tempo é o grande tema dos 16 livros que Quintana publicou, incluindo ainda o póstumo Água: os últimos textos de Mario Quintana (2001). O tempo, que inclui questões como envelhecimento, saudade, infância, pressa O professor Leo Cunha e preguiça. tem a convicção de que a maioria dos autores se Quintana foi um poeta repetem — e não ape- obcecado pela própria nas Mario Quintana. Ele poesia, pela mística que cita Manoel de Barros: as palavras nos propor“Repetir, repetir — até cionam de nos permitir ficar diferente./ Repetir ver o que só a linguagem é um dom do estilo.” A mostra. Mas Quintana exemplo do que o poema também foi o poeta do de Barros sugere, em cotidiano e, por causa Mario Quintana a repetição disso, era andarilho. é um recurso de estilo. Costumava colecionar Mais que repetir, ele cenas, frases, de longos retoma e recria as ideias passeios, sobretudo a pé. em torno dos mesmos Daí emerge seu paradoxo temas, cada vez com de manusear a ironia e uma luz bem diferente. a ternura. Sempre foi visto pela crítica como Além da repetição, a crítica um poeta voltado para aponta como fragilidade as questões da subjena obra de Quintana certa tividade, sem deixar de indiferença às questões apontar que, junto com político-sociais. “Acusado Manuel Bandeira, Quinde ausentar-se do social, tana foi um dos poetas o poeta rebateu: o que que mais soube eliminar havia de mais social do o equívoco entre poesia que o homem? É, pois, e povo. sobre o ser humano, aquele que vai ao mer- A relação de Quintana com o cânone da poesia 34


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brasileira não é mero detalhe. Sempre há um nariz torto a exigir do Quintana que ele fosse Carlos Drummond de Andrade ou que tivesse alguma coisa do João Cabral de Melo Neto. Mas Quintana é único e natural. Talvez a naturalidade e a espontaneidade da poesia do autor sejam alguns dos fatores que conquistam leitores até hoje. Quintana era mais moderno que os modernos. Estreou com sonetos e, quando quis, escreveu poemas modernistas. Quintana fez poema em prosa com melodia, mas sem rima, como se aquele texto não tivesse cara de poesia TEMPO Ainda não foi escrita uma biografia do Mario Quintana. Ele nasce em

Alegrete (RS) no dia 30 de julho de 1906. Termina os estudos no Colégio Militar de Porto Alegre e, aos 18 anos, começa a trabalhar na Livraria do Globo.

Quintana recebe homenagens, entre as quais o título de Cidadão Honorário de Porto Alegre (1967), uma placa de bronze (em Alegrete no ano de 1968) em que estão inscritas palavras do autor: “Um Perde a mãe em 1926 engano em bronze é um e, no ano seguinte, o engano eterno”. seu pai, Celso de Oli- O Hotel Majestic, onde o veira Quintana, morre. poeta viveu entre 1968 a Trabalha como tradutor 1980, torna-se em 1983 assalariado na Editora a Casa de Cultura Mario Globo. Estreia como Quintana. poeta em 1940 com A Publica outros livros, rua dos cataventos, livro entre eles Esconderijos de sonetos publicado do tempo (1980) e Velópela empresa onde atua. rio sem defunto (1990). Em 1943, inicia a publi- Também produz títulos cação de Do caderno H voltados ao público infantojuvenil, como Pé na Revista Província de de pilão (1975) e Sapato São Pedro — dez anos furado (1994). depois se transfere para o jornal Correio do Povo. Morre no dia 5 de maio Em 1973, publica o livro de 1994, com 87 anos, Caderno H, reunindo em Porto Alegre, solteiro textos veiculados na e sem deixar filhos. imprensa.

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LITERARTE do autor à árvore-flor que se chama jacatirão, assunto sobre o qual ele tem várias crônicas e muitos O livro MEU PÉ DE JACATIRÃO, poemas. Se você quiser de poemas, de Luiz Carlos saber sobre o jacatirão, Amorim, será lançado na Feira sobre emoção, lirismo, do Livro de Florianópolis neste sentimento, leia o livro mês de dezembro, no dia 20. O MEU PÉ DE JACATIRÃO. livro, revisto e aumentado, é um O lançamento de Amorim, volume de poemas do final do na Feira do Livro de Floriaséculo passado, que ficou apenas na pré-impressão e agora ganha nópolis, será em conjunto uma edição definitiva. É uma homenagem com a romancista Urda Alice Klueger.

NOVO LIVRO DE POEMAS

ENCONTRO CATARINENSE DE ESCRITORES Aconteceu em Joinville, nos dias 24 e 25 de Novembro de 2017, o V Encontro Catarinense de Escritores, promovido pela Associação de Escritores. O Tema do Encontro é “Além do Bojador – Literatura de Viagem e Aventura” e a programação teve participações de renome. O evento

NOVA REVISTA LITERÁRIA O Grupo Literário A ILHA estará lançando, no próximo ano, uma nova revista literária, que dará espaço para escritores novos ou não de todo o Brasil e também de países lusófonos. A revista chamar-se-á REVISTA DO ESCRITOR e será uma publicação virtual. Será bimestral e, além de versão e-book, gratuita na internet, terá versão em pdf, para que aqueles

teve início com palestra de Amyr Klink. Entre outros palestrantes, o evento contou também com a palavra do Presidente da Fundação Catarinense de Cultura Rodolfo Pinto da Luz, que falou sobre “O cenário da cultura catarinense e suas perspectivas”. Também houve o debate “O papel das academias e outras entidades literárias no desenvolvimento da literatura”, com a participação de escritores de várias academias. que quiserem imprimi-la, possam fazê-lo. O alcance da revista será total, pois além de ficar à disposição na internet, será divulgada em várias mídias: jornais, revistas, blogues, páginas literárias em programas de relacionamentos, portais literários, etc. Se você quiser ter o seu trabalho lido e conhecido, o espaço que você precisa é este. Para saber mais, peça informações pelo e-mail lcaescritor@hotmail.com. Forneceremos todos os detalhes.


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