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JORGE, O MAIS “AMADO” ESCRITOR BRASILEIRO

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DONA JACIRA

DONA JACIRA

REPORTAGEM

BEATRIZ SERTÓRIO

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JORGE, O MAIS “AMADO” ESCRITOR BRASILEIRO

Jorge Amado nasceu em Pirangi, Bahía, em 1912 e faleceu a 6 de agosto de 2001. Viveu uma adolescência agitada, primeiro, na Bahía, no início dos seus estudos, depois no Rio de Janeiro, onde se formou em Direito e começou a dedicar-se ao jornalismo. Nasceu Jorge Leal Amado de Faria, mas foi como Jorge Amado que ficou conhecido no Brasil e por todo o mundo. Autor de obras de sucesso como “Gabriela, Cravo e Canela”, “Capitães de Areia” ou, para o público infantojuvenil, “O Gato malhado e a andorinha Sinhá”. Foi um dos autores brasileiros mais traduzidos e também um dos mais acarinhados pelos leitores. Embora já nos tenha deixado há bastante tempo, no ano passado foi publicado, em Portugal, um novo livro de memórias do autor, intitulado Navegação de Cabotagem, no qual relata episódios caricatos da sua vida, desde uma bebedeira com Pablo Neruda, uma reunião política com Picasso ou uma visita ao terreiro de candomblé com Dorival Caymmi.

O DIA EM QUE ‘CAPITÃO DE AREIA” FOI LANÇADO ÀS CHAMAS

Formado em Direito, apesar de nunca ter exercido a advocacia, Jorge Amado foi, desde sempre, um defensor convicto da justiça e da liberdade. Militante do Partido Comunista Brasileiro entre 1932 e 1956, foi preso, em 1940, por acusações de tentativa de insurreição contra a ditadura de Getúlio Vargas. A sua oposição ao regime valeu-lhe também a apreensão de Cacau, o seu segundo romance, sobre a luta de classes no hostil mundo dos trabalhadores do cacau, bem como a incineração de centenas de exemplares de Capitães de areia - o

livro de Amado mais vendido do mundo inteiro, que denuncia a pobreza extrema em que viviam as crianças e os jovens abandonados nas ruas de São Salvador da Bahia. Nesta queima de livros em praça pública, decorrida em novembro de 1937 na Cidade Baixa de Salvador, foram destruídas mais de 1,8 mil obras literárias, num gesto simbólico de condenação à “propaganda do credo vermelho”. Destas, mais de 90% eram exemplares de Capitães de Areia, publicado meses antes.

A LIBERDADE,

COMO O SOL

Escreveu Jorge Amado, em Capitães de Areia, que “a liberdade é como o sol. É o bem maior do mundo.” Por defender esta máxima, e respeitar igualmente os cultos afro-brasileiros, alvos frequentes de discriminação e preconceito ao longo da História do Brasil, quando, em 1945, foi eleito deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro, foi o principal responsável pela inclusão da emenda constitucional mantida até hoje, que garante a liberdade de crença e culto no Brasil. Foi por volta dos 16 anos, através do amigo etnólogo Edilson Carneiro, que mergulhou na religião afro-brasileira, algo que veio a utilizar como referência recorrente na construção de personagens dos seus romances, fazendo dele não só um romancista, mas também, uma espécie de historiador da cultura brasileira. Contundo, ele próprio não se considerava religioso, tendo afirmado: “Não sou religioso, mas tenho assistido a muita mágica. Sou supersticioso e acredito em milagres. A vida é feita de acontecimentos comuns e de milagres”.

DISTANCIAMENTO DA IDEOLOGIA COMUNISTA

Devido à perseguição política que viveu durante o regime de Getúlio Vargas, Amado foi forçado a viver em diferentes pontos do mundo até voltar em definitivo para o Brasil. Tendo sido acolhido por países como a Argentina, o Uruguai, ou o Reino Unido, aproveitou também, em virtude da sua inclinação ideológica, para conhecer diversos países comunistas. Para além da União Soviética, passou pela Checoslováquia (atuais República Checa e Eslováquia), Polónia, Hungria, Roménia, Bulgária, Mongólia e China. Contudo, apesar de ter narrado os seus relatos de viagem num livro chamado O Mundo da Paz, no qual tecia lar-

gos elogios aos regimes destes países, mais tarde, após as denúncias dos crimes de Stalin, proibiu a sua reedição. Acredita-se que foi também o afastamento gradual desta ideologia política que o levou a abandonar um livro inédito, de conteúdo revolucionário, cujo manuscrito inacabado faz hoje parte do acervo pessoal do autor.

CARTAS A SARAMAGO

Nas suas viagens, Jorge Amado conheceu dezenas de jornalistas e escritores célebres. Para além de ser amigo de personalidades brasileiras como o músico Dorival Caymmi, o poeta Vinícius de Moraes, ou o cronista Rubem Braga (com quem partilhou o mesmo teto por um curto período de tempo), foi companheiro de viagens de Pablo Neruda, e fez amizade com os filósofos escritores franceses Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, entre outros. Mas foi com o Nobel da Literatura portuguesa, José Saramago, que manteve uma correspondência tão prolífica que foi até reunida num livro, intitulado “Com o mar pelo meio”. Tendo Saramago, na altura, 70 anos, e Jorge Amado mais dez, os dois escritores separados pelo Atlântico desenvolveram uma amizade que se traduziu numa correspondência de cinco anos, na qual falam das suas carreiras, da sua saúde e das suas frustrações com os prémios literários, entre outras coisas. Relativamente a esta última, destaca-se o desprezo de ambos por distinções como o Prémio Camões ou o Nobel, que nenhum dos dois acreditava algum dia vir a receber. Afinal, Saramago viria a receber o Prémio Camões no ano de 1995 e o Nobel da Literatura três anos depois. Por sua vez, Jorge Amado embora nunca tenha recebido o Nobel, foi também um dos galardoados com o Prémio Camões, em 1994. Sobre a não atribuição do Nobel à obra de Amado, escreveu Saramago numa das cartas: “[A Academia Sueca] não tem metro que chegue para medir a estatura de um escritor chamado Jorge Amado. (...) Mas aqueles que, como eu, veem, em ti nada mais nada menos que o Brasil feito literatura, esses indignam-se com a já irremediável falta de sensibilidade e de respeito dos nórdicos”. Os dois conheceram-se pessoalmente, pela primeira vez, na década de 1990, num evento literário em Itália.

O SUCESSO DE AMADO

O sucesso da obra de Jorge Amado no Brasil foi superlativo. Mas não se

Excerto da primeira página do manuscrito inacabado do escritor baiano, batizado com dois títulos - Agonia da Noite e São Jorge dos Ilhéus.

ficou só pelo Brasil. Sendo também um dos escritores brasileiros mais traduzidos no exterior, os seus livros transportaram as histórias do autor baiano até países como Estados Unidos, Canadá, Argentina, Uruguai, Chile, México, França, Reino Unido, Itália ou Alemanha, contando já com traduções em mais de 80 países e em 49 idiomas. Para além disso, é também um dos escritores brasileiros mais adaptados para o cinema e a televisão. Os livros Gabriela Cravo e Canela, Terras do Sem-Fim e Tieta do Agreste (livro que o autor escreveu durante um ano inteiro fechado em casa) foram transformados em novelas. Por sua vez, Capitães da Areia, Tenda dos Milagres, Dona Flor e seus Dois Maridos e, no vamente, Gabriela Cravo e Canela foram adaptados para o cinema. Segun do o jornalista Edoardo Pacelli, ele foi talvez “o mais ‘Amado’ Jorge dos brasileiros de todos os tempos”, tendo afirmado acerca da sua obra: “A literatura de Jorge Amado e, com ela, a literatura brasileira, tornou-se universalmente conhecida e reconhecida, desvelando ao mundo a riqueza do património cultural do Brasil e da Bahia, a grandeza de seus escritores, a maravilha do mundo encantado do interior, a luta para a libertação dos oprimidos e dos sofridos; das minorias que são maiorias rejeitadas e ignoradas, afastadas pelo ambiente em que vivem. Mais que crítica social, pode-se chamar, as páginas literárias de Jorge Amado de construção social.”

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