4 minute read
EM DIAS DE VERÃO, A BONDADE HUMANA
CONTO
TAMARA ZIMMERMANN FONSECA
Advertisement
EM DIAS DE VERÃO, A BONDADE HUMANA
Era uma dessas tardes acaloradas do vale do Itajaí. Eu e mamãe, sentadas em frente a tv, nos divertíamos com um programa dominical, enquanto uma aterrorizante tempestade de verão começava a dar o ar da graça. As arvores e as folhagens do jardim nos avisavam, como se acenassem que a chuva logo chegaria. Vento, trovões e raios. A chuva apertava e assustava. Num determinado momento, olhei para a janela da sala de TV, que estava aberta, e avistei um homem de bicicleta em frente ao portão. Nas mãos, alguns saquinhos de supermercado. Parado embaixo de nossa arvore, percebi que estava apenas tentando se proteger da forte tempestade. Aquela imagem nos comoveu, mas como convidá-lo a entrar até a chuvarada passar, em nossa casa? Infelizmente nos dias atuais, a insegurança e a falta de confiança em desconhecidos são muito grandes. Por outro lado, não podíamos deixá-lo ali, a mercê do temporal. Foi quando tivemos a ideia de dar àquele
homem um guarda-chuva, para que ele saísse debaixo da árvore pois, como sabemos, não é um lugar seguro enquanto há raios e trovões. E depois pudesse seguir o seu destino. Foi o que fizemos, demos um guarda-chuva para aquele senhor seguir seu caminho. Ao entregar a ele, recebi de volta um sorriso lindo. Inicialmente agradeceu e disse que não precisava. Eu insisti, ele aceitou e assim seguiu seu rumo. Voltei para dentro de casa um tantinho mais aliviada por poder. de alguma forma, ajudar. O calor voltou e como todas as vezes, com aquele abafamento de verão. Lembrei-me de uma vez quando eu e minha grande amiga de adolescência, já aqui em Santa Catarina, a Soninha , fomos até o Braço do Baú, local onde mamãe nasceu e onde temos nossas raízes. Para chegar ao Braço do Baú, naquela época, pegamos um ônibus que seguia até Ilhota, de lá cruzávamos o rio Itajaí Açu de balsa, para depois aguardar uma carona ou um ônibus - não sabíamos os horários dos ônibus que saiam de Blumenau e seguiam Baú adentro. Éramos jovens e não nos preocupamos com o “como chegaremos", sabíamos que chegaríamos. O dia estava lindo com o céu azul, um excelente dia para passear. Chegando na Ilhota, o tempo já tinha virado, havia
agora um tempo nublado e ventos frios. No meio da travessia do rio Itajaí, assim como o senhor que chamou nossa atenção embaixo de nossa arvore, o céu naquele momento também chamou nossa atenção: aquele azul lindo deu espaço a nuvens pesadas e escuras, nuvens que nos assustaram, pois era a anunciação de uma chuva feia... Conseguimos chegar na outra margem do rio e optamos por não ficar paradas esperando carona e seguimos a pé, conversando, rindo e ao mesmo tempo temendo o que estava por vir, que com certeza iria nos alcançar. Na estrada de terra que nos leva ao Braço do Baú, seguimos ora andando, ora correndo, mas sempre achando graça em tudo - ah, a juventude corajosa! Não demorou muito para a chuva nos alcançar: era muita água que caía. Trovões e raios, um verdadeiro filme de terror. Como um milagre , um carro parou e nos ofereceu carona. Dentro dele, um casal de recém-casados , moradores da região. Claro que aceitamos e, sem medo algum, entramos no carro e seguimos para a residência deles. Era tudo tão novinho, casa de recém-casados, tudo muito caprichado. A mocinha nos ofereceu toalhas e um café que somente os moradores do Baú tem: aquele queijinho gostoso, nata, pão caseiro, café quentinho, leite e tantas outras guloseimas. Após o lanche, pegaram o álbum do casamento e nos mostraram com muito orgulho e eu e Soninha curtimos cada foto e casa segundo com eles. Haveria uma festa naquele dia no Braço do Baú e eles iriam para essa festa! Seguimos com eles, foi muito divertido esse e todos os outros dias que lá passamos. Saudades desse tempo em que não nos preocupávamos com quem nos pedia ou nos oferecia ajuda, tão terrível a desconfiança no ser humano, nos dias de hoje. Tantas histórias terríveis de maldades que as pessoas são capazes de fazer, que muitas vezes nos inibe de atitudes que gostaríamos de realizar, mas que temos que pensar duas vezes em concretizar. No dia seguinte, segunda-feira, mamãe vem do jardim sorrindo. O guarda-chuva que entreguei ao homem que se refugiava debaixo de nossa árvore estava bem fechadinho, seco, guardado próximo a nossa caixa de correios. O retorno do guarda-chuvas nos dava doses altas de esperança: existem pessoas de bem, existem pessoas que são confiáveis, que são gratas, que são boas. Mundão, respira que tem salvação! Verão: em dias de verão, a bondade humana!