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a ilha

SUPLEMENTO LITERÁRIO

Florianópolis, SC - Jun2017 - N.141 - Edições A ILHA - Ano XXXVII

NASCE A CONFRARIA DO PESSOAS

GRUPO LITERÁRIO A ILHA COMPLETA 37 ANOS DE LITERATURA NESTE ANO Ainda nesta edição: - Emoção e Poesia, por Fernando Pessoa - Habitar um nome, por Afonso R. de Sant´ana - Saber ler e escrever aos sete anos - Manifesto Branco, por José Luís Peixoto - Sessão de Saudades para Júlio de Queiroz - Feiras do Livro por toda Santa Catarina - Gonçalves Dias, minha inspiração - Quase um poema de amor, por Miguel Torga - E muita prosa e muita poesia A ILHA na internet: www.prosapoesiaecia.xpg.uol.com.br


PRONUNCIAMENTO Norma Bruno - Florianópolis, SC Não sei o que acontece comigo. Só encontro gente que tem “toda a razão”. 100% de certezas. Desempenho nível máximo no discurso em favor da Paz Universal, do respeito e da tolerância, mas nível Zero na prática. Gente que quer que o Mundo mude, mas que não lasca uma unha para mudar a si mesmo. Por isso estabeleci um critério rigoroso para os meus relacionamentos antigos, novos e os futuros: procuro gente que tem dúvidas profundas acerca da maior parte das coisas. Gente que sabe, ou pelo menos desconfia, que já foi traída por amigos, amores e, inclusive e muito frequentemente, pelos seus representantes. Gente que admite que já votou errado e que vai errar de novo, pois sabe que não depende só de nós. Gente que às vezes tem frieira, ânsia de vô-

mito e prisão de ventre (diarreia também), gente que já pagou mico, já atrasou as contas, gente que pegou piolho e Bicho Geográfico (desconfio seriamente de quem nem sabe o que é isso). Procuro gente que pede ao garçom pra levar a quentinha no restaurante porque a comida estava boa e custou caro, gente que chora no cinema e quando ouve banda de música, gente que consegue ver uma pessoa vestida de Papai Noel sem fazer discurso contra o capitalismo, gente que admite que gosta de algumas músicas do Roberto (se, de fato, gosta) e que não tripudia de quem não perde o Especial da Globo. Procuro gente que erra a marcha quando tem um encontro inesperado com uma certa pessoa na rua, gente que está sempre lutando contra as suas insu02

ficiências e dá ao outro o direito de tê-las e não fazer nada, procuro principalmente gente que tem maturidade pra saber que às vezes se equivoca e que, apesar de todos os esforços, de vez em quando erra feio. Pra chamar de amigo, procuro relacionamentos profundos e mui respeitosos. Quem não se enquadrar nesses critérios será desviado para a categoria “querido colega”. O que quer dizer que continuo gostando muito da pessoa, mas sem intimidades. Bons dias!


A ILHA

SUPLEMENTO LITERÁRIO EDITORIAL

TRINTA E SETE ANOS DE LITERATURA E o Grupo Literário A ILHA , assim como a sua revista, este SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA, completam, neste mês de junho de 2017, trinta e sete anos de trajetória, de divulgação da literatura produzida em Santa Catarina, também do Brasil e de países lusófonos. Nossa revista e nosso portal PROSA, POESIA & CIA. ganharam o mundo e levam até leitores dos quatro cantos do planeta a nossa literatura. O Suplemento Literário A ILHA, na sua versão impressa online é lido em diversos países. Nunca a nossa literatura chegou tão longe. Publicamos escritores novos e nem tão novos, brasileiros e de outros países, como da Suiça, México, Estados Unidos, Portugal, Índia, Russia, França, Itália, Espanha, Bélgica, etc. A revista cresceu, seu número de páginas dobrou e continuará crescendo. Continuamos recebendo os novos escritores que estão começando a mostrar a sua produção e lhes abrindo espaços. Essa é a nossa missão: levar a literatura até o leitor. Outros aniversários virão, para comemorarmos outras vezes a força da nossa literatura. Que continuará chegando até o leitor através do Suplemento Literário /a ILHA, do portal PROSA, POESIA & CIA., do Varal da Poesia e de tantos outros projetos do grupo.

O Editor

Visite o portal do

GRUPO LITERARIO a ilha

Uma biblioteca de literatura catarinense e brasileira

Http://www.prosapoesiaecia.xpg.uol.com.br 03


JÚLIO DE QUEIROZ

QUASE UM POEMA DE AMOR

Rita M. T. Signorini Florianópolis, SC

Miguel Torga, Portugal

Há muito tempo já que não escrevo um poema De amor. E é o que eu sei fazer com mais delicadeza! A nossa natureza Lusitana Tem essa humana Graça Feiticeira De tornar de cristal A mais sentimental E baça Bebedeira. Mas ou seja que vou envelhecendo E ninguém me deseje apaixonado, Ou que a antiga paixão Me mantenha calado O coração Num íntimo pudor, — Há muito tempo já que não escrevo um poema De amor.

Veja este olhar! Diz tudo não? Não, não diz tudo porque havia mais, muito mais no seu sorriso, no seu coração, no seu pensar. Meu estar com ele foi temporal de verão: rápido e forte. Pelo seu porte físico, sempre me lembrei com carinho de Mário Quintana. Agora tenho dois passarinhos na gaiola aberta do meu coração: um Alegre, outro Alegrete Vida é amor represado Morte, amor trans-bordado Perdemos o que viria a ser. Guardemos o que foi para que sejamos dignos. Meu profundo sentimento de dor egoísta. 04


EMOÇÃO E POESIA

Fernando Pessoa - Portugal

Quem quer que seja de algum modo um poeta sabe muito bem quão mais fácil é escrever um bom poema (se os bons poemas se acham ao alcance do homem) a respeito de uma mulher que lhe interessa muito do que a respeito de uma mulher pela qual está profundamente apaixonado. A melhor espécie de poema de amor é, em geral, escrita a respeito de uma mulher abstracta. Uma grande emoção é por demais egoísta; absorve em si própria todo o sangue do espírito, e a congestão deixa as mãos demasiado

frias para escrever. Três espécies de emoções produzem grande poesia - emoções fortes, porém rápidas, captadas para a arte tão logo passaram; emoções fortes e profundas ao serem lembradas muito tempo depois; e emoções falsas, isto é, emoções sentidas no intelecto. Não a insinceridade, mas sim, uma sinceridade traduzida, é a base de toda a arte. O grande general que pretende ganhar uma batalha para o império do seu país e para a história do seu povo não deseja - não pode desejar ter mui05

tos dos seus soldados assassinados (mortos). Contudo, uma vez que tenha penetrado na contemplação da sua estratégia, escolherá (sem um pensamento para os seus homens) o golpe melhor, embora o faça perder cem mil homens, em vez da estratégia pior, ou mesmo a mais lenta, que lhe pode deixar nove décimos daqueles homens com quem e por quem luta, e a quem, em geral, ama. Torna-se um artista por amor aos seus compatriotas, e expõe-nos à carnificina por causa da sua estratégia.


CREPÚSCULO

AMANHÃ

Rita Pea Portugal

Luiz Carlos Amorim Florianópolis, SC

O mar vermelho invadiu-me. Tu bebeste-me fraca e salgada. Mordeste a fonte. Rasgaste com a língua o crepúsculo iluminado no meu corpo. Escondeste a sombra do desejo nos meus lábios. Eu, guardei-me para a Lua. Estava faminta pelo quarto crescente… Permaneci em silencio, a contemplar o vazio das horas. Não senti o frio das madrugadas severas nem o peso amargo das flores que não chegaram. Fiquei inquieta, à espera de versos e Tempestades que me fizessem sangrar o coração. Das emoções em carne viva. De algo que me fizesse transbordar a insanidade… Deito-me no chão e exploro a terra que me adormece…

Estendo minha mão e alguém deposita nela um punhado de amanhã. Meus olhos, vazios de esperança, iluminam-se de novo, com aquela pequena semente, meu pedaço de futuro. Por favor, desliguem o tempo, e liguem a eternidade de harmonia e paz!

LEIA O BLOG

CRÔNICA DO DIA

em Http://luizcarlosamorim.blogspot.com.br

Textos sobre literatura, cultura e arte e sobre o coditidiano 06


A CONFRARIA DO PESSOAS Luiz Carlos Amorim, Florianópolis, SC Eu andava com muita saudade dos encontros semanais com o saudoso Júlio de Queiroz, talvez o maior escritor catarinense da contemporaneidade. Nós nos encontrávamos com o Júlio, três, quatro ou cinco pessoas, para conversar sobre literatura, sobre artes, sobre vida. E ele era um homem culto, experiente, inteligente, que sabia como ninguém escrever e contar histórias. Era, acima de tudo, um grande amigo. E encontrar com amigos é tudo. Então andava com saudades de me reunir de novo com os amigos, regularmente: escritores, poetas, leitores. Então surgiu a Confraria do Pessoas, e a Norma, a cronista da Ilha, que organizou um sarau que provocou o surgimento da confraria, o Roney, poeta também da Ilha e a Fátima, poetisa de Laguna que aportou na Ilha, que

estão envolvidos com essas novidades, me convidaram para integrar este encontro de pessoas que gostam de poesia, de literatura, de arte, de cultura e de Portugal. Então tenho orgulho de fazer parte da Confraria do Pessoas. Por que do Pessoas? Como disse Norma, porque Pessoa é vasto, é múltiplo, é muitos. E porque amamos Fernando Pessoa e todos os seus heterônimos. Então sou uma das pessoas que compõe a Confraria do Pessoas. E isso me deixa muito feliz, porque os encontros semanais es07

tão se sucedendo e cada vez mais pessoas tem aderido a ele. E temos ido a diferentes lugares da Ilha para engendrar outros encontros em novos lugares, não só da Ilha, para falar poesia, para consumir poesia, para dividir poesia. Poesia brasileira, poesia portuguesa, poesia lusófona. Literatura lusófona. É quase um sarau, em bares, restaurantes, em pizzarias e nem nós sabemos em que outros lugares. Lugares para lermos poesia ou até mesmo prosa em voz alta, para que até as outras pessoas presentes possam ouvir, se quise-


rem. E falamos também de Portugal, além da literatura daquele país que todos nós do grupo amamos: falamos das suas cidades, das suas gentes, da sua cultura, da sua arte, de tudo que amamos na terrinha. E amamos muito aquele terra, tanto que na primeira reunião foi pensado um grupo no Face, com o nome de AMOR À PORTUGAL, onde postamos tudo o que se refere à terrinha, inclusive literatura. E mais simpatizantes da terrinha vão aderindo. Gente que já foi para lá, como eu, que vou pela sétima vez, e gente que quer ir o quanto antes. Além da página no

Face para dividir o amor por Portugal, foi inaugurada também a página da Confraria do Pessoas. Lá, na abertura da página, consta: “Na Confraria tudo é novíssimo de tão velho e a cada encontro experimentamos lugares, recebemos visitas, acolhemos um novo achegado e inauguramos jeitos mantido o propósito do Ativismo Poético com os dados proselitismos: nossa causa é a Poesia. Nossa religião, a Beleza. Nosso único partido, a Utopia de mundar o Mundo para melhor, pois pra pior já tem muita gente trabalhando. Sim, nós estamos querendo te convencer.” 08

De maneira que habemos encontros de poetas, novamente, para falar de livros, de autores, para dizer poesia, mesmo que não sejamos declamadores, um tributo ao nosso poeta mor Júlio de Queiroz, que continua presente em nossas reuniões, imortal, através da sua poesia e a todos os poetas do mundo. Somos a Confraria do Pessoas. Amamos poesia, amamos Fernando Pessoa, o Pessoas, amamos Portugal. Se você também ama tudo isso, visite as páginas do Facebook AMOR A PORTUGAL e CONFRARIA DO PESSOAS. Quem sabe a gente se encontra fora delas?


A TERRA ANTIGA É TUA

Roney Prazeres, Florianópolis, SC

PRIMEIRA IMPRESSÃO

Júlio de Queiroz Céu dos PoetaS

Fecha hoje a tua casa Primeiramente, as coisas não me O tempo te espera para iniciar a via- são nada. gem Depois da expulsão da água morna Não precisas levar nenhuma mala – minha única saudade – pesada um ser macio, de cinco pontas, Leva pouca bagagem cheio de vida cuidadosa e tateante, Apenas uma troca de roupa já te bas- quase sempre acompanhado de um ta outro, tão lhe igual, Viaja leve que poderiam ser uma orquestra – Não vais precisar de quase nada mas, isso não conheço – Mas não esquece aquele livro do Pes- sempre trazem, os dois, algum consoa forto. Só ele é fundamental Parece-me que preparam tudo Será teu guia (mas não sei o que é preparar nem o Teu amigo que é tudo). Companheiro inseparável Estranho mundo, esse, mais claro Percorre cada rua que a cidade te que o calor donde provenho, oferecer populado apenas por animais iguais Das mais estreitas ruelas a esses dois, Até as mais amplas avenidas mas diferentes, na menos maciez. Lê cada pedra do calçamento Ouve as histórias que saem das paredes É tudo verdade o que por elas é dito Elas sempre estiveram lá Viram tudo, podem te contar Não te preocupa com o dia da volta Afinal tua alma já não pertence a este lugar És mais de lá do que daqui Então fica tranquila Faz o teu caminho com poesia Pois estarás em casa A terra antiga é tua 09


CONTRACENANDO COM A PARKA Enéas Athanázio, Baln. Camboriú, SC Segundo a mitologia, Parkas eram as três deusas que presidiam os destinos humanos, fiavam e cortavam o fio da vida. Uma delas, em momento inexorável, o cortava com uma tesoura. Era tão poderosa que o próprio Júpiter não podia interferir nessas decisões fatais. Costuma ser representada como uma mulher muito velha e feíssima, portando uma foice ou gadanho com que ceifa as vidas humanas. Em sentido figurado é a própria morte. A morte é um fenômeno que guarda um segredo indevassável, uma vez que não se sabe o que acontece depois dela, ensejando especulações intermináveis, gerando teorias e crenças, religiões, hipóteses e filosofias.

Numa concepção materialista, é o fim da existência, a ruína, o retorno ao pó, razão pela qual é o que existe de mais temido pelos seres humanos em geral, exceto por aqueles que, por variadas razões, a procuram de forma espontânea. Mas existem os que a encaram de maneira fatalista e sem revelar temor, permanecendo frios e lúcidos mesmo nos momentos cruciais em que a morte pode ocorrer a qualquer instante. Como ela é inevitável, tratam de conviver com a ideia 10

de que, mais cedo ou mais tarde, ela chegará, mesmo porque, como dizia Otto Lara Resende, é a única entidade incorruptível que existe. Agem como se estivessem contracenando com uma companheira vitalícia no palco da vida. Entre estes casos creio que se enquadra o do escritor gaúcho Nelson Hoffmann, autor de obra ponderável, professor e advogado, ocupante de cargos destacados e que acaba de publicar o livro “Companheira” (Editora Furi – Rio Grande do Sul – 2017), crônicaimpactante de um acontecimento que o marcou de maneira profunda e deixou indelével memória. Estava ele no seu gabinete de trabalho, na luta diária pelo cum-


primento das tarefas, quando foi acometido de um enfarte no qual se recusou a acreditar. Mesmo padecendo de cruciantes dores, insistia em prosseguir na labuta até que foi forçado a se converter à realidade para ser conduzido até em casa e depois ao hospital onde foi submetido a uma delicada cirurgia. Mesmo nos momentos decisivos, no entanto, manteve impressionante lucidez, tudo observando como se não fosse com ele e até mesmo fazendo troça da situação. Só se entregou quando perdeu os sentidos ou, como diria mais tarde, a partir do instante em que se considerou morto: apaguei, morri. A cirurgia foi bem sucedida e ele voltou de onde não se volta, embora submetido a cuidados decisivos, entre eles a categórica determinação de mudar de vida. Começa então uma nova fase existencial a que, por força, tem que se adaptar. É imperioso deixar de

lado as preocupações, esquecer o trabalho, a luta pela vida, a difícil escalada pela realização profissional e pessoal. “É a nossa condição humana – escreveu. – A real consciência dessa nossa condição humana perturba, sim. E valoriza a vida.” A dura fase da reeducação forçada é relatada nos derradeiros capítulos. Começa a prestar atenção naquilo que nem sempre a correria cotidiana permitia ver. A pequenina formiga que lhe pica o pé, o céu azul e sem nuvem, as árvores do jardim-pomar-bosque, os pássaros, a brisa suave que cochichava: eu sou. E a vida recomeça, agora em nova etapa, com outra visão, mas sempre ao lado da morte porque, como ele afirma, “a morte é minha companheira, ensina-me a viver...” É um livro emocionante, perturbador, didático. É um alerta para que não se peça ao corpo mais do que ele pode dar. Não esquecer 11

jamais de que a Parka está atenta e a qualquer momento poderá cortar o fio. Nelson Hoffmann é dono de um estilo próprio e inconfundível. Suas frases são curtas, enxutas, às vezes telegráficas. Como Baudelaire, deixa a impressão de que acaricia cada uma das palavras para que ela se encaixe com perfeição como a peça de um mecanismo muito preciso. No seu texto não existem palavras superabundantes, mas também não se constatam vocábulos ausentes. O diálogo é seu ponto mais forte: contido, sumário, muitas vezes deixando a conclusão por conta do leitor, mesmo porque é intuitiva. Vislumbro em seus diálogos algo de Hemingway. E já que lembro o mestre de “O sol também se levanta”, encerro dizendo que o livro de Hoffmann se enquadra nos rígidos critérios que ele exigia para a boa literatura: a verdade e a precisão.


INFÂNCIA

ASTROLÁBIO

Pamela Schervinski Pereira Jaraguá do Sul, SC A infância é linda como você. Todos esses balões no céu não lhe fazem lembrar daqueles dias? Nossos momentos agora, Voam como balões dançando no ar. O passado é lindo como você. Você se lembra ? Lembra de como ela nos fazia sorrir como crianças ? Nós éramos crianças... Então ao final do dia éramos somente nós. Pegávamos no sono tão facilmente com uma canção de ninar... Você se lembra ? Lembra-se da voz antes de dormir ? Nenhum medo. Nenhuma dor. Somente nós. E quando o sol ia partindo, Ele chegava. Você se lembra ? Íamos correndo ao seu encontro como dois balões livres no céu. .. Apenas balões livres no céu. Me diga. Você lembra ?

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Pierre Aderne Lisboa, Portugal

Foto: Pierre e Daniela

Te deixo um abraço, um beijo e um mapa O argumento do livro e o desenho da capa Uma intenção ilícita Uma página não escrita Um presente pro futuro Numa caixa bem bonita Sangue do meu sangue Calor da nossa pele Um segredo bem guardado Até que o filme se revele Um coração mutante Um vulcão protagonista Que esquenta o oceano Em busca de conquista É sempre a saudade O que mais pesa na bagagem E ela só se acomoda no destino da viagem


HABITAR UM NOME Afonso Romano de Sant´Ana Pode-se viver dentro de um nome como se fosse uma casa com habitáveis cômodos, debruçando-se para as flores ao luar, colhendo frutos no entardecer. Habitar um nome. É possível? Não só isso: é compulsivo. Os nomes existem para nos dar guarida, e alguns ficam acenando, chamando e prometendo mundos e fundos. Olhe o nome daquele prédio ali: é o de uma paisagem do Mediterrâneo. Olhe o outro ao lado: tem o titulo de marquês. Outros têm nome de artistas famosos e lugares míticos. Pedimos abrigo num nome como quem foge de chuvas e bombas. Pegamos trens e aviões, subimos de carro a serra no fim de semana por causa de um nome. Um nome de lugar onde nossa alma encontra paredes e tetos. Quando alguém desembarca em Paris,

antes de pisar no aeroporto, já habitou as avenidas e monumentos do nome. Como naquele caso da escritora americana, Helena Hanff, que se apaixonou por Londres e a habitava em cartas endereçadas à livraria da 84 Charing Cross Road. Mas estou passando pelo subúrbio e na entrada de um cortiço vejo escrito "Vila Alegria". Paradoxo? Ironia? Ou será que atrás daquelas caliças, naquelas escadas e corredores a "alegria" vence o mofo e a pobreza? Um dia no México, perto da fronteira americana, vi o nome de uma favela: "Pátria y 13

Libertad''. 0 nome era a anticoisa. A inalcançável coisa. A paródia da casa. A fratura. A diferença. A cicatriz. É como na minha infância aquele bairro pobre, no entanto, como nome de "Eldorado". Era grotesco ver operários na fila do ônibus, exaustos e abatidos, indo para o eldorado. Mas iam. Para o eldorado possível. Não há pessoas que habitam em Praga? Lá a felicidade não é possível? Não estamos comemorando, aliás, os vinte anos da "primavera de Praga", quando se sonhou a liberdade antes da "perestroika"? É necessário limpar os nomes das pragas e pulgões.É necessário polir, varrer, encerar, pintar e mantê-los à alturade suas exigências. Já vi pessoas se mudando para um nome. Chamaram uma firma autorizada, puseram toda a mobília lá dentro


do caminhão e tocaram para um endereço de mais prestígio. Foram habitar um outro nome, como outros se deixam conduzir por uma marca de automóvel, como outros vestem uma griffe da moda. Assim, pode-se amanhecer no quarto ou cama de um novo nome. Pode-se até amanhecer com um novo nome atado ao nosso nome: agora me chamo "fulana de tal', assumi o sobrenome do outro. Assim ex-escravas se fazem rainhas em castelos de terra e ar. Isto se parece com o pedir o abrigo num nome, como se um nome fosse uma embaixada, onde a gente pula o muro e pede asilo. De igual modo, outros largam um nome "Governador Valadares" e dizem: "vou fazer a América". Habitar um nome pode ser um exercício de amor ou ódio.Viver um nome amado é iluminar e arejar suas letras. É reativar perfumes, gostos, sons, lumi-

nosidades na pele das letras. Alguns brilham no escuro, resistindo como diamantes, ao esquecimento. Viver dentro de um nome querido é ser mais que seu guardião ou porteiro. É ser quase-arquiteto, pois o nome se expande em cômodos derivados da planta original. Há pessoas que se sentem confinadas em certos nomes, como numa prisão. 0 que fazer? A pessoa faz o nome ou o nome faz a pessoa? Quem habita quem? Pode-se reformar um nome? Levantar-lhe o "pé direito", fazer um puxado, uma "água furtada"? Os nomes são lugares onde apascentamos.Os nomes são lugares que nos conformam. E nos conformamos. Ou não. Quem não se conforma inventa, no espaço, outros nomes. A história é uma sucessiva construção e desmonte de nomes.Um monte de nomes. Os homens, em princípio, projetam os nomes, mas os nomes 14

se alimentam dos homens. Sugam sua alma, cravam raízes em nossos peitos. Os nomes são também plantas carnívoras. Ou, então, insetos e carrapatos. Os nomes podem virar vampiros chupando nossa seiva, Já vi um nome, num canto, devorando um homem. Roía-o intermitentemente. Era um nome que possuía um homem. Há pessoas desabrigadas de nomes, ao relento. Outros se desobrigaram de certos nomes, como quem deixa um fardo. 0 nome obriga. 0 nome abriga. 0 nome, dizia o filósofo, é realmente a casa do homem.


VENTOS

Selma Franzoi Ayala Jaraguá do Sul, SC

Ventos parceiros do frio que já chegou Ventos parceiros da tristeza que tua ausência traz. O frio é mais intenso neste primeiro inverno sem ti Já não nos contemplas com teu sorriso, tuas histórias, teus conselhos, teu jeito especial de nos amar... Ventos sopram em parceria com o frio da saudade da noite sem o azul do teu olhar Ventos parceiros da tristeza que tua falta faz... Primeiro inverno pleno de luto Anoiteceu tão inesperadamente em nosso coração... Uma tempestade sobre nossas vidas! Olho perdidamente a chuva através da janela Escuto tua voz que parece ecoar junto ao murmúrio da noite e o choro da chuva As gotas que escorregam pelo vidro parecem redesenhar teu semblante sereno, amado. inesquecível Ventos sopram em parceria com a saudade da noite sem a ternura do azul de teu olhar. (Poema do novo livro da poetisa, Olhos do Tempo)

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MULTIDÃO Erna Pidner Ipatinga, MG

A multidão é anônima, mas cada qual tem seus sentimentos suas vontades e suas aspirações. Se me perco em meio à multidão, continuo sendo um ser único, apesar de unir-me a outros seres únicos também, mas que formam a massa humana, muitas vezes imbuída de um mesmo ideal. Multidão é plural, eu sou singular. Mas com ela me uno nessa existência que a todos abriga e nos dá a certeza de que, na multidão, eu sempre posso encontrar um irmão!


COMO TERÁ SIDO? Urda Alice Klueger, Enseada de Brito, Palhoça, SC Fico olhando para ti, meu bichinho, que um dia, num passado que não sei, já foste muito amado, tanto que qualquer pequeno carinho te deixa emocionado de ternura, os olhos líquidos de lágrimas, um milímetro da linguinha de fora dentre os dentes fechados, assim como quem não crê que aquilo tenha voltado (o carinho), ou lembrando talvez de um lugar e de um tempo do passado quando foste tão feliz com aquela pessoa que te deu amor, te ensinou a entender que estavas seguro, te ensinou a andar de carro no banco de traz, bem comportadinho... Penso em quem foi essa pessoa: uma criança? Um homem? Uma mulher? Que nome terias então?

Impossível saber as coisas da tua pequena vida, que a veterinária disse que está entre dois ou três anos – que foi que te aconteceu? Eu, cá comigo, penso que em algum momento foste roubado com quem te quis porque eras pequenino, parecido com uma raposinha, pretinho com detalhes champanhe – quem te roubou? Um homem, uma mulher, uma criança? Impossível saber, mas decerto foi 16

a partir daí que começou o teu duro calvário, sabe-se lá como, se ficaste passando de mão em mão, se fugiste à procura de quem te amava e foste de ancorar no lado podre da vida sem saber, sem querer – sei o que te passou aí nesse teu tempo turbulento: fome, maus tratos, falta de amor... Em algum momento conheceste o ódio de uma mulher má, daquelas parentes de bruxa malvada (talvez fosse a própria bruxa, como saber, aqui nessa proximidade de Naufragados, lugar de sabás de bruxas?), dessas pessoas de coração empedernido, dessas que dá asco até em Satanás, que foi aquela que os meus vizinhos viram quando veio a esta Enseada de carro e te atirou longe, na maré


alta, para que te afogaste, sem nem o direito a uma última refeição, como o sórdido sistema prisional dos Estados Unidos ainda concede aos que estão para serem executados. Sei de ti desde então, do alvoroço dos vizinhos por terem falado com aquela mulher má que ainda ficou jogando chispas de raiva antes de se ir como uma possessa, do teu quase último alento para sair das águas, todos molhadinho e trêmulo, e de como te segurei junto ao coração. Sei da fome que tinhas, que comias qualquer comida, mesmo cheia de formigas, e do teu cansaço, e da tua sede, e de como dormiste como um mortinho quando te botei dentro de uma casinha improvisada com uma caixa de papelão. São cinco semanas, agora, que estamos juntos, e quanta coisa aprendi a teu respeito, como essa de teres o conhecimento do amor,

um dia, quando não sei adivinhar, mas que posso imaginar, e fico a me perguntar quem te ensinou o amor, um dia, que não esqueceste dele mesmo depois de todas as maldades pelas quais passaste, e te tornaste capaz de amar de novo, e a cada pequeno gesto de carinho que te faço, quase te derretes de amor por mim, e vejo nos teus olhinhos marejados que há a lembrança de alguém, lá no passado, que te amou também, que foi tão bom para contigo que agora continuas apto a amar de novo... Hoje és meu cachorrinho e te chamo de Zorrilho, por tua semelhança com uma raposinha, e sabes e entendes quando te chamo assim que agora esse é o teu nome, e percebo, na tua ânsia de correr atrás de cachorrões quinze vezes mais pesados do que os teus parcos dois quilos (penso que tinhas uns 500 gramas quando chegaste, cinco semanas atrás), que 17

serias capaz de morrer por mim. Tu és bonzinho, educado, cordato, cachorrinho que sabe andar de carro e que num instante aprendeu que gosta muito de comer carne, molhos saborosos, nata, requeijão, coisas refinadas para um cão, e andas a rejeitar estas bobagens como arroz ou ração e, sobretudo, o quanto amas o pouco de amor que posso te dar (Atahualpa tem grande ciúme de ti) – não terias aprendido tanta coisa em cinco semanas se lá no teu curto túnel do tempo não tivesse havido aquela pessoa que um dia te deu amor em grande quantidade. Corta-me o coração ver teus olhinhos marejados de lágrimas quando recebes carinho e me fitas através daquele espelho líquido, transformado em emoção pura, a pensar que um dia, lá no passado... Ah! Zorrilho, já se tornou bastante complicado vir a viver a vida, um dia, sem ti!


PALAVRAS DE POETA

PAZ Lorena Zago - P. Getúlio, SC

Paz.... Procuro-a, As palavras de poeta comovem Pesquiso-a, como comovem os saxofones, Onde estará? na vibração sonora Por mais que eu vasculhe, do samba-canção, Por mais que eu a busque, na zoeira melancólica Em infinitos lugares, da taberna. Em vão estarei a investigar... Silencio os meus anseios, As palavras de poeta germinam Ouvindo a essência do meu Ser, como germina o sêmen sacrossanto, Descubro que, bem ali... na volúpia eterna, Na mais íntima centelha de minha na espera do milagre da perpetuação. vida, Pulsa de forma autêntica e silencioAs palavras de poeta sangram sa, como sangram os corações A paz e a compreensão, do povo faminto, De que tanto necessito, nas esquinas beira-vida, Em meu viver... na angústia fatal. Ela está no alvorecer, E no esplendor de cada dia, As palavras de poeta comovem Na esperança e no anoitecer, como comovem os gritos na gelidez Na vida que pulsa, da noite, Em frequente harmonia. de crianças recém-nascidas, Na excelsa Sabedoria, de mães de seios estéreis, De Quem com Inusitada Inspiração de mães de braços vazios. O Universo Arquitetou! Harry Wiese - Ibirama, SC

As palavras de poeta são a vibração esperançosa, na zoeira melancólica, da grande nação, mas não conseguem despetrificar os monumentos da teimosia banal dos que não nasceram para compreender a Poesia. 18


SABER LER E ESCREVER AOS SETE ANOS Luiz Carlos Amorim - Florianópolis, SC

Em 2012, eu escrevia, num artigo indignado: Numa época quando se combate tanto a qualidade duvidosa da educação brasileira e quando se comprova isso, com resultados do Ideb e do Enem, com a escola pública cada vez mais abandonada pelo poder público, quando se qualifica pouco e se paga mal os professores, quando constatamos que as mudanças feitas no sistema de ensino fundamental são catastróficas, o MEC – Ministério da Educação, lança o “pacto para alfabetizar aos oito anos”. Li matéria no Esta-

dão de 24 de setembro(2012), anunciando para o mês de outubro o lançamento do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, que estabelece que toda criança deve estar alfabetizada no fim do 3º ano do ensino fundamental, ou seja, aos oito anos. E pior, é o que prevê, também o Plano Nacional de Educação, em tramitação no Congresso. Idade certa? Oito anos? Ora, isso é mais um retrocesso, dos tantos que já tivemos na educação brasileira. Vimos alertando para o fato de que, com as mudanças feitas no ensino 19

fundamental, nos últimos anos, existem muitas crianças da escola pública que chegam ao terceiro ano, às vezes ao quarto, sem saber ler e escrever como deveriam. Num passado recente, duas ou três gerações atrás, as crianças chegavam ao fim do primeiro ano do primeiro grau já sabendo ler e escrever. Uma geração antes, ainda, quando jardim de infância e pré eram coisas de crianças de famílias ricas, a gente entrava direto no primeiro ano, aos sete anos, e no final daquele ano saía lendo e escrevendo. Eu sei, porque sou dessa geração. Mesmo levando em conta que acrescentaram o pré-escola ao primeiro grau, aumentando o ensino fundamental de oito para nove anos, temos que considerar que a idade de alfabetização não mudou, pois as crian-


ças estão começando também um ano mais cedo. Então o segundo ano do primeiro grau corresponde ao primeiro ano antes da mudança, mas continua sendo o ano da alfabetização e continua sendo aos 7 anos de idade. Então porque agora o governo retardou em um ano esse aprendizado? Para mascarar a má qualidade do ensino público, para continuar desprezando e relegando ao léu a educação brasileira? Legalizaram a falência da educação. Agora, neste mês de abril de 2017, foi apresentada, pelo Ministério da Educação (MEC), a terceira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prevendo que, ao fim do 1.º ano do ensino fundamental, ou seja, aos 7 anos, as crianças saibam ler e escrever. O texto, que segue para análise e aprovação do Conselho Estadual de Educação (CNE), define que, ao fim do 1.º ano do fundamental, os alunos de-

vem conseguir escrever “espontaneamente ou por ditado” palavras e frases. Ora, como disse acima, alfabetização sempre foi aos 7 anos e funcionava, quem mudou isso foi o próprio poder público, que sucateou a educação, nas últimas décadas, e mudou a idade para oito anos, apenas para tentar esconder a má gestão do ensino brasileiro. Tomara que cumpram a palavra e a retomada seja realidade, pois é preciso resgatar a educação brasileira, sem o que não haverá futuro para nossos filhos e netos. Precisamos que o governo brasileiro, através do Ministério da Educação, cuide com mais atenção da educação brasileira, faça modificações no ensino para melhorá-lo e não para piorá-lo, como bem provou o “pacto” para retardar a alfabetização de nossas crianças e as mudanças recentes no ensino médio, e invista mais, muito mais, para 20

que nossos professores sejam melhor qualificados, nossas escolas melhor equipadas e para que os profissionais da educação sejam dignamente remunerados. Existem Estados brasileiros, vários, ainda hoje, que não cumprem a lei que determina o pagamento do piso mínimo para os professores. Como querer um bom desempenho de quem não é bem pago?

REVISÃO DE TEXTOS Revisão e orientação de textos Contate o e-mail revisaolca@ gmail.com


NATUREZA DEPREDADA

GONÇALVES DIAS, MINHA INSPIRAÇÃO Arlete T. dos Santos Gaspar. SC

J. C. Bridon Gaspar, SC

Eu me lembro era pequena E teus versos declamava Achava tudo tão lindo Não entendia que choravas.

Onde andas bela natureza Depredada, ameaçada e extinta Que nada fez à ninguém Para sofrer tais males?

Nem sabia o que era exílio Eu não conhecia a saudade Agora penso que foi só maldade O que fizeram a ti.

Onde caminham os que destroem, Dizimam e exterminam tudo de belo Que nela existe?

Meu grande poeta exilado Tua poesia, nos deixa encantados És do século passado És venerado, e por mil poemas lembrado

Será que não percebem Quanto mal estão fazendo E quantos descaminhos criam Para que tudo se apague para sempre?

Quem para Deus fez um pedido Rever esse solo querido O chão de onde foi banido. Mas nos versos foi e será sempre acolhido .

Mais tarde Lágrimas não mais resolverão O que a maldade destruiu Pela ganância de seres humanos inescrupulosos. O que acontecerá com esse mundo Tão perfeitamente criado Para que todos pudessem nele sobreviver E sonhar com a felicidade? Choro chorado Lágrimas derramadas Soluços desprovidos de caráter Não mais salvarão tão belo Planeta.

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PEQUENO RETRATO Marlete Cardoso - Joinville, SC – Professora, seu eu te contar uma coisa você não conta pra ninguém?Pra ninguém mesmo? ... Meu pai é ladrão. Mas ele só róba de quem tem bastante dinheiro. Ele some de casa e fica um tempão sumido. Meu tio fica cuidando de nós. Quando volta, a gente faz uma festa e fica que nem rico. Minha mãe sempre diz que não é pra eu contar pra ninguém o que o meu pai faz. Ele usa um revólver porque senão os caras podem vir pra cima dele e meu pai não gosta de briga. Ele diz que não é pra mim brigá e nem pegá nada dos meus colegas do 1º ano porque nós somo tudo amigo. Quando meu pai voltá, eu vou pedir pra ele comprá um presente pa professora. Dois anos depois: – Professora, se eu te contar uma coisa você não conta pra ninguém?Pra ninguém

mesmo? ... Meu pai e meu tio tão na cadeia, e vão ficar bastante tempo, mas eu queria que ele saía logo. Eu não tenho uma vida boa como meus colegas porque eu tenho sempre que ficar cuidando da minha irmãzinha e quando meu irmão bate nela, minha mãe bate em mim. O meu irmão tem quatro anos e é meu irmão mesmo, a irmãzinha tem um ano e é só meia irmã, porque é filha do meu tio. Daí, quando minha mãe vai visitar meu tio na cadeia, eu não posso ir junto porque meu pai não quer que eu veja meu tio. Eu só vejo 22

meu pai quando eu vou lá com a minha madrasta. A minha vida é bem triste, professora! – Kauê, não fica assim, um dia o seu pai volta. Agora enxuga o rosto e vai lá com seus amigos pra aula de educação física.


SOU MAR, SOU AMOR

MUNDO AZUL

Wilson Gelbcke Joinville, SC Pensei ser pedra, firme e segura... Ser gaivota, liberdade e ternura... Contemplo, escuto, me ponto a pensar: Pedra não sou... Gaivota? Por que sonhar? Sou mar! Quando revolto, águas são turvas... Assusto, amedronto, deixo marcas na areia. Depois, arrependido, busco a praia limpar. Quando sereno, águas são cristalinas... Em sussurro, ondas te faço escutar. Não te assustes, oh praia, se pareço inconstante, não sou águas de rio, que fogem do leito para não mais voltar. Revolto ou sereno, sempre fiel... Turvas ou cristalinas, minhas águas não fogem... Estão sempre contigo, sou mar, sou amor! EXPEDIENTE Suplemento Literário A ILHA Edição 141 - Jun/2017 - Ano 37 Editor: Luiz Carlos Amorim Contato: revisaolca@gmail.com A ILHA na internet:

Http://www.prosapoesiaecia.xpg. uol.com.br 23

Angela Neves Joinville,SC A mente definha Definha a mente Tão vagarosamente Tão vigorosamente Há propósito? Não! Propositadamente, Sim. Sentimentos inversos Sentimentos reversos Qual nosso destino? Onde vamos declinar? Nosso corpo cansado Cansado de esperar Esperando por esperança Esperança de sermos felizes


CHEIRO DE CAPIM DO MATO Irene Serra, Rio de Janeiro, RJ Olhei sua foto pela internet e me encantei. Tinha uma aparência tão meiga, tão desprotegida ao lado daquela árvore meio caída, que tive vontade de consolá-la. Tornou-se um hábito observá-la e, a cada dia, mais eu me entusiasmava ao descobrir novas nuances em sua fisionomia. Sua alma ainda não se abrira para mim, mas de tanto conversar com suas amigas, querer conhecê-la foi inevitável. E viajei horas para encontrá-la. Logo nos vimos frente a frente. Atrás das grades do portão gasto, estava a sorrir, parecendo que me reconhecia. Mas não se mexeu. Ansiosa, abri o portão devagarzinho, medindo os passos até a soleira da porta. Afaguei-a suavemente e a abracei, o que há tanto desejava fazer. Sei que sentiu meu toque, apesar de nada falar. Estaria

muda de felicidade por se sentir tão querida, tão es- perada? Ou estaria encabulada por ainda não estar bem arrumada e vestida, já que não esperava visita tão cedo? Emocionada, chorei de alegria. Era assim mesmo que eu a idealizara, cheiro de capim do mato e não de areia da praia; silenciosa e tranqüila como quem está em oração; pele clara com algumas imperfeições, mostrando que o tempo por ali também passara. Foi então que se mostrou por inteiro, sabendo que estaríamos juntas a partir daquele momento. Já como amigas, levou-me ao seu jardim que pedia socorro, tão despojado, árido e seco se encontrava. Imaginei logo quais flores e plantas lhe traria, assim que voltasse. Vou buscá-las no sítio: mudas das azaléias, samambaias e 24

orquídeas que mamãe tão bem cultivava... assim terei um pouquinho da minha família a perfumar um outro jardim. São vidas que renascem. As noites serão românticas ao olharmos o céu estrelado. Sei, também, que me dará todo seu aconchego, mesmo quando estiver a reclamar dos seus desgastes e fraquezas. Quanto a mim, prometo cuidar-lhe tão bem, enfeitá-la com tanto carinho, que nunca mais se sentirá sozinha e nem vai querer que eu me afaste ou viaje para outras paragens. Inseparáveis! Ah, minha casinha, como espero sermos felizes!


NOSTALGIA

ERA PARA SER AMOR

Teresinka Pereira Estados Unidos

Rosângela Wiemes Borges México De mãos dadas na calçada. De sons, de sorrisos, de momentos. De invernos, de abraços, de açúcar e água. De estrelas na madrugada. De caminhos, de árvore , de gato. De verão, de sal, de vestido novo e sapato. De música inventada. De verdade, de festa, de olhares. De primavera, de sol, de manhãs claras. De janelas abertas. De dança, de chuva, de ventania. De outono, de sombras, de beijos e poesia. Era pra ser assim: Uma canção bonita. Uma vida. Uma estrada. Uma tempestade de sonho e de flor. Mas não era nada. (Era uma emboscada!) Era qualquer coisa, mas não era amor!

Nem todos os males podem ser curados pelo tempo sozinho. Há que tecer nas veias um sangue novo para esquecer o amor que ficou seco sem resposta e que veio trazer a sede desta nostalgia que me cresce na garganta com a solidão.

Teresinka Pereira coordena a IWA International Writers & Artistis Association

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PAUSA PARA PENSAR

Jacqueline Aisenman - Genebra, Suiça

São coisas que vão ficando pelo caminho. Perdidas, abandonadas, esquecidas, deixadas somente. São coisas, são pessoas. Vão aos poucos ficando para trás. E um dia lembramos. Com saudades ou lamentos, lembramos. Pensamos então: Por quê? Por que ficaram lá atrás? Ainda estariam lá? Seria possível (seria bom?) buscar? Ter de volta? Viver novamente?Nos caminhos que são sempre longos, cheios de curvas, paisagens que trazem desde desertos aos mais florescentes campos; das longas linhas que encontram o horizonte aos despenhadeiros que caem em direção aos confins da Terra. Nestes caminhos fomos passando e fomos deixando traços. E além de nossas pegadas, foram ficando to-

das as coisas e pessoas que dele fizeram parte num momento ou outro. Não é tudo que nos acompanha do início ao fim. Pouco temos dos tempos em que começamos. Do que lembramos? De ter perdido aquela foto linda ou as ilusões todas de um dia? Lembramos dos abandonos, os que nos abandonaram e o que abandonamos? E tudo o que ficou esquecido? E tudo o que simplesmente deixamos? Deixamos porque estávamos cansados, falidos, fartos, sem vontade? Ou talvez porque fosse 26

somente necessário. Migalhas de pão, pedrinhas, pedaços de vida, aos poucos tanto e tantos foram ficando pelo caminho. Deixamos para trás o amigo que tomou outra estrada; deixamos a roupa que não nos servia mais. Perdemos o livro que ainda nem tinha sido lido; perdemos sonhos que cobiçavam a realidade. Abandonamos o móvel que tinha se tornado velho demais; abandonamos o amor que não encontrava mais esperanças. Esquecemos aquela caneta em algum canto sem mais saber onde procurá-la; esquecemos pessoas que pouco a pouco foram se distanciando no tempo. Vamos seguindo adiante, volta e meia um olhar para trás nos faz divagar. Mas retomamos a caminhada.


Voltar é algo que não acontecerá. Voltas tornaram-se desejos impossíveis. Que também ficarão pelo caminho. Perdidos, abandonados, esquecidos ou tão somente deixados lá, naquele momento a mais.

Toda sequência assim é, o caminho continuará e deveremos seguir. Mesmo parando, descansando, lembrando, deveremos seguir. Seguir com a velocidade dos nossos passos, levando conosco a bagagem, leve ou cheia

DESTINO

de peso, de tudo o que nele foi vivido. E melhor seria apreciar com carinho a paisagem. Até chegar ao destino final onde, talvez, tudo o que ficou para trás poderá estar também.

DANÇA COMIGO?

Mia Couto - Portugal

Mary Bastian, Joinville,SC

à ternura pouca me vou acostumando enquanto me adio servente de danos e enganos

Toma meu corpo em teus braços Me envolve em abraços E gira ao redor Encosta teu rosto em meu rosto Sente meu perfume E gira em redor Pressiona no abraço a minha cintura E chega bem perto do meu coração. Sente o bater com que ele acompanha O descompassado do teu coração E gira ao redor, que a dança é pretexto Pra estarmos a sós, nesta multidão.

vou perdendo morada na súbita lentidão de um destino que me vai sendo escasso conheço a minha morte seu lugar esquivo seu acontecer disperso agora que mais me poderei vencer?

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A CIGARRA BAILARINA

Else Sant´Anna Brum - Joinville, SC

Zizinha era uma linda e jovem cigarra com asas grandes e transparentes cheias de nervuras. Era faceira e gentil e trazia em sua cabeça muitos sonhos. Um deles: ser uma famosa bailarina! Ela sempre pensava na história contada sobre sua tataravó que numa noite de muito frio bateu à porta da formiga pedindo abrigo e comida. - Que fez no verão? A formiga perguntou. - Eu cantava, respondeu a cigarra. - Pois se cantava, agora dance, disse a formiga sem piedade, fechando a porta bruscamente. É claro que a tataravó de Zizinha não seguiu o conselho da formiga, mas a tataraneta iria dançar sim! Zizinha procurou uma escola de dança muito famosa que havia na sua cidade e matriculou-se no curso de balé clássico. Tinha facilidade para dançar, pois suas asas a ajudavam e assim foi progredindo. Sua vida não era nada fácil, aliás, nunca foi. Antes, quando ainda era ninfa, ficara por muitos anos

embaixo da terra. Agora, livre, queria voar, queria dançar. Zizinha precisava de muitas coisas para o seu curso de dança: sapatilhas, saiotes, corpetes. Custavam caro e ela não tinha muito dinheiro. Acontece que Zizinha era comunicativa e fazia amizade com todos. Imaginem que ela fez amizade com uma formiguinha que encontrava todos os dias no caminho da escola. Conversa vai, conversa vem, Zizinha descobriu que sua nova amiga chamada Tuca era tataraneta daquela formiga que negara ajuda à sua tataravó. - Veja só, falou Tuca, como este mundo é pequeno. Mas se nossas antepassadas não se entendiam e não se ajudavam, nós vamos seguir um caminho diferente. Vou apresentar você para Nina, uma grande amiga minha que é filha de Dona Aranha, a maior tecelã destas redondezas. Nina garantiu que sua mãe faria todas as roupas para Zizinha facilitando assim sua vida e seus estudos.

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Algum tempo passou e quando a cigarra já era uma bailarina reconhecida pelo seu talento, fez uma apresentação no bairro de Dona Aranha que foi a apresentadora do espetáculo. Tuca, a formiguinha tinha se formado pianista e acompanhava Zizinha. Nina patrocinou a festa, que foi um sucesso, pois era proprietária de uma loja de artigos para dança. Dona Aranha encerrou a apresentação com o seguinte comentário: - Nem todos cantam, nem todos dançam, nem todos sabem tecer, mas todos nós podemos ajudar alguém a realizar um sonho!


PIANÍSSIMO

ENRASCADA

Maura Soares Florianópolis, SC

O som do piano se espalha na noite vazia, soturna... O artista, solitário, dedilha a última sonata antes que a noite acorde. Seus dedos correm pelo teclado e, entre as brancas e pretas, o som invade a obscuridade. Ao longe, alguém abre a janela. O som penetra no quarto invadindo a privacidade de, quem sabe, outro solitário ser. O som do piano se espalha pela madrugada... Agora em um acalanto esperando o clarear do dia. Nos dedos ágeis do pianista o som do lamento, quem sabe de dor, quem sabe de amor...

Fátima Barreto Laguna, SC

Tal qual víboras de tocaia auscultam-nos tempos incertos Enroscadas emboscadas mascaradas vilãs da história venenosas e satânicas serpentes! E nós, tenras lebres no afã de salvar a pele das nossas juvenis esperanças, disparamos por denso verde-amarelo

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MATHEUS E BIANCA Aracely Braz - S. Francisco do Sul, SC Matheus é um menino realmente especial. Antes de nascer, nós todos, principalmente mamãe Josi, conversávamos com ele, de como estávamos felizes por sua próxima chegada. E eis que chegou o dia: 22 de junho. Matheus chegou e foi sempre saudável, forte e feliz. Agora com três aninhos, é esperto, curioso e vive fazendo perguntas. Tem olhos escuros e brilhantes, é sempre atencioso a ouvir o que mamãe e papai lhe falam. Teme um pouco papai Cris, que é por vezes enérgico, como algumas ocasiões exigem. Frequenta o Jardim de Infância, onde se sente bem com as titias e amiguinhos, destacando-se Arturzinho. Não se largam, Matheus até já quis levar o amiguinho para sua casa. Sua priminha Bianca, com dois aninhos, que tem o apelido carinhoso de Bibi, é diferente em tudo. Matheus é calmo, mas ela é arteira, rápida, tal qual um relâmpago. Olhinhos espertos, vê tudo. De repente, num piscar de olhos, zás! Já

quebrou, derramou ou bebeu algo proibido. Tem que ser vigiada pela maninha Ana Júlia, com sete anos, muito calma, paciente e carinhosa com nossa Bibi. E tem que atendê-la, porque mamãe Larissa trabalha. Matheus, já na fase de ouvir estorinhas, até já sabe contá-las. Outro dia, em casa da vovó Jane, procurava um brinquedo e dizia: - Me ajuda picuiá, vó! E quando encontrou o brinquedo, em vez de dizer: - Achei!, gritava feliz: - Picuiei, vó! Picuiei! E gradativamente vai aprendendo as palavras certas. Já sabe letrinhas e números e faz soma com os dedinhos. Bibi ama mamãe e papai Josué, contudo o teme por ser advertida quando necessário. De vez em quando, Bibi pergunta pelos avós maternos Vera e Jonadir, que estão longe de férias. VôNadi, como ele o chama. Matheus passa algumas tardes com vovó Lena e aproveita para jogar futebol com o vôJoaci. Antes do Natal, pediu para mamãe ajudá-lo a escrever

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uma cartinha ao herói das crianças, Papai Noel, e com a demora de notícias, reclamava já ter oferecido tantas frutas ao velhinho e nada! Então mamãe explicou que Papai Noel tinha muitas crianças para atender e, ainda, que seu trenó tinha quebrado. Então a demora se estenderia. Teríamos que esperar, que ele viria e o Menino Jesus iria nos ajudar. Dito e feito, chegou o feliz dia em que o bondoso Papai Noel deixou para Matheus e Bibi seus brinquedos preferidos e mais um bilhete que dizia assim: “Crianças boazinhas, jamais as abandonaria! Voltarei no próximo ano! Um beijo do Papai Noel.


A MANHÃ DE AMANHÃ Célia Biscaia Veiga Joinville, SC É noite. Noite escura, sem luar Nuvens escuras Escondem as esrrelas, A iluminação pública é precária, Não suficiente para bem visualizar. Mas a esperança é que Passando a madrugada A manhã de amanhã vai chegar Trazendo luz, Mesmo que não traga sol. Amanhã sempre é uma esperança Pois nunca chega: Quando chega, vira hoje E se espera Pelo outro amanhã...

MANIFESTO BRANCO José Luis Peixoto Portugal Talvez te pareça que já não podes ver com pureza, talvez te pareça que perdeste essa capacidade entre as coisas reais, como quem perde uma chave na rua, como quem perde a carteira. A diferença entre um sentido e uma chave ou uma carteira, por exemplo, é que um sentido pode materializar-se na palma da mão, não é feito de ferro. Se precisares de renascer, renasce. É permitido renascer. Na verdade, nada é proibido. Nada é proibido. Pureza, repito a palavra apenas pelo prazer de articulá-la. Experimenta. Se te sentires ridículo ao fazê-lo, sabe que essa é uma armadilha que deixaste que te colocassem. Ignora-a. Diz: Pu-re-za. Ao fazê-lo, é como se cantasses no duche ou no trânsito. Sorri. O que é um deus? Por favor, não me faças perguntas dessas. Faz perguntas para dentro de ti. Só as tuas respostas são válidas. O sol ilumina tudo. Senta-te ao sol e sente-o. Assim, com aliterações e tudo o que mereces. Tu és tão natural como uma árvore. As preocupações que te dobram a pele do rosto e que te apoquentam os músculos das costas, os pesadelos com que acordas de manhã podem dissolver-se no lago imaginário que fores capaz de criar diante de ti. Repara, é sempre fim de tarde nesse lago, tem sempre paz e descanso. Está tudo feito. 31


LITERARTE

EDIÇÃO EXTRA DO SUPLEMENTO A ILHA

Nossa revista terá uma edição extra, reunindo poetas que compõe a nova Confraria do Pessoas. Será a primeira publicação do grupo, com cada um dos membros da Confraria mostrando um pouco da sua produção. Mais adiante, uma antologia virá a público, num volume mais alentado, em formato de livro. Veja artigo, nesta edição, sobre a Confraria de Pessoas, que congrega amantes da poesia, de Fernando Pessoa e de Portugal.

SESSÃO DE SAUDADES

No último mês de maio, aconteceu a Sessão de Saudade do nosso querido Júlio de Queiroz, na Academia Catarinense de Letras. Foi uma homenagem belíssima a um dos maiores escritores de Santa Catarina e do Brasil, pessoa das mais queridas no meio literário e fora dele. Nesta edição, poema de Rita Signorini feito para ele e declamado na noite dedicada ao nosso saudoso e amado

poeta.

FEIRAS DO LIVRO

A Feira Catarinense do Livro já aconteceu em Florianópolis, no mês de maio, e o Grupo Literário A ILHA esteve presente, com a participação de seus membros Urda Alice Klueger e Luiz Carlos Amorim, que autografaram os conjuntos de suas obras. Mas outras feiras do livro estarão acontecendo pelo Estado, em cidades como Brusque, Curitibanos, Urubici, Jaraguá do Sul, Criciuma, São Francisco do Sul, Balneário Camboriú, Rio do Sul e outras. Se houver uma feira do livro em sua cidade, prestigie.


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