SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA - Edição 153 - Junho/2020 - 40 anos de literatura

Page 1

SUPLE

MENTO

LITE

RÁRIO Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

A ILHA CONTINENTE

REESCREVER A OBRA DE LOBATO?

“O CORTIÇO” 130 ANOS

MAIO: PANDEMIA, TRABALHO E LITERATURA

GRUPO A ILHA 40 ANOS DE LITERATURA

AGUALUSA NO BRASIL Portal A ILHA: http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

INTEMPÉRIE Jacqueline Aisenman – Genebra, Suiça

Diante de mim o tempo reflete minha vida em seu espelho cruel. Ele passa para todos na mesma velocidade? Deve passar… Mas não nas entranhas, no âmago, não na alma. Passa pelo corpo, leva a leveza levando com ela a leviandade. Deixa as marcas, marca cada passo dado, cada erro feito, o imperfeito. Eu tenho expressões no rosto o sentimento exposto por traços que o tempo desenhou… Enfrentar o próprio olhar é mais difícil do que enfrentar o olhar alheio. Por isto espelhos não têm voz.

2


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

SUPLE

MENTO

LITE

RÁRIO

EDITORIAL QUARENTA ANOS DE LITERATURA

Com esta edição de número 153 do SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA, comemoramos o quadragésimo aniversário da revista e do Grupo Literário A ILHA. São quarenta anos de literatura, de divulgação de novos escritores, de abertura de espaços para levar a literatura catarinense e brasileira aos quatro cantos do mundo. E não só a literatura brasileira é contemplada aqui, escritores de outros países também comparecem, para temperar o conteúdo de muitas edições. É uma revista literária internacional. E há que se comemorar um marco tão importante, há que se comemorar o grupo e a revista mais perenes do gênero, afinal, são quarenta anos de existência e resistência, sem nunca depender de nenhum órgão oficial. A nova antologia com a participação de todos os membros do grupo seria lançada em junho, mas devido à pandemia, foi adiada para o fim do ano. Também faria parte das comemorações do aniversário a participação do grupo na Feira do Livro de Lisboa, já que a redação da revista funcionou, temporariamente, na capital portuguesa, neste primeiro semestre de 2020. Mas também devido à pandemia, a feira foi adiada e o Grupo A ILHA participará no próximo ano. Então, apesar da pandemia, festejamos, sim, com esta edição comemorativa dos quarenta anos de trabalho em prol da literatura brasileira, desta nossa revista vitoriosa que é o SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA. Muita prosa, muita poesia, muita informação literária e cultural, produzida por um time de bons escritores contemporâneos. E um pouco da história do grupo e da revista. Sirvam-se à vontade, leiam e divulguem, esperamos que gostem. O editor

Visite o Portal PROSA, POESIA & CIA. do Grupo Literário A ILHA, na Internet, http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br 3


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

DESDE A BABITONGA

Enéas Athanázio – Baln. Camboriú, SC

Quarenta anos são quase meio século, período em que muita coisa importante p o d e a c o n t e c e r, mudando inclus i ve o d e s t i n o d e povos e nações. É um lapso de tempo em que muitas vidas surgem e prosperam, enquanto outras fenecem sem chegar à maturidade. Muita gente nasceu, cresceu e se diplomou

nesse período, integrando hoje as mais diversas c ate g o r i a s p r of i s sionais. Escritores, poetas, artistas e músicos deixaram o universo dos anônimos, produziram e lançaram suas obras, e agora formam entre os reconhecidos e consagrados. Mas foi há quarenta anos, num recanto à beira da Babitonga, que nasceu o “Grupo L i te r á r i o A I LH A”, reunindo um punhado de jovens que amavam a Literatura, com o objetivo de batalhar pelas letras e pela cultura, incentivando escritores, poetas e

artistas para que produzissem cada vez mais e melhor, publicando e divulgando suas obras de todas as formas possíveis. Sem qualquer ajuda, oficial ou não, afrontando o desinteresse e até a hostilidade de alguns, puseram-se em campo e jamais deixaram d e a g i r. P r o m o veram encontros

EXPEDIENTE “SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA – Edição 153 – Junho/2020 – Ano 40 Edi ç ões A ILHA – C ont ato: l c aes c ritor@gmail.c om e revisaolca@gmail.com A ILHA na Internet: Por tal PROSA , POESIA & CIA .: http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br “ 4


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

de escritores e poetas, lançamentos de livros, palestras, debates, exposições, iniciativas criativas e variadas. Pub l i c a ra m n es s e período inúmeros l i v r o s , i n d i v i d ua i s e coletivos, além do suplemento A ILHA, que nunca deixou de circ u l a r, v e n c e n d o todos os obstáculos e dificuldades. As circunstânc ia s im p us eram a mudança de sua sede, primeiro para J o inv ill e e d e p o i s para Florianópolis, de sor te que

o Grupo acabou se transferindo de uma ilha para outra. Isso, no entanto, não afetou a unidade e a disposição de seus integrantes, cada vez mais irmanados no seu ideal. Num Estado em que todas as associações de escritores fracassaram, desaparecendo sem deixar vestígi os e s em infl uir no meio cultural, o “Grupo Literár i o A I L H A” é u m exemplo admirável de persistência e continuidade,

5

merecendo o reconhecimento público de quem tem ac ompanhado sua luta de longos anos. Alegro-me por tê-lo prestigiado e aplaudido desde o início e faço votos de que continue assim, ativo e dinâm i c o, p e l o t e m p o afora, sempre liderado pelo incansável Luiz Ca r l o s A m o r i m , a quem felic ito pelo grande evento: 40 anos de A ILHA. (B. Camboriú, maio de 2020)


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

MENINA MULHER

Eloah Westphalen Naschenweng – Florianópolis, SC

Saudades daquela menina mulher que levava consigo aquele olhar de curiosidade , de expectativa e de esperança à procura de bem viver. Saudade daquele tempo que tinha como norte a imaginação, a intuição e o aprendizado. Saudade daquele vislumbrar maravilhado, de um coração sonhador e do desafio na busca do desconhecido. Hoje olho no espelho e consigo ver ainda aquele brilho no olhar um tanto embaçado pela escalada da vida, é verdade, mas não de todo perdido, apenas escondido nas rugas que contam histórias de um caminhar antigo. 6


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

s o c i e d a d e s p e rfeitas. É certo que se deve buscar uma sociedade mais igualitária — a igualdade REESCREVER a b s o l u t a é u m a A OBRA DE fantasia, porque o MONTEIRO mundo é movido LOBATO? pelas desigualEuler de França Belém dades profundas entre os indivíO r a c i s m o d a d u o s —, ma s não época de Monteiro L o b a t o va i d e i x a r de ser racismo porque sua obra f o i m o d i f i c a d a? Bandeiroso, um escritor reescreveu uma das h i s tó r i a s d e M o n teiro Lobato, para torná-la “palatáv e l ”, q u e r d i z e r, p olitic amente c orreta. Há quem p r o p o n h a q u e se deve mexer nos seus textos devem tex tos d e es c r i to s e r s u a v i z a d o s . res, ain da que s e Tr a t a - s e d e u m discorde profundad e s r e s p e i t o p r o - mente deles. f u n d o c o n t r a a Histórias complecultura, contra a xa s , d i f íc e i s d e liberdade de c ria- ac eitar, por vezes ç ã o e c o n t r a o são registros de escritor. uma época, de Não há i deias e visões de mundo 7

cristalizadas num período. Mudá-las, para que se adequem aos novos tempos e às ideias aceitas, além de desfigurá-las, é falsificar como pensavam e se compor tavam os homens de ontem (e, em alguns casos, de hoje). O rac ismo da ép oc a de Monteiro Lobato vai deixar de ser racismo porque sua obra foi modificada? Não vai, é c laro. As editoras devem deixar os textos como foram escritos. Quem não gostar, por um motivo ou outro, que não os leia. Intelectuais acadêmicos, alguns deles respeitáveis, quando defendem mudanças na obra de Monteiro Lobato e até vetos a determinados trechos (em “Caçadas de Pedrinho”, por exemplo), não percebem que se


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

comportam como se fossem ditadores e como se a liberdade de expressão não fosse uma exigência das sociedades democráticas. O ditador soviético Stálin tinha o hábito de retocar fotografias, para se colocar nos centros dos acontecimentos históricos, e d e e x c l u i r a d v e rsários das fotos e dos livros, como s e t ais in di víduos não existissem. Querem fazer o m es m o c om M on teiro Lobato, “limpando” a histór ia e s eus l i v r o s? Querem construir uma história e uma literatura perfeitas, d e b oa s a ç õ e s? Se querem, o que querem mesmo é matar a literatura. Dá para excluir da literatura autores c onser vadores como Knut Hamsun, Louis-

-Ferdinand Céline, Pierre Drieu la Rochelle, Ezra Pound, T. S. Eliot, Gustavo Corção, só por que não apreciamos suas i d e i a s p o lít i c a s? Claro que não. Eles escreveram literatura de primeira linha, ainda que, como Céline,

sobretudo, fossem politicamente abomináveis (Eliot e Corção, claro, nada tinham de ab omináveis, p ois seu conservadorismo não se a p r ox i ma d o d elírio de Hamsum, Pound e Céline). R e e s c r eve r o b r a s 8

literárias, para dotá-las de um espírito politicamente c orreto, é uma atitude stalinista. É um assassinato cultural. Deixem Monteiro Lobato em paz. Ou m e l h o r, d e i x e m as c rianç as es c o lherem, porque, rebeldes por natureza, não aceitam totalitarismos de alguns adultos e s e di ver tem — como eu me diverti quando menino — com a prosa divertida, i nte l i g e nte e l i v r e d o e s c r i t o r. O racismo de Monteiro Lobato está sendo “expand i d o”, n ã o p o r leitores qualificad o s (a s c r i a n ç a s o s ã o), e s i m p o r maus leitores, intelectuais que forçam a literatura a dizer o que não querem dizer, nunc a dis s eram e não estão dizendo.


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

AMANHECER Na despensa a banha na lata NA ROÇA Eliane Debus – Florianópolis, SC

Conserva seu aroma. No espaço dividido o odor da farinha de mandioca, do polvilho a carne seca as latas de biscoito.

O cheiro quente de café Invade os cômodos A despertar a casa de sua sonolência. O barulho da palha do colchão ecoa na lentidão do deslizar dos corpos que avançam para o dia. No fogão a lenha

O olhar vagueia pela janela acolhe a neblina baixa anuncia o sol que racha. No jirau a louça adormece no varal de arame farpado a roupa dança nervosa

fumega a água em eterna evaporação. A farofa de carne A rosca de polvilho Sabores da manhã. É manhã na roça É hora... É memória. Zombo do tombo: me alevanto Tomba no tombadilho a carne negra 9


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

Escorrega pelos porões Mercadoria na travessia

Tomba na quebrada Zombo do tombo: me alevanto Sou força guerreira dos meus ancestrais

Tomba no canavial do branco açúcar As mãos negras calejadas Tomba nas minas do iluminado ouro A carapinha pote de tesouro Algodão café

O PÉ DE MEIA

Eliane Debus

O pé de meia faz exercícios no arame, equilibrista do ar. A blusa rodopia numa dança estranha, bailarina sem par. A manga do paletó Enlaça a camisa branca num gesto sensual, Malabarista de afagos. Assim é, tarde de vento sul. Dois olhos a observar o palcovaral pela janela encardida

10


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

A ILHACONTINENTE

Por Celestino Sachet – Florianópolis

A revista A ILHA - Suplemento Literár i o, an o X X XIX , nº 152, de março de 2020, apresenta-se com uma capa disposta a, mais uma vez, namorar seus leitores fiéis há exatos 40 anos. - Quarenta anos de uma revista liter á r i a? E x i s t e e m Sant a Cat ar ina? Existe. E é a única com esse fôlego de

sobrevivência no temp o e na quali d a d e . Va m o s p o r partes. Ao abrir os anos 1980, o jovem Luiz Carlos Amorim, residente na ilha de Sã o Fr a n c i s c o d o Sul, já estava cansado de manusear notas e bilhetes de depositantes do banco em que trabalhava. - Preciso é mexer com as notas e os bilhetes que fer vem dentro da minha imaginação e insistem em procurar uma porta de saída. Mas como d a r v i d a e s o b re vivência a esses meus escritos que já não aguentam permanecer apenas na realidade da ideia? - Fácil, cara! Eu sou A ILHA e estou pronto a gritar contigo, proclama o semanário de Chico City. Dito e fe i t o. Em j u n h o daquele ano de 1980, A ILHA sentiu-se o mais impor tante sema11

nário catarinense ao comparecer nas bancas e nas mãos dos leitores com o “ Sup l emento Lite rário A ILHA”. E a cidade, não menos prosa, começou a e ntoa r l o u vo res a outra "ilha", não mais o pedaço de terra cercado de água por todos os lados - menos p o r b a i xo, c l a r o mas a uma "ILHA" cheia de letras por todos os espaços, isto é, em todas as páginas. Em maio do ano seguinte, o suple mento liber tou-se do semanário, ganhou a vida e começou a andar com as próprias pernas. E a caminhada do Grupo A I L H A t r a n s fe r i u morada para Joinville, cidade um pouquinho longe do mar e banhada apenas por um rio, ainda que com o nome de Cachoeira. A glória da cidade


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

não banhada pelo m a r, n ã o c o m b i nava com ILHA, mas mesmo assim deram-se muito bem por quase vinte anos. E assim que mudou o século, a revista resolveu m u d a r d e c i d a d e. No ano 20 0 0, cá estava ela de armas e bagagens, afinal, Fl orian óp olis está quase toda plantada numa ilha. E, neste mês de junho de 2020, passados 40 anos, cada número da revista é um desfile de menus literários cinco estrelas: contos, crônicas, poesia, ensaios, análise de livros,

literatura infanto-juvenil, aspectos da teoria literária, livros editados, anúncios de novas edições. - E não pensem que A ILHA está com os olhos focados apenas sobre o escritor de Santa Catarina. Dá só uma olhada nos números anteriores para ver quanta gente de fora: Mário de Andrade; Teresinka Pereira, dos Estados Unidos; Zhang Zhi (Diablo), da China e Nuno Rebocho, de Cabo Ve r d e; J a c q u e line Aisenman, d a S u i ç a; R o s â n gela Borges, do M éxi c o; Rit a Pea , 12

Dulce Rodrigues, Pierre Aderne, José Peixoto, de Por tuga l, Agua l us a , d e Angola, Mia Couto, de Moçambique, e ainda escritores da Índia, Rússia, Itália, França e outros países.
Como se p er c e b e, o s up l e mento do jornal A ILHA de São Francisco do Sul anda hoje pelos Estados Unidos, pela China, pela África, p e l a Rús s ia , p e l a Índia. E vai che gando aos cinco continentes. É uma publicação internac i o n a l , l eva n d o a literatura contemporânea para o mundo todo.
Ao longo desses 40 anos, a for te lideranç a de Luiz Carlos Amorim vem promovendo a edição de livros, encontros culturais, palestras, feiras, ex p os i ç õ es, intercâmbios. Desde o início dos anos 90, o por tal "Prosa, Po e s i a & C i a ."


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

democratiza um es paç o el et r ô n i c o d e a l t a q ua l i d a d e literária, disponibilizando a sua revista, também, on line. 
 O Grupo A ILHA é um agente transformador pela variedade dos meios alternativos com os quais leva o poema para fora do livro. Além do "Varal d a P o e s i a ", i n t e gram as atividades do movimento os projetos "Poesia na Rua" - poemas em o utd o o r s; " Po e s ia n o Sh o p p in g", um varal com poemas pendurados nos

corredores de shopping centers; "Poesia na Escola", apresentação com p oema s de vári os autores; "Poesia C a r i m b a d a ", u s o de carimbos para im p r im ir em q ua l quer superfície; "O S o m d a P o e s i a ", distribuição de poesia declamada em CD.
 P ara o fund a d o r, o Gr u p o A

ILHA mudou a maneira que o público tinha de o l ha r o p o e ma . E de olhar o poeta também. Que hoje é visto e respeitado como escritor. Como um artista da palavra.
 A ILHA de 1980 foi longe e transformou A ILHA de 2020 num belo continente de palavras, ritmos e cores.

LEIA o Blog CRÔNICA DO DIA

Em http://lcamorim.blogspot.com.br Literatura, arte, cultura, cotidiano, poesia. Todo dia um novo texto: um conto, uma crônica, um artigo, um poema. Leia e comente. Sua opinião é importante para que possamos melhorar o conteúdo. 13


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

Chamo minhas mãos,

O ESCRITOR novamente, Karine Alves

e as mergulho em tinta azul para escrever mais um poema…

Ribeiro – Gaspar, SC

Às vezes sou máquina de escrever, às vezes sou só inspiração que ninguém lê.

E depois que o sol se apagar, a água secar e o homem se acabar?

Às vezes quero só parar no tempo esperando o entardecer, ou sentar sobre o muro comendo amendoim.

Ainda existirão os versos procurando uma rima para se casar. Vão achá-la nas coisas belas, no amor, pode apostar!

Às vezes quero ser o homem que percorre o mundo num balão, astronauta na lua ou geofísico na Antártida. Mas, quase sempre, sou mesmo é o milésimo dormente da estrada de ferro da minha cidade natal. Onde ainda espero o trem passar e me levar para as cores do mundo… Para esquecer o frio, todo pequeno pensamento, o medo, a aridez, o sofrimento. 14


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

SAUDADE

SIMPLICIDADE II

Mia Couto

Luiz Carlos Amorim

Que saudade tenho de nascer. Nostalgia de esperar por um nome como quem volta à casa que nunca ninguém habitou. Não precisas da vida, poeta. Assim falava a avó. Deus vive por nós, sentenciava. E regressava às orações. A casa voltava ao ventre do silêncio e dava vontade de nascer. Que saudade tenho de Deus.

Gosto de natureza, simplicidade, pureza, da flor do jacatirão, da flor do jacarandá, de terra, mar e de sol. Gosto de você. Sei que já disse isso, mas eu gosto de você. De segurar sua mão, de sussurrar no ouvido, de misturar nossos eus. Gosto do sol na pele, mas gosto mais do calor da luz dos olhos castanhos a aquecer minha alma. Gosto da chuva lá fora a ninar nossos sonhos e gosto da noite estrelada cúmplice do aconchego. Gosto mesmo é de você. O que seria de mim, seu eu não tivesse você?

15


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

EM TEMPO DE QUARENTENA Harry Wiese – Ibirama, SC

Estou só, Deus e eu. Se não acreditasse Nele seria único, eremítico, quase exilado. Lá fora a rua está silenciosa e inabitada. O que nunca viria a oc orrer se tornou presente e o que era dos outros agora está comigo. Quero sair, mas o portão está fechado. A lei é a chave ou a chave é a lei? “E agora, José? Com a

chave na mão/ quer abrir a porta,/ não existe porta”. Peço a presença de Alberto Caieiro e ele logo se aproxima. Ele também está em quarentena, na minha biblioteca diminuta e foi logo murmurando sua poética: “ Nas cidades a vida é mais pequena/ Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro./ Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,/ Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe/ de todo o céu,/ Tornam-nos pequenos/ porque nos tiram o que os nossos olhos/ nos podem dar...”.

16

Restou-me a casa solitária, mas não sou solidão. O silêncio me acaricia. Aprecio a noite. Da varanda ouço a sonoridade dos longes, mas o múrmur do rio não vem, está estio. Ouço o som das estrelas, são os cânticos dos viventes que já se foram e brilham para Ele, o grã-criador do universo. Manuseio a vitrola esquecida, meu Deus do céu, quanto tempo! Logo vem o som dos saxofones de Billy Vaughan: La paloma, Blue Tango, Laura... e eu redesfaleço numa paixão sem limites. A cidade dorme. Por que tanto sono, Senhor! Estou cansado, mas estou acordado. Hei de ver o céu, o Cruzeiro do Sul, a cruz de outrora apreciada e esquecida. Está lá com vestígios de eternidade. Deus está lá? – Não, Ele está onde nossos pensamen-


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

tos não conseguem chegar. Para aprec iar o firmamento n ã o n e c e s s i to d e chaves, senhas e leis, porque “As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei”, disse Drummond. Por que reclamaria do portão lacrado e da cidade solitária? Protegido mergulho nas longas distâncias e me vejo criança de calça curta e pés no chão. Menino veloz percorro as veredas beira-rio. Vou a longínquas terras, mas a i n da c á m e e d i fico. Ressurgem as manhãs de sol, passarinhos cantando, sonhando essências e aguardando

a vida. Agora, aqui estou. Portão fechado e a vida em tempo de se findar. Mas a consoada, meu velho Bandeira, ainda não está pronta! Ainda há de demorar! Perc eb o o mundo com suas tecnologias, há tecnologias para tudo, maravilhas nunca antes imaginadas, mas estou só,

17

só Deus e eu. Soledade e paixão. O portão está fechado e a chave é a lei. A tecnologia não é a lei. A ciência se constrói nas imperfeições. Um novo tempo há de vir. Meu portão há de se abrir e então plantarei poemas ao longo da rod ovia. Seria um infortúnio não se preoc upar com tempestades. Mesmo assim a solidão é bênção em tempos estios e de preocupações. A b onanç a c hegará. Estou em quarentena e teço minhas reflexões. Até quando? A resposta é a história dos tempos! Assim seja!


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

NÓS

ÊXTASE

Rita Marilia Florianopolis, SC

Aracely Braz

Amanheceu para nós Para fazer novos nós Ou desfazer alguns nós Na conivência de nós. Nós que amamos Nós que precisamos Nós que desejamos Nós que abandonamos Nós que não queremos.

Olhando o mar, o horizonte, Ao lado de fonte d´água, Curvei-me para beber; Surpresa me transformou. Quem no caminho assomou? Você, que eu queria ver. Olhei, mirei você, Coração extasiado ficou. Senti-me correspondida, Tão feliz, meio perdida.

Nós em nós Nós, só nós Do choro ao silêncio Eternamente Nós.

Tudo de bom vem à mente. Caminho suavemente, Mais perto quero lhe ver. Afoguei minha saudade, Vivi a felicidade, Tanto queria lhe dizer. Enorme a semelhança, Mas foi embora a esperança. Deixei-me cair no chão, Chorei com grande emoção, Por que não era você…

- eternamente sós

18


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

mais de uma centena de livros solo e antologias de prosa e de poesia, através do Varal da Poesia - que transformouOS 40 ANOS -se no Projeto Poesia DO GRUPO no Shopping, da parLITERÁRIO ticipação em feiras AILHA do livro, em salões Por Luiz Carlos Amorim – internacionais do Florianópolis, SC livro e feiras em O G r u p o L i t e r á - países como Porturio A ILHA e a sua revista, o Suplem ento L i terá r i o A ILHA , c om p let am, neste junho de 2020, 40(quarenta) anos de atividades. Divulgando a literatura, dando espaço a escritores catarinenses e brasileiros e até de outros países, publicando a obra de to d os eles em gal e Suiça, e através várias mídias, como de outros projetos a revista do grupo, como Poesia na Rua, o S U P L E M E N T O Poesia Carimbada, LITERÁRIO A ILHA, O Som da Poesia, o p o r t a l P R O S A , Pacote de Poesia e POESIA & CIA., na outros. internet, em http:// 
 S ão quarenta anos w w w . p r o s a p o e - de trajetória, sempre siaecia.xpg.com. adaptando-se às br, através da Edi- n o v o s mí d i a s , à s tora A ILHA , c om novas tecnologias 19

de informação para chegar até o leitor. Começamos com a revista só impressa, dep ois c olocamos também a publicaç ão na inter n et e agora ela é on line. As Edições A ILHA publicam, atualmente, além dos livros solo dos integrantes d o Gr up o A ILHA e das antol o g i a s , u m a n ova revista literária, a ESCRITO RES D O BRASIL, também o n l i n e, q u e ve i o para ampliar o espaço deste suplemento literário, que j á e s t ava f i c a n d o pequeno. E está fazendo o maior sucesso, com mais de seis mil acessos a cada edição. 
Para comemorar este quadragésimo aniversário, um marco para a literatura do Estado, uma vez que temos a revista mais perene do gênero, o G r u p o L i te r á r i o A ILHA idealizou e estará lançando este


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

ano mais uma antologia reunindo os seus escritores, como já fez em aniversários anteriores. No anive r s á r i o d e t r i nt a anos, lançou duas c o l e ç õ e s: P o e s i a Viva e Letra Viva, as duas com mais de dez volumes cada. Diferente da coleção Poesia Viva, a coleção “Letra Viva” traz a lume os cronistas do grupo, que não são tão numerosos quanto os poetas, mas se destacam, já tendo escrito para jornais do Estado e pelo Brasil.
 C rônica t al vez não s eja o gênero literário mais praticado, atualmente, pois perde para a poesia. Mas é o mais publicado, pois todo jornal tem seus cronistas diá-

rios. Por isso, nossa nova antologia não privilegia apenas um gênero, mas três deles: poesia, conto e crônica.

Então viva a Literatura catarinense, brasileira, universal. Continuaremos aqui para levá-la até o leitor. Sempre.

Visite o Portal PROSA, POESIA & CIA. do Grupo Literário A ILHA, na Internet, http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br 20


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

É TEMPO DE TIRANIA Julio de Queiroz

Quando a noite é o dia do

Quando é incerta a sucessão

sol claro; 
quando é ainda mais

virtude ausente;
quando

escuridão, em sussurros, levou

juventude
e ao povo se mente

poder,
mesmo quando tecido no

secreta e, da rainha,
se louva a

difícil servir aos poderosos,
que a

fantasmas enlouquecem a

ao trono;
é tempo de tirania.

sobre o erário,
é tempo de tirania.

Quando as anciãs virtudes se

Quando é preciso se ler nos

clandestina;
quando cortesãos

afivelará no rosto;
quando é

rei presente é declarado incapaz

silenciosa
que a em voz alta é

não olhar o futuro;
é tempo de

melhor teria sido o exílio

transformam
em convite à morte

olhos do rei
a expressão que se

enodoam o passado milenar
e o

chegada a hora da oração

de enganos;
quando é prudência

tida por traição;

tirania.

trabalhoso
que este anel de

Quando a verdade de hoje se

conselheiro
- coroa de fogo da

não gritar, do palco, sua fome de

porque é tempo de tirania!

consciência –

esconde na tragédia grega
para ser livre
e morrer, como pulga suja, na unha do

informante;
quando o filho deve estudar no exterior 
para não sentir a ameaça do talvez;
é tempo de tirania.

21


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

todo descompass ad o, baten d o d e uma forma anormal. Então eu o carre g ava n o c o l o u m pouco, até o coração ADEUS, se acalmar, e a vida ATAHUALPA continuava. Eu o via (Diário da Pandemia correndo pela praia - 25.04.2020) assim gorducho e por Urda Alice Klueger – Palhoça, SC faceiro e comentava No dia 38 da pan- com a Maria Antônia: demia, às 19h19min, eu postei: “Amanhã Atahualpa volta para casa!!!” – e às 19h30min, poucos minutos depois, ele morreu. Até eu s a b e r, t i r e i c a r n e m oíd a e p e i to d e frango do congelador para fazer um jantar festivo para ele no dia seguinte – como poderia imaginar que ele estava morrendo? Tratava o rim, - Vês c om o ele é mas quem falhou foi feliz? Se de repente o seu coraçãozinho. ele tiver algo, tipo um Fa z i a a l g o c o m o infarto, eu vou saber 2 ou 3 an os que, que morreu feliz, e quando corria muito, isso é o que importa! tipo perseguir os jet- – e Maria Antônia -sk ys no mar (ele concordava. perseguia correndo Atahualpa se criou na areia da praia), c omendo todo dia ficava com o coração uma fatia de bolo 22

inglês do Angeloni esmagadinho com leite desnatado, bife de fígado e tudo o mais que quisesse. Comia ração, também, da Royal Canin, e também arroz com molho e carne e outras c ois as delic ios as. Detestava farinha ou farofa, feijão, chocolate e outras coisas. B ot a r um p o u q ui nho de farofa na sua comida era como botar veneno. Lembro de um dia, lá em Blumenau, em que fiz um cálculo d e q ua n t o s b o l o s ingleses eu já carregara do Angeloni para ele: uns 200, e isso faz muitos anos! Aqui na Enseada de Brito ele teve que se acostumar a comer bolo inglês de outras m a r c a s , e c h o r o, agora, ao pensar que n o c on g elad or há um bolo inglês ainda into c ad o, que era para ele. Nas manhãs, ele comia um bocado de


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

ração com um pedacinho de bolo inglês; nos dias, se havia osso, ele se ocupava c o m o o s s o, m a s também gostava de ficar cuidando de um pãozinho de queijo ou de uma orelha de gato. Quando não havia outra coisa, servia um palitinho de courinho digerível, ou mesmo um grãozinho de ração, que ele cuidava ciumentamente enquanto dormia longos sonos, diria que com um olho fechado e outro aber to, ros nando para qualquer ameaça ao seu t e s o u r o. À n o i t e , s em p re t inha q ue levar uma merenda p a r a a c a m a: u m punhado de ração, dois biscoitos e mais algumas coisinhas, que incluíam desde ossinhos até pedaços de pé de m o l e q u e. Er a u m cachorro musculoso, gorducho e feliz! Na casa da Maria Antônia, mandava como

um barão: chegava já querendo água numa certa tigela de inox, e latia para os lugares onde sabia que ela guar dava b i s coitos ou balas, até ganhar, e depois latia ensurdecedoramente até ela brincar com ele com os brinquedos que ela tinha lá para ele.

Aqui em casa não era muito diferente. Disse que ele ganhava dois biscoitos na merenda que levava para a c ama. Se ac onte cia de gostar muito daquele tipo de biscoito, queria mais, e então saía da cama e ia para a frente da 23

geladeira latir ensudecedoramente até ganhar o que queria. Ta m b ém hav ia os dias em que queria b r i n c a r, e t r a z i a bichinhos de pelúcia ou de borracha ou palitinhos de courinho digerível, que sempre tinha escondidos em algum lugar, para que eu jogasse para ele, tipo par t i da es p or t i va . Daí c orria e brin cava até se cansar – queria c ont ar à S a n d r i n h a To l f o que ele ainda tem um dos dois primeiros bichinhos que ganhou quando era um bebê: um ursinho de pelúcia cor de rosa, com olhinho preto. Falta um dos olhinhos, mas foi outro cachorro, o Cusco, quem arrancou. O bichinho de borracha se estragou com o tempo, e agora penso naquela cesta cheia de brinquedos que há lá na sala e o que eu vou fazer com ela, já que


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

meus outros cachorros não sabem brincar assim. N ós d ois vivem os em 4 lugares diferentes nesses anos de felicidade. Acho que deixo para falar sobre esses lugares em outro texto. Ta m b é m v i v e m o s fora de casa, no pós-tragédia de 2008, em Blumenau, abrigados num depósito de livros. Foi ali que descobri que Atahua l p a e r a , d e nt r e outras c oisas, um cachorro de guarda, mas acho que já escrevi sobre isto no livro dele (Meu cachorro Atahualpa, Editora Hemisfério Sul, 2010). Ta n t o , t a n t o h á o que lembrar e o que contar, mas há que lembrar que isto aqui é um diário da pandemia que atravessamos. Ele teve duas dores de barriga bastante feias nos últimos dias, e c o m o s e m p r e, fo i aquele cachorri-

nho caprichoso, que saía pela porta da sala, contornava metade de casa e ia a o b a n h e ir o l á atrás, num matinho perto de uma bananeira. Não gostava muito que se ficasse olhando para ele

nessas horas íntimas, e então eu o espiava da janela do quarto para não perturbá-lo. Quando um cachorrinho faz essa viagem até a bananeira 7 vezes numa manhã, é hora de buscar socorro, e foi 24

então que chamei o Dr. André, que é o veterinário daqui que o conhecia mais. Dr. André o examinou cuidadosamente, e o problema estava numa alta creatinina no rim. Ia ficar 72 horas no soro. Minha amiga Andréa trabalha lá na clínica e me mandou fotos, dele na baia, dele indo fazer xixi lá fora. Dr. André também falou do coração, com a vá l v ul a t r i c ús p i d e com refluxo e outras coisas, como o fato de ele ser um gorducho. Andréa me conta que ele estava bem, rela xado, fa zendo festa para ela, abanando o rabo – é bem o que dizem as fotos, um cachorro de bem com a vida e aler ta – sei que no primeiro dia foi pas s ear na Praç a das Bandeiras, mas rebelado contra ter que usar guia para sair assim. No segundo dia a


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

creatinina estava baixando e ele viria o ntem para c a s a . Dr. André me telefonou para combinar o regime que ele teria que fazer, e eu estava conformada em botar todo o mundo em regime, em casa, para o bem do Atahualpa. Foi então que o seu coraçãozinho parou i n e s p e r a d a m e n t e. As moças que estavam de plantão fizeram o que puderam, o entubaram, deram-lhe oxigênio, ressuscitaram-no.Uma segunda parada cardiorrespiratór i a a c o nte c eu e m seguida, e uma terceira. Na terceira ele não voltou mais. Em plena pandemia, Antônia saiu da sua casa e foi comigo até Palhoç a. Ele parecia vivo ainda, quentinho, olhinhos aber tos – só sei que eu chorava sem parar, enquanto f a l ava c o m e l e e pedia informações,

e que ainda não parei de chorar. Pedi para Antônia fotografar, mas também fotografei. Pare cia um cachorrinho dormindo, sereno e tranquilo. Fiquei com ele até que esfriou e ficou rígido. Atahualpa viveu 4.587 dias, sendo 4.522 em minha companhia. Nos

próximos dias devo receber as cinzas dele. Há que esperar a pandemia p a s s a r p a r a fa l a r com o cacique do povo Guarani, meu vizinho, para espalhar suas cinzas em terra indígena, que é, eu acredito, onde serão preser vadas 25

por mais tempo. Há muito, muito mais para escrever, mas não sei se alguém mais vai querer saber. O que mais me consola é que ele não precisou fa zer n e n hum d ia de regime. Comeu seus biscoitos e s ua s ra pad ura s o quanto quis, até o fim, e correu atrás de todos os jet-skys que quis. Outra coisa que me conforta é pensar que estava entubado, recebendo o x i g ê n i o, q u a n d o partiu. Se estivesse sozinho comigo, teria morrido sufocado. Não quero crer que sua energia não exista mais. Suas cinzas repousarão no morro próximo, mas sua alminha deve estar em algum lugar. Ele era esperto, inteligente e solidário demais para que sua energia s e transfor me em nada. Seja feliz, meu Atahualpa querido!


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

REDENÇÃO

ALQUIMIA INQUIETA

Adir Pacheco – Florianópolis, SC

Adir Pacheco – Florianópolis, SC

Em caminhos de horizontes mendigos, O ancião solitário de ombros vergados Agradece a mãe terra o nobre abrigo, Em fervorosa oração ajoelhado.

Sobre as nuvens do tempo Viajo meus pensamentos, Sob o rosto da inocência E a virtude da esperança.

E agradece as lições mais dolorosas, Ofertadas como bálsamo redentor Engalanando-se na flor mais dadivosa, No imensurável jardim do criador.

E contemplo as colunas Das ruinas dos templos, Com o nostálgico Grito de saudade.

A emoção toma-lhe a face lacrimosa Ante a humilde e valorosa jornada, Glorificando a oportunidade radiosa Com a melodia da alma afortunada.

Uma sensação de finitude Invade minh’alma, Entre as cenas bucólicas E a alquimia inquieta. E ouço o arpejo De uma suave melodia, No alvorecer da estrada Com a nudez do cenário.

E deixa a terra em vibrações sidéreas O triunfante espírito venturoso, Rompendo os laços sagrados da matéria Alçando voo ao espaço luminoso.

Beijando a vida Enamoro-me da esperança Na intimidade da terra, Com o colorido da jornada E o sorriso de criança. 26


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

restaurado e lindíssimo. O imóvel foi durante muitos anos um lar cheio de felicidade, como descreve tão CASARÃO bem meu amigo e SILVA escritor Luiz Carlos EDLTRAUD ZIMMERMANN FONSECA Amorim nos versos de seu poema “FeliNo céu, entre bran- cidade”, na página cas nuvens, surgiu 2 9 d e s e u l i v r o como mágica, imagem translúc i da em for ma de mulher: dona Ellen Cân di d o da Silva . Sorrindo, mãos postas sobre o coração, olhar terno emitindo muda mensagem de agradecimento: viera do céu onde está, renascer através das mãos e d o c o r a ç ã o d o repleto de poemas jovem empreende- incríveis, A cor do dor Wilson Zanella Sol: “ Feli c i dade é J u n i o r, s u a ve l h a u m s o r r i s o, / U m casa “ ferida” pelo r i s o , u m a g a r g a t e m p o. Fo i o q u e lhada / Um ruído de minha mente sau- criança / Um choro, d o s a d a a m i g a fralda molhada / q u e r i d a q u e h á Um varal cheio de a l g un s a n o s fa l e - fraldas, / brinque c e u, i m a g i n o u a o dinhos pelo chão / ver o casarão Silva Um berço no quarto 27

ao lado / Mamadeiras de montão. “ Assim era o lar de dona Ellen, pequeninos subiam e desciam pela escadaria que os levava ao sótão, onde dormiam. Em torno do casarão, verde bosque, onde palmeiras baila-

vam suas folhas ao vento. Entre plantas e folhas destacava-se enorme jabuticabeira, cujos frutos suculentos faziam a festa dos pássaros e dos amigos. Sem dúvida, o bosque da família Silva foi, por longos anos,


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

o p ulmão ver d e e vivo da cidade de Indaial. Dona Ellen, em vida, fora guerreira administrando o lar e mais de cem funcionários que trabalhavam na fábrica de charutos, de propriedade da família, local iz a da ao lad o d o bosque, com energia e sabedoria. Ao senhor Cândido da Silva, o patr iarc a , c a b ia a

responsabilidade da exportação dos seus produtos para os países europeus. Foi assim que, durante a segunda guerra mundial, quando os inimigos bombardeavam, levando a pique n av i o s m e r c a n t e s que atraves savam o Oceano Atlântico, o senhor João arriscou o transporte de sua mercadoria em um navio lotado, conseguindo chegar

ENIGMAS Teresinka Pereira, USA

Uma vez saltei de minha pele de rosa e recatadamente entrei na fonte de cristalinos enigmas. Ainda sou desconhecida, mas tenho um ímpeto de oceano solto e as pupilas fosforescentes para engendrar os mais atrevidos sonhos. 28

são e salvo ao destino determinado. O tempo passou e tudo mudou. No final do ano de 2 019, p a r a a l e gria do indaialense e seus descendentes que amam Indaial e que desejam a preser vação da arquitetura do passado e da sua história, “O Casarão Silva” surgiu novinho em folha com muitas estórias a serem contadas.


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

professores vinham ensiná-la

DIVINO SER! Recomeçam os anos e seu (Para mamãe)

sonho de constituir sua família nascia Médico Dr. Millan, amigo de longa data, lhe deu alta. Ao mudar para o lar de Dona Carmem, encontrou seu grande amor Nilton, sem pestanejar, a pediu em casamento Novos tempos, vida nova! Formaram um lindo casal e em seu novo lar foram morar Os filhos começaram a nascer cinco, tiveram cinco filhos! Nosso orgulho, nosso Norte, nossa base, nosso amor! Segue a vida, nasce a escritora, a avó, a seresteira, a viajante do mundo! Exemplo de mãe, de pessoa forte e firme, de fibra, mulher coragem, exemplo de vida Com a morte de seu esposo, voltou com seus filhos para terras catarinenses Amor, o sentimento forte, que Deus, em doses altas, deu para esse divino ser!

Tamara Zimmermann Fonseca

Enquanto o mundo guerreava Do Braço do Baú noticiavam seu nascimento Linda menina, filha de Rodolfo e Antônia Tão marota e cheia de vida, crescia a correr pelos pastos do Dindinho Rodas d’água, folhas de coqueiros eram seus brinquedos Até que um dia o fogo mudou seu destino Uma nova menina surgia aos cuidados de tia Lolita Do posto 06, em Copacabana, seguia revezando com o hospital! Era um vai e vem entre as cirurgias e os jogos de peteca na praia. Zelavam por ela, médicos, enfermeiros e pacientes Incansáveis anos se passaram, as operações seguiam. Mantendo sempre a alegria e a fé, queria seu lenço sob o pescoço Marcante sua presença, entre todos que ali estavam Eram anos escolares, 29


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

ANALFA DE PAI E MÃE

Enéas Athanázio – Baln. Camboriú, SC

Carlos da Lage, mais conhecido como Cacaco, ac or d ou um t a nto indisposto. Um mal-estar indefinido que o afligia de maneira suave e o impelia a permanecer na cama. Mas o dever o chamava e ele se levantou a contragosto, dirigindo-se ao banheiro e depois à sala de café. Enquanto saboreava o café-com-leite d o c o s t u m e, c o m pão fresco e frutas,

ligou a televisão que ficava na parede numa dessas emis s ora s que s ó transmitem notícias. O bser vou as imagens que surgiam n a t e l a e f i xo u o olhar nas legendas que apareciam ao pé do vídeo. Para sua surpresa, não conseguiu reconhecer as letras e nem sequer as palavras que elas formavam. Re d o b r ou a aten ção e concluiu que não entendia o que aqueles sinais diziam, embora fosse homem l e t r a d o , c o m f o rma ç ã o s up e r i o r e numerosas leituras. Olhava e olhava para aqueles caracteres e eles nada lhe diziam. Alarmado, engoliu

30

o café às pressas e rumou para o escritório. Apanhou um livro que esti vera lendo na noite anterior e tentou ler mas a tentativa fracassou: não reconhecia as letras e não entendia o que diziam as palavras. Tudo lhe parecia tão estranho c omo deveria s er a al guém que não s oubes se ler. Essa ideia o deixou exasperado. Embora ev i t a s s e f o r m u l a r com clareza o pensamento, o fato é q u e h av i a e s q u e cido de ler durante o sono. Assim, sem ma i s n em m en os, amanhec era anal fabeto! Inacreditável! Impossível! Jamais havia visto ou ouvido semelhante coisa. Sentou-se à mesa, apanhou uma caneta, e tentou escrever. Não conseguiu. Não sabia e s c r e v e r, d e s c o -


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

nhecia as letras e as palavras. Havia esquecido de ler e de escrever! Coisa absurda, mas real. Lembrou-se de que naquele dia deve ria ir ao banco para acertar certas c o n t a s . Te n t o u escrever alguns números, mesmo os mais simples, mas fracassou. Havia esquecido por completo as quatro operações. Desesperado, caminhou pelo escritório e p ela c as a to da , tent a n d o s e ac a l mar. Tal vez fos s e c o i s a pa s s ag eira , pensou, aliment a n d o um r a i o d e esperança. Tomou boa dose de calmante e se jogou n um s ofá da s a la procurando dormir. Ta l v e z u m s o n o profundo lhe devolvesse a memória. Sob o efeito do medicamento, dormiu longo e pesado sono, só acordando pela

meia tarde. Saltou do sofá ao se lembrar do problema e apanhou o primeiro impresso que encontrou. Fixou a atenção e tentou ler a todo custo. Foi inútil. Estava transformado num analfa de pai e mãe! – concluiu num rasgo de humor negro. Pe n s o u e nt ã o e m ligar a um médico conhecido. Mas como, se não distinguia os números do telefone? Afligiu-se, começou a tremer e suar frio. Engo liu às pressas um grande copo d’água e chamou o elevador. Ao embarcar, percebeu que não distinguia os números dos andares e a p er tou n o tér re o orientado pela posi31

ção do botão. Sufocado pelo desespero, ganhou a rua. Andando como um alucinado, caminhou em passos largos. Nã o v ia n in g ué m, não via nada. Desc a b e l a d o, s u a d o, esbofado, deparou-se com o prédio onde o médico mantinha seu consultório. Percebeu então que não s e l e m b r ava e m q u e andar ele ficava e se deparou com sério obstáculo. Embora houvesse no saguão imensa placa com as indicações, não conseguiu localizar seu médico porque aquelas letras e aqueles números nada lhe diziam. Foi forçado a perguntar, o que provocou


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

espanto. Um homem refinado e bem vestido que não sabia ler! Aos trancos e barrancos chegou, afinal, ao andar do consultório mas o ut ra d e c e p ç ão o aguardava: o consultório estava fechado e havia um avis o pregado à porta. Como não sabia ler, não ficou sabendo do que se tratava, embora imaginasse. Retornou ao térreo e se pôs a andar sem rumo pelas ruas. Andou e andou sem atinar com o que fazia. Caía a noite quando chegou em casa. Ingeriu outra d ose de c almante

e entrou no quarto de dormir, despindo-se maquinalmente. Submergiu sob as cober tas amar fanhadas da cama. E dormiu um sono pesado e convulso. Não tardou a sonhar. Via-se com um livro nas mãos e lia s em es fo r ç o e dificuldade. As letras e as palavras

ESCRITORES DO BRASIL

coronavírus, que transformou a vida de todos nós. Mas ela voltará a circul a r, n o r m a l m e n te, em agosto. A nova revista, lançada para complementar o espaço do Suple-

A edição 9 da revista ESCRITO RES D O BRASIL, do Grupo Literário A ILHA, não saiu em maio, como deveria, por causa da pandemia do novo

e seu significado era claro e preciso. Sentiu um indescritível alívio, até que acordou. Estendeu o braço e apanhou um livro que estava na mesinha de cabeceira. Abriu e tentou ler mas foi um frac a s s o. Não entendia o que estava escrito; letras e palavras nada lhe diziam. Era um caso inédito nos anais médicos de alguém que lia durante o sono mas permanecia analfabeto na vigília. To m a d o d e p r o funda angústia, enterrou a cabeça no travesseiro se mostravam níti- e c h o r o u c o m o das aos seus olhos criança.

32

m ento L i terá r i o A ILHA, que apesar do crescente aumento do número de páginas, não estava comportando tanto conteúdo, é um dos maiores suc es s os editoriais do gênero.


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

CONTEMPLAÇÃO

SEMPRE

Maura Soares – Florianópolis, SC

Célia Biscaia Veiga – Joinville, SC

Mãos no regaço repousas preguiçoso, depois da lida das tuas mãos laboriosas.

Sempre é tempo de aprender. (nem que seja algo que é mais difícil de aprender). Sempre é tempo de mudar.(nem que seja só de casa). Sempre é tempo de crescer. (mesmo que seja só para os lados). Sempre é tempo de sorrir (nem que seja de uma lembrança). Sempre é tempo de amar (nem que seja a uma planta). Sempre é tempo de levantar os olhos (nem que seja só pra ver se vai chover). Sempre é tempo de olhar para baixo (nem que seja para ver se o calçado está certo). Sempre é tempo de voltar os olhos para o horizonte (nem se seja só pra ver se o ônibus vem vindo). Sempre é tempo de andar para a frente ( nem que seja em direção a uma cadeira para sentar) Sempre é tempo de rever os passos (nem que seja para ver se ficaram pegadas). Sempre é tempo de fazer coisas novas (nem que seja nova só para si mesmo). Sempre é tempo de viver. Sempre.

Cabelos em desalinho sob o chapéu de palha, as longas pernas em descanso se espraiam. Olhos cerrados, à luz da tarde, cochilas tranquilo, em vigília e, debalde, tento chamar tua atenção, mas já é tarde; devo partir, pois o dever me chama. Saio da contemplação contrariada. Quisera ficar ali mais um bocado a olhar teu rosto que, em adoração, não penso em nada; só em coisas de pecado. (10.6.2003)

33


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

O CORTIÇO – 130 ANOS Cláudio Soares

Há 130 anos era lançado O Cor tiç o, obra-prima de Aluísio Azevedo. O romance, considerado um dos mai ores d o m ov i m e n t o n at ur a l i s t a brasileiro, é também um dos principais libelos antiescravagistas da nossa literatura e a “grande reportagem” do início do proletariado carioca. Algumas curiosidades sobre a obra: 1. Vivendo em um cortiço Para a preparação do romance, Aluísio Azevedo (1857-1913) começou muito cedo a coletar sua documentação, segundo o jornalista gaúcho Pardal Mallet (18641894): “Os primeiros apontamentos para O Cortiço

foram coletados em minha companhia, em 1884, numas excursões para “estudar costumes”, nas quais saímos disfarçados com vestimenta popular: t aman c o s em meia, velhas calças de zuarte remendadas, camisas de meia rotas nos cotovelos, chapéus forrados e cachimbos no canto da boca.”

Em uma entrevista ao jornal O Globo em 1957, o escritor Raimundo Magalhães Júnior (1907-1981) deu mais detalhes desse “trabalho investigativo” de Aluísio Azevedo: “Para escrever O Cortiço, Aluísio alugou um quarto em uma dessas casas e nela passou a viver e a colher elementos da gente que ali 34

vivia. Para isso, vestiu roupas velhas e sapatos furados. Tudo ia bem. O escritor já se considerava vitorioso n o s eu em p enh o. Como, porém, fazia muitas perguntas, às vezes puxando papeizinhos para tomar notas, gerou-se logo a suspeita de que se tratava de um agente da polícia disfarçado, e ele teve que abandonar, imediatamente, o cortiço para fugir às navalhadas de um famoso capoeira. 2. Como Aluísio Azevedo escrevia A grande vocação de Aluísio Azevedo não era a literatura, mas a pintura. Todos que o conheceram, deixaram testemunhos de como ele desenhava c om muit a ha b ili dade. Contrariado no legítimo desejo de estudar aquela arte, o seu talento desviou-se para as letras. Aluísio escreveu o que não pode pintar. Os capítulos dos seus romances


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

seriam quadros se lhe metessem na mão o pincel com que ele sonhava. Sai o vidor das suas paisagens e cenários, o colorido intenso de suas descrições, o contorno detalhado dos seus personagens, que ele desenhava, pintava, colava em papelão e recortava, para depois colocá-los sobre a sua escrivaninha, como se estivessem encenando uns com os outros, para serem observados enquanto o autor escrevia suas cenas. Segundo o crítico literário Afrânio Peixoto (1876-1947), Aluísio ficava ligado a esses bonecos de papelão a ponto de colecioná-los: Alguns desses filhos queridos de sua concreta imaginação, o tal Jerônimo, um deles, famoso e conhecido de todos os seus amigos, lhe devem ter sobrevivido pois que o conservou na gaveta entre os seus papéis.

3. Brasileiros antigos e modernos Em outubro de 1885, Aluísio Azevedo anunciou o esboço de um projeto literário ousado nas páginas do periódico A Semana. Ele imaginou um retrato em cinco romances intitulados, no conj u n t o, B r a s i l e i r o s

Antigos e Modernos, que abarcariam a sociedade brasileira do Império, desde o seu nascimento até a s ua r uín a (q u e ele imaginava próxima). Os cinco livros s e c h a m a r i a m: O Cortiço, A família brasileira, O felizardo, A Loreira, A bola preta. 35

Deles, apenas o primeiro, justamente a sua obra-prima, seria lançado. 4. O Cortiço é um plágio? Em um artigo para a Revista do Livro, em 1957, o famoso crítico literário Brito Broca (1903-1961) relembra um artigo de Pardal Mallet (ele mesmo, que acompanhou Aluísio no seu “trabalho de campo” para escrever o romance) em que o jornalista gaúcho, criticando o romance, insinua que O Cortiço seria um plágio de A taberna (título original: L’Assommoir), romance do francês Émile Zola, publicado primeiro em livro no ano de 1877. Examinando ligeiramente alguns pontos de semelhança entre os dois romances apontados por Mallet, Brito Broca lista: O “polícia” Alexandre, do Cortiço, e o sergent Poisson, do romance francês, aparecem como sim-


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

ples figurantes, não desempenhando propriamente nenhum papel, tendo como traço característico grande apuro e limpeza do vestuário, quando estão fardados e um bom humor complacente, quando estão sem a farda. O velho Libório do romance brasileiro identifica-se com o père Bru, do francês, vivendo ambos por misericórdia no canto infecto de uma residência, ambos convidados para fazer número: o primeiro no jantar de Rita Baiana, o segundo no jantar de Gervaise. No entanto, Pardal Mallet não teria observado que Aluísio fez do velho Libório um tipo antipático na sua miséria, por ser um monstruoso glutão. Além disso, Libório era um falso miserável (lendo o romance, você vai entender o que quero dizer). A briga de Rita Baiana com Piedade lembra

a briga de Gervaise e Virginie em A Taberna. Outra cena semelhante é de Piedade, muito bêbada, com Pataca, espreitada pela filha, que recorda Gervaise com Lantier, surpreendidos por Nana. 5. Precursor do marketing editorial no Brasil

Pode-se dizer que Aluísio Azevedo foi um precursor, sob diversos aspectos, do Marketing Editorial no Brasil. Além de ser considerado um dos primeiros escritores (talvez o primeiro) a viver de literatura no Brasil, sabia como ninguém usar o poder da 36

sua “rede social” (sim, o seu “networking” ou “rede de contatos”) para criar e implementar estratégias de negócios, divulgar e vender seus livros. Para o lançamento de O Homem, por exemplo, seu romance de 1887, o destemido Aluísio, com a ajuda de vários amigos, foi para as ruas distribuir panfletos anunciando o romance. Como resultado, no dia da primeira exposição do livro, foram vendidos no balcão uns 300 exemplares. Foi justamente a amplitude, a novidade e o sucesso de suas campanhas publicitárias (além da qualidade de seu texto) que o levariam à editora Garnier, a mais prestigiosa da época, que lançaria O Cortiço em 13 de maio de 1890. Vários trechos do romance foram public a d o s e m j o r na i s do Brasil inteiro e, segundo uma outra matéria da época, a


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

primeira edição (1.000 exemplares) esgotou-se em poucos dias. 6. A Estalagem, digo, O Cortiço Aluísio usou, no romance, vários elementos autobiográficos. O uso deles nas obras de ficção não constituía, pelo menos para Aluísio Azevedo, novidade. Pegue-se como exemp l o “A c o n d e s s a Vésper” (Memórias de um condenado), de 1882, em que o autor já lançava mão desse recurso para esboçar no personagem Gustavo — um boêmio por necessidade, jornalista, escritor, desenhista — , as aventuras, as batalhas para se levar uma vida decente, que lembravam as do próprio Aluísio Azevedo. O romancista chegou a fazer de Gustavo o porta-voz de seus próprios projetos literários. Leia esse trecho: Enquanto D. Joana chamava pela negri-

n ha q ue na c a s a representava o papel de copeiro, Gustavo sem se desfazer do chapéu e da bengala, dizia de si para si, a recordar-se das m u i t a s ve z e s e m que da janela do seu quarto ficava a contemplar a habitação do cortiço: deve ser aquela mulheraç a gorda e azafamada que estava sempre a ralhar com as crianças e de quem copiei o tipo da Brigona no meu romance “A estalagem”. Ora, o título desse suposto romance de Gustavo, A estalagem, não é outro senão o título inicial da obra publicada por Aluísio em 1890: O Cortiço. Pode-se mesmo, pela cena acima, lembrar-se de trechos em que o cortiço é observado de cima, das janelas do sobrado de Miranda. Vê-se, portanto, que quase uma década antes do lançamento do seu

37

romance mais famoso, os problemas sociais tratados em O Cortiço já preocupavam Aluísio Azevedo. 7. No cortiço, bebia-se cerveja Carlsberg

De vez em quando, também se bebia uma Carlsberg na estalagem de São Romão… “Daí a pouco, Augusta apresentou-lhe uma xícara de café, que Léonie recusou por nã o p o d e r b e b e r. ‘Estava em uso de r e m é d i o s …’ N ã o disse, porém, quais eram estes, nem para que moléstia os tomava. ‘Prefiro um copo de cerveja, declarou ela’. E, sem dar tempo a que se opusessem, tirou da carteira uma nota de dez mil-réis, que deu a Agostinho para ir buscar três garrafas de Carls Berg”. [Capítulo 9].


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

O AMOR

ENCARNAÇÃO

Erna Pidner – Ipatinga, MG

Cruz e Sousa

Carnais, sejam carnais tantos desejos,
carnais, sejam carnais tantos anseios,
palpitações e frêmitos e enleios,
das harpas da emoção tantos arpejos…

À procura do amor Andei por terras distantes Em minha imaginação. Num deserto causticante Pés descalços, no caminho Um oásis de ternura. Prendi a respiração! Não era alí o lugar Em que o haveria de encontrar... O amor é muito mais Que uma simples ternura Levando a criatura A sublime bem querer, Nem somenos é paixão Pairando avassaladora Em alcovas sensuais... Amor é aurora de luz Lastro de ouro mais puro Das jazidas da emoção, Diamante lapidado Nos reveses da existência, Rocha de cristal sem falhas Visão cósmica centrada No canto alegre da cigarra Botão de rosa entreaberto noite estrelada, Sol ardente. O amor é simplesmente Sonata em dó maior; Canção de muito valor Na orquestra do Criador!

Sonhos, que vão, por trêmulos adejos,
à noite, ao luar, intumescer os seios
láteos, de finos e azulados veios
de virgindade, de pudor, de pejos… Sejam carnais todos os sonhos brumos de estranhos, vagos, estrelados rumos onde as Visões do amor dormem geladas… Sonhos, palpitações, desejos e ânsias formem, com claridades e fragrâncias, a encarnação das lívidas Amadas!

38


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

NADA É DE GRAÇA Por Luiz Carlos Amorim

Sobre o questionamento se devemos ou não cobrar pela poesia que produzimos, acho que é bom colocar o a s s unto p a r a d i s cussão, pois é controverso. Vejam o comentário que vi num desses grupos literários ou de leitura: “Vi gente frustrada por causa disso. Sei que todo mundo precisa ganhar o pão, mas monetizar poesia chega a ser um absurdo. Poesia, via de regra, p o d e c aus a r i n d i f e r e n ç a a o l e i t o r. Não é como ler conto ou romance, adquirir poesia é trocar o certo pelo

duvidoso. Normalmente a poesia já é grátis, com o advento das redes sociais, e assim ficou ainda mais fác il l ê - la e a p re c iá - la (d e c er t a forma é paradoxal, já que, c om t anto conteúdo para ler, lêem cada vez menos).” (Está editado, é claro, pois

revisão, editoração, publicação de livro. Não existe "reconhecimento" não remunerado. Não existe "vou te divulgar". Demonizar monetização de trabalho é o que eles querem para te ver algemado a essa posição onde t u va i s d a r o q u e produz de graça.”

esses comentários são muito mal escritos, apesar de serem escritos por “escritores”.) A resposta ao comentário acima, ve i o r á p i d a: “ N ã o existe almoço grátis. Gratidão não paga boleto, n ã o p a g a e d i ç ã o,

E ent ão eu ent rei na c onver sa , p ois n ã o r e s i s t i . Ve j o muito, nas páginas de literatura, leitura, poesia, no Face, pessoas que se dizem escritores falando os maiores absurdos sobre tudo. Às vezes participo, ten-

39


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

tando ajudar com o pouco de conhecimento que tenho na área, como p r o fe s s o r d e p o rtuguês, literatura e teoria literária. E tentei colocar alguma coisa da minha experiência: Algumas pessoas querem tudo de graça. Sou editor e publico duas revist a s de literatura, ESCRITORES DO BRASIL e SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA, a segunda completando 40(quarenta) anos de circulação neste 2020. Todos q u e r e m p u b l i c a r, mas quando recebem o regulamento e ficam sabendo que existe um va l o r, q u a s e s i m bólico, a pagar por

página, a maioria some. Eles não consideram que para fazer uma publicação de sucesso - mais de c inc o mil ac es sos por edição - tem c usto de preparação do material, revisão, editoração, revisão da editoração, hospedagem, etc. E tu d o é terceirizado, tenho que pagar por cada etapa. O que cobramos são valores irrisórios, muitíssimo menos do que é c obrado por anto logias tantas por aí, que na verdade apenas vendem livros quando cobram o valor da página, garantindo o escoamento da edição e o lucro certo. Mas as pes40

soas querem de graça a publicação nas revistas. Não dão o mínimo valor ao espaço que voc ê dis p oni b iza para q ue um autor seja lido nos quatro cantos do mundo. E não dão va l or ao q ue el es próprios escrevem, que pode não ter valor mesmo. Fa zem os t r iag em, p re c i s a m o s fa zer, então nem sempre tudo é publicado. Resumo: nada é de graça, como foi muito b e m d i to. A l g u é m sempre paga. E esse alguém até fui eu, por um longo temp o, mas não dá pra sair pagando a conta d os outros in defi n i d a m e n t e. E s t o u contente com meus escritores, pois eles têm valor e sabem dar valor à sua obra e ao trabalho que é feito para que eles sejam lidos.


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

DESNUDO

SÚPLICA

Adir Pacheco – Florianópolis, SC

Adir Pacheco – Florianópolis, SC

Trago o coração triste sobre o solo encharcado, em solene postura ante o tempo futuro, presente e passado.

Oh virgem soberana, mãe caridosa, Olhai os teus filhos que buscam amparo, Mostrando-lhes uma visão mais radiosa Muito além deste mundo de andrajos avaros.

Sou hóspede acolhido entre falsas alegorias, em astros irmanados sob místicas utopias.

Pois após o espinho é que surgem as rosas, Exalando majestosa o suave aroma, Numa alquimia envolvente e prazerosa Regalando-se no mais belo axioma.

No vazio do cenário instantes rasgados, onde vozes se perdem nos acordes entoados.

Mostrai que além da dor excruciante Vibra risonha a alvorada na primavera, Com múltiplas flores aromatizantes, Transformando em luz toda a atmosfera.

E me encontro desnudo na porta da eternidade, ante o olhar do profeta e os mistérios da lápide.

Que tua venturosa e santa intercessão, Possa renovar valores esquecidos Ao espírito necessitado de atenção, Em trânsito negligente e distraído. Que o amparo de teu colo materno, Seja abrigo a tantos seres desgarrados, Irradiando-se em luz ao espírito eterno E um novo olhar ao viajante cansado. 41


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

PLEONASMOS QUE TEMOS QUE PARAR DE DIZER Flávia Neves

O uso de pleonasmos no dia a dia é muito comum. Por hábito ou por desconhecimento, são transmitidas mensagens redundantes, ou seja, mensagens com repetição desnecessária de ideias. Várias expressões usadas com frequênc ia pelos falantes são consideradas vícios de linguagem. Vale a pena conhecê-las: “Adiar para depois”: Diga apenas: adiar O verbo adiar indica o ato de marcar um determinado c om promisso ou evento para outra hora ou outro dia, ou seja, para um momento p o s t e r i o r. N ã o é, assim, necessário o uso do advérbio depois. Errado: Vamos adiar a data da entrega dos trabalhos para

depois. Certo: Vamos adiar a data da entrega dos trabalhos. “ Pequenos detalhes”: Diga apenas: detalhes Não é necessária a junção do adjetivo pequeno à palavra detalhes porque a palavra detalhes já indica um pequeno elemento, como um pormenor, uma part i c u l a r i d a d e, u m a minudência. E r r a d o: I s t o s ã o pequenos detalhes que não interessam para nada. 42

C e r to: Isto são d et a l h e s q u e n ã o interessam para nada. “ C on c lus ão final ”: Diga apenas: conclusão Conclusão é sinônimo de final, sendo assim redundante a utilização das duas palavras. Conclusão indica término, fim, finalização. Errado: A conclusão final do trabalho estava bem estruturada. Certo: A conclusão do trabalho estava bem estruturada.


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

“Encarar de frente”: Diga apenas: encarar O v e r b o e n c a r a r, sozinho, indica o ato de olhar de frente, sendo sinônimo de enfrentar. Assim, não há a nec es si dade do uso da palavra frente. Errado: Vou encarar esse problema de frente e vou resolver tudo rapidamente. Certo: Vou encarar esse problema e vou resolver tudo rapidamente. “ Consens o geral ”: Diga apenas: consenso O substantivo consenso é usado para indicar que há unanimidade de ideias e opiniões. Não se

deve, então, usar o adjetivo geral por ser desnecessário. Errado: Para que a medi da avanc e, é necessário que haja consenso geral. Certo: Para que a me di da avan c e, é necessário que haja consenso. “Repetir de novo”: Diga apenas: repetir O verbo repet ir in di c a já o ato de voltar a fazer alguma coisa. Logo, as expressões repetir de novo e repetir outra vez são redundantes. Errado: Foi tão divertido! Temos de repetir de novo! Cer to: Foi tão divertido! Temos de repetir! 43

“Certeza absoluta”: Diga apenas: certeza Embora muito usada c om intuito enfático, essa expressão é redundante, uma vez que o substantivo certeza já significa convicção e segurança plena e total, indicando indubitabilidade. Errado: Você tem a certeza absoluta de que isso aconteceu assim? Certo: Você tem a certeza de que isso aconteceu assim? “Há muitos anos atrás”: Diga apenas: há muitos anos O verbo haver, conjugado como verbo i m p e s s o a l, n a 3 .ª pessoa do singular, indica tempo decorrido. Não é, assim, necessário o uso do advérbio atrás para indicar passado. Errado: Isso aconteceu há muitos anos atrás. Certo: Isso aconteceu há muitos anos.


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

MURMÚRIOS DO SILÊNCIO

EXISTEM PESSOAS

Eloah Westphalen Naschenweng – Florianópolis, SC

Rita Queiroz - Salvador

Catalogo minhas (in)disciplinas Ao despir-me das máscaras, Revolvendo palavras febris Que salgam a página com lágrimas. Grito em suspenso Inverno do exílio Espelhos em febre Camadas intensas do corpo Manipulam o caos. É chegada a hora...

Existem pessoas que trazem a ternura no olhar. Têm cheiro de noites orvalhadas e gosto de mel. Trazem o sol no sorriso e no abraço o doce e irresistível aconchego. Têm o brilho da primavera e a beleza de uma constelação de estrelas. Da essência trazem asas e da alma o dom da poesia. E são como flores no deserto que no final de tarde procuram o frescor do pôr do sol para se energizar Existem pessoas que são como o calor das mãos que nos amparam e por si só, nos bastam.

Tempo de (in)definições Que abraça o ar E germina estrelas. Engulo pedaços de vida Nas longas horas Em que sou nada.

44


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

NO ENTENDIMENTO DE BENJAMIN... Lorena Zago – Presidente Getúlio – SC

Dia 12 de maio, o telefone tocou. Era meu neto Benjamin, de dois anos e onze meses, que desejava falar. Prec isava c ontar que havia ganho, de sua mamãe, uma mesinha para lanc h a r, c o m a q u a l p oderia fic ar sen tado na poltrona da sala, lanchando, no período da pandemia. Ganhara t a m b é m u m p r at o novo, com divisórias para os alimentos, acompa n had o d e t a lh eres, xíc ara e copo. Achou impossível não dividir a alegria com os avós. Comera toda

a macarronada que sua mamãe fizera. Contou à vovó que fora ao sítio c om o papai, e lá tinha um cavalo de n ome V irgulin o, o qual gostaria muito d e m ont ar. Ma s o papai falou que este cavalo era xucro e impossível de montar neste momento. Só seria possível, quando o cavalo estivesse domado. Mas Benjamin disse que ficou triste, porque gosta muito de cavalos e de bois. Contou mais: à noitinha, desejava ver como se ordenhavam as vacas,

45

mas as mesmas foram passear com suas amigas vacas e voltaram m u i t o t a r d e. S i m , porque as vacas e seus amigos bois foram tomar água no riacho e comer grama, bem longe de casa, e Benjamin perdeu o lance da ordenha. Estaria em vigília na pró xima vez que fosse visitar o sítio com o papai. Entre fazer cabana na sala de visitas e outras brincadeiras, lembrou de contar que a mamãe fizera um quar to só de brinquedos para ele. Ficou


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

muito lindo! Estava radiante de alegria. Perguntei se poderia brincar com ele, em seu novo quarto de brinquedos, e ele respondeu: - Não, vovó. Você não pode sair de casa! Tem o coronavírus lá fora e ele p e ga a s p es s oa s. Só daqui há muito tempo você poderá me visitar. Mamãe ainda nem sabe quando. Ele prometeu visitar

a vovó e o vovô só quando o coronavírus for embora para bem longe daqui. Muito, muito longe, mesmo. Estava m u i t o fe l i z c o m a sala de brinquedos que a mamãe organizara para ele. Disse também, que as crianças precisam escovar os dentes após as refeições, p ois quem estiver com as mãos e os dentes sujos, além

do coronavírus, também poderá ser r oí d o p e l a s b a r a tas, que gostam de s uj eira e p o d erão passear próximo às crianças que não têm higiene. Vovó ouviu tudo atentamente e prometeu tomar todas as providências para não ser visitada, nem por baratas e nem p e l o c o r o n av í r u s . E assim o fará! Na esperança de que tudo dê certo!

Lorena Zago é formada em Pedagogia, Psicomotricidade, Psicopedagogia, fez também Mestrado em Educação. Trabalhou na UNIDAVI ( Universaidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí), FFHE ( Fundação Educacional Hansa Hammônia), Colégio Estadual Orlando Bertoli. Foi Secretária Municipal de Educação, Cultura e Desporto em Presidente Getúlio, por 10 anos, e Chefe do Departamento de Crédito e Cobrança na Empresa Agro Pecuária Industrial Zink S/A, por 16 anos. Hoje, Presidente da Academia de Letras do Brasil Santa Catarina, seção de Presidente Getúlio, Membro do Conselho Estadual e do Conselho Superior Brasileiro da Academia de Letras do Brasil. Parapsicóloga pelo Instituto de Parapsicologia e Ciências Mentais de Joinville, Professora, Escritora e Terapeuta. Obras: Poemas, Contos e Encantos I, A Borboleta Encantada no Jardim Secreto, A Canoa de Coqueiro, Tomy e a Princesa do Mar, Um Natal de Esplendor, Um Segredo Muito Sigiloso, O Acampamento, A Lenda da Cabra D’Água, Poemas, Contos e Encantos II em três idiomas, além de participar de inúmeras Coletâneas e Antologias. Casada. Três filhas e quatro netos.

46


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

AMOR É UM FOGO

AMANHÃ

Camões

Luiz Carlos Amorim

Amor é um fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar-se de contente; é um cuidar que ganha em se perder. É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence o vencedor; é ter, com quem nos mata, lealdade.

Estendo minhas mãos e alguém deposita nelas um punhado de amanhã. Meus olhos, vazios de esperança, iluminam-se de novo, com aquela pequena semente, meu pedaço de futuro… Por favor, desliguem o tempo e liguem a eternidade de harmonia e paz!

Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo amor?

47


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

bolsa, guardado. Guardado ou feito prisioneiro? Estou preso como se eu fosse um animal perigoso. Serei este PERCEBER a n i m a l? O u s e r e i Marli Lúcia Lisbôa justamente o contrá(Bulucha) São José,SC rio, sou um animal Vejo matéria orgâ- i n d efes o, mín i m o, nica a rodear meu incompleto? Se sou c o r p o m i n ú s c u l o . máquina, devo ser Corpo ou pedaço de c ar ne? Há minús culas e relativas matéria s mai ores. To d o s o s c o r p ú s culos possuem um m ov i m e n t o ú n i c o, c o m o s e e s t i ve s sem obedecendo a um único comando, único chefe. São pregos, parafusos, porcas e fios q u e s e i nte r l i g a m automaticamente a completo, mas não uma pequena flexão sou. Ou sou...? de al go s obre um L á , h á u m a d i s botão. Serão essas p u t a e n t r e d u a s m a t é r i a s q u e m e matérias. É a luta f o r m a m? F o r m a m p e l a s o b r e v i v ê n minha carne ou meu cia. Sobrevivência? corpo? Não gosto e Sim... Não quero me não queria pensar, i n t r o m e t e r n e s s a m a s a l g o f e z - m e briga. agir desse modo. Ve j a s ó q u e c o n Estou dentro de uma fusão se formando 48

naquele lado. Tudo está sendo dividido. As matérias estão s e d i v i d i n d o, f o rman d o outra s e... mais outras. Obedecem algum botão? Máquinas. Sentirão esta divisão? Parece que não, pois continuam... a brincar. Ranh! A briga pela c ha mada s o b rev i vência resultou em uma simples, pura, pequena e vitoriosa matéria. O que está h ave n d o c o m i g o? Não sei... Imagine se puder, máquina! O que me cobre é uma massa que mais parece um vidro me separando do resto imundo de um c orpo. Estou dentro de um outro c orp o. Como? Como! Será que estou dentro de uma m á q u i n a? N ã o é possível... O que vejo é panorâmico, pois o vidro que me cobre é inteiro, único, esticando-se apenas para deixar um


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

cano, um fio, transpassá-lo. É engraçado, estou todo encolhido mas não estou com frio. Ah, sim. Estou encolhido pois o espaço é pequeno, mínimo. Não sou nada! Um momento... se não fosse nada, não estaria aqui, devo ser algo que não sei. A briga recomeçou, mas com outras partículas. Ui, aqui é pequeno demais, não consigo me m e x e r, o l u g a r é pequeno e... alguma hora está para chegar. Não devo me preocupar com isto. Se c h e g a r, c h e g o u . Deverá ser tudo como máquina. Funcionará tudo cer tinho, tudo correto, sem erro. Por

isso, não devo me preocupar. Preocupar-me? Com o que e por quê? Eu, não. Este tubo aqui, quase que falhou. Fa lh ou? C om o eu vou descobrir essa falha? Isso é o que eu ain da não s ei, talvez... mais tarde. Aquela briga já ac a b ou e daqui a pouco vai reiniciar outra, como se as pa r tíc ula s fos s em brigar controladas pelos rounds. E a máquina, o botão? L á vem uma g ot a playboy, a toda velocidade. Cuidado... quase quebra minha proteção, meu vidro. Idiota. Se não me cuidar, vai acabar estourando. Desde que não estoure perto de mim, não tem importância.

49

A HORA chega. Oh! Não falei que iria recomeçar outra briga? Vejo que isto por aqui é normal, comum. Máquina t o l a . S e r á? S e r á máquina, de fato? Por que a acho tola? Não serei uma delas? Meu tubo não deve estar func ionando direito, pois me atrapalha. Devo jogar f o r a? N ã o, n ã o pos so. Como sei disso? Acho que... Sinto. Sinto... Ainda não sei. Mas devo chegar a saber, mesmo que não queira. E isso, eu não quero. O u quero? Estou confuso como este c orp o. Não, este corpo não está confuso. Tudo anda bem, nada irregular. Isto, porque é máquina. Não, isto deve ser máquina! A hora, um momento. Ainda não reparei no meu sexo. Conseguirei ver? Devo ver, pois não sinto.


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

Te n h o q u e v e r , senão não ficarei sabendo meu sexo. Olho e vejo... nossa, e s to u s e m r o u p a , estou nu. Aqui não é necessário roupa? Por quê? O vidro me serve como roupa. Roupa? Ele é transparente. Não fa z mal, aqui. Ver meu sexo fo i t ã o d i f íc i l q u e não me recordo o que sou. Mais um esforç o des se e sairei do meu lugar. E depois? É muito bom eu dizer m e u s e x o, e e u? Es q ue ç a ... o m eu sexo. Não sei que horas são, mas a hora marcada deve estar perto. Sinto balanços ainda suaves. Da última briga não restou nada. Pelo menos não vejo. Mais uma gota vem lá de cima, dessa vez nem quero acompanhá-la com meu olhar. Pronto, já parou e esta não volta mais.

D e s t r ui u - s e. D e s truiu-me? Não. Perc eb o um s om compassado, calmo mas firme. Por enquanto. A hora! Perc orro u m o l h a r, c o m o se eu estivesse me despedindo de tudo aquilo, desse mundo. Despedir... o q u e é i s s o? A máquina deve saber. Um impulso, dois, três... Ainda não é a hora certa! Mais um olhar pelo mundo que me gerou internamente. Um sopro mais

50

forte... não é a hora. Começou mais uma briga naquele canto. Será a mesma coisa, terá um mesmo fim. Uma vencerá, outra perderá e assim formará uma única c o m d ua s p a r te s . Esse tubo, parece que sinto algo. Uma contração for te, a hora marcada, o impulso forte e algo é expelido. O que? Eu... Sim, na hora certa saio de um mundo, entro em outro. S i n t o a l g o? S i m ! Es to u e n o ja d o d e m i m, um a p l a s m a pegajosa me encobre totalmente e eu sinto. Sinto e... choro. Sinto-me vivo, s into q ue res p ir o, devo viver. Só vive q u e m r e s p i r a? O de repente me fez s e n t i r o a r, s i n t o a l g o, já é a l guma coisa, a respiração. E agora...?


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

EM QUARENTENA DE NÓS MESMOS André Galvão – Amargosa, BA

Em tempos extremos somos testados, expostos e desafiados

para explicar nossa falta de empatia e compaixão com os que sofrem

O que fazemos sobre o mundo quando não percebemos o quão distantes estamos de nós mesmos?

E, se vier o fim, a nossa velha empáfia terá seu espaço garantido na cova rasa que nos restar.

O vírus, a guerra, a ignorância nos colocam em alerta e revelam o óbvio que ocultamos diariamente Estamos cada vez mais sozinhos, jactando interesses que não nos interessam, esbarrando com desconhecidos pela rua, devorando os melhores momentos da vida sem sentir o seu gosto Pois então, aqui estamos. O isolamento não é pior que as mentiras que criamos cinicamente 51


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

INOCENTES OU CULPADOS?

Por Maria Teresa Freire – Curitiba - PR

As injustiças sociais desse mundo, quantas vezes, recaem sobre os ombros dos mais fracos, mais pobres e dos m e n o s i nf l ue nte s . Não é novidade. Nunca foi novidade. Os momentos históricos repetem-se de acordo com a suas glórias e infortúnios. As repetições são d i fe r e n te s p o r q u e acontecem em

períodos separados pelo tempo que avança sem hesitação, sem piedade. Em determinada guerra do passado muito distante, em um episódio específico² aqui referido, um grande número de valentes soldados foi levado à mor te por conta de homens gananciosos que, no afã desesperado em lucrar exorbitantemente, enviam um amontoado de areia em substitui ç ão à pólvora necessária para os canhões que ferreamente protegeriam um país e seu povo e que manteriam salvaguardados os

52

soldados. A culpa por tal episódio recai, sem dúvida, no responsável pela qualidade dos materiais de guerra. O men os imp or tante na cadeia do poder. Indiferentes às consequências familiares, à vergonha e humilhação do aleg a d o c u l p a d o, o s verdadeiros causadores da desgraça seguiram incólumes com suas vidas, continuamente respeitados e à vontade nos seus espaços de vivência. Este fato no século XIX! Evidência de que a c orrup ç ão se perpetua indiferente ao período histórico. To d a v i a , e m q u e século, em que ano esse tipo de situaç ão ac ontec e não impor ta. As injus tiças são sempre danosas. Buscam os mais frágeis como um imã. Aqueles cuja voz não ecoa em fortes


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

brados. Aqueles cujos recursos não são suficientes para sua defesa sobressair. Assim, lemos, ouvimos, vemos e desarmados, de todas as maneiras, não alcançamos a possibilidade de defender a todos esses que sabemos inocentes. Em qualquer parte da história, de

qualquer país, encontramos os fatos incongruentes que nos assustam e nos fazem relacionar com o cotidiano em que vivemos. Nem sempre a iniquidade se mantém. Ch e gam - n os n otíc i a s , d e to d o s o s modos e por tantos meios, de que há, em algum caso, uma voz altaneira que traz a verdade

à tona, que defende o oprimido, esclarece o obscuro. Para o alívio de nosso pensamento, em tantos momentos de injúrias, clamores se levantam buscando o que é certo, ético e imparcial. E alcançam a vitória. O ser humano, invariavelmente, testemunha agravos sociais de todos os tipos. Mas, igualmente, acompanha defesas louváveis . E não importa quando. Ontem, hoje, amanhã. Importa a justiça mantida! ² Hunter, M. Ravishing in

r e d . R i o d e J a n e i r o: Le Yia. 2013

Visite o Blog

CRÔNICA DO DIA Em Http://luizcarlosamorim.blogspot.com.br Literatura, arte, cultura, cotidiano. Todo dia um novo texto. 53


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

CANÇÃO DA ALVORADA

COLO SAGRADO

Adir Pacheco – Florianópolis, SC

Adir Pacheco – Florianópolis, SC

Na manhã ridente, mágica e sublimada, O inebriante contato sob doce aroma, Melodia que a radiosa paisagem soma Às vibrações suaves na canção da alvorada.

Ontem a noite retornei ao passado Sentindo frio no corpo envelhecido, Relembrando o ser criança e protegido, Pelo ansiado colo de mãe tão sagrado.

E vibra a natureza afagando os jardins No aconchego da atmosfera dadivosa, Plasmando campos floridos e querubins, Entre o aroma refrescante das rosas.

Ante a luz daquele amado ser divino, Reverbera no coração a saudade Dos dias marcados na mais tenra idade, Revendo o inocente tempo de menino.

É a vida mostrando-se plena em realeza, Na majestosa beleza que envolve a terra, Ao espírito envolvido em grande tristeza, Norteando sua existência no espaço que erra.

Era um pequenino ser aureolado, De sonhos, alegrias e fantasias, Vivendo as múltiplas alegorias Sem se importar com o tempo estimado. Agora só e com a alma entristecida Na saudade sob exílio irreverente, Busco o bálsamo suavizando a ferida, Na imagem do colo, o alento eloquente.

E nesta paisagem do próprio calvário Sob a cadência das noções de esperança, Renova-se o espírito em confiança, Irradiando sorrisos em um novo cenário. 54


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

FERRUGEM

Felipe Melo – Praga, República Tcheca

O telefone tocava, como o fizera ininterruptamente havia setenta anos. Não se s a b ia s e era uma falha da companhia telefônica ou alguém tentando chamar o tá xi, pois ninguém jamais atendera ao aparelho. 
A praça circular de quarenta metros enfeitada por quatro coqueiros igualmente espaçados – como os vér tices de um quadrado – abrigava d o i s f us c a s , um branco e um preto. Os dois taxistas, irmãos gêmeos, estavam ali desde quando o mais ve l h o m o r a d o r d a

cidade conseguia r e c o r d a r. S e m p r e se mostrando idênticos, com bigodes negros, barba bem feita, cabelos grisalhos, bem cortados e p a r t i d o s a o m e i o,

ou estação, que também não tivesse avistado os dois, sempre n o m e s m o l u g a r, cada qual dentro de seu carro. 
 A p e s a r d e pequena – com

camisa xadrez branca e vermelha, calças azuis d e l i n h o, s a p a t o s mocassim e meias marrons. Não havia caso de um úni c a p es s oa que tivesse passado pela praça, em qualquer momento

não mais que mil habitantes – a cidade tinha um c oti dian o agit ad o, fruto das atividades da Casa dos Contos, que ficava logo em frente à praça, e que também experimentava

55


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

diuturnamente o toque do telefone. 
Apesar de movimentada, a Casa tinha apenas duas atividades, a recepção e a d o a ç ã o. A r e c e p ção cadastrava os entrantes que então seguiam por dois lances de escadas (quarenta e um degraus no total) até o Ex trator, onde a doação ocorria. Uma curiosidade é que nunca foram recebidas mais de três pessoas em um mesmo dia. 
 A s d oa ç õ e s e r a m devidas sempre que alguém saísse de sua casa, para que obtivesse o direito de a ela r e t o r n a r. E r a l e i antiga do município. Enquanto essas palavras são escritas, estava m n a f i l a D o n a Cândida, Dona Feirita e Senhor José Madrideus. 
Dona Cândida

saía de casa pela nona vez na vida, e nessa circunstância doaria o anelar da mão esquerda, visto que era destra e já doara os três dedos menores de cada pé e também os dois mínimos de cada mão. Dona Feirita, mais experiente, saía pela décima quarta vez, e doaria o primeiro pedaço da orelha direita, dado que já doara os três dedos menores de cada pé, os dois menores de cada mão e a orelha

56

esquerda inteira (o r e l ha s p o d i a m ser divididas em três, rendendo portanto três saídas). O Senhor J o s é d e i x ava s u a casa pela primeira vez, aos sessenta e oito anos. Saiu para conhecer a famosa praça. Q ua n d o i n d a g a d o pelo E x trator qual seria a doação, S e n h o r J o s é p e rguntou se poderia doar o olho direito, já que o mesmo sofria de miopia avançada. O Extrator explicou que a Força não aceitava doa-


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

ç ões inc ompletas, mas que o valor poderia ser complementado com uma unha ou um dente. Senhor José calculou que um pré-molar já não faria muita falta, e completou a doação c om um deles. 
O Ex trator terminou com Senhor José e deu o dia por enc erra d o, d ir i gi n d o - s e à saída. Mas naquele dia o expediente se encerraria mais tarde. Ao chegar à porta viu do outro lado da rua, se aproximando da praça, uma mulher de aparentes oitenta anos, cabelos grisalhos atingindo o meio das c ostas, s emi -nua, trajando apenas meias- calças marrom claras desbotadas e uma capa aveludada de cor azul safira. Tinha os joelhos

e bic os dos seios em sangue, pois s e a r r a s t ava p e l o chão com a ajuda d e um p e d a ç o d e madeira. 
O Extrator se aproximou da m u l h e r, q u e s e dirigia ao táxi b r a n c o, e n o t r a jeto percebeu q ue p ela p r im eira vez nos últi-

57

m os s etent a an os o telefone não t o c a v a . Ta m b é m em silêncio seguiu a mulher, se arrastando por alguns centímetros a cada vez que conseguia cravar a madeira nas irregularidades do solo e puxar seu corpo por sobre o concreto.


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

duas sobrancelhas e penteando o bigode com o indicador da mão esquerda. - Fico feliz que tenha vindo nos fazer uma doação – completou o jovial Extrator. 
Quando próxima o suficiente, a mulher se deitou e esticando o pedaço de m a d e i r a b ate u n a p or t a d o c ar r o. O t a x i s t a a b a i xo u a janela. O E x trator se aproximou para ouvir. 
- É o senhor o ta xista? - p ergun tou a mulher. 
 - S i m s e n h o ra , e também o é meu irmão – respondeu

o ta xista do fusca branco, apontando com o indicador direito para fus c a preto, estacionado logo atrás. 
 - Te n h o l i g a d o para cá durante o últimos setenta anos – disse a mulher com semblante neutro. - Era a senhora, então! – respondeu o taxista, levantando discretamente as

- Passei setenta anos sonhando em conhecer essa praça, mas minhas pernas nunca funcionaram, por isso busquei um táxi – continuou a m u l h e r, c o m semblante ainda desanuviado. - Mas minha senhora, um taxista nunca abandona seu posto.

Felipe Melo é Engenheiro de Software, Escritor e Baterista. Publicou em 2015, pela Editora Estronho, a novela surrealista Ele Precisava Ir, que vem ganhando ares de obra cult pela temática, formato da narrativa e proposta gráfica. É também criador do blog Parlatórios, que vem ganhando projeção ao apresentar situações cotidianas através de uma lente surrealista (http://parlatorios.blogspot.com). Atualmente reside em Praga, República Tcheca. 58


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

O CANTO DO GALO Marta Carvalho – Florianópolis, SC

Hoje bem cedo ouvi o canto de um galo, distante... Abri os olhos e pensei por um instante: foi só um pesadelo! Sonhei que toda a terra estava em guerra... Mas logo me dei conta de que seguimos em vigilância constante, que a guerra é real, que a vida ainda não voltou ao normal. O inimigo é invisível e por isso não é possível o contato social. Há várias quinzenas, já, que estamos em quarentena, sem saber quando será o final! Tomo agora meu café com biscoito de maizena... e penso novamente que a fadiga ainda é pequena... que na verdade, não devo reclamar! Isso não chega a ser um grande problema. Então sigo curtindo o "lar, doce lar", a escrever, dormir, pintar e a cantar. Descobrindo outros prazeres, me ocupando de vários afazeres, devagar, por partes, me especializando em várias artes. Vou tocando a vida amiúde, o mais importante é ter saúde! E amor ... E aquele galo renovou a mensagem de que a vida tem valor! E qualquer que seja a circunstância, devemos ao Criador agradecer, logo ao amanhecer! Enfim, vamos vencer e renascer! 59


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

primeiro lugar no coração e na alma. É nobre o herói que luta por sua pátria, mais nobre ainda quem luta pela UM SAPO humanidade. HERÓI O trabalho seria em Else Sant´Anna equipe e a apresenBrum – Joinville, SC tação na sexta-feira. A turma da profes- Durante a semana s o r a I vete e s t ava h o u v e m u i t o s alvoroçada naquela e n c o n t r o s , m u i t a manhã de segunda-feira. O que será q u e e s t ava a c o n tecendo? Ninguém sabe? Eu sei e vou contar. Quando chegaram na sala de aula, as crianças leram o seguinte aviso no quadro de giz: Tema da Semana: Heróis entre nós! pesquisa, muito traEm cada cabecinha balho. Na sexta-feira surgiu um ponto de a apresentação foi interrogaç ão. Q ue especial. Surgiram heróis conseguiriam h e r ó i s d e v á r i o s e n c o n t r a r ? S e r á tamanhos. Uma das q u e e n c o n t r a r i a m equipes surpreenheróis? deu tra zendo uma - Lembrem-se, disse história b em dife a j o v e m p r o f e s - r e n t e: “ U m s a p o sora, herói é herói herói”. em todos os senti- Os colegas arregados e modos e em laram os olhos. 60

- Sapo herói? Falaram em coro. - P o r q u e n ã o? Falou a professora. Vamos ouvir? El es ent ão c o m e çaram: Era uma vez um sapinho bem pequenino cham a d o Pe t i c o q u e morava com sua família em Sapolândia. Sapolândia era uma l a g oa i m p o rtante governada por um rei, Dom S a p ã o . To d o s o s s a p os o res p ei t ava m e ad mirava m sua competência na administração da lag oa . El e era também muito amigo, procurando sempre o bem-estar dos seus súditos. Viviam em paz até que da noite para o dia começaram a desaparecer alguns moradores, sem que ninguém soubesse como. O rei prometeu uma recompensa a quem desvendasse o mistério.


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

O s a p i n h o Pe t i c o propôs-se a invest i g a r, n ã o t a n t o p e l o p r ê m i o, m a s p orque s entira na pele o problema. Seu melhor amigo havia desaparecido. Sem dizer nada a ninguém c omeç ou a montar guarda durante a noite até que descobriu uma enorme cobra que sorrateiramente se aproximou da lagoa e abocanhou um sapinho que dormia sossegado. Petico sentiu o coraç ão ap er tad o. Foi para casa, mas não c ons e guiu d or mir. Te v e e n t ã o u m a i d éia q ue p ôs em p r át i c a na m a n h ã

seguinte. Pegou vários cogumelos que nasciam na beira da lagoa e com eles, colando os pedaços, fez a forma de um sapo. En c h a r c o u - o c o m veneno e assim que anoiteceu colocou-o no caminho onde a cobra passaria. Escondeu-se p o r p e r t o e, p a r a chamar a atenção da malvada, fic ou coaxando. A cobra não contou tempo. Vinha com fome e bem ligeiro en g o liu d e um s ó bocado o gordo sapo de cogumelos. Minutos depois estrebuchava no capim.

61

O sapinho chamou os moradores da lagoa contando sua façanha e, na claridade da lua cheia que surgiu no céu todos viram a grande cobra morta. Ficaram admirados com a coragem de Peti c o. O rei pre miou Petic o numa grande festa que ofere c eu, na q ua l o pequeno sapo foi abraçado e aclamado como herói. As crianças todas da clas se da pro fessora Ivete aplaudiram a apresentação da equipe porque o que elas mais gostam mesmo é de uma boa história!


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

impressa.
Na verdade tal homem foi bancário e jamais permitiu que a rotina do trabalho ceifasse a poesia que tomava sua 40 ANOS DE mente.
 E sse poeta LITERATURA me impressiona pela Por Maria de constância nos proFátima Barreto – jetos que criou e vive Florianópolis, SC criando, para divulgar Eu posso garantir que a literatura - tanto a ler e escrever são que ele produz quanto formas muito boas de a dos que o pro se sentir a vida. Há uns anos fiquei encantada ao saber da existência de vários sít i o s n a i n te r n et aonde se pode ler e ou publicar textos.
Sou imensamente grata ao poeta, escritor e editor que, inspirado na geografia física da cidade onde morava criou uma ilha, de onde espalha produções de vários autores em todos os gêneros literários.
Logo que me foi dada a oportunidade de publicar virtualmente através desse editor também me foi dada a chance de entrar para a equipe da sua revista 62

curam.
Já tive várias o p o r t un i d a d e s d e vê-lo nos estandes das feiras de livros autografando e incentivando os parceiros de publicações. Sei que vai até as escolas, as universidades, aos congressos, aos debates, a todo foro onde o tema seja ler e escrever. E aqui talvez resida o ponto mais


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

importante: há que se plantar, se lançar sementes. Há que se ter o projeto literário focado na criança como a melhor forma de garantir o leitor jovem e adulto. Pois esse ilhéu investe muito, apostando nos pequeninos. E 
 u ainda não encontrei escritor e poeta que tivesse tanta vontade de disseminar a prosa e a poesia de forma tão tenaz e perseverante para todas as faixas etárias.
 Também tive, através do suplemento literário A ilha, a oportunidade de colocar na rede e nas feiras os meus escritos, e justo

através do tal homem. Ele é proprietário da mais duradoura ilha literária de que se tem n otíc ia neste estado.
 Trata-se de Luiz Carlos Amorim, que há exatamente 40 anos vem construindo um reduto onde o verso e a prosa têm seu lugar merecido.
Mas não para por aí. O Amorim resolveu fazer um blog e incansavelmente se dedica, a cada novo dia, na tarefa com as palavras. E inaugurou uma nova revista, a ESCRITORES DO BRASIL, pois este Suplemento Literário A ILHA estava ficando pequeno, com 63

tanta demanda.
 N ão há dúvida que o ato de escrever e publicar traz em si, e por si só, a caracterização do exercício da cidadania, mas este escritor se esforça um pouco além. Ele não desiste de, paralelamente a s ua p o e s i a , fa ze r a crônica, onde é veementem e n te c o m b a t i vo. Ligado em tudo que possa afetar a literatura, defende-a, cultiva-a e a promove. Quero dizer: obrigada, A m or im! Vo c ê fa z uma en or m e di fe rença no cenário das nossas letras! Orgulhamo-nos de integrar essa vida que você faz brotar, através da palavra, no verso, na prosa, na gente. Obrigada por esta ilha difusora da palavra escrita, o melhor elo que os humanos têm para registrar a vi da e rastrear o túnel do tempo. Parabéns!


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

O BEIJO

Luís Laércio Gerônimo Pereira – Lagarto, SE

No dia em que eu te vi, senti um enorme vicejo, Fizeste um bem pra mim, despertou-me um desejo Em devaneios vivi e num sonho junto a ti Delirei num longo beijo.

lado eu espero, Beijar sempre a tua face. Então marcarmos o casório, cuidamos da festa e da roupa. Padrinhos, papéis e cartório, parecia uma aventura louca. Na religião de mistério, disse sim ao amor sincero, Enfim beijei tua boca.

Nasceu desse imaginário contato, minha fonte de desejo; Paixão em alta voltagem, toda vez que eu te vejo De repente um insight, por ti sofri um blackout, Tu foste o meu lampejo.

Nossa mocidade o tempo levou! Saudades é tudo que resta; Em nós, o amor se conservou, apesar de tantas arestas, Amo-te com o mesmo fervor, embora com o corpo em tremor, Beijo a tua testa.

Acordei torpedeado, chamuscado de paixão, O corpo eletrocutado, em faíscas de emoção. Um remédio inusitado, deixoume anestesiado, Quando beijei tuas mãos. Embora eu relutasse, por ti perdi o combate, Então lhe propus em mistério, depois um sério enlace, Juro-te amor sincero, ao seu 64


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

PRESENTE E PASSADO QUE SE ENTREOLHAM Corisco Mura – Florianópolis, SC

Como teria sido a infância do pequeno Nicolau? Não há desvelar esse passado. É possível que se dependurasse nos

braços de gamel e i r a s . Em a l g u m momento se enfiasse no leito barroso de um regato. Tivera sonhos? Nada sabemos sobre isso. Enfim, muito pouco se conhece de sua infância. A tradição oral faz perder as memórias do povo humilde, anônimo do Nordeste. Fato é que, sob o pontilhado de estrelas que rebrilhava, i n f o r m e, a l é m d o ser tão, ali, ape -

65

quenado, estava o Nicolau adulto, figura distinta do primeiro, ser envelhecido, tomad o de r uga s, frustrações, desgostos a marcar-lhe a pele e a alma. Com c e r t e z a m a t u t ava insone. Pensava na esposa e nos filhos. Ruminava sobre as poucas chances de sucesso, e em quão iníqua era a existência sertaneja. (Trecho de A última aldeia, da Editora Insular)


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

AGUALUSA NO BRASIL

Agualusa levou otimismo e confiança na li teratura para o palco do Fronteiras do Pensamento, acontecido no Salão de Atos da UFRGS, que esteve lotado, quand o o es c ritor a n g o la n o p r ofer i u uma pa l es tra q ue definiu como um “el o gi o à l ei tura”. O evento foi em 2018, mas a fala de Agualusa continua atual. - Acredito que a leitura pode mudar o mundo. A leitura da grande ficção universal tem o poder de nos tornar melhores e de aproximar as pessoas – afirmou o autor, que tem mais de duas dezenas de livros publicados. Agualusa ressaltou a impor tância das manifestações culturais e literárias para a

criação de um movimento nacionalista na Angola dos anos 1940 e 1950. Escritores como Viriato da Cruz, Ernesto Lara e A ntóni o Jac into seriam personalidades que ilustram esse processo. Mais recentemente, em 2015, a leitura também ganhou destaque no processo de democratização do país, quando um grupo de jovens ativistas foi preso por ler e discutir um livro sobre métodos pacíficos de protesto, sob acusação de prepararem um golpe de estado. Fotos dos detidos lendo roman-

66

ces de Agualusa e de mais autores locais circularam pelo país. - A literatura tem u m p a p e l i m p o rtante nesse processo recente em Angola, desenvolvendo a empatia, promovendo o debate e ajudando cada um a se encontrar no coração do outro – avaliou Agualusa. O conferencista não se restringiu a tratar da impor tância da leitura em sua terra natal. Ao citar o presidente americano Donald Trump, apontou que ler ficção é um exercício de alter i d a d e, c a p a z d e “ c r i a r p o nte s ” e m


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

uma sociedade que está cada vez mais marcada pela “construção de muros”. - Trump é um homem que se vê a si próprio como um construtor d e m ur o s . É d i fícil imaginar Trump lendo o que quer que seja, a não ser os tuítes que ele mesmo escreve. Não consigo vê-lo, por exemplo, lendo “Cem Anos de Solidão”. Não acho que pessoas como Donald Trump sejam irrecuperáveis para a

humanidade. Na verdade, não acho que alguém seja irrecuperável. Mas acredito que muitos pre c i sam ir para campos de reeducação literária. No caso de Trump, antes disso, s er ia p re c is o ir à es c ola p r imár ia – provocou Agualusa, arrancando risos da plateia. Questionado sobre o momento de polarização política do Brasil, Agualusa afirmou estar preo67

cupado com o destino do país. Para ele, seme lhante falta de diálogo entre polos opostos de pensamento marcou os momentos que antec ederam a guerra civil que viu ocorrer em Angola. No entanto, o escritor afirmou não haver espaço para recair na melancolia ou no pessimismo: - Países como Angola ou Brasil, como democracias ainda não consolidadas, ou como democracias ameaçadas, socialmente divididos, precisam investir no diálogo, no debate, em tudo o que facilite e promova o reconhecimento do outro. A literatura, como venho insistindo, pode ajudar nesse processo. O grande desafio d e n o s s o s p aís e s é levar os livros à maioria da população.


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

MAIO, TRABALHO E LITERATURA (Diário desses dias de pandemia)

Por Luiz Carlos Amorim – Escritor, editor e revisor – Cadeira 19 da Academia Sulbrasileira de Letras. Fundador e presidente do Grupo Literário A ILHA, que completa 40 anos em 2020. Http:// luizcarlosamorim. blogspot.com. br – http://www. prosapoesiaecia. xpg.com.br

Estamos em primeiro de mai o de 2020. E quando maio chega, chegam as cerejas em Por tugal e em outros países aqui da Europa. Então, maio acabou de chegar e já comi as primeiras cerejas da temporada. Estão uma delícia e vem muito mais delas por aí. Quero comer mais cere-

jas frescas do que no ano passado. Chega também o tempo do pêssego paraguaio, aquele achatado, e do pêssego normal, r e d o n d o e ave rmelhado, e do damas c o fres c o e dourado . E continuamos a aproveitar o morango gigante e saboroso que aqui temos. A laranja, d e l i c i o s a e d o c e, parece ter o ano todo. Maio será um m ê s m e l h o r, s e D e u s q ui s e r, n um ano que começ o u t ã o te r ríve l e foi ficando mais terrível ainda, caminhando para o pico da pan-

68

d e m i a , q u e esperemos seja breve e a cur va possa, assim, começar a descer. Te m o s q u e t e r esperança de que i s s o va i p a s s a r e ficar em casa o máximo que pudermos, para que realmente o pico tenha passado e não haja uma outra “ o n d a”, c o m o te m sido cogitado. Então é dia primeiro de maio e é Dia do Trabalho. É feriado, mas qual a diferença, se todos os dias são iguais? É verdade que alguns governos estão liberando o confinamento para que o comér-


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

cio comece a abrir e as pessoas possam voltar a trabalhar e a comprar. Mas não são só esses trabalhadores – os que ficaram em casa e vão voltar a trabalhar, ou os que já estão trabalhando na indústria, no comércio, nos serviços, etc., que quero homenagear. Quero homenag e a r, t a m b é m , o s nossos verdadeiros heróis, os trabalhadores da s a ú d e, q u e e s t ã o lá, na trincheira de uma guerra insana, coloc a n d o s ua s v i d a s em risco, adoe-

cendo e morrendo para defender a gente, para cuidar da gente. Eles são os reais heróis de sempre. Se existem heróis reais – e agora sabemos que eles existem - são esses trabalhadores que quase não dormem nem c omem ma is para tentar salvar vidas. Meu agradecimento a vocês, médicos, enfermeiros, trabalhadores de todos os níveis em hospitais, casas de saúde e também aqueles batalhadores anônimos que rec olhem o nos s o lixo, que limpam as nossas ruas, que 69

não estão apagando fogo mas estão socorrendo os doentes, que e s t i ve ra m s e m p re nos supermercados, nas farmácias, nas padarias, etc., que estavam e estão na rua para nos entregar encomendas, principalmente comida e artigos de primeira necessidade, para não dei xar faltar nada para nós, que ficamos em casa para não sermos contagiados pelo novo coronavírus, inimigo invisível que está lá fora, traiç oeiro, para nos pegar. Meus aplaus o s , m e u t r i b u t o, hoje e sempre. E hoje é, também, o Dia da Literatura Brasileira. E e u, q u e a m o l i t e ratura, mando daqui um grande abraço a todos os colegas dessa profissão tão solitária, a de produzir lite-


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

ratura, mas que por causa dela mesmo, acabamos nos a p r ox i m a n d o, n ó s todos que escreve m o s e fa ze m o s p a r t e d e l a . Pa r a béns a todos os escritores brasileiros, não importa o país onde estão, pois são eles que fazem a Literatura Brasileira ser mais viva e mais literatura. Neste dia para pensar, comemorar e valorizar a literatura do nosso país tupiniquim, façamos um pacto: vamos encontrar maneiras para divulgar a nossa literatura e a lite ratura de nossos

pares, novas alternativas para incutir o gosto pela leitura em leitores em form a ç ã o, e n c o n t r a r novas maneiras de acesso à leitura, propiciar a aquisição do hábito da leitura, para que a n os s a li teratura brasileira seja mais c o n h e c i da e ma i s lida. Com tanta coisa para comemorar, o dia esteve lindo em Lisboa, com bastante sol, e Rio, nosso neto de um ano, esteve lindo e feliz, rindo muito e g a r g a l h a n d o, a t é, para não deixar ninguém sorumbático, meditabundo, 70

borocochô. Não costumo usar esses palavrões, mas é tudo que o Rio não deixa a g e n t e f i c a r. D e maneira que nesse dia primeiro não anotei a estatística do coronavírus de ontem, não vi te l ev i s ã o, a p e n a s li dois jornais brasileiros de hoje com as notícias de ontem, trabalhei na edição comemorativa de quarenta anos da revista literária SU PLEM ENTO LITERÁRIO A ILHA - e estou lendo um bom livro, “ O Egíp c io”, de M ika Walt ari. Em e-book. E vou ler outros, que acabei acostumando a ler na te l a d e a p a r e l h o s como notebook e tablet, por causa da revisão e edição de livros, revistas e jornais. Outro dia falo de pandemia.


Florianópolis-SC – Junho/2020 – N. 153 – Edições A ILHA – Ano 40

71


LITERARTE ANTOLOGIA COMEMORATIVA A nova antologia do Grupo Literário A ILHA, que deveria estar sendo lançada agora, junto com esta edição do Suplemento Literário A ILHA, ficou para o fim do ano, em decorrência da

pandemia de coronavírus que estamos enfrentando. Ela deverá ser lançada na Feira do Livro de Florianópolis, em dezembro, e na Academia Catarinense de Letras, ainda com agendamento

VISITA ILUSTRE

Recebemos, no mês de maio, uma visita muito ilustre na nossa casa em Lisboa, nossa e de Pierre e Da n i e l a: n i n g u é m menos que Agualusa, um dos maiores escritores da lusofonia, lido e admirado no Brasil, onde já morou

e assina uma coluna de crônicas no jornal O Globo e com sua obra traduzida para 25 idiomas, o que significa que é lido pelo mundo afora. Conicidentemente, no Dia do Profissional de Letras. Agualusa não precisa de apresenta-

pendente, pois não temos a data definitiva. A coletânea contemplará os gêneros mais praticados pelos membros do Grupo Literário A ILHA: c o nto s , c r ó n i c a e poesia. ção, a obra dele fala por ele. Então tivemos a c ompanhia do Agualusa para a janta e para o concerto online de um dos cantores do Stream Living Room Rua das Pretas. Agualusa, esse grande nome da literatura em língua por tuguesa da atualidade, é uma pessoa culta e serena, de uma simpatia que combina com a sua fala mansa, mas sempre interessante. Uma noite agradabilíssima com esse ícone da nossa literatura.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.