EXPEDIÇÃO
MATOPIBA RELATÓRIO DE VIAGEM
FOTO: FORESTCOM/ IPAM.
EXPEDIÇÃO
MATOPIBA RELATÓRIO DE VIAGEM
BRASÍLIA 2016
ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL PRESENTES NA EXPEDIÇÃO
R
APOIO
PARTICIPANTES IPAM: Tiago Reis IMAFLORA: Marina Piatto e Lisandro Inakake; WWF-BRASIL: Frederico Machado e Márcia Cardeli; EARTH INNOVATION INSTITUTE: João Shimada; TNC: Rodrigo Spuri e Aline Leão.
ÍNDICE 1. Resumo
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2. Sumário Executivo
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3. Contexto Geral e Objetivos
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4. A Expedição
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5. Questões Norteadoras da Expedição
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6. Localidades e Atores: Dados Gerais
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6.1. Barreiras-BA
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6.2. Luís Eduardo Magalhães-BA
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6.3. São Desidério-BA
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6.4. Bom Jesus-PI
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6.5. Uruçuí-PI
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6.6. Balsas-MA
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6.7. Augustinópolis-TO
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7. Tabelas
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8. Resultados
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8.1. Conflitos fundiários
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8.2. Regularização fundiária
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8.3. Queda na produtividade por fatores climáticos
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8.4. Expansão da produção
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8.5. Código Florestal
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8.6. Atuação do governo e da sociedade
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9. Conclusões
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10. Referências
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EXPEDIÇÃO MATOPIBA
No Matopiba, definido e caracterizado por porções do bioma Cerrado nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, existem 5,4 milhões ha cobertos por vegetação nativa e sem restrição topográfica à agricultura mecanizada, sendo uma área vulnerável à expansão da fronteira agrícola. Taxas elevadas de desmatamento vêm sendo registradas nesta região, a maior parte para dar lugar a lavouras anuais, como milho, algodão e, principalmente, soja. O Código Florestal permite o desmatamento de até 80% nas propriedades e posses rurais no oeste da Bahia, 70% no Piauí e 65% no Cerrado do Maranhão e de Tocantins. Dessa forma, o desmatamento na região é normalmente legal, com emissão de autorizações pelos órgãos competentes – ainda que haja também irregularidades. Com o intuito de analisar o processo de expansão da fronteira agrícola, organizações da sociedade civil (EII, Imaflora, IPAM, TNC e WWF-Brasil) que compõem o Grupo de Trabalho da Soja – GTS realizaram uma expedição que percorreu 2.750 km, entre Barreiras-BA e Imperatriz-MA, no período de 19 a 30 de setembro de 2016. Foram conduzidas visitas de campo, entrevistas e oficinas com atores chave da região, incluindo: associações e sindicatos de produtores e de trabalhadores rurais, universidades e centros de pesquisa, bancos, organizações de base comunitária e ONGs voltadas ao pequeno produtor, empresas de consultoria e órgãos públicos. Quanto aos produtores de grãos, verificou-se o grande entusiasmo com a região e o bom nível de profissionalismo, observou-se ainda a predominância de uma visão de que o Cerrado das chapadas ou mesas teria baixa relevância ambiental e pouco uso pela fauna local. Teria também pouco uso pelas comunidades locais, que preferem se estabelecer nos “baixões” pela presença de corpos d’água e espécies usadas no extrativismo. Constatou-se a vulnerabilidade climática da produção agrícola na região, especialmente, nas zonas de transição entre o Cerrado e o Semiárido. Identificaram-se conflitos fundiários motivados tanto por especulação de terras e competição pelo uso do solo, como para promover a regularização ambiental. Outros elementos identificados são o descontrole no uso do fogo por comunidades locais, a ineficácia do Código Florestal para proteger o Cerrado, a deficiência de governança e presença das instituições públicas, o estímulo indireto ao desmatamento por políticas públicas contraditórias – como a existência de linhas de crédito para o uso do ‘correntão’ – o conflito fundiário e a existência de processos questionáveis de legalização de posse são realidades no Matopiba, há fortes indícios de corrupção, que é potencializada por expressiva especulação imobiliária. O quadro regional demanda uma resposta com prontidão por parte da sociedade brasileira e internacional, no sentido de garantir não só a relevância do Matopiba à economia nacional e ao atendimento da crescente demanda internacional por soja e alimentos, mas também com intuito de salvaguardar os direitos sociais e proteger os recursos naturais.
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1 | RESUMO
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2 | SUMÁRIO EXECUTIVO
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»» DESMATAMENTO: a exemplo do que ocorreu nas décadas de 1960 e 1970 na Amazônia, no Matopiba o desmatamento é muitas vezes utilizado como mecanismo de afirmação de posse. Grandes áreas são abertas em fazendas sem que sejam efetivamente plantadas. Observamos durante a expedição casos em que o produtor não produzia em sequer 30% da área que desmatou. Isso implica em exposição desnecessária dos solos, perda de habitats, ameaça às espécies e riscos de colapso de serviços ecossistêmicos. Bancos públicos financiam o desmatamento, a exemplo do Banco do Nordeste, bastando a apresentação da autorização de supressão emitida pelo órgão ambiental – o que parece ter trâmite bastante acelerado na região. Produtores relatam ainda o receio de ocupação da área por movimentos sem terra, que podem alegar se tratar de latifúndio improdutivo. É gravíssimo o que se verifica em algumas regiões, com municípios passando ao status de recordistas de desmatamento no Brasil, ano após ano. E casos, como um dos relatados na expedição, de desmatamento legal (autorizado pelo órgão competente) de área contínua de 60 mil hectares, em uma única fazendo no estado do Piauí – área
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DADOS GERAIS
»» PUJANÇA DO AGRONEGÓCIO: há certa capacidade tecnológica instalada na região, com a presença de centros de pesquisa orientados e financiados pelo agronegócio, dedicados ao melhoramento genético e ao desenvolvimento de técnicas adaptadas às condições edafloclimáticas específicas da região, que se diferem muito de outros centros produtores, como o Mato Grosso. Esse desenvolvimento tecnológico inclui parcerias com empresas de destaque em melhoramento genético (como a Embrapa) e transgenia (como a Monsanto). As pesquisas incluem, também, buscar soluções para controles de pragas e doenças, técnicas de adubação e plantio direto, irrigação, monitoramento da vazão e qualidade das águas dos rios, embora os resultados das pesquisas ainda estejam aquém de gerar todo o conhecimento necessário para uma produção mais eficiente e sustentável. O perfil desbravador do produtor estabelecido na região também merece destaque. Boa parte veio de outras regiões com suas famílias e apostou suas economias numa região nova, do ponto de vista da produção de grãos. São muitos os casos de produtores que descapitalizados após a aquisição das terras e os investimentos iniciais na produção, tiveram que morar debaixo de lonas com a família nos primeiros anos. O perfil que se vê hoje é de produtores altamente profissionalizados e, especialmente, o estabelecimento de muitas empresas e grupos empresariais, que compram fazendas já em produção ou que desmatam o Cerrado para a produção ou, em alguns casos, apenas com finalidade de especulação imobiliária.
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equivalente ao Parque Nacional Chapada dos Veadeiros, patrimônio mundial localizado no Cerrado. O Piauí talvez seja o maior desafio, ao mesmo tempo em que é a área mais vulnerável pela grande deficiência de governança e da presença de instituições públicas e do Ministério Público. Junta-se a isso o fato de ser o estado com aparente maior área com aptidão para a soja que ainda é coberta pelo Cerrado.
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»» GRILAGEM: questão problemática em toda a região é a titulação das terras, imbróglios cartoriais e judiciais que fazem com que municípios da Bahia, Piauí e Maranhão tenham no papel três ou quatro vezes mais área do que o real – os chamados andares de terras de documentação cartorial. Segundo relatado, boa parte dos títulos são de origem fraudulenta, dentro de um processo de grilagem que teve início em períodos diferentes entre os estados, sendo o movimento mais recente no Piauí, a partir dos anos 2000, e mais antigo na Bahia e Tocantins, décadas de 1970 e 1980. Uma vez titulada e aberta, a terra pode saltar de um valor inicial entre R$ 200,00 e R$ 1 mil por ha para R$ 15 mil a R$ 50 mil. Essa valorização espetacular tem atraído o interesse especulativo de fundos de pensão e investidores de todo o mundo, acelerando sobremaneira a posse irregular e o desmatamento na região. Um projeto de lei que tramita em fase final no Congresso Brasileiro e permite a titularidade de terra por entes privados estrangeiros tem potencial de agravar ainda mais o quadro. Além disso, políticas estaduais de regularização fundiária são mais um elemento problemático na situação, pois regularizam a preços módicos terras ocupadas por meio de violência ou do deslocamento forçado de populações tradicionais.
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»» TAMANHO DAS PROPRIEDADES: por lei são consideradas pequenas propriedades na região aquelas com cerca de 250 ha, correspondente a quatro módulos rurais de tamanho médio de 60-70 ha. Ou seja, comparativamente com outras regiões do Brasil e com a maioria dos países no mundo, o pequeno no Matopiba é grande em outras geografias. O pequeno produtor tem algumas facilidades ou regalias legais, como o acesso a linhas de crédito mais favoráveis e a ausência de demanda por recuperação da vegetação nativa desmatada ilegalmente até julho de 2008. Pelas características da produção de soja, na região o conceito de pequeno se estende a produtores com áreas de até dois mil ha (mas sem as regalias antes citadas), e a partir desse tamanho é que começam a ser considerados médios ou grandes. Não são raras fazendas com 50 ou 100 mil ha no Matopiba, com enormes áreas contínuas desmatadas nos Cerrados de chapada ou mesa. »» DOMESTICAÇÃO DO SOLO: diferentemente do que ocorre na Amazônia, onde a soja normalmente só passa a ocupar o solo cerca de três anos após o desmatamento e, normalmente, tendo como primeiro cultivo o arroz ou gramíneas forrageiras, na região do Matopiba é comum o plantio imediato da soja já no primeiro ano. A produção no primeiro ano costuma ser bastante baixa, assim, alguns produtores podem optar por plantar arroz ou milho. Seja qual for a escolha, a produção de soja no segundo ano já pode superar 40 sacos/ha. Segundo relatado, o passo a passo da ocupação seria: derrubada do Cerrado com uso de correntão, enleiramento da galhada, queima das leiras, recolhimento manual de galhos e raízes, novo enleiramento e queima, uso de grade e adubação com calcário (repetidas vezes, até 12 toneladas de calcário por ha em algumas regiões), uso de arado, adubação e plantio da soja. Cabe destacar que nas frentes de expansão agrícola mais recente a remoção plena de plantas nativas com grande potencial de regeneração é
bastante dificultada, resultando num processo de manejo profundo do solo, mais intenso e contribuindo para a menor adoção do plantio direto. »» CIDADES E DESIGUALDADE: Diferentemente do que se vê no Mato Grosso, nos municípios com grandes áreas de lavoura não se observou cidades verdadeiramente estruturadas. Pelos relatos, houve melhorias quanto ao acesso por rodovias e diversificação do comércio, mas as cidades apresentam serviços públicos muito deficientes, problemas com saneamento e um aspecto de abandono em muitas áreas. O IDH (índice de desenvolvimento humano) parece ter melhorado consideravelmente, mas o coeficiente de Gini mostra ocorrência de grande desigualdade social.
1 http://www.nature.org/media/brasil/oeste-bahia.pdf 2 Disponível em: http://bit.ly/2fyd9Oa
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»» IRRIGAÇÃO: no oeste baiano é onde mais se concentram as fazendas com sistemas de irrigação, numa área possivelmente superior a 140 mil ha, havendo planos de expansão para mais 500 mil ha no Matopiba. O método de irrigação mais utilizado é com uso de pivô central. Há dúvidas quanto ao impacto da irrigação, tanto sobre a água superficial nos rios e riachos, como nos aquíferos. Em 2016, em função da forte redução de vazão nos rios, foi acordada uma maior racionalização ou mesmo a descontinuidade do uso dos pivôs durante o período mais seco. Há projetos de expansão do uso de pivôs, mas as informações sobre potenciais impactos ambientais são insuficientes. Muitos indicaram urgência de um mecanismo de controle e cobrança pelo uso da água, com intuito de evitar o mau uso e o desperdício. Em muitos casos, os sistemas de irrigação só não se expandiram ainda pela precariedade da infraestrutura de distribuição da energia elétrica. Uma pesquisa da Embrapa2 identificou 1.401 pivôs centrais, ocupando uma área irrigada de 138.087,91 ha. Quase 90% dos pivôs concentravam-se no oeste baiano, na Bacia do Rio São Francisco, principalmente nos municípios de Barreiras (338 pivôs, 34.714,68 ha irrigados), São Desidério (321 pivôs, 33.488,18 ha irrigados) e Luis Eduardo Magalhães (167 pivôs, 14.955,29 ha). Os municípios
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»» ASPECTOS CLIMÁTICOS: com uma precipitação entre 800 e 1750 mm anuais e concentração de chuvas em determinados períodos do ano, há uma limitação natural da produção, sendo raros os anos em que é possível cultivar a chamada safrinha. Segundo relatado, a região tem uma dinâmica de 3-4 anos consecutivos de seca, seguidos por 6-8 anos de chuvas. Estaríamos exatamente no quarto ano de seca e a expectativa é de boas safras a partir de 2017. Isso implica em nova capitalização dos produtores e, com o sucesso produtivo, a retomada da atenção por investidores internacionais na região, podendo trazer como consequência um ímpeto expansivo revigorado e o agravamento do desmatamento. Há um estudo da TNC 1 que analisou medição de um período de 30 anos de estações fluviométricas do Oeste da Bahia. Ele constatou tendência generalizada de diminuição das vazões dos rios e aumento ou diminuição cada vez mais frequente e intenso dos picos de precipitação, o que é preocupante em uma região que depende de um aquífero que necessita de recarga direta da chuva e ainda contribui para a vazão dos rios. Estas áreas de recarga são exatamente as áreas mais desejadas pelo agronegócio, planaltos em que a adoção de boas práticas agrícolas deveriam ser a regra e não a exceção.
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com maior número de pivôs nos outros estados foram: Balsas-MA (36 pivôs, 2.148,08 ha irrigados), Pedro Afonso-TO (31 pivôs, 4.088,87 ha irrigados) e Guadalupe-PI (7 pivôs, 421,26 ha irrigados). Mais da metade dos pivôs apresentou tamanhos entre 96 e 115 ha.
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»» PLANTIO DIRETO: ao contrário de outras regiões do Brasil, o plantio direto não é a prática predominante no Matopiba. Segundo a Fundação Bahia (instituto de pesquisa vinculado ao agronegócio), apenas 5 a 7% dos plantios no Matopiba adotam a prática de produção e conservação do solo. Isso se deve a alguns fatores, tais quais: (i) dificuldade de formação de palhada sobre o solo pela reduzida janela de precipitação, concentrando a chuva no período de produção; (ii) o temor dos sojicultores com o fogo, quando o fogo em áreas adjacentes às lavouras alcançar a palhada é extremamente difícil, existe porque é caro e perigoso contê-lo, já que a palhada é um verdadeiro material comburente; (iii) ausência de variedades de milho ou milheto mais adaptadas ao estresse hídrico típico da região; (iv) falta de conhecimento e receio do uso de gramíneas, como a braquiária, por dificuldades no manejo e riscos de perder o controle. »» CURVAS DE NÍVEL E MANEJO PROFUNDO DO SOLO: ainda é pouco disseminada no Matopiba essa prática de elevada importância na contenção da erosão superficial e na manutenção da capacidade produtiva dos solos, especialmente em grandes áreas contínuas de produção. Alega-se que em boa parte dos casos as chapadas ou mesas são áreas bastante planas, entretanto, pesquisas mostram que pode ser significativa a perda de solos por efeito das águas das chuvas (especialmente nas torrenciais), mesmo em declividade
suave. Adicionalmente, não é realizado um adequado manejo do perfil do solo para aumentar a disponibilidade de nutrientes em profundidade e a capacidade de infiltração de água oriunda da chuva. Ou seja, reduz a capacidade do sistema produtivo em minimizar os danos advindos de eventos climáticos extremos de seca ou de chuvas torrenciais. »» CERTIFICAÇÃO DA PRODUÇÃO: a certificação é algo ainda muito incipiente na região, mas com grande potencial de expansão. O principal elemento complicador à expansão é o critério de restrição de conversão de vegetação nativa estabelecido pelos sistemas de certificação. Entretanto, pode ser uma boa forma de garantir a adoção das melhores práticas e de comunicar ao mercado mais exigente sobre o compromisso com uma produção responsável e com a eliminação do desmatamento e conversão do Cerrado. Uma das instituições que lideram na região o processo de ampliação do número de fazendas certificas com o selo RTRS (Round Table on Sustainable Soy) é a Fundação de Apoio à Pesquisa do Corredor de Exportação Norte – Fapcem, baseada em Balsas-MA. »» AVANÇO DA INFRAESTRUTURA: de forma geral, as estradas da região encontram-se em bom estado de conservação, em especial, nos eixos rodoviários principais. Está em conclusão uma ferrovia que corta a região produtora e a liga a portos no nordeste (segundo relatos faltariam para sua conclusão entre 20 e 30% das obras). Uma rodovia também está sendo pavimentada no estado do Piauí, cortando 340 km da área de maior relevância produtiva – batizada como Transcerrado. Há ainda outras obras de infraestrutura em planejamento ou já em estágio de construção.
COMUNIDADES LOCAIS
»» LOCALIZAÇÃO DAS COMUNIDADES LOCAIS: ocupam principalmente os chamados “baixões”, vales posicionados na porção mais baixa do relevo entre platôs, mesas ou chapadas. Essa preferência de ocupação se dá principalmente pela proximidade do recurso hídrico, escasso nos platôs, e da ocorrência de algumas espécies de uso extrativista, como o buriti (Mauritia flexuosa). Em muitos casos, quem possui o título das terras é um latifundiário, que estabelece os baixões como áreas de Reserva Legal ou Áreas de Preservação Permanente – APP de sua propriedade, mas permite que as comunidades sigam vivendo ali. Há casos, inclusive, de formalização desta situação, com assinatura de termos de ocupação da terra entre as comunidades e o proprietário. Por outro lado,
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»» FINANCIAMENTO: ainda que as taxas de juros de tradings sejam menos favoráveis que a de bancos públicos, a participação das tradings no financiamento produtivo teve alto nível de importância em 2016, devido à dificuldade de acesso ao crédito do Plano Safra e a descapitalização do produtor por anos seguidos de seca. Há inclusive produtores que tomaram créditos exclusivamente com tradings em 2016.
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»» MERCADO REGIONAL: há uma forte indústria granjeira instalada na região nordeste, que segundo estimativas dos próprios produtores, nos estados do Piauí e Maranhão, deve comprar entre 20 e 30% da produção de soja, e mais de 50% do milho e milheto – podendo chegar a 100% em algumas regiões. Diferentes mercados ampliam as possibilidades de negociação e trazem maior segurança ao produtor.
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podem ocorrer problemas mais graves, normalmente, quando a fazenda é vendida e os novos proprietários exigem a saída dos comunitários. Além disso, áreas nos baixões também são compradas por latifundiários para compensar seus passivos de Reserva Legal no alto das chapadas, que são áreas aptas e mecanizáveis a agricultura. Esse processo pode gerar deslocamento e êxodo de comunidades rurais e tradicionais.
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»» BAIXÕES COMEÇAM A ATRAIR INVESTIDORES: os baixões não chamaram muito a atenção até então devido ao relevo acidentado e ao impedimento à mecanização de áreas mais extensas. No entanto, com o avanço da irrigação, áreas menores, mas com abundância de água, passam a ser também atrativas. A irrigação potencializa resultados e traz a tranquilidade de uma produção estável, independente da precipitação. A expedição verificou casos de avanço de lavouras para os baixões, o que pode implicar em riscos de conflitos fundiários com as comunidades locais.
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»» FOGO: problema grave na região, com efeitos especialmente devastadores no ano de 2016, com recordes em focos de calor detectados por órgãos oficiais nos estados do Maranhão e Piauí. O fogo é parte das práticas tradicionais de “limpeza de área” para rebrotes e engorda de gado. É também utilizado por caçadores, que definem um determinado perímetro de caça e colocam fogo em um dos lados, se posicionando no lado oposto à espera da fuga dos animais ou ainda encurralando os animais em barreiras naturais. Ocorre também o fogo criminoso provocado por ex-trabalhadores ou moradores locais insatisfeitos com uma dada fazenda. Em todos os casos, os potenciais efeitos desastrosos são consideráveis, especialmente, pela preferência ao uso do fogo no final do período seco. Perde-se o controle e o vento ou os tão comuns turbilhões de ventos (pequenos ciclones) lançam fagulhas a muitos metros de distância do foco ou das frentes de fogo. Quando alcançam a palhada das fazendas, ganham ainda mais foça e o controle demanda uso de tratores e equipes preparadas – mas muitas vezes não é suficiente. Como foi relatado, o fogo “pula”. É preciso iniciativa urgente por parte do governo e da sociedade no sentido de educar e oferecer alternativas à população rural para a eliminação do uso do fogo, assim como ampliar a fiscalização e a penalização a infratores. »» RELAÇÕES POSITIVAS ENTRE COMUNIDADES E PRODUTORES DE GRÃOS: ainda que não sejam muitos, nos postos de trabalho em fazendas de soja, comumente, é dada prioridade à contratação de mão-de-obra local, principalmente para os trabalhos que exigem menor qualificação, o que gera emprego e renda. Alguns fazendeiros utilizam seus tratores para manter transitáveis as vias que são utilizadas por comunidades, facilitando o deslocamento. Há casos de fazendas que apoiam comunidades com a construção de escolas, creches e outras benfeitorias. Outra situação é o acesso às fazendas para as populações dos baixões, para a coleta de restos de cultivo de milho visando a alimentação animal. »» IMPACTOS NOS MEIOS DE VIDA: os Cerrados das chapadas ou mesas normalmente não são áreas onde as comunidades se estabelecem, mas são fundamentais à prática tradicional de criar o gado de forma extensiva em meio à própria vegetação nativa. Com o desmatamento das chapadas há também a redução da área de vida das espécies silvestres, o que traz implicações negativas à caça tradicional, que consiste em importante fonte de proteína animal para algumas comunidades.
»» ÁGUA: comunidades e organizações relataram a diminuição de vazão dos rios em função do desmatamento do Cerrado das chapadas, compactação dos solos das lavouras, assim como por conta da expansão da irrigação por pivôs. Foram relatados também casos de cercamento, impedindo o acesso de comunidades à água em algumas fazendas. Outro problema está associado com a diminuição do pescado por conta da construção de barragens e de uma potencial contaminação por agroquímicos. »» APLICAÇÃO DE AGROQUÍMICOS: foi relatada a mudança das características organolépticas (cheiro, sabor, aparência etc.) das águas de rios e riachos no período de uso de agroquímicos. Morte de animais, ressecamento de plantios e efeitos sobre a saúde foram relatados, como: diarreia, náusea, dor de cabeça, coceira e mal estar generalizado. Foi dito que, quando do uso de aviões para a aplicação destes produtos, caso a comunidade esteja próxima à lavoura, é quase impossível impedir a deriva dos produtos, alcançando as comunidades. Para as comunidades que adotam a produção agroecológica ou orgânica, a certificação produtiva fica impossibilitada. Quanto à eventual contaminação da água por agroquímicos, não foi oferecida comprovação via análise laboratorial da água. Por sua vez, no estado da Bahia, a Aiba mantém um programa de acompanhamento da qualidade das águas dos rios, e informa que não identificou problemas de contaminação até então.
URGENTE NECESSIDADE DE FORTALECIMENTO DA GOVERNANÇA
Vários atores ressaltaram a importância de ações multi-stakeholder na região, no sentido de evitar que as minorias sejam prejudicadas pela pujança do agronegócio e os interesses econômicos que se formam ao redor. Muitas vezes as prioridades que se estabelecem são aquelas definidas pelo próprio setor produtivo, não contemplando adequadamente ques-
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»» CASO DE AGRESSÃO FÍSICA E TENTATIVA DE EXPULSÃO: apenas um caso concreto de violência na disputa pela terra foi identificado durante a expedição, no município de Bom Jesus-PI. Segundo os relatos, uma pessoa comprou um título de terra que incluía área ocupada por comunidades locais. Esse comprador contratou jagunços que ameaçaram os moradores locais e chegaram a derrubar casas com tratores para forçar a saída. Ao final, o processo foi judicializado e a posse da área ficou com as comunidades, sendo criado um Projeto de Assentamento. Quanto ao crime praticado pelas ameaças e uso da força, os informantes dizem que os altos processo simplesmente desapareceram do fórum da cidade.
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»» CERCEAMENTO DA EDUCAÇÃO E ÊXODO RURAL: no estado do Piauí, foi levantada a suspeita, por grupos entrevistados, de que o fechamento massivo de escolas rurais nos últimos anos poderia ter relação com o interesse do agronegócio ou da especulação fundiária. Segundo relatado, ao fechar a escola da comunidade, a família se vê obrigada a se deslocar para a cidade, para garantir a educação dos filhos e o acesso a programas sociais, como o Bolsa Família, o que caracteriza um processo de êxodo rural que pode culminar na favelização das cidades. Comunidades esvaziadas facilitariam a ocupação via grilagem ou por imposição dos títulos de terra e apropriação da área.
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tões sociais e ambientais. Foi relatada a força e a exacerbação do interesse corporativista do agronegócio por parte das principais instituições e atores de atuação local, sejam eles públicos ou privados. Em algumas regiões, a imprensa também teria uma atuação deficiente, com certa tendenciosidade em prol das forças econômicas predominantes, sem dar cobertura adequada a casos de limitação de direitos sociais e aos crimes ambientais. É urgente a necessidade de fortalecer o diálogo entre os atores locais, assim como as instituições, de forma a garantir que os benefícios com o desenvolvimento econômico da região favoreçam de forma ampla à sociedade local e assegurem a conservação dos recursos naturais. Em debate recente promovido pelo Grupo de Trabalho da Soja - GTS (em outubro de 2016), o Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, falou da necessidade de desenvolver uma Moratória da Soja para o Cerrado. No mesmo evento, manifestações no mesmo sentido vieram da sociedade civil, de institutos de pesquisa e do Consumer Goods Forum – CGF. Dessa maneira, atores relevantes começam a ter o entendimento de que numa situação de governança tão deficiente, riscos sociais, plena expansão do agronegócio e desmatamento em taxas alarmantes, uma potencial moratória deveria ser considerada, pelo menos até que haja evolução do panorama atual.
3 | CONTEXTO GERAL E OBJETIVOS De acordo com estimativas da Agrosatélite (2015), 2.05 milhões de hectares de vegetação nativa foram convertidos diretamente em plantações de agricultura anual (soja, milho e algodão) no bioma Cerrado nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (MATOPIBA), entre 2000 e 2014. Adicionalmente, em uma amostragem que identificou 58,4% de toda a área de agricultura anual no MATOPIBA na safra 2013/2014 em perímetros de propriedades (soja representa cerca de 95%), 97% de toda a área desmatada após julho de 2008 e que se tornou agricultura anual, ocorreu em propriedades que tinham excedentes de reserva legal, isto é, desmataram de maneira legalizável para plantar, predominantemente, soja (IPAM, 2015). Em termos de número de propriedades, 81% da amostra tinham excedentes de reserva legal e efetuaram essa conversão pós-julho de 2008 diretamente para soja (IPAM, 2015). Além disso, ainda há cerca de 5,4 milhões de ha de áreas com remanescentes de vegetação natural altamente aptas para agricultura e sem restrições de altitude e declividade no MATOPIBA, ou seja, áreas com alto potencial de conversão para soja. Por outro lado, também existem 2,8 milhões de hectares de áreas já desmatadas e com alta aptidão agrícola e sem restrições, que poderiam servir para a expansão da agricultura (Agrosatélite, 2015).
II. Quase a totalidade dessa conversão é legalizável, III. Há 5,4 milhões de hectares de vegetação nativa que muito provavelmente serão desmatados nos próximos anos, emitindo uma quantidade inestimada de dióxido de carbono à atmosfera, prejudicando a biodiversidade, a ciclagem de água e nutrientes, entre outros serviços ambientais, caso nenhum mecanismo de prevenção seja implementado, e IV. Há enorme potencial inexplorado de orientar a expansão da agricultura para áreas já abertas e subutilizadas no MATOPIBA, pois há pelo menos 2,8 milhões de hectares altamente aptos e já abertos. Portanto, um mecanismo de proteção do Cerrado e de ordenamento da expansão da agricultura, principalmente na região do MATOPIBA, é fundamental.
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I. Há um processo em larga escala de conversão direta de Cerrado nativo para soja na região do MATOPIBA, o que já não ocorre na Amazônia por conta da moratória,
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Esses dados mostram, preliminarmente, que:
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Com base nessas estimativas espaciais e quantitativas preliminares, surgiu a necessidade de explorar em campo esses e outros dados, antes de avançar no desenho desse mecanismo de proteção. Por isso, o IPAM propôs aos parceiros da sociedade civil do Grupo de Trabalho da Soja (GTS) a realização de uma expedição de levantamento multidimensional de dados na região de fronteira dessa expansão. O objetivo foi qualificar a compreensão do processo de expansão de culturas anuais, principalmente a soja, sobre grandes remanescentes de vegetação nativa na região do MATOPIBA. Nesse sentido, buscou-se confirmar ou rejeitar as tendências indicadas em estudos espaciais anteriores e aprofundar o conhecimento sobre a natureza, os vetores e a lógica do avanço do desmatamento nesta região, assim como os fundamentos e configurações sócio-econômico-políticos em algumas localidades representativas.
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4 | A EXPEDIÇÃO Entre os dias 19 e 30 de Setembro de 2016, representantes do IPAM e de organizações da sociedade civil participantes do GTS, WWF-Brasil, EII, Imaflora e TNC, percorreram cerca de dois mil quilômetros entre Barreiras-BA e Imperatriz-MA, como mostra o mapa na Figura 1. Os municípios visitados foram Barreiras-BA, Luís Eduardo Magalhães-BA, São Desidério-BA, Bom Jesus-PI, Uruçuí-PI, Balsas-MA, Carolina-MA e Augustinópolis-TO, terminando em Imperatriz-MA, onde apenas pegaram o voo de volta. Esses municípios são significativos para a coleta de dados pois exemplificam a área de expansão da fronteira agrícola na região do MATOPIBA (ver Tabelas 1, 2, 3 e 4). Além disso, descrevem um percurso viável e coerente do ponto-de-vista logístico. Em cada localidade, as informações foram coletadas por meio de:
FIGURA 1 | ROTA DA EXPEDIÇÃO MATOPIBA
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II. Encontros, coleta de depoimentos registrados em vídeo, e entrevistas não estruturadas com atores representativos dos seguintes setores: produtores rurais, agricultores familiares e assentados, organizações de movimentos sociais, organizações sindicais patronais e de trabalhadores e trabalhadoras rurais, fundações e instituições de pesquisa agronômica, associações voluntárias, organizações da sociedade civil com atuação local, profissionais e consultores agrônomos, academia, bancos, além das secretarias municipal e estadual de meio ambiente.
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I. Visitas a fazendas de agricultura anual, assentamentos rurais, uma reserva extrativista, e unidades de conservação estadual e municipal;
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5 | QUESTÕES NORTEADORAS DA EXPEDIÇÃO Inspiradas no método de entrevistas não estruturadas, que permite maior flexibilidade e liberdade ao entrevistado (Patton, 2002; Silverman, 2010), as seguintes questões serviram como orientação interna do grupo para abordar cada ator entrevistado: »» Histórico da chegada da soja na região? »» Os desmatamentos realizados após julho de 2008 são licenciados pelo órgão ambiental estadual? Se sim, há dados disponíveis sobre esses licenciamentos? »» Qual o nível (número/quantidade) de propriedades rurais cadastradas no CAR no município? »» O estado já possui PRA regulamentado? Se sim, já está em implementação? Se não, qual é a expectativa de prazo para essa regulamentação? »» Qual a relação prática entre programas privados de certificação, e.g., RTRS e estímulo à regularização ambiental e cumprimento do código florestal?
»» Qual é o valor da terra na região? »» Qual é a infraestrutura da região para escoar e armazenar a produção? »» Qual é o raio economicamente viável para plantio, considerando a distância entre área de produção e silos? »» Existe alguma política municipal de controle do desmatamento ou de produção sustentável?
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»» Como operam os financiadores e compradores da produção na região? Existe alguma verificação sobre desmatamento ou sobre cumprimento do CF? O que eles demandam ao financiar ou comprar do produtor?
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»» Quem são os compradores e financiadores da produção na região?
»» Quais são os fatores estruturais que orientam e suportam a expansão da agricultura? Quem fornece estas estruturas básicas essenciais?
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»» Onde estão localizadas as novas frentes de instalação da agricultura no Matopiba e qual a dinâmica de mudança do uso do solo? »» Por que a certificação não ganha escala no MATOPIBA? »» Quantos hectares há de segunda safra na região? »» Como criar uma solução comum para todos os atores: produtores pequenos e médios, produtores grandes, empresas produtoras, empresas compradoras, comunidades tradicionais e conservação? »» Como engajar outros produtores, além dos certificados pela RTRS, na conversão zero do Cerrado? »» Questões climáticas: como está o regime de chuvas? »» Como comunidades tradicionais estão sendo afetadas pela expansão da soja? »» Há trabalho escravo na região? »» Por que no TO a expansão predomina sobre pastagem e no MAPIBA não?
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FOTO: FORESTCOM/ IPAM.
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6 | LOCALIDADES E ATORES: DADOS GERAIS 6.1 | BARREIRAS-BA CONTEXTO Barreiras-BA é um polo consolidado da produção agrícola no oeste da Bahia. Na safra 2013/2014, foram plantados 153 mil ha de soja, 16,1 mil ha de algodão e 29,4 mil ha de milho (Agrosatélite, 2015). A quantidade produzida foi de 353.6 mil toneladas de soja, 80.3 de algodão e 381.7 de milho 2014 (IBGE, 2016), indicando uma produtividade média de 2.3 ton/ha de soja, 5 ton/ha de algodão e quase 13 ton/ha de milho (Tabela 1).
Observamos uma cidade economicamente pujante, com comércio diversificado, setor de serviços desenvolvido, e infraestrutura de suporte à produção agrícola. Apesar da estrutura agroindustrial e comercial da região oeste da Bahia, com polos em Barreiras e em Luís Eduardo Magalhães, as últimas três safras foram muito críticas devido à escassez de chuva, o que resultou em muitos produtores endividados e sem acesso a crédito.
ATORES PRODUTORES RURAIS – AIBA E SPRB
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Entre 2007 e 2014, foram desmatados mais de 85 mil hectares (LAPIG/UFG, 2016). Desses, quase 26 mil hectares (31,7%) viraram soja, milho ou algodão diretamente (Tabela 3). Por outro lado, 22,2 mil ha de soja entraram sobre pastagens e outros usos do solo no mesmo período (Tabela 3).
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Além disso, ainda existem 291.6 mil hectares de vegetação nativa remanescente em Barreiras-BA. Desses, 127.2 mil hectares (43,6%) são altamente aptos e não possuem restrições de altitude e declividade para agricultura; portanto, possuem grande possibilidade de conversão no curto e médio prazos. Por outro lado, existem 98.3 mil ha de áreas abertas, com alta aptidão e sem restrições, para onde a agricultura poderia se expandir sem remoção de vegetação nativa (Tabela 2).
No primeiro dia, 19/9/2016, houve um encontro com a diretora de meio ambiente da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (AIBA) e com o presidente do Sindicato de Produtores Rurais de Barreiras-BA (SPRB), que é produtor de soja, milho e algodão de segunda geração, com uma visão mais empresarial da atividade.
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Na área ambiental, a AIBA tem um papel de agir preventivamente junto aos produtores associados para evitar multas e embargos, e de orientar sobre a regularização ambiental. Eles nos explicaram um pouco sobre a implementação do Código Florestal no oeste da Bahia, suas particularidades, as visões dos produtores, a percepção do impacto climático, as projeções de expansão, a infraestrutura e sobre os principais desafios à produção. As seguintes frases resumem visões e informações coletadas pelo grupo da expedição junto aos dois atores (AIBA e SPRB)3: »» Há oito tradings atuantes no oeste da Bahia que já não compram de quem não tem o CEFIR (CAR da Bahia), e bancos já não financiam produção sem CEFIR; »» O principal desafio da região oeste da Bahia com relação ao Código Florestal é recuperar APPs degradadas, que na maioria dos casos são ocupadas por ribeirinhos ou chácaras de lazer; »» Para Reserva Legal (RL) degradada, AIBA recomenda fazer compensação, embora muitos produtores da região venham optando por realocação; »» O próprio sistema do CEFIR, que é independente e anterior ao SICAR, não permite compensação de RL em outro município, segundo relatos. »» 90% das propriedades rurais tem CEFIR, grande maioria composta por produtores grandes e médios.
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»» Alguns municípios da Bahia, como Barreiras e Luís Eduardo Magalhães, são autorizados pelo órgão estadual a licenciar supressões de vegetação natural em até mil hectares. Áreas maiores do que isso, só o órgão estadual pode licenciar. Nem todos os municípios possuem essa autorização. Trata-se de uma descentralização circunstancial que pode ser revertida com recentralização no estado; »» A expansão da produção agrícola tem sido bastante reduzida nos últimos cinco anos, embora haja tendência de aumento este ano, com a normalização do regime de precipitação. As principais razões são: preço baixo do algodão, dificuldade de acesso ao crédito e escassez de chuva associada ao padrão de seca repetido nos últimos cinco anos. Apesar disso, acreditam que a seca é conjuntural, um efeito do el niño, e que a tendência é de normalização na próxima safra; »» As secas sucessivas dos últimos cinco anos estão desanimando a expansão agrícola na região, embora ainda haja muitas áreas aptas com vegetação natural. Entretanto, a visão de médio e longo prazo é expandir as atividades – basta haver um ano com chuva normal que recupere a produção;
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As seguintes frases resumem visões e informações coletadas pelo grupo da expedição junto aos dois atores, podendo haver comentários do relator em destaque. Essa estrutura se repete ao longo deste relatório para reproduzir as visões, percepções e opiniões dos atores abordados.
»» Nos últimos anos não houve expansão de infraestruturas produtivas, concentrando investimentos em manutenção das existentes, embora haja previsão de novas expansões no futuro; »» Apesar de o volume de crédito disponível ainda ser alto, os bancos têm dificultado a concessão. Além disso, há muitos produtores com alto nível de endividamento junto às tradings devido aos cincos anos seguidos de baixa produtividade. Os bancos estariam mais criteriosos na concessão, mais avessos ao risco; »» Produtor não tem acesso ao crédito sem o CEFIR ou o Termo de Compromisso de adequação ambiental assumido no ato do cadastro CEFIR; »» Não há operação direta de tradings chinesas na região oeste da Bahia; »» Há pouco acesso ao Programa ABC, mas a maioria dos produtores faz plantio direto na palha na região porque é mais barato; »» O grande gargalo de infraestrutura na região é a geração de energia. Alguns armazéns funcionam com gerador próprio; »» A certificação tem avançado bastante na região (verificar número de propriedades e área total certificada tanto no oeste da Bahia como no MATOPIBA como um todo); »» Abapa (Algodão) e Aiba fomentam todas as ações ambientais na região; »» Valor da terra – 1 a 4 mil/ha em vegetação nativa e 15 mil/ha em área produtiva;
Em seguida, no mesmo dia, tivemos um encontro com o diretor e uma assistente da ONG 10envolvimento, que é ligada à igreja católica e apoia movimentos sociais do campesinato, agricultura familiar e populações tradicionais. A 10envolvimento atua com foco em regularização fundiária e garantia de direitos. Segundo eles: »» Há povos e comunidades tradicionais ocupando APPs e Reservas Legais de grandes fazendas. Com o aumento da pressão para a implementação do Código Florestal, esses proprietários passaram a pressionar essas comunidades a sair porque eles caçam, pescam e queimam o Cerrado nativo para sua produção pecuária extensiva em campos naturais, a chamada “solta”. Com a venda dessas fazendas, os novos proprietários exigem a saída dessas comunidades e contratam jagunços para executar essas ordens com violência; »» As populações que tradicionalmente ocupavam a chapada são denominadas “geraizeiros” e são tipicamente assemelhadas às populações de “fundo de pasto”, recorrentes no nordeste;
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ONG - 10ENVOLVIMENTO
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»» Citação do produtor: “Não sabemos até onde podemos ir. Parar tudo não dá, mas queremos saber aonde ir e aonde não ir”.
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»» O primeiro grande ciclo econômico do oeste baiano foi a borracha da mangaba, substituído a partir dos anos 1990 pela soja; »» Os típicos problemas fundiários, com grilagem e ocupação irregular de terras, assim como trabalho escravo em fazendas de algodão, milho e carvoarias, se repetem na região. Houve o famoso caso do Grupo Estrondo. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) mantém registro e faz identificação e fiscalização desses casos; »» É preciso cobrar do Estado os Laudos Discriminatórios que tragam a cadeia condominial da terra; »» A questão hídrica é outro grande problema da região. Há denúncia de contaminação de comunidades ribeirinhas por agrotóxicos que chegaram aos rios. A UFOB (Universidade Federal do Oeste Baiano) teria feito análises da água e comprovado. O principal meio de aplicação é aéreo e, apesar de não haver controle sistemático do órgão ambiental estadual, há alguns produtores melhorando métodos e diminuindo aplicações; »» A municipalização do controle ambiental, que está avançando ainda caso a caso na Bahia, é vista com ceticismo pela 10envolvimento. Os municípios não teriam capacidade ou não teriam interesse real em fazer controle ambiental para o interesse público; »» Frase do diretor da 10envolvimento: “Quem faz política ambiental, propõe, cria, inova, etc., é a AIBA”;
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»» A decepção dos produtores com a falta de chuva dos últimos cinco anos é notável e a principal barreira para expandir a irrigação é a falta de energia;
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»» O ZEE (zoneamento econômico-ecológico) da Bahia não é ecológico de fato. Ele tem um propósito mais de indicar vocações produtivas e direcionar uso do solo do que identificar corredores ecológicos ou áreas especiais para conservação; »» A resistência dos movimentos sociais no oeste da Bahia ao Plano MATOPIBA é pouco organizada, diferentemente do Tocantins.
ACADEMIA - SEMINÁRIO UNEB No dia seguinte, 20/9/2016, participamos de um seminário na Universidade Estadual da Bahia (UNEB), no campus de Barreiras, sobre o Plano MATOPIBA. O professor que fez a palestra de abertura buscou expor e analisar os discursos que são formulados para legitimar o plano e a ocupação produtiva do território. Segundo ele: »» O principal discurso é o da inteligência territorial, concebido e adaptado no Brasil principalmente pela Embrapa. Entretanto, há uma aplicação parcial deste conceito na elaboração do plano MATOPIBA porque desconsidera o fato de que o território é historicamente definido e desconsidera aspectos sociais mais amplos. Em outras palavras, é um plano criado por decreto, voltado apenas à construção de infraestrutura para escoar a produção de uma planta exótica em termos biológicos e sociais.
»» A segunda palestra, apresentada pelo mesmo diretor da 10envolvimento, entrevistado no dia anterior, apresentou uma visão crítica, buscando desmistificar alguns argumentos favoráveis à expansão do agronegócio. Segundo o palestrante: »» A necessidade de aumentar produção de alimentos é um mito, já que a real necessidade da população seria diversificar e localizar a produção, em vez de favorecer o modelo agroexportador; »» Outro mito seria de que a chegada da soja traz desenvolvimento socioeconômico. Um exemplo é o município de São Desidério-BA, que figura entre os 20% dos municípios com maior PIB per capita no Brasil e é o terceiro PIB per capita na Bahia (R$ 34 mil em 2009). No entanto, mais de 50% de sua população (13,5 mil de 25 mil) é beneficiária do Programa Bolsa Família. Além disso, com a chegada da soja, observou-se grande êxodo rural, concentração fundiária e favelização em São Desidério. Grupos empresariais do agronegócio teriam se expandido e consolidado por meio de grilagem de terras e expulsão violenta de posseiros. »» Dimensão Socioeconômica: 0,2% de estabelecimentos rurais de grande porte, 5% da classe média rural e o resto são formado por pequenos produtores;
CONTEXTO Luís Eduardo Magalhães é outro polo da produção agroindustrial no oeste da Bahia. Sua produção agrícola na safra de 2013/2014 foi de 68,7 mil toneladas de algodão em 10,2 mil ha plantados, com produtividade média de 6,75 ton/ha; 259,1 mil toneladas de milho em 20,4 mil ha de área plantada, com produtividade média de 12,64 ton/ha; e 431,7 mil toneladas de soja em 153,2 mil ha plantados, com produtividade média de 2,82 ton/ha (Agrosatélite, 2015; IBGE, 2016; Tabela 1). A vegetação nativa remanescente em Luís Eduardo Magalhães é de 116,1 mil ha. Desse total, 52.8 mil ha são de alta aptidão e não possuem restrições de altitude e declividade para a produção agrícola, representando grande possibilidade de conversão no curto e médio prazos. Ao mesmo tempo, existem 68.3 mil ha de áreas já abertas de alta aptidão agrícola e sem restrições, que podem ser usadas para a expansão da produção sem gerar remoção de vegetação nativa (Tabela 2).
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6.2 | LUÍS EDUARDO MAGALHÃES-BA
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»» Um estudante que é morador de comunidade quilombola questionou sobre como povos tradicionais são representados e têm seus interesses defendidos nesse processo, e como minimizar os impactos sobre essas comunidades. As respostas dos palestrantes indicaram que esses grupos são os mais impactados de fato, e que é preciso ter articulação dos movimentos sociais, a exemplo do que a APA-TO (Alternativas para os Pequenos Agricultores do Tocantins) tem feito na região do Bico do Papagaio, no Tocantins. Outra fonte de resistência seriam os próprios consumidores finais da produção agropecuária, que têm se tornado cada vez mais conscientes e sensíveis a essas questões.
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Entre 2007 e 2015 foram desmatados mais de 36 mil hectares no município, que apresenta abertura mais antiga. Desses, pouco mais de 30 mil hectares (83,3%) se tornaram agricultura anual diretamente. Por outro lado, pouco mais de 24 mil hectares de agricultura anual entraram sobre pastagens e outros usos do solo no mesmo período (Agrosatélite, 2016, Tabela 3). A cidade aparenta grande desenvolvimento econômico, com comércio e setor de serviços desenvolvidos. Dados da TNC em parceria com a BUNGE e a prefeitura de LEM:
77% das propriedades do município já estão inseridas no CEFIR. Os dados de uso do solo estão disponíveis mediante cadastro em: http://luiseduardomagalhaes.
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cargeo.com.br
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ATORES INSTITUTO DE PESQUISA E CONSULTORIA AGRONÔMICA - INSTITUTO PAS Ainda no dia 20/9/2016, fomos a Luís Eduardo Magalhães e encontramos com o diretor do Instituto PAS (Programa Agricultura Sustentável). Trata-se de um consultor agronômico, com personalidade marcante, bem informado, pequeno produtor de gado no sistema de Pastoreio Racional Voisin - PRV. Ele já teve algumas experiências com produção própria de soja, mas hoje atua como consultor e como diretor deste instituto voltado à pesquisa agrícola e ambiental. O Instituto PAS busca reforçar a “necessidade de produzir junto com a possibilidade de conservar”. Sua principal preocupação atual é com a infiltração de água no solo. Segundo ele: »» Há, de fato, propriedades agrícolas sem respeitar limites de Reserva Legal e APP na região; »» As precipitações mudaram muito de 1982 até hoje. Houve grande chuva em 1982 e não houve alagamento na área urbana, pois havia apenas 400 mil hectares plantados neste ano. Hoje há dois milhões de hectares plantados na região e com metade do volume dessa chuva de 1982, houve grande alagamento na área urbana. O motivo é a redução na infiltração da água no solo. Por isso, o Instituto PAS está querendo pesquisar as taxas de infiltração nos solos da região; »» Na região oeste da Bahia, a média anual de pluviosidade é 1200 mm. »» De fato, o oeste baiano faz agricultura convencional, o plantio direto não é realidade local;
»» De fato, as crises econômica e climática, que se agravam mutuamente, têm reduzido a expansão agrícola na região. No caso do algodão foi pior, pois com altos estoques do produto no mundo, mesmo a quebra da última safra não foi capaz de aumentar o preço; »» O volume de chuvas tem diminuído, mas pouco. Por outro lado a vazão dos rios tem diminuído mais acentuadamente, o que indicaria queda na infiltração no solo. Outro fator que contribui para isso é a excessiva retirada de água dos rios para irrigação via pivôs. Os aquíferos não estão sendo recarregados e o solo da região está se compactando, perdendo a capacidade de infiltrar e abastecer os aquíferos.
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»» Faltam: (i) lideranças que movam a coletividade em direção à sustentabilidade, (ii) políticas de estado com agenda ambiental mínima, (iii) mais pesquisa agropecuária aplicada aos diferentes contextos regionais;
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»» Os principais problemas do produtor seriam: (i) renda, que não é diversificada e depende muito de haver produção alta, (ii) variação climática, pois a região entrou em ciclo de secas que já dura cinco anos e os veranicos têm se tornado secas, (iii) custo de produção crescente, (iv) sucessivas quebras de produção e endividamento;
»» Concorda que reserva legal de 20% não serve para cumprir as funções ecológicas necessárias. A RL deveria ser de 35 a 40% no mínimo, no Cerrado;
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»» O Brasil se confirma como fornecedor de matéria-prima na economia global; »» Há necessidade de expandir pesquisa local, diminuindo a dependência de tecnologia externa; »» Os produtores hoje são “escravizados” por pacotes tecnológicos de fora; »» O ciclo de cinco anos de seca expôs a vulnerabilidade climática dos produtores, e a vulnerabilidade econômica da região à produção agrícola; »» Há produtores que não conseguiram plantar no ano passado. Houve chuva excessiva em janeiro e passou do ponto. Outros produtores abandonaram a produção, deixaram a terra em pousio. Houve pivôs que não foram acionados. O agricultor perdeu o timing da produção.
INSTITUTO DE PESQUISA – FUNDAÇÃO BAHIA No mesmo dia em Luís Eduardo Magalhães, encontramos com o gerente de pesquisas e outros dois pesquisadores da Fundação Bahia. A fundação surgiu por demanda dos produtores baianos por pesquisa aplicada à região. Enquanto a AIBA é o braço político dos produtores, a Fundação Bahia é o braço científico. Seus principais financiadores são produtores de soja e algodão. É parceira da Embrapa na troca de conhecimento genético de sementes. A Fundação pretende expandir suas pesquisas para todo o MATOPIBA, mas hoje é mais focada no oeste da Bahia. O objetivo é ter sementes geneticamente adaptadas a toda a região. Algumas informações técnicas e projeções interessantes foram repassadas, por meio dos quais foi possível interpretar algumas visões e percepções do setor produtivo do oeste da Bahia. Segundo os pesquisadores:
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»» Atualmente, há cerca de 120 mil hectares irrigados no oeste baiano. O objetivo para os próximos 15 a 20 anos é ter 500 mil hectares irrigados;
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»» O oeste baiano produz 4,3% da soja do Brasil e 27% do algodão, já tendo chegado a 33% em outras safras. A produtividade média atual da soja na região é de 2,1 toneladas por hectare; »» De acordo com o planejamento estratégico para 2034, a meta é ter 10 milhões de hectares de soja plantada no MATOPIBA, hoje são 1,5 milhões. Essa meta foi feita de acordo com a disponibilidade hídrica e de áreas disponíveis para abertura; »» A Embrapa deve lançar em breve um zoneamento agroclimático do MATOPIBA. Ele deverá orientar a oferta de crédito e de seguro agrícola. Os pesquisadores acreditam que esse zoneamento mostrará viabilidade ou não dessas metas; »» A Fundação também se financia por meio de royalties das variedades genéticas desenvolvidas, e investe no desenvolvimento de variedades mais resistentes ao stress hídrico; »» Há muita dificuldade para implantar o sistema de plantio direto (SPD) devido à dificuldade de formar palhada. A falta de chuva impede a safrinha de milho e a formação da palhada. A única forma de fazer SPD seria o produtor abrir mão de lucro no curto prazo e cultivar milho para formar a palhada do próximo cultivo;
»» A agricultura no oeste da Bahia é pacote de tecnologia, métodos de manejo e financiamento para produzir; »» A seca dos últimos cinco anos é conjuntural, efeito do El Niño, a chuva vai normalizar.
PRODUTORES RURAIS – APROSOJA, SPRLEM E PRODUTORES MÉDIOS No dia 22/09/2016, tínhamos agendado encontros com diretores da Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja), do Sindicato de Produtores Rurais de Luís Eduardo Margalhães-BA (SPRLEM), visita a duas propriedades médias de soja, com seus respectivos proprietários, e uma visita ao Parque Fioravante Galvani, que é uma RPPN ligada ao SPRLEM e unidade de experimentos de restauração de APPs. Apesar do agendamento e das conversas com mais de um mês de antecedência, o encontro foi cancelado na véspera, sem motivo claro. Avaliamos que não quiseram receber um grupo de ONGs. Com esse cancelamento inesperado, aproveitamos o dia para circular por algumas estradas secundárias da região, registrar queimadas, plantações e visitamos uma unidade de conservação municipal em São Desidério-BA.
6.3 | SÃO DESIDÉRIO-BA CONTEXTO
Foram desmatados, em São Desidério 141,7 mil ha de Cerrado entre 2007 e 2015 (LAPIG/ UFG, 2016; Tabela 3). Dessa área total desmatada, 110,1 mil ha (78%) foram convertidos para soja. Por outro lado, 52,4 mil ha de área de outros usos, como pastagens, também foram convertidos para soja ou outras culturas anuais (Agrosatélite, 2015; Tabela 3). Apesar dos números impressionantes da produção agrícola de São Desidério, a sede do município aparenta infraestrutura urbana precária, setor comercial e de serviços pouco desenvolvido e diversificado, e desenvolvimento socioeconômico menor do que os outros municípios visitados no oeste da Bahia.
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O município ainda possui 686,1 mil ha de vegetação nativa remanescente. Desse total, 250,7 mil ha (36,5%) são aptos e não possuem restrições de altitude e declividade para a atividade agrícola, representando alta possibilidade de conversão no curto e médio prazos. Por outro lado, existem 108,5 mil ha de áreas abertas com alta aptidão agrícola e sem restrições, que podem ser utilizadas para expandir a produção sem remover vegetação nativa (Agrosatélite, 2015; Tabela 2).
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São Desidério é um município no oeste da Bahia com forte participação no PIB da agropecuária do país, chegando a liderá-lo em 2011. Na safra de 2013/2014, produziu 720,2 mil toneladas de soja em 307,9 mil ha de área plantada, com produtividade média de 2,34 ton/ha; foram 657,3 mil toneladas de milho em 96,6 mil ha, com produtividade média de 6,8 ton/ha; e 462 mil toneladas de algodão em 117,8 mil ha, com produtividade média de quase 4 ton/ha (Agrosatélite, 2015; IBGE, 2016; Tabela 1).
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Dados da TNC em parceria com BUNGE e prefeitura de São Desidério:
73% das propriedades do município já estão inseridas no CEFIR. Nosso sistema identificou 1.350 ha de APPD em uma área de 1.180.911 ha, dado não é definitivo, mas já dá um norte orientador.
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Os dados de uso do solo estão disponíveis mediante cadastro em: http://saodesiderio. cargeo.com.br
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ATORES SECRETARIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE No dia 22/09/2016, encontramos com o secretário de meio ambiente do município de São Desidério-BA. Ele nos explicou um pouco sobre a política de descentralização do controle ambiental implementado no estado da Bahia, falou da implementação do Código Florestal no município, do licenciamento de supressão que é feito pelo município e de suas percepções sobre o clima e a produção. Segundo ele: »» O padrão de chuva é ocorrer entre novembro e fevereiro. Evidência de que o clima está alterado é o fato de que, em um mesmo ano, o município vizinho de Correntina decretou estado de emergência por causa de enchente, enquanto São Desidério o fez por causa da seca;
»» Nos últimos cinco anos, tem ocorrido muita pressão dos produtores médios e grandes para o município decretar estado de emergência por causa da seca, pois é um requisito para que eles acessem o seguro agrícola; »» Há um projeto de usina termoelétrica à base de capim elefante, de madeira de eucalipto e de madeira de desmatamento no Cerrado, com o objetivo de abastecer a expansão da indústria algodoeira e têxtil na região; »» Houve, no passado recente, casos de trabalho escravo no município, e o Ministério do Trabalho reforçou a fiscalização. Ele citou caso do Grupo Estrondo; »» São Desidério perde muita arrecadação para Luís Eduardo Magalhães, pois, apesar de as fazendas estarem em São Desidério, os serviços e empresas se localizam em Luís Eduardo; »» Há usinas solares sendo instaladas na região; »» A infraestrutura de transporte rodoviário é mantida por patrulha mecanizada da AIBA e da ABAPA (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão); »» Até 2013, o licenciamento de atividades de agricultura e pecuária era municipalizado, depois passou ao estado. Para supressão, hoje municípios licenciam até mil hectares a cada dois anos. Acima disso, é o estado;
»» O CEFIR de agricultores de até quatro módulos fiscais é feito pelo estado, enquanto os municípios são responsáveis por fiscalizar o PRA; »» Ele confirmou que os bancos não financiam quem não tem o CEFIR; »» São Desidério já está implantando o PRA e permite a conversão de multas em compra de mourões e arame para cercar as APPs em recuperação. A recuperação ocorre principalmente em APPs. A RL degradada é majoritariamente compensada; »» São Desidério também planeja implantar plantio direto em todas as fazendas do município e fazer curvas de nível integradas na microbacia; »» O município é responsável por vistoriar e aprovar as RLs declaradas no CEFIR e que não são averbadas, já que o estado dispensou a averbação. Por isso, os novos cadastros são feitos sem RL averbada, apenas declarada.
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»» A conversão da vegetação nativa ocorreu do oeste para leste, estando hoje concentrada nas regiões mais próximas ao vale e a sede do município, localidade de menor precipitação nos gerais;
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»» De 2013 para 2016 houve grande número de licenças de supressão vegetal (2015 - 300 processos, 2014 - 350 processos, 2013 – 400 processos);
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»» Ele confirma que ainda tem muita área de Cerrado apta para agricultura no município. Em 2013, mais de 60% ainda era remanescente (confirmado por dados da Agrosatélite); »» A maior parte do desmatamento, de fato, tornou-se soja, principalmente por meio de correntão com trator de esteira, apesar de ser proibido no município. A técnica usada é a queima controlada; »» Citou que a população da “solta”, ou “geraizeiros” fazia a utilização parcial dos gerais, alcançando 30km da margem da chapada para uma região que chega a 100km. »» Uma inovação do município foi criar um mapa com zoneamento de valores de referência para cobrança do ITR. Esse zoneamento gera uma tabela com diferentes valores, onde as áreas mais aptas pagam mais do que as menos aptas; »» As licenças de supressão emitidas pelo município são fiscalizadas pelo próprio secretário por meio de imagens de satélite fornecidas pelo ONPE e dados do projeto Cefir, da TNC com apoio da Bunge. Ele já identificou e autuou casos em que a supressão foi além do permitido, além de identificar supressões não autorizadas.
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6.4 | BOM JESUS-PI CONTEXTO Bom Jesus é um município no sul do Piauí com forte expansão agrícola nos últimos anos. Na safra de 2013/2014, o município produziu 142,1 mil toneladas de soja em 62,7 mil ha de área plantada, com produtividade média de 2,26 ton/ha; foram 42,5 mil toneladas de milho em 5,5 mil ha de área plantada, com produtividade média de 7,74 ton/ha; e praticamente não teve produção de algodão, com área plantada muito inexpressiva (Agrosatélite, 2015; IBGE, 2016; Tabela 1). O município ainda possuía quase 372,1 mil ha de vegetação nativa remanescente em 2015. Desse total, praticamente nenhuma área está na classe de alta aptidão e sem restrições de altitude e declividade para a atividade agrícola. Além disso, também praticamente inexistem áreas abertas com alta aptidão e sem restrições (Agrosatélite, 2015; Tabela 2). Por esses motivos, a expansão agrícola em Bom Jesus não deverá ocorrer ou será de alto risco, com supressões ocorrendo, provavelmente, mais por motivos de especulação fundiária. Entre 2007 e 2015, foram desmatados quase 50 mil hectares em Bom Jesus-PI (LAPIG/ UFG, 2016; Tabela 3). Dessa área total desmatada, 39,3 mil ha (78,6%) foram convertidos para soja ou outros cultivos anuais. Por outro lado, quase 3,8 mil ha de área de outros usos, como pastagens, também foram convertidos para soja ou outras culturas anuais (Agrosatélite, 2015; Tabela 3). O município Bom Jesus apresenta setores comercial e de serviços incipientes, além de infraestrutura urbana precária.
Dia 23/09/2016, tivemos encontro com alguns professores do curso de Educação no Campo da Universidade Federal do Piauí, junto com representantes da CPT (Comissão Pastoral da Terra), do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Bom Jesus (STTRBJ) e moradores do assentamento Rio Preto. Eles nos falaram sobre a situação fundiária da região, o histórico de ocupação, como funcionou a expansão da soja no sul do Piauí e os atuais conflitos entre agronegócio e agricultura familiar, parcialmente solucionados pela criação de dois assentamentos do INCRA. Segundo eles: »» A expansão da soja estimula e aumenta a grilagem de terra, pois faz a terra se valorizar e incentiva que grupos se organizem para grilar terras, expulsar posseiros e ocupantes tradicionais, e vender as terras griladas para os produtores de soja;
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ACADEMIA E MOVIMENTOS SOCIAIS – UFPI, CPT E ASSENTADOS
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ATORES
»» A agricultura familiar ocupa tradicionalmente os baixões e veredas; »» Os grileiros atuaram com muita violência no passado recente, queimando casas e pequenos cultivos, matando animais e envenenando poços, por exemplo;
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»» A perspectiva de compra de terras por estrangeiros é novo impulso à grilagem; »» A agricultura no Piauí é a de mais alto risco, pois chove menos e é mais difícil fazer irrigação. Com isso, muitos produtores dos chapadões começam a procurar terras planas nos baixões, para ter acesso mais fácil à água de rios, como Gurguéia e Uruçuí, para irrigação. Isso impulsiona novo movimento de grilagem de terras nos baixões, frequentemente ocupadas pela agricultura familiar. Além disso, as áreas dos chapadões também já estariam todas ocupadas; »» O rio Gurgéia já está a maior parte do ano seco na nascente e na foz; »» Questão identitária: os povos tradicionais do Piauí não se assumem como quilombolas ou indígenas; »» Tem ocorrido fechamento de escolas rurais e de escolas nos assentamentos. Movimentos sociais denunciam que essa é uma estratégia dos grileiros para expulsar famílias do campo e abrir espaço para soja. Seria uma forma de alegar que as áreas estão abandonadas; »» No século XIX, o sul do Piauí teve seus quilombos destruídos e os povos indígenas foram expulsos para o Maranhão; »» Os compradores de terras são gaúchos, goianos, paulistas e mato-grossenses;
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»» Como é uma região de fronteira, o principal objetivo das empresas que investem em compra de terras na região é a especulação;
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»» O Estado do Piauí, por meio de seu Instituto de Terras (ITERPI), está implementando um programa subsidiado de regularização de terras públicas estaduais. Os proprietários que compraram terras griladas ou vendidas irregularmente podem regularizá-las, ou comprar novas áreas, por 200 reais o hectare. O programa é regulamentado pela Lei estadual 16.230 de outubro de 2015. Os agricultores familiares e os movimentos sociais ficaram revoltados com esta lei, pois significa a regularização de áreas griladas e da especulação fundiária, de onde comunidades e posseiros foram violentamente expulsos; »» Com a grande especulação fundiária no PI, o hectare passou de mil a 65 mil reais na região. »» Citaram que um Fundo de Pensão Americano investiu R$ 100 bilhões para compra de terras para posterior arrendamento; »» Os bancos públicos, privados e as próprias tradings financiam a produção da região; »» O Cerrado do Piauí é classificado como semiárido, por isso o calendário do seguro agrícola para a região segue as datas do semiárido. Mas isso é inadequado, pois o período de chuva e de plantio é diferente. Como resultado, o produtor arrisca plantar fora do período oficial e sem seguro e, se houver ciclo de seca, ele perderá a produção;
»» No sul do Piauí, o ciclo de seca já é sentido há quatro anos. Muitos produtores faliram no último ano e venderam suas terras para empresas especuladoras; »» O desmatamento está alto na região, mas mais para especulação de terras do que para produção. Os produtores estão sem condições financeiras de investir no momento, mas possuem muitas áreas já abertas em pousio; »» O Sindicato conseguiu a criação de dois assentamentos na região, o que reduziu bastante o conflito fundiário. Foram eles o PA Correntinho e o PA Rio Preto; »» O Padre austríaco João Myer capitaneou outros dois assentamentos rurais para os “refugiados” do Piauí, Barra do Correntinho e Santa Fé/Riozinho; »» Esses assentados plantam nos brejos e beiras de rios; »» Há muitos agricultores abandonando seus lotes para trabalhar como funcionários nas fazendas de soja; »» A soja está atraindo mais pessoas para a região, que tradicionalmente observou mais a saída de trabalhadores para outras regiões; »» Os agricultores familiares, apesar de cultivarem nos baixões e brejos, também estão sentindo muito os efeitos da seca, perdendo safras de feijão e arroz;
»» No começo da soja, os trabalhadores rurais locais trabalhavam apenas na cata e queima dos tocos e raízes, após a abertura de áreas para produção de soja. Eles são conhecidos como “raizeiros”. Atualmente, já começa a haver trabalhadores mais qualificados, capazes de operar o maquinário; »» A grilagem de terras e a expulsão violenta de posseiros foram confirmadas. As famílias que ocupam hoje os dois assentamentos tiveram suas casas e produções queimadas e destruídas antes da criação do assentamento. O conflito foi violento; »» Após as denúncias de violência, foi criada uma vara agrária no município. O juiz está cancelando todos os títulos falsos e irregulares. O INCRA atuou e criou os dois assentamentos para garantir os direitos dos agricultores familiares; »» Baixa Grande do Ribeiro fica no centro do cerrado piauiense, local com os maiores problemas hoje;
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»» Antigamente, o período de chuva ia de outubro a março. Nos últimos quatro anos tem chovido pouco e rápido. Este ano o Rio Gurguéia teve enchente, mas ano passado ele secou;
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»» Frequentemente o STTR identifica indícios de trabalho escravo e aciona o Ministério do Trabalho. Em um caso recente, foi confirmado;
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»» Os conflitos sociais são de ordem ideológica, fundiária, por recursos naturais e econômico; »» Conflitos agrários e articulação das CPTs do Cerrado. Dois tipos de levantamentos para sistematização dos casos, um narrativo de coleta de dados e informação no local de conflito e outro de documentação para registro. É difícil obter evidências documentadas para configurar os conflitos existentes; »» O desmatamento está alto na região, mas mais para especulação de terras do que produção. Os produtores estão sem condições financeiras de investir no momento, mas possuem muitas áreas já abertas em pousio; »» Sobre a articulação, povos cerratenses (quilombolas e indígenas) estão se organizando autonomamente, embora haja alguma desconfiança por parte de alguns agricultores familiares, principalmente dos assentamentos Rio Preto e Correntinho, que preferem não se envolver e mantém silêncio; »» Há um efeito perverso do código Florestal. Fazendas dos chapadões estão comprando áreas e expulsando povos tradicionais dos baixões, para registrar como suas Reservas Legais.
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FOTO: FORESTCOM/ IPAM.
SINDICATO PATRONAL E GRANDE PRODUTOR – SPRBJ
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No mesmo dia (23/9/2016), encontramos com o presidente do Sindicato de Produtores Rurais de Bom Jesus-PI e também produtor de soja. Ele faz parte de um grupo empresarial familiar. Ele nos explicou sua visão, como foi sua chegada, como ele e seus pares organizam a produção, e como funciona o mercado de soja na região. Sua visão é de que o agronegócio
trouxe muito desenvolvimento. Além disso, ele adota um discurso de pertencer a um grupo de produtores diferenciado, porque este grupo mora, produz e investe na própria localidade e região, diferente de outros grandes produtores que moram em capitais distantes ou de grandes grupos empresariais externos que não trazem suas famílias nem investem em melhorias para a região. Segundo ele: »» A Cidade de Bom Jesus era bem precária quando ele chegou. Acredita que ajudou a melhorar e desenvolver a cidade, junto com os outros produtores de soja; »» No começo, ocuparam áreas no alto dos chapadões, mas agora já estão com áreas irrigadas nos baixões. Seu grupo já possui mil hectares de soja irrigada com pivôs no vale do rio Gurguéia; »» Ele e os irmãos já foram produtores no Mato Grosso e no Paraguai. Saíram por último do Paraguai pela dificuldade de integração local e pela instabilidade jurídica que afetou os “brasiguaios”. No Piauí, ele e sua família se adaptaram mais facilmente, sentem-se integrados e não pretendem sair; »» A vantagem do sul do Piauí sobre o Mato Grosso é a estabilidade e a proximidade do mercado comprador. O preço oscila pouco porque ele tem várias opções. Bunge em Uruçuí compra cerca de 33% de sua produção, outros 33% são exportados FOB (free on board) via porto de Itaqui-MA e o restante, principalmente de milho, é vendido para aviários do Ceará, Pernambuco, Paraíba e outros, o que garante estabilidade de preços e mercado comprador consistente;
»» Seguro agrícola não é muito usado na região, pois é caro e o prêmio é baixo, portanto, os produtores enfrentam o risco; »» A vantagem do Piauí quando eles vieram foi o preço da terra. Venderam suas terras no Paraguai por preço alto e compraram aqui com seis sacas por hectare por três anos. A desvantagem é o alto risco climático. Hoje as terras com Cerrado mantido na região valem de 80 a 100 sacas o hectare, já áreas abertas podem valer de 280 a 300 sacas o hectare; »» As terras nos baixões são mais baratas ainda. Apesar de ter acesso mais fácil à água, há poucas áreas planas com facilidade para mecanização; »» Eles tentam fazer sistema de plantio direto, mas têm muita dificuldade de criar a palhada devido à falta de segunda safra. Alguns conseguem, mas é raro;
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»» Ainda não tem produtor abandonando soja para criar somente gado, mas tem produtores fazendo os dois;
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»» As perdas do último ano foram altas devido à falta de chuva. A média de produtividade chegava a 3,3 toneladas por hectare. Em alguns talhões, era possível fazer até 4,5 toneladas por hectare. Mas nos últimos anos essa média baixou para 2,4 ou menos;
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»» O grupo familiar acabou de adquirir mais 5.400 ha no baixão do vale do Rio Gurguéia. Vão expandir com irrigação. Estão só esperando a primeira chuva para iniciar o plantio. Essa área se juntará aos 7.800 ha que o grupo já possui com plantação; »» Está chovendo os mesmos 600 a 800 mm anuais, mas a percepção é que chove cada vez mais, com maior intensidade e menor frequência; »» As áreas compradas pelo grupo no alto da chapada já estavam abertas, as áreas nos baixões não, foi preciso abrir. Essas áreas altas foram contestadas juridicamente pelo Estado, que alegou irregularidade no título. Contudo, eles ganharam na justiça; »» Para resolver esse tipo de problema, o Instituto de Terras do Piauí (ITERPI) criou um programa de regularização de áreas ocupadas e com títulos irregulares. Por 200 reais o hectare, o ITERPI entrega o título definitivo; »» Cerca de 4 milhões de hectares de vegetação nativa no alto dos chapadões piauienses e maranhenses já foram abertos. Desses, apenas 30% estão em produção. Os outros 70% estão em pousio porque os proprietários ou estão especulando a terra ou sem capital para investir na produção. Este mesmo produtor possui três mil hectares abertos, mas sem produção por falta de recursos para investir; »» O principal financiador no Piauí é o Banco do Nordeste. No caso deste produtor, praticamente 100% não é financiamento próprio;
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»» Os agricultores familiares praticam predominantemente pecuária extensiva em campos naturais ou áreas de Cerrado nos baixões. Todo ano eles queimam essas áreas para alimentar o gado da rebrota;
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»» A produção de soja deverá se expandir nos próximos dois anos, pois esperam que o efeito do El Niño acabe e que a chuva se normalize. A seca acentuada dos últimos quatro anos é apenas contextual, efeito do El Niño; »» A infraestrutura está sendo expandida pelo estado, mas lentamente. Citou o exemplo da Transcerrado, rodovia que corta todo o Cerrado piauiense, vai até o Maranhão e está sendo asfaltada agora; »» Sojicultores estão indo para os baixões para plantar soja irrigada nas áreas planas mais próxima dos rios. Mas o problema é a falta de energia; »» O processo de desmatamento e preparo do solo ocorre nas seguintes etapas: (i) correntão, (ii) gradeamento do solo, (iii) cata de tocos, (iv) aplicação de calcário e novo gradeamento, (v) nova cata dos tocos finais. A primeira plantação geralmente é de arroz, para depois entrar com soja; »» O Ministério do Trabalho tem atuação forte na região contra o trabalho escravo, principalmente nas fazendas de soja no alto da chapada. Nos baixões, a fiscalização é mais branda e complacente;
»» A licença de supressão do órgão ambiental do PI leva em média três a quatro meses. Só exigem CAR e Reserva Legal averbada para liberar. O órgão fiscaliza em campo se o desmate executado é o mesmo que foi licenciado. Há muito desmatamento ocorrendo na região, mas tudo legal confirmou o caso da licença de supressão de 60 mil hectares. »» O desmatamento está ocorrendo na velocidade possível, de acordo com a capacidade de investimento dos produtores. O órgão ambiental licencia tudo, não há nenhum critério ou dificuldade. Os produtores estão todos regularizados com o código, respeitam APPs e RLs, e desmatam tudo legalmente. Ele só conhece um caso de desmate sem licença, que foi de dois mil hectares, mas depois foi legalizado. Este caso foi o próprio produtor que fez e admitiu. Ele foi multado na época, mas depois regularizou; »» Reserva Legal no PI é de 30%, por causa de lei estadual de proteção do pequi, mas ao mesmo tempo permite somar APP e RL; »» A região do MAPIBA quase não tem pastagem com aptidão para agricultura anual. A maior parte das áreas aptas já foram abertas e estão ou ocupadas ou em pousio, por falta de recurso para plantar; »» Há muitos estrangeiros comprando terras na região atualmente, estimulando a especulação fundiária. São principalmente holandeses e chineses; »» Há o projeto de uma ferrovia interligando o interior do PI ao litoral de PE, com porto seco instalado perto de Uruçuí-PI;
»» A valorização da terra bastante acentuada tem incentivado grilagem e conflitos fundiários; »» A EMATER do município existe, mas não funciona bem. O Pronaf também é distribuído, mas não funciona. Agricultores familiares usam recurso do Pronaf para comprar moto e não investem. Com isso, acabam falindo, não pagam o empréstimo e precisam vender a terra; »» Há muitos lotes e pequenas propriedades já com anúncios de venda nos baixões;
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»» O SPR de Bom Jesus-PI está cobrando da prefeitura um plano de apoio à agricultura familiar, pois sem isso a maioria dos agricultores familiares vai vender suas terras e migrar para as cidades. Cerca de 10% dos produtores do alto dos chapadões já possuem terras nos baixões, e isso tende a aumentar;
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»» O valor da terra no alto dos chapadões é em torno de 20 mil reais por hectare. Nos baixões, vale cerca de 1.100 reais, mesmo com possibilidade de irrigação. Ou seja, haverá muita expansão de soja nos baixões;
»» Citação: “agronegócio trouxe grande desenvolvimento para região, por exemplo, campus da UFPI, grandes empresas, investidores externos, asfalto, energia”;
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»» A alternativa para mitigar o êxodo rural de pequenos agricultores para a cidade seria um plano da prefeitura de ATER, que estimulasse a produção de frutas de alto valor, com potencial de mercado. A sugestão é organizar os produtores em cooperativas para fazer pesquisa de mercado e conseguir distribuir a produção de maneira mais viável. Precisa ter planejamento, inteligência de mercado, ATER e crédito vinculado à ATER para isso funcionar. Para ele, ir para a cidade é a pior opção para esses agricultores; »» Concorda que houve e ainda há conflitos e violência por questões fundiárias. Citou o caso de Baixa Grande do Ribeiro, onde muito recentemente houve pelo menos três assassinatos por causa de disputa por terra; »» Citação: “Se uma boa safra ocorrer com o fim da seca, o agronegócio vai comprar todo o baixão”. O processo é muito semelhante com o que ele observou em outros momentos de expansão, por exemplo, no MT, PR, MS e Paraguai; »» Existem, de fato, grupos organizados especializados em expulsar posseiros ou ocupantes tradicionais de terras públicas estaduais com métodos violentos, falsificar os títulos, desmatar e valorizar a terra, e revender a investidores externos ou a produtores de soja. Ele mesmo foi vítima de um grupo desses que queria a sua terra quando ela estava em litígio com o estado. Um grupo armado o ameaçou a sair, mas após a conclusão da justiça favorável a ele, mediante pagamento de 200 reais por hectare ao estado, e obtenção do título definitivo, o grupo parou de ameaçá-lo. Eles estão interessados em terras públicas estaduais sem destinação ou sem regularização fundiária;
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»» Uma conquista do SPRBJ sob sua gestão foi conseguir colocar essa região do PI, que engloba quatro municípios, como área de risco climático. Isso aumentou a janela de plantio com acesso a crédito e a seguro;
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»» A seca é conjuntural, efeito do El Niño, convicção de que na próxima safra a chuva se normalizará. FOTO: FORESTCOM/ IPAM.
VISITA AO PROJETO DE ASSENTAMENTO RIO PRETO, RESERVA EXTRATIVISTA SALTO E RIO URUÇUÍ PRETO E COMUNIDADE DO MORRO D’ÁGUA JUNTO COM REPRESENTANTES DO STTR BOM JESUS-PI, DA CPT E AGRICULTORES FAMILIARES DESSES ASSENTAMENTOS No dia 24/9/2016, visitamos algumas comunidades de agricultores familiares, guiados por representantes do STTRBJ-PI e da CPT. As comunidades ficam a cerca de 150 quilômetros da sede do município de Bom Jesus-PI. As estradas são de terra e de má qualidade, o que dificulta muito o acesso dessas pessoas a serviços básicos e a comercialização de qualquer produção. Além disso, as duas escolas que essas comunidades assentadas tinham foram fechadas, com potencial objetivo de especuladores de terra de esvaziar a região e iniciar o processo de grilagem. O conflito fundiário recente foi resolvido pela criação de dois assentamentos do INCRA e de uma reserva extrativista. Moradores das comunidades ainda estão muito traumatizados pela violência aplicada por grileiros para os expulsarem da área. Toda a violência descrita pelos representantes do STTRBJ, da CPT e pelos professores da UFPI no dia anterior foram confirmados por moradores.
6.5 | URUÇUÍ-PI CONTEXTO Uruçuí é um município no sul do Piauí, divisa com Maranhão às margens do Rio Parnaíba, com forte expansão agrícola nos últimos anos. Na safra de 2013/2014, o município produziu 250,7 mil toneladas de soja em 116,6 mil ha de área plantada, com produtividade média de 2,15 ton/ ha; foram 313,9 mil toneladas de milho em 29 mil ha de área plantada, com produtividade média de 10,8 ton/ha; foram 27,8 mil toneladas de algodão em 6,6 mil ha de área plantada, com produtividade média de 4,34 ton/ha (Agrosatélite, 2015; IBGE, 2016; Tabela 1).
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FOTO: FORESTCOM/ IPAM.
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O município ainda possuía quase 587 mil ha de vegetação nativa remanescente em 2015. Desse total, praticamente nenhuma área está na classe de alta aptidão e sem restrições de altitude e declividade para a atividade agrícola. Além disso, também praticamente inexistem áreas abertas com alta aptidão e sem restrições (Agrosatélite, 2015; Tabela 2). Por esses motivos, a expansão agrícola em Uruçuí não deverá ocorrer ou será de alto risco, com supressões ocorrendo, provavelmente, mais por motivos de especulação fundiária. Entre 2007 e 2015, foram desmatados quase 95,6 mil hectares em Uruçuí-PI (LAPIG/UFG, 2016; Tabela 3). Dessa área total desmatada, 60,2 mil ha (63%) foram convertidos para soja ou outros cultivos anuais. Por outro lado, pouco mais de 18 mil ha de área de outros usos, como pastagens, foram convertidos para soja ou outras culturas anuais (Agrosatélite, 2015; Tabela 3). O município de Uruçuí apresenta setor comercial e de serviços incipientes, além de infraestrutura urbana precária. Aparentemente, ocorre processo de desenvolvimento urbano desordenado, associado a desenvolvimento econômico com concentração de renda.
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ATORES FAZENDA PROGRESSO – PRODUTOR EMPRESARIAL No dia 26/09/2016 visitamos a fazenda progresso em Uruçuí-PI. Ela pertence a um grande produtor holandês. Trata-se de uma fazenda certificada pela RTRS (Roundtable on Sustainable Soy) e é extremamente bem estruturada. Pudemos conversar com alguns funcionários e com o engenheiro agrônomo responsável. O proprietário não estava presente. A fazenda possui 46 mil hectares, sendo 27 mil ha plantados e 19 mil em RL e APP (mais de 40%). Como ela é certificada pela RTRS, não pode desmatar mais. O critério de desmatamento zero da
RTRS para o bioma Cerrado é a partir de 2016. Para a Amazônia é 2009. A Fazenda Progresso adota o discurso de trazer desenvolvimento e muitas benfeitorias aos funcionários e à comunidade de Uruçuí-PI. Segundo o engenheiro responsável: »» A média anual do volume de chuva é de 1.100 mm, concentrados entre novembro e janeiro. A fazenda também produz algodão; »» A produtividade média da fazenda na última safra foi de 1.3 tonelada por hectare, muito baixa, devido à seca. Do milho foi de 3.4 toneladas por hectare; »» 40% do financiamento da produção do grupo é pelo Banco do Nordeste com taxa de juros de 6%. O restante é financiado por tradings, principalmente Cargill e Bunge, com taxa de juros na casa dos 20%. Há um pouco de financiamento por bancos como Rabobank e Original; »» A produção é destinada à produção de sementes e comercialização de grãos. 20% é destinado à produção de sementes, dos quais 15% são consumidos pela própria fazenda e os 85% restantes comercializados. Dos 80% restantes da produção, cerca de 20% de grãos são comprados pelo mercado interno de granjas do CE e de PE e 80% são exportados via Bunge e Cargill; »» Existe plano da empresa de abrir 12 mil hectares de vegetação em outra propriedade, mesmo sabendo que esta não poderá ser certificada pela RTRS;
»» Confirmaram que populações tradicionais e agricultores familiares queimam o Cerrado anualmente para alimentar seu gado com a rebrota. Para combater isso, a fazenda Progresso montou uma brigada de incêndio; »» Não trabalham com irrigação nesta fazenda, mas em outras propriedades do grupo; »» O processo de compra e expansão do grupo ocorre por meio da compra de terras já abertas de produtores falidos, principalmente pelas secas dos últimos anos. O grande obstáculo é que há muita terra sem título regular; »» Ainda há muita área para abrir no PI, principalmente no vale do Gurguéia, que é área de expansão, já que os topos das chapadas estão ocupados e com problemas de escassez hídrica. Há áreas planas no vale do Gurguéia e que podem ser mais facilmente irrigadas para soja;
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»» Eles criticam e se preocupam com queimadas e caça praticados por agricultores familiares e ocupantes tradicionais da vizinha da fazenda. Essas queimadas no Cerrado às vezes vazam e atingem a palhada da fazenda, prejudicando a próxima safra e o investimento, que muitas vezes é feito somente para gerar palhada e recobrir o solo;
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»» A fazenda faz sistema de plantio direto sobre braquiária ou palhada de milheto. Eles têm projeto de fazer ILPF (integração lavoura-pecuária-floresta);
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FAZENDA CONDOMÍNIO UNIÃO 2000 – GRANDE PRODUTOR SOJA E MILHO
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No dia 26/09/2016, visitamos um grande produtor de soja e milho, mas não em formato de grupo empresarial. Encontramos um perfil mais personalista nesta fazenda, também certificada pela RTRS. A fazenda tem 7.250 hectares de área total, com 2.800 hectares plantados. Os outros 4.450 já estão abertos, mas sem uso por falta de crédito para investir. A RL é feita por meio de compensação com outra propriedade. Segundo ele:
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»» Ele teve muitos problemas com o Ministério do Trabalho e o órgão ambiental ao chegar à região. As exigências trabalhistas e ambientais eram muito elevadas, diferente de como eram no MS, de onde ele emigrou; »» Há menos passivo ambiental no PI do que no MT e no MS; »» Ele acredita que o princípio do Plano MATOPIBA é encurtar a distância entre o agronegócio e a agricultura familiar; »» A meta para a safra 2020/2021 seria ter 7,5 milhões de hectares de soja plantada no MATOPIBA; »» 80% dos produtores da região são muito pobres e geram apenas 5% da renda da região. Os outros 0,42% dos produtores geram 59,78% da renda bruta da região. Grande desigualdade que, segundo ele, poderá ser corrigida pelo Plano MATOPIBA; »» Há grande empreendimento de granja se instalando na região. O projeto prevê o investimento de 1 bilhão de reais. O objetivo da empresa é executar todas as etapas da cadeia
na região sul do Piauí: plantar soja e milho, esmagar, fazer ração, alimentar aves na própria granja e fazer abate. A planta da granja será em Uruçuí. Trata-se da Friato, que adquiriu uma propriedade de 120 mil hectares e licenciou de uma só vez a supressão de 60 mil hectares (caso citado várias vezes); »» A demora para aprovar o novo código florestal, mais alguns boatos de que haveria moratória da soja na região, causaram grande desmatamento na região. Confirma informação de que há muitas áreas abertas e não utilizadas, por enquanto, pois quem pôde abriu tudo o que conseguia, mesmo não tendo recurso para plantar. Ele mesmo é um exemplo disso; »» A mesma lógica ocorreu com os transgênicos: a demora para aprovar ou não fez o plantio de transgênicos explodir; »» A maior parte das áreas boas do PI e do MA já foram abertas, portanto, esses estados não seriam mais “fronteira agrícola”. Isso é um discurso corroborado pelos atores do MA; »» Reconhece que erraram muito no processo de abertura do Cerrado, nos primeiros cultivos, tiveram que aprender errando. Faltou e ainda falta apoio e pesquisa da Embrapa local; »» A Bunge teria feito um estudo ao custo de quatro milhões de reais sobre fauna e flora da região antes de estimular novos desmatamentos;
»» A metodologia de afugentamento de fauna é determinada legalmente no licenciamento, mas sua execução não é fiscalizada nem garantida; »» No PI não tem muita pastagem, portanto, há pouca conversão de pasto para agricultura; »» A produtividade da soja despencou em 2016 no sul do PI e no Cerrado do MA, mas a do PI foi a maior dos quatro estados; »» A safrinha é uma possibilidade muito remota no PI; »» A fazenda faz plantio direto;
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»» O licenciamento no PI também está sendo municipalizado, como na BA, assim como alguns municípios já estão fazendo a cobrança e fiscalização do ITR diretamente;
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»» É importante seguir métodos menos impactantes para fazer desmate, como não desmatar em círculos, mas fazer em linha e empurrando para a RL. Na região, haveria pelo menos 18 mil ha de RLs interconectadas;
»» Não há plano para irrigação na região de Uruçuí, eles ocorrem mais na região de Bom Jesus devido ao aquífero Urucuia;
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»» Críticas à falta de pesquisa e desenvolvimento de técnicas e cultivares locais. Ele teve que aprender sozinho e empiricamente. Críticas ao SENAR por não atender satisfatoriamente a região; »» Produção de palhada para fazer plantio direto varia muito entre os produtores. Cada um faz do seu jeito. Ninguém pesquisa e identifica de fato o melhor jeito; »» Ocorre muito erro técnico na conversão do Cerrado e no preparo inicial do solo, resultando em menor desempenho da capacidade produtiva. Faltam dados para subsidiar as decisões; »» O produtor gostaria que houvesse mais capacitação agronômica para formar os nordestinos como mão-de-obra qualificada para as fazendas; »» Programa ABC – carecem de tecnologia para implementar metodologias adequadas ao Cerrado. Não tem sombra para gado (problema de pele nos animais). Como há baixa precipitação, a produção de matéria verde é insuficiente para atender a demanda de cobertura do solo, plantio direto e forragem para animais; »» 80% de seu financiamento é via Banco do Nordeste, 20% é via capital próprio. Critério do banco é simples: o que quer? Como vai produzir? Como vai pagar? Não tem exigência de critérios ambientais específicos além de cumprir a legislação;
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»» A comercialização é via mercado interno, para avicultura. É uma importante parcela da produção e garante estabilidade e bons preços. 100% do milho vai para avicultores do nordeste, e 30% de soja. Há muitas granjas médias e pequenas que consomem a produção. 70% da soja é exportada via Bunge, Cargill e CHS (esta é mais exigente com relação à limpeza e qualidade dos grãos já ao sair da fazenda, não possuem plantas de estocagem); »» O plano é expandir a área plantada 10% todo ano. Ele ainda possui 50% da área total para expandir sobre; porém, 2016 foi o primeiro ano de crescimento zero devido à grande perda da produção e à falta de recurso para investir; »» A compra da fazenda foi de proprietários locais que só tinham o documento de posse. Depois teve que regularizar junto ao ITERPI ao custo de 79 reais o hectare; »» Fez crítica ao órgão ambiental do PI que licenciou 60 mil hectares de supressão de uma só vez: ao Grupo Tomazini/ Friato; »» Tem planos de implantar iLPF aos poucos; »» É vizinho de um assentamento rural e empresta trator e equipamentos para ajudar os agricultores. Discrepância: ele colhe 9 toneladas de milho por hectare e seus vizinhos do assentamento colhem 1,2 tonelada. A relação com assentados é boa;
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»» Agrotóxicos são um mal necessário, como remédio; »» Repete discurso de se diferenciar como produtor que vive, traz família e investe no local, a despeito de outros produtores empresariais que moram longe e não investem; »» Conflitos com moradores locais e comunidades tradicionais são exceção e praticados por grupos de grilagem de terras, não pelos produtores de soja que vieram do sul; »» Vê ONGs internacionais com maus olhos. Acredita que o objetivo delas é prejudicar a competitividade de exportação do agronegócio brasileiro.
CONTEXTO Balsas é um município no sul do Maranhão às margens do Rio Balsas, divisa com Tocantins, com forte expansão agrícola nos últimos anos. Na safra de 2013/2014, o município produziu 457,8 mil toneladas de soja em 217,8 mil ha de área plantada, com produtividade média de 2,1 ton/ha; foram 329,1 mil toneladas de milho em 70.169 mil ha de área plantada, com produtividade média de 4,7 ton/ha; foram quase 40 mil toneladas de algodão em 12,4 mil ha de área plantada, com produtividade média de 3,2 ton/ha (Agrosatélite, 2015; IBGE, 2016; Tabela 1). O município ainda possuía quase 554,3 mil ha de vegetação nativa remanescente em 2015. Desse total, 36,8 mil ha possui alta aptidão e nenhuma restrição de altitude e declivida-
EXPEDIÇÃO MATOPIBA
6.6 | BALSAS-MA
RELATÓRIO DE VIAGEM
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de para a atividade agrícola. Por outro lado, há 11,8 mil ha de áreas abertas com alta aptidão e sem restrições (Agrosatélite, 2015; Tabela 2) que podem ser utilizados para expansão agrícola sem desmatamento. Entre 2007 e 2015, foram desmatados 59,6 mil hectares em Balsas-MA (LAPIG/UFG, 2016; Tabela 3). Dessa área total desmatada, 50,2 mil ha (84%) foram convertidos para soja ou outros cultivos anuais. Por outro lado, pouco mais de 14 mil ha de área de outros usos, como pastagens, foram convertidos para soja ou outras culturas anuais (Agrosatélite, 2015; Tabela 3). O município de Balsas apresenta setor comercial e de serviços em franco desenvolvimento. Apesar da pujança econômica, a infraestrutura urbana ainda é precária. Aparentemente, ocorre processo de desenvolvimento urbano desordenado, associado a desenvolvimento econômico com concentração de renda.
EXPEDIÇÃO MATOPIBA
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ATORES SEMINÁRIO FAPCEN No dia 27/09/2016, participamos de um seminário organizado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Corredor de Exportação Norte (FAPCEN) especialmente para nosso grupo. Participaram diretores da FAPCEN, produtores de soja, milho e algodão, dirigentes do Sindicato de Produtores Rurais de Balsas-MA (Sindibalsas), o gerente regional do Banco do Nordeste, gerentes de fazendas e de empresas agrícolas, consultores agronômicos, pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), representantes de ONGs locais, da RTRS e da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Maranhão (SEMA-MA), poucos agricultores familiares e moradores de um assentamento rural próximo à cidade.
FAPCEN é uma OSCIP criada por empresários rurais em 1993 com o objetivo de desenvolver pesquisa aplicada à produção agrícola para exportação via porto de Itaqui-MA. A Fundação replica o discurso de que MA já não é mais fronteira agrícola, mas de fato área consolidada. Na visão pessoal do superintendente da Fundação é que já há áreas abertas suficientes e que, por isso, o aumento da produção deve ser vertical. Ou seja, concorda com a ideia de desmatamento zero na região. Em 1995, deu-se a entrada dos grãos na região, com os chamados “migrantes da Soja”. O preço da terra era muito baixo. Nos anos 2000, começou a agricultura comercial, com a chegada de grandes grupos (fundos, conglomerados, etc.) que compraram as terras dos primeiros migrantes. Em 2015, foi criado o MATOPIBA. A área Plantada em 1995 no MA era 84 mil ha. Em 2015, passou a pouco mais de 2 milhões de ha. Apesar do crescimento na área plantada entre 2013/2014 e 2014/2015 no MA, de 749,6 mil ha para 786,3 mil ha, a produção caiu muito com a seca, e produtividade foi de 2,7 ton/ha para 1,6 ton/ha, no estado. A região de Cerrado no MA possui altíssima vulnerabilidade climática. No Sudoeste do Piauí existem diversas áreas degradadas que estão sofrendo com o processo de desertificação, com tamanho total de 775 mil hectares, próximas ao município de Gilbués. Existem no estado, pelo menos 150 mil ha abertos sem uso.
A agricultura familiar no MA ocupa principalmente APPs. Foi possível notar o mesmo discurso de produtores na apresentação do ex-secretário adjunto de Meio Ambiente do MA. Segundo ele, é muito difícil haver um pedido de supressão negado e não existem critérios além dos requisitos legais mínimos para analisar e aprovar. Ainda segundo ele, há pouco passivo de RL, que pode facilmente ser compensado nas áreas dos baixões. Discurso presente de que o MA não é mais fronteira agrícola, já é área consolidada. A prática de queimadas anuais por agricultores familiares, para alimentar o gado com a rebrota, foi criticada pelos sojicultores. Essas queimadas estão afetando sua produção de palhada para fazer plantio direto e prejudicando o investimento. Esse risco de ter a palhada queimada está fazendo com que produtores não façam plantio direto. Os sojicultores estão criando brigadas de incêndio e se organizando para impedir queimadas da agricultura familiar.
EXPEDIÇÃO MATOPIBA
Há 82 mil hectares irrigados no MA em áreas de baixões e ainda há grande potencial para crescimento.
RELATÓRIO DE VIAGEM
De acordo com um analista ambiental da SEMA/MA, licenciado do cargo e ex-secretário-adjunto, é muito comum as APPs de borda de chapada não serem respeitadas. O desmatamento é muito grande no MATOPIBA, mas todo ele sob o guarda-chuva da legalidade, diferentemente do desmatamento na Amazônia. Isso impede, por exemplo, atuação do Ministério Público.
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BANCO DO NORDESTE »» Repetiu discurso de que MAPIBA já não é fronteira agrícola. Financiam abertura de áreas como investimento, por exemplo, e também despesas de custeio. Não atuam no TO. »» Os critérios de financiamento são: capacidade de pagamento, garantias oferecidas, gestão do empreendimento e viabilidade técnica e econômica do projeto. Seguro é opcional e quase ninguém usa. Apesar do ano de baixíssima produtividade por falta de chuva, a maioria dos clientes conseguiu pagar financiamentos ou renegociaram para o próximo ano. »» A maior parte do financiamento é para custeio. Se for só para custeio, não precisa ter CAR para financiar. Se for para abertura de área, precisa ter licença (que precisa de CAR). O Banco está se preparando para implementar resolução do BACEN que pede as coordenadas geodésicas da propriedade para custeios acima de 40 mil a partir de janeiro de 2017.
EXPEDIÇÃO MATOPIBA
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6.7 | AUGUSTINÓPOLIS-TO CONTEXTO Augustinópolis-TO é um município no norte do Tocantins, com forte organização e resistência de movimentos sociais. As organizações locais acreditam que, com isso, têm impedido a entrada de soja no município e na região do bico do papagaio como um todo. O município não é produtor de soja, milho e algodão, e em sua área predominam pecuária e babaçu. No norte do TO, a soja está mais avançada no município de Campos Lindos, que faz fronteira com o MA e é próximo de Balsas-MA. Apesar disso, o município ainda possuía cerca de 12 mil ha de vegetação nativa remanescente em 2015. Desse total, 3,2 mil ha possui alta aptidão e nenhuma restrição de altitude e
declividade para a atividade agrícola, o que é muito pouco para uma expansão robusta de soja. Isso explica o fato de a soja não ter avançado no município. Em termos de áreas abertas com alta aptidão e sem restrições, também é pequena a disponibilidade: 3,6 mil ha (Agrosatélite, 2015; Tabela 2). Além disso, Augustinópolis-TO localiza-se bem na área de transição entre os biomas Cerrado e Amazônico, com sua vegetação nativa caracterizada por florestas de transição, muito diferente do que foi encontrado nas outras regiões visitadas.
ATORES APA-TO, MIQCB, REDE CERRADO E COOPERATIVA DE AGRICULTORES FAMILIARES E AGROEXTRATIVISTAS Dia 29/09/2016, encontramos com esses movimentos sociais e tivemos algumas informações sobre os conflitos fundiários e as demandas dos movimentos sociais na região do Bico do Papagaio, localizada no norte do TO. Essa região possui forte mobilização e articulação social em defesa dos agricultores familiares e assentados, no contexto de lutar pela reforma agrária na região. São 12 municípios no total. Existem diversos assentamentos e, de acordo com os relatos, já houve muito conflito fundiário entre os produtores de maior porte e as quebradeiras de babaçu e camponeses. No momento atual, os conflitos não são tão explícitos, mas ainda existe uma disputa velada pelo uso da terra.
»» A agricultura familiar é muito forte na região, que utiliza o conceito de agroecologia na produção; »» O uso de agroquímicos na cultura de soja pode inviabilizar o cultivo e a criação de abelhas; »» A soja não combina com nenhum tipo de vegetação e inviabiliza a agricultura familiar. De acordo com os representantes da APA-TO (Alternativas ao Pequeno Agricultor do Tocantins) está ocorrendo um processo de grilagem “estatal”. Eles têm receio que se repita o que aconteceu em Campos Lindos, onde muitos produtores pequenos tiveram que deixar suas fazendas, por não conseguirem produzir próximo aos campos de soja. Movimentos sociais articulados e fortalecidos, na visão deles, têm conseguido frear a entrada de soja na região. Por outro lado, a maior parte das áreas no município de Augustinópolis está em baixa altitude, portanto, com restrição à produção de soja.
EXPEDIÇÃO MATOPIBA
»» A área do Bico do Papagaio tem vocação para assentamento;
RELATÓRIO DE VIAGEM
O posicionamento dos movimentos sociais locais é, terminantemente, contra a entrada da cultura de soja na região. Eles simplesmente não querem diálogo. Os principais motivos para não aceitarem a entrada da soja são:
53
A opção dos movimentos é não dialogar com agronegócio e não aceitar expansão da soja. Existe articulação entre organizações indígenas, ribeirinhas, quilombolas e de agricultores familiares e agroextrativistas. A principal demanda deles é reforma agrária e resolução fundiária. Há cerca de 80 assentamentos na região do Bico do Papagaio, com aproximadamente cinco mil famílias. Há conflito por uso da terra entre babaçu, soja, pecuária, produção de eucalipto e desmatamento para fazer carvão vegetal. Existe uma lei no TO que permite a coleta de Babaçu dentro de qualquer propriedade e proíbe seu corte e destruição com herbicidas. Não há o mesmo problema de falta de chuva no norte do TO, como há no PI, no oeste da BA e no Cerrado maranhense. Para MIQCB (Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu), soja é pior que pasto, pois no pasto ainda crescem babaçus que podem ser extraídos, na soja não. Houve muita grilagem de terras também no TO e o Intertins (Instituto Estadual de Terras) regularizou. Há litígio entre União e Intertins porque o instituto estadual arrecadou glebas que eram federais e vendeu para privados por preço irrisório. A grilagem no estado é grave porque o estado e a polícia participam. A vara agrária é bastante atuante no TO e tem cancelado alguns títulos irregulares. O problema é que a maioria dos títulos é regularizada pelo estado.
EXPEDIÇÃO MATOPIBA
RELATÓRIO DE VIAGEM
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Foi indicado um possível efeito perverso de programas de titulação de pequenos agricultores, como o Terra Legal: ele facilita que o pequeno venda sua terra, levando à reconcentração fundiária4. A proposta da APA-TO e das demais organizações é capacitar, mobilizar e engajar pequenos produtores para resistência e luta, não aceitar entrada de soja e resistir. Além disso, demandar reformar agrária pelo INCRA e demandar ATER, escolas, saúde, estradas e toda a infraestrutura necessária para os pequenos viverem no campo com qualidade de vida e não venderem suas terras à soja.
EXPEDIÇÃO MATOPIBA
RELATÓRIO DE VIAGEM
Campos Lindos-TO é o foco de expansão da soja.
4
De acordo com a Lei 11952/2009, que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal, no Art. 15, beneficiários da titulação via Terra Legal com até quatro módulos fiscais, só podem vender a propriedade após dez anos. No caso de propriedades tituladas com mais de quatro módulos, a venda pode ser feita após três anos, desde que o novo proprietário concorde com todas as cláusulas resolutivas definidas na Lei 11952/2009 e colocadas no contrato de transferência.
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6 | TABELAS TABELA 1 | ÁREA (HA), PRODUÇÃO (TONELADAS) E PRODUTIVIDADE (TON/HA) DAS PRINCIPAIS CULTURAIS ANUAIS PRODUZIDAS NOS MUNICÍPIOS VISITADOS E PARA TODA A REGIÃO DO MATOPIBA (FONTES: PAM/IBGE; AGROSATÉLITE, 2016)
Safra 2013/2014
381,708
12.99
16,188
80,321
4.96
153,246
431,691
2.82
20,498
259,141
12.64
10,186
68,744
6.75
São Desidério-BA
307,928
720,228
2.34
96,647
657,275
6.80
117,834
462,033
3.92
Bom Jesus-PI
62,750
142,095
2.26
5,496
42,523
7.74
159
-
-
Uruçuí-PI
116,592
250,718
2.15
28,969
313,865
10.83
6,553
27,810
4.24
Balsas-MA
217,848
457,760
2.10
70,169
329,133
4.69
12,367
39,953
3.23
3,420,144 8,622,644
2.52
455,033 5,292,456
11.63
313,127 1,288,536
4.12
TABELA 2 | REMANESCENTES DE VEGETAÇÃO NATIVA E ÁREAS ABERTAS EM HECTARES NOS MUNICÍPIOS VISITADOS E TOTAL DO MATOPIBA (FONTE: AGROSATÉLITE, 2015)
Município
Remanescentes de vegetação nativa Alta Aptidão Agrícola, Sem Restrição
Áreas abertas
Demais Classes
Alta Aptidão Agrícola, Sem Restrição
Demais Classes
Barreiras-BA
127,194
164,424
98,283
75,692
Luís Eduardo Magalhães-BA
52,841
63,299
68,364
26,360
250,714
435,422
108,456
123,119
-
372,161
-
76,571
São Desidério-BA Bom Jesus-PI Uruçuí-PI
-
586,999
-
101,270
Balsas-MA
36,767
517,514
11,739
159,987
Carolina-MA
25,843
223,815
3,221
43,087
Augustinópolis-TO
3,226
8,781
3,572
23,870
Imperatriz-MA
8,748
28,275
9,247
38,255
5,398,273
26,372,282
2,813,704
8,040,740
Total MATOPIBA
RELATÓRIO DE VIAGEM
29,396
EXPEDIÇÃO MATOPIBA
Produção (ton)
2.31
Área (ha)
353,608
Total MATOPIBA
Produção (ton)
153,059
Área (ha)
Barreiras-BA Luís Eduardo Magalhães-BA
Município
Produção (ton)
Produtividade (ton/ha)
Algodão Produtividade (ton/ha)
Milho Produtividade (ton/ha)
Soja
Área (ha)
57
TABELA 3 - DESMATAMENTO TOTAL NOS MUNICÍPIOS VISITADOS E NO MATOPIBA E ÁREAS DE VEGETAÇÃO NATIVA OU DE OUTROS USOS CONVERTIDOS PARA SOJA ENTRE 2007 E 2014 (FONTE: LAPIG/UFG E AGROSATÉLITE, 2015)
Município
RELATÓRIO DE VIAGEM EXPEDIÇÃO MATOPIBA
Área convertida de Cerrado para soja entre 2007 e 2014 (ha) (fonte: Agrosatélite)
25,900
Área de outros usos convertidos para soja entre 2007 e 2014 (ha) (fonte: Agrosatélite)
Barreiras-BA
85,128
Luís Eduardo Magalhães-BA
36,376
30,133
24,028
São Desidério-BA
141,723
110,484
52,403
Bom Jesus-PI
49,814
39,376
3,762
Uruçuí-PI
95,574
60,241
18,098
Balsas-MA
59,566
50,169
14,501
2,569,516
1,266,042
765,793
Total MATOPIBA
58
Desmatamento total no Cerrado entre 2007 e 2015 (ha) (fonte: LAPIG/UFG)
22,205
8 | RESULTADOS 8.1 | CONFLITOS FUNDIÁRIOS
»» No sul do Piauí, alguns casos de conflito fundiário violento, que foram identificados, tiveram uma solução com a criação de assentamentos rurais pelo INCRA; »» Identificado discurso de autodiferenciação de alguns produtores, que afirmam ser diferentes porque trouxeram suas famílias, moram e investem na localidade onde produzem.
8.2 | REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
EXPEDIÇÃO MATOPIBA
»» A expansão da soja no MATOPIBA estimulou conflito fundiário. Grupos de grilagem de terras se organizaram para expulsar comunidades tradicionais e agricultores familiares das áreas aptas no alto dos chapadões. Métodos violentos de expulsão incluem fechamento de escolas nas comunidades, entre outros. Fizeram supressões, valorizaram essas áreas e revenderam a produtores agrícolas oriundos dos estados mais ao sul do Brasil e do Paraguai. Alguns grupos estrangeiros de investimento também compraram áreas na região, com objetivos de especulação. As comunidades tradicionais foram deslocadas para os vales e baixões. Grande parte da grilagem de terras foi regularizada, posteriormente, pelos estados a preços módicos. Com o esgotamento de áreas no alto dos chapadões, a agricultura empresarial começa novamente a pressionar comunidades tradicionais e agricultores familiares localizadas atualmente nos baixões. Há interesse de expandir a produção agrícola sobre pequenas parcelas de áreas planas localizadas nos baixões, onde é viável fazer irrigação por pivô. O plano de Desenvolvimento Agropecuário do MATOPIBA tinha, justamente, objetivo de expandir oferta de energia e de infraestrutura de transportes na região;
RELATÓRIO DE VIAGEM
»» Conflitos entre comunidades tradicionais, agricultores familiares e agronegócio: práticas tradicionais como caça, pesca e queimadas para pecuária extensiva no Cerrado, são reprimidos pelo agronegócio. As razões são: busca pela preservação de suas APPs e RLs, e tentativa de evitar queima das palhadas utilizadas em sistemas de plantio direto nas lavouras;
»» Regularização ambiental de propriedades de soja, preferencialmente, por compensação no oeste da Bahia, para não desperdiçar a capacidade produtiva das áreas planas nos chapadões;
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»» Há tendência à municipalização do licenciamento ambiental, embora bastante questionada; »» Muito desmatamento tem ocorrido nos últimos dez anos, mas ao contrário do que acontece na Amazônia, praticamente tudo é legal e licenciado pelos estados. Vários atores confirmaram um caso recente no PI de uma licença que autorizou o desmate de 60 mil hectares.
8.3 | QUEDA NA PRODUTIVIDADE POR FATORES CLIMÁTICOS
»» Cinco anos de seca no oeste da Bahia, três a quatro anos no Piauí e no Maranhão. Grande quebra de produtividade, principalmente no Piauí. A produtividade média da soja nos municípios visitados variou entre 2,1 a 2,8 ton/ha (Tabela 1) na safra 2013/2014, mas na safra 2014/2015 caiu para 1,3 e 1,6 ton/ha em áreas do PI e do MA, respectivamente. Muitos produtores endividados. Expansão agrícola muito reduzida por isso e por maior dificuldade de acesso a crédito. Além disso, há muitas áreas já abertas, mas não ocupadas por produção devido à incapacidade de investimento dos produtores; »» Visão predominante de que o ciclo de seca é conjuntural, efeito do El Niño, e que na próxima safra a chuva se normalizará; »» O sul do Piauí é a região com maior risco climático, com menor quantidade de áreas altamente aptas à agricultura e, portanto, a conversão de vegetação nativa ocorre mais por especulação fundiária e perspectiva de agricultura de alto risco, diferenciando-se dos outros estados do MATOPIBA.
RELATÓRIO DE VIAGEM
»» Visão de expansão: produtores de primeira geração querem expandir sempre, produtores de segunda geração querem expandir, mas com inteligência territorial: “saber para onde e como”. A expansão está reduzida atualmente por causa do ciclo da seca recente e da incapacidade de investimento geral dos produtores, mas a visão generalizada é de expandir assim que a chuva e a safra se normalizarem;
EXPEDIÇÃO MATOPIBA
8.4 | EXPANSÃO DA PRODUÇÃO
»» Expansão da soja tem trazido desenvolvimento econômico para a região, mas com concentração de renda, concentração fundiária, e desenvolvimento educacional apenas voltado à qualificação de mão-de-obra para a agroindústria. Outros campos de conhecimento não são estimulados em igual proporção;
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»» OS principais gargalos aos produtores da região são: (i) infraestrutura, falta de energia para secadoras e para irrigação por pivôs, falta de estrutura de transportes consolidada, e (ii) falta de pesquisa aplicada ao contexto local, apesar da existência de institutos como FAPCEN e Fundação Bahia;
»» O Banco do Nordeste é o principal e maior financiador da produção no MATOPIBA, seguido pelas próprias tradings.
8.5 | CÓDIGO FLORESTAL
»» Potencial efeito perverso do Código Florestal: povos e comunidades tradicionais ocupando APPs e/ou reservas legais de grandes propriedades agrícolas. Com maior pressão de implementação do Código Florestal, essas comunidades são expulsas dessas áreas por compra ou por violência, dependendo de sua situação fundiária. Produtores agrícolas compram áreas de agricultores familiares menos aptas e não mecanizáveis para compensar sua reserva legal (RL); »» Há muitas áreas já abertas, mas desocupadas e improdutivas, em toda a região. A incapacidade de investimento dos produtores é a principal razão de manter essas áreas inutilizadas. As razões para abertura excessiva no passado recente foram: revisão do código florestal e ameaça de moratória da soja no Cerrado.
8.6 | ATUAÇÃO DO GOVERNO E DA SOCIEDADE
»» Há casos identificados de trabalho análogo à escravidão em todo o MATOPIBA, mas a atuação do Ministério do Trabalho e de organizações como CPT, Sindicatos de Trabalhores e Trabalhadoras Rurais e outras, tem se intensificado;
»» Os principais problemas do produtor agrícola na região podem ser resumidos a: (i) renda, que não é diversificada e depende muito somente da produção agrícola, (ii) variação climática, pois a região entrou em ciclo de secas que já dura até cinco anos em algumas partes (oeste da BA), (iii) custo de produção crescente, com necessidade de insumos e alta dependência do pacote tecnológico de produção vendido pelas tradings, (iv) sucessivas quebras de produção e endividamento.
EXPEDIÇÃO MATOPIBA
»» Começa-se a observar, como resultado desses processos de deslocamento, grande êxodo rural e inchaço das áreas urbanas na região; mas, também, por outro lado, grande atração de trabalhadores com qualificação técnica para trabalhar nas lavouras agrícolas;
RELATÓRIO DE VIAGEM
»» Movimentos sociais são pouco articulados e com pouca resistência, exceto na região do bico do papagaio, no Tocantins. As organizações estão forjando identidade cerratense, em tentativa de unir os diferentes povos, comunidades e movimentos sociais da região em torno de uma identidade comum ligada ao Cerrado;
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9 | CONCLUSÕES
Além disso, é importante que as autoridades públicas envolvam múltiplos atores na formulação das estratégias de modo a lidar também com problemas políticos e socio-econômicos. É necessário prevenir a grilagem, a especulação e o trabalho escravo, assim como mediar os conflitos fundiários provenientes da expansão agrícola. Nesse sentido, os atores civis devem se organizar e deixar claro os seus pleitos, enquanto as autoridades públicas devem rever a aplicação da legislação vigente para regulamentar, fiscalizar e coibir o desmatamento, ainda que legal. Para gerar um mecanismo eficiente que ordene as atividades agrícolas e proteje o bioma Cerrado, é necessário abordar a expansão de forma multidimensional,
EXPEDIÇÃO MATOPIBA
Nesse sentido, é necessário um amplo mecanismo de proteção do Cerrado na região do MATOPIBA, envolvendo instituições que atuam em diversos níveis no processo decisório da política ambiental. É a partir dessas parcerias que também se pode adereçar um outro desafio importante, que é a produção de dados contextualizados, desagregados e aplicados, que se baseiem nas demandas locais daqueles envolvidos na conservação ambiental e na produção agrícola. Apenas com dados relativos à pequena escala é possível criar políticas eficientes e solucionar problemas específicos de cada localidade e promover assistência técnica adequada.
RELATÓRIO DE VIAGEM
É fundamental que os atores envolvidos direta e indiretamente na produção agrícola do MATOPIBA levem em conta os desafios expostos pelos dados espaciais disponíveis sobre o Cerrado na região. A seca que vem ocorrendo nos últimos cinco anos é culturalmente atribuída a fatores conjunturais, como o El Niño, por uma grande variedade de atores. No entanto, existem grandes indícios de que a crise hídrica está relacionada ao desmatamento que afeta a ciclagem da água e o regime de chuvas (Spera et al. 2016; Cohn et al. 2016; Silvério et al. 2015)conservation-oriented research and policy in Brazil have focused on Amazon deforestation, but a majority of Brazil’s deforestation and agricultural expansion has occurred in the neighboring Cerrado biome, a biodiversity hotspot comprised of dry forests, woodland savannas, and grasslands. Resilience of rainfed agriculture in both biomes likely depends on water recycling in undisturbed Cerrado vegetation; yet little is known about how changes in land-use and land-cover affect regional climate feedbacks in the Cerrado. We used remote sensing techniques to map land-use change across the Cerrado from 2003-2013. During this period, cropland agriculture more than doubled in area from 1.2 to 2.5 million ha, with 74% of new croplands sourced from previously intact Cerrado vegetation. We find that these changes have decreased the amount of water recycled to the atmosphere via evapotranspiration (ET. A expansão da fronteira agrícola de culturas anuais aprofunda ainda mais o desmatamento e o desequilíbrio dos padrões de precipitação.
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FOTO: FORESTCOM/ IPAM.
focando as consequências ecológicas e também socioeconômicas da dinâmica regional do desmatamento. Finalmente, o mercado possui talvez o papel mais relevante e com maior possibilidade de êxito no curto e médio prazos. Como constatado, o Código Florestal não é suficiente para conservar o Cerrado em níveis seguros e adequados à manutenção de serviços ambientais fundamentais à vida humana; portanto, um mecanismo de mercado é imprescindível neste contexto.
10 | REFERÊNCIAS Agrosatélite (2015) Análise Geoespacial da Dinâmica das Culturas Anuais no Bioma Cerrado: 2000 a 2014. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2015. Disponível em: http://biomas. agrosatelite.com.br/img/Analise_geoespacial_da_dinamica_das_culturas_anuais_no_bioma_Cerrado_2000a2014.pdf . Acesso em: 14/10/2016. LAPIG/UFG. Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento, Universidade Federal de Goiás. Alertas de desmatamento no Cerrado entre 2003 e 2015. Disponível em: http://maps.lapig.iesa.ufg.br/lapig.html. Acesso em: 14/10/2016. PAM/IBGE. Produção Agrícola Municipal, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl.asp?c=1612&z=p&o=28 . Acesso em: 14/10/2016. Patton, M.Q. (2002) Qualitative Research and Evaluation Methods (3rd Ed.). London: Sage.
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EXPEDIÇÃO MATOPIBA
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RELATÓRIO DE VIAGEM
Silverman, D. (2010) Doing Qualitative Research: a practical handbook (3rd Ed.). London: Sage.
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ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL PRESENTES NA EXPEDIÇÃO
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