Revista GRR #4

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Indicamos a mĂşsica "Me Gustas Tu" [Manu Chao], para ouvir enquanto lĂŞ a revista

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A DR OGA DE CADA UM Por Cami la E iroa

Vivemos cercados de drogas que fazem vítimas os que usam e os que trabalham para que elas sejam geradas. Não, não estamos falando de entorpecentes ou de substâncias ilícitas e psicoativas. Estamos falando do que entra em nossa casa disfarçado de benfeitor, mas carrega vestígios perigosos para indivíduos e sociedade. Em dias que justificamos e escondemos nossos vícios proibidos, alimentamos outros deles sem nos dar conta. Desde hábitos que parecem rotineiros como ir a um fast food ou assistir televisão, até mesmo o uso involuntário de substâncias químicas que nem sempre sabemos a procedência e efeitos em nosso corpo. A proibição de qualquer mercadoria envolve questões políticas e econômicas mundiais. Assim como a não proibição. Segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas) do começo de 2014, o tráfico de drogas movimenta cerca de US$ 320 bilhões por ano, algo próximo dos 756 bilhões de reais.

dro.ga - substantivo feminino: substância que altera o as funções fisiológicas humanas; diz-se daquilo que é ruim ou funciona mal Seguindo sua etimologia, a palavra DROGA, pela Real Academia Espanhola, vem do árabe "andalusí harúka" (que em seu sentido literal significa charlatanismo). E charlatão, compreendemos como aquele que engana, que abusa da boa fé das pessoas e que age com más intenções. Partindo deste princípio, nos questionamos: o que são, então, as drogas que nos cercam? Nesta edição da Guerrilha, vamos abordar drogas que não correm risco de serem apreendidas por policiais e irem para celas superlotadas, além de seus reais perigos para quem as “consome”. Que nos entorpeçamos do que nos cabe, sabendo que nossas escolhas nada mais são do que o sinal de nossa própria liberdade.

Mas não é só isso que faz os cifrões se acumularem por aí. A cada dia surge um novo ponto de comida rápida pelas esquinas, por exemplo, e, segundo relatório da Mintel (empresa britânica de pesquisa de mercado), em 2018 o faturamento dessas redes deve chegar aos R$75 bilhões. 9


O Fotografia sem Arrego deste mês de Setembro aborda o contraste entre a gula através do fast food, juntamente com a situação de pessoas que vivem no mesmo cenário, mas sem condição de poder selecionar o que comer. O resultado do contraste entre ambos é basicamente o mesmo - enquanto uns morrem de fome, outros morrem por conta daquilo que come em excesso. E você, já almoçou hoje?

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As sam u a c s a g o r o, i d c í v a, i c n ê m nd e e o r p t e d es d , e m i r c . o m a a t a m m é l eva t a a n e s e a i as M . famíl eia d a o c ã á n e d s ga ga o o r r d d A l a a u q , a i e a? d m ca s e e la m

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O sistema carcerário é alvo de críticas que vêm de todos os lados. Fala-se da falta de estrutura para receber detentos, do descaso do Poder Público que não investe em manutenção, do não julgamento de milhões de inquéritos, da revista vexatória (que foi proibida em São Paulo por lei sancionada em 13 de agosto de 2014) e até mesmo da ideia de diminuição da idade mínima penal. Entre tantos os tópicos discutidos, existe o que diz respeito à superpopulação que existe nos presídios tanto masculinos como femininos no Brasil. Segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça em 4 de junho de 2014, o País hoje tem a 3ª maior população carcerária, sendo 50% maior do que a suportada pelas nossas prisões. O número total abrange 711.463 presos, ou seja, são cerca de 355 mil pessoas a mais em cárcere privado. É uma conta que passa muito longe de fechar. No ano de 2009 foi criada pela Câmara dos Deputados uma CPI do Sistema Carcerário, que surgiu depois do grupo responsável percorrer o Brasil observando o sistema prisional (inclusive o Complexo de Pedrinhas no Maranhão, já alertado como muito preocupante na época). Eles apresentam como principais itens de investigação - além da superlotação - os custos sociais e econômicos das prisões, a violência que ocorre dentro delas, a corrupção, o crime organizado e a permanência de detentos que já cumpriram sua pena. Foram propostos doze projetos de lei para mudar essa situação, como penas alternativas e medição do IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] para o sistema carcerário, e até hoje nenhum deles avançou. Em 2011, entretanto, foi arquivado o projeto que diz respeito ao Estatuto Penitenciário Nacional, que segue parado desde então. Este projeto de lei prevê que presos sejam separados em celas por categoria de delito cometido e que os presídios sejam inspecionados mensalmente pelo Ministério Público, por juízes e pela Defensoria. Mas o que agrava essa situação e aumenta o número de detentos? É importante lembrar que a escolha por penas punitivas é um resquício de séculos passados, em que se acreditava que a penalização é eficaz para

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diminuir a criminalidade. Cada vez mais o Brasil manda pessoas para a cadeia, sem que nenhum plano seja traçado com outras medidas educacionais e prestativas de ressocialização, ou que se questionem as leis criminais e o quão efetivas elas são. Para Daniel Biral, advogado membro do grupo Advogados Ativistas, “o sistema carcerário baseado na Lei de Execuções Penais, que observa os tratados internacionais de Direitos Humanos, nunca foi cumprido no Brasil. Esse é um dos principais fatores que leva ao aumento do população carcerária e, consequentemente, à degradação da situação humana. Assim como impossibilita a recuperação social e psicológica, muitas vezes agravando as condições dos indivíduos. Podemos verificar que a falta de estrutura e de condições básicas evidenciam a calamidade do sistema carcerário. Além disso, existe uma falta de mão de obra técnica e eficaz, que faça cumprir a legislação vigente.” Somos o terceiro país no ranking de maior população presidiária e convivemos diariamente com o abandono e o descaso, tanto com o próprio sistema carcerário quanto com todos os presos, que se amontoam em pequenos cubículos apertados e muitas vezes sofrem violência de companheiros de cela e principalmente de policiais. Os direitos previstos em lei vão desde alimentação suficiente; vestuário; descanso e recreação; assistência material, jurídica, educacional, social, religiosa e à saúde; até atos como chamamento nominal, igualdade de tratamento e visitas em dias determinados. Isso é o que encontramos ao ler o art. 41 da Lei das Execuções Penais, e isso é o que muitas vezes - quase sempre - não é respeitado no dia a dia desses indivíduos. Muito se questiona sobre como isso reflete na ressocialização do detento depois que ele deixa a prisão, e muitas pessoas alimentam a crença popular de que a maioria deles saem do cárcere piores devido a possíveis revoltas. “Na realidade, acho que nenhum lugar pode transformar um pessoa tanto assim, no sentido maniqueísta. Entretanto, é um fato a ser analisado que a prisão e a morte da população

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periférica não diminui os índices de crimes e violência na sociedade. Portanto, a política pública que conduz para esse drama vivido pela população carcerária - que é a primeira vítima de uma sociedade desequilibrada - é o principal fator de impossibilidade de recuperação dos indivíduos marginalizados”, conclui o advogado Daniel.

Quando falamos das mulheres em situação de cárcere privado, a situação é muito mais delicada. Os direitos da população presidiária feminina são em sua maioria violados, e a cada ano que passa o número total de presas aumenta mais e mais. Dados da Pastoral Carcerária (ação da Igreja Católica que tem como objetivo contribuir para os direitos humanos e dignidade no sistema prisional) mostram que de 2000 para 2006 o número de detentas deu um salto de 4,55%. Dados mais recentes de estudos do Depen [Departamento Penitenciário Nacional] mostram que não são mais 14 mil como em 2006, mas sim, 30 mil mulheres encarceradas hoje. O departamento também aponta como 50% da causa das detenções o tráfico de drogas; o que levantou recente discussão sobre o papel da proibição dessas substâncias para o aumento do


número de indivíduos presos, principalmente mulheres, que no comércio ilegal são colocadas em posições inferiores e de mais fácil acesso do que a de quem está por trás da prática da venda. Ainda existem os casos em que foram flagradas levando drogas para companheiros já em situação de cárcere – o que evidencia ao máximo a subordinação de gênero. Em sua maioria são mães de família, negras e não recebem visitas dos companheiros.

recebido ameaças de delegado no Deic [Divisão Especial de Investigação e Capturas]. Além dele, vieram à tona casos de ativistas que foram buscados em suas próprias residências. “No caso dos detidos em manifestações, muitos deles foram encaminhados para o sistema carcerário de maneira preventiva. Só esse fato demonstra a total discrepância entre a necessidade e a periculosidade dos indivíduos”, reflete o advogado Daniel.

Também existem os episódios de manifestantes presos. Podemos citar como caso mais recente o estudante Fábio Hideki, de 27 anos, detido em flagrante forjado em um dos protestos contra a Copa do Mundo, que aconteceu no dia 23 de junho de 2014 em São Paulo. Sua liberdade veio quarenta e cinco dias depois, no 7 de agosto. Em entrevista concedida na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da USP [Universidade de São Paulo], Fábio disse ter sofrido agressões de um policial e

São muitos os exemplos que podem ser dados quando resolvemos fazer uma análise do papel das prisões na sociedade hoje. O abandono e atraso quanto à sua estrutura esconde, sem nenhuma dúvida, problemas de cunho social que vão desde a luta de classes em um sistema capitalista, até a defesa de interesses particulares e maiores que não são afetados pelo que acontece nas celas Brasil afora. E, se partirmos da discussão iniciada no Editorial desta Guerrilha - em que a palavra "droga" em sua etimologia vem do árabe “charlatanismo”- podemos considerar as cadeias brasileiras como pertencentes ao grupo das drogas extremamente prejudicias.

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"O fanatismo consiste em intensificar os nossos esforços depois de termos esquecido o nosso alvo."

- utilizando-se da bandeira contra o PT, o fanatismo espalha seu ódio disfarçado de senso-comum no diaa-dia, principalmente nas redes sociais.

A frase acima é do filósofo espanhol George Santayana - e foi escrita durante o período mais conturbado do século XX, quando o fascismo encontrou sua fonte de poder e lucro na Europa. Apesar de termos passado mais de meio século desde então, o sentimento de ódio prevalece mais do que nunca em nossa realidade, fantasiada de sensocomum. No Brasil, o alvo se torna cada vez mais claro

Batemos um papo sobre o assunto com a professora Esther Solano, que leciona Relações Internacionais na Unesp - "Sempre devemos estar questionando as normas e os costumes aceitos porque estes podem ser muito repressivos." contou para o Guerrilha GRR. E de fato, o tema acaba nos levando novamente para um lema muito utilizado pela classe conservadora no Brasil, que é o da "tradição" e o da "família". Quando um

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jornal solta uma reportagem sobre o casamento gay por exemplo, boa parte dos leitores já possuem frases feitas sobre o assunto: "Ditadura gay", "Não posso ter o direito de discordar?", entre outras. Todas fazem parte de um roteiro pré-fabricado pela classe conservadora para espalhar o ódio contra as minorias, no caso, os homosexuais. Mas de onde vem essa tendência conservadora e qual a sua influência sobre a classe média? Para Esther, "cada vez mais a sociedade brasileira vem se deixando levar por esses discursos radicais que acabam gerando uma situação de histeria social e ânimos cada vez mais acirrados que dificultam o diálogo." então nos cabe descobrir quem ganha o que com todo esse conflito, que dificulta o diálogo e o desenvolvimento de ideias progressistas que já estão sendo implantadas em outros países - como a legalização da maconha, do aborto ou do casamento entre pessoas do mesmo sexo. A Igreja Católica, junto com as evangélicas, possuem um papel fundamental na construção de temperamentos e comportamentos desde que nascemos. Isto porque o Brasil é um país fortemente guiado pela religião, em diversas camadas sociais. Quando somos crianças, aprendemos o que Jesus aprovaria e o que ele não aprovaria - e se fizermos errado, podemos pagar pelos nossos pecados no futuro. Esse tipo de pensamento pode ser considerado um dos pontos principais na construção do senso-comum atualmente.

Segundo Carlos Bregantim, um dos mentores do projeto Caminho da Graça, “as instituições religiosas utilizam de seus mecanismos de alienação através da fé para determinar a forma de analisar os fatos em seus seguidores.” - por exemplo, devemos lembrar que a maioria dos evangélicos no Brasil possuem baixa renda. E mesmo pertencendo a classe menos favorecida, acabam acreditando desde cedo que pautas como a legalização do aborto são “infiéis”, pois vai contra a pregação de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, diversas pesquisas sobre mulheres que sofreram abuso sexual e acabaram engravidando posteriormente comprovam que a maioria delas vem das classes mais baixas. “Isso não se limita aos evangélicos. Não podemos esquecer que o Brasil ainda é em sua maioria um país cristão, que responde ao Vaticano e suas crenças e desmandos.” - reafirma Carlos Bregantim. Uma das possíveis soluções para a influência negativa da religião sobre a formação de opinião de seus “seguidores”, foi a criação do Caminho da Graça. Segundo Carlos, não se trata de uma instituição religiosa - e sim de um grupo de individuos que se reunem semanalmente em todo o país para debater diversas pautas, algumas até fora da religião. E o mais importante: de forma horizontal. O mais interessante é que outras instituições utilizam dos mesmos mecanismos oferecidos pela religião para pautar temas e criar pontos de vista genéricos sobre

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assuntos polêmicos, como a própria mídia tradicional. No começo das Jornadas de Junho, boa parte dos editoriais de grandes veículos como Folha de São Paulo e O Globo criminalizaram as manifestações e praticamente imploraram por mais repressão do Estado contra os manifestantes. O resultado foi caótico - a ponto de que a repressão atraiu mais apoio popular através das redes sociais, que denunciavam o abuso policial durante os atos. Além de ter jornalistas, fotógrafos e funcionários feridos pela Polícia Militar, tais veículos começaram a se articular para que a pauta original das manifestações fosse deixada de lado aos poucos - pautando então o Projeto de Emenda Constitucional 37, a famosa PEC37. Um projeto praticamente nulo, longe de ser motivo para uma rebelião popular, mas que envolvia o fator político preferido da mídia - a corrupção nos partidos políticos, preferencialmente no PT, claro. E depois de dez anos relacionando o termo “corrupto” como algo exclusivo da política e do Partido dos Trabalhadores, finalmente a mídia conseguiu em suas mãos a possibilidade de utilizar dessa pauta para desarticular um movimento válido e original, transformando-o em manifestações sem caráter político. Ou seja, a mesma mídia que criminalizou o começo das Jornadas de Junho, viu ali uma oportunidade de manipulação e a fez,

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transformando atos pela redução da tarifa de ônibus em um carnaval pela Avenida Paulista contra a corrupção. E claro, posteriormente houve o crescimento gradual da presença de ativistas da tática Black Bloc nas manifestações, quebrando janelas de bancos pelas ruas do Brasil. Bancos que, são os maiores financiadores da mídia na atualidade - financiadores não, parceiros; irmãos. Foi questão de tempo para a grande mídia penetrar na mente alheia o senso-comum de que “vandalismo” não é uma forma justa de protesto. E o mesmo acontece agora, com o MTST, que vem batendo de frente com as empresas de construção em São Paulo. E assim se cria o senso-comum. A tendência é que isso vá se tornando cada vez mais greve - porque cada vez mais existe a necessidade da aplicação de políticas progressistas pelo mundo. Cabe a nós como sociedade, tentar reverter o quadro - se utilizando de exemplos como o Caminho da Graça, acabando com hierarquias, e transformando algo que se dizia “certo” em debate democrático e justo.


Vo cê pro vave lm e nt e já d eve

t e r c o mp a r t i l h ad o o u v i s t o

u m a c h a rge d e l e e sp a l h ada

p e l o Fac e b oo k . O i l u s t rad o r d o mês d e Ago s t o s e c h am a V i t o r Tei xeira - e l e f i c o u c o n h ec i d o

p o r s u a s di ve r sa s c h a rge s c o m

c rít i c a s p o lít i c a s, p aut a n d o

t em a s p o lêmi c o s que gra n d e

p a r t e da mídi a t radi c i o n a l não t em ao m e n o s a

c o ragem d e d e b at e r.

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GUERRILHA: Como e quando você começou a desenhar e quais foram as suas inspirações e exemplos? VITOR TEIXEIRA: Comecei rabiscando caderno de receita que eu pegava na cozinha. Minhas inspirações atuais são pessoas que utilizam seu trabalho como ferramenta social, dentro ou fora das artes visuais. Seja fazendo ilustra pra cartilha de ensino público ou pixando muro de playboy.

GRR: Boa parte do seu trampo disponível nas redes sociais tem relação com fatos políticos. Trata-se de um foco específico ou o seu trabalho abrange outras temáticas? VITOR: Meu trabalho atualmente está focado nos cartuns pra internet. Gosto de outras abordagens, mídias e temáticas, mas meu foco agora é incendiar debate político na rede, pegando assuntos que variam conforme os acontecimentos diários, sempre com atenção às injustiças sociais. Além de acompanhar a mídia corporativa e independente, o contato com ativistas, movimentos, organizações e partidos de esquerda é imprescindível para eu ter idéias e colocá-las em prática.

GRR: As charges já tinham um amplo espaço com as redes sociais, mas desde Junho do ano passado, tivemos um grande destaque de artistas surgindo, como você e o Adriano (Pirikart). Você acredita que as Jornadas de Junho acabaram dando maior alcance ao trabalho de vocês? VITOR: As jornadas de junho colaboraram muito para o alcance do meu trabalho. Na época muita gente que não tinha interesse em debater idéias entrou na dança e compartilhou desenho meu. Mas não sou defensor das "causas" dos "sem partido", muito populares nas ruas naquele período. Junho foi apenas um trampolim para eu ser encontrado por aqueles quem eu realmente represento no meu trabalho.

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GRR: Mesmo como artista, você sempre deixou claro seu posicionamento político de esquerda. Tendo dito isso, você acredita que algum dos candidatos a presidência possui um programa político progressista capaz de compreender as Jornadas de Junho? VITOR: Não é falsa modéstia, mas não me considero artista. Sou apenas um companheiro que desenha (risos). Não acho que nenhum dos candidatos tem força política, dadas as condições atuais, pra impulsionar uma reforma política partida do planalto. Quem está fazendo isso é a sociedade organizada, apesar do silêncio dos grandes meios de comunicação. Está em curso uma campanha nacional para realização de um plebiscito popular, organizado por dezenas de movimentos sociais, que vai propor uma constituinte exclusiva. Pressão popular, esse é o único caminho.

GRR: Se puder, conte para nós como foi a elaboração da arte para a capa dessa edição como foi a escolha dos elementos, a forma de abordar o tema, etc. VITOR: Quando faço trabalhos para revistas como essa, tenho mais liberdade artística do que preocupação em acertar uma idéia pra viralizar na rede e atingir a massa. Aproveitei pra fazer algumas colagens, brincar com texturas, coisas que não costumo fazer nos cartuns diários. O uso e a atual política contra as drogas são antagonistas, tentei expressar esse paradoxo.

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Os meses de junho e julho ficarão marcados na história do país por diversos aspectos. Primeiro, por termos recebido o evento esportivo mais famoso do mundo; segundo, por termos perdido em casa de forma vergonhosa para a a seleção alemã na semifinal. E, claro, por diversas manifestações e ações populares que foram neutralizadas pela FIFA com o aval do Estado, o que gerou dezenas de prisões políticas e muita repressão. Neste ensaio, o Guerrilha GRR apresentará as fotos clicadas por nossos fotógrafos Francisco Toledo, Vinicius Monteiro, Águida Carneiro, Rafael Bonifácio e Gabriel Soares desde o dia 12 de Junho, na abertura da Copa, até 13 de julho, em sua final no Rio de Janeiro.

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Nem me preocuparei em mencionar a Cannabis nesse artigo, que nos seus 9 mil anos (7000 a.C.) de relatos sobre sua existência e utilização, nunca teve caso algum de morte por consumo excessivo, muito pelo contrário inclusive. Bom, pra começar, em um relatório da ONU, o consumo de drogas lícitas e ilícitas é ligado a 250 mil mortes anuais no mundo, 8 mil delas no Brasil (segundo registros do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde). Os opiáceos, pelo consumo por injeções sujas levando a infecções por HIV, ficam em 5° lugar no ranking anual. O álcool tem muitas mortes por doenças cardíacas, no entanto, as doenças cardíacas são milhões de vezes mais relatadas pelo consumo de carne. Então talvez o álcool seja apenas o cúmplice do verdadeiro vilão: o tecido muscular animal. Segundo um relatório de 2004 da Organização Mundial da Saúde, no ranking das principais causas de morte anuais mundiais, de 10 doenças apresentadas, pelo menos 4 delas estão diretamente ligadas ao consumo de carne, e outras 3 são causadas por fatores intrínsecos da cadeia de comercialização de carnes. Com base em dados de 2002, o ranking era liderado por: ­­­­­­­­­­­­­­1° -­ Câncer ­ 7,6 milhões ­ Doença tabagística, ou por alto consumo de carne? 2° -­Isquemia cardíaca ­7,2 milhões ­Doença por consumo de cocaína, ou por sedentarismo, ou por alto

consumo de carne? 3° -­AVC (Acidente Vascular Cerebral) ­5,5 milhões.­ Doença por alto consumo de carne, ou alto consumo de substâncias psicoativas? 4° - ­Infecções respiratórias (pneumonia, bronquite etc.) ­3,9 milhões ­Doença por alto consumo de poluição, devido a transporte de carne, ou por alto consumo de Cannabis? 5° - ­Aids ­2,8 milhões ­Doença por fazer sexo sem jesus no coração, por consumo de crack, opiáceos, ou Cannabis? 6° - ­Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) ­2,7 milhões ­Doença tabagística, ou por alta exposição a fumaça tóxica, ou por alto consumo de Cannabis? 7° - ­Doenças diarréicas (cólera, amebíase etc.) ­1,8 milhão ­Doenças causadas por bactérias do mundo carnívoro, ou por alto consumo de Cannabis? 8° - ­Tuberculose ­1,6 milhão ­Doença causada por vírus, ou por alto consumo de tabaco, ou por alto consumo de Cannabis? 9° - ­Malária ­1,3 milhão ­Doença endêmica causada, ou que pode ser curada pelo alto consumo de Cannabis? 10° - ­Diabetes ­1 milhão ­Doença crônica relacionada a altos níveis de açucar (carboidratos), gorduras (colesterol) e ferro (carnes) em excesso; ou por alto consumo de Cannabis? ­­­­­­­­­­­­­O escritório da ONU contra as Drogas e o Crime (ONUDC) também apresenta um dado de: 38,6 milhões de pessoas que usam de forma habitual cocaína, ou derivados do ópio, ou ambos, e 22 milhões de pessoas consumidores de narcóticos injetáveis. Na matemática simples arredondando um pouco: 1 ­- 80 milhões de consumidores de psicoativos ­250 mil morreram = 0,3% de seus consumidores. 2 -­6,9 bilhões de consumidores de carne (que por consequência também são os desmatadores de florestas e responsáveis pela poluição ambiental levando a outras doenças crônicas e endêmicas) ­30

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milhões morreram = 0,4% de seus consumidores. Se o uso de substâncias psicoativas fosse descriminalizado, provavelmente o número de mortes seria ainda menor, pois a qualidade das substâncias seria mais regulada. Assim como o uso de carne, que se fosse bem estudado, seria utilizado apenas em raras refeições e jamais passaria por um processo industrial de criação de animais ou seria alterada com inúmeras substâncias tóxicas que são incompatíveis com a natureza biológica do humano. As semelhanças são tantas que podemos dizer que carne é a droga do séc. XX e XXI e é tipo Ópio, Oxi ou Krokodil.

Cada vez mais análises feitas por universidades ao redor do mundo associam ao consumo de carne uma gama de enfermidades. Todas elas analisando também outros potenciais vilões, recolhendo informações completas sobre a dieta, hábitos tabagísticos, atividade física e índice de massa corporal das amostras humanas, incluindo comparações entre veganos, vegetarianos e onívoros. Uma pesquisa do Departamento de Medicina Celular e Molecular da Cleveland Clinic, em Ohio, mostrou que a digestão do nutriente L­ carnitina presente na carne, leva a produção de uma substância (N­óxido de trimetilamina) que aumenta riscos de entupimento dos vasos sanguíneos. A carne processada (bacon, salsichas, presunto, mortadela, salame, hâmburgueres, esfihas industriais, coxinhas industriais, etc...) aumenta em 72% o risco de morte por doença cardiovascular e em 11% o risco de cancro mortal, segundo estudo da European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC), publicado em março de 2013 na revista científica BMC Medicine. Os cientistas responsáveis pelo estudo observaram uma co­

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relação proporcionalmente maior, entre as taxas de mortalidade precoce e a quantidade de carne processada ingerida. O estudo foi organizado pela Universidade de Zurique. A relação foi feita entre o consumo de carnes vermelhas, brancas e processadas. Pesquisadores liderados por An Pan, da Harvard School of Public Health, analisaram informações de saúde e de hábitos alimentares de mais de 121 mil homens e mulheres americanos que participaram de dois estudos de longo prazo sobre bem estar e obtiveram os mesmos resultados em março deste ano. A pesquisa estima que caso todos os participantes do estudo se limitassem a 42g ou menos de carne vermelha por dia (cerca de meia porção padrão), mais de 10 mil mortes prematuras relacionadas à dieta poderiam ter sido evitadas (hoje o homem comum come em média de 3­6 kg por dia). Um estudo realizado pela UNIFESP, por Galli Coimbra, relaciona a doença de Parkinson a carne vermelha. Diversas outras pesquisas apresentam resultados semelhantes para doenças crônicas como Alzheimer, até mesmo asma e rinite. Segundo o site Veggie & Tal, a Universidade Fulda de Ciências Aplicadas da Alemanha tem estudo que relata crianças de 5 para 6 anos de idade com crescimento prematuro. O estudo publicado no Journal of Nutrition afirma que as crianças que consomem mais carne e produtos lácteos entram na puberdade quase um ano mais cedo do que aquelas com um menor consumo. Puberdade precoce desenvolve diversos tipos de câncer, doenças cardíacas e distúrbios psicológicos. Em 2010, o jornal Pediatrics publicou um estudo com os mesmos resultados. Ainda há estudos que relacionam a carne vermelha a infertilidade masculina. O teor de colesterol da carne suína não é mais elevado que a maior parte das outras carnes (bovina, vitelo, carneiro), ou seja, carne é carne. A carne de animal criado sem condições higiênicas,


pode conter toxinas perigosas, vermes e doenças não­ visíveis. Muitas dessas infestações são mais encontradas em porcos, pois são altamente onívoros, com uma dieta extensiva incluindo virtualmente qualquer tipo de alimento comestível, inclusive eles mesmos ­canibalismo ­porém, galinhas em situação de stress também se bicam e esses animais também costumam ficar em granjas extremamente sujas. O que o peruzinho da Sadia não te fala, é que 98% da carne consumida no mundo é produzida; ou é processada, ou cresceu a partir de ração transformada com hormônios, estimulantes, anabolizantes e outros antes. Carne processada foi definida como aquelas que tem conservação prolongada pelo uso de defumação, cura, salga, ou com a adição de conservantes químicos. O sal refinado presente nas carnes processadas é pior que a raspa da lata. Os animais não são caçados, não se materializam na caixinha e não ficam em um pasto verde lindo com sua família correndo pelos campos. Na verdade, eles são tratados como qualquer outra matéria­prima de uma indústria que vende produtos: permanecem em ambientes minúsculos, fechados, 24h comendo ração-lixo e com esgoto aberto no qual até suas crias ficam ali esperando a morte. Que esses animais que se alimentam de lixo e vivem no lixo, ainda morrem com uma idade que seria correspondente a pouco mais 1/3 de sua vida normal em liberdade, quando tem sorte, alguns chegam a morrer com 4 meses ou recém­ nascidos. Claro que todas essas impurezas passam para o próximo consumidor da cadeia, assim como qualquer outro elemento da natureza.

Normalmente, o consumidor de carne não reflete sobre a postura nazista que exerce sobre a Terra, e por consequência sobre todos os seres vivos, humanos inclusive. Normalmente, o homem bem sucedido, viril tem que ser carnívoro ou poderá se tornar fraco, burro e infértil. Ele precisa ser o topo da cadeia alimentar que a sociedade capitalista induz em seu pensamento todos os dias. Com um julgamento erróneo de que são o topo da cadeia, os seres humanos se esquecem que não existe topo em um ecosistema apto para receber a vida humana, e que todos os seres vivos são iguais perante a lei do direito a vida. Também não sabem ou não são incentivados a saberem que, ao consumir uma droga que não é alimento, e quando digo droga digo carne, e quando digo carne estou falando de todos os tipos mesmo ­não vem com papo de frango, peixe, carne "kosher", etc., carne é, por definição o tecido muscular de animais ­, estão além de tudo financiando a exploração da Terra da pior maneira possível. Carne necessita de milhõs de litros de água para a produção da ração do animal, mais milhões de litros de água para o funcionamento das máquinas da indústria, mais milhões de hectares de florestas desmatadas para realizar o plantio da ração (80% da soja mundial) e obter espaço para dispor os animais (cerca de 200 mil km2 por ano). Depois ainda jogamos as sobras desse processo industrual na água. Não satisfeitos, pegamos esse produto (leia­se lixo), embalamos em mais lixo e distribuí­se por 99% do território mundial consumindo petróleo, produzindo CO e CO2 e por aí vai. Cerca de 18% dos gases do efeito estufa são

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da produção de carne, ou seja, mais do que todos os meios de transportes mundiais juntos, e ainda por cima, grande parte dos transportes mundiais são utilizados para transportar, advinha o quê? Para não esquecer da parte final do ciclo, os restos dos cadáveres­ produto digeridos pelo seres (des)humanos não são enterrados para que possam ser decompostos e retornarem a Terra, preferimos jogar tudo no nosso copo d'água. Especismo é quando escolhemos algumas espécies, em detrimento de outras, para receberem o privilégio de continuarem vivendo em meio a espécie humana de forma livre. O assassinato sem escrúpulos de seres vivos da mesma espécie e em um ritmo cada vez mais acelerado desde, que o plano imperialista capitalista do American Way of Life começou a entrar em execução global na guerra do Vietnã (estima­se que o consumo de carne por pessoa triplicou desde a guerra); impôs que a receita do sucesso é acreditar na televisão e ser um bom animal de estimação do capital, acabando com a Terra e com a vida em geral e consumindo doses letais de drogas.

Esse parágrafo é mais dedicado aquele pessoalzinho da esquerda libertária anticapital e antifascista. Não comer carne é uma das posturas mais dignas de um humano libertário, que combate a opressão, tortura, e todo tipo de violência com outro ser vivo, seja ele de mesma espécia ou não. Seria algo semelhante ao federalismo ou internacionalismo, mas no caso pensando na igualitoriedade, não dos Estados, não das cidades, mas dos Reinos da Natureza, talvez. Com o conhecimento de que há 2,5 mil anos atrás teve até início o jainismo, corrente religiosa que defende a proibição do consumo de carne por razões éticas.

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O hinduismo e budismo não proíbem mas também não aconselham o consumo e o judaísmo, islamismo e catolicismo fazem várias restrições quanto ao seu consumo. Fato é que hoje, temos questionamentos suficientes para abordar o tema de uma dieta vegetariana sob a ótica filosófica e defendê­la como um direito humano e vivo. É comum na sociedade, a prática especista de aceitar o consumo de quadrúpedes como vacas, porcos, carneiros, cabras, javalis, lebres, rãs, jacarés, crocodilos; mas de alguma forma se sentir no direito de cobrar o consumo de outros quadrúpedes como cachorros, gatos, hamsters, porquinhos da índia, cavalos...isso não é muito igualitário ou digno de um espírito de irmandade. E para os que acham que é impossível combater o capital parando de comer carne, experimente fazer reciclagem na feira livre mais próxima de seu bairro para conseguir alimentos isentos de impostos. Retome esse contato sem preconceitos com os alimentos, com a sujeira, ou o "lixo". Ou melhor, estude métodos permaculturais de agricultura urbana e ponha a mão na massa, volte a cozinhar e a estudar gastronomia, ciências, biologia, botânica. Boto fé que vai descobrir uns baguio loko. Perca o medo de conseguir, talvez até alguns anticorpos e alguma experiência a mais sobre os ambientes e as coisas que são naturais da Terra e dos seres vivos e o que esta sendo efeito colateral da intervenção humana. Enquanto muitos passam fome nas Américas, África e Oriente, a produção de animais para consumo tem comida suficiente para alimentar 1,4 bilhões de pessoas por ano. ­­­­­­­­­­­­­­­­­A desintoxicação­ Segurança Pública, Saúde Pública, Cultura e Meio Ambiente e como combater o consumo de carne. Hoje, estima­se que 50 milhões de pessoas na China (25% da população) sejam vegetarianas, segundo pesquisa realizada pela Public Radio International. No Brasil temos cerca de 20 milhões (9% dos brasileiros) de vegetarianos e crescendo ­cerca de 30% da população já declarou em pesquisas estar no caminho


de abolir a carne e derivados de animais de suas dietas, de acordo com o grupo Ipsos. Isso equivale a em média 2,5% da população mundial. Então, fazendo uma estimativa, teríamos hoje em torno de 5% a 10% da população mundial de vegetarianos, contando que eles tem mais representatividade em países do Oriente como a Índia, por exemplo. Como medida de Saúde Pública e redução da violência, atingir um nível de consciência social em que o consumo de carne ­devido a sua relação explícita com 90% das mortes de hominideos anuais, mais as mortes de 20 bilhões de outros animais por ano, mais a morte de milhares de hectares ao ano ­, é essencial. Que seja tão criminalizado quanto a Cannabis, que mesmo com o preconceito e os interesses econômicos ligados a proibição de seu consumo, e suas mortes derivadas da proibição, ainda assim mata milhões de vezes menos que o consumo de carne. Ter um espaço maior para iniciativas que não envolvam carne. A redução do consumo de carne, assim como qualquer outra coisa na vida, é muito mais fácil em coletivo. Talvez criar algo como um "Carnívoros Anônimos" ou "Grupo de Apoio ao Veganismo", ou por exemplo, dar incentivos a restaurantes que reduzam os seus pratos que contenham carne, dando mais espaço a pratos sem tecido muscular animal. Convenhamos também que largar o vício da carne não é nada fácil, ainda mais quando a intenção da sociedade vigente é justamente o oposto. Mas a reabilitação é muito menos sofrida, semelhante aficar sem fumar Cannabis, por exemplo...assim fica mais fácil né? Pra ajudar mais ainda, o site citado nessa matéria, o Veggie & Tal, é um ótimo portal para quem busca mais informações sobre o assunto. É mantido por uma família de veganos e todo conteúdo é empírico ou com referências às fontes. Outro excelente portal de referência sobre o tema é o Sociedade Vegana, formado por jornalistas autônomos e envolvidos em diversos grupos de defesa dos direitos animais e difusão do veganismo ao redor do mundo.

A Associação Dietética Americana e os Nutricionistas do Canadá consideram a dieta vegetariana como apropriada para todos os estágios do ciclo de vida. Um artigo da Scientific American Brasil diz que "cientistas descobriram também que o feijão, as nozes e castanhas, leite magro e grãos integrais são substituições saudáveis para uma porção de carne vermelha" e ainda que, ferro consumido em excesso na realidade é o grande fator de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas. Alimentos de origem vegetal são ricos em fitoquímicos, bioflavonóides e outras substâncias que os vegetais produzem para se proteger de agentes externos. Ainda de acordo com o site Sociedade Vegana, por volta de 4 milhões de anos atrás, quando o hominídeo começou a se deslocar devido a escassez de alimento derivada do aquecimento global; desenvolveu a habilidade bípede e foi obrigado a adotar o novo hábito alimentar de comer carne de animais que já estavam mortos, por serem bombas de energia, estratégicas para consumo apenas em situações desérticas, inóspitas, apocalípticas...do contrário, eles preferiam não comer a carne, por gastar muito mais energia para ser digerida e muito mais energia na caça. Ou seja, só comemos carne hoje por vício. E ela é produzida com substâncias que viciam nosso cérebro. Iludido, o viciado em carne vai definhando ao longo dos anos e sua enfermidade não se restringe a ele, atingindo todos os outros seres vivos da Terra, inclusive humanos onívoros, vegetarianos e crudívoros. De certa forma a carne seria uma droga que produz um parasita ou vírus hominideo, causador de inúmeras doenças. E aí, o que é droga pra você? Por: (A)Pagu Bororo Kay­gang

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Por Marília Cyrne

A sociedade tem vícios que deixam as pessoas doentes. Um deles, é a busca pelo corpo ideal.

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“Transformou-se em um vício. Minhas tardes resumiam-se em comer, comer e comer. Depois, vomitar o máximo que podia. Foram três anos assim. Claro que havia períodos onde isso era extremamente intenso, todas as tardes, assim como havia semanas onde isso acontecia apenas duas ou três vezes. Mas eu nunca conseguia parar de fato. Meus dentes começaram a ficar com o esmalte desgastado, minha garganta estava cada vez mais frágil, incomodava todos os dias. As dores nela muitas vezes eram terríveis, graças ao suco gástrico que vinha junto como vômito provocado e que desgastava ambos. Minha família ouvia por detrás da porta do banheiro e não fazia nada. Apenas um dia me falaram: 'você vomita para chamar a atenção.' Essas são as lembranças mais fortes que tenho dos meus 17 aos meus 20 anos. ”(M., 23 anos). O depoimento acima retrata a realidade de diversas adolescentes, jovens e mulheres que sofrem do distúrbio alimentar conhecido como bulimia. Após consumirem grandes quantidades de alimentos, geralmente com alto teor calórico e de forma incontrolável, procuram soluções para a perda rápida do que ingeriram, com medo do ganho de peso. No depoimento de M., vemos que a forma que ela encontrou para fazer isso foi através da indução do vômito. Há quem faça exercícios físicos a exaustão, quem ingira laxantes e diuréticos e quem faça longos períodos de jejum. “Um dia de férias, logo pela manhã, tive uma briga com meus pais. Eles saíram e eu comi oito pães. Logo em seguida o sentimento de medo de engordar tomou conta de mim. Corri para a academia e fiquei correndo na esteira por quatro horas, com intervalos muito pequenos. Meu corpo não aguentou e desmaiei. Chamaram meus pais, eles me levaram ao médico e só aí, depois de dois anos nessa situação, comecei a me abrir e iniciamos o tratamento.” (P., 28 anos) Diferente da anorexia, a bulimia não leva à extrema magreza, o que a faz com que muitas vezes não seja notada nem por quem esta dentro da própria casa. Ocorre uma flutuação do peso, variando entre o normal ou pequeno sobrepeso, que se dá geralmente em um estágio mais avançado, quando o

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corpo começa a guardar gordura - já que a alimentação não é bem feita graças a “expulsão” dos alimentos. Esse ganho de peso, então, leva a um descontrole ainda maior de portadores de bulimia. Como M. contou, o esmalte do dente e todo sistema gastrointestinal sofrem com a doença, principalmente o esôfago, corroído pelo suco gástrico, e o estomago, que pode, em casos mais graves, desencadear uma úlcera. Arritmias cardíacas, desnutrição, desidratação e problemas no ciclo menstrual também fazem parte do quadro. Como a bulimia nem sempre é tão evidente, o diagnóstico muitas vezes é difícil. Mesmo porque os portadores têm dificuldades de admitir até para si mesmos que se comportam de tal forma para perder peso, e em sua maioria escondem isso de outras pessoas. Para serem diagnosticados como bulímicos, os episódios de descontrole de ingestão de alimentos seguido de tentativas de perda de peso devem ocorrer no mínimo duas vezes por semana por três meses. A maior parte dos atingidos por bulimia são mulheres (1,5%) contra 0,3% sendo homens. Lembrando sempre que essas estatísticas são muito frágeis devido ao fator de encobrir a doença. Quem sofre de bulimia geralmente tem depressão e consegue organizar sua rotina a fim de encaixar o descontrole alimentar nele. Por vezes esconde comida, ou quando consome muito daquela que existe onde vive, tenta repor o que consumiu a fim de evitar que o resto da família perceba o que ocorre. Fazem dietas rigorosas. Esse quadro ocorre, principalmente, por pressão social e familiar. Nossa sociedade gordofóbica faz com que as pessoas tentem alcançar um padrão de beleza desnecessário de magreza que desencadeia a bulimia e vários outros distúrbios alimentares. O tratamento da bulimia conta hoje com terapia (pela qual muitas vezes não só o portador da doença, mas sim toda a família passam), antidepressivos e acompanhamento de nutricionistas. “Fiquei dois anos sem vomitar depois de ingerir algum alimento descontroladamente. Isso voltou a acontecer quando terminei com meu ex-namorado. Fiquei uma semana descontando na comida o problema, mas depois consegui parar. Isso já tem um ano. Considero que está tudo sob controle, mas até hoje não gosto de me olhar no espelho, não estou contente com meu corpo e sempre, sempre que algum problema mais grave acontece, minha primeira vontade ainda é vomitar.” (M.)

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GRR: Basel, onde você está agora? BASEL YAZOURI: Acabei de voltar do hospital Ah-Shifa. É o maior aqui de Gaza e mesmo assim fica impossível de andar de tantos corpos espalhados pelo chão, estão ali exatamente por falta de espaço. Aqui em North Rimal (distrito da Palestina) a situação vai além do crítico. GRR: Você chegou a registrar algum bombardeio da força israelense em Gaza? BASEL YAZOURI: Fiz o que pude. Geralmente quando ocorrem os bombardeios, recebemos um aviso para nos abrigar em locais seguros, como escolas ou hospitais. Infelizmente boa parte desses lugares acaba sendo alvo do bombardeio israelense. Eu mesmo estava em uma das escolas UNRWA semana passada quando começaram os bombardeios e ficamos sabendo minutos antes que a escola era um alvo. Foi complicado, porque se eu tivesse escolhido sair correndo provavelmente me tornaria alvo fácil. Resolvi ficar e rezar. A escola foi parcialmente atingida pelos bombardeios, mas não tive nenhum ferimento sério.

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GRR: O governo israelense diz estar se defendendo contra o Hamas. Aliás, já deixaram bem claro que o objetivo deles é aniquilar de vez o grupo. Na Palestina, como vocês enxergam isso? BASEL YAZOURI: Muitos palestinos apoiam o Hamas. As demandas do grupo são simples, não estamos pedindo que Israel suma do mapa como a mídia estrangeira faz parecer ser. Apesar disso, o Hamas não tem agido tanto quanto o governo israelense afirma. É só pesquisar as mortes do lado israelense, a maioria são militares, e não chega nem a 10, 20... Aqui não, já somos milhares. E a grande maioria civil, não do Hamas. Culpar o grupo é uma desculpa para varrer a resistência palestina do mapa.

GRR: Você chegou a dar de frente com as tropas israelenses? BASEL YAZOURI: Não. Na verdade acho que não estou pronto ainda. Muitos amigos jornalistas e fotógrafos me falaram que se não tivermos as credenciais exigidas pelo governo israelense, somos alvo. Eles não sabem diferenciar uma câmera de uma arma. Ainda mais para nós, que somos jornalistas e fotógrafos palestinos. Se algum soldado israelense resolver me parar e pedir identidade, não sei o que eles podem fazer comigo.

GRR: Você chegou a dar de frente com as tropas israelenses? BASEL YAZOURI: Não. Na verdade acho que não estou pronto ainda. Muitos amigos jornalistas e fotógrafos me falaram que se não tivermos as credenciais exigidas pelo governo israelense, somos alvo. Eles não sabem diferenciar uma câmera de uma arma. Ainda mais para nós, que somos jornalistas e fotógrafos palestinos. Se algum soldado israelense resolver me parar e pedir identidade, não sei o que eles podem fazer comigo.

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GRR: Aqui no Brasil, como em vários outros países do mundo, estamos vendo toda semana manifestações a favor do povo palestino. A mensagem tem chegado a vocês? BASEL YAZOURI: Sim, claro! Na última grande ofensiva israelense, pensávamos que estávamos sozinhos. A diferença é que agora temos as redes sociais para nos ajudar, e percebermos que o que a grande mídia fala é mentira. Fiquei sabendo de manifestações em Paris, quando o governo francês havia proibido. Isso é sensacional, nos dá esperança.

GRR: Você acredita que a situação irá se resolver nas próximas semanas? Até os Estados Unidos deram negativa ao governo israelense. BASEL YAZOURI: Não sei... sinceramente eu acredito que seja apenas o começo. Apenas uma intervenção militar de algum país aliado nos salvaria, porque o Hamas não tem força suficiente para nos proteger. E se isso acontecer, Israel será colocado na parede pela primeira vez na história. Imagina? Eles não permitiriam isso. Tanto aqui quanto na Síria e na Ucrânia, a situação vai bem mais além do que parece. As três guerras estão conectadas, é a Rússia contra os Estados Unidos. Isso vai render muito ainda.

GRR: A radicalização anti-Palestina do povo israelense favorece uma situação de guerra, não? BASEL YAZOURI: Completamente. Israel finalmente está tirando sua máscara de inocente e vítima. Isso é bom, porque, mesmo que a Palestina seja varrida do mapa, o mundo inteiro saberá 58

do que realmente se trata a política israelense: Imperialismo. Eles querem territórios e não vão parar apenas na Palestina. Mas a radicalização de um lado favorece a do outro também. Essa guerra deles contra o Hamas só tem atingido inocentes e dará mais poder ao próprio Hamas no futuro, com ou sem Palestina.

GRR: Nós do Guerrilha GRR agradecemos as fotos que você tem enviado para nós. E desejamos que você fique bem e continue com seu trabalho incrível. Tem todo o nosso apoio daqui. #FreePalestine BASEL YAZOURI: Obrigado amigos! Espero um dia poder conversar com vocês pessoalmente, em uma situação completamente diferente desta. Agradeço todo o povo brasileiro que tem nos dado suporte, compartilhando a nossa visão daqui sobre essa situação lastimável. #FreePalestine


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