texto completo | o parque como caminho

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“terminados os desenhos e cortes, começo a escrever o texto explicativo. é minha prova dos nove, pois se não encontro argumentos para explicar o projeto, é natural que o reveja, pois lhe falta alguma coisa importante.” oscar niemeyer, 1986

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O PARQUE COMO CAMINHO UMA ENSAIO PARA RECONCILIAÇÃO ENTRE A CIDADE E O TERRITÓRIO

1. GEOGRAFIA E A FORÇA DO LUGAR da fundação da cidade histórica de são paulo em 1554 até o final do século xix, a ocupação urbana se limitou ao platô à oeste do rio tamanduateí e às margens do vale do anhagabaú. uma colina-fortaleza protegida geograficamente contra os inimigos e as cheias dos rios por uma parede natural de 20m de altura, vencendo os níveis 725m a 745m. as águas velozes do anahagabaú rasgaram o único platô pré-existente e dividiram o território até que o mesmo fosse atravessado pelo viaduto do chá, onde a cidade expande-se para o centro novo. da praça ramos de azevedo à praça da república, o platô se dissolve em suave declive em direção ao rio tietê, diferente da sua margem oposta junto ao tamanduateí. 2. O ‘CÓRREGO DENUNCIADO’ havia também um corrégo d’água que cortava o platô à oeste, no sentido nortesul, com trechos de acúmulo próximos ao largo do arouche. essa pré-existência acabou se perdendo no decorrer da rápida urbanização, como em tantos outros córregos e rios que cortam os suaves vales da geografia paulista. “o tanque do arouche era uma lagoa existente, desde tempos imemoriais e hoje desaparecida, no local em que o largo faz esquina com a rua rêgo de freitas, lado de quem sobe. formava-se pelas águas brotadas das encostas da rua da consolação entre as atuais ruas rêgo de freitas e amaral gurgel. as águas transbordadas do tanque formavam um córrego, atravessando o largo do arouche e correndo entre as ruas d. maria e sebastião pereira, na direção à atual rua frederico steidel, e cortava a rua (hoje avenida) são joão e alamêda (hoje rua) helvética, indo formar nova e mais volumosa lagoa entre a alamêda glete, rua barão de limeira e alamêda nothmann, e a qual tranvazava para em seguida formar o córrego do carvalho.” relato de afonso de freitas, dicíonario do município de são paulo 3. O PROJETO COMO CAMINHO da praça roosevelt, o ponto mais alto dessa colina, iniciamos o percurso. do nível 765m, descemos a praça em direção ao elevado presidente joão goulart, a partir da avenida consolação. uma nova praça de acesso, diretamente conectada com a primeira, estabelece um espaço de chegada ao parque. as rampas de automóveis dão lugar a um suave declive que vence as diferenças topográficas numa arquibancada gramada que desdobra o solo em dois planos: o nível do chão e o nível do elevado. assim, são definidas novas superfícies para a proposta do parque minhocão, compreendendo a conformação geológica e as condições de ocupação urbana dessa região, estabelecendo diretrizes capazes de promover um parque que não se limita apenas aos limites da caixa viária, mas expande-se pela urbe, incorporando ao elevado a função de conectar esse espaços e atividades aos novos usos propostos. situação atual: imóveis subutilizados, abandonados e estacionamentos no entorno; elevado como sombra e obstáculo permanente; nível térreo e o elevado para uso e escala do automóvel; baixio com poluição visual, sonora e do ar; prejuízo à saúde ambiental; praças e largos cortados e/ou isolados do contexto do elevado. estratégia: definição de parâmetros urbanísticos e contrapartidas para novos empreendimentos na região adjacente ao parque; revisão do plano diretor; definição de um projeto integrado para o elevado, baixio e espaços públicos adjacentes. 6


4. A CONSTITUIÇÃO DE UMA POLÍTICA DE OCUPAÇÃO as praças, largos, ruas e avenidas foram pensadas como parte integrante de um íntegro sistema de espaços livres que requalificam e expandem as possibilidades de atividades e experiências para os usuários da cidade. assim, é possível estabelecer uma política de ocupação tanto para os espaços privados, através de diretrizes que visam coadunar com as intenções de projeto, composição da paisagem e aumento da densidade da região, quanto para os espaços públicos, que atualmente se encontram desconectados e corrompidos pela estrutura do elevado, incorporando uma degradação inerente às condições de isolamento. em resposta a isso, o nível térreo, imporante elemento de coalisão para essa proposta, foi recuperado através da remoção parcial de 1 a 2 vigas longitudinais a partir do eixo da estrutura, operação possível em decorrência à concepção estrutural do elevado em elementos pré-fabricados. essa ação, atrelada à recondução do fluxo intenso de veículos, promove salubridade no nível do chão e incorpora ao parque novas áreas permeáveis, acessos e elementos d’água que visam recuperar o antigo caminho do córrego anhaguera, integrando-o à população como um espaço de lazer e à cidade como um novo sistema de drenagem superficial. as soluções propostas para o elevado podem ser aplicadas à toda extensão de sua estrutura, contudo, o trecho contido entre a praça roosevelt e a avenida são joão dispõem do maior potencial de transformação em suas edificações e terrenos adjacentes, oportunizando novos programas de moradia e trabalho. 5. AS FASES DE IMPLANTAÇÃO o projeto poderá ser implantado em até 2 fases, em concomitância com as ações e políticas públicas indicadas a seguir. o primeiro trecho do parque se constitui ao longo da avenida amaral gurgel até o largo de santa cecília, com extensão de aproximadamente 990m, conectando a praça roosevelt até a avenida são joão. as políticas de ações urbanas a serem definidas para essa fase são: a. alteração do plano diretor nas 12 quadras delimitadas a partir do eixo da avenida amaral gurgel, adjacentes ao parque minhocão; b. implantação de operação urbana consorciada no trecho adjacente ao largo de santa cecília e o largo do arouche, áreas que envolvem também terrenos demarcados como de interesse para a implantação de habitação de interesse social, potencializando o interesse do estado na promoção de uma parceria público-privada que poderá catalisar as transformações propostas e oferecer novas unidades de moradia na região central; a segunda fase de implantação do parque é constituida a partir do eixo da avenida são joão, onde o elevado se estende por mais cerca de 1.700m, perpassando a praça marechal deodoro, vista em perspectiva com a avenida pacaembu, até a avenida francisco matarazzo, próxima de importantes pontos de interesse como o parque água branca, o memorial da américa latina e o terminal intermodal da barra funda. ao longo desse trecho deverão ser aprofundados os estudos para promoção de diretrizes específicas para a recuperação do patrimônio edificado ao longo das quadras adjacentes ao elevado, que são sítio de importantes obras de condomínios residenciais verticais de expoentes da arquitetura moderna brasileira, como os arquitetos rino levi, artacho jurado, franz heep, aron kogan, entre outros. além disso, o trecho histórico da avenida são joão conta com diversos estabelecimentos de cinema de rua que podem ser estrategicamente reativados dentro de uma política de recuperação específica para a via em sua integridade. 7


6. O CARÁTER DO PARQUE URBANO a proposta para esse projeto não é baseada em transformar a estrutura pré-existente do minhocão em um jardim, pois a hipótese é constituir um caminho urbano inserido num contexto que o torna único e exclusivo, possível pela resiliência incorporada a essa estrutura. em contrapartida, propõe-se a constituição de um plano de arborização urbana que será responsável por preencher o nível do caminho elevado, um passeio extraordinário na altura da copa das árvores e entre os edifícios da cidade, a singularidade desse lugar. o nível do parque na cota +760m será conformado e oportunizado pelas edificações adjacentes, que poderão desde sua concepção incorporar técnicas e soluções adequadas para implantação de vegetação e espaços de jardins sobre superfícies edificadas. 7. O TRÂNSITO este trabalho flui no campo das ideias, porém a materialização física dos embates reais de projeto são uma inquietação que nos leva a debater os modelos de cidade que desejamos cultivar. entre as possíveis alternativas de substituição da conexão leste-oeste estabelecida pelo elevado, a melhor proposta é a proposição de uma via urbana junto ao eixo ferroviário, ao norte, pois pode estabelecer a melhor resposta para a dinâmica metropolitana. para isso, o conjunto de trilhos sem uso e de espaços subutilizados ao longo dessa estrutura de propriedade pública e que dificilmente poderá ser absorvida pelo tecido adjacente - poderá receber uma nova condição urbana, um eixo equipado com ciclovias, arborização, calçadas e novas propostas para a drenagem urbana. assim, além de uma alternativa ao deslocamento motorizado, promove-se também uma nova proposta de renovação urbana, novas possibilidades que reverberam além das questões técnicas. 8. GENTRIFICAÇÃO os novos edifícios adjacentes às áreas de projeto terão como condição construtiva a destinação de 10% da área total do empreendimento para habitação de interesse social, priorizando as faixas 1 e 2, conforme já previsto em plano diretor. essa condição vai prover ao estado um caixa habitacional que irá assegurar a vitalidade urbana local e a permanência e acesso da população de baixa renda à habitação na região central. além disso, poderão ser previstas outras políticas publicas, como de estabilização dos valores de alugueis e vendas do imóveis, a exemplo de outras metrópoles que já enfrentaram esse processo.

9. ESTRATÉGIAS DE VIABILIDADE a condição financeira do projeto será oportunizada a partir de fundos oriundos de parcerias públicoprivadas (ppp), estabelecidas através de operação urbana consorciada em áreas específicas do projeto. poderão ser gerados recursos também através da aplicação de outorga onerosa do direito de construir, além de demais instrumentos previstos no plano diretor e no estatuto da cidade, que irão assegurar a sustentabilidade social e ambiental no desenvolvimento da região.

a. revisão do plano diretor municipal

- revisão dos parâmetros de usos e ocupação; definição de diretrizes acuradas para promoção de insolação e ventilação adequados; alteração dos recúos; - redução do potencial construtivo básico e ampliação da diferença com e sem outorga, possibilitando maiores retornos aos cofres públicos (fundurb), que deverão ser destinados ao custeio de implementação do parque e melhorias do entorno; 8


b. minuta de lei das zonas específicas de lazer parque nível +760m objetivos: ampliação dos espaços de uso coletivo, configurando ambientes de transição entre o uso público e a propriedade individual; atenção aos princípios de iluminação e ventilação necessários à qualidade da vida urbana; promover novas áreas de lajes ajardinadas e de lazer, oferecendo novos espaços de estar e lazer aos moradores do entorno e usuários do parque; incorporação de um sistema de drenagem integrado que possibilite o reuso da água das chuvas na manutenção dos espaços coletivos e irrigação dos jardins. c. minuta de lei zonas especiais passagem quadras nível +752 a +744m objetivos: integração e valorização do patrimônio construído, integrando-se à dinâmica de usos pré-existentes; o quarteirão urbano como possibilidade de novas passagens, configurando múltiplas possibilidades de acessos pelas vias públicas adjacentes; definição de parâmetros mínimos para a garantia de passagens urbanas de qualidade e adequads os diferentes momentos ao longo do parque. 10. PROJETO COMO HIPÓTESE DE INVESTIGAÇÃO NO CENÁRIO DICÔTOMICO a partir desse exercício, buscamos entender o projeto como instrumento científico de invenção de propostas. por isso, não partimos de uma resposta literal ao cenário dicotômico entre o desmonte ou a consitituição do parque sobre o elevado. o objetivo é contribuir ao debate a partir de uma proposta que busca explorar os limites do que poderia ser realizado, estimulando a constituição de uma cultura de projeto. espera-se, dessa forma, dar um salto interpretativo nas informações que nos foram apresentadas a partir de uma proposta que não parte dos dados, mas do questionamento deles. não se pretende aqui apresentar um resultado pronto e acabado, mas uma hipótese de diálogo inicial. premissas de reconciliação entre a cidade e o minhocão, mas também entre os pares, vizinhos, cidadãos. 06.2019 concurso imagine parque minhocão

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