Jornal O Duque #22

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Eu assino embaixo

Ano III - fevereiro - nยบ 22 www.oduque.com.br


expresso

Eu assino embaixo

AS MATÉRIAS DA EDIÇÃO EM 5 MINUTOS

CONSELHO EDITORIAL Edição nº 22 / Ano III EDITOR

Gus Hermsdorff REVISOR

Zé Flauzino

CO-EDITORA

Luana Bernardes CAPA

Paolo Ridolfi

COLABORADORES Diego Fascina - Entrevista (páginas 10 a 11) Cristiane Inokuma - Ilustração (páginas 12 e 13) Cibele Chacon - Cinema (pág 15) Victor Duarte Faria - Cinema (pág 15) Gabriel Dominato - Cinema (pág 15) Marcelo Bulgarelli - Cinema (pág 15) Donizeti Pugin - Filosofia (página 17) Estela Santos - Resenha (páginas 18) Wagner Cândido - Bons Casmurros (página 20) Gustavo Adolfo Ramos - Psicologia (página 21) Gustavo Junged - #Sarau (página 22) Beatriz Moreira - IndiQue (página 23) Rebecca Marques- IndiQue (página 23) Maria Joana Casagrande - IndiQue (página 23)

Matéria de capa

Uma casa para 300

Não é preciso de muito para se comover com a situação das ONGs dedicadas aos animais abandonados de Maringá Protetores Independentes de Maringá estão a procura de um novo local para abrigar 300 cachorroso, risco de despejo é grande. (Páginas 04 a 06)

A experiência do público é o mais importante Como alguns bares de Maringá estão remodelando seu negócio para oferecer uma nova sensação ao seu consumidor. (Página 08 e 09)

Entrevista com Lucinha Araújo, mãe de Cazuza O pesquisador Diego Fascina foi até o Rio de janeiro conversar com a presidente da Sociedade Viva Cazuza (Páginas 10 e 11)

O que muda com a Base Nacional Curricular? FILIADO

FOMENTADO POR

Os textos aqui publicados são de responsabilidade dos autores e não expressam, necessariamente, a opinião do Jornal O Duque.

Impressão: Editora Central Tiragem: 2.000 exemplares 24 Páginas / Tablóide Americano

Infográfico detalha as principais propostas de alteração, dúvidas enviadas por profissionais e as polêmicas que serão debatidas nas próximas edições (Página 12)

Orgulho e Preconceito de Jane Austen Clube de Leitura Bons Casmurros estreia coluna de resenha no Jornal O Duque com texto de Wagner Cândido sobre o livro do século 19 (Página 21)

charges

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ESPECIAL

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GUS HERMSDORFF

Uma casa para

300 Não é preciso de muito para se comover com a situaç ão das ONGs dedicadas aos animais abandonados de Maringá - mas por hora, um local ideal, alimentaç ão e apoio do poder público já estaria de bom tamanho Gus Hermsdorff gustavo@oduque.com.br

Sento para escrever, coloco as mãos no teclado e vejo a pulseira do meu relógio de pulso com marcas de mordida. O autor da proeza, Carlitos (ou Lito), está em casa, provavelmente, dormindo de barriga para cima ao lado dos seus novos brinquedos. Desde que busquei meu novo amigo no abrigo dos Protetores Independentes de Maringá, não paro de pensar nas centenas de animais que ficaram lá e que estão correndo o risco de serem despejados do local por uma decisão jurídica. Não é preciso mais que um coração para se comover com a situação dos cerca de 300 cachorros que ficam divididos em diversas alas das ruínas da antiga Sanbra (Sociedade Algodoeira Nordeste Brasileiro). No que restou dos galpões, silos e depósitos a ONG Protetores Independentes de Maringá mantém, como pode, os animais que são encontrados em situação de risco e abandono. Apesar da condição precária do local, o fato de ser um abrigo em que eles podem ficar protegidos da chuva e dos automóveis já garante uma condição mínima para a sobrevivência deles.

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Protetores Independentes precisam de um novo espaç o O atual terreno que abriga cerca de 300 animais precisa ser desocupado em dois meses O terreno, que fica entre as avenidas Colombo e Horácio Racanello, próximo ao viaduto da avenida Tuiuti, é alvo de disputas judiciais e especulações variadas devido à sua localização. A última, cujos detalhes não podemos informar, resultou em uma ordem de desapropriação com prazo de dois meses. "Eu deveria ter avisado vocês pra virem com uma roupa velha, eles pulam muito, nos sujam inteiros", alerta Cris, a voluntária que nos acompanha, enquanto abre um grande portão de acesso pela avenida Monlevade. "Esse aqui acabou de chegar, por isso nós mantemos ele aqui na frente. Tem que ter um tempo de adaptação até que os outros aceitem", diz apontando um boxer de aproximadamente dois anos preso a um arame de pelo menos 50 metros. Enquanto Cris seguia um pouco à frente contando sobre a forma como dividem os cães, eu e Luana Bernardes (editora do O Duque) fomos recepcionados por uns 40 cachorros que surgiram sabe-se lá de onde. Pulos, sorrisos e rabos abanantes de todas os tamanhos, formas e cores nos seguiram pelo trajeto entre o portão e o local onde ficavam os filhotes. Em um dos prédios mais protegidos da chuva, mas não da ação do tempo, os Protetores improvisaram um cercado onde guardam os filhotes acima de 2 meses. "Nessa idade eles já estão mais espertos, mas ainda não dá pra colocar com os adultos", explica Cris já devolvendo um que insistia em pular a proteção. De tão esperto, um outro já estava preso dentro de um sofá velho jogado. Foram incontáveis minutos rasgando e abrindo espaço no móvel para que ele saísse. "Já pensou se nós não estamos aqui agora? Ele ia ficar preso e morrer de fome aí dentro", desabafa a voluntária.

[.. ] A ONG trabalha sem qualquer auxílio do poder público, reunindo esforços de cerca de 15 voluntários que se alternam entre o recolhimento de animais encontrados em perigo, o tratamento, alimentação e adoção. Por mês, são Só para lembrar, a ONG Protetores Independentes de Maringá trabalha sem necessárias cerca de 1,2 toneladas de qualquer auxílio do poder público, reunindo esforços de cerca de 15 voluntários que se alternam entre o recolhimento de animais encontrados em perigo, o ração para alimentar os 300 animais, tratamento, alimentação e adoção. Por mês, são necessárias cerca de 1,2 toneladas de ração para alimentar os 300 animais, quantidade essa que nunca é alcançada. quantidade essa que nunca é alcanç ada. "Como nós não conseguimos isso, nós [voluntários] passamos em restaurantes para recolher sobras que possam servir de comida". A "lavagem", como chamam, às vezes, é o único alimento que os animais têm. A maioria dos animais foi resgatada e inserida no abrigo e não são poucos os casos de pessoas que vão até o local para abandonar cãezinhos velhos, doentes ou filhotes recém-nascidos. "As pessoas acham que podem se desfazer assim de um animal, não quer mais, joga fora como se fosse uma coisa. Adota e não cuida. Metade do nosso tempo é recolhendo animais que são jogados em qualquer canto da cidade", continua Cris. Aqueles que chegam em situação mais crítica até recebem atendimento de algumas clínicas parceiras, mas a demanda é muito maior do que podem atender.


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ideias não faltam

é só escolher uma - ou várias - e aplicar Mais uma vez, acompanhados pelo batalhão sorridente, atravessamos outra parte do terreno para chegar ao local onde eles abrigam os recémnascidos. "Faz pelo menos uns dois meses que nos informaram sobre a desapropriação do terreno. Dessa vez parece definitivo, temos que sair até março", diz em tom desanimado, enquanto abre uma portinhola que dá acesso a uma espécie de casinha improvisada. "Essa é a mãe desses pequenos, ela fica toda feliz quando vem alguém ver eles", completa, mudando de ânimo ao ver a alegria da cachorrinha. De volta para casa, já com o pequeno Carlitos se pendurando no pescoço da Luana e brincando com seu cabelo, me pego imaginando se o poder público maringaense não pode olhar com mais carinho por essa e outras ONGs que dedicam seu tempo e esforço para cumprir uma tarefa que deveria ser do município. Quem sabe fazer como a prefeitura de Porto Alegre que tem uma Secretaria Especial de Direito dos Animais; seguir o exemplo da prefeitura de Londrina que elaborou um projeto para castração de 2 mil animais ou adotar um projeto igual ao da prefeitura de Brotas, em São Paulo, que criou uma associação para abrigar e proteger esses animais. Ideias não faltam, o que falta é compromisso.

Todo animal adotado recebe uma carta de encaminhamento que dá direito a exame de sangue e uma série de descontos em remédios e procedimentos cirúrgicos em Pet-shops e clínicas apoiadoras. O Lito chegou com um início de anemia devido o ataque de pulgas e carrapatos, mas com poucos dias de tratamento ele já estava correndo – e mordendo – a casa toda.

quer ajudar? Sociedade Protetora dos Animais de Maringá

Protetores Independentes de Maringá

ONG Anjos dos Animais

facebook/socpam.maringa (44) 3227-2881 www.socpam.org.br

facebook/protetores. independentes.maringa (44) 9951-5175

facebook/anjosdosanimais (44) 9114-9990 www.anjosdosanimais.org.br

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Agência: 0395 Conta: 4140-1 Operação: 003

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Agencia: 1756 Conta: 34382-5 CPF: 29779809-03

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Agência: 3178 Conta: 2701-3 Operação: 13


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ECONOMIA

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Espaço The Joy no tamanho ideal

Fábio Dias

A experiência é o que manda Feirinha, bazar, exposição, cardápio qualificado e até bebidas. Bares de Maringá tiram as ideias da gaveta para oferecer uma nova experiência de consumo ao seu público

Presenciamos um momento em que tudo é colocado em xeque. Gêneros, tabus, normas e instituições são questionadas, mastigadas e digeridas por uma geração que procura dar um sentido particular para tudo. Ao mesmo tempo que a tecnologia transforma cada pessoa em um vetor de diversos conteúdos, também quebra a parede que existia com marcas, artistas e grupos, o que nos permite interagir de forma muito mais pessoal com qualquer um desses em qualquer lugar do mundo. Consumir, por si só, não é o suficiente. É preciso se identificar com uma marca ou produto - e acompanhar seu posicionamento constantemente. Não são poucos os casos de empresas que experimentam avalanches de protestos por conta de posicionamentos errados expostos em campanhas comerciais, da mesma forma que pequenas ações ganham grande alcance quando viralizada pelo motivo certo.

#Confraria / Fevereiro

Essa mudança da relação com a marca de olho na experiência de consumo é o principal ativo de empresas da chamada Economia Criativa, setor econômico baseado na produção e distribuição de bens ou serviços que utilizam da criatividade como diferencial. Em Maringá, podemos perceber essas alterações olhando, principalmente, para as ações que bares como o Espaço The Joy e o Kubitschek Bar passaram a promover frequentemente. Ao olhar para o seu negócio com criatividade, o gestor criativo encontra alternativas para otimizar o espaço disponível desenvolvendo um calendário de eventos que apresentam e sustentam a identidade do empreendimento. A relação, portanto, não se dá exclusivamente pelo produto oferecido, como antigamente, mas sim pela experiência de consumo como um todo - abrindo espaço para que o design, a moda, a arquitetura e outras modalidades modernas passem a fazer parte desse momento.

Funcionando há cerca de três meses no novo endereço da avenida Brasil, o Espaço The Joy reúne experiências como se fosse uma colcha de retalhos - analogia que fica muito melhor quando você visita o bar, repleto de artigos, ítens e móveis de aspecto retrô. Criado, originalmente, pelo exbancário Junior Mardegan, o pub ganhou o reforço de Marco Molina e das amigas Renata Molina, fotógrafa, e Patrícia Ramirez, especialista em moda, no final de 2015. "Elas trouxeram uma visão criativa e artística que o negócio precisava. Hoje, tudo que está dentro do bar tem um significado", explica Junior Mardegan. A inaguração, por exemplo, contou com atração performática da atriz Raquel Menegazzo e o registro do fotógrafo Fábio Dias. "Desde o começo nós tinhamos certeza de uma coisa: tem que ter a nossa cara, o nosso estilo", completa Renata Molina. E quem reparar bem, pode ver a mão de cada um dos sócios em cada canto. "A decoração, as exposições e cada pequeno objeto foi escolha da Renata [conta Patrícia], o Júnior trouxe toda a estrutura do bar que já tinha e eu coordeno o bazar, buscando peças e referências das minhas viagens à São Paulo". Renata explica que todo mês um artista novo deve expor suas obras na parede dedicada, enquanto que do lado oposto ficam as camisetas do bazar. "É como se estívessemos recebendo o consumidor em um canto nosso: ele pode provar algo do cardápio, pedir uma cerveja daqui da cidade, dar uma olhada no trabalho de artistas ou escolher uma roupa nova. Pra quê separar, não é mesmo?".

Feirinha 441, no Kubitschek Bar Chegando na sua sétima edição, a Feirinha 441 do Kubitschek Bar deu um novo sentido ao espaço onde predominavam mesas e cadeiras. Uma vez por mês, artistas e empreendedores de diferentes artigos montam seus expositores, araras e até barbearias para receber o público. Segundo o priprietário do bar, André Guimarães, a ideia surgiu conversando e observando o costume de quem frequenta o local. "Lógico que buscamos nos grandes centros

algumas tendências, mas acaba sendo na maioria das vezes no bate papo informal com o cliente ou com os amigos que aparecem as melhores ideias. Apostamos naquelas que consideramos mais viáveis e a fórmula tem dado certo", completa. Os expositores são sempre empreendedores independentes que estão começando ou que estão dando seus primeiros passos oferecendo produtos ou serviços por conta. O conceito de loja colaborativa, no entanto, não foi a primeira ação criativa empreendida por André no "Kub". Quem frequenta há pelo menos um ano já pode ver no espaço noites dedicadas para quem gosta de video-game, varais de poesias esticados na entrada e as, já tradicionais, noites de karaokê sempre realizadas às quartas e domingo. "Eu acredito na possibilidade de oferecer ao consumidor/cliente um espaço que aceite diferentes estilos de pessoas e todos pudessem ter um bom convívio, sabe. Devemos estar em sintonia com o mercado e empreender sempre em algo novo", completa.


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ENTREVISTA

#Confraria / Fevereiro

"A minha vida se resume em uma palavra:

saudade"

Diego Fascina

Três meses depois da morte do filho, em 1990, Lucinha de Araújo criou a Sociedade Viva Cazuza para dar assistência a crianças e adolescentes carentes portadores do vírus da AIDS. Foi na sede da instituição a qual preside desde o início, que Lucinha recebeu o pesquisador maringaense Diego Fascina, para falar um pouco sobre leituras, influências e algumas curiosidades da vida de Cazuza, um dos principais nomes da música brasileira de todos os tempos. Diego é doutorando em Letras (Estudos Literários) na Universidade Estadual de Maringá e prepara sua tese analisando a obra de Cazuza, utilizando o materialismo lacaniano do filósofo esloveno Slavoj Zizek, utilizando como aporte teórico o materialismo. Confira abaixo um trecho da conversa:

entrevista com

LUCINHA

ARAÚJO

A senhora e o sr. João (Araújo, marido dela e pai de Cazuza, diretor da Gravadora Som Livre) eram leitores? Cazuza, evidentemente, era um grande leitor, percebemos isso, através das influências literárias detectadas em sua obra. Mas, o hábito da leitura partiu dele ou foi passado por vocês? Se vocês liam, que tipo de leitura era? E quanto a Cazuza, o que ele lia? A senhora se recorda de alguns títulos em específico? Sabe me dizer em que período a leitura teve uma importância maior na vida dele? Tem alguma boa história para contar envolvendo Cazuza com livros? Em casa nós líamos muito. Mas o João sempre leu muito mais que eu. João adorava política, então tudo o que se referisse a esse tema, ele tinha imenso prazer em ler. Tanto a política brasileira, quanto a exterior. E eu, sempre preferi biografias. Cazuza herdou de nós o gosto pela leitura. Sempre tivemos muitos livros em casa. Quando era criança, pré-adolescente, Cazuza ficava trancado dentro do quarto, lendo compulsivamente, o dia inteiro. Eu, muitas vezes falava: “Meu filho, saia desse quarto, vai para a rua jogar bola com seus amigos, andar de bicicleta, para de ler um pouco”, tempos depois, quando ele descobriu o caminho da rua, eu falava: “Volta pra casa, meu filho ou pelo menos avisa quando não for dormir aqui” (risos). Cazuza lia de tudo e a vida toda foi assim. Lembro-me de uma biografia sobre Maria Antonieta (arquiduquesa da Áustria e rainha consorte de França e Navarra e cônjuge do Rei Luís XVI de França) que ele adorava. Também me recordo de uma, sobre a bailarina Isadora Duncan. Ele herdou de mim o gosto por biografias. E havia, também, toda uma preferência por literatura: os poetas malditos da geração beat, Fernando Pessoa, Oswald de Andrade...

#Confraria / Fevereiro Cazuza era muito fã de Clarice Lispector também. Ele disse isso em várias entrevistas e shows, inclusive escreveu uma música ‘A via crucis do corpo’, baseada no conto homônimo da escritora e também ‘Que o Deus venha’, inspirada em Água viva... Sim. E ele leu Água viva 111 vezes! Aí eu perguntei: ‘Meu filho, como é que você sabe que leu 111 vezes?’. E ele: ‘Simples, mamãe. É que cada vez que eu lia, eu fazia um risquinho na contracapa’. Mas o livro de cabeceira mesmo eram as crônicas de ‘A descoberta do mundo’, inclusive a obra está exposta no Acervo dele, cheio de anotações e tudo mais. E ele adorava ler letras de música também. Vivia lendo as letras dos sambistas todos, do Lupicínio Rodrigues, do Cartola, também do Caetano, do Gil. E adorava o Drummond. Uma boa história envolvendo Cazuza com literatura é que ele vivia seguindo Drummond, mas como era muito tímido, nunca teve coragem de abordá-lo. Adorava Vinícius de Moraes também. Uma vez, quando ele ainda era criança, entrevistou Vinícius para um trabalhinho escolar e bebeu uísque com ele.

Quanto ao Cazuza letrista: há parceiros que dizem que ele se trancava no quarto e ficava lá, por horas, batendo na máquina e depois entregava a letra pronta para ser musicada. Inclusive o sr. João disse que ouvia Cazuza, nas altas da madrugada, batendo a máquina, mas sem imaginar que ali estaria um grande letrista. Outros parceiros dizem que ele fazia as letras nos lugares mais inusitados, por exemplo, no meio de uma noitada no Baixo Leblon. Então, eu quero uma visão materna: como era o processo de composição? E, se depois de contaminado pela AIDS, esse processo se alterou. Eu não participava do processo, por que de fato, quando era mais novo, ele se trancava no quarto e ficava batendo a máquina. A gente foi saber que ele era letrista, quando apareceu o Barão Vermelho. A primeira composição dele, na verdade, foi um poema que ele fez para colocar no túmulo da avó como epitáfio. Depois, quando ele ficou doente, escrevia as letras no hospital, durante a madrugada e, no dia seguinte, me entregava para eu passar a limpo e, como não tinha tempo a perder, entregava para seus parceiros musicarem quase que instantaneamente.

E todas essas letras inéditas e/ou não musicadas que compõem a obra ‘Cazuza: preciso dizer que te amo’, de onde surgiram? Eu fuçava no lixo dele! (risos). Às vezes, ele acabava de escrever, amassava e jogava no lixo e eu, como sempre fui muito organizada e guardo tudo até hoje o que sai na mídia sobre a vida dele, ia lá, pegava escondido e guardava. Posteriormente, juntei com as demais letras (feitas na época do Barão Vermelho, carreira solo e por encomenda para outros intérpretes) e fiz esse livro, que tem também comentários dos parceiros sobre as composições. Recentemente eu entreguei algumas letras para alguns antigos parceiros dele musicarem para um disco que brevemente deverá sair.

A senhora disse na biografia ‘Cazuza: só as mães são felizes’, que é meio careta em relação ao uso de drogas... (Interrompe) Meio careta? Eu sou muito careta! (risos)

Há quem pense que, de certa maneira, elas aguçaram a percepção, a poeticidade de Cazuza? A senhora pensa assim ou acha que ele seria um brilhante compositor de qualquer jeito? Eu acho que ele seria brilhante de qualquer jeito. Na verdade, o álcool era a maior droga consumida pelo meu filho. O uísque, principalmente. Mas as drogas, de uma maneira geral, não acrescentaram em nada, só trouxeram muitos problemas.

ENTREVISTA

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Cazuza prestou vestibular por que o pai havia lhe prometido um carro, passou, mas não entrou para a faculdade, alegando: “Você disse que daria o carro se eu passasse, não falou nada sobre fazer o curso”. Então, apesar de eu já imaginar, qual era a relação dele com a academia? Ele tinha alguma opinião sobre Universidade? E mais: será que depois, poeta que foi, ele pensava em ser estudado? Porque imagino que, para um cantor, uma forma de reconhecimento, é ser regravado, vender muitos discos, ter opinião favorável da crítica, fazer muitos shows etc. Ele se projetava dessa forma para o futuro e imaginava que sua obra renderia trabalhos acadêmicos? É verdade. João falou para ele: ‘Se você passar no vestibular, te dou um carro’. Cazuza foi lá, estudou e passou, mas na semana seguinte trancou o curso, porque no acordo feito com o pai não tinha nada que dizia sobre cursar a faculdade. Em relação aos estudos, ele foi postergando, deixando para estudar depois, fez curso de fotografia na Califórnia e o tempo foi passando. Ele era muito inteligente, achava os professores medíocres. Deu trabalho na escola. E, quanto a ser estudado, ele nem pensava nisso, nem tinha essa pretensão, vivia dizendo que o que ele fazia não era poesia.

E a senhora? Como vê o interesse da academia pela obra de seu filho? Ah, eu fico muito feliz. A obra de meu filho é maravilhosa e quando alguém aparece querendo estudá-la, primeiramente digo que essa pessoa tem muito bom gosto (risos) e depois digo que fico muito orgulhosa, porque é uma maneira de manter a memória dele viva.

Das pessoas com as quais Cazuza conviveu, quais eram aquelas que tiveram maior influência para a formação cultural dele, além de Ezequiel Neves (crítico, produtor, compositor e grande amigo de Cazuza)? Sem dúvidas, o pai dele. João era um homem muito inteligente e foi muito importante para a formação de Cazuza. Nossa casa vivia cheia de artistas, porque João trabalhava com a indústria fonográfica, então Cazuza conviveu de perto com seus maiores ídolos: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Novos Baianos e muitos outros.

Uma mãe nunca se esquece de um filho, mas para a senhora, conviver todos os dias com a ausência física dele, aqui na Sociedade Viva Cazuza e com as inúmeras homenagens que ele recebe, não é muito mais doloroso do que se tentasse deixar todo esse turbilhão de lembranças adormecido? Com certeza! Eu me alimento dessas lembranças. Eu venho aqui para recarregar minhas baterias, cuido das crianças, dou um pouco de mim, mas ganho muito mais delas. Eu sou mais expansiva, falo mais, quando dá saudade vejo uns vídeos e choro bastante e o João sofria de outro jeito, era mais quieto, evitava falar sobre Cazuza. Enquanto eu estiver viva, vou continuar esse trabalho e vou gritar o nome dele para quem quiser ouvir. Minha vida se resume a uma palavra: saudade.

Para finalizar: quem quiser conhecer esse belo trabalho realizado pela senhora e sua equipe e quem quiser colaborar financeiramente com a Sociedade Viva Cazuza como deve proceder? Quem quiser colaborar com a Viva Cazuza pode fazer doações nas contas correntes: Banco Bradesco – agência 887 – c/c 26901-8 Banco Itaú – agência 8055 – c/c 15330-1 Aceitamos também doações de alimentos não perecíveis, produtos de limpeza e higiene que podem ser entregues de segunda a sexta-feira, das 7 às 19 horas na Rua Pinheiro Machado 39, Laranjeiras, Rio de Janeiro, RJ.


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Fevereiro de 2016 /

EDUCAÇÃO

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O que vai mudar com a Base Nacional Curricular? Professores e especialistas identificam problemas no currículo escolar proposto. Principais alvos são conteúdos de história e língua portuguesa A proposta que prevê a reformulação do currículo de todas as escolas brasileiras de educação básica está alimentando uma polêmica entre pais, professores e especialistas. Ainda em fase de elaboração, a Base Nacional Comum Curricular (BNC) deve padronizar 60% dos conteúdos a serem apresentados aos alunos dos ensinos Fundamental e Médio, ano a ano — os outros 40% serão definidos pelas próprias instituições e redes de ensino, contemplando particularidades regionais. Inédita no país, a iniciativa deverá impactar também a confecção de livros didáticos, mecanismos de avaliação como a Prova Brasil e até os cursos de licenciatura. O processo, capitaneado pelo Ministério da Educação (MEC), envolve colaboradores de todos os Estados e permite a participação da sociedade pela internet.

A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNC) O QUE É - Prevista no Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece metas, diretrizes e estratégias para a educação brasileira, a Base Nacional Comum Curricular (BNC) será aplicada às 190 mil escolas de educação básica, públicas e particulares, do país. Na prática, o projeto apresenta os conteúdos mínimos a serem tratados nas salas de aula dos ensinos Fundamental e Médio. QUEM PARTICIPA - Um Comitê de Assessores, com 116 especialistas de 35 universidades, trabalhou na elaboração do texto preliminar. A proposta está aberta a discussões e mudanças e pode ser acessada em basenacionalcomum.mec.gov. br. Até agora, cerca de 120 mil pessoas se cadastraram, submetendo mais de 4 milhões de comentários. COMO SE DIVIDE - O novo currículo comum adota uma divisão por áreas que segue o modelo do Enem: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas. Temas como sustentabilidade, tecnologia, finanças, direitos humanos e diversidade de gênero — tópico que acabou retirado do (PNE) durante votação no Congresso — deverão ser contemplados. Os componentes curriculares da Educação Infantil também estão sendo revistos.

A existência de uma base curricular nacional é suficiente para a melhoria da Educação? Não. Mas a iniciativa pode ser a espinha dorsal para a criação de outras políticas públicas ligadas à formação e à carreira docentes, às condições de trabalho e de aprendizagem e à infraestrutura. Uma vez definido o que as crianças precisam saber, fica mais fácil estabelecer o necessário para isso acontecer. Se há uma base comum, é possível determinar seja no sertão ou na cidade, a estrutura para garantir que os alunos aprendam.

O uso dos livros didáticos mudará? O trabalho com eles em sala de aula não muda. O que deve sofrer alterações é a produção dos livros. De modo geral, hoje, eles seguem os PCN e são analisados pelo MEC. A previsão é que passem a ser escritos e avaliados usando a base nacional como referência. O livro didático é um dos mediadores entre a referência curricular oficial e a recepção do saber pelos alunos. Somente se adaptado a ela, o material contribui para que os objetivos de aprendizagem sejam atingidos.

O que muda na vida dos estudantes? Os defensores do documento afirmam que ele é uma medida de igualdade que repercute diretamente na vida de crianças e adolescentes. Com a base, será dada coerência ao sistema educacional, pois todos terão uma meta de aprendizagem igual a alcançar em todo o país. Dessa forma, se o estudante for morar em outra cidade, for transferido da rede pública para a particular ou simplesmente trocar de escola, a continuidade dos conteúdos e das expectativas de aprendizagem tende a ser mais organizada.

Ilustração: Cristiane Inokuma

AUTONOMIA DAS ESCOLAS - A BNC deverá determinar 60% dos conteúdos que serão comuns a todas as escolas brasileiras. Os outros 40% serão determinados regionalmente, abrangendo particulares regionais e locais. De acordo com o MEC, os mais de 2 milhões de professores continuarão tendo liberdade para optar pelos melhores caminhos para a explanação das disciplinas, decidindo que outros pontos precisam ser acrescentados, respeitando a diversidade e o contexto onde estão inseridos. CALENDÁRIO DE CRIAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO - Um primeiro apanhado das opiniões enviadas pelo portal basenacionalcomum.mec.gov.br foi realizado em 15 de dezembro e está sendo considerado para a confecção de uma segunda versão do texto inicial, a ser concluída até o início de março. O site continuará recebendo sugestões. - Seminários estaduais e audiências com sociedades científicas discutirão a nova proposta. O objetivo é chegar a um acordo com todos os Estados. O MEC deve encaminhar a redação definitiva da BNC ao Conselho Nacional de Educação (CNE), que já vem acompanhando os debates e emitirá um parecer final, até junho de 2016. O CNE será responsável por elaborar as normas de implantação da BNC. - A previsão é de que em 2017 os Estados já estejam se adaptando à BNC. - Na sequência, deve ocorrer a adequação do Enem, estimada para 2018, e a dos livros didáticos, possivelmente em 2019.

POLÊMICAS LEVANTADAS

(E QUE SERÃO PAUTAS AQUI NO DUQUE) Falta de um "repertório básico" no ensino de História A primeira versão das propostas para a disciplina de história foi questionada, com falhas admitidas até mesmo pelo MEC. Alguns professores e especialistas viram problemas de organização e de falta de conteúdos. Para os críticos dessa proposição inicial, a disciplina privilegiaria a história do Brasil, das Américas e da África, restringindo expressivamente a abordagem de temas como a Antiguidade Clássica e a Idade Média, por exemplo.

Orientação sexual é suprimida Antes contemplado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), o assunto não aparece entre os temas integradores do novo documento.

Educação artística como disciplina inferior O estudo da arte deixa de ser uma disciplina própria e passa a fazer parte da ementa de outras disciplinas, como história e linguagens.


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TENHO SEDE Era uma tarde quente de janeiro e dona Maria aguardava sua vez na fila da água. São Pedro havia sido muito mau e fizera descer sobre Maringá uma forte chuva, que acabou deixando a cidade toda sem água. Ela não sabia dizer ao certo a relação entre São Pedro, a chuva e seus baldes vazios. Só lembrava que não conseguiu passar seu café na manhã daquela terça-feira por falta d’água. Dona Maria me fez lembrar de um filósofo alemão pouco conhecido, embora importante por sua reflexão: Hans Jonas (1903-1993). Enquanto ainda estudava a filosofia da biologia, na década de 1960, abriu um novo caminho de reflexão acerca da precariedade da vida, destacando o equívoco de se isolar o homem do restante da natureza, imaginando-o desvinculado das outras formas de vida. Em 1979 publicou “O princípio responsabilidade”, sua obra mais importante e que marcou o início da chamada ética da responsabilidade. Nesse livro, propõe uma nova ética, diferente dos modelos já conhecidos e constituída a partir dos novos problemas enfrentados pelo homem na segunda metade do séc. XX. Segundo Jonas, a promessa da tecnologia moderna, iniciada em Francis Bacon e continuada pelos filósofos do Iluminismo, converteu-se em ameaça ao homem, seja na sua dimensão física, seja em sua dimensão metafísica (por dimensão metafísica do homem entende-se aqui sua essência, substância, conceito etc.). O homem, de certo modo, corre o risco de perder sua identidade. Na antiguidade, o homem estabeleceu uma relação

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Cinema //

Filosofia //

harmônica com a natureza. O uso que fazia da techné (habilidade, técnica) era pautado mais pela necessidade que pelo desejo, de modo que não havia a preocupação com as consequências dessa relação. Com o passar do tempo, e o surgimento das cidades, o desenvolvimento da techné fez surgir uma crise ecológica, deixando à mostra a vulnerabilidade da natureza. A técnica colocou em perigo o habitat humano e, em consequência disso, a própria espécie humana: o triunfo e o sucesso do homem estariam na dominação da natureza e, em última instância, dos outros homens. Opondo-se a Kant e sua ética racional e objetiva, Jonas propõe um novo imperativo: “Aja de modo a que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra” ou, expresso negativamente: “Aja de tal modo a que os efeitos da tua ação não sejam destrutivos para a possibilidade futura de uma tal vida”. Tal princípio pressupõe uma preocupação e um respeito para com a vida humana futura, uma vez que me impossibilitaria de cercear o direito do outro (incluindo aquele que ainda não existe) de continuar a existir ou mesmo de vir a existir. Bem, por que a dona Maria me fez lembrar do sr. Jonas? Para o filósofo, seria necessário constituir uma nova ética, capaz de proteger o homem contra os abusos de seu poder, ou seja, uma ética que defenda o homem dele mesmo. Para ele, a base de uma ética está relacionada ao conceito de natureza humana de uma época. Se, no passado, prevalecia a ideia de que a natureza humana era imutável e universal, todos os modelos éticos se pautavam

Melhor Filme

Donizeti Pugin

por esse princípio. Eis que, no século XX, vimos surgir outro modo de compreensão do homem, que exige um novo referencial ético. Em Maringá, a empresa responsável pelo saneamento não quis assumir sua responsabilidade, culpando a natureza pela falta de água. Sob a ótica da ética da responsabilidade, essa desculpa é inaceitável e deixa transparecer o real interesse dela: o lucro. Se houvesse uma preocupação com os consumidores, com a população maringaense, buscariam meios de evitar acontecimentos de tal natureza. É o que defende o filósofo: uma ética que busque resolver os problemas do presente está falida. É preciso uma ética que olhe para o futuro, que previna as catástrofes que ainda poderão surgir. Hans Jonas estabelece ainda um paralelo entre a relação do homem com a natureza e para com os outros seres humanos. O excesso da techné, sem dúvidas, gerou um niilismo ético no século XX. Depoisdehaverneutralizadoanaturezasoboaspecto do valor, fez o mesmo com o homem, ameaçando sua existência metafísica. O homem, poderíamos dizer, tornou-se um animal. Tal animalidade pode ser observada principalmente naqueles que atrasavam as filas para buscar água enquanto enchiam suas caixas d’água e nos que, ao primeiro sinal de água em suas torneiras, aproveitavam para lavar as roupas, o quintal, o carro, a rua, a bicicleta, o cachorro, o gato e o periquito. É urgente, portanto, encontrar caminhos nessa ética da responsabilidade, antes que as ameaças futuras se concretizem e o homem acabe se chafurdando mais na lama de seu egoísmo. Tenho sede de água e de ética!

Melhor Atriz

The Revenant

Room

The Revenant

Alejandro G. Iñarritu

46%

40%

Alejandro González Iñárritu

Mestre em filosofia

Melhor Direção

Roteiro Original

Brie Larson

Melhor Ator

Atriz Coad.

The Revenant

Steve Jobs

Leonardo Dicaprio

31% 80%

Roteiro Adaptado

Ator Coad.

Kate Winslet

Sylvester Stallone Creed

25% 53%

Trilha Sonora

Direção de Arte

Spotlight- 48%

The Big Short- 23%

Enio Morricone - 53%

Mad Max - 53%

Filme Animação

Filme Estrangeiro

Efeitos Visuais

Melhor Figurino

Pixar

Hungria

Inside Out - 82%

Saul fia - 57%

The Hateful Eight

Mad Max - 44%

Mad Max - 38%

alguns palpites

Cibele Chacon

Jornalista

Melhor filme Spotlight

Melhor filme The Revenant

Melhor filme Spotlight

Melhor filme Mad Max

Direção Iñarritu

Direção Iñarritu

Direção Iñarritu

Direção George Miller

Melhor Atriz Brie Larson

Melhor Atriz Saorsie Ronan

Melhor Atriz Charlotte Rampling

Melhor Atriz Charlotte Rampling

Melhor Ator Leonardo DiCaprio Atriz Coad. Alicia Vikander

Victor Duarte

Jornalista

Melhor Ator Leonardo DiCaprio Atriz Coad. Alicia Vikander

Gabriel

Melhor Ator Bryan Cranston

Produtor

Atriz Coad. Alicia Vikander

Dominato

Ator Coad. Mark Rylance

Ator Coad. Mark Rufalo

Ator Coad. Sylvester Stallone

Roteiro Orig. Spotlight

Roteiro Orig. Spotlight

Roteiro Orig. Ex Machina

Roteiro Adapt. The Big Short

Roteiro Adapt. The Big Short

Roteiro Adapt. Carol

Marcelo Bulgarelli

Jornalista

Melhor Ator Leonardo DiCaprio Atriz Coad. Jennifer Jason Leigh Ator Coad. Sylvester Stallone Roteiro Orig. Spotlight


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Mundo Livre //

Dois anos de atitude sonora em maringá

“Finalmente podemos dizer que em Maringá tem ondas... Altas ondas sonoras!! Vida longa ao Rock’n’Roll com a Mundo Livre pregada no meu dial.”

Ronis Furquim Siqueira

“Parabéns à Mundo Livre!! Certamente, é a pílula vermelha na Matrix de músicas que vivemos!!! Forte abraço a todos!!!”

Siiim! Estamos completando dois anos de Mundo Livre em Maringá. Desde 01 de fevereiro de 2014, a Cidade Canção tem o rock’n’roll como parte da sua trilha sonora. Mais do que tocar música, viemos pra trazer atitude para a vida dos maringaenses, para as ruas dessa cidade, para os rolês mais maneiros que jamais podíamos imaginar até pouco tempo... E o melhor disso tudo é que Maringá nos abraçou com um carinho tão grande que não temos palavras pra descrever! Ouvintes, parceiros, clientes, amigos, equipe e todos que torcem e colaboram pra que isso tudo dê certo: fica aqui o nosso MUITO OBRIGADO! Pra comemorar essa data, resolvemos dar espaço aos nossos ouvintes que, cheios de atitude, compartilharam com a gente todo seu carinho pela Mundo Livre. Confira: “Parabéns Mundo Livre! Que esses dois anos se multipliquem por dezenas, centenas, milhares de anos. E que em um tempo não muito longe, meus futuros filhos e netos possam ouvir grandes clássicos dos anos 70, 80, 90 e do novo milênio nessa rádio 102,5 FM. Um abraço a todos que fazem parte dessa rádio maravilhosa. Como dizia meu ídolo: força sempre.”

Emerson Maktub

“Aparelho de som com CD, DVD, USB, CARTÃO, entrada pra iPhone é caríssimo. Entrar no carro e poder ouvir rádio não tem preço. Parabéns Mundo Livre FM pelos seus 2 anos.”

Francisco Alencar

“O aniversário é da Mundo Livre, mas faz dois anos que Maringá ganhou de presente muito rock and roll e uma rádio de atitude! Valeu Mundo Livre.”

Edilson Rosa

Marcelo Michele Mariana Bortolocci

“Parabéns, Mundo Livre. Há dois anos nos presenteando com o que há de melhor no universo da música, incentivando as bandas da região, enfim, revolucionando a cena musical do Norte do Paraná. Que seja eterna como o próprio rock...”

Marcelo Passos

“Música? Existe coisa mais viciante que essa nesse nosso mundo? Parabéns Mundo Livre por nos proporcionar o melhor do Rock’n’Roll ao longo desses dois anos!!! E obrigada por transformar meus dias com muita atitude sonora. Viva o Rock! Viva o mundo! Viva a liberdade... Faça seu som na Mundo Livre FM!”

Karolayne Castro

“Quando a Mundo Livre 102.5 FM surgiu, acabou o meu silencioso dia sem graça! Agora curto um som maneiro que é muito massa!”

Mara Moura

“Mundo Livre salvando nossos dias com o melhor do rock’n’roll. Parabéns e muitos anos de som na caixa...”

Duca Ferrero

“Comparo a Mundo Livre àquele carro, aquele objeto antigo que foi encontrado por um olhar visionário! Parabéns!”

Evoli D Agostin

Melhor do que fazer dois anos é saber que temos muitos outros pela frente e que temos ouvintes como vocês nos enchendo de carinho. Só o que podemos garantir é que: The Show Must Go On!


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Resenha // “parte” é muito semelhante a um conto, e este possui um desfecho que envolve o personagem do “conto” seguinte – lembrando que, na verdade, a obra é classificada como um romance. É como se cada história fosse costurada a outra, formando, desse modo, uma colcha de retalhos. Tavares entrelaça 24 histórias nada comuns de seres humanos muito diferentes – e este entrelaçamento nos remete a estrutura de uma novela, mas as histórias estão dispostas na obra como se fossem contos – até chegar, finalmente, à história de Matteo, personagem que dá nome ao livro. Sua história, também incomum, resume-se ao fato de que, precisando muito de um emprego, submete-se a servir de mãos de uma mulher sem braço, o que culmina em um jogo de perversão entre ambos. Depois da história de Matteo, entra em cena Nedermeyer, personagem que observa a rotunda lá do primeiro personagem, o Aaronson. Sim, a estrutura é de tirar o fôlego. Em seguida, temos uma surpresa, não se avança para a letra “O”, mas há um avanço: o autor insere mais um gênero: o ensaio! No ensaio temos uma total liberdade da voz do autor, isto é, o próprio Gonçalo Tavares, tecendo comentários concisos acerca dos personagens por ele criados e expostos pela voz de um narrador. A questão que fica é: qual o objetivo deste ensaio? A autor fez as vezes de crítico literário do próprio livro, se assim podemos dizer. Mas o autor realmente fala sobre aquilo que pensa sobre cada personagem e sua história, ou será que aí também existe ficção, ou seja, será que ele ficcionalizou o ensaio literário? O escritor é um “fingidor”? Pessoa diz que o poeta o é. O romance-livro de contos-ensaio de Gonçalo M. Tavares, como já mencionado anteriormente, é singular. Ao costurar sua concha de retalhos, na qual cada linha e cada pedaço de retalho representa a história de alguém, que se entrelaça de alguma forma com outra, temos expressas as esquisitices, manias, vivências malucas e incomuns, pensamentos e questionamentos íntimos que todo ser

A colcha de retalhos de

GONÇALO M. TAVARES por Estela Santos

Atualmente, Gonçalo M. Tavares é considerado um dos maiores romancistas portugueses, costumeiramente chamado de Kafka português. Seus livros são muitos distintos, nenhum é semelhante ao outro, tanto no que diz respeito às temáticas quanto à estrutura. No entanto, uma coisa é muito perceptível em todos os romances do escritor: a linguagem. Sempre direta, sintética e repleta exatidão e, também, de ambiguidade, segundo o próprio autor. Tavares costuma dizer que cada livro seu representa um animal, diz isto sem deixar de lembrar que nenhum animal é melhor que o outro, pelo contrário, pois cada um possui suas características, umas muito vantajosas e outras nem tanto. O romance Matteo perdeu o emprego (Editora Foz, 2013), do escritor português, ainda é um animal pouco conhecido no Brasil, mas aqui terá uma atenção especial, pois se trata de um livro singular. Alguns críticos mencionam que o livro é uma espécie de jogo de dominó, porque assim que um personagem sai de cena, logo outro entra puxando novas histórias. Entretanto, parece-nos que Matteo assemelha-se mais a uma colcha de retalhos, na qual Tavares vai costurando uma história a outra até chegar no personagem principal, o que depois culmina em uma espécie de ensaio bastante reflexivo, até mesmo existencial, acerca da vida e histórias de cada personagem mencionado ao longo da obra. Matteo tem como grande diferencial a estrutura. Primeiramente, é apresentado um sumário em ordem alfabética com o nome de um personagem e algo que o caracteriza, que tenha relação com a sua história. Como exemplos: “Aaronson e a primeira rotunda”; “Baumann e o lixo”; “Cohen, o homem dos tiques”; “Diamond e o ensino”. Cada

humano carrega em si. De modo geral, Matteo perdeu o emprego é um mapeamento de histórias de seres humanos, livro que coloca Tavares como um interprete autêntico, por meio do ensaio, da vida dos personagens por ele criados. O autor se dá o direito de interpretar a sua própria obra literária, claro que de maneira subjetiva. Faz-se importante mencionar que uma obra é aberta a mais de uma interpretação, portanto, ao ser crítico de sua própria obra, o escritor não dá um xeque-mate aos seus escritos. Pelo contrário, ele coloca o leitor em reflexão, mesmo que esse não queira e não objetive refletir sobre aquilo que acabou de ler.

Matteo Perdeu o Emprego Gonçalo M. Tavares 160 páginas Editora Foz (2010)

*Estela Santos é acadêmica do curso de Letras (UEM), coeditora e colunista do site Homo Literatus e editora da Revista Pluriversos. Estuda literatura brasileira em suas pesquisas e é apaixonada por filosofia e cinema.


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Elizabeth, a protagonista, em seu périplo em busca da compreensão do caráter do seu amado: perspicácia, senso de justiça, coragem. O romance nos fala exatamente sobre essa busca e das transformações advindas dela. São os sentimentos e atitudes de Elizabeth que despertam em Darcy a paixão, que o leva a reavaliar seus juízos e sua conduta, para se fazer merecedor das atenções daquela que antes ele julgava inferior. Por amor a Elizabeth, mas também movido pela vergonha dos próprios erros, Darcy age. Esquematicamente, o romance apresenta três partes distintas. Na primeira, a sociedade de Meryton é apresentada, assim como os recém-chegados Bingley e Darcy. Nesta primeira parte se destacam a família Bennet e seus dois líderes. Mr. e Mrs. Bennet são, em termos de construção psicológica dos personagens, as duas mais altas realizações do romance, sem dúvida. O patriarca, observador irônico, ciente do vazio das reputações que o cercam. A esposa, o oposto do marido, fútil e dedicada exclusivamente a arranjar bons casamentos para as filhas. São por meio desses personagens que entramos em contato com as regras que regem a sociedade elegante dos bailes da aristocracia. Na segunda parte, o trânsito das correspondências e viagens traz novas possibilidades de compreensão aos problemas apresentados. Esse momento na obra tem como destaque Elizabeth Bennet, em busca de respostas às suas inquietações e à atração que começa a sentir por Darcy. Culmina com o encontro entre Elizabeth e Darcy, em que ele se declara e ela o rejeita: o ápice do romance. Por fim, a terceira parte, que se inicia com a fuga de Wickham e Lydia, marca uma dissolução dramática das ilusões da aristocracia e o recrudescimento do jogo de aparências. O destaque é para a febril troca de correspondências, que lança um clima de tensão e expectativa à história. Jane Austen morreu aos 41 anos de idade. O pouco que escreveu

JANE AUSTEN Orgulho e preconceito de

por Wagner Cândido

Jane Austen (1775-1817) viveu em um período de profundas mudanças no mundo ocidental. Era a emergência da modernidade, com a Revolução Industrial inglesa, a Guerra das colônias inglesas na América pela independência e a Revolução Francesa. Já foi sugerido que esses acontecimentos não influenciaram significativamente a obra de Austen, que parece ter retratado bem mais um mundo sem grandes sobressaltos nem estruturas vergadas aos ventos da mudança – a sociedade rural inglesa, onde ela mesma vivia. Contudo, pondo em perspectiva a geografia de “Orgulho e Preconceito”, vemos que o primeiro grande impacto do romance foi trazer à baila um mundo real, contemporâneo de seus leitores, ainda resistente às mudanças, mas dificilmente imune a elas. No romance, a capital Londres tem presença importante. Se por um lado a cidade inglesa é o reduto da velha nobreza e da tradição, também o é das novas ideias, da ligação com os centros intelectuais da Europa e de todos os modismos. Como os que vem pelo canal da Mancha, da vizinha França, influenciando o vestuário, as formas de sociabilidade e o vocabulário das jovens inglesas da aristocracia. Mas talvez o mais surpreendente em “Orgulho e Preconceito” – e que a situa como uma obra indubitavelmente moderna – seja o fato de ser um livro sobre sentimentos e disposições do espírito. É o indivíduo e sua subjetividade avaliando, a partir de valores tidos como universais, as formas de sua própria inserção na cultura local. Podemos falar em um contexto intelectual e moral do romance, e em uma certa economia das sensibilidades. Essa economia é observada, por exemplo, no contraste entre os sentimentos e disposições que imperam nos salões de baile: o sarcasmo, a ironia, o desdém, a adulação; e aqueles que observamos em

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Psicologia //

Clube de Leitura Bons Casmurros //

iluminou a literatura ocidental e colocou questões que ainda são importantes em qualquer debate – como a condição da mulher – e que ainda estão presentes na literatura. “Orgulho e Preconceito” permanece como a sua obra basilar, amada pelo público, objeto de contínuas republicações e vertida para o cinema. Entre outros motivos, isso acontece por conta da discussão moral apresentada pela autora, bem como os sentimentos e as atitudes que movem os atores sociais (tanto na ficção quanto na realidade) frente aos interesses reinantes. Contra a descrença dos áridos de alma, Jane Austen parece responder que a perspicácia deve sempre acompanhar o amor nos nossos julgamentos.

Orgulho e Preconceito Jane Austen 576 páginas Companha das Letras

Ouvidos erotizados e olhos seduzidos: duas exposições Psicólogo e professor

Não sou da área das artes, sou psicólogo. No entanto, aprecio muito a literatura e a pintura: o poema erotiza meus ouvidos e o quadro seduz meus olhos. Tive, recentemente, a oportunidade de estar em São Paulo e ver duas exposições paralelas. Uma muito badalada pela mídia, a de Frida Kahlo, que estava no Instituto Tomie Ohtake; outra, na galeria Almeida e Dale, a do pintor brasileiro Ismael Nery. As duas exposições me impressionaram, encheram meus olhos... e meus ouvidos, pois havia vídeos sobre a vida e obra dos dois, ambos há muito falecidos. É evidente que a vida de Frida Kahlo era a mais emocionante. Ela viveu numa época em que o México era considerado a nova Meca da cultura e da política. Escritores e pintores europeus, cansados de seus próprios estilos, glorificavam a nova forma de fazer o modernismo. Além disso, o marxismo era uma coisa importante para os intelectuais em geral e o México tinha um muito e bem organizado partido comunista. Frida aí foi uma mulher muito avançada para seu tempo, chegando mesmo a ser chocante. Deitou-se com grandes artistas europeus e americanos, até com Trotski que, juntamente com Lenin, foi um dos grandes líderes da revolução russa de 1917, a chamada revolução soviética. Estava exilado no México e marcado de morte por Joseph Stalin, o então dirigente principal da União soviética. Trotski a conheceu por intermédio do pintor e muralista Diego Rivera, artista maior do país e marido de Frida. Nessa aproximação travaram uma amizade, digamos, bastante marcada por Eros. Alguns quadros de Frida me pareceram — como diria? Me pareceram simplesmente lindos, de uma criatividade empolgante, pois nos apresentam um estilo latino-americano de arte. Pareceram-me uma abordagem da pintura europeia de então — dos anos 20 até os anos 50, quando ela morreu — através de uma pintura primitivista muito influenciada pela cultura indígena, forte no nosso continente. Essa junção é muito interessante, sobretudo quando juntamos a isso o

Ismael Nery

Gustavo Adolfo

próprio estilo pessoal da autora, de seu mundo psíquico. Imaginem uma mulher muito marcada pelo trauma, pois na infância fora acometida por paralisia infantil e na juventude fora atravessada por um cabo de ferro que se soltou do ônibus em que estava, quando este se chocou violentamente a um bonde que vinha de outra direção. As sequelas desse acidente foram graves: nunca pode ter filhos e se submeteu a muitas operações durante toda a vida, vindo a morrer dessas sequelas. Essa marca está de algum modo em sua pintura. Foram centenas de quadros em que ela retratou a si própria. Pensa-se então que ela estava desenhando e redesenhando sua imagem corporal, a imagem de si mesma que, depois do acidente, ela nunca mais reencontrou. Parece-me que seu corpo ficou estranho para ela, não o corpo físico, mas sim o corpo enquanto imagem que todos temos que construir em nossa “cabeça”. É possível que fosse esse corpo que ela procurava afirmar nas relações com dezenas de amantes. A imagem corporal é uma forma que o sujeito tem de representar a si mesmo, representar seu Eu. Frida perdeu seu Eu e sua pintura buscava resgatá-lo. Last but not least, falemos da exposição de Ismael Nery, na Galeria Almeida e Dale. Eram pinturas também tocantes... e sobretudo eróticas. A mulher estava ali pintada de muitas maneiras e em muitos estilos. Aliás, essa questão de estilos, em Ismael, é o que, a meu ver, destrói a importância de sua obra. Ismael nasceu em 1900, em Belém do Pará, e morreu precocemente de tuberculose em 1934, no Rio. O fantasma da tísica assombrou sua vida desde 1929 e tornou sua obra preocupada com o interior do corpo humano. Isso também tem a marca do trauma. Como já disse são obras impressionantes marcadas por muitos estilos. Na obra de Nery me parece excessivamente marcada pelo modernismo francês, especialmente, pelo impressionismo e pelo cubismo. Por vezes, um quadro seu parece de Picasso, outras vezes de Braque etc. Penso que, diferentemente de Frida, ele não

quis ou não se preocupou em criar um estilo mais daqui e original. Mesmo assim, foi alguém muito importante no movimento modernista brasileiro, que tinha cunho nacionalista. O que mais me impressionou, porém, foi seus poemas, que estavam afixados nas paredes da galeria, em letras gigantes. Trago um deles de 1933, ano anterior a sua morte: “A uma mulher Só te quero para mim, se te puder dar aos outros, Porque os outros não são senão eu ampliado. Quero ver-te beijada por todas as minhas bocas, Quero ver-te também abraçada por todos os meus braços. Quero ver-te numa rótula e depois num altar Distribuindo o castigo e o prêmio final Que merece um poeta na escola da vida. Quero ver-te no céu ou talvez no inferno”.

Veja que o Eu se confunde com todos e que ele quer beijá-la com todas as suas bocas, que são as bocas dos outros homens. Ele é onipresente, está em todos e talvez nela mesma, se identifica com ela. O jogo entre todos e um, amando a uma, é muito interessante tanto no sentido literário, como no psicológico. Trata-se aqui, como em Frida, do Eu. Em Frida ela se perde na doença, em Ismael, ele se perde talvez na morte. Vejamos que o pintor, em 1933, estava para morrer e seria nos vivos que a possuíssem que ele continuaria vivo. Talvez. Ou se perde nos outros, que se fragmenta em muitos outros. É também um jogo filosófico e psicológico essa coisa de que eu sou os outros e os outros sou eu. O nosso Eu é formado pela imagem dos outros que nos são significativos e há muitos momentos que nos confundimos com eles. E é também uma aspiração “onipotente” de estar em tudo. Há também um forte jogo erótico em que um homem, que geralmente é possessivo da mulher, dá-a ao gozo de outros. Essa é uma cena erótica... Enfim, a pequena viagem a São Paulo valeu a pena.


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#Sarau

Rio Perene “I can´t keep track of each fallen robin” - Cohen. Lembro-me de lembrar, – até certo ponto – como se fosse algo de formoso, seu rosto. Havia ali, entre o nariz e o queixo pontudo, um rio perene; boca a desaguar em dentes; um rio barulhento multiplicado em trajetórias impossíveis de classificar. Esqueci-me do rio. Só lembro-me de lembrar, só lembro que havia um rio que ria alto demais. Hoje o curso de sua boca persevera estiado no recordo; soturna, encerrada, cerrando em silêncio a formosura que esqueci. Rilke disse que a beleza é o grau de terror que alguém pode suportar. Seu rosto sem riso é o que se vê para além. Professor e escritor

Gustavo Jugend

é professor no ensino médio e mestre em filosofia pela UFPR, tendo pesquisado a relação entre subjetividade e linguagem poética no pensamento de Agamben. Nas horas vagas pula a cerca que separa filosofia e arte para escrever literatura.

Verde Verdugo “rebeldía, yo nunca me arrodillaré” – Ska-P. Verde Verdugo te verga as costas; te verga as vistas, te queima as vísceras. Rompe-te as ligas e come-te à morte; te esparrama na chuva, deposita-te cal. Verde Verdugo diário acorda-te aos galos e nega regalos; te verga os pulmões, arrebenta-lhe os nós. Esparrama tendões, come esperança, acostuma-te ao fel; insiste desgosto, torna-te gosto. Toma-lhe as vísceras e queima-te às vistas. Te corta a retina, te verga à faina e te faz aplaudir. Verde Verdugo do vergo diário: ainda não me vergou.

Le seul oiseau qui vole au dessus des nuages Andre Davembez (1910)



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