Revista
Keyboard ANO 3 :: 2015 :: nº 23 ::
:: Seu canal de comunicação com a boa música!
Brasil www.keyboard.art.br
Conheça o ONDAS MATERNOT: Um piano muito particular!
Music in Keys 2015: O congresso on-line para o mercado das teclas
Banda TOMADA: Música autoral de qualidade!
A Era da incerteza: Décadas de 60 e 70, por Amyr Cantusio Jr
A madame Villa-Lobos
SONIA RUBINSKY
Índice
LANÇAMENTO: EP virtual da Banda Tomada
DICA TÉCNICA: 6 Táticas de estudo para construir autoconfiança na performance musical, por Eleni Vosniadou
NOSTALGIA: A Era da Incerteza, por Amyr Cantunio Jr.
Expediente
SUAS COMPRAS: Cds, DVDs e Livros
MEMÓRIA: Dois grandes compositores, duas vidas dilaceradas pelo nazismo! - por maestro Osvaldo Colarusso
PONTO DE ENCONTRO: Salas de espetáculos vazias, por Luiz Bersou
MATÉRIA DE CAPA: Sonia Rubinsky
PERFIL: Banda Tomada: Música autoral de qualidade!
REVOLUÇÃO MUSICAL: Ondas Maternot: um piano muito particular
EVENTO: Congresso online Music in Keys 2015
Revista
Junho / 2015
Keyboard www.keyboard.art.br
Brasil
Editora Musical
Revista Keyboard Brasil é uma publicação mensal digital gratuita da Keyboard Editora Musical. Diretor e Editor executivo: maestro Marcelo D. Fagundes / Chefe de Redação e Design: Heloísa C. G. Fagundes Caricaturas: André Luíz Silva da Costa / Foto da Capa: David Keiser / Marketing e Publicidade: Keyboard Editora Musical Correspondências / Envio de material: Rua Rangel Pestana, 1044 - centro - Jundiaí / S.P. CEP: 13.201-000 / Central de Atendimento da Revista Keyboard Brasil: contato@keyboard.art.br As matérias desta edição podem ser utilizadas em outras mídias ou veículos desde que citada a fonte. Matérias assinadas não expressam obrigatoriamente a opinião da Keyboard Editora Musical. 04 / Revista Keyboard Brasil
Editorial Espaço do Leitor Aos amigos que acreditam no meu trabalho. Um muito obrigado. Em especial à Editora Keyboard! Alan Flexa, músico, referindo-se sobre sua matéria na coluna Perfil – via facebook. Demais... Excelente matéria sobre o Rock Progressivo do Amyr Cantusio Jr. Tuca Maria Maia – via facebook. Obrigado pela linda matéria! André Mehmari (capa de nossa edição anterior, número 22) – via e-mail. Matéria The best!!! (sobre a matéria Rock Progressivo: A música erudita do século XX) Susi Bernstein – Via G+ Excelente a matéria sobre o Rock Progressivo! Wiktor Konwicki – Via G+ Como funciona a revista, ela é vendida? Gostei de tudo. O André Mehmari vai estar aqui em BH no Festival Savassi, em Julho! Beijão e ótimo fds semana, com música e alegria!! Maga Lee Craveiro – Via G+ Resposta: Querida Maga Lee, a revista é apenas online e gratuita! Muito obrigado pela homenagem ao meu pai Geraldo Cargê (sobre a pequena homenagem feita ao grupo Casa das Máquinas das Máquinas, na matéria Rock Progressivo: A música erudita do século XX) Junior Cargê – Via G+
Heloísa G. Fagundes - Publisher
Nossa 23ª edição traz, na capa, uma das melhores pianistas do Brasil, intitulada Madame Villa-Lobos, a brasileira Sonia Rubisnky, ganhadora do Grammy Latino em 2009. A dica técnica deste mês é com a especialista grega Eleni Vosniadou, que apresentará 6 táticas de estudo para construir autoconfiança na performance musical. Relembrando o V-E-day, ou dia da Vitória na Europa, marcado pelo final da 2ª Guerra Mundial, há exatos 70 anos, maestro Colarusso relembra dois compositores perseguidos pelos nazistas e que por muito tempo tiveram suas grandiosas obras esquecidas. Reiterando que a Revista Keyboard Brasil é um veículo gratuito para os músicos e/ou bandas apresentarem seus trabalhos, independentes ou não! Este mês, a edição traz uma matéria e uma entrevista sobre a Banda Tomada. Por isso, músicos, continuem enviando seu material e sejam vistos por mais de 250 mil leitores! E, lembrem-se: curtam, compartilhem, mas não deixem de comentar nossas matérias e façam parte da próxima edição, na seção: Espaço dos Leitores! Excelente leitura e fiquem com Deus!
Excelente a matéria do André Mehmari! O músico é muito bom! Robson Daniel – por e-mail Sônia Rubinsky teve um trabalho enorme para realizar o projeto do Villa-Lobos!!! Está de parabéns!!! André Moreira – por e-mail
Revista Keyboard Brasil / 05
Lanรงamento
06 / Revista Keyboard Brasil
Suas compras
Esse fascinante guia apresenta a história da música desde os seus primórdios e aborda as manifestações mais significativas dessa arte em diferentes culturas ao redor do mundo. Da Pré-história até os dias atuais, O Guia Visual Definitivo percorre os principais períodos em ordem cronológica, incluindo – na introdução de cada capítulo – uma tabela que destaca e contextualiza os acontecimentos mais marcantes. Em páginas ricamente ilustradas, textos claros e objetivos repassam as origens de diversos gêneros e formas musicais, tanto no contexto popular, como no erudito. Mostram a evolução dos instrumentos
Autor: Robert Ziegler Editora: Publifolha Páginas: 400
Fotos: Divu
O Guia Visual Definitivo da Música: Da Pré-História ao Século XXI
lgação
Música
e trazem as biografias dos mais importantes compositores e artistas, além de explorar a relação da música com as outras artes. Dos ruídos primitivos imitados dos animais aos hinos sacros entoados nas catedrais; das íntimas canções de ninar aos megassucessos do pop mundial; dos primeiros instrumentos, feitos com ossos e conchas, à guitarra elétrica industrializada; da produção musical erudita de gênios como Bach, Mozart e Beethoven, passando por clássicos como Heitor Villa-Lobos, à influente popularidade de ícones como Elvis Presley, David Bowie e Michael Jackson, a obra mostra que a música é uma linguagem universal e exerce papel fundamental na vida do ser humano.
Revista Keyboard Brasil / 07
Matéria de Capa
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Ser pianista profissional e um especie de sacerdocio. Dedicacao e perseveranca sao chaves. – SONIA RUBINSKY
08 / Revista Keyboard Brasil
Foto: Patricia Blayson
Em 2009, Sonia Rubisnky recebeu o GRAMMY Latino® pelo último disco da série de 8 CD's da obra completa para piano de Villa-Lobos, através do selo Naxos.
SONIA RUBINSKY A madame Villa-Lobos CONSIDERADA UMA DAS MELHORES PIANISTAS DA NOVA GERAÇÃO, A BRASILEIRA, DE ORIGEM ESLAVA, ESTREOU DIANTE DE UMA PLATEIA AOS 5 ANOS. TOCOU COM ORQUESTRA PELA PRIMEIRA VEZ AOS 12 E, AOS 15 SE APRESENTOU PARA O PIANISTA ARTHUR RUBINSTEIN, QUE ADMIROU SEU FORTE TEMPERAMENTO MUSICAL. EM 2009, RECEBEU O GRAMMY LATINO®, PELO UL ́ TIMO DISCO DA SER ́ IE DE 8 CD'S DA OBRA COMPLETA PARA PIANO DE VILLA-LOBOS, PELO SELO NAXOS. SONIA VIVEU EM ISRAEL, NOVA YORK E, ATUALMENTE, RESIDE EM PARIS. Heloísa G. Fagundes Revista Keyboard Brasil / 09
Trajetória
N
ascida em Campinas, interior do Estado de São Paulo, filha de Zilda Kaplan Rubinsky, profes-
sora de Língua Portuguesa e Latim, e de Samuel Rubinsky, engenheiro civil, Sonia Rubinsky iniciou seus estudos de piano no Brasil, ainda pequena, tendo como professora, Olga Rizzardo Normanha. Quando criança, participou da formação do Quinteto Rubinsky, com os irmãos Fany, Neide, Lílian e Ismael, chegando a gravar um disco. Aos doze
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anos, tocou com as orquestras Sinfônica de Campinas e do Teatro Municipal de São Paulo. A partir de 1972, continuou seus estudos em Israel, na Academia de Música Rubin, onde completou o bacharelado. Em 1979, mudou-se para os Estados Unidos, onde cursou mestrado e obteve seu PhD pela renomada Juilliard School, de Nova York, tendo estudado com Beveridge Webster, Vlado Perlemuter, Jacob Lateiner, William Daghlian, Benjamin
Foto: David Keiser
Fotos: Arqui
vo pessoal
Na fotografia maior, a Orquestra Filarmônica de Mendoza, regida por Ligia Amadio, com Sonia Rubinsky ao piano, em 2011. Na sequência menor (esquerda para a direita): (1) A pianista ao lado de uma de suas primeiras professoras, Olga Rizzardo Normanha. (2) Arthur Rubinstein sentado ao lado da jovem e promissora pianista. (3) Sonia Rubinsky realizando um de seus inúmeros masterclass.
Oren e Olga Normanha. Em 2002, mudou-se para a França, onde prosseguiu sua carreira de concertista, apresentando-se em diversas partes do mundo: Itália, Holanda, França, EUA, Canadá, Israel, Uruguai e Brasil. Entre os prêmios recebidos estão o de “Melhor Recitalista do Ano”, pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), o “William Petschek Award”, da Juilliard School e o primeiro prêmio no concurso “Artists International”, ambos
em Nova York. Em 2006, recebeu o Prêmio Carlos Gomes, na categoria Pianista do Ano e, em 2009 e 2012, como Instrumentista do Ano. Nomeada pelo maestro Murray Perahia como artista-residente no Edward Aldwell Center, em Jerusalém, passou a ministrar regularmente masterclasses. Também atua no Jerusalem Music Center, a pedido do mesmo maestro, desenvolvendo cursos de Análise para Performers. Gravou a obra completa para piano de VillaLobos (8 volumes) pela renomada gravadora Naxos. Foram mais de 10 anos de pesquisa, em estreita colaboração com o Museu Villa-Lobos, sediado no Rio de Janeiro. O primeiro volume foi indicado para o GRAMMY; o volume V, foi selecionado pela Gramophone e eleito “Editor's Choice” - um dos cinco melhores lançamentos de outubro de 2006 e o volume VIII ganhou o GRAMMY Latino® de Melhor Álbum de Música Clássica em 2009. Incluem-se, em sua discografia, além de Villa-Lobos, obras de John Adams, Debussy, Messiaen, Jorge Liderman, Mozart, Mendelssohn e Domenico Scarlatti. Revista Keyboard Brasil / 11
Entrevista
Revista Keyboard Brasil: Gostaria de agradecer imensamente por ter aceito nosso convite e dizer que você é uma das poucas pianistas mulher a sair em nossa capa! Estávamos devendo isso há tempos aos nossos leitores! Sonia Rubinsky: Fico muito honrada com isto, e agradeço a vocês. Realmente somos poucas, nós mulheres, a se destacar como pianista, apesar de termos muito mais estudantes mulheres do que homens... Revista Keyboard Brasil: Vamos começar nossa entrevista perguntando onde surgiu o título de madame Villa-Lobos? Sonia Rubinsky: Foi em Paris: na ocasião dos 50 anos de morte do Villa, várias publicações dedicaram matérias ao nosso grande mestre, e eu, sendo referência mundial em sua discografia, fui muito destacada. Logo após, me encontrei com um crítico de música que começou a me chamar de Madame Villa-Lobos, passando a sair na mídia escrita.
Foto: Victor Hugo Ceccato
Revista Keyboard Brasil: A obra completa de Villa-Lobos tomou-lhe muitos anos de dedicação. Conte-nos como foi a realização deste magnífico trabalho. Sonia Rubinsky: Isto realmente foi uma saga. Já escrevi sobre isto em Sonia Rubinsky reflete a grande tradição dos pianistas virtuosos: um compromisso musical profundo, combinado com um presente emocionante e técnica refinada. Pianista elogiada por Arthur Rubinstein e Murray Perahia, seu repertório abrange todos os períodos, do Barroco até os dias atuais. 12 / Revista Keyboard Brasil
alguns lugares. Recebi, de uma hora para a outra, o convite para gravar um CD só de Villa-Lobos. Estava morando em Nova York, a gravação seria na Califórnia. Eu tive exatamente um mês para me preparar. Como era só um CD, decidi incluir uma obra de cada período do Villa, para dar uma ideia da abrangência de sua obra. Assim, escolhi: Prole do Bebê 1 (1918), Cirandas (1926) e Hommage a Chopin (1949 a última obra que Villa escreveu para piano). Deste repertório, eu só tocava a Prole. Estudei o resto no pouco tempo que tinha (um dia para gravar tudo). Foi muito corrido. O disco demorou cinco anos para ser lançado pois a Naxos estava se mudando para Hong Kong, e tiveram que diminuir o número dos lançamentos. Quando meu disco saiu, logo foi nomeado para o GRAMMY e as críticas foram muito elogiosas. Só aí que Klaus Heyman me propôs gravar a obra completa. Organizei toda a obra nos mesmos conceitos deste primeiro CD - com o intuito de mostrar a obra do Villa, mesmo se uma pessoa comprasse apenas um CD. Escolhi também as capas pois tinha que mostrar a obra pictórica brasileira condizente com o momento das peças. Naxos concordou que eu escolhesse a Arte de cada CD. Não somente escolhi, mas também fui a responsável por toda a parte de permissão de uso da obra, da fotografia da obra e, também, do texto de cada CD. Traduzi todo o Guia Prático para o inglês que, na época, foi viabilizado na internet. Fiz a revisão de todos os textos e das traduções. Rolou muita discussão sobre manter a ortografia antiga ou utilizar a nova...
James Melo me ajudou muito. Foi ele quem escreveu de fato os textos. Mantínhamos muita comunicação, pois eu lhe enviava o que achava que seria importante dizer de cada obra. Houve muita preocupação na gravação das obras do Guia Prático. Há, na verdade, duas séries de obras com a denominação de Guia Prático. Não vou entrar aqui em detalhes, mas foi bastante complicado. Outra complexidade - a gravação de Amazonas, tendo em vista a escrita em 4 sistemas para o piano em alguns lugares. O meu maior pesadelo era terminar a integral e ter faltado alguma peça. Marcelo Rodolfo, do Museu Villa-Lobos, foi um grande parceiro. Tivemos muitas conversas sobre os vários aspectos de uma integral de Villa-Lobos. Marcelo até me enviou algumas peças por fax para eu poder incluir de última hora. Foi assim que acabei com várias estreias mundiais nesta integral. Revista Keyboard Brasil: Você sabe nos dizer o porquê do volume 8 ter sido escolhido dentre os trabalhos para ganhar o Grammy Latino, em 2009? Sonia Rubinsky: Realmente não sei. Fui tomada de enorme surpresa. Aliás, muito honrosa. Não fiz lobby algum, não falei com ninguém. A editora gigantesca de discos Naxos, que solta em média 250 discos por ano, nunca tinha ganho um GRAMMY. Fui a única. Imagino que foi a Naxos que decidiu colocar meu CD em evidência, mas não tenho nenhuma certeza disto. Como foi o oitavo CD da série que recebeu esta premiação, eu vi Revista Keyboard Brasil / 13
RKB: Seus irmãos não seguiram a carreira de músico como você? Soube que quando criança, formavam o Quinteto Rubinsky. SR: Sim, todos estudaram piano e eu, como a caçula, fui testemunha dos estudos que eles tiveram. Já antes dos cinco anos, pedia muito para minha mãe para eu ter aulas de piano. Eu ia para o piano tentar 'tirar som'. Ainda me lembro do fascínio que tinha este instrumento (e ainda tem...). Ficava muito tempo sozinha tentando entender como fazê-lo cantar, soar e combinar sons. Minha trajetória foi muito rápida - aprendi a ler notas antes de ser alfabetizada. Logo, a primeira professora - Glafira Rosa de Farias - me passou para Dona Olga Rizzardo Normanha. Com Dona Olga fiz um recital e ela me colocou em vários concursos. Cada ano, ela me inscrevia em um concurso. No primeiro, ganhei quinto lugar e, nos outros, fui a primeira premiada. Nas horas vagas, quando não estava na escola, eu estava no conservatório de Dona Olga estudando. A ideia era chegar, achar uma sala vaga com piano e comeca ̧ r a estudar. No final do período, Dona Olga vinha e corrigia. Isto era todos os dias, mesmo fins de semana. A dedicação era de nós duas. Dona Olga era muito exigente. Eu tinha muito medo das aulas, mas adorava o piano. Mesmo assim continuei. Ela me formou como pianista. RKB: Sabemos que você começou muito cedo a ter aulas de piano. Seus pais não eram músicos. Então, de onde surgiu essa vontade? SR: O fato de ter tido um piano em casa, e de ter ouvido minhas irmãs tocarem foi um enorme desafio pois eu também queria fazer como elas. Mas, eu me lembro de ficar sozinha horas ao piano. 14 / Revista Keyboard Brasil
Foto: David Keiser
isto como uma premiação da série completa, ou seja, da obra do Villa-Lobos. Fiquei muito contente. Nos Estados Unidos, este prêmio tem um peso enorme.
enorme desafio pois eu também queria fazer como elas. Mas, eu me lembro de ficar sozinha horas ao piano. Realmente, o fascínio vinha de mim para o instrumento. Ninguém nunca me forçou. RKB: Seu primeiro concerto foi aos 5 anos e meio! Pode nos contar sobre isso? SR: Não me lembro se foi Dona Glafira quem me preparou, mas talvez as duas: Dona Olga e Dona Glafira. Minha avó fez um lindo vestido. Não me lembro de ter ficado nervosa. Adorava piano e queria tocar. Nesta idade, fazemos as coisas inconscientemente. Foi ótimo. Como eu fazia ballet clássico (eu queria muito ser bailarina...) eu agradeci ao piano como agradecia no ballet - com uma enorme e profunda reverência, só que virada para o piano e de costas para o público. Na minha cabeça era o piano quem tinha trabalhado... coisas de criança... RKB: Na adolescência o que você ouvia, musicalmente falando? SR: Eu me lembro do Quadros de uma Exposição com Horowitz - eu ouvia isto muito! Me lembro do lindo piano na capa. Acho que ficava horas olhando aquele piano. Era um caso de amor mesmo. Tínhamos uma coleção de grandes autores. Ouvia tudo, repetidas vezes - Beethoven (Sinfonias), Mozart (concertos com piano), Grieg (Obras orquestrais), Sibelius - em suma - não somente piano. O fato de termos um quinteto de vozes (Quinteto Rubinsky) e um grupo de flauta barroca (com Hidetoshi Arakawa) foi muito formador e me abriu muito os ouvidos para todo tipo de música - da Renascenca ̧ ao moderno. Eu participava de três corais diferentes um deles só de adultos: Coral da Escola de Medicina regido por Décio Pinto de Moura. Minha adolescência se resumia em música, ballet, canto coral, quinteto com vozes, grupo de flauta barroca e o piano. Revista Keyboard Brasil / 15
RKB: Quando você morava em Israel, teve o privilégio de tocar para um dos melhores pianistas do século XX – Arthur Rubinstein. Pode nos contar como surgiu o convite e como foi? SR: Foi literalmente de um dia para o outro. O diretor da Academia de Música de Jerusalém na época, o grande regente Mendi Rodan (que foi aluno de Celibidache), me ligou uma bela tarde e me disse que no dia seguinte eu tocaria para Rubinstein. A TV francesa estava fazendo um filme sobre ele em diversos países. Pediu-me o nome da peça que gostaria de tocar. Na época, estava estudando Poisson d'Or, de Debussy. Meu professor de piano, Benjamin Oren, um enorme admirador de Rubinstein, me aconselhou tocar esta peça que era do repertório deste imenso artista. Tinha acabado de ler os dois volumes da autobiografia de Rubinstein. Ler não é a palavra certa - eu devorei estes dois livros. Tinha ouvido Rubinstein ao vivo várias vezes em Israel. Era meu ídolo. Ainda posso ver no filme a eletricidade no ar. Ele me falou do drama do peixe no aquário. Acho que o marquei pelo meu temperamento, pois fez um comentário a respeito. Era muito tímida e fechada. Muito séria. Ele conseguiu ver esta minha personalidade embaixo destas camadas de seriedade e timidez. Foi um grande momento em minha vida. RKB: Há quanto tempo vive em Paris e por que escolheu a “cidade luz” para viver? SR: Estou em Paris desde 2002. Mudei-me de uma hora para outra por amor 16 / Revista Keyboard Brasil
conheci meu marido (da época), e sem pensar muito já estava de mala e cuia em Paris, depois de 21 anos em Nova York. Não me arrependo da mudança, mesmo nosso relacionamento tendo acabado. Como criei sua filha, mantenho um relacionamento próximo. RKB: Podemos dizer que seus compositores preferidos são aqueles dos quais você gravou suas obras, como VillaLobos, John Adams, Debussy, Messiaen, Jorge Liderman, Mozart, Mendelssohn e Domenico Scarlatti? Ou, a lista é bem mais extensa? SR: Eu realmente costumo me apaixonar pelas obras que toco. Mas, a lista é bem maior: primeiramente J.S.Bach, depois Beethoven e Brahms estão entre os meus preferidos. Adoro Mahler, Bruckner e Sibelius. Adoro Scarlatti, Schumann, Chopin e Liszt. Acho que Mendelssohn é um compositor profeta (a julgar por sua Sonata op. 6). Tenho um relacionamento muito especial por certos compositores modernos - Almeida Prado (de quem fui grande amiga), Patrick Zimmerli (toco muitas obras deste compositor), e vários outros. Sou muito curiosa e tenho fases. Uma verdadeira geminiana... RKB: Para ser um excelente pianista é preciso horas de dedicação, de estudo. Era o que Rubinstein sempre dizia. Na infância e na adolescência, você dedicava horas ao estudo do piano. Atualmente, isso depende muito do programa a ser escolhido para uma apresentação? SR: Sim, depende muito do programa. E do estado da cabeça, pois concentrada,
sou capaz de encurtar muito o processo de leitura de uma obra. Já o acabamento depende de vivência. A obra é acabada no nosso espírito. É muito importante dormir bem, pois muita coisa é processada durante o sono. Estudo bastante sim, dou aulas também. Dar aula (dependendo do nível) pode vir a ser um processo interlocutório com o processo criativo. Acho isto bem interessante. RKB: Você se especializou no erudito. Porém, soube que já realizou apresentações no estilo popular, tocando peças de Ernesto Nazareth. Pode nos dizer sobre isso? SR: Acho que faz parte de meu espírito curioso: tenho um trabalho desenvolvido com Antonio Sartori que se chama XPLAU+Rubinsky que é basicamente música eletrônica (uma base eletrônica) e, eu, ao piano. Adorei o trabalho. Outro é um duo com Patrick Zimmerli (saxofonista e compositor) numa linguagem de jazz + contemporâneo + erudito. Um trio com Patrick Zimmerli e Jeff Ballard (grande baterista de jazz da atualidade). Já toquei com Sérgio Reze (grande baterista brasileiro) num concerto para piano, bateria e orquestra de Patrick Zimmerli. Foi um trabalho monstruoso pois o concerto tinha 45 minutos. Dedicado a mim, eu o toquei pela primeira vez em Boston, com o percussionista Satoishi. No ano passado, fizemos este concerto na Sala São Paulo para o TUCCA (com Sérgio Reze que tocou drum set). Zimmerli regeu o concerto. Na segunda parte foram arranjos de Zimmerli de obras da MPB e
americana. Toquei ao piano e regi. Foi minha primeira vez regendo. Adorei a experiência. RKB: Você desenvolve cursos de Análise para Performers e ministra masterclasses em Jerusalém, além dos concertos realizados pelo mundo e você vive em Paris! Como consegue conciliar seu tempo com a família ? SR: Na verdade é muito difícil manter um equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional. Este equilíbrio é uma conquista de cada dia, de cada hora! Não tenho fins de semana, e nem férias. O estresse faz parte do meu cotidiano. Eu lido com isto fazendo ginástica, comendo bem e me poupando de coisas supérfluas. Muitas vezes é bem difícil saber o que é supérfluo e o que é essencial. Acho que reside aí a sabedoria do dia a dia... RKB: Aos pianistas que escolheram trilhar o caminho do erudito, o que você aconselharia? SR: Em termos de carreira é muito ingrato e, há ainda, a diferenc a em relação a outros instrumentos. Para nós, pianistas, é muito demorada a aquisição de uma obra. Um violinista ou violoncelista se preparam muito mais rápido para um concerto. Nós não! Precisamos, às vezes, de meses para preparar uma única obra. Então, eu diria que o principal elemento é ter muita paciência. Ser pianista profissional é uma espécie de sacerdócio. Dedicação e perseveranc a são chaves. Revista Keyboard Brasil: Quais são seus projetos futuros? Tem concertos agendaRevista Keyboard Brasil / 17
Foto: David Keiser
Sonia Rubinsky: ‘‘Minha trajetória foi muito rápida - aprendi a ler notas antes mesmo de ser alfabetizada.’’
dos no Brasil para os próximos meses? SR: Tenho agora no dia 19 de Julho um concerto com Rosana Lamosa e Denise de Freitas no Festival em Garanhuns. Em termos de projetos: tenho um enorme projeto de gravação na Flórida muito diferenciado, pois utilizarei um piano com pés diferentes que optimizam o som do instrumento. Fora isto tem o recentemente criado Trio Rubinsky com Eduardo Bello (cello) e Pedro de la Rolle (violino), dois grandes músicos. Temos vários planos e projetos muito bonitos que espero que possamos fazer. Pena que no Brasil ainda não existe uma coisa chamada “Em Residência” (por exemplo, o Juilliard Quartet ficou em Residência na Juilliard durante tantos anos e tiveram a liberdade de criar. Seria ótimo ter apoio institucional que daria a liberdade e a possibilidade de realizar projetos de música com teatro, desenvolver repertório, desenvolver ideias novas para recital com som e imagens, desenvolver 18 / Revista Keyboard Brasil
transcrições e arranjos, etc... Isto ainda falta no Brasil - por exemplo. Na real: tenho um duo com Rosana Lamosa, outro com Patrick Zimmerli (duo ou trio), o Trio Rubinsky, gravações na Flórida, duo com Gerard Théruel, Barítono francês e, mais recentemente, a possibilidade de um trabalho pedagógico em conjunto com Vincenzo Caporaletti, grande teórico italiano que desenvolveu a Teoria Audiotáctil. RKB: Sucesso sempre e novamente obrigada pela entrevista! SR: Grande prazer e muito sucesso para vocês também.
Saiba mais sobre Sonia Rubinsky. Acesse:
Dica Técnica
20 / Revista Keyboard Brasil
Foto: Arquivo pessoal
Eleni Vosniadou é percussionista e professora da Técnica Alexander. Vem desenvolvendo o curso Consciência Corporal Para Músicos, específico para instrumentistas e cantores que enfrentam dor ou que querem aperfeiçoar sua relação com o instrumento ou com a voz. Para saber mais, basta clicar no link abaixo.
6 táticas de estudo para construir AUTOCONFIANÇA na PERFORMANCE
MUSICAL NA MÚSICA CLÁSSICA, O NÍVEL DE PERFECCIONISMO EXIGIDO É TÃO ALTO QUE FACILMENTE FAZ A NOSSA ALMA CONGELAR! ! AQUI APRESENTO 6 TÁTICAS QUE CONTRIBUIRÃO EM SUA PERFORMANCE MUSICAL!
Foto: Divulgação
** Eleni Vosniadou
Revista Keyboard Brasil / 21
A
metodologia de estudo colocada aqui consiste em seis táticas que descobri como percussionista
erudita. Na música clássica, o nível de perfeccionismo exigido é tão alto que facilmente faz a nossa alma congelar! Tentando cuidar do meu corpo durante o estudo para a minha tendinite crônica não voltar, eu descobri que as táticas que estava aplicando para não machucar os meus músculos estavam proporcionando um nível de tran-
quilidade emocional e autoconfiança nova no meu tocar. Então, aqui estão:
1.
Estudo inteligente vs Repetição
É uma situação muito comum entre músicos: ao chegar numa parte difícil (quando não se consegue o resultado desejado na primeira vez), ficar repetindo este trecho até ficar melhor. Preste atenção no que está realmente acontecendo neste instante. Repetindo o trecho na esperança que o mesmo vai melhorar, você estará ensinando o seu sistema nervoso a fazer associações em relação a este trecho do tipo: 'preciso repetir este trecho, porque é difícil', 'ele está chegando! Estou com medo que não saia de primeira'! O ‘estar com medo’, significa ‘estar tenso'. Se inconsciente entende: 'estou com medo e isso significa que não quero estar lá naquele instante, quero me esconder!' Entre muitas outras associa22 / Revista Keyboard Brasil
ções... Pense no seguinte: ‘quero ensinar o meu sistema nervoso a estar disposto e feliz no momento em que eu estiver lá para tocar ou cantar o trecho’. Por isso,
devemos evitar a repetição 'com esperança' no estudo e criar estratégias para um estudo inteligente. As próximas cinco táticas são estratégias para um estudo inteligente.
2.
Distribuição do trabalho
Na grande maioria dos instrumentos, a única parte do nosso corpo utilizada para manuseá-los são os nossos dedos (sim, os dedos, não a mão!) Se eu preciso tocar mais rápido ou mais forte, a agilidade ou a maior força muscular será feita pelos dedos e não por outras partes do corpo. Porém, a tendência em tensionar a mandíbula, o pescoço, os ombros ou as pernas durante um trecho onde se precisa mais esforço é bem familiar para a maioria de nós, músicos. Ao construir um estudo para
adquirir um maior potencial técnico, cessará essa energia para ser gasta em tensões desnecessárias. O importante é continuar lembrando que, nem meu tronco, nem minha cabeça tocarão o instrumento mas, sim, os meu dedos (é sabido que para instrumentos como a voz, o esforço é realizado em outras partes do corpo. O mesmo vale para a bateria, onde é preciso um esforço nos pés. Ou seja, o princípio de distribuição de trabalho deverá ser aplicado nas partes específicas).
3.
‘Desconstruindo e desmistificando a dificuldade técnica’
Quando a velocidade da peça é mais rápida do que eu consigo tocar, o jeito mais comum de estudar é começar numa velocidade mais lenta e tentar aumentar a velocidade cada vez mais. Achei uma alternativa mais eficaz, que me permitiu desmistificar o conceito da dificuldade técnica. Colocando o metrônomo no andamento desejado, ao invés de tentar tocar a frase musical inteira (que, às vezes,
é impossível no início), começo só com a última nota. Com muita precisão e, sem ficar repetindo muitas vezes, passo a praticar estar numa condição de tranquilidade executando uma nota só. Com presença e precisão, como se essa nota única fosse a peça inteira. Desse modo, na hora que vejo que consigo executar a nota com tranquilidade e precisão, adiciono a penúltima nota e continuo estudando do mesmo jeito. Conseguido esse objetivo, passo a executar as três últimas notas e continuo adicionando notas, até chegar no começo da frase do trecho.
Foto: Arquivo pessoal
Sobre o princípio básico da Técnica Alexander, Eleni Vosniadou diz: ‘‘A qualidade com que a sua cabeça se equilibra em cima da sua coluna vai determinar a qualidade do tônus muscular para o resto do seu corpo’’.
Revista Keyboard Brasil / 23
Este método de desconstruir o trecho cria uma condição de segurança e presença em toda nota, ensina o nosso
sistema nervoso a estar relaxado e focado ao mesmo tempo. É o tipo de qualidade de autoconfiança e eficiência que admiramos quando Elis Regina canta, quando Louis Armstrong toca trompete, quando Martha Argerich toca piano…
4.
‘Começar do fim’
Sabemos muito bem acompanhar a partitura ou uma peça do começo ao fim. O sistema nervoso vai ficar mais cansado do meio até o fim da peça. Ou seja, a tensão vai ser acumulada indo para o final. Então, por que não começar do
fim para o começo no estudo de uma nova peça? Escolha trabalhar primeiro nos trechos difíceis do final, criando a condição de confiança, para se chegar ao final do estudo de maneira tranquila.
5.
‘Intervalos: parte obrigatória do estudo’
O músico produz música porque adora o que faz. Na hora do estudo ficamos encantados por tocar, obsessivos em lidar com as dificuldades técnicas e querendo conseguir cada vez mais!
Mesmo com o melhor uso corporal do mundo, mesmo com a musculatura relaxada e alerta, nosso cérebro fica cansado. Mesmo que tenhamos meia hora para estudar, é preciso fazer um intervalo para checar se estamos fazendo estudo inteligente ou estudo repetitivo. No estudo repetitivo, podemos deixar o cérebro no 'piloto automático'. Mas, o
estudo inteligente tem, como prérequisito, um cérebro acordado e, por isso, os intervalos são fundamentais.
6.
‘Criar as condições da apresentação’
Na hora da apresentação, nosso sistema nervoso está mais excitado do que no nosso estudo. Ao estudarmos numa condição 'normal' do sistema nervoso, não estaremos nos preparando para a hora da apresentação. Por isso, ao estudar a peça inteira é importante criar as condições que façam o nosso sistema estar mais nervoso. Como conseguir? O uso de gravador, vídeo ou até mesmo de um público de amigos é uma ótima oportunidade de praticar esta condição de tensão maior. Lembre-se: se as notas e
os ritmos estiverem bem resolvidos, não adianta ficar repetindo a peça em condições tranquilas.
** Eleni Vosniadou é percussionista e professora da Técnica Alexander. Formada em percussão clássica, encontrou a Técnica Alexander buscando tratar uma tendinite crônica, obstáculo persistente no caminho de sua carreira professional. Para isso, estudou na Internationale Sommerakademie Mozarteum (Salzburg, Áustria), e fascinada pela efetividade do processo, aprofundou seu conhecimento na Alemanha, Suíça e Inglaterra. Completou o curso de pós-graduação no London Centre for Alexander Technique and Training, seguido por um curso complementar em Anatomia, Fisiologia e Patologia em Londres. Ministrou aulas no Royal College of Music e Arts Educational London Schools, em Londres e, atualmente, reside no Brasil. 24 / Revista Keyboard Brasil
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Memรณria
26 / Revista Keyboard Brasil
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Foto: Arquivo pessoal
* A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi a maior catástrofe provocada pelo homem em toda a sua longa história. Envolveu setenta e duas nações e foi travada em todos os continentes, de forma direta ou indiretamente. O número de mortos superou os cinquenta milhões havendo, ainda, uns vinte e oito milhões de mutilados. Os confrontos foram divididos entre duas grandes coalizões militares: os Aliados, liderados por Estados Unidos, Inglaterra, França e União Soviética; e o Eixo, composto pela Itália, Alemanha e Japão. Lembrando que foi celebrado em 8 de maio, o Dia da Vitória na Europa, também conhecido como V-E Day (marcando o fim da Segunda Guerra Mundial). Há exatos 70 anos, a Alemanha nazista era derrubada pelos Aliados, dando fim a um pesadelo iniciado pelo regime de Adolf Hitler.
Maestro Osvaldo Colarusso: colunista da Revista Keyboard Brasil e incansável pesquisador musical!
Dois grandes compositores, duas vidas dilaceradas pelo
nazismo ! ASSIM COMO BACH, CUJA OBRA FOI REDESCOBERTA APÓS UM SÉCULO DE SUA MORTE, ALGUNS GÊNIOS DA MÚSICA, COMO MAHLER E BRUCKNER TAMBÉM PASSARAM POR UM PERÍODO DE ESQUECIMENTO, POR SORTE NÃO TÃO LONGO QUANTO AO DE JOHANN SEBASTIAN. É O CASO DE FRANZ SCHREKER E ALEXANDER VON ZEMLINSKY, PERSEGUIDOS PELO NAZISMO. ** Maestro Osvaldo Colarusso Revista Keyboard Brasil / 27
Zemlinsky, Schoeberg e Schreker em Praga, 1912.
S
abemos que muitos compositores importantes foram forçados a se exilar da Alemanha e da Áustria
com a ascensão do Nazismo a partir 1933, tanto por terem uma origem judia como por terem uma estética condenada pelo partido. Muitos autores, como Paul Hindemith (1895-1963), Kurt Weill (19001950) e Korngold (1897-1957), partiram para a América do Norte e se deram bem nos Estados Unidos. O mesmo não se pode dizer do húngaro Bela Bartók (18821945) e do austríaco Arnold Schoenberg (1874-1951) que amargaram diversas agruras no novo mundo. 28 / Revista Keyboard Brasil
Existe também uma considerável e triste lista de compositores que morreram em campos de concentração como os tchecos Pavel Haas (1899-1944) e Erwin Schulhoff (1894-1942), mas dois
compositores austríacos tiveram um tipo de sofrimento e de perseguição que os levaram a uma dolorosa e lenta morte: Franz Schreker (1878-1934) e Alexander von Zemlinsky (1871-1942). Suas obras, que ficaram esquecidas por muito tempo, vem chamando cada vez mais a atenção do público, e é sobre eles que pretendo discorrer.
Schreker Franz Schreker, nascido em 1878, era filho de um fotógrafo da corte austríaca e bem cedo demonstrou muito talento para a composição e para a regência. Depois de consolidar uma carreira de maestro, seu primeiro sucesso indiscutível como compositor foi a ópera “Der ferne Klang” (Um som distante), estreada em Frankfurt, no ano de 1912. Esta bela ópera foi seguida por outra obra prima: “Die Gezeichneten“(Os estigmatizados), de 1918. Normalmente, lidava com orquestras imensas mas, em 1916, escreveu uma obra prima para apenas 23 instrumentos, a “Sinfonia de Câmara“ em um movimento. Suas canções também são notáveis e vale a pena lembrar que ele foi o primeiro compositor a usar textos do poeta americano Walt Whitman em “Vom ewigen Leben” para soprano e grande orquestra. Nos últimos anos de “República de Weimar”, Schreker foi professor na “Hochschule für Musik” de Berlim, e teve como alunos alguns nomes que viriam a ser músicos importantes como os maestros Jascha Horenstein e Artur Rodziński, e compositores da estatura de Ernst Krenek. É importante lembrar que foi Schreker quem regeu a estreia de Gurrelieder, a monumental obra de Arnold Schönberg, em 23 de fevereiro de 1913.
(1) A partir de 1930, o movimento nazista de Adolf Hitler cresceu, aproveitando-se do descontentamento popular com as crises econômica e política da Alemanha. O ano de 1933 marcou o auge da perseguição dos nazistas aos intelectuais. Tudo o que fosse crítico ou desviasse dos padrões impostos pelo regime nazista foi destruído. Judeus passaram a ser perseguidos. (2) Franz Schreker foi demitido de todos os seus empregos por Max von Schillings, um compositor e maestro que demonstrava um ódio imenso aos judeus. (3) Além de Schoenberg, Zemlinsky foi professor de Alma Schindler, a futura esposa de Gustav Mahler. Revista Keyboard Brasil / 29
Assista a Sinfonia de Câmara, de Franz Schreker, numa versão excelente com a Orquestra Sinfônica Flamenga (Bélgica) regida por Jonas Alber.
Com a ascensão do nazismo Schreker, de origem judaica, foi perseguido pelo terrível Max von Schillings (1898-1933), um compositor e maestro que demonstrava um ódio imenso aos judeus. Ele demitiu Schreker de todos os
seus empregos como professor e maestro e trabalhou para que sua música fosse proibida em toda a Alemanha . Schreker, na miséria absoluta, recebia algumas ajudas e encorajamentos de seus ex alunos, mas um ataque cardíaco o matou no dia 21 de março de 1934, em Berlim, dois dias antes de completar 56 anos de idade. Apesar de nunca ter escrito música atonal ou serial, Schreker permaneceu um grande amigo de Arnold Schoenberg. No dia 12 de fevereiro de 1934, este último enviou um cartão postal de Los Angeles para seu colega: “Querido amigo, eu não sei nada de ti há muito tempo e recebo notícias contraditórias. Uma de que você estaria na América, outra que estaria doente em Berlim. Eu lhe peço: por favor, escreva para mim”. O cartão postal chegou uma semana depois da morte de Schreker. 30 / Revista Keyboard Brasil
Schreker é um dos melhores orquestradores da primeira metade de século XX. Seu “Prelúdio para um drama” (sobre temas de sua ópera “Die Gezeichneten“) é de uma riqueza harmônica e tímbrica notáveis. Eu diria que estamos diante de uma obra prima. Se sua harmonia se assemelha um pouco à de Richard Strauss (1864-1949), é indiscutível que ela possui uma individualidade própria. Sua “Sinfonia de Câmara” é outra obra magnífica onde, mais uma vez, o vemos fazer uma mágica combinação de harpa, piano celesta e harmonium. Há pouco tempo, o selo Chandos lançou dois Cds excelentes com o essencial da obra orquestral de Schreker, com a Filarmônica da BBC, regida por Vassily Sinaisky. Outra gravação essencial é a da Sinfonia de Câmara, executada pela Orquestra de Câmara da Rádio da Holanda, regida por Peter Eötvös (ECM). Existe um excelente DVD da ópera “Die Gezeichneten” gravada no Festival de Salzburg. Pena que não exista ainda nenhum registro cênico de “Der ferne Klang”. Uma questão de tempo, creio eu.
Zemlinsky Alexander von Zemlinsky era austríaco também. Nascido em Viena em 1872 cresceu numa família extremamente culta. De família judia, Zemlinsky demonstrou o seu talento musical bem cedo, nos cultos de sua sinagoga e, com 12 anos, passou a frequentar o Conservatório de Viena. Foi admirado por compositores como Brahms e Bruckner que o viam como detentor de um talento incomum para a composição. Sua formação sólida o tornou um professor muito requisitado na capital austríaca. Foi o único professor que o quase autodidata Arnold Schoenberg teve, além de ter sido professor particular de Alma Schindler, que se tornaria a esposa de Mahler. Maestro excepcional, foi muito elogiado até mesmo pelo exigente Igor Stravinsky por suas execuções de Mozart. Foi um
defensor convicto da música de seu tempo. Exemplo disso foi a estreia de “Erwartung”, de Schoenberg, em 1924. Com a efervescência cultural dos anos entre as duas guerras mundiais, transferiu-se para Berlim, em 1928, onde atuou como um grande defensor da vanguarda. Como compositor, escreveu oito óperas das quais se destaca “Uma tragédia florentina”, de 1916, calcada sobre um texto de Oscar Wilde. Além disso, escreveu quatro quartetos de cordas sendo que o de Nº 2 é considerado por muitos como um dos grandes quartetos do século XX. Entre suas inúmeras canções, destacaria as “6 canções sobre poemas de Maeterlink”
opus 13, tanto na versão com acompanhamento de piano, como na versão com acompanhamento orquestral. Sua “Sinfonia Lírica”, de 1923, é talvez sua obra mais conhecida e mostra a sofisticação cultural do autor pela escolha que fez de textos do paquistanês Rabindranath Tagore (18611941). Assim como Schreker, Zemlinsky tem um idioma próprio. Apesar de nunca ter abandonado de vez a tonalidade, sua sonoridade se afasta das sedutoras sonoridades de Richard Strauss. O domínio da forma musical fica bem explícito em seu “Quarteto de cordas Nº 2”, uma obra de 40 minutos em um longo movimento único. Quanto às harmonias, as descobertas do autor ficam mais evidentes em suas belas “Canções opus 13”. Sua “Sinfonia Lírica”, para soprano, barítono e orquestra deixa claro que o autor era também um grande orquestrador. Zemlinsky, depois de trabalhar em sua cidade natal – Viena – trabalhou de 1911 até 1927, em Praga. Foi de lá que ele se transferiu para Berlim. O final de sua vida é marcado por uma desesperada fuga do nazismo. Em 1933, foge de Berlim para Viena, onde permanece até 1938. Estes últimos anos morados na Áustria marcaram episódios lamentáveis, tendo visto a sinagoga que frequentava quando criança ter sido reduzida a cinzas pelos nazistas de seu país. Depois da anexação da Áustria, ele foge para Praga, mas a insegurança crescente o fez imigrar para Revista Keyboard Brasil / 31
Assista um trecho da Sinfonia Lírica de Zemlinsky, executada por intérpretes russos. Maestro Alexander Anissimov. Soprano Irina Krikunova
os Estados Unidos. Sua chegada ao novo mundo, poucos meses antes de começar a Segunda Grande Guerra, foi desastrosa. Deprimido pelo desprezo dos americanos, tendo sua música sido banida da Alemanha, da Áustria e da Tchecoslováquia, Zemlinsky definhou a tal ponto que, não fossem algumas ajudas anônimas, ele teria morrido de fome. Uma pneumonia o matou em 15 de março de 1942 em Larchmont, cidade próxima à Nova York.
Seu falecimento passou completamente despercebido. Foi só a partir de 1970 que sua obra, aos poucos, foi sendo resgatada. No entanto, pela altíssima
qualidade de sua produção, ela merecia ser muito mais conhecida. Num certo sentido, a obra de Zemlinsky é mais bem servida de gravações do que a obra de Schreker. Existem pelo menos 5 gravações excelentes de sua “Sinfonia Lírica”. A minha favorita é a de Bo Skovhus, Soile Isokoski regência de James Conlon (EMI). Os quatro Quartetos de Cordas são magnificamente interpretados pelo Quarteto La Salle (Brilliant Classics) e pelo Quarteto Escher (Naxos). Anne Sophie von Otter é a referência nas “6 Canções sobre poemas de Maetrrlink” (Deutsche Grammophon).
* Texto retirado do Blog Falando de Música, do Jornal paranaense Gazeta do Povo. Conheça o blog clicando em http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica/ ** Osvaldo Colarusso é maestro premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). No passado, esteve à frente de grandes orquestras como a do Coral Lírico do Teatro Municipal de São Paulo e a Orquestra Sinfônica do Paraná, além de ter atuado como solista. Atualmente, desdobra-se regendo como maestro convidado nas principais orquestras do país e nos principais Festivais de Música, além de desenvolver, paralelamente, atividades como professor, produtor e apresentador de programas de Música Clássica na Emissora Estadual do Paraná. Desde 2011, é responsável por um dos blogs mais importantes de música clássica no Brasil, o Falando de Música, do jornal paranaense Gazeta do Povo e, como colaborador da Revista Keyboard Brasil, desde 2014. 32 / Revista Keyboard Brasil
Fotos: Vitor Daguano
Perfil
34 / Revista Keyboard Brasil
BANDA
Tomada
Música autoral de qualidade! FAZER MÚSICAS COM QUALIDADE, PARCERIAS, TRABALHAR EM CONJUNTO COM OS CRIADORES BUSCANDO MELHORAR SUAS CARREIRAS SÃO APENAS ALGUNS DOS ATRIBUTOS QUE OS INDEPENDENTES RESGATARAM E QUE ESTAVAM SE TORNANDO “OBSOLETAS”, NUM MERCADO QUE VISA CADA VEZ MAIS, O LUCRO COMO FIM E NÃO COMO CONSEQUÊNCIA DE UM BOM TRABALHO. AJUDANDO A REVERTER ESSE QUADRO ESTÁ A BANDA INDEPENDENTE TOMADA. Heloísa C. G. Fagundes No cenário alternativo independente de São Paulo figura, há quase 15 anos, uma das bandas de considerável prestígio e com uma pegada mais hard rock, típica dos anos 70 – o quinteto Tomada – que segue à toda realizando inúmeros shows pelo Brasil tendo, em sua bagagem, três CDs gravados (arte gráfica assinada por Tiago Almeida em todos eles), um DVD documentário intitulado “Tomada XII – Estradas, Sons, Estórias na Terra do Rock Tupiniquim”, com direção de Marcelo Bueno e Eduardo "Lezo" Donato e, o mais recente trabalho, o primeiro EP digital homônimo a ser lançado pela gravadora MZA, dia 23 de junho próximo. Revista Keyboard Brasil / 35
Entrevista
Revista Keyboard Brasil: Como surgiu a ideia de montar uma banda de rock independente? Banda Tomada: Tocando sons como Tim Maia, Sá, Rodrix e Guarabira, Rita Lee, Roberto e Erasmo Carlos, mas sempre fazendo nossos sons como prioridade. Revista Keyboard Brasil: De onde vem as influências musicais da banda? Pepe Bueno: De todo lugar e de toda música, estamos numa fase aberta, experimental, sem regras, saca? Ricardo Alpendre: Há pouco tempo, inclusive, têm entrado mais influências de música brasileira que antes apareciam, mas só de vez em quando, numa temática, numa citação. Agora são mais “na cara”. Revista Keyboard Brasil: A banda está na estrada há quase 15 anos. Quantos e quais trabalhos vocês têm lançados até o momento? 36 / Revista Keyboard Brasil
Pepe Bueno: São 3 discos “Tudo em nome do Rock and Roll” (2003), Volts (2005), O Inevitável (2011), 1 DVD XII "Estradas, sons e estórias na terra do rock tupiniquim" . E, agora, o lançamento pela MZA do EP digital “Tomada”(2015). RKB: Como chegaram à formação atual: Vagner, Paulo, Mateus, Ricardo e Pepe? Ricardo Alpendre: Da formação que gravou o CD O Inevitável, saíram três, e em questão de uns três meses. Ficamos somente eu e o Pepe. Saímos acionando nossos contatos. Chegamos aos três caras porque já eram pessoas que conhecíamos, tínhamos as melhores referências. RKB: Vocês excursionam pelo Brasil. Onde e qual show foi o mais marcante até agora e por que? Pepe Bueno: Tivemos vários shows legais e marcantes nesses anos de estrada. Tocar na Virada Cultural, tocar no Bourbon
A banda Tomada em apresentação no Parque Villa-Lobos, em São Paulo.
Street, no CCSP, muitas histórias mesmo. Uma história legal foi quando tocamos no ano de 2006, em Ubá, o equipamento da casa (literalmente uma casa) era muito tosco e a casa estava lotada, deveria ter umas 250 pessoas na festa e a gente não conseguia ouvir nossos próprios instrumentos! Muito menos a voz, mas a galera estava pirando, rolou mosh até! Ou seja, acho que o show devia estar bom (risos). RKB: Quantos shows vocês fazem por mês? Além do trabalho realizado com o Tomada, vocês tem projetos paralelos? Tocam em outras bandas? Ricardo Alpendre: Varia muito. Tem mês em que agendamos várias apresentações; e tem mês que nem tem show. Isso é muito característico do rock independente no Brasil. Alguns de nós têm outras bandas também. Eu, por exemplo. Mas, na maioria das vezes, quando alguém se refere a um de nós, em particular, dizem: “Ricardo Alpendre, do Tomada”. Esse reconhecimento vem da representatividade que o Tomada tem na cena nacional. RKB: Vocês sempre trabalharam com música autoral e em português. Por que?
Pepe Bueno: Sim, começamos a banda com músicas próprias, é um jeito prático de se dizer o que pensa, né. Lógico que fazíamos versões de bandas que gostávamos e, até hoje, tocamos nos shows. Rola Barão Vermelho, Mutantes, entre outros artistas legais!! Ricardo Alpendre: Entendo o contexto – no rock há bandas nacionais que escrevem em inglês – mas tenho o ponto de vista inverso: “Por que não”? É nossa língua, a língua que nosso povo fala, e queremos que saibam cantar nossas músicas. Se compuséssemos em inglês, por exemplo, creio que haveria mais o que explicar: mercado internacional ou questões de métrica, por exemplo. RKB: Vocês lançaram um DVD em 2014 contando a história da banda, bastidores e shows. Podem nos contar um pouco sobre esse trabalho? De quem foi a ideia? Pepe Bueno: Pintou um show no CCSP onde eles nos ofereceram a estrutura completa de filmagem. Estávamos completando 12 anos de estrada e tínhamos muitas imagens, roots gravadas de shows, bastidores e entrevista, pensei em juntar todas elas e montar uma história da banda. O DVD foi dirigido pelo Eduardo Revista Keyboard Brasil / 37
Donato, o Lezo, e resume bem os primeiros 12 anos de banda. RKB: Com a entrada do Mateus na banda, os teclados ficaram mais visíveis nas músicas do Tomada. Houve alguma mudança no estilo musical da banda? Vagner: Com certeza toda mudança de formação traz mudanças. O Tomada começou como trio, depois com duas guitarras. Mais tarde, chegou na versão Big Band com duas guitarras e teclado e, agora, a formação atual. A primeira mudança foi a de cada um achar o seu espaço, o que fica mais fácil porque eu já toquei com o Mateus e a gente se entende bem. A segunda é de timbres e efeitos, para nenhum cancelar o outro, ou ficar redundante. E o próprio lance de compor. RKB: Neste mês, mais precisamente dia 23 de junho, a banda lançará um novo material pela gravadora MZA, rotulada como um dos selos independentes de maior prestígio do país, tendo entre os artistas descobertos e lançados, nomes como: Chico César, Zeca Baleiro e Rita Ribeiro. Podem nos adiantar um pouquinho sobre esse novo trabalho e como surgiu essa parceria? Pepe Bueno: Poxa, quando o Mazzola me mandou uma mensagem que queria fazer uma reunião com a galera do Tomada, eu fiquei super nervoso e também super feliz. ‘’Orra’’, o cara é um herói, ele produziu discos geniais, um produtor de artistas, saca? Um mês depois, estava eu fazendo uma reunião com Mazzola e o Hugo, e conversando sobre música e projetos, quer papo mais legal que esse? 38 / Revista Keyboard Brasil
Agora estamos lançando esse EP virtual pela MZA e, com certeza, muita coisa legal vai chegar. Ainda mais que estávamos trabalhando com a produção de Pedro Arantes, filho do grande Guilherme, uma produção super cuidadosa e bem timbrada. E, assim, chegamos no nosso novo som. A música “de verdade”, um pouco de rock caipira. RKB: Onde e quando serão os próximos shows da banda? Pepe Bueno: A banda tem shows marcados em Juíz de Fora, Ubá, Joinville, São Paulo, enfim. Mas, fiquem ligados nas nossas redes sociais, vamos postar tudo lá. RKB: O que vocês diriam para os aspirantes a músicos independentes? Podem passar algumas dicas e conselhos? Vagner: Coragem! Estamos num momento difícil, mas manter a cena viva depende justamente de nós. O conselho é fazer o que gosta e não entrar numa formulazinha qualquer. E, juntar com outras bandas, é muito difícil fazer a coisa rolar sozinho. RKB: Obrigada pela entrevista e sucesso sempre! Ricardo Alpendre: Obrigado pelo espaço na Keyboard Brasil e por esse trabalho para a nossa literatura musical! Um grande abraço aos leitores, tecladistas ou não! Saiba mais sobre a banda Tomada:
Revista Keyboard Brasil informa:
Nostalgia
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Foi luz e escuridão caminhando juntas nesse período conturbado, bizarro e criativo mas, sem dúvida, altamente elevado!
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– Amyr Cantusio Jr.
As apresentações de Lewis sempre foram dinâmicas. Ele chutava o banquinho do piano da sua frente para poder tocar de pé, deslizava e batia suas mãos pelas teclas, subia no piano, pisava nas teclas e até mesmo sentava em cima delas. Chegou a botar fogo em um piano, jogando fluido de isqueiro dentro da cauda do mesmo, somente por ter de deixar Chuck Berry encerrar o show; fato que ele não aceitava. 40 / Revista Keyboard Brasil
A ERA DA
INCERTEZA BUSCANDO NOVOS HORIZONTES SURGIU NOS ANOS 60, ALASTRANDO-SE POR TODA A DÉCADA DE 70, UM MOVIMENTO QUE PROPORCIONOU UMA LUZ NO FIM DO TÚNEL, PARA A TÃO DEFASADA E ARRUINADA VIDA COTIDIANA DESTE PERÍODO, GERANDO UMA MÚSICA SOFISTICADA, CABEÇA, DIRETA E POSITIVA, CALCADA NOS MAIS PUROS IDEAIS FILOSÓFICOS E ESPIRITUALISTAS. * Amyr Cantusio Jr.
C
om o advento da entrada da humanidade em um novo ciclo, ou Nova Era, como muitos neo-
filósofos profetizaram nesses últimos 50 anos, o planeta sofreu uma drástica ruptura de valores e transformações, no mínimo, radicais. Com a insatisfação geral da maior parte dos habitantes deste pequeno astro frente a guerras, adversidades econômicas, religiosas e sociais, as pessoas buscaram novos horizontes. Seja nas
artes, no comportamento ou filosofia, um movimento sofisticado e reacionário surgiu nos anos 60 e se alastrou por toda a década de 70.
De um lado, se posicionava o velho e carcomido sistema severo, pseudomoralista, com seus estereótipos furados e pontos de vista que, no mínimo, nos deram duas guerras mundiais. E, de outro, novos videntes reacionários artísticos, que deram uma luz no fim do túnel, apresentando novas vertentes e rumos para a tão defasada e arruinada vida cotidiana deste período. Começando pelo surgimento do rock, com Elvis rebolando em frente a milhares de câmeras de TV, altamente censurado na época e, Jerry Lee Lewis e sua boca maldita, com seu piano demoníaco jogando merda nos ventiladores do Revista Keyboard Brasil / 41
A banda britânica de Hard Rock Uriah Heep surgiu no final dos anos 1960. Caracterizada por canções melódicas e vocais harmoniosos, além do uso do órgão Hammond B3 e guitarra com pedal wah-wah.
sistema. Aliás, a liberdade (Sweet Freedom - Uriah Heep) foi o tema básico dessas duas décadas (60 e 70). Com a guerra do Vietnã, surge o movimento hippie do “paz e amor”. Mas não pensem que todos os jovens desta época compartilhavam dos interesses e mudanças coletivas. Havia um foco resistente, o dos “alienados”, que eram sustentados pela pequena burguesia dominante, o dos rebeldes sem causa. Dêem uma olhada nos documentários brasileiros dos finais de 60, na época dos grandes festivais e verão Sérgio Ricardo quebrando seu violão e atirando na plateia... “Em 1967, na final do festival da 42 / Revista Keyboard Brasil
TV Record, Sérgio Ricardo se irritou com o público – que vaiava e não deixava que ele apresentasse a música – e, não teve dúvida, quebrou o violão arremessando-o na direção das cadeiras. "Vocês ganharam! Este é o país subdesenvolvido! Vocês são uns animais!", afirmou, antes de se retirar do palco”. Vide, também, os Mutantes tocando frente a uma plateia recalcada e fria, em apresentações na rede Record e Cultura. E, ainda, Caetano, Gil, Geraldo Vandré, entre outros, sendo exilados do Brasil pelo extremismo inconformado. Ouçam as letras das bandas brasileiras de maior renome como o Terço, Som Nosso de Cada Dia, Tellah, Moto Perpétuo,
Terreno Baldio, Casa das Máquinas e notarão, nas entrelinhas, a verdadeira base deste tão belo movimento. Belo, por quê? Porque era sem armas, sem guerras estúpidas, sem letras banais. Uma
música sofisticada, cabeça, direta e positiva, calcada nos mais puros ideais filosóficos e espiritualistas. O povão nas ruas estava dividido. Uma parte dos jovens amava os músicos revolucionários mas, a outra estava queimando seus discos em praças públicas (vide nos U.S.A. jovens fanáticos e cegos pela religião, queimando os LPS dos Beatles). Então, dizer que tudo foi um “mar de rosas” é pura asneira. Foi luz e
escuridão caminhando juntas nesse período conturbado, bizarro e criativo mas, sem dúvida, altamente elevado. A filosofia indiana, que entrou para ficar através de Harrison e Lennon com seus respectivos gurus Prabhupada e Osho, invadiu quase todas as vertentes roqueiras da época. Os livros de Carlos Castañeda e Aleister Crowley eram referenciais. As viagens nas drogas alucinógenas tiveram seus pontos culminantes, com altos e baixos. Muitas vidas foram ceifadas e nem tudo era a beleza do sol. Bandas como Yes, Rush e Grand Funk Railroad faziam campanhas antidrogas, enquanto outras sucumbiam pelas mesmas.
O rock básico se fundiu com outros gêneros como a música erudita, indiana, folk e medieval dando novas características ao som. Enfim, essas duas décadas morreram com seus líderes e heróis, deixando apenas o legado e a história como referencial. Infelizmente, vejo a cena do rock hoje ligeiramente afastada da área metafísica e intelectual que eram as bases das décadas citadas. Muita asneira, músicas pobres, letras idiotas e sem sentido, drogas sem viagem, rebeldes sem justa causa, alienação e muitos crimes. Não digo que nos anos 60 e 70 a coisa era totalmente maravilhosa. Haviam crimes e loucuras isoladas. Mas, hoje há a incitação à violência e há falta de espiritualidade ou vôos além das esferas materialistas em larga escala, muito mais mídia (TV e Rádio, além da Internet) divulgando mediocridade e violência gratuita.
Ouvir para crer. Conferir para ousar. Estudar para criar. Pesquisar para acreditar num futuro melhor, sem o radicalismo supérfluo, que hoje permeia toda a sociedade que apodrece novamente precisando de novos Lennons, Gandhis, Dylans e Gurus como Osho, Prabhupada, etc... Mais revolução cultural, elevação da educação e da alma. Tudo no plural mesmo, pois agora é para valer.
*Amyr Cantusio Jr. é músico (piano, teclados e sintetizadores) compositor, produtor, arranjador, programador de sintetizadores, teósofo, psicanalista ambiental, historiador de música formado pela extensão universitária da Unicamp e colaborador da Revista Keyboard Brasil. Revista Keyboard Brasil / 43
Ponto de Encontro
44 / Revista Keyboard Brasil
(da Música, Arte, Beleza, Educação, Cultura, Rigor, Prazer e Negócios)
Foto: David Leventi
Salas de
Espetáculos
vazias... QUANDO CHEGARÁ O MOMENTO EM QUE TEREMOS CONSCIÊNCIA DE QUE NÃO PODEMOS ESPERAR NADA DE NINGUÉM PARA PARTIR PARA A LUTA? QUANDO DEIXAREMOS DE VIVER A VIDA EM FORMA DE NOVELA? COMO CONSEGUIREMOS UM PAÍS MELHOR? VOCÊ PODE NOS DIZER QUEM VAI NOS SALVAR DE NÓS MESMOS? MUITAS PERGUNTAS... SERÁ POSSÍVEL TER AS RESPOSTAS? * Luiz Bersou
Revista Keyboard Brasil / 45
C
Salas Vazias... onversando com o Maestro Marcelo Dantas Fagun-des, ele me fala de salas de espetáculos
des, ele me fala de salas de espetáculos vazias. A crise assusta a todos e vivemos um estado de paralisia que afeta o país. A questão que se coloca é como sair desse atoleiro, onde tantas espe-ranças vão se esvaindo. Ele pergunta: "o que devemos fazer?" A pergunta tem um significado profundo. A pergunta não se refere ao que o Governo deve fazer. Ele não acredita no governo. Carta fora do baralho. A
pergunta dele se refere ao que a Nação deve fazer. O que ele, como profissional, deve fazer. Quantos são os que estão fazendo essa pergunta no momento atual?
O cerco de Leningrado (São Petersburgo) Estudei com Leonid durante cinco anos. Ele viveu o cerco de Leningrado pelas tropas alemãs. Começou em oito de setembro de 1941. Durou 900 dias. Ele já tinha idade para sentir o drama. Tudo destruído. Comia casca de batata, que era o alimento que os não combatentes tinham disponível. Convivia com os mortos insepultos, pois o frio tornava o solo muito duro e a falta de forças não permitia o enterro. Leonid veio para o Brasil. Trabalhou muito. Estudou muito. Quan-do se aposentou era um importante projetista internacional de navios muito sofistica46 / Revista Keyboard Brasil
dos. O sofrimento fez de Leonid um ser mais forte, mais obstinado e mais duro consigo mesmo. Ele tinha uma clareza muito grande do que é a realidade da vida. Acreditava nele mesmo. Não acreditava nos outros. Não esperava nada de ninguém!
Destruição em Berlim Convivi muito com o Tom. Um irmão, uma irmã, pai e mãe que vagavam sem destino pela Berlim destruída. Certa vez, entraram nas ruínas de uma casa. Havia um porão. No porão encontraram uma laranja. Ele nunca tinha visto uma laranja antes e não soube contar como ela estava lá. Ele lembrava então como a família se reuniu para comer aquela laranja. A laranja tinha 10 gomos. Dois gomos para cada um. A casca foi igualmente repartida e todos a comeram também. Vieram para o Brasil e trabalharam muito. O Tom sempre dava risada de todas as nossas crises. Tom acreditava nele mesmo. Não acreditava nos outros. Ele também aprendeu a não esperar nada de ninguém!
Brasil em crise... Jared Diamond, no livro Colapso, conta como as sociedades escolhem o caminho do sucesso ou do fracasso. Percorrendo as memórias de Roberto Campos, ele nos aponta a quantidade de vezes que nossas lideranças escolheram o caminho do fracasso para o Brasil. Decorre que nós mesmos escolhemos o caminho do fracasso, pois os elegemos.
Foto: Arquivo pessoal
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Brasil vai se salvar de si mesmo? Será
que podemos acreditar que podecaráter fraco remos mais uma vez salvar-nos de somado com nós mesmos? poder gera monstros! Brasil em crise e o setor energético - luiz Bersou, da revista keyboard brasil
Trabalhei para governadores no Brasil. O ruído de uma frase sempre me ressoa nos ouvidos. Caráter fraco somado com poder, gera monstros. O que mais
temos no Brasil são políticos de caráter fraco com poder. São monstros capazes de qualquer coisa. Não estão interessados na nação brasileira. Estão interessados neles mesmos. São como ratos que não percebem que o navio está afundando. O que se desprende desses relatos é que não dá no Brasil para acreditar naqueles que estão ungidos do poder. Não dá para acreditar em ninguém que esteja em qualquer entidade ligada a qualquer instituição de governo. Ficamos esperando deles o que não nos será dado. Há uma reportagem antiga que fala do Brasil como a nação que se salvou de si mesma. Refere-se à revolução de 64 que, na minha opinião não foi uma revolução, foi uma contra revolução destinada a bloquear uma operação já em curso que queria instituir aqui uma ditadura ligada à Cuba. A pergunta que se coloca agora é: como mais uma vez o
Por erros absurdos convivemos com uma grave crise no setor energético. Petrobrás de joelhos. Eletrobrás paralisada. O sistema de represas com muito pouca água. Investimentos em energia eólica que não se pagam porque não existem linhas de transmissão para escoar e vender a energia. Há que repensar toda a visão estratégica em relação à questão energia. A geração de técnicos que soube construir no Brasil o abastecimento em energia não teve herdeiros e sucessores. O que ficou no seu lugar são políticos de mau caráter. Acontece que o setor Energia é apenas uma parte do Brasil. Ele está em crise, mas é menor do que o Brasil. Decorre que essa crise não deveria contaminar, como está acontecendo, o resto do Brasil.
Brasil e Governo Tudo errado. Tudo inchado. Cisão social planejada em curso. Tudo para os amigos. Para o povo, a lei e a burocracia indecente. Empresários tratados
como inimigos. O confisco brutal em forma de impostos, taxas e a indústria de multas. Mesmo assim, falta de recursos na educação, na saúde, na infraestrutura, nos transportes. Estradas destruídas. Buraco Revista Keyboard Brasil / 47
por todo lado. Nunca me esqueço da estrada para Montes Claros, em Minas Gerais, onde vi uma carreta enorme cujo cavalo mecânico foi engolido por um buraco. Pagamentos atrasados. Para os burocratas do governo e empresas estatais, o pagamento não atrasa. Estão blindados! O governo está em crise. Mas, mesmo assim, o Governo é apenas uma parte do Brasil. A soma da crise no governo mais crise na energia continua sendo menor do que o Brasil. Por que, então, a crise toma conta do Brasil todo?
O Brasil psicologicamente depressão Durante muitos anos fui presidente da Associação de Pais e Mestres da escola de meus filhos. Era necessário utilizar a quadra de basquete para as reuniões, por causa do espaço que se fazia necessário. Muitos debates. A nossa entidade era muito vigorosa, combativa e exigente. Havia um porém. Não se podia concorrer com o horário da novela. Mesmo em uma escola muito avançada, com pais conscientes, a novela vinha antes, o estudo e o interesse dos filhos vinha depois. Isso é Brasil! Desse perfil cultural, sem nos darmos conta, vivemos a vida em
forma de novela, onde tudo é faz de conta, tudo é imaginário. Decorre que enxergamos crise em tudo, embora apenas uma parte do país esteja realmente em crise. Entramos então no que vem sendo ciência na Economia. A psicologia da 48 / Revista Keyboard Brasil
depressão que vai nos dar de presente para o futuro próximo o PIB negativo. Todas as formas de depressão são graves. Nenhuma, entretanto, promove tantos estragos como a depressão de uma sociedade, que não tem no que acreditar, não tem caminho a seguir, não consegue agir, pois não consegue se encontrar, que de repente percebe que cada um de nós está sozinho e, por conta própria, e não há nada a esperar das estruturas de Governo.
Quem vai nos salvar de nós mesmos? Estamos vendo como aqueles que perderam empregos estão lutando por qualquer trabalho. Qualquer, pois nada será como antes. Basta sair nas ruas para vermos esse povo. Estão lutando cada um por si. Por outro lado, somos um povo para o qual a novela vem antes e a vida vem depois. Como somos um povo
que, em conjunto, nunca teve de lutar por nada ao longo de nossa história, não tivemos nem Leningrado e nem Berlin para nos ensinar, nunca passamos pelo ensino do sofrimento de outros povos. Por isso, nos acostumamos a ser um povo que não luta. Aceitamos a crise querendo que outros a resolvam. Mas... Não tem outros! Gostamos de receber promessas e acreditar nelas. Leonid e Tom nunca acreditaram em ninguém pois viveram, sim, crises que mostraram a verdadeira natureza da sociedade em que viviam, em relação às quais a nossa crise não passa de um episódio de novela.
Salas de espetáculos vazias Assisti por diversas vezes em um vídeo que meu irmão me mandou, um solista tocando uma peça de tango em um bandoneon, diante de uma orquestra muito famosa. Um público imenso, provavelmente, duas mil pessoas. A música ecoa. A câmera filma a plateia. Lágrimas nos olhos. Emoção à flor da pele. No fim, o artista foi aplaudido pela plateia em pé. Os que lutam sabem o que é sentir, de verdade, emoções muito fortes. São os que estão vivos! Os que vivem anestesiados pela nossa vida sem luta, não conseguem sentir emoções fortes. Na Bíblia, em Apocalipse, está escrito: "Por que não és nem quente e nem frio, por que é morno, morrerás". Quantos de nós estão mornos? Somos matéria prima de quem escreveu o livro Colapso! Salas de espetáculos são para gerar emoções nos presentes. Emoções para construirmos um sentimento de luta. Salas de espetáculos são salas para demonstramos que acreditamos em nós mesmos.
Será que os que fazem os espetáculos estão percebendo que no momento presente eles tem uma missão e um apelo muito importantes? Que importantes construtores de emoções eles podem ser? Que pode encher as suas salas para que se possa mudar o Brasil? Será que podemos transformar salas de espetáculos vazias em salas de emoções cheias usando esse apelo? Quando será, então, o momento em que passamos a ter consciência de que não podemos esperar nada de ninguém e partir para a luta? Até a próxima! Quer enviar sua opinião? Mande um email para contato@keyboard.art.br
* Atualmente dirigindo a BCA Consultoria, Luiz Bersou possui formação em engenharia naval, marketing e finanças. É escritor, palestrante, autor de teses, além de ser pianista e esportista. Participa ativamente em inúmeros projetos de engenharia, finanças, recuperação de empresas, lançamento de produtos no mercado, implantação de tecnologias e marcas no Brasil e no exterior.
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Revolução musical
ONDAS MATERNOT UM PIANO MUITO PARTICULAR
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COM A INTENÇÃO DE PRODUZIR UM INSTRUMENTO COM VERSATILIDADE ELETRÔNICA E FAMILIAR AOS MÚSICOS DE ORQUESTRA, MATERNOT CRIOU UM DOS PRIMEIROS INSTRUMENTOS MUSICAIS ELETRÔNICOS, DE INÍCIO MUITO SEMELHANTE AO TEREMIM. Heloísa G. Fagundes Revista Keyboard Brasil / 51
Anel
Gaveta
Anel
O Início
M
aurice Martenot (1898 –1980) começou sua educação musical precocemente, dando seu pri-
meiro concerto aos 9 anos de idade, acompanhado de sua irmã Ginette. Estudou piano, flauta, violoncelo e composição no Conservatório de Paris. Durante a Primeira Guerra Mundial, foi militar na área das transmissões, trabalhando como telegrafista de rádio. Foi ali que ao manusear as válvulas tríodo, apercebeu-se da pureza das vibrações produzidas por essas válvulas electrônicas e fez variar a intensidade de corrente por meio de um condensador. Em meados de 1917, Maurice deu início ao princípio operativo do instrumento que mais tarde daria o nome de Ondas Maternot, pondo em prática, seus primeiros experimentos musicais somente dois anos depois. Aproximadamente, nessa mesma época, o físico Russo Lev Theremin aperfeiçoava sua criação, o Theremin – um instrumento formado por
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Gaveta A gaveta contém muitos mecanismos que controlam as opções do som em forma de ondas, intensidade, alterações das notas e interruptores para cada caixa de som (amplificadores).
duas antenas, onde o intérprete deve aproximar ou afastar as mãos, sem tocálos, para alterar o tom e o volume dos sons produzidos. Maternot muito se ressentia pelo aparecimento do Theremin. Após desenhar e construir as Ondas Maternot (anteriormente denominada ondas musicais), patenteou sua invenção em abril de 1928, com o nome francês de “Perfectionnements aux instruments de musique électriques” (melhorias aos instrumentos de música eletrônica). Trata-se de um dos primeiros instrumentos musicais eletrônicos, de início muito semelhante ao teremim. É um instrumento monofônico, ou seja, só podem ser reproduzidos uma nota de cada vez. Possui válvulas termiônicas de frequência oscilatória produzindo, assim, um som ondulante. A intenção de Maternot era produzir um instrumento
com uma versatilidade eletrônica e que fosse familiar aos músicos de orquestra. Após aperfeiçoar seu invento inserindo teclas, Maternot apresentou
(1) (2) (3) (4) Trabalhando como telegrafista durante a Primeira Guerra Mundial, Maurice Maternot realizou experimentos que culminaram na criação de sua Ondas Maternot. Um instrumento que, mais tarde, Maternot inseriu teclas. (5) Ondes Martenot octeto e dois pianos (1937) conduzida por Gine e Martenot, durante um dos 72 concertos dados para a ‘‘Fête des Lumières’’, em Paris - o trabalho desempenhado aqui foi um arranjo de uma ‘‘Nocturnes’’, por Claude Debussy. (6) Rabindranath Tagore, o Gurudev (1861 – 1941), foi um poeta, romancista, músico e dramaturgo indiano. Seu pedido fez Martenot criar um instrumento a 1/12 de tom, próprio para a execução de ragas hindus. (7) O instrumento de teclas e seus amplificadores. (8) Olivier Messiaen (1908-1992) escreveu para o instrumento a sua obra “Fête des Belles Eaux”, para a Feira Mundial Internacional de 1937 em Paris. Aqui, um link da obra executada pelo seste o di Ondes Martenot.
suas “ondas musicais” em Paris. A apresentação se deu em 1929, no Teatro Nacional da Ópera de Paris, quando o próprio Martenot apareceu como solista de seu instrumento, acompanhado ao piano por sua irmã Ginette, que passou a ser a primeira grande solista do instrumento criado por seu irmão (por quarenta anos, apresentou-se nos cinco continentes, divulgando as ondas Martenot e dedicando-se à música contemporânea). A turnê internacional visava a apresentação de seu invento ao restante do mundo e foi recebida com uma avaliação muito positiva pelos meios de
comunicação, como por exemplo o jornal alemão Deutsche Allgemeine Zeitung, que disse: “É etéreo, sobrenatural, inexplicável”; o Der Abend de Viena: “Maravilha que triunfou sobre o ceticismo”; e o norteamericano New York Herald, que publicou: “Se Martenot tivesse vivido na Idade Média teria sido acusado de bruxaria sendo queimado vivo em praça pública”! Maurice Martenot ganhou, em 1937, com o seu invento, o Grand Prix da Exposição de Paris e é autor da Méthode d´Ondes Musicales, que é tida como a primeira obra teórica sobre um instrumento musical eletrônico, além de Revista Keyboard Brasil / 53
Um dos grupos a utilzar as Ondas Maternot foi o Beach Boys, cantando Good Vibrations. Acesse o link.
outros diversos livros e métodos.
A quantidade de peças escritas para ondas martenot é relativamente abundante, destacando-se nomes como Florent Schimitt (18701958), Honegger (1892-1955), Millhaud (1892-1974), Jolivet (1905-1974), Olivier Messiaen (1908-1992), em sua obra “Fête des Belles Eaux”, escrita para a Feira Mundial Internacional de 1937 em Paris, Varèse (1883-1965), entre outros. Porém, também era frequente-
mente utilizadas em filmes de horror e ficção científica, especialmente na década de 1950. Sua primeira utilização no cinema foi com o compositor Arthur Honegger no filme “The Idea” (1930) . Foi amplamente utilizado pelo compositor Brian Easdale no espetáculo de balé “The Red Shoes”. O compositor britânico Barry Gray frequentemente utilizou-o em suas composições para séries de televisão. Também foi utilizado com grande efeito anos mais tarde, quando Barry Gray (1925-1984) músico e compositor britânico, compôs a trilha de “Jornada Além do Sol”. Foi utilizado para efeitos sonoros pelo compositor David Fanshawe na série britânica de televisão “Flambards”. O 54 / Revista Keyboard Brasil
compositor de músicas para anime (nome usado para se referir a qualquer produto de animação produzido no Japão) Takashi Harada, utilizou o instrumento em composições para os animes “A Tree of Palme” (2002) e Binchō-tan (2006). Outros filmes que utilizaram o instrumento foram: “Lawrence da Arábia”, (1962); “Billion Dollar Brain” (1967); “Doppelgänger ” (1969); “Ghostbusters, Os Caças-Fastasmas” (1984); “Passagem para a Índia”, (1984); “O caldeirão mágico”, (1985); “Tucker: Um Homem e o Seu Sonho”, (1988); “Rising Sun” (1993); “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, por “Yann Tiersen” (2001); o documentário “Bodysong” (2003) e "Sangue negro”, (2007) que tiveram a trilha composta por “Jonny Greenwood” do “Radiohead”.
Atualmente, o repertório para este instrumento abrange mais de mil obras em diversos gêneros: música contemporânea, Pop, músicas para cinema, dança, Rock, jingles. Sumamente multifacetado, muitos músicos descobriram seu potencial, entre eles: Beach Boys, Jonny Greenwood, do Radiohead e Damon Albarn, do Gorillaz.
O funcionamento das Ondas Maternot No protótipo, que não possuía teclado, as variações de altura acústica eram conseguidas pelo deslizamento vertical da mão, por um fio esticado e conectado ao instrumento.
O teclado apareceu em 1930, seguido de novos aperfeiçoamentos em 1947 quando, atendendo a um pedido do poeta e pensador indiano Rabindranãth Tagore, Martenot criou um instrumento a 1/12 de tom, próprio para a execução de ragas hindus. As ondas martenot tem um timbre sombrio, comportamento similar ao do theremin, mas é tocado por meio de um anel de dedo preso a uma corda, que é puxada para cima e para baixo, ao longo de um teclado para determinar a nota. Com a mão esquerda do executante pode-se alterar aspectos como a dinâmica e timbre e, também, controlar as teclas de intensidade, ou seja, controlar o nível de som localizados em uma pequena gaveta no lado esquerdo do instrumento.
Sendo extremamente sensível, pode levar o volume do instrumento de zero a produzir um som verdadeiramente ensurdecedor, atuando como uma extensão do músico durante todo o processo permitindo uma variedade de tons, matiz, fraseado e ataque (acentos, staccato, os efeitos percussivos, legato, etc.). Com a mão direita, toca-se o teclado e a fita, com exceção de certas obras virtuosísticas que exigem o uso das duas mãos. O instrumento também tem
dois pedais ligados à função de caixa como filtro ou para controlar a intensidade do toque quando uma pontuação requer ambas as mãos sobre o teclado. Para entender melhor como o instrumento funciona é necessário entender o fenômeno acústico. A corda de um instrumento como o piano, quando a nota LA é tocada, possui uma frequência de 440 Hz. Ou seja, vibra 440 vezes por segundo. Dependendo da velocidade desta vibração, a frequência será mais aguda ou grave. Para obter um som audível,
Maternot utilizou o princípio de comparação de frequências por interferência, produzindo batidas, sistema utilizado por afinadores de pianos, através da combinação de duas oscilações com duas frequências ligeiramente diferentes para gerar uma terceira, cujo valor representa a diferença matemática entre as primeiras duas frequências. A primeira frequência é fixa e nunca muda, enquanto que a segunda é variável, modificada pelo executor que toca o instrumento, seja através de um teclado ou mediante um movimento de uma fita. Modernamente, o instrumento possui sofisticados recursos técnicoacústicos que geram timbres decorrentes de mais de oitenta combinações, servidos por uma gama imensa de intensidades, que vão do ‘‘pouco audível’’ ao já falado ‘‘ensurdecedor’’, com uma extensão de sete oitavas (de dó1 a si6) e com subdivisões que chegam a 1/50, explicando o ‘‘fascínio acústico’’ que o instrumento, ainda hoje, exerce sobre o ouvinte. Revista Keyboard Brasil / 55
De cima para baixo: (1)Thomas Bloch é reconhecido mundialmente por ser especialista em instrumentos raros como o Ondas Maternot. (2) Thomas Bloch com o músico John Cage cercados por partituras. (3) O músico com o atual construtor do instrumento, Jean-Loup Dierstein e o compositor inglês Jonny Greenwood (multi-instrumentista que toca viola, gaita, glockenspiel, Ondas Martenot, banjo e bateria, além de guitarra e teclado na banda de rock Radiohead. (4) (5) A oficina e os novos instrumentos construídos por Jean-Loup Dierstein.
Quem é Thomas Bloch? O músico, compositor, produtor francês, mestre em Musicologia pela Universidade de Estrasburgo (onde estudou com Marc Honegger) Thomas Bloch (1962-) é reconhecido mundialmente por ser especialista em instrumentos raros (Ondas Martenot, gaita de vidro e cristal Baschet). Suas performances passam por todos os estilos: música clássica, rock, para teatro, ópera, improvisação, balé, cinema, world music, entre outros. Bastante requisitado, são inúmeras as suas parcerias musicais, tais como: Valery Gergiev, Pierre Boulez, Paul Sacher, Michel Plasson, Jonny Greenwood, Tom Waits, Damon Albarn, Philippe Sarde, Bruno Gousset, Chick Corea, Orlando Jacinto Garcia, Fulvio Caldini, Radiohead, Gorillaz, Daft Punk, Pulp, Lara Fabian, Vanessa Paradis, Adele, Koshi, Coba ...
Modelos de Ondas Maternot Existiram sete modelos de pianos Ondas Martenot, cada um dos quais foram
adicionadas melhorias sucessivas ao longo dos anos. O instrumento de 1919, um tipo de Theremin, não era viável, segundo Martenot, fazendo seu primeiro modelo oficial aparecer somente em 1928. A quinta versão do instrumento datada neste mesmo ano, foi a primeira a apresentar a versão com teclas. No mesmo ano, o compositor Messiaen escreveu seu famoso “Fête des Belles Eaux” para seis Ondas Martenot.
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Maurice começou a ensinar este instrumento no Conservatório Nacional Superior de Música de Paris, no ano de 1947. Em seguida, mais uma dúzia de cursos na França e no Canadá foram criados para incentivar o reconhecimento oficial deste instrumento. Em sua oficina em Neuilly-surSeine, perto de Paris, Martenot construído cerca de 370 instrumentos, juntamente com uma série de modelos não-profissionais: versões simplificadas para uso em escolas, para a música de câmara, um combinado com um rádio e um toca discos e um muito especial, construído em 1932, para o poeta e músico indiano Rabindranath Tagore poder tocar ragas. A produção deste instrumento culminou em 1988 com a aposentadoria de Marcel Manière, assistente de Martenot desde 1951. Jean-Louis Martenot, um dos filhos de Maurice, trabalhou duro em uma versão digital do instrumento, mas sem muito sucesso. Em 1995, o engenheiro chamado Ambro Oliva projetou a Ondéa – um instrumento bastante parecido. Depois de 2008, Jean-Loup Dierstein, um francês mundialmente conhecido como especialista em teclados vintage, começou a trabalhar na reconstrução do instrumento Ondas Martenot original. Desde julho de 2011 a produção do instrumento recomeçou e agora está disponível novamente à venda. O novo instrumento é exatamente o mesmo modelo realizado em 1988 e vários conservatórios da França continuam seus ensinamentos. E, o fascínio dos músicos por esse instrumento, só tende a aumentar!
Quintas no Eolo O Jazz organ trio brasileiro apresenta seu repertório que inclui sucessos do soul/jazz de Jimmy Smith, Wes Montgomery, John Patton, Dr. Lonnie Smith, George Benson, Jimmy McGriff, entre outros e seu repertório autoral que mescla o jazz com ritmos brasileiros como Funktastic, Chácom-bolo, Samba na Rede e Água de Côco... Daniel Latorre: Hammond B3 / Wagner Vasconcelos: bateria / Filipe Galadri: guitarra Quintas 20:30h às 22:00h Rua Renato Paes de Barros 123, Itaim São Paulo - SP Fone: (11) 2338-6197 Entrada promocional: R$15,00
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Evento
congresso online para LEVAR CONHECIMENTO! ESTE É O OBJETIVO DO CONGRESSO MUSIC IN KEYS, ABORDANDO TEMAS COMO CAPACITAÇÃO MUSICAL, MERCADO BUSINESS, TECNOLOGIA, LANÇAMENTOS, NOVIDADES, DICAS E MUITO MAIS PARA O MERCADO DAS TECLAS! * Redação
Edição 2015
E
stá chegando o maior evento online para Tecladista do Brasil! A edição 2015 do Congresso
Music in Keys apresenta grandes tecladistas, pianistas, especialistas em tecnologia musical, produtores musicais, fonoaudiólogos e Music Business do Brasil.
De 29 de Junho a 05 de Julho (durante uma semana) o Congresso Music in Keys apresentará muitas novidades! Novas parcerias! E, caminhando novamente conosco, a Revista Keyboard Brasil! Te m o s , t a m b é m , a c o m u n i d a d e #tecladismo Brasil e a A Loja de Pianos onde foi gravado uma das palestras desta edição
Tudo do mercado Dê um upgrade em sua carreira de músico! No Congresso Music in Keys, através das dicas e conselhos, você 58 / Revista Keyboard Brasil
aprenderá, se atualizará e se manterá no mercado de trabalho para tecladistas. Além de conhecer as sacadas mais geniais dos grandes mestres, as informações guardadas a 7 chaves por grandes músicos e artistas. O melhor para a sua capacitação!
Aqui você pode! Com nosso time de especialistas em Tecnologia, você conhecerá as novidades do mercado, aprenderá sobre a evolução dos instrumentos - essencial a todos os tecladistas - e esclarecerá suas dúvidas surgidas na hora da compra ou da troca de seu instrumento. Indispensavel a qualquer músico tecladista, seja ele iniciante ou avancado, no Congresso Music in Keys todas as apresentações (aulas, palestras) são transmitidas online em uma área de membros.
o mercado das teclas Márcio Ferreira Costa
Palestrantes
é músico empreendedor, fundador da MFC PRODUSOM, empresa que oferece Cursos e Música e Produção Musical além de idealizador do Congresso Music in Keys.
Cadastre-se no site e conheça mais sobre os palestrantes clicando: Revista Keyboard Brasil / 59