Trova dos filhos da luz. Poemas (2021) José Brissos-Lino

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José Brissos-Lino

Trova dos filhos da luz poemas

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José Brissos-Lino Trova dos filhos da luz Poemas HEBEL

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José Brissos-Lino

Trova dos filhos da luz poemas

HEBEL ediciones 5


Trova dos filhos da luz. Poemas © José Brissos-Lino, 2020 © Hebel Ediciones, 2021 Colección Numinoso Santiago de Chile Edición a cargo de Luis Cruz-Villalobos Qué es HEBEL. Es un sello editorial sin fines de lucro. Término hebreo que denota lo efímero, lo vano, lo pasajero, soplo leve que parte veloz. Así, este sello quiere ser un gesto de frágil permanencia de las palabras, en ediciones siempre preliminares, que se lanzan por el espacio y tiempo para hacer bien o simplemente para inquietar la vida, que siempre está en permanente devenir, en especial la de este "humus que mira el cielo".

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Dos filhos da luz

João Evangelista diz-nos que “Deus é luz”

(I

João 1:5). E di-lo

enquanto réplica do testemunho que ele próprio ouviu do Mestre Jesus Cristo. É

uma

questão

ontológica.

A

sua

natureza é clara, brilhante, iluminadora, benévola,

abençoadora,

construtiva,

de paz. A história genésica da Criação começa com um “haja luz” (“fiat lux”) porque desde o início da história do mundo e dos homens Deus quis deixar a sua marca identitária fundamental. E o percurso escriturístico termina com a promessa do regresso da luz a um mundo caótico: “Aquele que testifica estas

coisas

diz:

Certamente

cedo

venho. Amém. Ora vem, Senhor Jesus” (Apocalipse 22:20). É por isso que os cristãos são chamados a ser “filhos da luz”, isto é, a revelar em si mesmos a natureza do Pai: 7


“Enquanto tendes luz, crede na luz, para que sejais filhos da luz” (João 12:36). Os

vinte

poemas

desta

pequena obra são inspirados em flashes bíblicos à volta da temática da luz, como que a sublinhar a relevância do que somos. Ou do que deveríamos ser. O Autor

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Fiat lux A ignição aconteceu e a luz acendeu ao comando da Voz eterna que se esconde a norte do tempo viaja ainda agora nas dobras da infinitude sem nunca cruzar metas fixas esses marcos humanos de quem nunca sai do chão e pensa curto O espaço negro conheceu então a intensidade do brilho a vertigem do movimento constante a velocidade inconcebível e nunca mais foi o mesmo.

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O sol sentou-se um pouco E o sol se deteve, e a lua parou, até que o povo se vingou de seus inimigos. Isto não está escrito no livro de Jasher? O sol, pois, se deteve no meio do céu, e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro (Josué 10:13)

Um dia o sol sentou-se na cadeira mais alta do céu e a terra de Gibeom estremeceu então o terçar das armas soou mais forte até se extinguir entre gemidos inexprimíveis e cada vez mais fracos A lua, que não quis ficar atrás, deteve-se também na longínqua escuridão do vale de Ajalom e acabou com todos os romances (havia luz a mais para ter mistério!) Naquele dia não nasceram meninos apenas morreram homens na batalha e o sangue dos caídos pintou de rubro vastos campos de trigo que preferiam ser brancos como num quadro do desvairado Goya 10


Jasher o escreveu porque para os antigos nunca houve dia como este. Mas ao cair da noite a Terra voltou a rodar Até hoje.

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A luz da aurora Mas a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito (Provérbios 4:18)

O caminho do justo faz-se caminhando sem regressos nem afastamentos o dia perfeito ainda tarda, mas já se enxerga o essencial da paisagem sem medo da penumbra que bordeja a vereda importa continuar sempre parar é morrer marcar passo andar para trás Sigamos a luz que o sol é companheiro de jornada ajuda-nos a afundar os olhos em novos contornos desfia todas as sombras expulsa até fantasmas de capa negra que assombram as gentes escondidos nas trevas do medo ou talvez do preconceito que vai sempre tentando 12


empurrar para trás o dia claro e livre que nos espera um pouco mais à frente.

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A estrela de todos os orientes Estrela de todos os orientes que sobressaltas a curiosidade dos sábiosastrónomos rasgas o véu das noites quentes trocas o sono dos homens por desvairadas inquirições apurando uma realeza desconhecida em terras de Judá Havias de indicar o rei nascido dum elevado e eterno trono como o sol do meio-dia que nunca se apagará E depois vieram miríades de anjos dar um concerto nocturno suspenso nos céus da pequena Belém efrata a pasmar pastores hipnotizar ovelhas e amansar os fiéis cães de guarda.

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Um Cordeiro feito de luz E a cidade não necessita de sol nem de lua, para que nela resplandeçam, porque a glória de Deus a tem iluminado, e o Cordeiro é a sua lâmpada (Apocalipse 21:23)

Sem gás nem electricidade na economia do destino eterno há um Cordeiro feito de luz que nunca se apaga lá, onde as noites são tão brancas como os dias e as tardes amenas como noites de Verão O brilho discreto da Paz perpétua não cansa nem se esgota não há arestas vivas nem esquinas vales profundos e sombrios montanhas altas demais pântanos ou arribas perigosas cidades de fumo negro nem mares de mercúrio onde as línguas não são facas os olhos não estão raiados de sangue 15


nem os punhos fechados os corações já se renderam há muito e as atenções centram-se no Cordeiro feito de luz para sempre e sempre.

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O caminho do rei Nasce o sol, e o sol se põe, e apressa-se e volta ao seu lugar de onde nasceu (Eclesiastes 1:5)

O sol está preso na imparável roda do efémero qual fénix calorosa morre tantas vezes quantas nasce voltando sempre à casa de partida segue o mesmo trilho todos os dias num eterno vaivém entre o Oriente e o lugar onde a terra acaba mas nunca se cansa nem apaga Recebeu a vocação de aquecer quem tem frio cobrir os campos de esplendor verde mudar árvores de fruto em paletas de pintor impressionista fazer das sementes o pão dos homens provocar a emergência dos animais nos pastos

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em cumplicidade com a terra-mãe e as águas de cima. Um rei prisioneiro dos deveres de estado Não pode andar por onde quer.

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Shabbat

Quando cai a tarde há um tropel de corvos negros a caminho do ninho em passo acelerado uma vez por semana esquecem os dólares recolhem mais cedo a casa debaixo do olhar atento de Adonai acendem as velas em sua honra provam o peixe e logo depois o belo ensopado chameen à maneira sefardita No fim da refeição é tempo de dar graças birchat hamazon a prece regista a singularidade desta hora a aguardar o dia que é totalmente Shabbat e a tranquilidade para a vida eterna de que fala a Mashiach.

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Prisioneiro de ti mesmo Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira (Efésios 4:26)

A ira mata de noite corrói todos os ossos do corpo mexe com as tripas da barriga e do cérebro A ira é o momento um golpe descontroladamente doloroso na razão uma hipoteca sobre o tempo A ira faz a noite ainda mais negra destrói pontes oníricas conspurca o enredo dos sonhos E quando acordas de manhã tens as janelas de ontem feitas muros de hoje à tua volta Ficas prisioneiro de ti mesmo.

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O milagre do sol E, no primeiro dia da semana, foram ao sepulcro, de manhã cedo, ao nascer do sol (Marcos 16:2)

Era uma vez uma manhã de domingo de pássaros recolhidos ainda o galo não acordara o sol três mulheres faziam o caminho das pedras em direcção a um passado empolgante mas ainda fresco tapado por uma rocha intolerante a luz dos seus olhos não era esperança apenas paixão que obriga a querer ficar perto mesmo que tivessem de passar por loucas madrugadoras o seu passo era preocupado mas firme Afinal descobriram que tinham ido em vão já podiam vender aqueles unguentos caros e abençoar os pobres.

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A emboscada Ao meio-dia, ó rei, vi no caminho uma luz do céu, que excedia o esplendor do sol, cuja claridade me envolveu a mim e aos que iam comigo (Actos 26:13)

Já perto de Damasco o Senhor emboscou o iracundo Saulo de Tarso trocando-lhe as voltas perdeu o norte por ira ficou o espanto pelo zelo cego, o encontro pela certeza, dúvida por verborreia, a quietude de quem espera sem saber o quê A luz entrou-lhe pelos olhos dentro secou-lhe a garganta num momento e alojou-se na alma como um vírus perigoso durante os três longos dias que durou a tarefa de reconstrução dum coração novo antes que os olhos vissem um outro reino que não é deste mundo e o empurrassem para uma aventura imensa num caminho mais excelente. 22


À soalheira E aconteceu que, aparecendo o sol, Deus mandou um vento calmoso oriental, e o sol feriu a cabeça de Jonas; e ele desmaiou, e desejou com toda a sua alma morrer, dizendo: Melhor me é morrer do que viver (Jonas 4:8)

A luz não é amiga de quem foge nem a abóbora boa companheira dos cobardes dos que escolhem as profundezas do abismo não joga bem com as sombras da alma ou os amantes do silêncio o calor aquece por dentro e também destrói a frieza de todas as escuridões É uma coisa desagradável deixar a desobediência exposta ao sol.

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Naufrágio E, não aparecendo, havia já muitos dias, nem sol nem estrelas, e caindo sobre nós uma não pequena tempestade, fugiu-nos toda a esperança de nos salvarmos (Actos 27:20)

Sem luz nem esperança resta só o breu da noite o medo húmido a comprimir a respiração dos homens aquele frio mortal que se entranha ossos dentro e uma espera paciente pelo fim molhado que se adivinha o céu fechado um deus irado um mar zangado e o desespero das pobres almas face ao abismo Mas surge de repente um fio de voz e de luz à beira do precipício a replicar mensagem de cima eis a salvação depois de catorze dias de fome e medo. 24


Democracia divina Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos (Mateus 5:45)

Quem parte e reparte não fica com a melhor parte dividir é destruir o amor não se negoceia não se ganha em concurso não se deixa amarrar resiste até à indiferença Vistos de cima todos contam na liberdade do amor.

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O homem vestido de luz E transfigurou-se diante deles; e o seu rosto resplandeceu como o sol, e as suas vestes se tornaram brancas como a luz (Mateus 17:2)

Não havia pirilampos mas um homem vestido de luz e cara refulgente no alto de um monte sempre que olhava em redor a cidade do breu iluminava-se perante o silêncio das aves Na cimeira das nuvens eis a lei e os profetas em conferência com o Filho do Homem E depois havia a Voz a selar as conclusões.

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O sol empalideceu E era já quase a hora sexta, e houve trevas em toda a terra até à hora nona, escurecendo-se o sol (Lucas 23:44)

O rei do céu baixou a cabeça envergonhado em homenagem ao imperador do universo Na hora do maior fulgor apago a minha glória perante a tua o efémero cede ao eterno O rei do céu decretou o silêncio reverente da Criação do meio-dia às três da tarde recolhimento total face ao peso de eternidade suspenso numa colina de Jerusalém.

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Morena Não olheis para o eu ser morena, porque o sol resplandeceu sobre mim; os filhos de minha mãe indignaram-se contra mim, puseram-me por guarda das vinhas; a minha vinha, porém, não guardei (Cânticos 1:6)

Não sou branca mas sou bela formosa como as cortinas de Salomão aquele que me deseja com ardor todos os dias e todas as noites sou colorida como as tendas de Quedar ó filhas de Jerusalém não cresci na sombra de palácios de pedra alva mas no meio das vinhas por isso a minha boca sabe a mosto e a minha pele é morena foi pintada pelo sol e afagada pelos ventos do sul como é próprio daqueles que são livres.

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A felicidade dos bezerros Mas para vós, os que temeis o meu nome, nascerá o sol da justiça, e cura trará nas suas asas; e saireis e saltareis como bezerros da estrebaria (Malaquias 4:2)

Os bezerros saltam no pasto porque o mundo é uma largueza e todo deles do tamanho do que a vista alcança são felizes de barriga cheia junto ao úbere da mãe o sol afasta o frio da manhã que vicejou as ervas o calor revigora-os e as vistas curtas da estrebaria ficaram para trás Quando a brisa matinal se for e o calor apertar procuram as suaves sombras como as aves descansam e ruminam pensamentos A felicidade dos pequenos é contagiante.

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Jogo da glória Uma é a glória do sol, e outra a glória da lua, e outra a glória das estrelas; porque uma estrela difere em glória de outra estrela (1 Coríntios 15:41)

Um dia o sol desafiou a lua a jogaram o jogo da glória na presença das estrelas o astro solar achava-se o rei da selva sideral reivindicou para si o lugar mais alto do pódio mas a lua e as estrelas votaram contra o impasse astral durou longas horas até que o manto negro da noite caiu sobre eles Então o sol começou a cansar-se e a lua ganhou o jogo com o apoio das estrelas cintilantes Ao nascer do outro dia o sol ainda pensou vingar-se mas já tinha perdido o jogo ao longo da noite escura Quando o jogo é parvo mais vale ser rei por umas horas do que desparecer de cena metade do tempo. 30


Luz apagada Vê, pois, que a luz que em ti há não sejam trevas (Lucas 11:35)

Nem tudo o que luze é ouro nem tudo o que dá luz alumia por vezes não passa duma luz negra uma ilusão de óptica um engano atroz uma luz negra é um cego a conduzir outros ao barranco tão cegos e negros como ele.

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Resistência Se eu ria para eles, não o criam, e a luz do meu rosto não faziam abater (Jó 29:24) Um simples sorriso na janela do sofrimento nem sempre é uma teimosia credível desarruma conceitos antigos ideias estabelecidas baralha certezas guardadas na algibeira interpela violentamente os inseguros e os fracos nem todos podem manter o rosto iluminado depois do pôr-do-sol quando a noite cai e os demónios andam à solta.

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Índice

9

Fiat lux

10

O sol sentou-se um pouco

12

A luz da aurora

14

A estrela de todos os orientes

15

Um Cordeiro feito de luz

17

O caminho do rei

19

Shabbat

20

Prisioneiro de si mesmo

21

O milagre do sol

22

A emboscada

23

À soalheira

24

Naufrágio

25

Democracia divina

26

O homem vestido de luz

27

O sol empalideceu

28

Morena

29

A felicidade dos bezerros

30

Jogo da glória

31

Luz apagada

32

Resistência

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José Brissos-Lino nasceu em Lisboa (1954), é casado, tem dois filhos e um neto. Doutorado em Psicologia, Especialista em Ética e em Ciência das Religiões, é director do Mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, em Lisboa, coordenador do Instituto de Cristianismo Contemporâneo e investigador. Desenvolve há muitos anos intensa actividade em instituições culturais, humanitárias e de solidariedade social, algumas das quais fundou. Foi presidente da Liga dos Amigos do Hospital de São Bernardo, fundador e reitor da Universidade Sénior de Setúbal. Fundou e presidiu à Direcção da BARA-Associação Evangélica de Cultura e dirigiu a revista cultural da mesma. Integrou a Direcção da Aliança Evangélica Portuguesa assim como a respectiva Assessoria de Teologia e Ética. É pastor protestante. Conferencista e autor com obra publicada nas áreas de ficção (romance), poesia, ensaio, e cronista na imprensa regional e nacional, em 1974 assinou com Joanyr de Oliveira e J. T. Parreira o “Manifesto por uma Nova Poesia Evangélica” em Portugal.

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