APOSTILA BIOÉTICA DEFINIÇOES: A Bioética tem como objetivo facilitar o enfrentamento de questões éticas/bioéticas que surgirão na vida profissional. Sem esses conceitos básicos, dificilmente alguém consegue enfrentar um dilema, um conflito, e se posicionar diante dele de maneira ética. Assim, esses conceitos (e teorias) devem ficar bem claros para todos nós. Não se pretende impor regras de comportamento (para isso, temos as leis), e sim dar subsídios para que as pessoas possam refletir e saber como se comportar em relação às diversas situações da vida profissional em que surgem os conflitos éticos. Assim... “Bioética é o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão moral, decisões, condutas e políticas – das ciências da vida e atenção à saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas em um cenário interdisciplinar.” Reich WT. Encyclopedia of Bioethics. New York: MacMillian, 1995:XXI. Uma outra forma de se definir Bioética (“ética da vida”) é que esta é a ciência “que tem como objetivo indicar os limites e as finalidades da intervenção do homem sobre a vida, identificar os valores de referência racionalmente proponíveis, denunciar os riscos das possíveis aplicações”.
Van Rensselaer Potter (27/8/1911 – 6/9/2001) O INÍCIO: Discussões acerca da Bioética iniciaram-se em 1971 , a partir da publicação de dois livros do oncologista norte-americano, Van Rensselaer Potter – Bioethics: The Science of Survival e Bioethics: Bridge to the Future. Preocupado com os avanços da ciência – principalmente na área da biotecnologia – Van Potter propôs um novo ramo do conhecimento que ajudasse as pessoas a pensar nas possíveis implicações (positivas ou negativas) dos avanços da ciência sobre a vida (humana ou, de maneira mais ampla, de todos os seres vivos). Ele sugeriu que se estabelecesse uma “ponte” entre duas culturas, a científica e a humanística, guiado pela seguinte frase: “Nem tudo que é cientificamente possível é eticamente aceitável”. Potter compreendeu a necessidade de um novo paradigma de ciência que pudesse unificar a biologia, as humanidades e a ciência social. E suas obras procuraram mostrar que os valores éticos não podem estar separados dos fatos biológicos. Essa nova expectativa teria que considerar, em especial, a natureza do homem, e sua relação com o mundo biológico e físico. Tal ciência possibilitaria a reflexão sobre os avanços da ciência e seus limites, com o propósito de que o futuro da humanidade pudesse ser seguro e a melhoria da qualidade de vida das futuras gerações alcançada. Para isso, é importante desenvolver a ciência da sobrevivência, e ela deve começar com um novo tipo de ética – “a bioética” (POTTER, 1971). Para isso, a Bioética, como área de pesquisa, necessita ser estudada por meio de uma metodologia interdisciplinar. Isso significa que profissionais de diversas áreas (profissionais da educação, do direito, da sociologia, da economia, da teologia, da psicologia, da medicina etc.) devem participar das discussões sobre os temas que envolvem o impacto da tecnologia sobre a vida. A bioética teve seu reconhecimento na 33ª conferência geral da UNESCO em 2005, em Paris, sendo referendada e homologada por 191 países integrantes das nações Unidas por aclamação. Porém, antes de um final satisfatório, sua construção foi penosa entre avanços e retrocessos, visto que até então a bioética se reduzia aos campos biomédico e biotecnológico, visando os interesses próprios de cada país, inclusive o Brasil não aceitava as normas explicadas nos documentos que compunham o texto da Declaração sobre a bioética.
OBJETIVOS DA BIOÉTICA: Estudar o impacto das novas tecnologias sobre a vida; Identificar os limites das intervenções do homem (tecnologia) sobre a vida; Buscar um debate transdisciplinar; Estabelecer uma ponte entre o conhecimento humanístico e o tecnológico. CONTEXTO HISTÓRICO E AS RELAÇÕES ASSISTENCIAIS: Todos nós sofremos influências do ambiente em que vivemos, sejam elas históricas, culturais ou sociais. Para construirmos uma reflexão bioética adequada, devemos levar em conta todas essas influências. 1 - O paternalismo hipocrático
460 a.C.- 377 a.C Hipócrates de Cos (séc. IV a.C.) é considerado o “Pai da Medicina”. Criador do juramento realizado pelos profissionais de saúde por ocasião de sua formatura - o “Juramento de Hipócrates” – onde se comprometem a sempre fazer o bem para o paciente. No século IV a.C., a sociedade era formada por diversas castas (camadas sociais bem definidas e separadas entre si) que faziam com que ela tivesse um aspecto “piramidal”. Na base da pirâmide, encontrava-se a maior parte das pessoas: os escravos e os prisioneiros de guerra, que nem mesmo eram considerados “pessoas”. Eles eram tratados como objetos e não tinham nenhum direito. Acima deles, em um estrato intermediário e com um número menor de pessoas, estavam os cidadãos. Os cidadãos eram os soldados, os artesãos, os agricultores. Nessa camada da sociedade todos tinham direitos e deveres. No topo da pirâmide (portanto, um número bastante reduzido de pessoas) estavam os governantes, os sacerdotes e os MÉDICOS. Assim, os médicos se apresentavam hierarquicamente acima da maioria da população, sendo consideradas pessoas superiores, melhores que as outras, de mais valor. Ao longo da história, a estrutura da sociedade deixou de ser piramidal, mas a postura “paternalista” – onde os profissionais da saúde são considerados “pais”, ou melhores que os seus pacientes – ainda persiste até ainda hoje. Os profissionais da saúde detêm um conhecimento técnico superior ao dos pacientes, mas não são mais dignos que seus pacientes, não têm mais valor que eles (como pessoas). Quando o profissional se considera superior (em dignidade) a seu paciente, também temos uma postura paternalista. Os profissionais que se baseiam nessa postura paternalista são aqueles que não respeitam a autonomia de seus pacientes, não permitem que o paciente manifeste suas vontades. Por outro lado, também alguns pacientes não percebem que podem questionar o profissional e aceitam tudo o que ele propõe, pois consideram que “o doutor é quem sabe”. 2 – O cartesianismo Estabelecido por René Descartes (31/3/1596 – 11/2/1650) no século XVII, o método cartesiano (ou cartesianismo), ao propor a fragmentação do saber (com a divisão do “todo” “em partes” para estudá-las isoladamente), sem dúvida contribuiu para o desenvolvimento da ciência. Entretanto, o cartesianismo gerou a superespecialização do saber, entre os quais o saber na área da saúde. Esse fato colaborou para a perda do entendimento de que o paciente é uma pessoa única e que deve ser
considerado em sua totalidade (em todas as suas dimensões), pois nos acostumamos a estudar apenas aquela parte do corpo humano que vamos tratar. 3 - A descoberta dos microrganismos e a consequente ênfase no estudo da doença No século XIX, com a evolução dos microscópios, os cientistas Louis Pasteur (27/12/1822-28/9/1895) e Robert Koch (11/12/1843 – 27/5/1910) iniciaram uma nova fase na evolução da ciência: a descoberta e o estudo dos microrganismos. Até aquela época, não se sabia o que causava a maioria das doenças, pois esses seres diminutos não podiam ser observados. A partir das descobertas desses cientistas, a ciência na área da saúde começou a caminhar a passos largos. Entretanto, podemos atribuir a essas descobertas uma mudança de foco dos profissionais do “doente” para a “doença”, ou se preocupam mais com as doenças (e seu estudo) do que com o doente (e a consequência das doenças para o doente). Todos esses fatos históricos podem ter contribuído para o processo de “desumanização” da assistência ao paciente, e a tentativa de reverter esse quadro vem sendo foco de estudos de diversos pesquisadores, bem como alvo de políticas do governo federal. CONTEXTO CULTURAL E AS RELAÇÕES ASSISTENCIAIS: Além do contexto histórico, devemos entender o contexto cultural e social em que estamos inseridos antes de enveredar para a discussão bioética. Neste contexto, podemos destacar três ideologias – conjunto de idéias ou pensamentos de uma pessoa ou de um grupo de pessoas - que exercem atualmente grande influência na reflexão ética: o individualismo, o hedonismo e o utilitarismo. A - Individualismo No seu formato mais radical, o individualismo defende a liberdade – enquanto garantia incondicional dos espaços individuais – como essencial para a tomada de uma decisão. Ninguém discute o valor da liberdade, mas neste caso o que está sendo defendida é a idéia de independência total, o que não é possível. Não podemos usufruir dessa independência total, pois somos seres sociais e como tal possuímos vínculos familiares e sociais. Esses vínculos limitam nossa liberdade individual, pois nossos atos trazem conseqüências aos outros. B - Hedonismo A segunda corrente cultural e social que nos cerca é o hedonismo, onde hedonista, a supressão da dor e a extensão do prazer constituem o sentido do agir moral. Falar em suprimir a dor e estender o prazer, em um primeiro momento, parece ser algo positivo. Então quando começa a distorção? Quando essa busca se torna o único referencial para todas as nossas ações. Este é o hedonismo. O desejo de felicidade é reduzido a uma perspectiva de nível físico, material, sensorial (e felicidade é muito mais do que isso!). Quando falamos em felicidade em um sentido mais amplo, estamos nos referindo a algo bem maior do que prazer físico, a algo que pode existir até em condições em que a dor física ou um limite físico se manifesta. Entretanto, se reduzirmos tudo à questão de eliminar a dor e estender o prazer, colocamo-nos em uma perspectiva terrena, isto é, material, quase que fisiológica ou neurológica. Na reflexão ética, o predomínio dessa lógica hedonista faz com que o conceito de “vida” fique reduzido a essas expressões sensoriais de dor e prazer. Logo, para o hedonismo, uma vida que ainda não tem ou que já perdeu “qualidade de vida” não seria uma vida digna de se levar em consideração, não seria uma vida digna de ser vivida. A “qualidade de vida” para o hedonismo é interpretada como eficiência econômica, consumismo desenfreado, beleza e prazer da vida física. Ficam esquecidas as dimensões mais profundas da existência, como as interpessoais, as espirituais e as religiosas. E esquecer (ou não considerar) essas dimensões se torna um risco para a interpretação correta da expressão “qualidade de vida”. C - Utilitarismo Nessa perspectiva, as nossas ações se limitam a uma avaliação de “custos e benefícios”. O referencial “ético” para as decisões é ser bem-sucedido; o insucesso é considerado um mal. Só o que é útil tem valor.
Em princípio, valoriza-se algo positivo: o justo desejo de que nossas ações possam ser frutíferas. Mas o problema desse raciocínio utilitarista é que, com facilidade, pode-se entender que “só o que é útil tem valor”. E isso também não é verdade! Em uma sociedade capitalista, nossas ações são determinadas pelo mercado. Isso significa que aquelas pessoas consideradas improdutivas, aquelas que representam um custo para a sociedade, aquelas que perderam (ou que nunca tiveram) condições físicas ou mentais para participar do sistema de produção de bens e valores de forma eficiente, são classificadas como “inúteis”. É o caso dos idosos, dos deficientes físicos, das crianças com problemas de desenvolvimento etc. Nessa lógica utilitarista, não vale mais a pena – ou é muito oneroso – defendê-los, ampará-los, incentivá-los. Contudo, não é ético que nossas ações fiquem restritas a essa correlação entre custos e benefícios. Pessoas com necessidades especiais e aquelas consideradas vulneráveis devem ser consideradas dignas de respeito; são pessoas humanas, e isso é condição suficiente para que sejam respeitadas. Além disso, o Estado deve protegê-las sempre que possível. FUNDAMENTAÇÃO BIOÉTICA – O VALOR DA VIDA HUMANA: A bioética precisa de fundamentação, uma base que nos oriente nas tomadas de decisão. Sem uma fundamentação sólida, corremos o risco de cometer erros no enfrentamento dos desafios éticos de nossa profissão. Precisamos sempre estar fundamentados pois ele será nossa base de decisão. Mas quais são estes fundamentos? 1 – A pessoa humana Difícil definir o que é pessoa humana, embora saibamos reconhecer uma a partir de suas características. Quais são as propriedades relacionadas à pessoa humana nos quais devemos nos basear para tomar decisões acerca de questões bioéticas? A pessoa é única: pessoas são diferentes. Diferentes em suas características, em seus anseios e necessidades, de maneira que isso deve sempre ser levado em conta. Pessoa humana não pode ser resumida a números ou estatísticas. Vale ressaltar que reconhecer que as pessoas são diferentes não significa dizer que uma é melhor ou vale mais do que a outra. Somos todos iguais no que se refere à dignidade. A pessoa é digna: temos valor pelo simples fato de sermos pessoa. A pessoa é multidimensional: a pessoa é uma totalidade, composta de 4 dimensões: biológica (estudada pela medicina, enfermagem e outras áreas da ciências da saúde), psicológica, social ou moral (estudada pelas ciências sociais) e espiritual, estudada pelas teologias. Assim, para agirmos de maneira ética, é necessário levar em conta que a pessoa humana é um ser único, que é uma totalidade e dotado de dignidade. 2 – o valor da vida humana Para a Bioética, é fundamental o respeito à vida humana. Mas quando ela se inicia? Os principais autores de literatura na área da embriologia dizem que uma vida se inicia no momento da fecundação. Essa nova vida apresenta patrimônio genético único e deve ser respeitada a partir deste momento. Contudo, e m v á r i o s m o m e n t o s d a h i s t ó r i a o valor da vida de algumas pessoas, em não foi respeitado (e ainda hoje, em muitos casos, não é). Como exemplo podemos citar os escravos no Brasil (até a Abolição da Escravatura, em 1888), com consequente (e ainda frequente) discriminação dos afrodescendentes; os prisioneiros nos campos de concentração na
2a Guerra Mundial; os pacientes com necessidades especiais (como os portadores do vírus HIV em diversas situações); as mulheres e os pobres em diversas sociedades (inclusive na nossa), dentre tantos outros exemplos. PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA: Após a compreensão desse fundamento – o respeito pela pessoa humana – tornou-se possível a formatação de princípios que ajudariam na análise e tomadas de decisão dentro de um contexto bioético. Esses princípios foram propostos primeiro no Relatório Belmont (1978) para orientar as pesquisas com seres humanos e, em 1979, Beauchamps e Childress, em sua obra Principles of biomedical ethics, estenderam a utilização deles para a prática médica, ou seja, para todos aqueles que se ocupam da saúde das pessoas. São 3 os princípios que norteiam a bioética: 1 - Beneficência/não maleficência O primeiro princípio que devemos considerar na nossa prática profissional é o de beneficência/ não maleficência (também conhecido como benefício/não malefício). O benefício (e o não malefício) do paciente (e da sociedade) sempre foi a principal razão do exercício das profissões que envolvem a saúde das pessoas (física ou psicológica). De acordo com este princípio, o profissional de saúde tem o dever de, intencionalmente, não causar mal e/ou danos a seu paciente. Considerado por muitos como o princípio fundamental da tradição hipocrática da ética médica, tem suas raízes em uma máxima que preconiza: “cria o hábito de duas coisas: socorrer (ajudar) ou, ao menos, não causar danos”. A Não Maleficência tem importância porque, muitas vezes, o risco de causar danos é inseparável de uma ação ou procedimento que está moralmente indicado. No exercício da medicina este é um fato muito comum, pois quase toda intervenção diagnóstica ou terapêutica envolve um risco de dano. Por exemplo, uma simples retirada de sangue para realizar um teste diagnóstico tem um risco de causar hemorragia no local puncionado. Do ponto de vista ético, este dano pode estar justificado se o benefício esperado com o resultado deste exame for maior que o risco de hemorragia. A intenção do procedimento é beneficiar o paciente e não causar-lhe o sangramento. No exemplo anterior, as conseqüências do dano são pequenas e certamente não há risco de vida. Porém, se o paciente tiver problemas de hemostasia, este risco ficará aumentado. Quanto maior o risco de causar dano, maior e mais justificado deve ser o objetivo do procedimento para que este possa ser considerado um ato eticamente correto. Quando é utilizado na área de cuidados com a saúde, que engloba todas as profissões das ciências biomédicas, significa fazer o que é melhor para o paciente, não só do ponto de vista técnico-assistencial, mas também do ponto de vista ético. É usar todos os conhecimentos e habilidades profissionais a serviço do paciente, considerando, na tomada de decisão, a minimização dos riscos e a maximização dos benefícios do procedimento a realizar. O princípio da Beneficência obriga o profissional de saúde a ir além da Não Maleficência (não causar danos intencionalmente) e exige que ele contribua para o bem estar dos pacientes,é preciso avaliar a utilidade do ato, pesando benefícios versus riscos e/ou custos. Por exemplo, um pesquisador submete um protocolo de investigação ao Comitê de Ética em Pesquisa de uma Instituição: se espera que o investigador esclareça quais são os riscos para os sujeitos pesquisados e quais são os benefícios esperados com o estudo, tanto para os participantes como para a sociedade em geral, e, então, argumente porque os possíveis benefícios sobrepujam os riscos, pois só neste caso a pesquisa é considerada eticamente correta ou adequada. O mesmo raciocínio pode ser utilizado para os procedimentos da prática clínica, com o intuito de definir a sua utilidade e beneficência. 2 - Autonomia Autonomia é a capacidade de uma pessoa para decidir fazer ou buscar aquilo que ela julga ser o melhor para si mesma. Para que ela possa exercer esta autodeterminação são necessárias duas condições fundamentais: a) capacidade para agir intencionalmente, o que pressupõe compreensão, razão e deliberação para decidir coerentemente entre as alternativas que lhe são apresentadas;
b) liberdade, no sentido de estar livre de qualquer influência controladora para esta tomada de posição. Este princípio está eticamente fundamentado na dignidade da pessoa humana. Beauchamp e Childress buscam subsídio em Immanuel Kant e em John Stuart Mill para justificar o respeito à autodeterminação. I.Kant, em sua ética deontológica, explicita que a dignidade das pessoas provém da condição de serem moralmente autônomas e que, por isso, merecem respeito. J.S.Mill, um dos expoentes do utilitarismo anglo-saxão do séc.XIX, posiciona-se de maneira semelhante quando escreve que deve ser permitido aos cidadãos se desenvolverem de acordo com suas convicções pessoais, desde que não interfiram com a mesma expressão de liberdade dos outros. Este princípio obriga o profissional de saúde a dar ao paciente a mais completa informação possível, com o intuito de promover uma compreensão adequada do problema, condição essencial para que o paciente possa tomar uma decisão. Esta é a essência do consentimento informado, resultado desta interação profissional/paciente. O consentimento informado é uma decisão voluntária, verbal ou escrita, protagonizada por uma pessoa autônoma e capaz, tomada após um processo informativo, para a aceitação de um tratamento específico ou experimentação, consciente de seus riscos, benefícios e possíveis conseqüências. Existem algumas circunstâncias especiais que limitam a obtenção do consentimento informado. Neste caso dizemos que sua AUTONOMIA é LIMITADA. Podemos citar pelo menos 5 situações que envolvem autonomia limitada: a) a incapacidade: tanto a das crianças e adolescentes como aquela causada, em adultos, por diminuição do sensório ou da consciência, e nas patologias neurológicas e psiquiátricas severas; Na ausência dos pais, ou quando estes são incapazes para decidir (por exemplo, incapacitação severa por drogadição, alcoolismo, distúrbios psiquiátricos ou neurológicos), se pode solicitar a presença de outros parentes ou ainda solicitar a intervenção do judiciário para nomear um tutor legal que represente os melhores interesses da criança. A tomada de decisão, envolvendo pacientes pediátricos, deve ser uma responsabilidade compartilhada entre equipe de saúde e pais. A permissão informada dos pais deve ser sempre buscada antes de qualquer intervenção, salvo em situações de emergência, quando os pais não podem ser localizados. Algumas vezes, a aplicação do princípio de Beneficência pode ser complicada por conflitos entre as concepções da equipe de saúde e dos responsáveis sobre o que é melhor para a criança. A conciliação entre estas duas abordagens deve sempre ser buscada, através de um diálogo esclarecedor, com informações acessíveis ao nível de compreensão dos responsáveis, na tentativa de convencê-los dos benefícios do procedimento proposto pela equipe, esclarecendo-os também sobre os riscos. Nem sempre será possível um consenso e, nestes casos, será necessário o confronto e a discordância com os pais como parte do processo de garantir um bom cuidado à saúde da criança, porque a responsabilidade de beneficência do pediatra para com seu paciente existe independentemente da vontade dos pais ou do consentimento by proxy. b) Situações de urgência, quando se necessita agir e não se pode obtê-lo; c) a obrigação legal de declaração das doenças de notificação compulsória; d) um risco grave para a saúde de outras pessoas, cuja identidade é conhecida, obriga o médico a informá-las mesmo que o paciente não autorize; e) quando o paciente recusa-se a ser informado e participar das decisões. Entretanto, existem outras situações em que a autonomia é limitada. Como exemplo podemos citar os pacientes atendidos em clínicas de Instituições de Ensino podem manifestar essa limitação de seu poder de decisão, principalmente quando existe fila de espera para o atendimento. Afinal, ele poderá pensar que perderá a vaga (que ele demorou tanto para conseguir) se ele reclamar de alguma coisa. Tem crescido nos últimos anos a procura pela autonomia. na área médica podemos utilizar como exemplo o código de defesa do consumidor, que garante o direito do paciente de ser suficientemente informado sobre o procedimento que será adotado pelo profissional.
A correta informação das pessoas é que possibilita o estabelecimento de uma relação terapêutica ou a realização de uma pesquisa. A primeira etapa a ser seguida para minimizar essa limitação é reconhecer os indivíduos vulneráveis (que têm limitação de autonomia) e incorporá-los ao processo de tomada de decisão de maneira legítima. Assim, será possível estabelecer uma relação adequada com o paciente e maximizar sua satisfação com o tratamento. Para permitir o respeito da autonomia das pessoas, o profissional deverá explicar qual será a proposta de tratamento. Mas atenção! Essa explicação não se esgota na primeira consulta! Em todas as consultas o profissional deverá renovar as informações sobre o tratamento. Além disso, é preciso ter certeza de que o paciente entendeu as informações que recebeu. Por isso, consideramos que a informação não se encerra com as explicações do profissional, mas com a compreensão, com a assimilação das informações pelos pacientes, desde que essas informações sejam retomadas ao longo do tratamento. A esse processo de informação e compreensão e posterior comprometimento com o tratamento denominamos consentimento. Entretanto, vamos imaginar a situação oposta: o exagero na expressão da autonomia de uma pessoa. Se entendermos que o respeito pela autonomia de uma pessoa é o princípio que deve ser considerado em primeiro lugar, cairemos em uma armadilha. Nem sempre o paciente tem condições de avaliar qual o melhor tratamento para ele (afinal ele é leigo, não tem o conhecimento técnico necessário para isso). Imaginemos um paciente que tem uma doença que exige a prescrição de medicamentos. Poderá ocorrer de ele se recusar a tomar os remédios. Contudo, nesse caso, o profissional não pode alegar que “o paciente é adulto, sua autonomia deve ser respeitada e por isso ele faz o que ele quiser”. Ao contrário, o profissional (por ter o conhecimento técnico que diz que aquele medicamento é necessário) deverá se esforçar ao máximo para explicar ao paciente a importância do medicamento, afinal o princípio da beneficência (e não o da autonomia) deve ser respeitado em primeiro lugar. Em algumas situações, a liberdade (autonomia) de algumas pessoas não é respeitada para que se respeite o benefício de outras. Por exemplo, a proibição de fumar em ambientes fechados. Se pensarmos no respeito pela autonomia daqueles que desejam fumar, não seria ético proibir, mas se pensarmos no benefício (ou não malefício) daqueles que não desejam fumar, a proibição se justifica. Outro exemplo é a interdição de restaurantes ou clínicas pela vigilância sanitária quando estes não apresentam condições satisfatórias para atender o público. O fechamento desses locais fere a autonomia do dono da clínica ou do restaurante em benefício da sociedade que os frequenta. Precisamos nos preparar (estudar e exercitar o que aprendemos) para nos comportarmos de maneira ética. 3 - Justiça O terceiro princípio a ser considerado é o princípio de justiça. Este se refere à igualdade de tratamento e à justa distribuição das verbas do Estado para a saúde, a pesquisa etc. Este princípio está associado preferencialmente com as relações entre grupos sociais, preocupando-se com a eqüidade na distribuição de bens e recursos considerados comuns, numa tentativa de igualar as oportunidades de acesso a estes bens. A ética, em seu nível público, além de proteger a vida e a integridade das pessoas, objetiva evitar a discriminação, a marginalização e a segregação social. Neste contexto, o conceito de justiça deve fundamentar-se na premissa que as pessoas têm direito a um mínimo decente de cuidados com sua saúde. Aqui costumamos acrescentar outro conceito ao de justiça: o conceito de equidade que representa dar a cada pessoa o que lhe é devido segundo suas necessidades, ou seja, incorpora-se a ideia de que as pessoas são diferentes e que, portanto, também são diferentes as suas necessidades. É também a partir desse princípio que se fundamenta a chamada objeção de consciência, que representa o direito de um profissional de se recusar a realizar um procedimento, aceito pelo paciente ou mesmo legalizado.
Todos esses princípios (insistimos que eles devem ser nossas “ferramentas” de trabalho) devem ser considerados na ordem em que foram apresentados, pois existe uma hierarquia entre eles. Isso significa que, diante de um processo de decisão, devemos primeiro nos lembrar do nosso fundamento (o reconhecimento do valor da pessoa); em seguida, devemos buscar fazer o bem para aquela pessoa (e evitar um mal!); depois devemos respeitar suas escolhas (autonomia); e, por fim, devemos ser justos. Considerações finais: A Bioética pretende contribuir para que as pessoas estabeleçam “uma ponte” entre o conhecimento científico e o conhecimento humanístico, a fim de evitar os impactos negativos que a tecnologia pode ter sobre a vida (afinal, nem tudo o que é cientificamente possível é eticamente aceitável). Em razão da influência histórica, cultural e social que sofremos, devemos estar muito atentos; caso contrário, corremos o risco de perder os parâmetros que devem nos nortear na nossa atividade profissional para que nossas atitudes sejam éticas. A primeira etapa que devemos seguir é reconhecer que essas influências (paternalismo, cartesianismo, ênfase na doença, individualismo, hedonismo e utilitarismo) existem e que não podemos escapar delas. O segundo passo é entender qual fundamento (base) devemos ter para nos orientar nos nossos processos de decisão, a fim de que essas influências negativas não prejudiquem nossas ações. Esse fundamento é o reconhecimento da dignidade da pessoa humana (como um ser único e que deve ser considerado em sua totalidade – aspectos físicos, psicológicos, sociais e espirituais). O terceiro passo é utilizar as “ferramentas” (princípios) adequadas para definir quais devem ser as nossas atitudes, sem esquecer o nosso fundamento. O primeiro princípio a ser seguido deverá ser o de beneficência/não maleficência, o segundo o de autonomia e o terceiro o de justiça. Neste texto apresentamos alguns conceitos e teorias que fornecem subsídios para que possamos saber como agir de maneira ética. Se esse processo de construção da reflexão ética/bioética, que parte do entendimento do fundamento bioético e se segue pelo respeito aos seus princípios, for seguido, as respostas sobre como agir eticamente diante de um conflito ético, ou de uma situação clínica nova (ou diferente), surgirão naturalmente. O PROFESSOR E A ÉTICA PROFISSIONAL JUSTIFICATIVA: Existem vários trabalhos publicados sobre a formação de professores, mas raros são aqueles que abordam o comportamento ético do professor. Portanto, se faz necessária uma discussão a respeito do assunto, até porque não existe um código de ética que regulamente a atuação do docente. Neste contexto, o estudo de outros códigos profissionais podem servir de modelo e inspiração para uma reflexão a respeito. Os controles éticos são próprios e necessários no caso de profissões cujas atuações têm conseqüências morais e, mais ainda, se envolvem decisões de risco. O professor como um profissional: Atualmente adota-se as profissões liberais como parâmetro de profissão na sociedade contemporânea. Entretanto, devido a sua freqüente condição de assalariado dependente, o magistério não é enquadrado nessa categoria - muito embora tenha incorporado nos últimos anos valores próprios dessas profissões. Apesar disso, parece que há na sociedade uma aceitação do magistério como uma profissão e o professor como um profissional – não na verdadeira acepção do termo profissional liberal, que trataria os alunos como clientes, mas no sentido de que este possui uma profissionalidade. Profissionalidade diz respeito à especificidade da atuação dos professores na prática, ou seja, ao conjunto de atuações, destrezas, conhecimentos, atitudes e valores ligados a ela, que
constituem o específico de ser professor. Em alguns momentos, mesmo as características do profissional liberal são utilizadas aqui para possibilitar uma reflexão ética e estabelecer um paralelo com a profissão de professor. Ser um profissional possui um significado especial. Diferentemente de um ofício de profissão – encarregado de funções de execução dentro de um contexto predeterminado, a profissão implica o desenvolvimento de capacidades e habilidades complexas e a assimilação profunda das conquistas e metodologias de alguma área humana, através de alguma aprendizagem prolongada. Ao profissional correspondem funções mais complexas de diagnóstico, planejamento, direção, decisão, as quais supõem uma dose muito maior de responsabilidade. Propriedades relacionadas ao profissional: - Movimenta-se num plano onde são poucas as pessoas qualificadas para julgar suas ações e por isso mesmo realiza funções menos suscetíveis de controle externo ou de supervisão direta. - Freqüentemente ocupa postos de responsabilidade, o que significa um depósito de confiança da sociedade em sua pessoa. Daí a necessidade de uma formação moral para conscientizá-lo de suas responsabilidades e da dimensão humana e social de seu trabalho. - Em sua função, muitas vezes tem de tomar decisões e empreender ações que não envolvem somente sua competência técnica, mas valores e opções de vida que afetam outras pessoas. Em razão disso, deve possuir um senso moral bem desenvolvido para atuar de maneira sensata e com justiça em relação a todos os interesses afetados por suas decisões. - Muitas vezes define ou contribui de forma relevante para definir o sentido humano e os efeitos sociais dos processos e projetos nos quais participa. Sua cota de responsabilidade é grande, uma vez que seus critérios e decisões podem pesar na determinação do rumo seguido pelos acontecimentos. - É o depositário, o guardião, o intérprete do corpo de saber que constitui sua profissão, visto que administram o maior poder que a humanidade possui: o poder do conhecimento. A Ética nas profissões, pode ser enfocada levando-se em conta dois planos de atuação: A e B. O plano A refere-se à competência e habilidade profissional. O profissional competente possui o conjunto de conhecimentos teórico-práticos indispensáveis para o exercício de determinada profissão. A habilidade profissional é a arte de aplicar bem e com facilidade esses conhecimentos. O plano B refere-se ao conjunto de valores que devem embasar o exercício de toda a atividade profissional, levando o profissional a um posicionamento ético: responsabilidade, justiça, verdade, solidariedade etc.. O plano A (conhecimentos técnico-científicos) está associado ao plano B (valores éticos), pois a formação técnicocientífica, sem a formação ética, pode levar o profissional ao tecnicismo. O professor possui um compromisso moral inerente a qualquer profissão e também lida com questões que dizem respeito à especificidade de seu campo de atuação. Pela natureza de sua atividade, tem de tomar atitudes durante as situações de ensino e aprendizagem que sempre implicam conseqüências éticas, tais como: decisões, escolhas, influências, controles de comportamento etc. Essas atitudes poderão ter por fundamento alguns valores éticos fundamentais e serem enriquecidas com algumas qualidades pessoais do profissional. Valores e Qualidades que Enriquecem a Atuação Profissional: Alguns valores éticos são comuns em toda profissão: a responsabilidade social e legal, a democracia, a discrição, a verdade, a justiça e a solidariedade são valores que garantem uma participação efetiva do profissional para uma convivência social mais humana. Outros valores enriquecem a atuação do profissional: a) DIÁLOGO= chave do poder de comunicação entre os seres humanos. Na docência, é fácil perceber a importância da compreensão e respeito pelos pontos de vista dos alunos. Paulo freire defende que: Viver a abertura respeitosa aos outros e, de quando em vez, de acordo com o momento, tomar a própria prática de abertura ao outro como objeto de reflexão crítica deveria fazer parte da aventura docente. A razão ética da abertura, seu fundamento político, sua referência pedagógica; a boniteza que há nela como viabilidade do diálogo (Freire, 1998, p.153).
O diálogo com os sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem torna o ensino mais democrático e pode facilitar a escolha de opções e a tomada de decisões na condução desse processo. b) CONSCIÊNCIA CRÍTICO-REFLEXIVA: fundamental para que o professor possa elevar-se do plano de sua prática e refletir sobre ela visando um maior aperfeiçoamento. c) COLABORAÇÃO SOCIAL: o profissional é impulsionado a agir e a participar da solução dos problemas que se apresentam na realidade. O profissional deve estar preparado para, de acordo com as exigências da realidade social em que atua, acrescentar novos valores, romper com os preconceitos e mitos, através de um discernimento que só a formação ética lhe dará. O professor, com sua atuação, pode contribuir de maneira significativa na formação do cidadão consciente, ético e capaz de interferir nos destinos da sociedade. De modo muito especial, o professor é um co-responsável pela promoção do homem e precisa possuir, ao lado de sua capacitação técnica, um rico conteúdo humano e ético. A Ética profissional pode ser ainda abordada do ponto de vista das relações específicas inerentes às próprias profissões. Dentro da relação do profissional com o usuário, podemos definir o usuário como aquele que recebe direta e imediatamente os serviços ofertados pelo profissional. Muitas vezes essa relação está baseada em uma relação desigual de poder: de um lado o usuário podendo aparecer como um necessitado, um carente e desprovido daquilo que o profissional proporciona, sendo ainda impotente para tomar decisões eficazes sobre o serviço recebido. Do outro lado o profissional, que apresenta-se revestido de poder, porque todo aquele que proporciona um serviço possui algum poder sobre quem necessita dessa prestação. Levando essas considerações para a sala de aula podemos perceber o aluno como usuário, pois de certa forma É ele que direta e imediatamente recebe os serviços prestados por um professor. Da mesma forma que o usuário, o aluno também se encontra numa relação desigual de forças, uma vez que se encontra carente daquilo que o professor pode proporcionar. Um desempenho inoperante afeta o auto-respeito e prejudica os usuários. Pode-se apontar 3 valores básicos referentes à relação profissional/usuário: • • •
Amabilidade = profissional não deve aplicar seus conhecimentos de maneira indiferenciada, mas tem de adaptar seu saber a cada caso concreto que esteja tratando. A amabilidade tende para a individualização do serviço. Diligência= está relacionada com a realização das tarefas da melhor forma possível. Respeito= tratar o usuário como pessoa humana.
Além dos valores éticos básicos em todas as profissões, existem qualidades pessoais inatas ou adquiridas que enriquecem a atuação do profissional, dentre as quais podemos citar: A - Prudência – capacidade de analisar situações complexas de forma profunda e minuciosa para tomar decisões com maior segurança. A prudência é indispensável nos casos de decisões sérias e graves, porque evita julgamentos apressados. B - Coragem – capacidade de reagir às críticas quando injustas, de não ter medo de defender a verdade e a justiça e para tomar decisões indispensáveis e importantes. Esta qualidade deveria ser muito cultivada pelo professor, já que pela experiência, pode-se observar a tendência à acomodação que assola a classe, principalmente pelo descaso pela educação pública. C - Perseverança –O profissional deve prosseguir em seu trabalho sem entregar-se a decepções ou mágoas. Todo trabalho está sujeito a incompreensões, insucessos e fracassos que precisam ser superados. D - Compreensão – Qualidade que facilita a aproximação, o diálogo, que são importantes em qualquer relacionamento humano e também nas relações profissionais. A compreensão e o calor humano influenciam positivamente na formação ética do profissional.
E - Humildade – Representa a auto-análise que todo profissional deve praticar em função de sua atividade profissional, a fim de reconhecer melhor suas limitações, buscar a colaboração de outros profissionais, se necessário, dispor-se a aprender coisas novas, numa busca constante de aperfeiçoamento. F - Imparcialidade – capacidade de se contrapor aos preconceitos, a reagir contra os mitos, a defender os verdadeiros valores éticos. O profissional deve assumir uma posição justa nas situações que tem que enfrentar. Para ser justo, é preciso ser imparcial. G - Otimismo – profissional precisa acreditar na capacidade de realização da pessoa humana, no poder do desenvolvimento, enfrentando o futuro com energia e bom humor. Para uma melhor atuação, além dos valores e qualidades pessoais, é muito importante que os direitos e deveres profissionais sejam observados. Direitos e Deveres Profissionais: Muitas categorias profissionais, tais como a dos médicos, advogados, assistentes sociais, engenheiros e outras possuem seu próprio Código de Ética Profissional, que também é chamado de Deontologia. A Deontologia é um ramo da Ética Profissional que se limita ao comportamento do homem como profissional e ao conjunto de deveres exigidos em cada profissão. No que se refere ao magistério, a deontologia tem raízes no sec. XIII com o nascimento de uma consciência deontológica manifestada nos escritos de Santo Domingo de Gusmán e São Tomás de Aquino. Muito pouco se acrescentou através dos séculos nesse sentido. Em 1960, a Associação Americana de Professores Universitários (AAUP) publicou uma Declaração sobre ética profissional que estabelece que o educador deve ser uma pessoa moralmente íntegra com relação a seus alunos, assumindo com responsabilidade e competência profissional o exercício do ensino; que a honestidade acadêmica devese refletir particularmente na justa avaliação dos méritos dos alunos; que deve haver a prevenção contra a exploração dos estudantes em benefício dos professores; e que o profissional da educação não deverá esquecer que seu trabalho se realiza num contexto social. A partir da década de oitenta, em alguns países como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Nova Zelândia, associações de professores têm elaborado seus códigos de ética. No Brasil, os direitos e deveres dos profissionais da educação têm sido prescritos pelo Estado, através de legislação educacional e dos estatutos do magistério. Nos Encontros Regionais da Anfope (centro-oeste, sul) e Encontro Nacional em Campinas, de 1998, foram apontadas questões básicas para a profissionalização do professor: Essas proposições basicamente se referiam à regulamentação da profissão do professor, porém, que associava tal regulamentação com a construção de um código de ética que fundamente o exercício da prática profissional. As profissões que não possuem a sua Deontologia, como é o caso do magistério no Brasil, ficam sujeitas aos deveres de ordem geral, ditados pela Ética Profissional. Principais deveres que estruturam o campo profissional: a) O espírito de serviço= Implica conceber o proveito pessoal que a profissão gera como uma função do serviço que ela proporciona. Significa não agir como se os usuários das prestações de serviços estivessem aí para a glória e o enriquecimento do profissional. b) Facilitação dos serviços prestados= O profissional deve procurar que os benefícios que sua profissão proporciona cheguem, dentro do possível, a todo aquele que os requeira. Deve contribuir, dentro de suas possibilidades para eliminar as travas e obstáculos que limitam injustificadamente a cobertura de sua atividade laboral. c) Posse do nível de preparação adequado= Os que recorrem a um profissional esperam que ele tenha a capacitação necessária para resolver com responsabilidade os assuntos que lhe são confiados.
d) Esmero na prestação de serviços profissionais= Ninguém colocaria questões importantes nas mãos de outro, se soubesse que as tratará com negligência ou descuido. Um grau razoável de esmero é uma pressuposição óbvia de todo aquele que solicita seu trabalho. e) Responsabilidade= Todo trabalho profissional pressupõe confiança no bom senso e na competência do profissional num determinado campo de atuação. Todo profissional deve estar disposto a prestar contas de seu trabalho a todo momento, bem como responder por qualquer caso de mau desempenho. f) Tratamento humano= O profissional deve atender aos que recebem seus serviços com respeito e amabilidade, da mesma forma como ele gostaria de ser tratado se estivesse na mesma situação. g) Desenvolvimento do campo profissional. O profissional numa determinada matéria é o mais chamado a promover o seu desenvolvimento, porque é ele quem mais conhece os problemas e possibilidades daquela área. h) Segredo profissional e a correlativa obrigação da denúncia= O profissional deve guardar segredo de informações confidenciais que possam lesar ou prejudicar outras pessoas. Ao contrário, se o manuseio restrito da informação possibilita a realização de atos ofensivos aos interesses legítimos, a ética profissional postula a obrigação de denúncia; surge o imperativo de dar publicidade ao assunto, para reverter o processo ou impedir sua continuidade. No exercício de qualquer profissão, os deveres profissionais a serem considerados são: respeito pela dignidade da pessoa humana, tendo sempre em vista a promoção do bem-estar social, além da prática da justiça e da verdade. Outros deveres já citados devem ser considerados e podem variar de acordo com as exigências dos diversos tipos de profissão e a capacitação que cada uma delas requer para atuar positivamente junto à pessoa humana e à sociedade. Direitos profissionais: a) Perceber uma retribuição que compense convenientemente os esforços e sacrifícios exigidos pela sua preparação e exercícios profissionais. b) Obter reconhecimento por seu esmero e competência no desempenho laboral. c) Contar com condições de trabalho adequadas, que promovam um melhor cumprimento de suas tarefas. d) Dispor de oportunidades para desenvolver-se profissionalmente e para trocar idéias e experiências com seus colegas. e) Pertencer a organizações independentes, que velem pelos interesses de sua classe. f) Contar com a possibilidade real de lutar pela melhoria das condições institucionais e materiais de seu campo profissional. g) Receber proteção legal, para defesa de seu âmbito de trabalho, ante a concorrência desigual dos não-profissionais. h) Respeito a seus critérios técnicos fundamentados. Sem pretensões de infalibilidade, esse direito indica que os assuntos profissionais devem ser tratados com seriedade e competência. Não é difícil perceber que profissionais de magistério no Brasil nem sempre têm seus direitos profissionais respeitados, especialmente no que tange ao salário compensador e às condições de trabalho adequadas. As dificuldades em relação às oportunidades de intercâmbio e troca de experiências também não são poucas, principalmente em determinados níveis de ensino. As possibilidades reais de lutar pela melhoria das condições institucionais e materiais do campo educacional também são limitadas. Ao refletirmos sobre os direitos e deveres dos professores, reconhecemos as dificuldades que estes encontram no exercício de sua profissão. A falta de reconhecimento de muitos de seus direitos dificulta de uma certa maneira que alguns deveres sejam cumpridos. Os deveres profissionais, baseados na Ética, refletem sempre uma forma idealizada de conceber a realidade, que muitas vezes encontra sérias dificuldades em sua concretização. Apesar disso, é fundamental que esses deveres existam e sirvam para orientar toda a prática profissional, levando o profissional daquilo que é para aquilo que deve ser. Considerações finais: O fato de a profissão de professor não possuir um Código de Ética específico não desestimula a reflexão a respeito do tema. Ao contrário, essa reflexão demonstra a relevância e a pertinência do assunto. Com certeza, é necessário ampliar o debate em torno das questões aqui abordadas e, a nosso ver, a discussão sobre a inclusão de uma disciplina de ética profissional nos cursos de formação de professores devesse ser desencadeada.
O Professor relaciona-se com a questão ética duas vezes: como educador, na função de conduzir, influenciar e decidir sobre a conduta dos outros; e como profissional que tem a tarefa de ensinar, treinar e habilitar outros a serem profissionais. Por isso o professor como profissional da educação não apenas acrescenta às suas atividades técnicas e científicas uma dimensão ética, mas realiza uma atividade essencialmente ética. O estudo dos valores éticos, das qualidades éticas e dos direitos e deveres profissionais, não esgotam a análise do comportamento ético do professor. As situações concretas que exigem uma abordagem ética implicam uma tarefa delicada que deve ser realizada com cautela. O Professor, mesmo não tendo um Código de Ética específico, pode se valer de princípios universais da Ética, adaptando-os à especificidade de sua profissão. A preocupação que envolve a constituição de um código de ética profissional tem maior valor pelo seu significado do que pela suas prescrições. Além do mais, por mais específico, circunstancial, temporal e local que um código possa parecer, sempre deverá estar fundado nos princípios básicos universais da Ética. Buscar uma atuação ética, tanto no plano pessoal como no profissional, é caminhar rumo a uma realidade melhor do que a atual, numa busca contínua de melhoria da condição humana. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: [1] CLOTET, J. Bioética: uma aproximação. Porto Alegre: EDPUCRS, 2003. [2] SALLES, A. A. (Organizador) Bioética: A ética da vida sob múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Interciência, 2009. 222p. [3] VALLE, S.& TELES, J. L. Bioética e Biorrisco:Abordagem Transdisciplinar. Rio de Janeiro: Interciência, 2003. 418p.