Land Art na Arquitectura Patrimonial

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“Land Art na arquitectura patrimonial” Interface entre arquitectura e intervenção efémera



TEMA 5 “A versatilidade funcional do espaço público em áreas urbanas”

TÍTULO

“Land Art na arquitectura patrimonial” Interface entre arquitectura e intervenção efémera

AUTORES André Magalhães Camelo, Arqto. Hélder Cardoso, Arqto. Samuel Barbedo, Arqto.

DISCIPLINA Reabilitação do espaço público FEUP Setembro de 2006



Índice

Introdução

2

1

PATRIMÓNIO

3

1.1

Conceito e evolução

3

1.2

Cristalização e desfuncionalização do património

7

2

LAND ART

9

2.1

Conceito e evolução

9

2.2

Land Art como catalizador da animação do espaço

11

3

LAND ART NO PATRIMÓNIO

13

3.1

Arquitectura histórica/patrimonial e a intervenção efémera

13

3.2

Análise de casos práticos:

14

3.2.1

Intervenção em Vilarinho das Furnas

14

(o retorno da memória)

3.2.2

Sur la vie - Evreux

17

(Intervenção de Tadashi Kawamata)

3.2.2

Intervenção de Christo e Jeanne-Claude em Paris e Berlim

20

(dessacralização dos land marks da cidade)

4

CONCLUSÃO

25



Índice e origem das figuras Fig. 1

A valorização do ambiente urbano, segundo um desenho de Giovannoni Giovannoni, Gustavo – “”Vecchie città ed edilizia nuova”, edizione cittastudio, Milano, 1995

Fig. 2

O Duomo de Florença e a cúpula de Brunelleschi – a presença de uma imagem que domina e enquadra a cidade. Postal turístico de Florença

Fig. 3

Siena – a memória como cenário à escala da cidade Fotografia tirada no local

Fig. 4

Asia Circle Stones, de Richard Long, Mongólia - círculo, como forma de evidenciar uma identidade entre nós e a natureza http://www.richardlong.org/sculptures.htm

Fig. 5

Stonehenge. Salisbury Plain, Wiltshire, Inglaterra - monumentos megalíticos como referência à Land Art http://kmail5.free.fr/page%2006%20-%20Stonehenge.jpg

Fig. 6

lightning field de Walter De Maria - fenómenos meteorológicos como matéria moldável da Land Art http://img.timeinc.net/popsci/images/science/sci0204light_485x500.jpg

Fig. 7

Leitura do conjunto sujeita à intervenção, na paisagem BARRIAS, José - “José Barrias, etc”, Fundação Calouste Gulbenkian-Centro de Arte Moderna José de Azevedo Perdigão, Lisboa, 1996

Fig. 8

Leitura do conjunto sujeita à intervenção, na paisagem BARRIAS, José - “José Barrias, etc”, Fundação Calouste Gulbenkian-Centro de Arte Moderna José de Azevedo Perdigão, Lisboa, 1996

Fig. 9

Introdução de plano de tecido branco nos vãos das ruínas graníticas BARRIAS, José - “José Barrias, etc”, Fundação Calouste Gulbenkian-Centro de Arte Moderna José de Azevedo Perdigão, Lisboa, 1996

Fig. 10

Perspectiva interior a partir de uma antiga casa – o limite da porta é reinventado. BARRIAS, José - “José Barrias, etc”, Fundação Calouste Gulbenkian-Centro de Arte Moderna José de Azevedo Perdigão, Lisboa, 1996

Fig. 11

Sur la vie, Tadashi Kawamata, Evreux - confronto entre o efémero da instalação e o urbano tectónico http://www.exporevue. com/magazine/fr/kawamata.html

Fig. 12

Sur la vie, Tadashi Kawamata, Evreux - (re)encontro da população com a cidade http://www.exporevue.com/magazine/fr/kawamata.html

Fig. 13

Sur la vie, Tadashi Kawamata, Evreux - (re)encontro da população com a cidade http://www.exporevue.com/magazine/fr/kawamata.html

Fig. 14

Sur la vie, Tadashi Kawamata, Evreux - encontro passado futuro http://www.exporevue.com/magazine/fr/kawamata.html

Fig. 15

Maquete da instalação Sur la vie, Tadashi Kawamata, Evreux http://www.annelyjudafineart.co.uk/artists/kawamata/tk203.htm

Fig. 16

sidewalk, instalação de Tadashi Kawamata - ligação do tempo e da memória http://www.dade.at/sidewalk/text-vincent.htm

Fig. 17

Reichstag e a Porta de Brandemburgo separados pelo muro VAIZEY, Marina – “Christo”, Academy Editions, London, 1991

Fig. 18

Manifestação em 1948, com Reichstag destruído pela guerra VAIZEY, Marina – “Christo”, Academy Editions, London, 1991

Fig. 19

A fluência da população à Platz der Republik, dominada pelo “Wrapped Reichstag” VAIZEY, Marina – “Christo”, Academy Editions, London, 1991

Fig. 20

Reichstag e a vizinha porta de Brandemburgo VAIZEY, Marina – “Christo”, Academy Editions, London, 1991

Fig. 21

Envolvimento da população na montagem da obra VAIZEY, Marina – “Christo”, Academy Editions, London, 1991

Fig. 22

Diferenças cromáticas ao longo do dia - Reichstag iluminado VAIZEY, Marina – “Christo”, Academy Editions, London, 1991

Fig. 23

“Pont Neuf Wrapped”, Jeanne-Claude e Christo, - O (re)descobrir de um símbolo da cidade http://www.popartshop.de/Detail.php?ID=684&PopArt=fd3e95f32a89f804eb8a055bb0375e01

Fig. 24

“Pont Neuf Wrapped”, Jeanne-Claude e Christo, - O (re)descobrir de um símbolo da cidade http://christojeanneclaude.net/

Fig. 25

“The Gates”, Jeanne-Claude e Christo - A recriação e dinamização do espaço público http://christojeanneclaude.net/



Introdução A preservação do património é condição sine qua non para manter viva a cultura e identidade de um povo. É para isso absolutamente necessário reabilitar o património de forma integrada com o espaço que o envolve, as funções que lhe dão vida e todo o contexto em que se insere, social, económico e cultural. Não é reabili-tando apenas os edifícios, isoladamente que se consegue preservar o património de áreas históricas. É urgente revitalizar o património, manter e promover a sua utilidade, reabilitando as suas funções ou prepará-lo para novas utilizações. Para além de versatilizar o seu carácter utilitário, é necessário igualmente actualizar ou acrescentar novos significados vivenciais, promover a reflexão de modo a que seja absorvido pelas pessoas que com ele coabitam, para que possa ser vivido sem a carga intimidatória que muitas vezes afasta as pessoas das áreas históricas. É es-sencial dar vida a estes espaços, reinventá-los, animá-los. Este trabalho pretende averiguar de que forma a Land Art pode contribuir para versatilidade do espaço pú-blico em zonas históricas. Nos três capítulos que se seguem procura-se desvendar as realidades distintas do património – enquanto conceito sujeito a diferentes interpretações e metodologias de intervenção; Land Art – movimento artístico as-sociado à paisagem (natural ou transformada), na fronteira com a arquitectura; e intercepção das duas realidades, concretizada em casos práticos analisados. Ao fomentar o usufruto lúdico do espaço público, promovendo a reflexão crítica do indivíduo sobre a nova realidade com que se depara, a intervenção Land-Art confere uma nova densidade espacial e temporal a locais previamente encarados como realidades consumadas e estáticas, estimulando a observação e interpretação da realidade que nos rodeia.

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Património

1.1

Conceito e evolução

Património, no seu sentido lato, corresponde a um bem a preservar. No universo da arquitectura, enquanto actividade dinâmica, associa-se à memória de elementos construídos que resistem na paisagem, que nos recordam a nossa condição efémera, integrante e operante na evolução da sociedade. Diferentes elementos singulares, com diferentes formas de permanência, desenham depósitos de significados, elementos de ressonância cultural, de valência documental, evocativa ou artística. Mas a definição do estatuto de valor de uma obra cultural histórica requer uma selecção. Nem todo o histórico é, apenas pela sua condição, parte do património, e consequentemente, matéria a preservar. Por outro lado concorrem entre si o gosto pelo antigo e a vontade pelo novo, pelo moderno, consequência das diferentes sensações e percepções distintas produzidas no indivíduo. O reconhecimento do (s) valor (es) de um edifício/conjunto de interesse histórico e patrimonial associa-se a um conceito de qualidade; que pode ser original (intrínseca ao objecto) ou adquirida (certas qualidades do objecto resultam agregadas em sucessivos momentos históricos associados a diferentes transformações formais, susceptíveis a serem descobertas, valorizadas e reconhecidas). Por outro lado, o efeito inovador, que se destaca face a uma certa normalidade e tradição num momento histórico concreto, é um dos valores fundadores da qualidade evocativa (em determinados casos, este efeito associa-se a elementos transgressivos face ao campo cultural da época - como no caso da torre Eiffel, hoje um reconhecido símbolo parisiense). A objectividade com que o elemento patrimonial é encarado enquanto entidade, pode ser afectada, consequência de uma vida material que o objecto original acusa (natural e cultural), que o degrada, transforma e altera. É precisamente devido a essa insustentabilidade do objecto puro, que se desenvolveram diferentes perspectivas valorativas e que em parte contêm as polémicas modernas face à intervenção em edifícios de interesse histórico e patrimonial. O património arquitectónico constituiu elemento resistente e significativo na imagem da cidade; recordando Kevin Lynch: “A imaginabilidade, é, para um objecto físico, a qualidade através da qual este possui grandes hipóteses de provocar uma imagem forte em qualquer observador”

(1).

O carácter simbólico do monumento tradicional reforçou-se na actualidade,

reactivando-se também o conceito de ambiente, caracterizado nos centros históricos, na relação entre construção e monumentos, de acordo com as considerações de Giovannoni. A evolução dos conceitos interventivos no preexistente constitui um exercício importante para a descodificação da problemática abordada, espelhando uma crescente preocupação das sociedades de diferentes épocas na preservação do património que as caracteriza e enquadra, revelando novos caminhos. Durante o período helénico, até ao final da idade média, a arquitectura sofreu intervenções, essencialmente com a intenção de restaurar a “sacralidade do lugar”, mas é no Renascimento que pela primeira vez se adquire uma consciência do passado desenvolvendo-se o estudo e análise de monumentos clássicos por meio de escritos, desenhos e levantamentos. Leon Batista Alberti articula uma primeira teoria de actuação em preexistências segundo necessidades fundamentalmente económicas, mas para as quais foi capaz de conceber soluções estéticas.

1 – LYNCH, Kevin - “A imagem da cidade” - Ed. Dunot, Paris, 1976


Só a partir dos finais do século XVIII a sociedade começa a apreciar historicamente a arquitectura com uma valorização independente ao seu destino. No século XIX, a sensibilidade romântica invoca nos monumentos o estado de espírito que preconiza, o da beleza “desalentada”, de índole triste e de gestos largos. Posteriormente, novas abordagens à problemática da intervenção no existente suscitaram posições diferentes e até opostas, que procuro desvendar nos seus nomes mais emblemáticos, e no debate alargado que suscitou. De facto, no século XIX, como consequência do despertar do interesse sobre o tema enunciado, o debate alarga-se a uma dimensão europeia, opondo-se duas doutrinas: a do não intervencionismo, do imobilismo arquitectónico face aos testemunhos do passado, lógica dominante em Inglaterra, e por outro lado, uma outra perspectiva, mais alargada, que defende a intervenção e restauro. Este debate está balizado nas duas grandes figuras, Eugéne Viollet-le-Duc (1814-1879) – restauro estilístico, e John Ruskin (1819-1900) – movimento anti-restauro. Durante as últimas décadas do século XIX, os arquitectos e teóricos italianos reagem aos excessos produzidos pela escola Violletiana na Europa e em Itália e contra o fatalismo passivo da escola Inglesa, propondo essencialmente a conservação e procurando uma dialéctica entre o antigo e o novo na inevitabilidade de intervenção. Como consequência deste debate surgiram duas orientações, expressas por Luca Beltrami e Camilo Boito. Com Luca Beltrami (1854-1933), o método histórico proposto procurava contrariar as arbitrariedades da concepção estilística - que não recorria a critérios unitários para cada intervenção - e que deveria ser distinta e de tratamento específico, defendendo a procura da realidade histórica original do monumento, encarando-o como um documento cujas diferentes fases construtivas devem ser reconhecidas, documentadas e consequentemente, respeitadas e conservadas.

Fig. 1 - A valorização do ambiente urbano, segundo um desenho de Giovannoni Fig. 2 - O Duomo de Florença e a cúpula de Brunelleschi – a presença de uma imagem que domina e enquadra a cidade.

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Paralelamente à difusão das teorias de Beltrami, desenvolve-se em Itália a articulação de outra corrente, definida por Camilo Boito (1836-1914), que terá maior impacto na Europa. A chave do seu conceito de intervenção consistia em se conseguir um critério suficientemente hábil que defendesse a memória histórica do monumento e recuperasse a imagem antiga do mesmo, evitando os excessos dos seguidores de Viollet-le-Duc. Defendia primordialmente a conservação do edifício, através de um esforço de continuada manutenção, aproximando-se das considerações anti-restauradoras de Ruskin. Gustavo Giovannoni (1873-1947) integra uma nova geração de restauradores europeus que trata de levar às últimas consequências os postulados de Boito. Atribui maior significado às estruturas, aos espaços, aos volumes e às técnicas construtivas apoiadas na análise dos materiais antigos e em levantamentos arquitectónicos. Como princípio básico, Giovannoni defendia “fecundar-se do sentido da arte o sentido histórico” – desta afirmação emana a sua teoria conservacionista e científica. Classifica os monumentos de mortos, aqueles cujo uso original desapareceu e que carecem de utilidade prática e de monumentos vivos, aqueles que mantêm as suas funções originais ou que podem ser reutilizados para outras semelhantes, razões pelas quais a sua adaptação é possível recorrendo a intervenções mínimas. Mas onde verdadeiramente surge a modernidade em Giovannoni é na sua capacidade em definir com os critérios actuais, os problemas da defesa dos centros históricos, a afirmação do conceito de respeito ambiental e a valorização das arquitecturas menores. Giovannoni não fala apenas no valor pitoresco ou na vetustez de um espaço urbano; atribuindo importância capital aos volumes que se geraram nas ruas com os tempos, às suas cores, e à hierarquia patente na percepção do valor da perspectiva, assumida e reconhecível por entre as ruas e casario; refere as arquitecturas menores que desaparecem dos centros históricos, afectando as tramas originais. Paralelamente à difusão das grandes teorias da intervenção no existente, a constatação de problemas graves associados às cidades pós-revolução industrial (crescimento demográfico explosivo e êxodo rural para um modelo de cidade que não comporta as crescentes solicitações e onde a miséria, a doença e a insalubridade se difundem), associada a uma notória evolução tecnológica a que se alia uma nova mentalidade, conduzem a um novo espírito de concepção da cidade, expresso num tratado inovador, regulador do planeamento da cidade, do território e da criação arquitectónica: a Carta de Atenas (1931). Embora esteja patente uma preocupação com os valores arquitectónicos representativos de outras culturas, alguma ansiedade em se manifestar essa nova vontade conduziu a ambiguidades e lacunas no documento – valores como o da individualidade da história e da diversidade da criação arquitectónica não foram devidamente respeitados, defendendo-se a máxima que considera que a manutenção dos valores referidos não deve nunca sobrepor-se ao combate à insalubridade, enfatizando-se a ideia de evolução contínua expressa pela modernidade e opondo a vanguarda à estabilidade de valores associado ao passado histórico. A Carta de Veneza, redigida em 1964, constituiu um documento preconizador da valorização dos conceitos expressados na obra arquitectónica (no seu ambiente, incluindo em tal conceito, centros históricos, sítios arqueológicos, espaços naturais,...) sujeita a intervenção, recorrendo a todos os meios científicos e interdisciplinares mais avançados, respeitando a documentação histórica, não descurando conceitos como o as reversibilidade, e valorizando a estrutura no seu sentido mais amplo, visto que as suas características planovolumétricas, murarias, de sustentamento, tipológicas e compositivas se relacionam entre si e são fruto de uma concepção original e autêntica em cada uma das suas fases projectuais e construtivas. Preconiza o recurso a materiais e técnicas novas, desde que os valores previamente apontados não sejam lesados. Depois da Segunda Guerra, difundiu-se o conceito de reutilização, assente num discurso funcional que procura garantir o usufruto dos edifícios do passado.

Fig. 3 - Siena – a memória como cenário à escala da cidade


Em 1975, desponta um novo termo, o da conservação integrada, princípio enunciado na Carta Europeia do Património Arquitectónico e na declaração de Amesterdão, e mais recentemente (2000), um conjunto de recomendações sobre a conservação e restauro do património integram a Carta de Cracóvia, patrocinada pela EU, Iconos e UNESCO. A consciência actual face ao problema enquadra a intervenção no existente como acto crítico e criativo, valorizando os valores artísticos e preterindo os métodos generalistas, por oposição aos particulares invocados em cada obra com as suas características singulares, individuais e intrínsecas. A intervenção efémera no universo patrimonial constitui um exercício de caracterização e reinterpretação neste domínio, que embora não almeje uma solução perene de conservação e re-funcionalização no sentido estrito, introduz novas variáveis na sua caracterização, favorecendo a reflexão e o debate sobre a relação que estabelece com o espaço circundante e com quem o frequenta.

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1.2

Cristalização e desfuncionalização do património Hoje em dia constata-se um progressivo fenómeno de abandono e cristalização de conjuntos e

edifícios patrimoniais, fruto de uma acelerada mudança nos parâmetros caracterizadores da sociedade, nomeadamente os económicos, que influenciam directamente os sociológicos e os antropológicos. Zonas rurais desertificadas, centros históricos em processo de abandono, edifícios monumentais com elevados custos de reabilitação/manutenção, constituem uma parte integrante da paisagem contemporânea. O projecto arquitectónico e o de intervenção/instalação nesta realidade deve alicerçar-se numa hipótese crítica fundamentada na constatação de casos não inseríveis em categorias pré-estabelecidas, e invocar um estudo aliado à sensibilidade histórico-crítica e conhecimentos técnicos. É no entanto necessário não enfatizar excessivamente a tendência histórica (incorrendo no risco de congelamento da obra), face aos valores arquitectónicos, nem vice-versa, evitando ainda a transformação dos edifícios em contentores inertes, desprovidos de real significado. Urge projectar para o futuro a informação que cada obra particular possui, torná-la evidente e compreensível, procurar não desvirtuar o seu valor arquitectónico; se necessário, efectuar readaptações a novos usos, novas interpretações, procurando-se manter vivo o edifício, num esforço interdisciplinar capaz de agregar conhecimentos e reflexões desde a fase de investigação, de valorização do objecto arquitectónico e de definição final do projecto de intervenção. “ As regras são simples, pois são inexistentes. Cada caso é único, cada situação particular. O precedente é, por diversas ocasiões, um guia incerto, o julgamento é mais importante que a justiça... Os edifícios vivem em conjunto, como as pessoas, com disputas ocasionais, compromisso constante, respeito pelo indivíduo, aliado a um estranho sentimento de orgulho. Para se desvendar, analisar e enriquecer este padrão é necessário um grau invulgar de precaução e conhecimento sofisticado. “ (2). O projecto de intervenção, nomeadamente nos elementos consolidados pela história é influenciado por uma série de movimentos de índole diversa, nomeadamente a incidência de um pensamento neoacadémico de recomposição e reconciliação com a história e o desenvolvimento de uma crítica económica e científica, em particular no que diz respeito à cidade consolidada (sobretudo nos centros onde se verifica a maior concentração de monumentos e conjuntos, obsoletos face a novas condições de mobilidade e comunicação). O reconhecimento do heterogéneo, do diverso, associado a um sucessivo recurso à memória caracteriza o projecto arquitectónico actual, diversificando-se a tendência para a reciclagem, do acontecimento histórico, das suas imagens e formas, relativamente à intervenção no património formador e integrante no ambiente urbano. O projecto de arquitectura sobre o existente pressupõe uma reflexão que precede a transformação de um determinado edifício ou conjunto habitacional, com as suas referências mais circunstanciais relacionam-se com a escala dos edifícios, os seus materiais e com a teoria compositiva que conduzirá o projecto. Os seus factores mais diferenciados englobam a integração de novos elementos e atribuição de novos usos e consequentemente, a necessidade de uma reflexão consciente sobre o construído é urgente no universo interventivo.

2 - CASSON, Hugh - “the future of the past” - Ed. Fane Fawcett, Londres, 1976


Contemplando-o na sua materialidade, um edifício patrimonial apresenta-se como um suporte de acontecimentos (novos valores de uso, de interacção tecnológica, funcional, de estrutura, de originalidade e estado de conservação.), que se deverá enunciar sem determinações formais prévias. Indagar de forma vigorosa a realidade que se apresenta, os problemas expressos na matéria e nos espaços intersticiais, interiores e exteriores, conduzem o projecto para rumos determinados por diferentes sensibilidades, sem descurar os aspectos técnicos. O edifício ou conjunto patrimonial sob o qual incide a intervenção inscreve-se num determinado território delineado por limites, possui um valor cultural preciso e definido, e uma história que o caracteriza e interessa revelar, pelo que a compreensão de estes elementos é essencial na análise de projectos de actuação. Adjectivar elementos de cariz sensorial e subjectivo incentiva a reflexão sobre possíveis rumos a seguir, evitando-se protagonismos que liquidem o tempo e espaços originais, orientando-se a alternativa no sentido de um trabalho interdisciplinar que contempla toda a complexidade da obra, dos seus novos valores de uso (de interacções tecnológicas e funcionais), da estrutura, dos códigos simbólicos que acolherá, qualidade patrimonial e avaliação dos custos do processo, e em que o projecto se revela como uma representação de um processo elaborado, de um pensamento ou visão subjectiva de um cosmos. O universo construído, de natureza complexa e sedimentada, possui uma matriz que deve ser preservada e revelada, facilitando uma leitura mais clara da sua complexidade. Contrariando a mumificação da arquitectura, o projecto de intervenção deve provir de um pensamento elaborado e como consequência de uma prévia descodificação do objecto, procurar interpretar a sua carga semântica, com a consciência do perfil biográfico do objecto em questão, de todas as suas vicissitudes temporais e dos seus elementos aparentes ou por revelar. Intervir no património não significa imobilidade, e se a intervenção é desejável, deve encontrar um compromisso para com a segunda natureza sobre a qual actua e modifica, o que supõe um conhecimento objectivo dessa realidade. 07 | 08


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Land Art

2.1

Conceito e evolução A Land Art situa-se na fronteira da pós-modernidade, no final da década de 60. Posterior ao expressionismo

abstracto, que durante os anos 50 era a corrente artística mais valorizada, onde a técnica se transforma em veículo para expressão de emoções, registadas na tela, como resíduos de uma experiência vivencial. No seguimento da pop art na qual o artista já não exalta a sua consciência interior, e vira-se para a sociedade de consumo, tirando partido de imagens publicitárias e da cultura popular, enfatizando e criticando essa sociedade de rápido desenvolvimento. A Land Art e a arte minimal surge como contraponto desta cultura suscitada pelas imagens provenientes do expressionismo abstracto, e da relação com os fenómenos sociais da pop art, concentrando-se na relação com a natureza através de uma sistemática redução da forma, procurando estruturas primordiais, reduzindo as imagens ao mínimo com o máximo de significados, percepcionando uma relação entre o ser e a existência das coisas, caminhando no sentido da origem. No seu caminho até a origem, a Land Art referencia-se em manifestações artísticas primitivas como os monumentos megalíticos, ou as formas primárias das civilizações antigas. Richard Long ao recorrer à linha e ao círculo, como formas abstractas fundamentais na sua representação, evidencia uma identidade entre nós e a natureza, exprimindo a inteligência humana na lógica da geometria. Ao exprimir as nossas ideias com formas geométricas existentes na natureza, esta é transportada para o nosso imaginário pondo em evidência nossa proximidade com ela. Essa expressão do pensamento domesticado, existe desde os primórdios da civilização. Os monumentos megalíticos representam uma vontade de dominar e controlar a natureza. A mente domesticada impõe ordem e forma no ambiente natural. A paisagem ocupa o lugar central na Land Art, assumindo o papel de protagonista, ao contrário dos pintores naturalistas do século XIX, onde a paisagem é temática, na Land Art a paisagem é matéria, objecto, sujeito, não servindo apenas como mero cenário para a instalação de uma escultura, ela própria é objecto de intervenção. Ao assumir a paisagem como sujeito da Land Art, o conceito de espaço expositivo é (re)equacionado. As obras de arte deslocam-se dos espaços encerrados dos museus, para espaços públicos abertos, possibilitando a sua observação e experimentação por todos, e não por uma elite habitual. Esta democratização da arte é consequente da necessidade de deslocalização para a realização das intervenções, e não um objectivo inicialmente proposto. A natureza está incorporada nas manifestações de Land Art, não apenas como base onde estas assentam, mas fundindo-se com ela, englobando os fenómenos próprios da natureza, como os meteorológicos. Desta forma a chuva, o vento e as tempestades, em diversas situações, são encaradas como matéria moldável, contribuindo de forma efectiva para a materialização de algumas manifestações Land Art, como acontece na obra “lightning field” de Walter De Maria, na qual o artista instala uma grade com 400 vigas de pontas afiadas em aço inoxidável, organizadas em 16 colunas, num terreno semi-árido de 1600 m2, tendo como consequência do cálculo metrológico e geométrico, uma estimativa mensal de três dias de relâmpagos em épocas de tempestades.


A Land Art valoriza o espaço, a natureza, a história e o contexto social específico do lugar, assumindo uma responsabilidade social, (re)equacionando, (re)interpretando, e (re)inventando-o, intervindo no domínio da memória, salientando a sua carga simbólica. A memória humana funciona por associação. O poder de associação da nossa memória está directamente relacionado com o significado subjectivo da lembrança. A construção da memória, resultante da conservação fugaz de um determinado momento, encaminhada pela efemeridade declarada da Land Art, e do desejo humano de apego ao efémero, tentando congelar no tempo essas memórias, atribuindo-lhe uma presença material, assentando no propósito da arte como experiência vivencial e corporal.

Fig. 4 - Asia Circle Stones, Mongólia - círculo, como forma de evidenciar uma identidade entre nós e a natureza Fig. 5 - Stonehenge. Salisbury Plain, Wiltshire, Inglaterra - monumentos megalíticos como referência à Land Art

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2.2

Land Art como catalizador da animação do espaço A obra de arte expressa um dialogo próximo com o lugar, utilizando a matéria própria do domínio da

arquitectura – o espaço. A relação entre arte e arquitectura é uma temática que tem suscitado inúmeras reflexões, sendo o seu interface, muitas vezes, difícil de definir. Bruno Zevi afirma que “(…) o carácter essencial da arquitectura – o que faz distingui-las das outras actividades artísticas - está no modo como ela funciona, com o vocabulário tridimensional que inclui o homem.“ (3) A Land Art incorpora o homem nas suas manifestações, revelando-se numa experiência vivencial e corporal, reequacionando a fronteira entre arte e arquitectura, no que concerne à organização do espaço, como base da arquitectura. O homem que refere Bruno Zevi não pode ser entendido como sujeito físico, ele deverá ser encarado na sua plenitude social e cultural, afirmando que “Dizer que o espaço interior é a essência da arquitectura, não significa efectivamente afirmar que o valor de uma obra arquitectónica se esgota no valor espacial. Cada edifício caracteriza-se por uma pluralidade de valores: económicos, sociais técnicos, funcionais, artísticos, espaciais e decorativos (…) a realidade do edifício é consequência de todos estes factores (…)” (4) Esta multiplicidade de factores que condicionam e referenciam a arquitectura, vai ao encontro de Montaner, que caracteriza a arquitectura como disciplina de síntese, referindo relações do tipo disciplinar, onde cada nova proposta no campo das artes e pensamento impulsiona a arquitectura, aludindo ao processo ou método, que consiste na passagem da análise de conteúdos das diferentes áreas para a síntese – o projecto. (5) 3 - ZEVI, Bruno – “Saber ver a arquitectura”, Martins Fontes, São Paulo, 1998 4 - Idem-Ibidem 5 - MONTANER, Josep Maria – “La modernidad superada – arquitectura, arte y pensamiento del siglo XX”, Gustavo Gili, Barcelona, 1997 Fig. 6 - “lightning field” de Walter De Maria - fenómenos meteorológicos como matéria moldável da Land Art


A Land Art assume-se como experiência corporal, onde o lugar e o homem surgem como geradores da criação artística. O lugar, torna-se assim elemento de referência na criação artística, assumindo o papel de contentor da memória. Robert Smithson investiga o lugar como retorno às origens, aos materiais ainda por transformar, concebendo uma estreita relação entre espaço interior e espaço exterior. Um dos princípios-base centra-se na nossa noção de horizonte, que aparentemente é infinito, mas na realidade se encerra e limita na nossa consciência. O seu conceito de não lugar não é idealista, mas sim dialéctico, é um lugar dentro desse mesmo lugar, como se o seu limite nos colocasse novamente no ponto central (não lugar), como reflexo entre o dentro e o fora, o fechado e aberto, o central e a periferia.” (6) Para Richard Long “(…) um caminho é um lugar; é também uma situação que remarca os seus vice versas, um percurso de ida e volta – a origem é a meta,(…)” (7) O caminho como lugar de Richard Long possui um sentido história e cultural, desde os peregrinos, aos poetas errantes japoneses, aos românticos ingleses e aos contemporâneos caminhantes de longas distâncias. O lugar não se define pela sua condição física, ele incorpora a memória, associada à identidade, ao qual atribuímos significados, carácter simbólico. Marc Auge caracteriza-o como sendo “(…)necessariamente histórico, na medida em que, conjugando identidade e relação, se define por uma estabilidade mínima, e desde que os que nele vivem possam reconhecer pontos de referência que não têm de ser, obrigatoriamente, objectos de conhecimento.” (8) A Land Art ao estabelecer um diálogo próximo com o lugar, o sítio, a paisagem, o homem, moldando a matéria própria do domínio da arquitectura – o espaço – situando-se na sua fronteira, articulando-se com ela de forma clara, utilizando os seus códigos, possibilita introduzir carácter lúdico ao espaço, revitalizando-o, permitindo na efemeridade da sua manifestação (re)equacioná-lo, (re)interpretá-lo, reinventá-lo, atribuindolhe significado simbólico (re)construindo a nossa memória do lugar. A qualidade e sucesso do espaço público, não é apenas fruto da sua dimensão física resultante do desenho, ele é essencialmente consequente “da pluralidade de níveis de significado (histórico, económico, ético, social, psicológico, etc.)”

(9)

tornando-se no lugar definido por Marc Augé, na medida em que se

caracteriza como “(…)identitário, relacional e histórico(…)”(10). Michel de Certeau vê no lugar o reencontro com nós próprios, salientando a sua dimensão identitária, escrevendo que praticá-lo é “(…)repetir a experiência regozijante e silenciosa da infância é a experiência da primeira viagem, do nascimento enquanto experiência primordial da diferenciação, do reconhecimento de si como si próprio e como outro, que as experiências da caminhada, enquanto prática primeira do espaço, e do espelho enquanto primeira identificação com a imagem de si, reiteram. ” (11) As intervenções de Land Art salientam a identidade do lugar onde se manifestam, transfigurando de forma fugaz a sua imagem, num continuado processo de reinvenção e recriação, onde o homem e espaço são actores principais, envolvendo-se corporal e sensorialmente com a criação artística.

6 - CONSIGLIERI, Victor – “As significações da arquitectura 1920-1990”, editorial estampa, Lisboa, 2000 7 - BARRO, Bruno – “A origem como meta – palavras e silêncios no caminho de Richard Long”, Galeria Mário Sequeira, Braga, 2004 8 - AUGÉ, Marc – “Não-lugares introdução a uma antropologia da sobremodernidade”, Bertrand editores, Venda Nova, 1994 9 - ALVES, Fernando M. Brandão – “Avaliação da qualidade do espaço público urbano. Proposta metodológica”, Fundação Calouste Gulbenkian: Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Lisboa, 2003 10 - AUGÉ, Marc, cit. 8 11 - Idem-Ibidem Fig. 6 - “lightning field” de Walter De Maria - fenómenos meteorológicos como matéria moldável da Land Art

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Land Art no património

3.1

Arquitectura patrimonial e a intervenção efémera Dois universos diversificados cruzam-se na dinamização do espaço. No território da arquitectura patrimo-

nial, e paralelamente ao valor artístico, a densidade temporal é uma variável presente e associada ao valor histórico e ao valor evocativo (enunciados por Alois Riegl). Antagonicamente, o factor tempo esbate-se na fugacidade da intervenção efémera, a visualização objectiva da intervenção artística é volátil e permite apenas a fixação de uma memória. Porém, quando nos debruçamos sobre a variável lugar, os dois universos aproximam-se na vertente processual que acarreta uma reflexão sobre o suporte (natural ou transformado). Nesta perspectiva, a intervenção da Land Art no património actua sobre uma segunda natureza (uma prévia transformação do lugar), adjectivando-a, “baralhando” valores sedimentados, introduzindo ou enfatizando a vertente lúdica, que transportada para o utilizador, favorece a reflexão sobre o objecto original, consequência da sua metamorfose. Nos casos práticos a apresentar no capítulo seguinte, procurou-se identificar de forma abrangente três situações distintas da realidade patrimonial e da intervenção produzida no seu contexto: monumento destacado na cidade (mais próximo ao objecto tipo sujeito a intervenção segundo os enunciados de Viollet-le-Duc, John Ruskin, Camilo Boito e Luca Beltrami); centro histórico enquanto tecido sedimentado na cidade (na sequência da valorização, introduzida por Giovannoni, das arquitecturas menores e do ambiente urbano); e património enquanto sedimentação histórica de um aglomerado humano integrado na paisagem, segundo uma visão mais contemporânea. Objecto, ambiente urbano e integração na paisagem, realidades distintas, mas integrando densidade histórica e artística.


3.2

Análise de casos práticos

3.2.1 Intervenção em Vilarinho das Furnas – o retorno da memória Enquadramento histórico e caracterização Vilarinho das Furnas era uma pequena aldeia da Freguesia de S. João do Campo, localizada no extremo nordeste do Concelho de Terras do Bouro, distrito de Braga, na Peneda-Gerês. A sua origem perde-se no tempo, mas um facto apresenta-se incontornável, o da sua romanização. Comprovam-no as duas vias calcetadas que garantiam acesso à povoação e ainda, as três vetustas pontes que se encontram na cercania da povoação: a ponte do Eido, a ponte do Couço e a ponte Nova. O traço mais marcante deste povoado seria, a par da paisagem natural que a rodeia, o da sua velha organização comunitária, que apesar de não constituir caso isolado, era pelo menos invulgar. O condicionalismo imposto pela agreste paisagem a uma comunidade isolada, sedentária e pastoril, permitiu a persistência deste modelo de organização independente até ao terceiro quartel do século passado. A base desta organização assentava numa assembleia de representantes das famílias da povoação, liderada por um Juiz apontado rotativamente de entre os membros da assembleia. Aqui eram tomadas todas as decisões significativas face aos problemas particulares e gerais com que a comunidade se deparava, delineando-se soluções a adoptar. Entre 1969 e 1970 verifica-se o êxodo forçado da comunidade aqui residente, consequência do prenúncio de subida das águas que acompanharam a construção e tapamento da barragem então erigida. Perdeu-se um modo de estar, um acervo etnográfico, um testemunho vivo de interacção entre o homem e a paisagem particular que o rodeia.

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Barragem, de José Barrias Barragem (1980), um conjunto de fotografias e vídeo de uma instalação realizada pelo autor nas ruínas temporariamente emersas de Vilarinho das Furnas, constitui um documento poético vibrante e invulgar, assente na interpretação desse lugar ermo em que se encontram os vestígios de um povoado assente nas agrestes montanhas graníticas da Serra Amarela. Em alguns vãos das edificações pétreas que compõem aquele espaço, José Barrias introduz planos de tecido branco que, através do seu movimento provocado pelo vento ocasional, enfatizam a estaticidade tectónica das casas e da restante paisagem, monumental e agreste. O plano branco em movimento evidência o cinzento granito recém emerso, comunica, esbraceja, solta, por um instante, a sua história. Do romantismo implícito das ruínas, emerge através da intervenção de Barrias, uma alusão intemporal à realidade daquela antiga comunidade, à sua memória, e mais ainda, segundo o autor, à “(…) beleza para colher no esplendor do abandono e da inércia aquele movimento irrepetível em que se perdem os vestígios dos esforços humanos e o estado selvagem ganha o terreno perdido(…)”(12) A sua intenção não é a da denúncia ou lamento, é a da realidade objectiva com que se depara, e através da sua intervenção, da sua transformação/enfatização. As ruínas de Vilarinho expostas na paisagem são uma segunda natureza que caminham no sentido na natureza original. O tempo e o abandono humano avançam no território previamente transformado e esbatem-lhe o hiato entre suporte natural e transformação. Essa memória associada ao local, e à sua história, é inevitável. Realidade fixada no momento da intervenção e memória, coexistem. A intervenção de Barrias torna-se um fugaz sopro de vida nesse território que reverte ao seu estado original, inverte-lhe esse sereno e ininterrupto caminho por um instante, dialoga por oposição, caracteriza-o, e é pretexto para o retorno da memória aí latente. Esta intervenção de Land Art, inserida num cenário de forte identidade, constitui um documento de reinterpretação de um conjunto patrimonial de memória colectiva, inserida no parque natural Peneda-Gerês, propicia uma reflexão sobre a sua realidade, fixa-a, animando-a no universo onírico da memória, do tempo que se esbate entre as ruínas de Vilarinho das Furnas – e agora, que idade tem?

“ … E se a memória é tudo o que temos, … Mais ampla liberdade de lembrança, Te tornará, Teu dono. ”

Álvaro de Campos

12 – BARRIAS, José - “José Barrias, etc”, Fundação Calouste Gulbenkian-Centro de Arte Moderna José de Azevedo Perdigão, Lisboa, 1996 Fig. 7 e 8 - Leitura do conjunto sujeito à intervenção, na paisagem Fig 9 - Introdução de plano de tecido branco nos vãos das ruínas graníticas Fig. 10 - Perspectiva interior a partir de uma antiga casa – o limite da porta é reinventado.


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3.2.2 Sur la vie, Evreux Os lugares, os sítios, a paisagem e as pessoas, são protagonistas na obra de Tadashi Kawamata, tornando-se materia moldável no universo da memória. A sua obra tem origem e fim nas pessoas, assumindose como experiência corporal, construtora de memórias dos momentos fugazes gerados pela efemeridade da sua arte. “Para mim, não há arte solitária ou narcisista. Trabalho com as pessoas e para as pessoas (…) o fim da arte não é fabricar objectos para serem expostos, mas estabelecer uma relação entre os homens e as mulheres durante um trabalho que se constrói conjuntamente, dia após dia” (13) Sempre que Tadashi Kawamata responde à solicitação de uma comunidade, sempre que se deixa inspirar por um sítio, uma paisagem, uma cidade, a sua arte toma um novo rumo decisivo. Kawamata sabe penetrar na essência de um lugar, sentindo o seu drama que advém da disposição arquitectónica herdada do passado, assinalando as necessidades latentes de um lugar público, que busca a sua verdadeira identidade. Antes de intervir, Kawamata explora o lugar, caminhando durante horas até perder-se. O seu método começa por uma descoberta à escala do seu corpo, estuda os usos e as ligações entre corpos e os lugares, os dois pensando no movimento. A maior parte das suas intervenções, propõe-nos uma experiência dos sítios, alterando a nossa posição física sobre a cidade, acentuando a dissonância revelada entre o efémero e o urbano tectónico. Uma intervenção de Tadashi Kawamata não começa na inauguração para terminar no encerramento, o processo de construção e desmontagem é decisivo para a apreensão da obra. O envolvimento da comunidade em torno dos seus projectos nestes momentos é determinante para a partilha de emoções, seguindo-se a dispersão como se nada tivesse ocorrido, permanecendo a obra materializada na memória. Nos últimos quinze anos, Tadashi Kawamata realizou diferentes projectos urbanos em importantes cidades como Nova Iorque, Tóquio, Paris, Viena, Grenoble, Metz, Saché, Marselha e Evreux. O projecto de “Sur la vie” em Evreux é talvez o mais importante destinado a espaço público concebido por Tadashi Kawamata em França. No ano anterior à instalação, Kawamata visitou Evreux para incorporar a cidade e deixar-se atravessar pelo espírito do lugar. Vendo as cicatrizes da Segunda Guerra Mundial, as antigas construções em redor do lugar central, observar o hotel da cidade, o teatro e a casa das artes que durante o século XIX levaram beleza aos habitantes de Evreux. Estas construções estão cercadas de habitações sem imaginação construídas no pós-guerra. 13 - KAWAMATA, Tadashi – Entrevistado por Michel Ellenberger, artpress n.º 238, Setembro de 1998 Fig. 11 - Sur la vie, Tadashi Kawamata, Evreux - confronto entre o efémero da instalação e o urbano tectónico Fig. 12 e 13 - Sur la vie, Tadashi Kawamata, Evreux - (re)encontro da população com a cidade


Na sua instalação Kawamata reforça o núcleo histórico duro de Evreux, concebendo uma passerele estreita que o envolve cinco metros acima do solo. A ponte articula-se em torno da memória do espaço público, possibilitando à comunidade um (re)descobrir da sua história, um (re)encontro com a sua identidade. Ao estabelecer uma ponte no tempo, nos acontecimentos históricos e políticos que marcaram a cidade, convida-nos a pôr um outro olhar sobre ela, recordando a sua história, o seu passado, mas simultaneamente interrogar-nos obrigando a atravessar um outro tempo, o da reflexão, a tomada de consciência do território, onde somos, onde construímos cada dia a nossa própria história. A imensa escultura de madeira e metal, permite aproximar as construções, perceber as suas marcar, mas também as cicatrizes deixadas pela história, apreender a presença do passado na experiência do presente. Este “ponto de vista” através do tempo e espaço possibilita aos habitantes de Evreux, e as que farão a viagem, trocar e debater ideias, melhorar o olhar em seu redor e sobretudo enriquecer o diálogo sobre a cidade. No momento da inauguração, a população tomou de assalto a passerele, observando-se velhos, jovens e crianças a saltar sobre as tábuas cinco metros acima do solo, demonstrando o sucesso da intervenção, no sentido do envolvimento da população. Estes não se cansavam de descobrir o coração da cidade, apreendendo-a numa nova perspectiva. Na rádio ouviam-se ecos de rejubilo provenientes da população em festa com a cidade: “- Descubro Evreux, tenho a impressão de estar numa nova cidade. - Graças à ponte estreita vê-se rigorosamente a fonte do lugar e os detalhes da fachada do teatro. É incrivelmente bonito. - Observam-se os vestígios de granadas. Datam combates de libertação. Espero que os jovens o observarão e os fará reflectir. - À 45 anos que habito aqui, e nunca tinha observado o busto de Boieldieu Sobre a fachada do teatro!”

Fig. 14 - Sur la vie, Tadashi Kawamata, Evreux - encontro passado futuro Fig. 15 - Maquete da instalação Sur la vie, Tadashi Kawamata, Evreux

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Ao dirigir a obra declaradamente para o público, para que esta seja usufruída, incorporada, vivênciada, Kawamata dá lugar a que ela seja interpretada de formas distintas, deixando de ser um objecto físico mensurável, para se tornar memória, nos diferentes modos de ver. Como escreve Umberto Eco na sua obra a definição de arte, “(…) Ao dar vida a uma forma, o artista torna-a acessível às infinitas interpretações possíveis. Possíveis, frisamos bem, porque a obra vive apenas nas interpretações que dela se fazem; (…) A pessoa torna-se órgão de acesso à obra e, revelando a obra na sua natureza, exprime-se ao mesmo tempo a si própria; torna-se, por assim dizer, conjuntamente a obra e o seu modo de ver a obra.” (17)

14 - ECO, Umberto – “A definição de Arte”, Edições 70, Lisboa, 1986 Fig. 16 - sidewalk, instalação de Tadashi Kawamata - ligação do tempo e da memória Fig. 17 - Reichstag e a Porta de Brandemburgo separados pelo muro Fig. 18 - Manifestação em 1948, com Reichstag destruído pela guerra


3.2

Análise de casos práticos

3.2.1 Wrapped Reichstag, Berlim 1971-95 Enquadramento histórico Quando Bismarck recriou o império alemão, em 1871 quis estabelecer o Reichstag, algures em Berlim, na capital do renovado império. O Reichstag foi concebido e construído durante o seu governo para ser a “assembleia do império” (do alemão antigo: reich – império; stag – assembleia ou conselho), de modo a satisfazer as funções de parlamento e simultaneamente simbolizar a nova Alemanha unificada. Ao contrário da maioria dos países na época, o imperador alemão era eleito e não um cargo hereditário. Na Alemanha havia uma longa tradição de se realizarem assembleias parlamentares em diversos locais para se tomarem as decisões e medidas importantes. A partir de cerca de 1500 a palavra “Reichstag” passa a ser usada para designar estas assembleias. Em 1663, passam a ser instaladas numa única cidade, passando a exigir o edifício físico com o carácter que ainda hoje tem.

O processo da concepção e

construção do edifício também foi democrático, tendo sido constituída uma comissão para a escolha do local e organização do concurso internacional para a elaboração do projecto, o que era pouco usual na época. Projectado pelo arquitecto alemão Paul Wallot foi inaugurado em 1894. O edifício desde cedo sofreu diversas correcções e alterações, antecipando a sua atribulada existência e as várias reabilitações de que seria objecto. Parcialmente destruído por duas vezes, a sua reabilitação ou demolição foi frequentemente discutida. Em 1933, com Hitler acabado de chegar ao poder sofreu um grave incêndio. Reabilitado com pouca convicção, depois de questionada a sua reabilitação, nunca foi usado por Hitler para o seu governo, tendo em vez disso, sido usado para realização de exposições de propaganda e como maternidade. A sua localização coincidia com o centro da idealizada capital do seu império – Germania. Com a Segunda Guerra Mundial ficou muito destruído, não tanto por ser um alvo fácil para bombardeamentos, mas por ter sido intensamente atingido pela artilharia Soviética, no final da guerra, marcado com o hastear da sua bandeira no cimo do Reichstag. Em 1954, a cúpula em risco de cair foi removida. O edifício manteve-se em ruínas até ser reabilitado nos anos 60, depois de, mais uma vez, ter sido ponderada a sua demolição. Sem ter tido funções concretas, mantiveram-se as interrogações sobre o seu destino, foi proposto para museu da história da Alemanha e para assembleia municipal. Com a queda do bloco soviético, em 1989, e a reunificação alemã, em 1990, ganhou novamente sentido a sua função original. Em 1991 foi decidido mudar a capital para e Berlim e que o Reichstag voltaria a ser o parlamento nacional. O edifício foi mais uma vez objecto de novo concurso internacional para o projecto de reabilitação, desta vez ganho por um arquitecto britânico – Norman Foster.

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Wrapped Reichstag O Reichstag, localizado no centro de Berlim, próximo do antigo núcleo da cidade, está implantado no limite Nascente de um grande parque – Tiergarten – com uma praça que se estende à sua frente – Platz der Republik – e lhe serve de antecâmara, funcionando como um adro ou um palco em que o edifício é o centro das atenções. É por isso uma “praça dominada” segundo o conceito de Paul Zucker (12). Ao contrário de praças de importância equivalente de muitas cidades, é uma praça sem construções envolventes, nem o bulício urbano característico de um centro de cidade com comércio, serviços e tráfego. Esta praça é limitada, timidamente, por vias, as duas laterais sem trânsito automóvel, e rodeada por espaços verdes, tendo como único limite edificado, o parlamento. Funciona por isso como uma praça sem limites físicos claros, com características da “praça amorfa” de Camilo Sitte, podendo comportar quantidades de pessoas aparentemente ilimitadas. É o Reichstag que dá sentido à praça e é sobretudo o monumental edifício que se sente quando nela se está, funcionando como pivot e marco urbano. Constituindo-se num ponto de referência, num “elemento marcante”, segundo o conceito de Kevin Lynch

(13).

Por tudo isto, este conjunto, praça e edifício, constituem

um importante ponto de encontro de manifestações colectivas, com um importante significado urbano. Em 1948, a quando da divisão da cidade e da Alemanha, em Ocidental e Oriental, a praça em frente ao Reichstag – Platz der Republik – foi local de uma gigantesca manifestação de protesto. Com o muro de Berlim, a concretização física desta divisão, a passar-lhe por trás a escassos metros e a separa-lo da vizinha Porta de Brandenburgo – Brandenburger Tor – manteve-se com o seu significado latente à espera da reunificação. É neste contexto, ainda em plena Guerra-fria que Christo e Jeanne-Claude, em 1971, começam a idealizar o seu projecto, um dos maiores que até então teriam idealizado, ao qual não ter sido alheia a dimensão e significado do edifício, a divisão da cidade e do país e o próprio muro também ele lentamente transformado num cenário para arte pública e felizmente efémera. Christo começou a usar objectos embrulhados como forma de arte em 1958, passou progressivamente a trabalhar objectos cada vez maiores transitando da obra de arte convencional, de galeria ou museu, para a Land Art, com obras em grande escala, tendo embrulhado os primeiros edifícios históricos em 1968. Em 1974, em Roma, embrulhou uma muralha, junto à Via Veneto e Villa Borghese, que escandalizou o público. Em 1985, depois de 9 anos de negociações, concluiu o seu projecto “Pont Neuf”, em que embrulhou esta emblemática ponte parisiense, deixando-a a funcionar, permitindo que se lhe passasse por cima e por baixo. Esta instalação foi um êxito de público. No caso do Reichstag, o processo durou 24 anos, desde a ideia inicial à instalação da obra. O contexto foi mudando ao longo do processo, e mesmo o cenário mudou, deixando de ter a sombra do polémico muro. Atravessou vários governos, muito lobbying político e reuniões técnicas. Foi a primeira obra de arte cuja permissão teve que ser votada num parlamento nacional. Mas como Christo e Jeanne-Claude afirmam, tudo o que acontece durante o processo faz parte da sua obra e contribuem para a sua definição, incluindo os processos políticos por que muitas das suas obras têm que passar. As suas obras, dizem, começam com a sua idealização e só acabam com a desmontagem completa da instalação. Esta obra, realizando-se no momento imediatamente anterior à reabilitação do edifício, serve para celebrar a despedida do “velha edifício” antes da sua nova cara.

15 - ALVES, Fernando M. Brandão, cit. 9 16 - LYNCH, Kevin, cit. 1 Fig. 19 - Afluência da população à Platz der Republik, dominada pelo “Wrapped Reichstag”

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Esta experiência surpreende pela escala e pelo contraste entre o objecto original e a obra instalada, pela aparência do objecto final, com seu aspecto de pequeno objecto embrulhado como um simples presente de aniversário. Impressiona pela quantidade dos meios implicados e no fim ficar instalada tão pouco tempo, 14 dias. Joga com a escala a vários níveis. Em como é possível reduzir um monumento tão grande, com tão sério significado politico e histórico a simples objecto cénico e ao mesmo tempo como uma obra de arte pode adquirir tamanha dimensão e ser vista de tão longe. Por outro lado, por ser tão facilmente pública, instalada num cenário tão quotidiano e ser presenciada pelo incrível número de visitantes que atraiu, estimado em cerca de 5.000.000. É notoriamente um exemplo conseguido de como uma obra de arte é trazida para fora dos museus e pode ser vista pelo grande público. Christo e Jeanne-Claude evitam sempre explicar ou justificar teoricamente as suas obras, permitirão assim que elas falem por si e que cada pessoa as veja, ou não veja, e as sinta à sua maneira. O Wrapped Reichstag não foge a esta regra. Deste modo atrairão algumas críticas, evitarão outras, mas sobretudo procuram não alimentar os carroceis de polémicas que normalmente envolvem as suas obras mais públicas. Enquadrados normalmente pelos críticos algures entre a “conceptual art” e os “happenings”, Christo e Jeanne-Claude auto-intitulam-se, depois de desvalorizarem estes rótulos, como “environmental artists”

(14).

Muito fustigados pela crítica, as suas obras são muitas vezes consideradas não arte mas sim produção. E de certa forma, pelos meios que empregam e pelas condições que requerem, os seus trabalhos obrigam a funcionamento de verdadeiras produções, como se de um filme de Hollywood se tratasse, com vastas equipas técnicas, exigente suporte legal e complexos projectos de engenharia civil, sendo muitas vezes, como foi o caso do Wrapped Reichstag, criada uma empresa para realizar a obra.

17 - Christo and Jeanne-Claude, entrevistados por James Pagliasotti, em 2002-01-04 - http://christojeanneclaude.net/eyeLevel.html Fig. 20 - Reichstag e a vizinha porta de Brandemburgo Fig. 21 - Envolvimento da população na montagem da obra


Independentemente da sua substância intrínseca como obra de arte, esta obra que não deixa as pessoas indiferentes, provoca inevitavelmente reacções. Faz com que as pessoas um dos principais símbolos do país e da cidade de uma forma completamente nova e que fará com que provavelmente, mesmo depois de desmontada a instalação, passem a ver o edifício e praça de outra maneira, consciencializando que não se manteve sempre igual e pode voltar a surpreender. Com o seu ar de castelo insuflável, esta obra, oculta o ar pesado e sério do edifício descontextualizandoo, tornando-o mais leve e enigmático, susceptível de uma percepção mais lúdica, que é transposta por inerência para a vivência da própria praça. A plasticidade completamente diferente e as variações de cor ao longo do dia que a nova pele proporciona, desenham novas imagens que potenciam a imaginação de cada observador. A imaginabilidade enunciada por Kevin Lynch (15). Esta nova textura, cromatismo e homogeneidade transmitida à silhueta familiar, destacam o edifício em relação à envolvente criando com esta novas relações e a percepção das dimensões de tão grande volume comparado com a escala das pessoas que o observam. Por outro lado, esta instalação ao esconder o edifício torna-o, temporariamente, num “não monumento”, na antítese do que antes era e sugerindo a perspectiva da sua ausência. Simultaneamente e de forma inevitável, o acontecimento enche o espaço circundante de vida, provando que estes edifícios também foram concebidos para serem vividos a partir do exterior, são mesmo dependentes do espaço que os envolve. Esta intervenção possibilitou uma visão diferente do cansado monumento. Proporcionou uma forma menos vulgar de experimentar a arte. E por último, mas não menos importante, teve um grande impacto e enchendo de público e de animação, com músicos a tocar espontaneamente e festas pela noite dentro, todo o espaço à volta do Reichstag, sobretudo a indissociável Platz der Republik.

18 - LYNCH, Kevin, cit. 1 Fig. 22 - Diferenças cromáticas ao longo do dia - Reichstag iluminado

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4

Conclusão A realidade que nos circunda acarreta uma memória, um universo que a caracteriza, nomeadamente

na arquitectura, caminhando esta consciência no sentido da frase de Heidegger: “a linguagem da arquitectura é linguagem de memória”. Compreender a sua essência torna-se condição necessária para o aparecimento de objectos de qualidade. Os três casos práticos que se apresentaram, pelas suas diferenças de cenários, conteúdos e intercepção com o espaço público, constituem exemplos substantivos de como a Land Art pode trabalhar de forma diversa e original em áreas históricas, inventando novas imagens, contextos e reflexões, e conferindo, a estes lugares de memória, uma inovadora e imaginativa actualização. No caso de Barragem em Vilarinho das Furnas, intervenção na memória reencontrada em pleno processo de regresso à natureza original; no caso do projecto “Sur la vie” em Evreux, animação do centro histórico, proporcionando um percurso original sobre uma paisagem familiar, sugerindo novas perspectivas e formas de sentir os lugares quotidianos, e em Berlim, festejando o monumento transformado em cenário, que se constitui actor reinventativo da paisagem em que se insere. Eclipsando-se o objecto real, concretiza-se o monumento virtual. Os três casos têm em comum uma interacção lúdica com o lugar evocativo da memória, e mais além de uma interpretação contemporânea da história contida nos espaços, convidam à reflexão e à imaginação para que esta seja feita pelo indivíduo. São obras de arte com significado e valor intrínseco, constituem, como tal, património cultural, criando e revertendo-se em novas memórias, na constante procura da reinvenção do seu tempo, tema essencial ao universo da Arte. Através da compreensão das imagens estabelece-se uma linguagem, uma expressão que nos permite a transformação de experiências em memórias, na perspectiva em que a memória nos conecta com o nosso universo pessoal, podendo este ser partilhado, garantindo-nos a integração no contexto do lugar. “De tanto ter sido já repetido, nem vale a pena insistir no facto de o verdadeiro (e único) protagonista de À Procura do Tempo Perdido, de Marcel Proust, ser o Tempo e a sua recuperação pela Arte, mais ainda do que pela Memória; ou então, sim, pela memória, mas uma vez que ela própria seja transfigurada em Arte.(...)(19) Porque, para Marcel Proust, a recuperação do tempo passado, a única possível para que não seja tempo perdido, obtém-se exclusivamente pela recriação transfiguradora que o converte em presente.” A intervenção Land Art no património não constitui, por si só, um meio ou método definitivo para reabilitar ou revitalizar uma área histórica, mas promove de forma lúdica e versátil a reflexão e (re)interpretação do espaço público na sua relação com o património. Pelos caminhos e possibilidades que inventa, pode ser um complemento importante para a regeneração das áreas históricas, potenciando novas formas de intervir, para que se “recupere o Tempo Perdido” e este se converta em Presente.

19 - TAMEN, Pedro – “Proust, Tempo, Arquitectura”, Jornal Arquitectos, n.º 213 , Novembro/Dezembro 2003, Ordem dos Arquitectos, Lisboa, 2003


No que remete mais especificamente para o espaço público, a consequência da intervenção efémera, é diversificada. A transformação do suporte que constitui a base da intervenção, conduz `a alteração da percepção que as pessoas tinham como dado adquirido, induzindo-as a reflectirem sobre essa realidade física subitamente já não dominada – nenhum espaço se domina de forma definitiva. Como se constata nos casos práticos analisados, a animação do espaço público através da intervenção Land Art constitui um motivo dinamizador que levou as populações à redescoberta sensorial e interpretativa de uma realidade subitamente dinâmica. É na forma como interfere com as pessoas que a análise da intervenção é relevante, e não na parametrização da sua metodologia de projecto - que deriva da consciência crítica e subjectiva do artista. Constitui um exemplo representativo da versatilidade do espaço público, evidenciado nos casos práticos abordados; de facto, este tipo de intervenção efémera, pode ser usada de forma sistemática e sempre imprevisível na sua formalização, incentivando a utilização do espaço público e descodificação das suas novas variáveis. Por oposição a algo consumado e estático, conceitos como o da metamorfose (patente na intervenção de Christo no Reichtag, nas variações de luz e cor da pele do edifício), escala e perspectiva (baralhadas pela alteração dos percursos no centro histórico de Evreux) são instrumentos de trabalho, garantindo-se um dinamismo que não aniquila o tempo e espaço originais.

Fig. 23 e 24 - “Pont Neuf Wrapped”, Jeanne-Claude e Christo, - O (re)descobrir de um símbolo da cidade

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De acordo com Carr, a ligação individual de cada indivíduo a um espaço específico remete para recordações sedimentadas, e a possibilidade de as confrontar com diferentes abordagens ao lugar introduz uma nova perspectiva que garante maior densidade de informação sobre essa realidade. Outras formas de ligação ao espaço são matéria presente na intervenção Land Art: a relação a locais de significado político ou culturalmente relevantes (como é o caso do Reichtag), transportados para uma realidade onírica, mais próxima a conceitos como o a fantasia e imaginação do individuo. A arquitectura é uma invenção permanente e contínua. O dia da sua invenção definitiva será o dia da sua morte, o seu fim, e nessa dinâmica, a arte e a criação transmitem-se, propagam-se incessantemente. A arquitectura não pode ser emoldurada como objecto para pura contemplação, mas deve ser encarada como uma construção para a acção. Recebe-nos sem nos ver, e são os participantes que proporcionam à arquitetura essa acção. Testemunho dessa dinâmica é a intervenção/interacção Land Art, manifestação transformadora em que as populações, pela sua dinâmica de contacto com o espaço transformado, passam igualmente a integrar e a contituirem-se como sujeito da acção que aí se desenrola. Embora pouco vulgarizada, a intervenção Land Art no património é matéria instrumental para a dinamização da vida nas cidades, e mais especificamente, nos centros históricos e na relação e imagem que estes promovem nas populações.

Fig. 25 - “The Gates”, Jeanne-Claude e Christo - A recriação e dinamização do espaço público


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