Espaço da Palavra 2

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ENCONTRO FAMILIAR Therezinha Rocha Poles

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A DIALÉTICA ILUMINADA DE DRUMMOND Antonio Roberto Fava

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SONHOS MARGINAIS Sílvio Santos Basso

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ADÉLIA PRADO: A POESIA DE FÉ NO CHÃO Maria Lucia Nascimento Capozzi

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AFINAL Magali Berggren Comelato PERPLEXIDADE M.B.L. Della Torre SE TU ME QUISESSES Roberta Adamson

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MEMÓRIA FOTOGRÁFICA

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Ê, ASTOUFO Ricardo Mardegam DIAS SEM MANHÃS Bêne Barichelo

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BARCOS Paulo Franchetti

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POR QUE ESCREVO? Antonio Roberto Fava

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DAQUELES QUE NÃO ME ESQUEÇO Antonio Roberto Fava

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A POÉTICA DO ESPAÇO Regina Gouvêa Gonçalves

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O IMORTAL António Zoppi DELÍRIO Josepha Wonrath O VELHO João Rodella

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FIGURA INTERIOR Heloisa Cecília Pavan

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PELO TELEFONE Therezinha Rocha Poles

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DICAS DE LEITURA

É desnecessário falar da repercussão da Espaço da Palavra por ocasião do lançamento do no l da revista. O evento, no Americana Hotel da Av. Cillos, foi simples, mas representativo, que teve a participação de autoridades e intelectuais da cidade. Não faltaram sinceros elogios à revista. Muitos a liam ali mesmo de pé ou no saguão do hotel. E comentavam o seu conteúdo. Uns diziam que há muito Americana desejava uma publicação do porte (e propósitos) da Espaço da Palavra. Outros sugeriam pauta, que se fizesse, por exemplo, entrevistas com pessoas da cidade, que mesmo sem ser do ramo, poderiam fornecer um bom material. Houve até quem se propusesse colaborar. A todos que compareceram ao lançamento da Espaço da Palavra, àqueles que acreditam no sucesso da revista, os nossos mais sinceros agradecimentos. Esperamos que apreciem também o conteúdo da edição que agora têm em mãos. Desejamos, sinceramente, suplantar a edição de estréia, tanto na apresentação como no conteúdo. Isso porque acreditamos que toda palavra é um pensamento materializado que se manifesta sob diversas formas. Por isso escolhemos uma dessas formas, bastante simples, por sinal. Nem por isso menos importante: a escrita. Quer dizer, a escrita posta numa publicação, de modo organizado, pensado, na qual autores da cidade poetas, contistas, romancistas, ensaístas revelam suas mais ocultas e secretas inquietações. E partem para a escrita, para a elaboração de um texto literário qualquer, que pode ser um poema, um conto, uma dissertação ou um ensaio. A escolha, logicamente, fica a critério do autor. Espaço da Palavra não é somente uma revista de lazer e entretenimento. Também. Mas, evidenciada pelo sucesso da edição de estréia, pode-se verificar que há um conteúdo seguramente mais consistente, inteligente, porque busca, de modo definitivo, um público que de fato aprecia a leitura, que reflita, e não apenas a folheie ou simplesmente passe os olhos pela capa. Enfim, esse é o nosso sincero desejo, que a Espaço da Palavra possa lhes proporcionar alguma reflexão nem que seja por uns poucos momentos. Parafraseando Érico Veríssimo: “As palavras se dissolvem no silêncio geral. Mas ficam ecoando na mente”.

Projeto aprovado pelo Concult. Edição patrocinada com recursos captados por meio da aplicação da Lei Municipal de Incentivo à Cultura no 3.078, de 22 de julho de 1997, Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Americana.

OPINIÃO DO LEITOR EXPEDIENTE PERFIL DITINHA: A COERÊNCIA E A ESTÉTICA DO TEXTO Antonio Roberto Fava

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Capa: Mandala de Regina Gouvea Santos Gonçalves Fotos: Heloisa Pavan

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Ano I no 2 outubro/dezembro 2005 - PUBLICAÇÃO: Espaço Literário “Nelly Rocha Galassi". CONSELHO EDITORIAL: Maria Benedicta Lima Della Torre, Antonio Roberto Fava, Maria Lucia Nascimento Capozzi, Magali Berggren Comelato, João Rodella PROJETO GRÁFICO: Heloisa Cecília Pavan (34071329). PRODUÇÃO EDITORIAL: Maria Lucia Nascimento Capozzi. IMPRESSÃO E ACABAMENTO: Gráfica e Editora Adonis. JORNALISTA RESPONSÁVEL: Antônio Roberto Fava - Registro Profissional no11.713-SP.


Para falar da vida de Nelly Rocha Galassi ninguém melhor que ela própria, por meio de seus poemas e crônicas, onde expõe seus sentimentos e conta sua história. A mim compete apenas alguns comentários como coadjuvante. Nelly nasceu em Araras, mas foi apenas por conveniência de minha mãe que sempre procurava a ajuda de minha avó por ocasião do nascimento dos filhos, pois morávamos em São Paulo, onde Nelly viveu sua infância e de onde saiu já adolescente. Esses seus primeiros anos coincidiram com os tempos áureos da família Rocha, o que lhe possibilitou fazer seus primeiros estudos no Colégio São José, na época, um dos melhores de São Paulo. Um pouco de sua infância, ela mesma conta em sua crônica No Bairro da Liberdade: “Quando menina, morei por alguns anos em um bairro japonês. Foi um caminho por onde andei, mansamente, como as gueishas de olhos rasgados. São de lá as lembranças exóticas, que trago comigo numa ternura de coisas raras. Os amigos das brincadeiras gostosas eram cinco irmãozinhos, nascidos em uma terra distante como o país das fadas do meu livro de histórias: Fumico, Fumiê, Mitude, Massaê e Raluko. Eu menina, maravilhava-me com a ressonância e a rima dos nomes. Eles também rimavam entre si, tão parecidinhos! Nas tardes tranqüilas do bairro da Liberdade havia jogos, cantigas de rodas e histórias contadas nas rodinhas das calçadas. Na Ladeira São Joaquim, conheci um casal de velhinhos: Valério e Paquita. Ele era um artista em fotografia e hábil pianista. Ela, uma contadora de histórias.” Nelly descobria poesia, sonoridade e rima até nos nomes de seus amiguinhos de infância e procurava aproximar-se dos artistas e contadores de histórias. Em casa, era considerada a queridinha do papai. É que ele percebeu, desde cedo, que havia transmitido a ela seus pendores poéticos e orgulhava-se disso. Vamos saber por ela mesma como era com o trecho da crônica Nós, os poetas: “A primeira vez que fiz uma poesia freqüentava ainda o primário, onde a tortura das continhas, ditados e cópias do livro de leitura tomavam conta do meu não querer. Foi nesse tempo que descobri, através de rimas e pequenos ensaios de expressão, um modo bem mais agradável de usar as letras, melhor do que arrastá-las em penosos exercícios pelas linhas de meus cadernos.

Meu pai, a quem mostrei minha primeira quadrinha, onde o “ão” finalizava as rimas dos versos, afagou minha cabeça com carícia de dedos longos e, da altura em que era, disse sorrindo: 'outro poeta na família!' Po-e-ta. A palavra soou estranha aos meus ouvidos e sobre ela só fui fazer indagações quando, na adolescência, ainda teimava em expressar-me por meio de poemas. Nesse tempo, meu pai resolveu ensinar-me a arte de versejar.” Nelly nasceu poeta, sonhadora, e desde pequena já demonstrava grande capacidade de abstração. Entrava em êxtase observando as nuvens do céu, em perfeita sintonia com a natureza, embora desconhecesse qualquer técnica de meditação que leva a esse estado de espírito. Mais tarde, já em Americana, encontrou seu príncipe encantado, com quem se casou, teve filhos, netos, mas jamais permitiu que a vida, com seus percalços abafasse seus dotes literários. Escreveu bastante: poesias, contos, crônicas. Publicou livros, ganhou muitos prêmios, cumpriu sua missão de poeta e escritora até o último dia de sua vida. Para mim, foi a irmã amiga, a mestra, o exemplo a ser seguido, o desejo de assemelhação, o incentivo e o laço forte de uma amizade que só mesmo a morte poderia conseguir desfazer fisicamente, mas que persistirá sempre na lembrança e na saudade. Citando suas próprias palavras: “Amigo é uma palavra que se desdobra em múltiplos sentidos. Alguém com o maravilhoso dom de ouvir e a rara sensibilidade de compreender...” É com orgulho que revelo, para finalizar, suas palavras a mim dirigidas em sua crônica Encontro Familiar: “A vida virou conversa depois que minha irmã chegou. As horas enrolaram-se em nossa fala, carinhosamente, sem que percebêssemos o tique-taque do relógio. Momentos vividos com intensidade foram os nossos, dentro do espaço de um tempo voador. Suspirei penalizada quando ouvi de minha irmã: - É tarde, preciso ir. Que desculpa vou dar lá em casa para tanta demora? Entendo, falei ao abraçá-la num afago de uma irmã à outra, merecedora de ternura tanta”.

Nelly Rocha Galassi foi fundadora do Espaço Literário "Nelly Rocha Galassi". Publicou vários livros e foi vencedora de inúmeros prêmio literários. Faleceu em Americana no dia 28/04/1998.


“No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra”

Quando o poeta Carlos Drummond de Andrade publicou esse poema em 1928, “insignificante em si”, diria mais tarde, talvez não imaginasse que fosse causar tanto escândalo e que seria motivo de tantas divergências. Uma brincadeira (ou não?) que renderia ao poeta censuras e elogios. Agora, 75 anos depois, a polêmica parece esquecida e o poema agora é visto sob um outro ângulo. Poeta, contista e cronista, Drummond é considerado um dos maiores (senão o maior) nomes da língua portuguesa e da literatura latino-americana. É respeitado por críticos nacionais e estrangeiros como um dos grandes poetas universais. Funcionário público, homem de natureza reservada, avesso principalmente às entrevistas, só mesmo no fim da vida o mineiro de Itabira, Minas Gerais, se liberou para as manifestações pessoais. Cada vez mais freqüentes, elas foram uma voz lúcida e iluminada. Ao longo de sua vida, escreveu mais de 40 livros, muitos deles traduzidos para países como França, Inglaterra, Itália, Alemanha, Suécia, Argentina, Chile, Peru, Cuba, Estados Unidos, Portugal, Espanha e Tchecoslováquia. Para Alcides Villaça, professor de Literatura Brasileira da USP e ex-professor-visitante da Unicamp, especialista em Drummond, a importância do poeta para a poesia brasileira “está na altura a que ele elevou um discurso poético carregado, ao mesmo tempo, de reflexão inteligente e fortíssima sensibilidade, de tal modo que o leitor é envolvido por uma onda rítmica, onde belas imagens e iluminações do pensamento se dialetizam o tempo todo”. Desconcertante Pode-se verificar que nos poemas da década de 50, sobretudo em Claro Enigma (1930), é forte a presença

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de Paul Valery, de cujos versos Drummond se valeu na epígrafe do livro. “Mas é bom ressaltar que, acima de qualquer influência sofrida, a poesia de Drummond é personalíssima, individualíssima, tanto nos temas que freqüenta (entre eles, as raízes mineiras e provincianas, a oposição entre o arcaico e o moderno) como nas várias soluções de estilo que adotou ao longo dos seus mais de 60 anos de poesia”, explica Villaça. Acompanhar as chamadas “fases” da poesia Drummond, segundo observações de Villaça, significa ir conhecendo uma sucessão muito variada de formas, que foram respondendo às também variadas perspectivas do mundo e necessidade de expressão. O “modernismo” de Drummond, no sentido estrito que o liga ao Movimento de 22, está, sobretudo, no primeiro livro que o poeta publicou: Alguma Poesia (1930), justamente no humor piadístico e num acentuado desejo de expressar o instante, o cotidiano, a “nota social” além de cultivar uma linguagem desconcertante e fragmentária, como no Poema de Sete Fases, por exemplo. “Mas a pedra de toque foi mesmo o No Meio do Caminho, que gerou tantas controvérsias e tantos comentários que, décadas mais tarde, o poeta publicou um livro No Meio do Caminho: História de Um Poema, onde reúne todas as reações, glosas, paródias, censuras ou elogios que o poema acabou provocando. O escândalo associava-se à forma do poema, repetitiva e circular, que irritava os ouvidos acostumados às harmonizações da poesia convencional, “bem como aos enigmas da expressão 'pedra no caminho', que todo mundo queria porque queria decifrar”, observa Villaça. Talvez até fosse resultado de uma brincadeira do poeta. Por que não? HORIZONTES E LIMITES NO MUNDO PROSAICO Como se pode ver, a ironia é uma constante na poesia de Drummond, que nasce do contraste entre um


“Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos, mal rompe a manhã” forte idealismo, que está sempre no horizonte dos afetos e da consciência do poeta, e uma forte experiência dos limites que há em cada indivíduo e no mundo prosaico em que vivemos. Sua ironia nasce a cada vez que o poeta se defronta com a impossibilidade de realizar as altas aspirações humanas que estão nele, como em que todos nós: amar/e ou conhecer o outro de modo absoluto, conhecermo-nos a nós mesmos de modo absoluto. “Talvez o existencialismo sartreano tenha deixado no poeta a convicção de que de fato 'o inferno são os outros', ao mesmo tempo em que o sentimento de responsabilidade pessoal para com o mundo faça de cada um de nós o responsável pela liberdade de todos”, acredita o professor Villaça. Carlos Drummond de Andrade, que escreveu José, Resíduo, Soneto da Perdida Esperança, Poema Patético, A Flor e a Náusea, A Morte do Leiteiro, Poema de Sete Faces, entre tantos outros, era considerado um homem reservado, cioso da sua timidez, em geral avesso a entrevistas e contatos pessoais. Muitos de seus amigos, como Mário de Andrade, o primeiro, e Ziraldo, depois, sentiram grande interesse em conversar por telefone ou por carta, muito maior do que em papear “por carta”. Drummond preferia passar uma hora ao telefone a se encontrar com alguém em sua casa. “No entanto, aos sábados, reunia-se sempre com seus amigos escritores e intelectuais na casa de Plínio Doyle, eventos que acabaram sendo chamados de os 'sabadoyles'. Nessas reuniões, até ata faziam. Só não conversavam sobre política, para não azedarem a conversa”, conta Villaça. O professor se recorda que Pedro Nava, no seu livro de memórias Beira-mar, fala muito das “travessuras” do grupo de jovens intelectuais da Belo Horizonte dos anos 20, entre os quais estava um Drummond de óculos e bigodinho, de aspecto grave, respeitado por todos, mas capaz de gestos tresloucados, como escalar um alto arco de pontilhão e desafiar o guarda-noturno, que lhe dera voz de prisão, a ir buscá-lo lá em cima. O grupo costumava freqüentar a zona de meretrício de Belo Horizonte, de onde os rapazes saiam melancólicos e cheios de fossa existencial... Os prazeres sexuais facilmente atendidos provocaram no poeta grandes remorsos, uma sensação de “nojo de si mesmo”, sentimento que se expressa em boa parte dos poemas do livro Brejo das Almas e não deixa ecoar num poema como Mão Suja.

UM LEGADO DE RIGOR E EXPERIMENTAÇÃO Para o professor Paulo Franchetti, do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp (IEL), Drummond representa o momento de consolidação da poética modernista no Brasil. Por isso mesmo, é uma das maiores vozes líricas da poesia brasileira do século 20. “Acredito que o lugar de Drummond para as gerações atuais, para a literatura que se pratica hoje no Brasil, é assegurado, não pelos primeiros livros modernistas que publicou, como Alguma Poesia (1930) e Brejo das Almas (1934), que têm um interesse mais propriamente histórico hoje, mas mais pela alta dicção do poeta a partir de José”, observa Franchetti. Mas assinala que a grande obra Drummond compôs entre José e Lição de Coisas, este na década de 60. Franchetti acredita que a partir do livro Claro Enigma (1930), Drummond tenha deixado um legado de extrema importância para a poesia contemporânea de rigor, de experimentação, de sobriedade e de recuperação das formas tradicionais da literatura. Os poemas de Drummond que Franchetti mais aprecia são Máquinas do Mundo, Rapto, e outros tantos que pertencem a essa fase. Poesia conceitual Muito mais do que os poemas-piada de começo de carreira, que tiveram, evidentemente, a sua importância, algumas obras são até polêmicas como No Meio do Caminho, que à época tinham um efeito demolidor e era lido mais como um ato de intervenção. “Era um tipo de poesia mais conceitual, que naquele momento tinha uma inserção de uma polêmica pela afirmação de novos critérios estéticos. Creio que esse lado vem alcançando um interesse histórico cada vez mais e que o Drummond de hoje, presente na linguagem de nossos poetas, é o poeta das décadas de 40 e 50. Mesmo o Drummond político de Sentimento do Mundo (1940) e A Rosa do Povo (1945), embora seja um grande poeta, não me parece que nesse momento está tão presente na poesia que se faz hoje no Brasil”, avalia o professor. Para Franchetti, Drummond é um poeta de expressão internacional. “É um dos poetas brasileiros mais traduzidos. Acredito que ele tem a inserção internacional ao lado de João Cabral de Mello Neto. No entanto, é difícil fazer comparações. Não resta dúvida que é um poeta lido em várias línguas e que representa, em qualquer idioma, um momento elevado da lírica do século 20”, conclui. “Vamos, não chores. A infância está perdida. A mocidade esta perdida. Mas a vida não se perdeu”


SOZINHO, ENTRE MANGUEIRAS Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 1902, e morreu no Rio de Janeiro, em 1987, aos 85 anos. Passou boa parte da infância na fazenda da família, “sozinho, em mangueiras”, como diria, mais tarde, em seu poema Infância, publicado em Alguma Poesia. É tido como um dos maiores poetas que o Brasil já teve, comparado aos maiores poetas estrangeiros. Drummond foi redator do Diário de Minas Gerais. Mais tarde foi responsável pela abertura no jornal de textos modernistas. Depois de haver completado o curso de Farmácia, atividade profissional que não chegou a exercer, foi convidado pelo amigo Augusto Capanema, então Ministro da Educação, para chefiar o referido gabinete, em 1930. No mesmo ano lança Alguma Poesia e, quatro anos depois, Brejo das Almas, ambos com textos carregados de fina ironia. Foi uma fase que, enquanto ironizava os costumes e a sociedade, asperamente satírico em seu amargor e desencanto, entrega-se com empenho e requinte construtivo à comunicação estética desse modo de ser do poeta de Itabira. Em Confissões de Minas (1944), obra de ensaios e crônicas, Drummond admitia: “Entro para a antologia, não sem registrar que sou o autor confesso de certo poema, insignificante em si, mas que a partir de 1928 vem escandalizando meu tempo, e serve até hoje para dividir no Brasil as pessoas em duas categorias mentais”. Referia-se, é evidente, ao poema No Meio do Caminho. Drummond publicou aproximadamente 50 livros. Teve ainda obras publicadas em espanhol, inglês, francês, italiano, alemão, sueco, tcheco, entre outros idiomas. Em 1987, doze dias depois da morte de sua única filha, Maria Julieta, Drummond morria a 17 de agosto, deixando obras inéditas como o Avesso das Coisas e Moça Deitada na Grama.

TRECHOS ESSENCIAIS DE UM POETA MAIOR “E agora José?/ A festa acabou,/ a luz apagou,/ o povo sumiu,/ a noite esfriou/, e agora José?” (em José) “E como eu palmilhasse vagamente/ uma estrela de Minas, pedregosa,/ e no fecho da tarde um sino rouco” (em A máquina do mundo) “Perdi o bonde e a esperança./ Volto pálido para casa. A rua é inútil e nenhum auto/ passaria sobre meu corpo” (em Soneto da perdida esperança) “Quando nasci, um anjo torto,/ desses que vivem na sombra,/ disse: Vai Carlos! Ser gauche na vida” (em Poema de sete faces) “Vamos, não chores./ A infância está perdida./ A mocidade esta perdida./ Mas a vida não se perdeu” (em Consolo na praia) “Lutar com palavras/ é a luta mais vã./ Entanto lutamos,/ mal rompe a manhã” (em O lutador) “Minha mão está suja./ Preciso cortá-la./ Não adianta lavar./ A água está podre./ Nem ensaboar/. O sabão é ruim” (em A mão suja) “Não serei o poeta de um mundo caduco./ Também não cantarei o mundo futuro./ Estou preso à vida e olho meus companheiros” (em Mãos dadas) “A chuva me irritava./ Até que um dia descobri que maria é que chovia./ A chuva era maria. E cada pingo de maria ensopava o meu domingo” (em Caso pluvioso) “Se uma águia fende os ares e arrebata/ esse que é forma pura e que é suspiro/ de terrenas delícias combinadas (em Rapto) “Uma semente engravidava a tarde./ Era o dia nascendo, em vez da noite” (em Instante) “O filho que não fiz/ hoje seria homem./ Ele corre na brisa,/ sem carne,/ sem nome” (em Ser) Antonio Roberto Fava é Jornalista e Assessor de Imprensa da UNICAMP, reside em americana e publica sua criação literária em diversos jornais da região.


Por duas vezes li a carta posta sobre a escrivaninha. A letra não mudara, e eu ainda podia ver sua mão desenhando graciosamente aquelas palavras, ou mesmo ouvila recitando-as para ver se estava bom. E sua voz, assim como o estilo, divagava trôpega entre o doce e o irônico. Foi numa noite de setembro que a vi pela última vez. Havia nos seus olhos o esplendor intenso de uma vida que se renova, que recomeça, e que traz, com a mudança, toda a maravilhosa expectativa de um futuro novo e encantador. E esse alumbramento da alma, inebriada pelo êxtase na promessa de extraordinários desafios, tornava ainda mais intenso aquele brilho e fulgor dos seus olhos; o mesmo brilho e fulgor que nos meus olhos faltavam. Pelo saguão do aeroporto espalhava-se o rumor incessante de pessoas que passavam, que vinham, que falavam e diziam adeus, que riam e se abraçavam; e no meu coração mudo todos eram iguais, estranhos, sem passado e sem futuro. Apenas ela me importava em meio deles. Somente ela era digna dessa existência superior e nobre, onde a vida se cobre de encanto e enlevo, e a vida de todos os outros se desfalece na vulgaridade e na desimportância. Todavia, agora, estava de partida para a Europa com seu marido, engenheiro recém-formado e antigo colega de faculdade. Aquele casamento marcara a maior de todas as minhas derrotas, e a partida não era mais que a espada a trespassar o que restara de uma ilusão. Talvez ela pressentisse o que me calava na alma e, sorrindo, evocava as confusões em que nos envolvíamos quando estudantes, as bandeiras heróicas que levantávamos contra a escola e suas injustiças, os jogos,os passeios em excursões e outros pormenores que minha memória já abandonara. Silenciava depois,

entretanto, e com o sorriso extinto, olhava indefinidamente para os aviões. Doía-lhe também me deixar. Contudo, o que ficava para trás, na sua ingênua visão de menina crescida, era apenas o amigo mais querido, o mais especial, o “irmão que nunca tivera”. Estudei maneiras de lhe falar; juntava todas as palavras de um discurso solene e ensaiado, e espreitava os momentos oportunos. Entretanto, eles se tornavam cada vez mais fugidios, mais raros e impossíveis, como os espectros noturnos que se esvaem na claridade. Talvez eu tivesse esperado demais pelo momento ideal, e ele passou e não o percebi. Quem sabe ainda, não fosse tão tarde assim! E naquela idéia louca, das mais insanas que me ocorreram, eu a arrancasse daquele aeroporto e daquele impostor, e a fizesse compreender que a felicidade poderia não estar tão longe, nem ser tão sofisticada. Mas o vôo foi anunciado, e a realidade transformou minha louca idéia numa ridícula quimera. Abraçamo-nos. Não consegui dizer palavra e seu último adeus foi triste como um lamento. O marido apenas apertou minha mão, como se o fizesse a um estranho. E por certo, esperava que no tempo e na distância, eu me tornasse mesmo um estranho. Depois, partiram. Agora, na carta, dizia que voltariam em breve. Sob os escombros dos anos que passaram, ficara ainda um sopro daqueles sonhos marginais. Então, sentei-me à sacada da janela e fiquei a observar os aviões que decolavam e pousavam no aeroporto, nos limites da cidade. Fechei os olhos e sonhei com a sua volta. Sílvio Santos Basso é sócio correspondente do Espaço Literário "Nelly Rocha Galassi". Tem participado de concursos literários e várias antologias.

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A formação acadêmica da notável poeta mineira, nascida em 1935, na cidade de Divinópolis, bem como a vida pessoal da escritora (seus relacionamentos familiares, a religiosidade vivenciada) dão-nos os indícios mais pertinentes do conteúdo textual de sua obra literária. Escritora-filósofa, utiliza-se permanentemente da criação literária para fazer sua catarse existencial, um simulacro de confissão de seus pensamentos profundos e ações cotidianas, através do “eu poético”, sujeito e objeto predominante em sua criação. A poesia de Adélia Prado acontece em rota circular ao redor dos temas essenciais da humanidade: misticismo, erotismo, trivialidades, grandezas; o humano e o divino na permanente e inquietante dicotomia entre o que é tangível ou impalpável, perecível ou permanente. Toda a obra de Adélia Prado é permeada de ousadias líricas reveladoras da realidade simples e ao mesmo tempo complexa do cotidiano, da qual o poeta é, em última análise, arauto e porta-voz. Seus versos livres abordam temas constantes, vitais, que justificam a chama de imortalidade que subjaz e perpassa a condição humana. Com uma das mãos afaga o corpo físico; recolhe, descreve e perpetua suas emoções profundas, enquanto com a outra tateia a divindade, o aparentemente intangível: Deus. Ela própria asseverou em seu livro Bagagem, no 11º verso do poema Com Licença Poética: “Mas, o que sinto, escrevo. Cumpro a sina.” Este verso revelador define o permanente diálogo com seu “eu lírico”, transubstancia sua matéria em metáforas de fina poesia e justifica sua obra. A criação literária de Adélia Prado é toda urdida em tom coloquial, tramada com registros lingüísticos da oralidade de seu tempo: a mulher do povo, mineira do interior, mescla-se à filósofa que transmuta o uso “vulgar” da língua de maneira sutil, em invulgares manifestações literárias, fecundas e desveladoras. De seu particular universo, alça vôos ao complexo universo feminino que, por sua vez, atinge o ser humano em seus colóquios com Deus. E tudo isso, na investigação de si mesma, no espelho do semelhante, na busca do que transcende. De sua lavra inspirada incursões poéticas que partem

de sua Divinópolis, percorrem as grandes metrópoles, ganham o mundo e chegam ao Apocalipse. Assim, a poesia adeliana esquadrinha as ruas das cidades, as pessoas, os parentescos físicos e metafísicos, o universo, enfim, expressando com humor, misticismo e filosofia a sua incomum força criativa, a sua poética personalíssima. A vida, o sofrimento, a morte, a humanização do divino ou a divinização do humano, os pequenos acontecimentos sem importância ganham, na linguagem transparente de Adélia Prado, foros de universalidade. Desde os títulos, a criação adeliana revela o desejo de transcender a natureza física, alcançar uma epifania, porque esta talvez seja a manifestação de fé mais próxima da poesia. Para ela o nascimento de um poema é equivalente ao nascimento de uma divindade e a literatura é uma forma de salvação existencial: tenta insular-se na poesia para que não lhe seja arrebatado o essencial: a vida. Isto ocorre através do fazer poético, sinônimo do que é espiritual, da presença divina. Em linguagem aparentemente despida de preciosismos, a autora revela-se absolutamente profunda, com “pés de barro” e espírito imortal. Valho-me das palavras do escritor e crítico literário José Nêumane Pinto que declarou: “O cristianismo em Adélia não é um experimento metafísico, mas uma vivência cotidiana, doméstica. Uma poesia, perdoem o trocadilho, de fé no chão. Ela pratica sua crença religiosa à mesa, mas também na cama...” A feitura do poema pela autora e a leitura da composição pelo leitor tornam-se simbióticas em razão de ambas ocorrerem em “estado de oração”, que remetem a permanências e imperecibilidades, doação e partilhas divinizadoras, fusão poética e essencial à condição humana transfixada pela possibilidade de transcendência. Conclui-se que somente através do poema, - objeto empírico, de existência concreta, que passa a existir em plenitude ao travar contato entre autor e leitor - se alcança a substância imaterial a que chamamos poesia. A poeta Adélia Prado, ungida pela fé e jungida ao Espírito Criador, transmuta o cotidiano visível em poesia fina e requintada, profundamente filosófica que se aproxima do hermetismo: filtra as palavras e as expressões que desmentem suas aparentes simplicidades, transubstancia suas matérias em poesia de tocantes ressonâncias, enquanto nos oferece a possibilidade da poesia quintessenciada. Maria Lucia Nascimento Capozzi é editora e vice-presidente do Grupo Espaço Literário "Nelly Rocha Galassi". Participou de várias antologias poéticas, é autora dos livros Espelho de mim, Álbum de Retratos e A Literatura Possível.


Afinal... Não há encontro no ar já não somos nem dois a vagar atrás da força de um nome. Somos mares sem onda e sem calor à procura de uma praia onde não exista nem mesmo alguém chamado solidão... Magali Berggren Comelato é empresária e sócia da Gráfica e Editora Adonis. Publicou o livro "Poemas Desenhos".

Se tu me quisesses com a mesma intensidade que te desejam meus olhos, se tu me quisesses com a voracidade mesma que meu corpo busca o teu, se tu me quisesses, mesmo que só por uns instantes, adornar-te-ia com beijos e carícias. De um arco-íris far-te-ia ouvir canções, transportar-te-ia para um céu de outras esferas. Se tu me quisesses... porque, se tu me quisesses, mesmo que só por um momento, toda essa flama de paixão explodiria, arrebatando-nos a um sentir de puro êxtase. E ao passar desse furor, na calmaria, já não mais querer-me-ias tão somente por instantes, porque o mesclar-se de um amor imperaria, não somente por um dia, mas por toda a eternidade. Roberta Helena Suzigan Adamson é licenciada em Letras, professora de Inglês e Português. Membro do Espaço Literário "Nelly Rocha Galassi e participou de algumas antologias poéticas.

A perplexidade atropela meus pensamentos E me impede de sonhar... A voz da mídia ecoa em meus ouvidos E me impede de acreditar... Minha vista mira cenas mirabolantes E me impede de esperar... Tudo me parece sinais nebulosos De um mundo prestes a desabar. A tecnologia, os conhecimentos avançados, A conquista nos espaços, o alcance da informática, Os progressos da medicina, da genética, Profetizavam um novo século de glórias, Que está custando a chegar... Campeia a maldade em variáveis formas, Com fúria, as calamidades destroem, matam, E o Homem, sem poder lutar.... As distâncias encurtaram, foram vencidas, Tudo se tornou muito próximo de nós, Vive-se como, a terra agora fosse Pequena e povoada, aldeia global. Enquanto isso, na vida globalizada, Os valores éticos são menosprezados, Onde heróis para pautar condutas? Onde pode a juventude se espelhar? Queria crer num mundo fraterno Em que imperasse a justiça e a paz. Houvesse respeito pela vida, solidariedade Será inútil esperar? Os fatos vão rolando, O que fazer para deter essa avalanche Para o bem superar todo esse mal? A perplexidade me tolhe, me atormenta E me impede de sonhar.... Maria Benedicta Lima Della Torre é presidente do Espaço Literário "Nelly Rocha Galassi". Autora dos livros: "O Homem e a Sociedade", "Janela Aberta" e "No Ritmo do Tempo". Participou de vários antologias e recebeu inúmeros prêmios literários.


João Rodella, Maria Cecília Dei Santi e Jota de Oliveira Marilena Berggren Comelato

Sílvio Santos Basso

Antonio Roberto Fava Carmen Sílvia Martins, Kátya Cristina Forti e Therezinha Rocha Poles

João Rodella em noite de autógrafos

Raimundo Soares de Barros, Catharina Fortunato de Barros e convidados em noite de autógrafos do livro "Contos Condimentados" de João Rodella, na chácara da família Comelato.


EVENTOS

Solenidade de posse de Marina Becker na Academia Campinense de Letras 16 de setembto de 2005

Palestra proferida pelo professor Severino Moreira Barbosa, em 10/09/2005 no Núcleo Integrado do Desenvolvimento do Ser - NIDS.

Maria Benedita Lima Della Torre, Fanny Olivieri, Maria Luiza Bruno Faraone, Marina Becker, Maria Cecília Dei Santi e Carla Lampugnani de Oliveira.

Jota de Oliveira no "Arraiá dos Letrados" - 2005

Katya Cristina Forti e Maria Jacy Furini Passuelo

Nelly Rocha Galassi, Sonia Barros, Maria Benedicta Lima Della Torre e João Rodella


- Ei, Astoufo, quanto tempo, heim? - Pois é, Sinésio, muito tempo. - Viu, bom saber que mora aqui. Você conhece a Arlete? - Arlete? Sei, aquela do 31? - É, ela mesma. - Se conheço... Fiquei sabendo de umas coisas dela que deixariam o bigode do padre arrepiado só de imaginar. - Mas que coisas são essas, Astoufo? - Sinésio, sabe que não sou de fofocas e que não gosto de falar de quem não está presente pra se defender, mas... Ela nhanha nhanhanhanha....etc. - Verdade? Olôco! Não acredito! Ela também? Dois? Nunca pensei... Tudo isso? Não pode ser verdade... - Juro. Mas, Sinésio, por que me perguntou se eu a conhecia? Comecei a falar e nem me dei conta de que quase fui fofoqueiro. Deus me livre, sorte que parei a tempo. Sabe que não gosto disso... - Por nada, não... - Como nada, se perguntou é porque esperava algo. - Esquece, já foi. - Não esqueço nada, fale, você a conhece? É sua parenta? O que quer saber? - Já disse pra esquecer essa história, Astoufo... Desencana. - Então tá. E ai, tô vendo aí uma aliança de casado... Quem é ela? Quando se casou? - Ah, é uma mulher aí... - Como uma mulher aí. Sua esposa é uma mulher aí? Ela não tem nome? - Tem, claro que tem... - E qual é? - É... É... e você, casou? - Sim, me casei, mas qual o nome dela? - É... então... viu o PT? Quem poderia imaginar... - Fala, rapaz, tá com um milho na goela? - Cof... Cof... acho que é isso, um milho. - Se casou com quem? - ...Aeét... cof-cof - Com quem? Não ouvi! - ....Aeét. - Não entendi! Fala pela boca! - Arlete, porra! É a Arlete! - O nome da minha ex-esposa é Arlete... Ricardo Mardegam é psicólogo. Escreve contos, crônicas, poesias e textos técnicos. Publicou os livros "Alfabeto"

Fechei com desatino o livro que lia senti extinguir-se meu mundo num desânimo desenfeitando a vida e o que eu era. Meus infortúnios tirei da estante da memória, num gesto glacial de indiferenças. Meus ombros, depois de tantos dias mal vividos, curvaram-se num cansaço existencial. Me engolem as sombras da noite... Interminável! Esta ferida aberta não encontra lenitivo. O Poema agoniza. Debruçada em amarguras, sinto extinguir-se o perfume, multiplicam-se as nuvens da dor-doída-loucura onde o jogo de palavras nada esconde neste poema. Decretei o abandono! Devolvi as carícias que não tive, Perco-me em dias sem amanhãs. A tristeza devolveu-me ao nada. Bêne Barichelo, é poetisa integrante do Espaço Literário "Nelly Rocha Galassi". Participou de várias antologias e consursos literários.


As nuvens pesadas passam por trás do prédio e despejam a sua água do outro lado da cidade. O vento traz a umidade, que se gruda nas lentes dos óculos e penetra nos cabelos. Da janela, olhando o movimento dos carros, recebe no rosto o sopro da manhã. Pela malha da camisa, o frio atravessa a área de calor do corpo, aumentando a sensação de que estava exposto. Melhor fechar o vidro, pensa. Mas logo vê que o que quer de fato é estar ali, olhando para fora, sob o desconforto da manhã de quase inverno. O céu escuro, mais do que seria de esperar naquela hora, parece adequado. Também ele passou a noite em solidão e demora ainda a poder entender o que acontecera. É uma história de beleza. Mas uma história na qual o sofrimento foi colocando as suas cracas, como o mar se apega ao fundo dos navios de longo curso. Sim, uma nave de carne e de sangue, atravessando, guiada por estrelas frágeis, um oceano incompreensível. Havia meses que navegavam. Dois barcos na mesma condição, à distância reconhecendo-se pelos ecos, sinais de lanternas e, quando o dia era bom, bandeiras hasteadas. Não há modernidade nesse mundo sombrio, no qual ainda os velhos medos campeiam nos rochedos. Nem há destino certo, nenhuma ilha de retorno, onde um palácio abrigue um leito sempre à espera. A navegação é precária, os monstros vigiam todas as entradas. Os navegantes, pendurados nos lábios do acaso, tentam escutar a palavra mágica, que lhes diga “por aqui”. Mas mesmo nesse caso haverá ainda de contar com o vento e com as correntes do mar, que nunca são as mesmas ao longo do trajeto. Por isso o erguer simples das bandeiras, numa manhã de sol, diferente dessa em que ele, do lado de fora do sonho, se debruça na janela, por isso o poder ver as bandeiras é já uma alegria. Mesmo sem divisar os traços de quem as maneja, e as ergue alto, agita, desce pela esquerda até formar um ângulo reto com a da direita, erguida. Mesmo sem perceber a mão que, na haste, as movimenta com firmeza e elegância. Nessa história, pensa, o seu barco tinha feito todos os ensaios, ainda no estaleiro. O leme firme, os remos preparados, alinhados ao longo do casco. As bandeiras todas nas caixas, divididas por cores e sinais. O cordame pronto. As velas enceradas e cortadas no desenho necessário. Depois, no mar escuro, durante longo tempo navegou como se o destino fosse conhecido. As aves marinhas pousavam nos mastros, o sol brilhava nas traves úmidas, e o vento, inflando as velas, produzia o ruído claro do movimento

Todas as voltas, todas as manobras, contempladas pelos deuses debruçados nas beiradas do céu antigo, poderiam ter sido elogiadas. A perícia, a confiança no destino, a força com que as mãos se revezavam ao recolher a âncora ou ao estender um cabo que soltara. Mas os deuses vêem mais e à distância. Vêem o outro barco que se aproxima, ouvem os gritos ansiosos de reconhecimento, apreciam o movimento cego das bandeiras envoltas na cerração da madrugada. Percebem que os caminhos não são o que parecem ser, visto de cada ponte de navio. Os deuses não choram. Apenas riem da queda, do naufrágio, e depois voltam à sua vida eterna, para a qual o amor de um homem e de uma mulher é apenas um ponto numa trama que cobre a extensão do tempo. Por isso, apenas alguns deles, quando o naufrágio se torna inevitável, consideram com a pena e simpatia a cena que se arma. Uma ilha aberta sob o sol no horizonte do mar. Os barcos, com as bandeiras erguidas, a toda a vela. Os capitães nas pontes, com o olhar oscilando do objetivo para a companhia que desliza ao lado, cortando a água e formando os longos rastros turbulentos que, depois de os navios já se afastarem, se buscam sobre a superfície polida, amorosamente dissolvidos em espuma branca. E então, naquela corrida, a pedra insuspeitada, o rochedo submerso rasgando o casco confiante. Do barco que resta, incapaz de deter o curso já traçado, o capitão apenas vira os olhos e contempla, entre mortificado e cheio de ódio pela fatalidade que também cai sobre ele, o naufrágio rápido. As flâmulas do tope, rompida a frágil casca de ar que as sustentava, já se afundam. A água, recomposta, não guarda, em breve, sinal daquele impulso que a cortava, da força de busca que traçava um caminho de desejo, brilhante de dia, luminoso à noite, na ardentia. Os deuses em breve esquecem, pois a memória é um atributo pouco digno para quem dispõe da eternidade. Mas aquele homem, debruçado na janela, bebendo com o corpo o frio da chuva e com os olhos o cinzento de uma manhã sem razão e sem destino, esse não esquece. As imagens brilhantes do curso dourado dos navios são sempre, para ele, também imagens da pedra sob o casco, do terror pressentido, da angústia da morte sufocada. Ele fica ali, e ficará, ainda, por muito tempo. À janela, sob um céu de chuva. Para ele sempre os barcos estarão correndo sob a lua ou sob o sol, e ao mesmo tempo os capitães já se estarão olhando, mudos, com o olhar do pânico, do terror, da despedida.

Paulo Franchetti, professor de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL-Unicamp), é autor de O sangue dos dias transparentes.


Nascimento Capozzi que acabou de reler Romanceiro Gitano de Frederico Garcia Lorca, revela que escrever para ela é uma “necessidade intrínseca de minimizar a solidão e o sentimento de incompletude que acompanha a trajetória existencial, buscando a interlocução com o meu próximo por meio da palavra”. Diz apreciar a dicotomia de estar protegida pela palavra escrita enquanto se expõe nas composições literárias “e me espelho no outro, o leitor”.

O escritor Ignácio de Loyola Brandão (Depois do sol e O anjo do adeus), diz que escreve por amor aos outros. “Se você não tiver essa solidariedade, é bobagem escrever”, diz. Orígenes Lessa (O feijão e o Sonho, Rua do sol e A noite sem homem), costumava dizer que “é melhor morrer de fome e só escrever o que vem de dentro, chamado pela vida”. Já o italiano Alberto Moravia, autor do clássico A romana, conta que começou a escrever quase que por acaso: internado num hospital ainda garoto para tratamento de uma tuberculose óssea, começou a bolar histórias para passar o tempo e espantar a solidão. Ler e escrever. Escrever e ler. O que pode vir antes? Nem uma coisa nem outra. Ambas devem, se possível, caminhar juntas. Por solidão, necessidade, diletantismo, inconformismo diante de questões que afligem o país, como exercício para compor uma obra mais consistente, ou simplesmente porque gostam de escrever, a Espaço Literário ouviu alguns dos escritores da cidade. É curioso observar que encontrou de tudo um pouco. Por exemplo, para a poetisa e contista Therezinha Rocha Poles, “escrever é como montar um quebra-cabeça em que as palavras são peças a serem colocadas em lugares exatos. Uma peça mal colocada quebra a harmonia da imagem”. Para Heloisa Cecília Pavan, embora afirme que escreve como amadora, diz que raramente produz um texto e quando o faz não é “para fugir da solidão”. Explica que "o texto poético surge para registrar questionamentos, experiências e sentimentos". Já o cronista João Rodella, autor de Contos condimentados, de maneira extremamente parcimoniosa, explica porque escreve: “Por prazer, por passatempo ou como exercício de aprimoramento e aprendizado; porque gosto, para transmitir uma mensagem, como é o caso da crônica”, gênero no qual é um expert. Quanto ao gênero que prefere ler, João diz fica com os contos, as crônicas, o romance e a poesia, “de preferência que tenham qualidade independente do gênero”. Ou seja, tudo. Apaixonada por dicionários, Maria Lucia

Impressões - Therezinha conta que lê todos os gêneros, do policial ao clássico, do romântico ao filosófico, “dependendo do momento e do humor”. E admite que ultimamente tem andado mais seletiva quanto ao autor. Confessa que tem o hábito de ler todos os dias, desde que fora batizada. “No mínimo, jornais e revistas”. Dependendo da espessura do livro e do tempo que dispõe lê em média dois livros por mês. No momento lê Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, do moçambicano Mia Couto, Prêmio Vergílio Ferreira de 1999. Diletantismo? Escrever para ocupar do tempo ocioso? Nada disso. Pelo menos para Regina Lúcia Gonçalves, que diz escrever “para expressar e compartilhar as impressões da leitura que faço do mundo. Dialogar com a vida e comunicar o vivido”. Revela que gosta de contos, crônicas, ensaios e poemas, mas que aprecia também obras ligadas à profissão (ela é arquiteta), “de preferência os escritos de conteúdo poético e filosófico”. Enquanto João Rodella lia A sócia do casamento, de Carson McCullers e O Enterro da Cafetina, de Marcos Rey, e Sagarana, de Guimarães Rosa, de ficção, Regina estava envolvida com três ensaios: A poética do espaço, de Gaston Bachelard; Racionalismo cristão e ciência experimental, de Glaci Ribeiro da Silva, e Estética da ginga A arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica, de Paola Bernstein Jacques. Confessa apreciar o escritor Rubem Alves, de quem leu O amor que acende a lua, e paralelamente O Aleph, de contos, do argentino Jorge Luis Borges. “Gostar de escrever?”, pergunta Heloisa. “Acho que saber escrever é uma dádiva. Não creio ter esse dom. Posso aprender a escrever, posso até desenvolver algumas técnicas que me auxiliem na produção de textos, mas um bom texto flui naturalmente nas pessoas que nasceram com essa qualidade”. Helô explica que escreve de forma amadora. “Sem pretensões, vou colecionando meus pensamentos, colecionando aprendizados. É evidente que gostaria de ter mais tempo para me ocupar desse prazer de ler e aprender a escrever”, revela. Se para Helô a obra predileta é Livro do desassossego, de Fernando Pessoa, e o mais marcante O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, para João Rodella o livro predileto é “o emprestado por amigos. Se jornalista, melhor. Se precedido de um bom papo, melhor ainda”.


Saio à janela e olho pra rua. Desatento e sem interesse, observo o nada que acontece nos quintais e varandas das casas vizinhas. Envolvido pelo silêncio da madrugada, quebrado apenas pelo apito do guarda ou pelo latido de um cão solitário, desvio os meus olhos para o alto e contemplo o céu desenhado com minúsculos pontinhos luminosos. Há muito eu não olho para o céu; quanta beleza e mistério há entre essas duas dimensões, não? Assim, sem mais nem menos, descubro-me refletindo. Penso em coisas, pessoas e fatos que de alguma maneira fizeram parte da minha história. Por exemplo: vejo-me outra vez, pouco mais que um bebê, no colo de minha mãe. E noto como é macio e gostoso o colo de minha mãe. Posso sentir o cheiro meigo e suave do seu corpo jovem. Sinto o som delicado de sua voz entrando pelos meus ouvidos como se fosse música. Que falta me faz não ouvi-la mais me contar as histórias de Andersen, dos Irmãos Grimm e de Charles Perrot, que povoaram o meu imaginário infantil. “Você era tão bonita, mãe! Que saudade!” Fecho os olhos e percebo meu pai que chega da rua carregado de pacotes. Dentro, uma porção de coisas gostosas. Posso sentir a pressão delicada de seus dedos na minha cabeça desarrumando os meus cabelos. Beija-me, e sua barba espetame o rosto. Aos poucos, meu coração é tomado por uma curiosa sensação: mistura de saudade, melancolia, dor e uma inexprimível e ingênua ansiedade. E meus pensamentos viajam livres e vão encontrar, lá longe, o meu amigo Valdecy. Por onde anda agora o Valdecy que não tinha nem pai e nem mãe , meu amigo dos tempos de colégio? Garoto pobre, que ia à escola descalço, usando uma camisa curta e apertadinha, era dono de um imenso sorriso que parecia ter luz própria. Sempre de bom humor, apenas uma vez o vi aborrecido. Tento, mas não consigo, agora, reconstituir a conversa que tivemos. O tempo tornou isso impossível. Na minha lembrança restam apenas a imagem da fisionomia e do som infantil e doce de sua risada. Como eu gostaria de saber por onde anda e o quê foi feito de Robertino, mulatinho, órfão de pai, filho de evangélicos, com quem travei longas partidas de bolinha de gude e mantive uma amizade que tinha tudo para ser eterna. Era um garoto magrinho, sério, rosto fino e cabelo curtinho. Um dia, algo inédito na vida de Robertino encontro-o na porta do Cine Boa Vista. Conta-me que a mãe morrera e que vivia com a irmã solteira na casa onde moravam. Depois, nunca mais tive a alegria de rever o Robertino. Meu pensamento voa lento e me transporta para a rua onde eu morava, em Rio Preto. Aí vejo o Zé Gordinho, a Leonice, o Leonardo (seu irmão), a Diva (que foi namorada do Zé Carlos, meu irmão), o Celsinho, o Jorginho, que um dia, não se sabe a razão, ficou pinel. Recordo-me do Gonçalo, meu

chefe no Supermercado Serv-Lev, com quem aprendi sobre a importância da amizade e do sorriso. E o Adilberto Aparecido Luz, menino inteligente, que trabalhava comigo. Como eu o admirava! Um domingo, fim de piquenique, no Clube de Campo do Palestra, na hora de voltar pra casa, deram pela falta de Adilberto. Escureceu. Chamaram o Corpo de Bombeiro, que encontraram seu corpo só na manhã do dia seguinte, sob a prancha de esqui aquático. Que falta me faz a conversa franca, sincera do meu amigo Frei Arcângelo. Foi com ele que aprendi a rezar e a descobrir o poder mágico da oração, da reflexão, da serenidade e de se ser sincero. Frei Arcângelo ensinou-me também algumas orações em latim, rezadas durante a missa. Por exemplo: o Confiteor e o Kyrie Eleison, que eram respondidas em coro pelos fiéis, e tantas outras que o tempo encarregou-se de apagá-las da minha memória. Um dia, já bem velhinho, Deus o chamou para perto de Si. Como me esquecer de Vera Lúcia, que despertou em mim o sentimento do amor, do Thomas, que um dia se envolveu com uma prostitutazinha da Vila Esplanada e teve que correr dez quarteirões para fugir do sujeito que se dizia amante dela, do Zé Boquinha, o Poeta da zona, que nos bares da redondeza declamava Drummond, Borges, William Blake, Paulo Mendes Campos, Pessoa, Lorca e Verlaine? Por onde andam o Darciley, o Moacir Manfrin, o Enjolras, meu professor de inglês, que um dia, pelo fato de falar inglês, foi preso como subversivo simplesmente porque o sistema considerou-o perigoso pra nação? E o professor Felipe, que apesar do talento e a habilidade de ensinar matemática, não conseguiu fazer-me gostar da matéria? Hum! Recordo-me da Sônia, de história, que tinha seios enormes e uma boca tão bonita que mexia com a libido dos garotos durante os 90 minutos de aula. Foi naquele fim de ano da escola que, pela primeira (e última) vez, dancei com Ana Maria. Era do tipo enjoada, nariz empinado, mas naquela noite estava simplesmente encantadora. Disse que eu era diferente dos outros garotos. Perguntei porquê. Não sei o quê me respondeu. Só sei que eu havia ficado feliz. Era bonita a Ana Maria. Morena, tinha os olhos verdes e a pele cor de bronze. Tinha pernas bem torneadas, corpo elegante e sensual. Seus seios eram pequenos. Bonita demais, eu compreendo, para ser uma garota digamos acessível. Bem, dançamos a noite inteira. Nos vimos mais uma ou duas vezes no pátio do colégio. Depois as aulas terminaram. Durante muito tempo ainda pensei em Ana Maria. Troquei de cidade e nunca mais a vi. Agora aqui, debruçado na janela, me desperto desses pensamentos. Meus olhos ardem. Estão molhados. Preciso dormir. Fico com a sensação de que o tempo passando é só a impressão que temos da lentidão do que é ruim e da rapidez do que é definitivamente bom..

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O homem cria, recria e cria a si mesmo por meio da palavra e faz do verbo a poesia. A palavra é o símbolo mais puro da manifestação humana, expressão do pensamento. Não existe sociedade humana sem palavra. Ela dá sentido à vida, ao mundo e faz parte da origem e do destino humano. As palavras me instigam, inspiram e encantam. Muitos caminhos percorri e continuo a percorrer, seduzida por eles, que me conduziram aos poemas na adolescência. Encaminharam-me às publicações nas Antologias Poéticas e no livro AtaraImpressões de um andarilho, e me orientaram na monografia Arte de escrever: Linguagem poética e aprendizagem criativa, para especialização em Psicopedagogia. As palavras me guiaram também para a arte, na confecção dos Mandalas, resultado de um desejo de utilizar os poemas fora (além) do livro, num suporte diferente. Em minha profissão, a arquitetura, convivo com formas, cores e representações gráficas. A linguagem visual é uma constante. A maneira que encontrei para dialogar com as duas linguagens visual e escrita foi a arte.

A poesia está além dos livros. Ela está nas coisas, nos corpos, no vivido, no sonhado, nas relações, nas lembranças. Ela é parte de nós, do universo que habitamos.

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E por que os Mandalas? Eles são diagramas (representações gráficas) compostos de círculos e quadrados concêntricos, representação da imagem do mundo. São muito utilizados na arquitetura universal em vitrais, ladrilhos, cúpulas e outros elementos construtivos, além de serem encontrados em abundância na natureza. Nas formas e elementos do reino animal e vegetal, nos astros, estrelas e planetas. São também utilizados em culturas milenares como instrumento que serve à meditação e reconhecidos como a projeção geométrica do mundo. Esses diagramas tornaram-se objeto de estudo para mim. São tão fascinantes que me inspiraram a utilizálos como suporte para os meus poemas. A poesia está além dos livros. Ela está nas coisas, nos corpos, no vivido, no sonhado, nas relações, nas lembranças. Ela é parte de nós, do universo que habitamos. Por isso resolvi criar objetos-linguagem reunindo mandalas e poemas. Acredito na energia contida na poesia intermediando um diálogo criativo entre a arquitetura e a arte ao projetar imagens e materializar idéias. Utilizo símbolos e grafismos de culturas distintas (afro-orientais e indígenas) que se relacionam com palavras, num traçado de formas, cores e objetos garimpados no meu caminho pela vida. Elementos que resultam em combinações harmoniosas como objetivo de instigar sensações diversas de sensibilidades e emoção. Segundo Vinicius de Moraes, “A vida do poeta tem ritmo diferente. Ela o conduz errante pelos caminhos, pisando a terra e olhando o céu. Preso eternamente pelos extremos intangíveis”.

Regina Lúcia de Gouvea Santos Gonçalves é Arquiteta, Decoradora, Designer, Curadora de Arte, Ecologista e autora do livro "Atara: impressões de um andarilho". Pertence ao Espaço Literário "Nelly Rocha Galassi" e participou de várias antologias.

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Errava pelo mundo há já três séculos. Por uma demoníaca magia fora condenado a não morrer senão depois de haver pago todos os castigos que lhe foram impostos pela Morte, através de um pacto pelo qual sobreviveria a todos os males mortais, em troca de uma longevidade ilimitada, que o faria provar que a vida era mais agradável do que a morte. Novo Ahasverus, caminhava pelo mundo, sem rumo, sem companhia e sem repouso. Seu tempo já havia passado. Agora era tão estranho como um alienígena. Ninguém mais o conhecia e já não conhecia mais ninguém, porque todos os do seu tempo já haviam morrido. Não tinha ascendência nem descendência; não tinha raiz nem semente. Era só no mundo. Tendo desafiado a Morte, condenara-se à solidão. Não tendo mais amores nem amizades, vivia da caridade dos que lhe eram desconhecidos. Seus pensamentos não se coadunavam com os pensamentos dos homens do novo tempo no qual penetrara indevida e clandestinamente. Sem parentes nem amigos, não tinha a quem procurar nem um lugar ao qual pudesse voltar. Seu destino era caminhar sem ter aonde chegar. Já não tinha lembranças e não era lembrado por ninguém. Sabia agora, mais do que nunca, que a memória dos homens é curta. Amava tanto a vida, que chegara a maldizer a morte. Hoje maldizia a morte que o havia esquecido na vida.

Em vão procurava um pouso; inutilmente buscava um ombro amigo onde pudesse repousar sua cabeça; sem sucesso, corria atrás de alguém com quem pudesse desabafar a sua mágoa de condenado à vida. Nenhum ouvido estava disposto a escutá-lo, nenhum par de olhos tinha a generosidade de lhe dirigir um olhar, mão alguma se dispunha a oferecer-lhe amparo. Vivia no mais completo abandono e agora amaldiçoava a vida que o retinha indefinidamente. Queria morrer e não podia. Tornara-se imortal. As coisas do tempo que vivia não lhe diziam respeito, por isso não o encantavam, como também não pertencia a esse tempo. Passava despercebido por uma geração que não era a sua e à qual era um estranho. Agora se autoflagelava, pedindo socorro à Morte, que antes abominava, porque compreendia, finalmente, que o homem tem o seu tempo para viver, ao lado de seus contemporâneos, compartilhando suas alegrias e tristezas, sucessos e decepções, sonhos e desenganos, amores e preocupações. Reconhecia, enfim, que a vida sem a morte é insuportável.

Nos trilhos, o brilho do caminho. No caminho, sozinha, em caminhada. Segue contente, mas vai sozinho. Procura alguém, mas não há ninguém. Segue na caminhada e na mesma estrada alegre continua, com passos lentos. Vai. Quer encontrar, vai prosseguir a procurar sua amada tão sonhada; e no brilho dos trilhos segue o mesmo caminho, na esperança incansável de encontrar seu sonho tão sonhado. E prossegue, acompanhando os trilhos da longa estrada, a devanear com a mulher amada. Retas e curvas e a caminhada prossegue. Já em lentos passos, quase em delírio, ao longe vê a

mulher amada. Sorri alegre e se pergunta: será um sonho? Ou meu sonhado sonho está realizado? Sempre vale a pena sonhar, e com os pés no chão persistir sempre. E assim, seu sonho foi realizado.

António Zoppi foi jornalista, co-fundador do jornal "O Liberal". Sócio-honorário do Espaço Literário "Nelly Rocha Galassi". Participou de antologias literárias e publicou vários livros de poesias. Faleceu em 20/08/2000.

Lázara Josepha Wonrath publicou grande parte de suas poesias e crônicas pela imprensa da cidade de Americana. Participou de várias coletâneas literárias, é integrante do grupo Espaço Literário "Nelly Rocha Galassi".


Óleo sobre tela - Guilherme Mantovani

Era comum, todo fim de tarde, vê-lo na praça, quieto, olhar parado, perdido num ponto qualquer do céu ou do chão. Com binóculo, eu enxergava seu semblante triste, patético. Um dia, mais condoído e curioso que nunca, desci do prédio. Aproximei-me. Puxei conversa. Disse chamarse Giovani. Parecia bem envelhecido. Com o tempo ficamos quase íntimos. Contou-me, de sua vida, o que poderia contar. E conforme o fazia, mexendo o pescoço pra lá e pra cá, as suas muitas rugas pareciam mudar de posição, como dunas sopradas pelo vento. Um dia contou-me as razões de suas dores. Aos sessenta e seis anos, descobriu uma flor em botão que desabrochava cheia de vigor e exalava, do coração, perfume pelo corpo e pela alma que o inebriava. Pensava nela sem cessar. Desejava ouvir a sua voz doce, alisar os seus cabelos negros, acariciar-lhe o rosto bonito, caminhar de mãos dadas ao redor do lago, abraçá-la, beijá-la. Enfim, desejava renascer. Analisava a situação. O seu corpo sabia da diferença de idade. A mente também. Somente a sua alma, vazia de emoções e cheia de solidão, ignorava-a. Como também o seu coração carente. Viam-se de modo esporádico, porque ela residia

descortina o palco das representações em cada máscara um ser irreal realizado encoberta e nua delira entre sonho e realidade mas só o aroma denuncia sua própria identidade

numa outra cidade. E a cada encontro, um oásis penetravao. Depois... Bem, depois, as dores da solidão aumentavam, porque o que poderia ser, não era. Quase decidiu declararse. Então lhe sobreveio a doença, que lhe mostrava, sem compaixão, sem dó, que suas asas haviam ficado curtas para o vôo mais ousado rumo à felicidade que há tanto esperava. Seria impossível cultivar a flor que perfumaria a sua velhice. Quanto a ele, cheio de artroses, reumatismo e aquela doença, só lhe restava o sofrimento. Vinha à praça para distrair-se. Se permanecesse no apartamento, a solidão ocuparia também todos os minutos do dia, da noite, sufocando-o de maneira impiedosa e despótica. Desabafando, soltou um suspiro profundo e dolorido, levantou-se e partiu. De seus olhos, brotavam lágrimas. E cada uma que caía, marcava os passos trôpegos de seu destino. Se fossem possíveis lágrimas de sangue, marcariam de dores o deserto de seu coração. Sua imagem dói-me até hoje, como se carregasse toda tristeza de todos aqueles que não podem concretizar o amor, nem receber no rosto e no coração uma leve aragem em forma de carinho, de afeto. Nem que fosse fugaz quanto o pensamento. Não sei em que bairro morava. Desde a sua partida, comecei a ler o obituário do jornal. Um dia encontrei um Giovani. Tinha setenta anos. Seria o velho da praça? Nunca vou ter certeza. Embora eu o encontrasse por ali com certa freqüência, a impressão que tenho é que morrera há mais tempo.

deste lado o outro lado enxerga o espelho do outro que se vê do outro lado neste lado observa, o espelho que esconde você

João Rodella, é professor aposentado. Escreve crônicas, contos e poesias. Publicou quatro livros e participou de várias antologias literárias. É membro do Espaço Literário "Nelly Rocha Galassi" e colaborador do jornal "O Liberal".

existem dentro de mim figuras exacerbadas algumas reais e outras imaginadas mas nenhuma sabe de nada


O telefone tocou e, ao atendê-lo, passei a ouvir uma singela declaração de amor que começava com a clássica frase em inglês: “I love you.” Chegada, porém, a terceira ou quarta frase a pessoa do outro lado da linha percebeu que tinha discado o número errado, pediu mil desculpas e desligou. Sempre me irrito com o senhor “desculpe, foi engano” que costuma ligar nas horas mais inconvenientes, porém, dessa vez achei graça naquele amante atrapalhado, com voz melosa, fazendo uma declaração de amor para a pessoa errada, insinuando-se cheio de malícia a alguém com idade para ser, talvez, sua avó e que em nada se assemelhava a sua jovem e encantadora amada. Lamentei que ele tivesse desligado, pois confesso, fiquei curiosa para ouvir o resto da declaração, embora ela não me pertencesse. Permaneci segurando o fone desligado e mudo, divagando, tentando recompor as palavras que não escutei. Teriam elas saído de um daqueles textos préfabricados, encadernados feito livro e destinados a amantes destituídos de capacidade para falar por si

próprios? Talvez cheios de cacófatos e frases caóticas, como por exemplo: “Meu coração por ti gela, meus afetos por ti são”. Ou então: “Por ti eu me rompo todo” Não! O rapaz me pareceu educado, mais para intelectual. Seria assim: “Amor da minha vida, quero têla em meus braços, sentir o perfume de seus cabelos, tocar sua pele macia. Anseio avidamente por seus carinhos, por seus beijos e mal posso esperar pelo prometido momento de estarmos juntos. Aquele momento só nosso, de mais ninguém”. Depois seguiriam-se aquelas palavras adocicadas, que fazem parte do vocabulário dos apaixonados, tão boas de ouvir, que mesmo sabidamente falsas e irreais, ou até ridículas, levantam o astral, enchem de júbilo o coração e revigoram a alma. Palavras mágicas e preciosas que o amor põe na boca dos amantes e que, lamentavelmente, o tempo se encarrega de retirar. Continuei, por algum tempo, deleitando-me com as idéias que povoavam minha mente, encantada com aquela imaginária declaração de amor que tornaria feliz qualquer pessoa. O telefone tocou novamente e o susto expulsou o devaneio com a brutalidade de policiais irritados. Do outro lado da linha, alguém reclamava alguma coisa que eu me esquecera de fazer. Era a realidade da vida impondo sua presença, exigindo seu espaço, avisando que o tempo concedido ao sonho havia terminado e que, agora, era sua vez.

Exclusividade em Americana e região. Quadra coberta com piso de Saibro. Aluguel de horário. Treinamento infantil, juvenil e adulto.


Matadouro 5 ou A cruzada das crianças, obra-prima de Kurt Vonnegut, o livro conta a enlouquecida, fantasiosa, sarcástica, irônica e triste história de Billy Pilgrin, americano médio e interiorano que passa a se deslocar no tempo e faz uma revisão da própria vida. O ponto crucial da existência de Billy é o episódio em que ele lutando na Segunda Guerra é feito prisioneiro e vivencia o bombardeio da cidade alemã de Dresden, em que morreram 135 mil pessoas o dobro de mortes resultantes da bomba de Hiroshima. Embora Matadouro 5 seja considerado um dos principais romances norte-americanos antiguerra, nele Vonnegut oferece muito mais que um libelo pacifista. Trata-se de crítica social da mais criativa, da expressão de uma visão de mundo ingênua e desencantada ao mesmo tempo. A mãe, de Máximo Gorki. Livro com o qual o autor russo imortalizou-se. Um dos textos mais bem escritos e comoventes da literatura russa. A obra, centrada na personagem central, mãe de um operário, narra a revolução proletária e de uma nova era para o país, lançando, através de sua dolorosa narrativa, as idéias que pregava e que a massa entendia e esperava com ansiedade. O Mãe de Gorki, mais evocativo que épico, é um livro chocante, pela força que se revela contra a miséria e a escravidão do povo russo. É a inteligência e a arte despojadas para a defesa de um ideal proletário. Se ignorarmos o período em que transcorrem as lutas armadas narradas no livro, teríamos a nítida sensação de um acontecimento similar recente no Brasil a partir de 1968, tamanha é a atualidade da obra. A morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói. Provavelmente uma das mais dramáticas e profundas obras que se escreveram sobre o tema: a morte. Tolstói desenvolve uma narrativa com absoluta e impassível neutralidade quase hostil o que os vivos sentem pelos moribundos. É comovente

INTÉRPRETE Quero congratular-me com os operários das letras, construtores e mercadores de sonhos e intérpretes das adversidades. Que a Espaço da Palavra tenha vida longa no tempo para que muitos outros tenham a mesma oportunidade de gravar nela as suas impressões de mundo. Sinceramente. Luiz Sanajotti, Sapiente Discos VALOR CULTURAL Agradeço profundamente a revista Espaço da Palavra. Parabenizo o grupo por mais essa iniciativa que só realça o valor da cultura da cidade de Americana. Abraços, Manuela de Carvalho Vallone, editora de “O Corujinha”, da Associação dos Amigos do Jardim Glória, Granja Viana Cotia (SP).

observar a grandeza da figura de um jovem serviçal mujique, a única pessoa que, no meio da hipocrisia reinante, pode compreender a aflição e a solidão do seu senhor enfermo. Pode-se verificar que quase “todas” as obras de Tolstoi são densas de ação e de idéias, vazados num estilo que soma a riqueza verbal à simplicidade e ao encanto das formas populares. Há que se destacar o monumental Guerra e Paz, na qual mistura de epopéia, história e ficção, quando descreve a sociedade czarista. Desonra, de J.M. Coetzee. Prêmio Nobel de 2003, o livro, escrito com extrema fluidez, conta a vida do professor universitário David Lurie, de 52 anos, homem solitário e conformado com a vida. Intelectual de formação humanista, Lurie se choca com o ambiente politicamente correto da universidade em que leciona literatura e com o barbarismo da disputa pela terra no interior do país, onde vive sua filha única. Aborrecido com a vida de professor, Lurie torna-se um indivíduo execrado e se refugia na fazendola da filha. Com isso, toma contato com a realidade da África do Sul pósapartheid, país onde é “um risco possuir coisas: um carro, um par de sapatos, um maço de cigarros”. Memórias de um gigolô, de Marcos Rey. A Editora Record está relançando toda a produção literária do escritor paulistano Marcos Rey, autor do clássico Memórias de um gigolô e o Enterro da cafetina (o primeiro virou novela da Globo e depois adaptado para o cinema). Rey é também conhecido por ser autor de histórias infanto-juvenis da série Vaga-lume, da Editora Ática. Produziu aproximadamente 30 livros, entre eles Café na cama, O pêndulo da noite, Soy loco por ti América, A última corrida, Ópera de sabão, Esta noite ou nunca, A sensação de setembro e, entre outros, Malditos paulistas. (A.R.F.)

SCRIPTA MANENT Cumprimento a todos aqueles elaboraram a primeira edição da Espaço da Palavra. Há muito Americana ressentia de uma publicação como essa, voltada não apenas ao simples entretenimento e lazer, mas que pudesse também contribuir, se possível, para elevar o nível cultural da cidade. Belíssima capa, textos excelentes... E eu não sabia que a cidade possuía tantos bons poetas e cronistas. Verba volant, scripta manent (As palavras voam, os escritos ficam). A todos que produziram a Espaço da Palavra, o meu mais caloroso abraço, Glória de Oliveira Fava.

contatos@espacoliterario.com


Sua casa parece estar sempre em festa. Explico: é que nas reuniões na casa de dona Ditinha, após se discutir literatura e confecção de textos com os integrantes do Espaço Literário, o que nos espera é uma farta mesa de doces, quitutes e outras guloseimas regadas a suco, refrigerante e chocolate. Tudo com muito esmero e delicadeza. Excluindo as iguarias e os acepipes, o encontro quinzenal me faz lembrar das famosas reuniões na casa de Plínio Doyle, em Ipanema, os denominados sabadóyles. Só que lá não havia comes-e-bebes. Falava-se, às vezes de maneira acirrada, tão somente de literatura. Política então era um assunto expressamente proibido. Olhos vivos e brilhantes e um sorriso permanente no rosto, M.B.L. Della Torre, ou simplesmente Ditinha, como é conhecida no meio, tem uma energia para o trabalho que desbanca muita gente mais moça. Simplesmente incansável. Além de dona-de-casa, leciona, escreve e lê. E como lê! (E ainda tem tempo para ler o Estadão, Deus!) Autora de O homem e a sociedade, Janela aberta e No ritmo do tempo, Ditinha diz que “olhando os caminhos percorridos, da infância à maturidade, não sei precisar quando comecei a gostar de escrever. Creio na meninice, quando rabiscava versos de pés quebrados, e nos diários contava minhas traquinagens, ou cartas que escrevia para amigos e parentes. Como definir o início do gosto pela arte de escrever?”, pergunta Ditinha. Tudo, talvez, possa ser explicado pela interação herança e meio. “Devo ter herdado algum dom para isso”, diz. É que Ditinha nasceu em Casa Branca, cidade que, quando estudante, destacava-se pela cultura e pelo esporte. Então vejam: a escola que freqüentou formou um celeiro de professores, escritores e intelectuais. Ao entorno do estabelecimento, vida da cidade, com festas estudantis, teatros, concursos literários, serenatas e até uma academia de letras foi criada. A autora de Janela aberta explica que a família, mãe e tias eram professores e a ensinavam a escrever poesia, a ler, a escrever e a gostar dos livros de história. “Meu presente favorito eram os livros”, revela. E foi assim que leu e releu toda a coleção dos livros infantis de Monteiro Lobato. Tal era o seu amor e fascínio pelo

livro que chegou a decorar trechos do livro Saudade, de Thales de Andrade. Quando ainda cursava o ginásio e, mais tarde, o normal, orientada pelo professor de Português, Ditinha ficou encantada com os clássicos da literatura brasileira. Foi por essa época que conheceu Machado de Assis, José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, entre outros. “Foi aí que, com entusiasmo e o ardor da mocidade, escrevia poesias sentimentais, memorizava e declamava versos de Bilac, Guilherme de Almeida, Castro Alves e tantos outros”. Esses poetas eram, para a escritora, mais do que simples humanos. “Eram como se fossem de outra espécie, como se possuíssem um pouco da essência natural das divindades”, confessa. E Ditinha parece que até hoje segue à risca as dicas dos antigos professores: “primeiro escrevo o que me vem à mente. Depois trabalho na escolha das palavras e das frases, corrigindo as imperfeições, procurando dar unidade, coerência e beleza estética ao texto. Só então é que vou para o computador”, revela. Para escrever um determinado texto, Ditinha costuma combinar elementos reais com a criatividade. “Como ponto de partida, apego-me a fatos pitorescos, histórias de vida, sonhos, lembranças, acontecimentos e reflexões”. Muitas vezes recorre às suas vivências, leituras, sentimentos, temas que vai trabalhando buscando, pela imaginação, torná-los mais ricos e interessantes. “Autores consagrados costumam dizer que para escrever bem não basta a inspiração, que ajuda muito. Mas quando acompanhada de boa dose de transpiração, ou seja, trabalhar o texto, melhorando as frases, corrigindo até ficar do nosso gosto, o resultado é visivelmente melhor”, diz. Ditinha tem sempre um livro à mão. Sempre está lendo. No momento, por exemplo, Os trabalhadores do mar, de Victor Hugo. Diz que leu todos os livros de Dostoiévski, “que para mim, seguramente, é um dos maiores escritores que o mundo já teve. Sua obra Os irmãos Karamázovi é simplesmente marcante”. Na literatura brasileira menciona Grandes sertões: veredas, de Guimarães Rosa; Gabriela cravo e canela, de Jorge Amado; O sorriso do lagarto, de João Ubaldo Ribeiro, entre outros. Ditinha é de opinião de que tanto a literatura internacional quanto a brasileira possuem grandes autores, de variados estilos e gêneros para todos os gostos. Ela adianta que no momento não está trabalhando em nenhum novo livro. “Não sei se o farei. Se o fizesse gostaria de contar, em um romance, a história de uma professora do interior. Talvez um dia eu ainda o faça”, conclui. (A.R.F.)




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