Revista de Administração Municipal - RAM 300

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VERDADES DESCONFORTÁVEIS E CÓDIGOS DE OBRAS Lincoln Botelho da Cunha* Resumo: As dificuldades na organização da prestação de serviço público de licenciamento de obras e atividades econômicas caracterizam ambiente cotidianamente desconfortável no seio das administrações públicas municipais. Como não se tem claro que o conflito é próprio do sistema e se dá entre o interesse público e o particular nas questões ligadas ao controle urbanístico, inúmeras são as formas de negar o fato e não enfrentá-lo. Dentre elas, surge o Código de Obras e Edificações, que se nega a disciplinar os aspectos elementares das edificações. Na esteira do negacionismo, que se pode verificar em diversas áreas da vida cotidiana, surge o Código de Obras Negacionista. A melhoria do ambiente de licenciamento de obras será possível com investimento nas estruturas dos procedimentos (normas adjetivas) e não na supressão de dispositivos dos códigos (normas substantivas), que bem orientam a boa forma de edificar. Palavras-chave: Código de Obras; Licenciamento de Obras; Normas Adjetivas; Normas Substantivas.

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A escolha de negar a realidade como forma de escapar de uma verdade desconfortável, a recusa em aceitar uma realidade empiricamente verificável, a rejeição de conceitos básicos, incontestáveis e apoiados por consenso cientí�fico em favor de ideias tanto radicais quanto controversas caracterizam o negacionismo, fenômeno social bizarro com que vez por outra nos deparamos.

Escandaloso quando vemos negarem Auschwitz e as atrocidades do Holocausto, hilários os discursos terraplanistas negando a esfericidade do planeta, comprometidos quando amenizam o arbí�trio do regime de 64, graves e perigosos quando não enxergam as mudanças climáticas evidentes. Inúmeras são as “verdades desconfortáveis” e a sedução pelo “negacionismo” é um canto de sereia, cuja prudência nos obriga a verificar constantemente se estamos bem amarrados ao mastro como Ulisses! Mas, também negamos diante de situações desconfortáveis incômodas, nem sempre tão Revista de Administração Municipal - RAM 300

evidentes, às quais somos inclinados a um processo de naturalização que não nos ajuda no enfrentamento de problemas, pelo contrário, ficamos acomodados no desconforto geral. Vamos por aqui.

Nossas cidades não são os melhores cenários para o desenrolar da nossa vida cotidiana. As nossas cidades não são cenários apenas.

A seminal tese de Benevolo sobre a Cidade Pósliberal Recorrigida, em contraposição ao que se poderia considerar como a Cidade Moderna, expõe o caráter da cidade contemporânea como instrumento de controle e coerção em favor de grupos dominantes. O pano de fundo desse cenário é tão revolto quanto o mar de Ulisses e seus desafios tão grandes quanto.

* Lincoln Botelho da Cunha: Arquiteto e Urbanista. Bacharel em Direito. Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Geraldo Di Biase - UGB. Endereço eletrônico: lincolnloos@gmail.com

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