Plantas e Vida Breve História da Ciência Herbanária
Edição: Henrique Arnholdt
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A Ciência Herbanária: Um Breve Estudo As plantas são a forma mais antiga de medicina e têm o poder de suprir a força vital do organismo com as energias necessárias para restaurar e manter a saúde. Alimentam e curam os corpos de todas as criaturas vivas, além de suprir a terra de energias vitais através da absorção de radiações solares e outras influências cósmicas. Pelo milagre da fotossíntese, convertem a energia vital do sol em alimento para a vida na terra. Todas as formas de vida dependem das plantas para se alimentar e restabelecer a harmonia interior, integrando-se com a natureza exterior. Separadas dos ciclos da natureza com sua diversidade de formas vegetais, as pessoas que vivem em ambientes urbanos densamente populados podem esquecer sua interdependência inata com a até mesmo as plantas medicinais mais comuns, como o funcho, o dente-de-leão e a marcela, que consideram desdenhosamente como “mato”. Contudo, aqueles que vivem em ambientes rurais ou naturais, em íntima associação com os ciclos da
terra, mantêm um interesse e uma curiosidade instintivos sobre as plantas, provocados por suas estranhas formas, cores e perfumes intrigantes. Daí os diversos modos em que as usamos como alimento, vestuário, abrigo e medicamento, para citar apenas algumas de suas utilidades. Essa iterdependência humana com as plantas é responsável pelo vasto acúmulo de conhecimento empírico popular baseado em tentativa e erro e transmitido através de milênios pelas sociedades humanas. Desta antiga fonte de sabedoria primordial, a ciência e a arte do herbalismo continua a se renovar através das eras. Foi só recentemente que a farmacologia industrial passou a divergir do uso predominante das plantas para o das drogas sintetizadas quimicamente. A razão dominante para isso é econômica. Ainda assim, ¾ da população mundial ainda depende das plantas para seus medicamentos e as companhias farmacêuticas ocidentais usam-nas em cerca de ¼ de seus produtos.
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A Medicina Antes da História Estudos arqueológicos em Shanidar, no Iraque, demonstram que grupos humanos em existência há mais de 60 mil anos possuíam uma farmacopéia básica. Análises das oito espécies de pólens encontrados nos locais de sepultamento revelam que sete delas ainda são usadas comumente pela medicina popular no mundo inteiro. Incluíam o girassol, a malva, o tomilho, a efedra e o liríope. O Código de Hamurabi (1728-1686 AC) se refere ao uso de muitas plantas medicinais familiares, tais como o anis e a hortelã. Antes mesmo dessa data, ideogramas sumérios de 2500 AC descrevem várias plantas medicinais, inclusive a papoula, chama da de “planta da alegria”. É sabido que os assírios contavam com pelo menos 250 espécies
botânicas em sua farmacopéia. Na Mesopotâmia, cerca de 250 plantas são descritas, incluindo papoula, beladona, mandrágora, cânhamo, açafrão, tomilho, alho, cebola, anis, cássia, assa-fétida e mirra, ervas que continuam sendo usadas hoje. Diante de tão vasto panorama histórico, é impossível determinar com precisão quando a humanidade descobriu, pela primeira vez, o uso de uma planta específica como o tomilho para tratar a tosse e afecções dos brônquios, por exemplo. O que é de vital importância é que o valor medicinal de uma planta se baseia em seu uso continuado ao longo do tempo. Em nossa época, a ciência dá sua contribuição através do reexame da bioquímica das ervas, confirmando sua eficácia clínica para uma determinada condição.
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A Medicina Herbanária do Egito A medicina egípcia foi amplamente respeitada por todo o mundo mediterrâneo da antigüidade. Os registros escritos mais antigos de suas práticas se encontram no Papiro de Ebers, datado do Século XVI AC. Representa uma compilação de trabalhos anteriores e contém 877 receitas.Aqui se vê novamente quantas das plantas de uso corrente já eram então mencionadas, incluindo ópio, canabis, mirra, franquincenso, funcho, óleo de rícino, cássia, senna, tomilho, hena, zimbro, linhaça e aloé. Dentes de alho foram encontrados em tumbas egípcias, inclusive a de Tutancamon, e no templo subterrâneo dos touros em Saqqara. Heródoto afirma que os construtores das pirâmides consumiam vastas quantidades de alho e cebola para aumentar sua resistência. O alho era um importante agente curativo para os antigos egípcios, assim como o é para os Coptas modernos e outros povos mediterrâneos. Mais tarde, Plínio, o Romano, devotou um extenso capítulo para louvar as virtudes do alho. O alho cru era dado aos asmáticos e aos
que sofriam de outras afecções bronco-pulmonares. Dentes frescos de alho podem ser descascados, esmagados e macerados em partes iguais de água e vinagre. A infusão é usada em bochechos e gargarejos, ou tomada internamente para tratar afecções da garganta e dos dentes. Outra forma de utilizar-se o alho, tanto para a prevenção como para o tratamento é macerar vários dentes de alho esmagados em azeite de oliva. Pode ser usado como linimento externo ou tomado internamento para afecções dos brônquios e pulmões, inclusive a gripe. Além disso, o alho tem muitos outros usos quando aplicado interna ou externamente, para aliviar a dor, estimular a digestão e a libido, tratar a insônia e eliminar ou prevenir parasitas. Para neutralizar o forte odor que o alho deixa no hálito, pode se utilizar a salsa ou consumi-lo sob a forma de produtos desodorizados ou encapsulados disponíveis no mercado. Outras ervas utilizadas pelos egípcios incluem:
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Coriandro (C. Sativum): comumente usado pelos egípcios antigos e modernos como refrescante, estimulante, carminativo e digestivo. As sementes e a planta servem como tempero para prevenir e eliminar flatulência. Também é bebido como chá para o estômago e contra todos os tipos de afecções urinárias, inclusive a cistite. As folhas do coriandro são adicionadas a pratos muito picantes para moderar seus efeitos irritantes. O coriandro era uma das ervas oferecidas ao templo pelo faraó e suas sementes foram encontradas na tumba de Tutankamon e outros locais de sepultamento. Cominho (Cumin cyminum): erva umbelífera nativa do Egito. Suas sementes são consideradas estimulantes e carminativas. São usadas com coriandro e gengibre na confecção do curry. Além de sua utilização como condimento, tem muitos usos medicinais. O pó de cominho misturado com farinha de trigo e água pode ser aplicado
topicamente para aliviar dores artríticas. Uma colher de chá de cominho misturada com um pouco de mel pode ser ingerida com leite morno para acalmar a tosse. Cípero (C.esculentus): esta planta pertence a uma família que tem muitas espécies espalhadas pelo mundo. A mais famosa é o papiro, comumente usado como polpa para a fabricação de papel. Há diversas variedades que crescem como ervas silvestres na América do Norte. Uma espécie chinesa conhecida como “zhang fu”(C. rotundus) é utilizada como carminativo e regulador de hormônios na Medicina Tradicional Chinesa. Existe uma variedade de cípero na floresta peruana utilizada pelas mulheres indígenas como um contraceptivo natural. Essa propriedade é atribuída a um tipo de fungo que cresce na raiz da espécie amazônica e que teria propriedades oxitóxicas (abortivas) similares ao Ergot, o fungo que cresce na cevada.
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A Medicina Grega Pela exploração e conquista, as civilizações da antigüidade adotavam as habilidades e conhecimentos médicos dos povos conquistados. Quando Alexandre Magno conquistou o mundo conhecido de então – a Pérsia, o Egito e a Índia – seu objetivo era militar e econômico: a glória maior da Grécia. Mas todas as nações conquistadas trouxeram para o corpo da cultura helênica suas próprias tradições e costumes, inclusive seus conhecimentos médicos. Um ano antes de sua morte em 323 AC, Alexandre fundou a cidade de Alexandria. Foi ali que aconteceu a troca de conhecimentos entre todos os países do mundo antigo. Ptolomeu Soter, regente do Egito por quase 40 anos após a morte de Alexandre, fundou a imensa Biblioteca de Alexandria. Conta a lenda que qualquer forasteiro que chegasse à cidade com um trabalho não existente na Biblioteca era detido até que o texto fosse copiado e acrescentado à coleção. Uma das grandes tragédias intelectuais da humanidade foi a destruição da Biblioteca de Alexandria, que então acumulava todo o conhecimento do mundo antigo. O inventário farmacológico das três grandes civilizações da Mesopotâmia, Egito e Índia mostra similitudes tão notáveis que se torna óbvio ter havido uma troca contínua de descobertas e informações entre os profissionais.
A seguir, alguns exemplos representativos das centenas de ervas de uso comum na Índia, na Mesopotâmia, no Egito, na Grécia e em Roma: Óleo de rícino (Ricinus communis) – Embora a planta seja venenosa, seu óleo viscoso é utilizado como laxante e purgativo. Dosagem: 1 a 2 colheres de chá ao anoitecer. Funcho (Foeniculum vulgare) – Membro da família das umbelíferas, os talos são comidos enquanto as sementes são usadas como carminativo para o alívio de cólicas intestinais e gases. É benéfico ao fígado, auxiliando na regeneração de suas células. Ótimo flavorizante para fórmulas que contenham as ervas amargas usadas como colagogos para o fígado. Dose: 20 a 30 gotas do extrato líquido diluída numa xícara d’água. Linhaça (Linum usitatissimum) – Usado como emoliente, laxante, antitussígeno e peitoral. Aplicado externamente para queimaduras, escaldamentos, bolhas etc. Assa-fétida (Ferula assafoetida) – Goma extraída da resina das raízes, tem propriedades antiespasmódicas, expectorantes e carminativas, sendo um bom substituto para o alho na prevenção da cólica eliminativa e auxiliando na digestão e assimilação dos alimentos. Também é usada para acalmar a histeria e os sintomas nervosos e emocionais associados à
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TPM. Dose: 0,3 a 1g duas ou três vezes ao dia. Galangal (Alpinia officinarum) – Utilizado, como o gengibre, como carminativo e estimulante para a dispepsia. Largamente usado como condimento na Tailândia. É aplicado topicamente para males periodontais e para tratar o câncer da pele. Dose: 1 a 2 g ou 1 colher de chá. Zimbro (Juniperus communis) – Os frutos são usados como diurético, antiséptico, carminativo e antinflamatório. Para a cistite crônica, dores lombares e reumatismo, 1 colher de chá dos frutos esmagados em infusão numa xícara de água fervente. Dose: 3 xícaras por dia. Açafrão (Crocus sativus) – Consiste dos estigmas filiformes e alaranjados da flor. Carminativo, diaforético e emenagogo. A Medicina Tradicional Chinesa usa o açafrão para o tratamento de choque, depressão e dificuldades menstruais.
Não só eram as ervas comumente utilizadas por essas culturas, mas aspectos das bases teóricas para seu uso eram também adotados. É notável perceber um fio comum na avaliação das ervas de acordo com suas energias atmosféricas – quente, morno, neutro, fresco e frio – e seus sabores – picante, amargo, doce, azedo, salgado e insosso. A dinâmica da fisiologia holística se expressou através das diversas teorias humorais comuns a países tão distantes quanto a China, a Índia, a Grécia e Roma.
Os Quatro Humores dos gregos e romanos eram: 1. Sangüíneo (ar), quente/úmido 2. Melancólico (terra), frio/seco 3. Fleumático (água), frio/úmido 4. Colérico (fogo), quente/seco
As qualidades sangüíneas de um indivíduo exibem sintomas de calor e umidade, complexão avermelhada, caráter otimista e confiante, com tendência para doenças febris e inflamatórias. As qualidades melancólicas são o frio e a secura, a tez pálida, elevada sensibilidade e tendências visionárias. São mais suscetíveis às desordens nervosas e reprodutivas. As qualidades fleumáticas são o frio e a umidade, o caráter obtuso e lento. Tendentes a doenças relacionadas com a congestão, a estagnação, as condições reumáticas e mucosas. As qualidades coléricas de um indivíduo são o calor e a secura. Tendem a ter o temperamento inflamado e facilmente irascível. Desenvolvem doenças hepáticas, pressão alta, irritações da pele, fotossensibilidade, queimaduras e febre com pouca perspiração.
O sistema humoral é esclarecido num tratado de Hipócrates chamado “Afeições”, em que afirma: “No homem, todas as doenças são causadas pela bile e pelo muco. A bile e o muco dão origem a doenças na medida em que, no corpo, se tornam demasiado secas ou úmidas, ou demasiado quentes ou frias”. O autor segue demonstrando como tais desarranjos são precipitados por desequilíbrios na comida e na bebida, nos exercícios, excessos sexuais e pelos próprios calor e frio. Tais teorias, comuns à maioria das antigas civilizações, indicam a diferença de perspectiva essencial entre os objetivos holísticos da medicina tradicional de diversos países e os da medicina ocidental contemporânea. O enfoque tradicional tende a ser mais integrativo, enfatizando a conquista da saúde através de uma integração holística do corpo, da mente e do espírito através de dietas, exercícios e mudanças de estilo de vida. O enfoque ocidental moderno é desintegrativo e míope, encarando o corpo mecanicamente, como um conglomerado de órgãos fisiológicos separados. A ênfase jaz em aliviar os sintomas, em lugar de manter a saúde.
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A Lenda de Esculápio
Esculápio nasceu da união do deus Apolo com uma mulher da Tessalônica, chamada Coronis. O jovem semideus foi entregue a Quiron, um sábio centauro, para ser educado. Outros alunos reverenciados de Quiron foram Hércules, Aquiles e Jasão. O centauro era mestre das artes da guerra e da medicina. A maioria dos deuses, de Zeus a Apolo, de Juno a Atena, possuíam poderes curativos. No entanto, lendas surgiram em torno de Esculápio e seus poderes milagrosos, a ponto de causar inveja aos outros deuses. Acreditava-se que Esculápio era capaz de devolver a vida aos mortos. Isso enraiveceu Plutão, o deus do submundo, a quem escapavam essas almas. Queixouse a Zeus que, decidindo que o poder de vida ou morte só a ele cabia, executou o médico semidivino com um raio. Credita-se a Esculápio o desenvolvimento das curas dietéticas, da cirurgia e da farmacologia. Panacéia, primeira filha de Esculápio, tornou-se a personificação das ervas medicinais enquanto que Higéia, segunda filhã, corporificou a saúde preventiva.
Em quase todas as civilizações, a serpente é um símbolo de cura. Por viver tão junto à terra, detém o conhecimento de todas as substâncias curativas. A troca de pele é interpretada como a capacidade de renovar sua vida eternamente. É assim que a mitologia indiana descreve um dos aspectos de Vishnu, o Deus da Preservação: a serpente chamada Ananta. O próprio nome de Esculápio parece ser derivado do grego askalabos, ou serpente. O bastão de Esculápio, cuja origem pode ser traçada à vara de condão usada pelos magos egípcios (inclusive Moisés), tem uma única serpente enroscada nele. Durante séculos, este bastão – também chamado de caduceu, o cetro alado de Hermes, mensageiro dos deuses – é representado com duas serpentes e é o símbolo da profissão médica.
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O Pai da Medicina
onsiderado o Pai da Medicina, Hipócrates formulou seus princípios 400 anos antes do nascimento de Cristo. Tentou eliminar vários aspectos supersticiosos que dominavam o pensamento de então, substituindo-os pela lógica e pela razão. Desde o Século XVIII, os formandos de Medicina recitam em voz alta o famoso Juramento de Hipócrates: No Século IV AC, foram erigidos por toda a Grécia inúmeros templos dedicados à cura e ao deus Esculápio, de Epidauro a Tricca, de Pérgamo a Corinto. Eram quase sempre construídos sobre alguma vista deslumbrante ou inspiradora, sempre próximos de uma fonte de água mineral. Ali criavam-se cobras para as cerimônias curativas. Pacientes chegavam de longe e se o templo fosse pequeno, dormiam ao relento junto às estátuas, para encorajar os deuses a aparecerem em seus sonhos e os curarem. Para não serem vistos em competição com os deuses, os sacerdotes não invocavam para si o poder de curar. Apresentavam-se apenas como oficiadores e guardiães dos templos. No entanto, estelas de pedra encontradas no templo de Epidauro atestam eloqüentemente as maravilhosas curas efetuadas nesses centros. Uma delas fala de uma cirurgia ali praticada: “Um homem com úlcera no estômago. Incubou e teve uma visão: o deus parecia ordenar a seus seguidores que o segurassem, para poder fazer uma incisão. Então ele fugiu, mas foi capturado e amarrado. O sacerdote abriu seu estômago, extirpou a úlcera e o soltou das amarras. Ele partiu curado, mas o chão de seu quarto ficou coberto de sangue.”Os templos de Esculápio sobreviveram por séculos, estendendo-se à era cristã.
Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Hígia e Panacea, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes. Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo, não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva. Conservarei imaculada minha vida e minha arte. Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam. Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução, sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados. Aquilo que, no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto. Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça.
As maiores autoridades sobre Hipócrates são Platão, Aristóteles e seu aluno Meno, historiador da Medicina. Estabeleceram que Hipócrates foi de fato um personagem histórico e não lendário. Gozava de grande estima, mas nunca ensinou por dinheiro. Seus escritos consistem de 60 tratados, que incluem patologia, diagnose e prognose, métodos de tratamento, preservação da saúde, fisiologia, embriologia, ginecologia, cirurgia e ética médica. Apesar de ser um corpo de trabalhos formidável, é impossível identificar quais os escritos autênticos de Hipócrates. Assim, esses tratados devem ser vistos como o esforço coletivo de muitos indivíduos e escolas ao longo de três séculos.
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Venenos: Os Fundamentos da Farmácia Ser um poderoso regente ou um personagem aristocrático era bastante arriscado no mundo antigo. Era muito comum ser envenenado por um parente invejoso ou algum desafeto. Houve uma época em que o envenenamento foi elevado à categoria de arte, o que por sua vez estimulou incríveis esforços no sentido de descobrir ou criar antídotos eficazes. Assim, a arte grega da Farmácia recebeu notável apoio dos poderosos. O mitridiático era um antídoto contendo 54 ingredientes, desenvolvido para Mitrídates, Rei do Ponto durante o Século I AC. Consistia de pequenas quantidades de diversos venenos que, ingeridos ao longo do tempo, tornariam o rei imune a seus efeitos fatais. Mitríades morreu com 70 anos, assassinado por capangas do filho. Ironicamente, o mitridiático se tornou conhecido como um elixir e ainda estava em uso no Século XVI. Como afirmava o romano Juvenal, “Se teu fígado estiver impaciente, compra o composto de Mitrídates e viverás para comer figos e colher rosas por mais um ano.” Os romanos, famosos por incorporarem o melhor de seus antecessores gregos, tentaram – através dos esforços de Andrômaco, médico de Nero – melhorar a fórmula de Mitrídates aumentando o número de ingredientes tóxicos de 54 para 70.
Com o nome de Theriacum, foi descrito em farmacopéias durante séculos, até o Renascimento. Além do desenvolvimento de antídotos para a realeza, começou a haver grande demanda por plantas não-tóxicas de todas as partes do mundo. Como hoje, uma combinação de ignorância e falta de escrúpulos causou grandes confusões, à medida em que espécies e compostos fraudulentos eram comercializados. Também havia costumes e regras quanto a como e quando certas plantas deviam ser colhidas. Algumas dessas idéias eram eivadas de superstição, como a de que a colheita só devia ser feita com a mão esquerda, ou que não se olha para trás ao colher, pois priva-se a planta de seu valor medicinal. Muitos farmacêuticos gregos insistiam em mexer os remédios com o dedo anular para maximizar a sua eficácia. Acreditavam que tal dedo possuía uma veia que se comunicava diretamente com o coração, o que talvez explique o seu uso para ostentar a aliança de casamento. Originalmente, os médicos gregos colhiam e misturavam suas próprias drogas. Quando o comércio de drogas se expandiu pelo mundo, começaram a depender de atacadistas para a matéria prima e de farmacêuticos para manipulá-las.
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A Medicina Herbanária de Roma Uma das virtudes mais significativas dos romanos, responsável pela longevidade de seu Império, era sua praticidade. Ela é perceptível em sua capacidade de adotar costumes e comportamentos locais, incorporando o conhecimento e a sabedoria das culturas sob seu domínio. Grandes administradores, logo perceberam o valor dos princípios higiênicos, tais como a proibição de enterrar os mortos dentro dos limites da cidade, a determinação de um espaço mínimo de meio metro entre duas habitações, o transporte de água por aquedutos, a disposição do esgoto e do lixo. A Cloaca Maxima, rede de esgotos construída pelos etruscos no Século VI AC, foi inicialmente usada para drenar o pântano próximo ao Foro Romano e depois passou a servir a cidade durante séculos. Os romanos foram essenciais na formação da medicina de grupo, sob a forma de hospitais. Isso era especialmente importante para suprir as necessidades dos militares. Cada legião romana, contando de 7 a 8 mil homens, era dividida em 10 ou 12 coortes e para cada uma eram designados 4 médicos sob a supervisão de um cirurgião. Além disso, os soldados
eram bem versados em primeiros socorros. Os hospitais militares construídos pelos romanos ainda podem ser encontrados em toda a região do antigo Império. As duas figuras mais importantes da medicina romana foram Dioscorides e Galeno. O primeiro, vivendo no primeiro século de nossa era, é autor de cinco livros sobre botânica intitulados De Materia Medica. Essa obra tornou-se o fundamento de todo o material subseqüente, até o Século XVI. Cerca de 80% da matéria médica de Dioscorides consiste de plantas medicinais, enquanto que o restante se divide igualmente entre minerais e animais. Isso se aproxima de um relatório de 1976, que descreve a origem das drogas ocidentais da seguinte maneira: a) sintetizadas quimicamente– 50% b) inflorescências – 25% c) minerais – 7% d) animais – 6%
Se considerarmos que muitas drogas sintetizadas são derivadas de produtos botânicos, veremos que os percentuais de Dioscorides são muito similares aos de hoje. A organização do trabalho de Dioscorides segue o sistema de um
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capítulo para cada planta. As descrições das plantas obedeciam ao seguinte plano: 1. Nome, sinônimos e ilustração 2. Habitat 3. Descrição botânica 4. Propriedades ou ações 5. Usos medicinais 6. Efeitos colaterais negativos 7. Quantidades e dosagens 8. Colheita, preparo e armazenamento 9. Adulteração e métodos de detecção 10.Usos veterinários
O aspecto mais importante de seu trabalho escapou ao entendimento dos estudiosos durante séculos: em lugar de agrupar as plantas de acordo com suas famílias botânicas, ou segundo o tratamento de doenças específicas, ou ainda por suas qualidades organolépticas ou energéticas, Dioscorides as arranjou de acordo com seus
efeitos fisiológicos. Sendo antes de tudo um empírico, classificou as drogas segundo amplas categorias fisiológicas de ação: Aquecedoras Emolientes Adstringentes Diuréticas Secantes Refrescantes Aguçantes Dilatadoras Colantes Soníferas Relaxantes Diaforéticas Seladoras dos poros Causadoras de sede Limpadoras Eméticas Enrijecedoras Alimentícias
O que Dioscorides tentava criar era um manual clínico prático e definitivo. Procurava tratar as doenças de acordo com a complexidade de seus sintomas. Como os médicos gregos, integrava “dieta, exercício e banhos” em preferência a drogas e cirurgia. Sendo um grande herbalista, procurava curar “rápida, segura e agradavelmente”. Galeno, nascido em Pérgamo em 129 AD, era portanto grego, como quase todos os médicos que se distinguiram no Império Romano. Fez seus primeiros estudos no templo de Esculápio e, aos 19 anos, viajou para Smirna, Corinto e Alexandria. Aos 32, transferiu-se para Roma, onde desenvolveu sua obra. Um incêndio no Templo da Paz, em 191, destruiu muitos de seus escritos, mas restaram cerca de 20 volumes que ditaram os preceitos médicos até o Século XVII.
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A Ciência Herbanária da Idade Média
A Igreja Cristã primitiva desencorajava a prática da medicina, favorecendo as curas milagrosas baseadas na fé. Como resultado, tentou suprimir ou destruir os antigos conhecimentos sobre as ervas e a medicina natural. Contraditoriamente, os próprios monastérios acabaram por se tornar os depositários desse conhecimento, sob a forma de manuscritos zelosamente copiados e guardados. Também guardavam um grande número de ervas em depósitos chamados “officina” – de onde se origina o termo “officinalis”, comum na nomenclatura das ervas medicinais, como o confrei (symphtum officinalis), a calêndula (calendula officinalis), o dente-de-leão (taraxacum officinalis) e outras.
Em meados do século XIV, a peste bubônica, conhecida como a Morte Negra, matou ¼ da população da Europa. O principal avanço obtido na Idade Média foi o surgimento de hospitais e universidades médicas. No Século X, uma faculdade de medicina estabelecida em Salerno, na Itália, tornou-se o principal centro de aprendizado médico da Europa. Durante esse período, a medicina se tornou domínio oficial da igreja ou do estado. A medicina popular foi relegada à prática de Ao longo da Idade Média, herbalistas e curandeiros que o Império Muçulmano fez utilizavam métodos associados às importantes contribuições à velhas religiões Medicina. Rhazes, um médico pagãs e atendiam as persa, escreveu a primeira descrição acurada do sarampo e da necessidades dos que não podiam varíola. Avicena, médico árabe, pagar as escreveu uma vasta enciclopédia denominada Cânones da Medicina. ministrações da rica elite médica. A Idade Média foi devastada por uma série de pragas. Surtos de Também as mulheres praticavam a lepra começaram por volta do ano medicina popular e acabavam sendo tachadas de feiticeiras. A 500 e alcançaram seu ápice em inquisição e a caça às bruxas 1200. tornou-se um método eficiente de suprimir os esforços desses curandeiros leigos. Durante o Século XVII, o físico suíço Philippus Paracelso advogou o uso de minerais. Ensinou métodos de purificar e utilizar minerais como o cobre, o enxofre, o arsênico, o mercúrio e o ferro. É conhecido como o Pai da Alquimia e é fundador de um sistema de drogas minerais.