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Jean Lucas Cardoso, da zona oeste para NBB
from Segunda Divisão
by hns2020
JEAN LUCAS CARDOSO DE OLIVEIRA
D A Z O N A O E S T E P A R A A N B B
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Por Glória dos Santos
Zona Oeste de São Paulo, região metropolitana até um certo ponto e mais adiante se torna interior. Na vastidão de 248.209 km² que é esse estado brasileiro, encontramos os mais diversos talentos espalhados por aí, dentre eles, os jovens esportistas. Em Barueri e mais precisamente no bairro do Engenho Novo, morava Jean e um sonho. O rapaz que veio a ser um talento da NBB jogando pelo Corinthians, agraciado com o prêmio ‘Líder de Assistências’ concedido pela LDB – Liga de Desenvolvimento de Basquete, não sabia que trilharia um caminho tão brilhante e desafiador.
A jornada de Jean iniciou-se ainda na infância e desde então vem tomando rumos que levaram o rapaz a escolher seguir seu sonho e aprimorálo ou abrir mão dessa experiência. Abraçar uma escolha e enfrentar as dificuldades envolvidas é uma causa nobre que advém de inúmeros sacrifícios, mas para isso é preciso plantar uma semente, que será cultivada e nutrida no coração de quem a tem.
Jean Lucas Cardoso de Oliveira, quando tudo começou ele tinha 10 anos e não sabia que sonhava com o basquetebol. Na verdade, ele assistia seu irmão, Jonathan, participar dos jogos de basquete na escola, mas isso não o atraía, seu esporte do momento era o futebol. Ele inclusive jogava pelo Aliança – time do bairro, e se dedicava ao futsal empregado na quadra pela equipe. E num dia propício a um resfriado, em que dona Zilda estava trabalhando e Jonathan perdia o jogo na escola para cuidar de Jean, o espírito em equipe falou mais alto entre o corpo estudantil.
Nesse período, Jonathan era o irmão mais velho da casa e ficava responsável por cuidar Jean enquanto Dona Zilda, mãe dos rapazes, trabalhava fora. E como mãe cautelosa, ela impunha normas e horários para que houvesse uma rotina organizada entre todos, desde os períodos escolares ao tempo de lazer e brincadeiras na rua. Devido ao mal estar de Jean, naquela manhã ele não foi para a escola e consequentemente, Jonathan precisou ficar em casa para ajudá-lo. Quando começou a acompanhar o irmão nos jogos, Jean já havia notado como Jonathan era querido pelos colegas de time e, nesse dia em particular, o
diretor da escola questionou o motivo da falta do rapaz através de uma ligação. Jonathan explicou a situação e disse que não poderia jogar pois, havia de cuidar do seu irmão e assim, o diretor escolar buscou ambos os meninos para que, Jonathan pudesse jogar e próprio diretor pudesse tomar conta de Jean. Naquele dia uma semente foi plantada, Jean sabia que queria viver um espírito de equipe como presenciou com o seu irmão, seu primeiro contato com o desejo de jogar basquete veio através do sentimento de ser querido.
O sonho começou a se concretizar dentro da sala de aula, na escola em que estudava – EMEF Armando Cavazza em Barueri. As professoras que trabalhavam no Grêmio Recreativo da cidade passaram pelas salas para informar sobre a escolinha de basquete e buscar possíveis interessados, quando Jean se manifestou “Olha professora, eu sei jogar basquete” arremessando uma bolinha de papel no lixo - atitude que o levou a ser convidado e classificado numa peneira mais tarde.
É verdade que todos os garotos da peneira passaram, mas com Jean foi diferente. Naquele dia de teste ele havia ido ao dentista com sua mãe, descrente de que os horários de consulta e peneira seriam compatíveis, mas por obra do acaso ou destino, Dona Zilda o questionou em qual horário eles precisariam estar no ginásio para que ele participasse da peneira –“Às 15h00, mãe. ” E vendo que ainda eram 14h00, sua mãe decidiu levá-lo. Ela também havia colocado em sua bolsa o uniforme do Aliança, muito provavelmente prevendo que Jean participaria sim do teste em quadra.
Iniciou-se então a rotina no basquete. O Grêmio Recreativo de Barueri – popularmente conhecido pela sigla GRB, incentivava os meninos no esporte de maneira que, participavam de campeonatos e jogos desde que houvesse o bom desempenho escolar também. As técnicas iam nas escolas verificar boletins e comportamentos na sala de aula para ter certeza de que os pequenos atletas não estavam deixando de lado seus deveres com os trabalhos, presença em classe e desempenho nas demais matérias.
Nessa época, com 12 anos Jean recebeu seu primeiro prêmio no ‘Jogo das Estrelas’ . Os clubes de basquete da região de São Paulo se enfrentaram em diversas chaves até chegarem à final do campeonato da ‘Taça Ipê’ no Clube Ipê em São Paulo, e dentre os meninos do GRB, Jean teve maior destaque. Foi logo após este campeonato que os meninos do time foram federados pela Federação Paulista de Basquete e, assim eles passaram a receber uma ‘comissão’ e todos os jogos eram realizados dentro das normas e regras oficiais do Basquetebol, além de representarem a cidade de Barueri nos campeonatos.
Dentro do Estado os meninos jogavam por todos os cantos, desde a Baixada Santista até o interior de São Paulo acompanhados por seus maiores fãs: os pais. E no meio de tantos torcedores estava presenta a Thaís. Thaís Lisbôa era a mãe das caravanas, a mãe que estava ali representando todas as outras mães, abraçando os meninos e torcendo por eles. E não era diferente com o Jean, o filho do coração, adotado com amor e carinho, principalmente quando Dona Zilda não podia acompanhar o filho devido à rotina de serviço.
“Nos jogos o Jean sempre se destacou. Eu lembro que a gente chamava ele de ligeirinho, porque ele atravessava a quadra e a gente quase não acompanhava, ele sempre foi muito rápido. E ele chegou a ganhar um certificado num fim de ano, numa festa, como o melhor da
categoria dele: melhor armador. É que foram tantos certificados que ele ganhou que fica difícil saber de qual época, nas competições de quadra ele sempre corria muito, estava sempre se destacando... O magrelinho da turma, mas que corria que era uma beleza!” de acordo com Thaís.
Mas nem todo o talento está imune ao sofrimento. Logo em seu primeiro ano de federação pelo GRB, Jean foi convidado a acompanhar a categoria de cima dos rapazes mais velhos. “E eu lembro que no meu primeiro treino, naquela época em que eu não tinha uma condição de ter o tênis pra jogar... eu fui com um tênis que tinha ganhado da minha mãe, um tênis réplica... e quando eu cheguei lá alguns meninos do time me zoaram por conta do tênis, porque não era um tênis apropriado para jogar basquete. Essa foi uma das vezes em que eu quis parar de jogar, foi a primeira que me aconteceu. ” E com isso Jean deixou de frequentar os treinos durante algum tempo.
Todavia, novamente o espírito de união falou mais alto, a técnica da categoria questionou Dona Zilda o motivo das faltas nos treinos e a mãe de Jean explicou o ocorrido que levou o rapaz a não comparecer nos jogos. Em seguida, a equipe do GRB conseguiu uma doação de tênis apropriados para basquete e distribuiu aos atletas que não tinham condição naquele momento, o que incluía o Jean. “Isso aí me deixou feliz e animado para poder voltar pro GRB, porque eu vi que eles queriam que eu estivesse ali, não era só mais um menino qualquer... Foi isso que me fez querer voltar. ”
E ele se manteve firme nessa jornada, após concluir o ensino fundamental e passar para o Instituto Técnico de Barueri – ITB, atualmente conhecido apenas como FIEB. A escolha de Jean foi seguir seu sonho e construir uma carreira no basquete, o que lhe fez abdicar da vaga do curso técnico e abraçar a oportunidade de continuar jogando como federado em um clube, estudando em uma escola de ensino médio municipal. “Eu não abri mão do estudo, eu escolhi ir para o lugar onde eu conseguiria ampliar o meu sonho. ” – Explicou Jean quando aceitou jogar pelo Clube Hebraica de São Paulo.
A trajetória no Hebraica durou apenas um ano, mas trouxe a visibilidade e o destaque desejados por Jean. Já o amadurecimento estava por vir no ano seguinte, quando com apenas 15 anos, o prodigioso armador decidiu viver do basquete e para isso, saiu da casa de sua mãe e mudou-se para Taubaté, no interior do Estado de São Paulo, onde passou a morar num alojamento com outros meninos. Nas palavras de Jean, esse foi um ano de muita experiência e muito aprendizado, ele relatou que nessa época treinava com o time adulto de Franca, além de treinar com a sua própria categoria, o que gerava um intensivo pois, haviam também treinos de madrugada. E tudo isso valia à pena para realizar seus sonhos, cada gota de suor, o cansaço físico, as mudanças de escolas para acompanhar o ritmo intenso das quadras... cada nova manobra, cada jogada era o investimento num sonho! O que contradisse tudo isso apenas, foi o racismo.
“No primeiro ano após sair de casa, na minha terceira semana em Taubaté, era tudo muito novo pra mim... Antes eu ia no banco com a minha mãe e tudo que eu fazia tinha algum responsável comigo. Então quando eu saí de casa e comecei a fazer as coisas sozinho, aconteceu um episódio comigo que foi o ocorrido que me fez querer parar com tudo, com essa vida de jogador, de atleta, de estar longe de casa, longe da minha mãe, de não ter um amparo...
Eu só queria chorar no colo da minha mãe nessa época. E eu fui no banco sacar meu salário, eu e um amigo meu, de bicicleta. Estava de noite, ele ficou do lado de fora segurando as bicicletas e eu estava sozinho no caixa eletrônico, e como estava frio a gente estava de capuz. Depois de uns três minutos em que eu estava tentando fazer o saque do dinheiro, de repente eu escuto sirenes tocando, mas achei normal, só uma viatura passando na rua. Permaneci tentando sacar meu dinheiro quando eu escuto a porta giratória do banco fazendo barulho de alguém entrando e aí um policial me abordou, gritando comigo ‘vai macaco, vai pro chão que você perdeu’ e quando eu olhei pra fora haviam muitas viaturas, muitas motos de polícia... e eu sem entender, tinha meus 15 anos e estava tentando sacar meu salário. Nisso eles me colocaram no chão, me agrediram algumas vezes e me levaram pra fora do banco. Depois de ter sido xingado, os policiais foram realizar o procedimento que eles deveriam ter feito no início: perguntaram qual era o meu nome, o que eu estava fazendo... conforme foram conversando, a gente foi falando. Aí eles me disseram que tinha uma denúncia anônima de uma atitude suspeita no banco. Eles pediram desculpas depois de ver que não era nada do que eles estavam imaginando, mas a abordagem policial me deixou muito, muito e muito assustado... porque aquilo estava sendo muito novo pra mim, eu não esperava isso de alguém que deveria estar me protegendo. Com tudo isso eu pensei em denunciar, mas eu vou denunciar a polícia pra polícia? Então eu não contei pra ninguém além da minha família, na época eu liguei pra minha mãe chorando e ela me falou que isso ia ser algo que eu iria passar, infelizmente iria viver algumas coisas assim ainda e ela não me deixou voltar embora, não me deixou abandonar meu sonho... Porque ela sabia que não era isso que ia me tirar do rumo. ” Com 17 anos ainda no time do Franca, Jean iniciou sua preparação para a categoria adulta, acompanhando a rotina de treinos e ganhando experiência com os atletas profissionais. Ele passou a efetivo no ano seguinte com 18 anos, ainda no Franca, quando começou a ter maior visibilidade fazendo parte do elenco e disputando os jogos. Em seguida, o armador foi jogar em São José dos Campos no ano de 2020 e devido à pandemia da COVID-19 não houve campeonato, sendo essa uma passagem rápida. Posteriormente foi contratado pelo Corinthians para disputar os jogos do NBB, além de possuir 2 anos de LDB - Liga de Desenvolvimento de Basquete (campeonato de base).
No Corinthians, por conta de uma temporada não muito boa devido a lesões de alguns atletas, surgiu o interesse da equipe do Santos para que ele jogasse o Campeonato Brasileiro, que é a segunda divisão do NBB. Aproveitando a oportunidade para recuperar seu ritmo e permanecer em quadra, Jean aceitou a proposta e atualmente está emprestado para a equipe do Santos. Em seus planos e metas de futuro o armador se sente realizado em inúmeras conquistas e busca atualmente alcançar seu sonho de chegar a NBA, tornandose referência no exterior e expandindo o conhecimento no basquete, almejando jogar um dia na Espanha.