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Falando sobre as raízes da sabedoria Cai Gen Tan 菜根譚

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Um mês português

Um mês português

Tradução de André Bueno

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(Continuação do publicado em 26-4-2023) res ou ganhos podem tentar-me? Se não compito por altos cargos, que problemas oficiais podem incomodar-me?

270.

Passeando pelas montanhas e bosques, pelas fontes e rochedos, a agitação do coração gradualmente desaparece. Há uma calma prazerosa na poesia e na pintura, que faz os pensamentos vulgares desaparecerem.

Assim, o sábio não se apega aos prazeres, nem perde suas aspirações, e sempre encontra formas de cultivar a si mesmo.

271.

Na primavera, a paisagem é toda florida, e as pessoas se enchem de felicidade; Mas o melhor é o outono, com suas nuvens brancas e seu vento fresco, suas orquídeas cheirosas e ramos frondosos, a água e o Céu com a mesma cor.

Acima e abaixo, tudo brilha, dando leveza e purificando o corpo e o espírito.

272.

Uma pessoa sem conhecimento, mas que fala com um sentimento poético, pode ter compreendido a poesia; Uma pessoa que não estudou as escrituras budistas, mas que fala sabiamente, pode ter despertado para a sabedoria das coisas.

273.

Uma pessoa inquieta vê sombras de serpentes, e suspeita de todos; vê tigres na espreita, onde há rochas paradas; enfim, tudo lhe parece sinistro e fatal.

Uma pessoa tranqüila vê gaivotas nas pedras em que os outros vêem tigres; ouve canções nos ramos que se mexem, e tudo que vê lhe parece ter um aspecto benéfico.

274.

O corpo é como um bote desamarrado, bóia na corrente até topar numa margem; O coração é como madeira queimada, não se pode cortá-lo, nem fazer dele incenso.

275.

As pessoas escutam o canto do papa-figo e acham-no agradável, ouvem o coaxar das rãs e acham-no repulsivo.

Ao verem flores, querem cultivá-las, ao verem ervas-daninhas, querem arrancá-las. Essas são manifestações de personalidade, de aversão ou repulsão por uma coisa ou outra.

Se pudermos reconhecer o princípio do Céu, não haverá som animal incômodo, e todas as plantas nascerão livremente, seguindo naturalmente sua natureza original.

276.

O cabelo e os dentes caem, é o declínio natural do corpo físico;

Mas no canto dos pássaros e na beleza das flores, podemos perceber a vitalidade essencial da natureza.

277.

Um coração cheio de desejos cria ondas num lago gelado, e não encontra paz, nem nas montanhas, nem nos bosques; Um coração calmo encontra frescor no verão mais quente, e nem nota o alvoroço no mercado.

278.

Quem acumula riqueza, multiplica cuidados; os ricos e poderosos têm, assim, mais preocupações que os pobres. Quem alçou um alto cargo vacila e cai; e quem se preocupa com isso, nunca descansa como as pessoas comuns.

279.

Ao amanhecer, lendo o Tratado das Mutações debaixo da janela, môo a pedra de pigmento e uso orvalho dos pinheiros para fazer tinta, e sublinhar passagens de sabedoria.

Ao meio dia, comentando as escrituras budistas sobre a mesa, ouço tocar os sinos de jade pelo vento, e deixo que ele leve esses sons para o bosque de bambus.

280.

Uma flor pode crescer num vaso, mas sua força natural logo se esgota; Um pássaro pode cantar numa gaiola, mas nunca será um canto naturalmente livre; Não são os pássaros e as flores da montanha que estão misturados na paisagem rica de cores, mas sim, é a liberdade que permite compreender a sua existência, sem grilhões, em meio à natureza.

281.

A pessoa vulgar pensa demais em si mesmo, e por isso também se preocupa demais com tudo.

Os antigos diziam: ‘se você conhece a si mesmo, como pode se preocupar tanto com as coisas?’.

Também disseram: ‘se você sabe que seu corpo não é você mesmo, porque deixa que tantas preocupações entrem em seu coração?’ Essas palavras dizem toda a verdade!

282.

Ao ver um velho triste e solitário, pense que talvez ele possa ter passado sua vida lutando por bens e fortuna;

Ao ver uma pessoa que acabou com sua fortuna, pense no fato de que toda sua riqueza se foi, sem deixar nada atrás de si.

283.

Os Caminhos humanos e das formas naturais mudam, num piscar de olhos, de dez mil maneiras diferentes, mas isso não deve ser levado ao pé da letra.

Disse Yaofu*: ‘o que nos tempos passados se chamava ‘Eu’, no presente se chama ‘Ele’; mas não sei no que se converterá, no futuro, o que hoje se chama ‘Eu’.’ Reflita com cuidado nessa afirmação, e se livrará de toda a angústia e ansiedade. *Poeta que viveu durante a dinastia Song (960-1127)

284.

Em meio à algazarra, considere as coisas com um olhar sóbrio, eliminando da mente o que lhe incomoda.

Em meio à desolação, conserve a alegria do espírito, e encontrará as causas da felicidade verdadeira.

285.

Onde há alegria, há tristeza; onde há prazer, há desgosto;

Numa vida comum, em sua própria casa, comendo de maneira simples, se pode encontrar as coisas mais belas, tendo o conforto e a segurança de um ninho.

286.

Abra as cortinas, veja as montanhas verdes e as águas azuis envoltas em bruma, e entenderá o quão livres são o Céu e a Terra. Veja os bambus e as árvores que acolhem os pardais, anunciando a nova estação, e esquecerá a diferença entre você e o mundo.

287.

Sabendo que existe a mutação, e que tudo um dia declina, o desejo de obter sucesso já não é tão forte;

Sabendo que existe vida, e que tudo um dia morre, não desperdice mais tanta energia querendo ser imortal.

288.

Um monge budista de grande virtude disse: ‘A sombra das folhagens do bambu varre os passos, e não larga poeira; o reflexo da lua, na lagoa, não deixa marcas na água’. Um estudioso confucionista comentou: ‘Ainda que as águas fluam com violência, permanecem tranqüilas; ainda que caiam pétalas de rosa em ti, permaneces o mesmo’ Uma pessoa que cultivar esse tipo de atitude conseguirá obter a liberdade do corpo e da alma.

289.

Escuta o som dos pinheiros no bosque, ou o murmúrio das fontes nas rochas, e poderá admirar os sons do Céu e da Terra; Observe a névoa por cima dos pastos, e o reflexo das nuvens na água, e poderá contemplar o belíssimo idioma da natureza.

290.

Quando a Dinastia Jin estava prestes a acabar, um par de camelos de bronze reais foi roubado, e largado no meio do mato, cum- prindo uma antiga profecia sobre o fim do reino; ainda assim, eles se orgulhavam de seu garboso exército.

Mesmo que seus corpos estivessem prontos para servir de pasto para os cães e as raposas do norte, ainda assim, se preocupavam em acumular ouro.

Um provérbio diz: ‘bestas ferozes podem ser domadas, mas o coração humano é difícil de dominar; vales profundos podem ser preenchidos, mas a ganância humana é insaciável’.

Palavras verdadeiras!

291.

Se dentro de sua mente não houver nem vento nem ondas, então, em todo o lugar, você estará em meio a montanhas e águas azuis. Se seu espírito alcançou o florescimento da consciência perfeita, então, em todo o lugar você verá peixes saltando, e pássaros cantando.

292.

Quando alguém bem vestido vê a felicidade de um pobre em suas roupas humildes, ele suspira desconcertado, e pensa em suas pesadas responsabilidades;

Quando alguém rico, em meio a um suntuoso banquete, vê a alegria do humilde em seu próprio canto, sente um tanto de inveja; Porque as pessoas fazem bois correrem com fogo? Porque tentam cruzar touros com cavalos?

Porque as pessoas vivem de aparências, ao invés de simplesmente seguirem suas naturezas?

293.

Quando um peixe nada, não tem consciência da água em que se move; Quando um pássaro voa, não tem consciência do ar em que se move; Quem se der conta disso, pode superar as aparências, e adentrar os mistérios da natureza.

294.

As raposas dormem nas ruínas, e os coelhos em terraços desolados; ambos já foram, antes, salões de baile e de festa; Os campos de lírios molhados de orvalho, e cobertos agora de erva e bruma, foram os lugares onde lutaram os heróis; A prosperidade e a decadência são eternas; onde estão aqueles que eram fortes, e onde estão os que eram fracos?

Esse pensamento faz com o que o coração se aflija!

295.

Não importam os favores ou os insultos que você receba; em seu posto, nunca mude de conduta.

Na calmaria, observe a Corte como as flores, que se abrem e depois murcham.

Não importa que você permaneça, ou seja retirado de seu posto; que isso não seja nada para você.

Apenas observa o Céu, serenamente, e veja como as nuvens se juntam e se dispersam logo.

296.

No Céu claro iluminado pela lua não há um espaço enorme para voar? E assim mesmo, a mariposa se lança contra a luz da vela. Entre as fontes puras e os frutos silvestres, não há o que beber e comer? No entanto, a coruja não insiste em seu vício pela carne podre dos ratos?

Ah! Quantas pessoas no mundo não são como as mariposas e as corujas?

297.

Quem tomou uma balsa para atravessar o rio, e depois se esqueceu dela, é alguém que já não está no Caminho das aparências. Quem está montado num burro, e pensa nos burros que vai montar, não compreendeu nada, ainda, do Caminho Chan.

298.

Quem é rico e poderoso, com porte de dragão voador, herói destemido, que luta com tigres; Para o Educado, ele é como uma formiga ao redor de carne podre, ou como uma mosca disputando uma gota de sangue. As perguntas sobre bem e mal, que incomodam como um enxame de abelhas, e as discussões sobre perda e ganho, que espetam como um porco espinho, não devem incomodar um espírito tranqüilo; assim, elas se fundirão como ouro no forno, ou como a neve na água fervente.

299.

Quem leva a vida, acorrentado aos desejos, pensa que ela é ruim. Quem chega à morada do conhecimento em si mesmo, pensa que a vida é boa. Reconheça a origem da aflição, elimine-a, e seu espírito se acalmará. Ao saber a razão das alegrias, se chega à morada dos sábios.

300.

Se no coração não houver mais desejos materiais, ele é como a neve numa estufa, ou o gelo que derrete debaixo do sol.

Se os olhos vêem um pedaço de brilho na vastidão, sabem que é a lua do Céu, refletida nas ondas do lago.

(continua)

XUNZI 荀子 Elementos de ética, visões do Caminho

Tradução de Rui Cascais

Da Nomeação Correcta (VIII)

A VIDA é aquilo que as pessoas mais desejam e a morte é aquilo que as pessoas mais desprezam. No entanto, quando as pessoas desistem da vida e concretizam a sua própria morte, tal não é por não desejarem a vida e, ao invés, preferirem a morte. Ao contrário, tal se deve a não apreciarem viver em certas circunstâncias, mas aceitarem morrer nelas. Assim, quando o desejo é excessivo, mas a acção não lhe corresponde, tal resulta de o coração o impedir. Se aquilo que o coração aprecia se conforma com os padrões apropriados, mesmo que os desejos sejam muitos, como poderia isso perturbar a boa ordem? Quando o desejo está ausente, mas a acção o ultrapassa, tal resulta de o coração a compelir. Se aquilo que o coração aprecia é falho de padrões apropriados, então, mesmo que os desejos sejam poucos, como impedi-lo de cair no caos? Assim, ordem e desordem residem naquilo que o coração aprecia, não nos desejos que decorrem das nossas disposições. Se não as procurares onde residem e as procurares onde não estão presentes, então, mesmo que dissesses “Compreendi-as”, simplesmente lhes terias passado ao lado.

A natureza humana é a realização do Céu. As disposições são a disposição da natureza. Os desejos são as respostas das disposições às coisas. Ver os objectos de desejo como sendo permissíveis de obter e buscá-los são coisas que as disposições não conseguem evitar. Considerar algo permissível e capaz de nos guiar é o que o entendimento deve fornecer. Assim, mesmo que fossemos um porteiro [dos sentidos], os desejos não poderiam ser eliminados, porque são o necessário equipamento da natureza. Mesmo que fossemos o Filho do Céu, os nossos desejos não poderiam ser completamente satisfeitos. Apesar dos desejos não possam ser completamente satisfeitos, é possível chegarmos perto da satisfação completa. Apesar dos desejos não poderem ser eliminados, a nossa busca [por eles] pode ser regulada. Apesar de aquilo que é desejado não poder ser completamente obtido, o buscador poder aproximar-se da satisfação completo. Quando o Caminho avança, é quando nos aproximamos da satisfação completa. Quando [o Caminho] recua, então regulamos o nosso buscar. Nada há comparável [ao Caminho] entre a totalidade das coisas debaixo do Céu. Ninguém deixa de seguir o que aprecia e de abandonar aquilo que não aprecia. Saber que nada há maior que o Caminho e mesmo assim não seguir o Caminho – não se conhecem casos disso. Imaginemos uma pessoa que não tem muito desejo de seguir para sul, mas tem não pouca aversão de seguir para norte. Como se daria que, por causa da impossibilidade de seguir completamente para sul, partisse do sul para seguir para norte? Ora, no caso das pessoas que não têm grande desejo por uma coisa, mas têm não pouca aversão por outra coisa, como fariam, na impossibilidade de satisfazerem completamente os seus desejos, para abandonar o modo de satisfazer os seus desejos e, em vez disso, aceitarem aquilo de que não gostam. Assim, para quem aprecia o Caminho e o segue, como poderia o diminuir das coisas conduzir à desordem? E, para quem não aprecia o Caminho, como podia o aumentar das coisas conduzir à ordem? Assim, aqueles que são sábios ajuízam o Caminho e isso é tudo – e as coisas a que as escolas inferiores almejam nas suas preciosas doutrinas entrarão todas em declínio.

Nota Xunzi (荀子, Mestre Xun; de seu nome Xun Kuang, 荀況) viveu no século III Antes da Era Comum (circa 310 ACE - 238 ACE). Filósofo confucionista, é considerado, juntamente com o próprio Confúcio e Mencius, como o terceiro expoente mais importante daquela corrente fundadora do pensamento e ética chineses. Todavia, como vários autores assinalam, Xunzi só muito recentemente obteve o devido reconhecimento no contexto do pensamento chinês, o que talvez se deva à sua rejeição da perspectiva de Mencius relativamente aos ensinamentos e doutrina de Mestre Kong. A versão agora apresentada baseia-se na tradução de Eric L. Hutton publicada pela Princeton University Press em 2016.

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