nยบ 1 ano 1 junho/julho 2005 R$ 3,00
Ideologia & Underground Balรฃo Mรกgico Ditadura Poesia Valvulla Antimofo y mucho mรกs!
JUNHO/JULHO 2005
JUNHO/JULHO 2005
edição de JUNHO/JULHO 2005 04 HISTÓRIA O cara mais undergound que eu conheço é o diabo 0 8 CHILL IN Máquina do tempo 1 1 ARTIGO Infiltrações moleculares 1 2 MÚSICA Valvulla 1 8 MEGAFONE Contra ácaros e fungos 2 1 OPINIÃO Cadê o artigo que tava aqui? 2 2 ESPECIAL Enquanto você estava no Centenário... 25 CURINGA Entre as barbies e os monstros 2 6 HUMOR Tirinhas
E X P E D I E N T E
e d i t o r i a l
Editor: Rafael Mattedi Colnago Conselho editorial: Juliana Dadalto e Rafael Colnago Jornalista responsável: Graça Rossetto MTB 1593/ES Projeto gráfico: Hugo Cristo e Janaina França Gráfica: Gráfica e Editora Jep ltda. Tiragem: 2000 exemplares Distribuição: Criste & Pessoti
NESTA EDIÇÃO A GENTE ACHOU QUE FOSSE falar de underground, mas acabou falando muito mais de ideologia. Pode parecer uma falha nossa. Mas não é bem assim. Um método maleável foi mais interessante e honesto. O dinamismo do pensamento em formação e a busca de conclusões e de ideais, tiveram que estar claros no que estávamos fazendo. A capa foi escolhida depois de quase tudo pronto. É uma referência ao álbum de estréia da banda Velvet Underground & Nico, de 1967. O melhor desse disco histórico, dizem os críticos, é que havia mais interesse da banda em ser avant-garde do que em vender. Apesar do romantismo, isso foi fundamental para que o trabalho não perdesse sua força criativa até hoje, quase 30 anos depois. Quem desenhou e assinou a capa do álbum, e também produziu e bancou boa parte do disco, foi o artista multimídia Andy Warhol. Tido como pai da pop art. Duas palavras pulam nessa história: pop e underground. Criando a sensação de uma contradição. É a partir daí que a capa faz muito sentido para esta edição. Porque fala do convívio desses fenômenos. A banana passa a estar em toda parte. Seu lado vanguardista está na essência do Balão Mágico, está num concurso de tango no Britz, na poesia, no chamamento à rua. Já o lado pop-sincero da banana está na honestidade poser do Valvulla, enquanto o pop-bombado está nos festivais de abril. E por aí vai. Mas vamos aos textos... E que eles sejam proveitosos para todos.
Couché Avec Moi é uma publicação bimestral. Av Saturnino de Brito, 531/201 – Vitória, ES Cep 29055-180 Informações, comentários, sugestões de pauta, releases ou sua própria produção: revista.couche@gmail.com ou 9943-2208. Para anunciar: comercial.couche@gmail.com Couché Avec Moi não admite publicidade redacional. Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da Couché Avec Moi. Veja fotos inéditas em: www.fotolog.net/couche revista_couche@yahoogrupos.com.br é a lista para você saber das novidades. E Revista Couché é a nossa comunidade no orkut que ainda não encontrou muita utilidade.
Rafael Colnago
JUNHO/JULHO 2005
História
04
O cara mais underground que eu conheço é o diabo NINGUÉM ACREDITOU, MAS O CARA desceu as escadas em nome de uma segunda via de acesso. Podem exorcizar, reclamar do calor e do marketing, mas é inegável a personalidade do diabo desde os tempos do gênesis. Ele foi o primeiro rebelde sem causa, a primeira ovelha negra da família, o criador dos dois lados da moeda e a única cobra falante do mundo. Dizem até que comia criancinhas... A verdade é que ao longo da história o diabo já foi muita coisa. A inquisição pensou que ele fosse a ciência, os aliados que era Hitler, os romanos que era Jesus e os cassetetes da ditadura militar brasileira, propositalmente, confundiram o próprio com Karl Marx, Lênin e simpatizantes. Se isso for verdade, nos anos de chumbo, o encardido teve alguns lugares favoritos em Vitória. Diariamente ia ao centro da cidade para bater ponto no lendário Britz Bar, não faltava as reuniões do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Ufes, na década de oitenta subiu ao palco na peça Universus Sanct dy Spirits Federalis e, para alguns, também passeou pelo corpo, espírito e spray do polêmico movimento Balão Mágico. Parábolas à parte, no Espírito Santo a contracultura sobreviveu ao golpe e à sociedade, deixando para trás costumes, pré-conceitos e algumas costelas quebradas. A revolução de botequim das mesas do Britz, as palavras de “ordem” (do movimento estudantil), de “desordem” (do Balão Mágico) e o protesto cultural dos cineclubes e peças de teatro (Universus Sanct dy Spirits Federalis) fazem parte do hall dos malditos capixabas. Mas vamos começar do começo. NO BAR. Aberto no início dos anos sessenta, o
JUNHO/JULHO 2005
Britz Bar funcionou durante 23 anos na esquina da Rua Rosa com a Praça do Trabalho, bem no Centro de Vitória. Reduto de poetas, músicos, artistas, estudantes, jornalistas e profetas do apocalipse, o local mantinha suas portas abertas 24 horas por dia. Mas que portas? O bar não tinha portas e se tornou a embaixada da boemia inteligente da cidade. Em volta dos copos do Britz se discutia política, política e política e os brindes, salvas algumas exceções, eram dados com a mão esquerda. Além disso, o lançamento de livros, a exibição de filmes, shows, concurso de tangos, um jornal mural – O Britz News – e os clientes, davam à cerveja quente e à pizza gelada da casa um sabor invertido. O Britz News foi inaugurado em plena ditadura militar. Nele eram afixadas matérias censuradas sobre o regime e o esquadrão da morte. Qualquer um podia escrever. “O exército foi parar dentro do Britz por causa desse jornal. Só não deu cadeia porque um amigo nosso ligou avisando. Só tivemos tempo de correr, botar o mural na caminhonete e sumir com tudo”, conta Eliana Fontana de Oliveira, que foi casada com o proprietário do Britz, Eduardo Oliveira (o Paru), até sua morte em 1983.
Por muitas vezes, Paru ficava do lado de fora do bar para avisar quando o camburão estava chegando e a turma precisava se comportar. Ele dava aos pratos do cardápio nome de jornalistas como Osvaldo Oleari, que batizou o lombinho servido no bar. “O Britz era uma ilha onde se podia falar tudo o que se pensava. Lá, nós ficávamos sabendo das coisas sem censura, e idéias que não podiam ser publicadas no jornal eram veiculadas ali (jornal mural) de uma forma maquiada, porque a polícia estava sempre na cola de tudo”, lembra Osvaldo. NA AULA. Na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o controle sobre os estudantes também era intenso. Durante o período da ditadura, as reuniões e assembléias eram proibidas e as leituras eram clandestinas. Em 1969 o Diretório Central dos Estudantes (DCE) foi invadido e fechado pelos militares. Somente os Diretórios Acadêmicos (DA’s) continuaram funcionando, mas sob a tutela do governo federal. “Não era só repressão, havia horror! Se os militares tivessem conseguido realmente entrar no campus estaríamos todos mortos”, afirma o médico formado pela Ufes e ex-
JUNHO/JULHO 2005
“Apanhei na cadeia de um cara que cruzava comigo no campus”. Marcel o Ferreira Marcelo
presidente do Partido Comunista do Espírito Santo (PCB-ES), Antônio Claudino de Jesus. As eleições e a reabertura do DCE só foi possível em 1978, quando o país já vivia num contexto que permitiu o início do movimento de reestruturação das organizações estudantis. Um ano depois, foi a vez dos Centros Acadêmicos que, devido ao enfraquecimento da ditadura, trocaram o slogan “Abaixo a Ditadura” por “Queremos melhores condições de aprendizado”. Em 1980, as assembléias da greve geral dos estudantes por melhores condições de ensino mobilizaram cerca de cinco mil alunos no ginásio da Ufes. Apesar disso, a repressão continuava. Os ônibus fretados para as executivas estudantis eram proibidos de deixar a universidade e o medo da possível presença de agentes infiltrados do Serviço Nacional de Informações (SNI) ainda assombrava o campus. “Apanhei na cadeia de um cara que cruzava comigo no campus, nós convivíamos com torturadores. Fui preso fora da universidade sem motivo aparente e, depois disso, comecei a protestar contra o regime no palco, por meio do teatro. Pena que hoje o movimento estudantil esfriou. Atualmente quem faz passeata na Ufes são os professores e funcionários, os alunos não fazem mais”, conta o jornalista Marcelo Ferreira, formando da turma de 1981. NO PALCO. Marcelo e Magno Godoi, também jornalista, escreveram e encenaram um protesto com bilheteria na última semana de novembro de 1980, durante a Mostra de Teatro Universitário que acontecia na sala do Centro de Artes da Ufes. A peça Universus Sanct dy Spirits Federalis jogou teatro
na cara da ditadura e também nos clichês e contradições estudantis dos engajados da época, qualquer semelhança não era mera coincidência. O universo retratado no palco foi o da própria universidade e a peça venceu a mostra sendo assistida - e aplaudida - justamente por sua musa inspiradora: os estudantes. O circo foi montado incluindo todos os personagens do campus. O então reitor, Rômulo Penina, foi representado por um boneco feito de latas de Coca-Cola que, vez ou outra, recebia coçadas em seu (lá mesmo!) dadas por seu assessor, um militar fardado. Além disso, num quadro da peça, uma aula de estudos brasileiros (Moral e Cívica) era dada por um professor armado e, a fim de cutucar a infalibilidade do discurso e postura dos líderes estudantis, a moto de Paulo Hartung, na época presidente do DCE, também acabou sendo usada como munição para a brincadeira. “Todo mundo era criticado na peça, da ditadura ao movimento estudantil. A censura só não proibiu o espetáculo porque era para dentro da universidade”, recorda Magno Godoi, que dirigiu a peça. A caricatura do então líder estudantil Paulo Hartung foi feita por Marcelo. As muitas horas de laboratório nas reuniões acaloradas do DCE ajudaram a compor o personagem. “Eu levava um gravador para as reuniões do DCE e registrava aquelas palavras de ordem. Como eles falavam de reformas sociais, mas desfilavam de lambreta pelo campus, o meu personagem chegou no palco motorizado e discursou de capacete e tudo. A peça queria propor uma luta mais criativa, sem o mesmo discurso e hipocrisia de sempre”, diz Marcelo.
JUNHO/JULHO 2005
NA PAREDE. E criatividade kamikaze foi o que não faltou aos integrantes do movimento de estudantes Balão Mágico, que gritou nos muros da Ufes na década de oitenta. Munidos de uma irresponsabilidade lírica, eles cuspiram liberdade na burocracia e nos bons costumes educacionais. O objetivo do barulho era pleitear uma infra-estrutura mais completa para os estudantes e questionar a relação professor-aluno. A originalidade da proposta do Balão começa pela ausência de partido, passa pela coragem individual e roupas descombinantes de seus integrantes, e chega aos seus inquietos grafites que pintaram o campus com frases proibidas para menores de 18 anos e maiores de 60, como por exemplo, “Merde pour vous” (Merda pra vocês, em francês). “Eles não eram como os outros que ficavam só divulgando idéias políticas. A luta era por uma educação não estética, livre assim como a forma de lutar por ela”, conclui Telma Guimarães, professora aposentada da Ufes que, mesmo na época afirmando não ser integrante do movimento, foi por esse motivo afastada do quadro da Universidade em 1985.
Claro que a desobediência revolucionária do Balão teve alguns excessos, mas os escândalos são necessários. A verdade é que até hoje não dá para saber ao certo se os integrantes do movimento que ultrapassou os limites do campus e tomou os jornais da época eram gênios, loucos ou livres. Mas uma coisa é certa, eles não estavam nem um pouco preocupados com isso. NA LAMA (DA AMARGURA). Deixando o diabo em baixo, o balão no alto e a Merde na parede, fica sobrando a juventude cult-underground-alternativaanti-Bush-anti-mofo dos anos noventa “pra cá”. Em Vitória, esse povo sentou e reclamou numa rua em frente ao seu quartel general: a Lama, mas ficou só nisso. O alternativo de hoje não é nada mais que diversão de sábado à noite, maquilagem de vitrine de shopping ou adereço de festa. Não há conquistas. Enquanto a boemia das ruas de Ipanema deu em bossa-nova, as quintas-feiras da Lama deram em McDonald´s. A geração que já foi Coca-Cola hoje é Coca-Light. TEXTO
Flávio Borgneth FOTOS Arquivo Telma Guimarães
JUNHO/JULHO 2005
c h i l l
08
i n
Máquina do tempo
— Eu contei. — ... (admirada, óculos na mão esquerda) — Rafael, eu não acredito... — Era preciso. — E? E o professor? — Ele disse que essa história, formalmente, não existe. (pausa) — Olha Rafael (carinhosa, mas...) — Sim... — Você é intelectual... não bebe Kaiser, joga xadrez... — (risos)... Que história é essa? — A Luciana vive dando mole. — Patrícia, essa historia da Luciana... — Chuu... (dois dedos na boca dele) — Eu sei. — Mas... — Chuu... — É colega no francês; era quarta-feira... — Cadela. (fingindo surpresa). Você contou pra ela também? — ... Patrícia, eu tenho meus ideais... eu falei. — Não me diga... (procurando óculos na bolsa) — Falei que voltei no tempo, na minha Máquina... (olhos no céu CST) — Rafael... (rindo e mordendo o lábio inferior) pena que eu não fiz medicina! Tem aquele teu amigo da internet... (outro andamento, mas qual?) — (risos...) Patrícia, eu aceito tua receita. — Pára; ele é psiquiatra?
JUNHO/JULHO 2005
— Eu expliquei que voltei no tempo, — ... E encontrou o Balão Mágico; junto com... aquele tal Carlos, guitarrista... sei... (céu estrelado, noite de sexta com dúvidas) — Patrícia, eu sou um poeta. — Acho que você estava com a Lu... — Meu amor... não é nada disso. — Me dá teu celular... — Que isso? — Eu expliquei pro professor (olhar fixo no céu), que fiz a Máquina... — Sr. Wells, muito prazer... — Eu... — Chuu. — Olha o projeto... (mostrando um calhamaço de papel) — Desenho lindo... — Você tá vendo a foto?, estamos na Ufes, eu e o Balão... — Já sei quem pos isso na tua cabeça... — Âhn? — Aquele cara do blogue, que não escreve coisa com coisa. — Foi justamente por um texto dele que eu entrei na Máquina, e...! — E quem é esse? (vendo umas fotos) — Nós conversamos com o Valdo Mota depois, na Lama! — Quando? — Faz uma década e meia... eu acho. — A Luciana conheceu o Valdo Mota também? — Patrícia, eu fui sozinho, nós ficamos na Lama...
JUNHO/JULHO 2005
— Você foi ou ficou? — Eu fiquei, mas estavá lá... — Era quarta-feira? — Não, foi ontem. — Faz uma década e meia desde ontem? — Talvez... (silêncio azul, pausa) — E quando você voltou de lá? — Eu não voltei. Foi isso que eu disse pro meu professor. — E ele? — Disse que essa história não foi escrita, não há como provar. (Ela também olhou para o céu, sem dizer). (andante) Ainda estou lá... estou vindo, com outros artistas. Vou chegar daqui a alguns anos... Quando viermos do passado, nós vamos olhar pra trás e dizer... “Fomos nós que fizemos isso”. POESIA Elton Pinheiro http://eltonpinheiro.blogspot.com/ ILUSTRAÇÕES Rogério Campos
JUNHO/JULHO 2005
a r t i g o
11
Infiltrações moleculares
ALGUNS INCONFORMADOS AUTORES DO CENÁRIO pop de países definitivamente desenvolvidos vêem o mundo contemporâneo num registro tipicamente kafkiano. Dos quadrinhos ao cinema, da literatura à música, suas obras costumam pintar uma imagem da sociedade onde mega corporações coexistem com seres atomizados e frágeis, determinando uma realidade onde estruturas gigantescas e intangíveis garantem o funcionamento contínuo do sistema, apesar da vontade geral. Falam de nosso mundo verticalizado, de poderes mal distribuídos, mesmo assim naturalizado, considerado “normal”. Para as dores e dúvidas desse mundo há a magia do consumismo e a produção industrial do narcisismo, encarregando-se de embaçar visões e desinflar ânimos. São tempos de felicidade geral, há espaço para tudo, porque não há mais do que segmentos. Para os segmentos, os cochos, e estamos ditos. Cada época tem a cultura que consegue erigir para si. Se houve um tempo em que se acreditou que arte era uma espécie de última trincheira da liberdade, palanque privilegiado para o exercício da subjetividade indômita, hoje, cada vez mais, ganha força a idéia da cultura como recurso. E a arte se torna parte do negócio. Talvez a alma até. A ela cabe o espetáculo, previsto para contaminar todas as práticas humanas. A estetização da vida abrangendo do ínfimo ao universal. Tudo é lucro. O lucro é belo. Nesse contexto, globalização não é diagnóstico, mas destino. O Brasil não é um desses lugares definitivamente desenvolvidos, mas pretende-se que esteja globalizado. Significa que deve acompanhar a agenda mundial naquilo que importa, e o que importa cada vez mais é a administração da informação, do conhecimento, da cultura e das artes. Na pauta do dia o adestramento do que pode conter potencial transformador. Não por isso, mas
porque – como se demonstrou – cultura rende. Sem perder tempo, é necessário a imediata extensão dos critérios de propriedade - há muito aplicados às mercadorias, aos Estados e aos seres humanos (ou não) - ao que for criatividade, imaginação. Não basta a matéria obediente, os corpos submissos. Nem mesmo as idéias devem poder circular alheias ao capital que podem engendrar: urge patentear até o imaterial. As novas tecnologias abrem portas de dois gumes. Acenam com controles absolutos, mas também permitem redes de fuga inventadas de uma hora para outra. Nisso, possibilitam ao que resta de comunitário nos humanos alguns encontros fortuitos, algumas soluções provisórias. Surgem territórios e mercados onde não valem as moedas conhecidas e imperam criações comuns, ao sabor das visões e ações coletivas de seus participantes. Nas cidades também subsistem práticas e personagens estranhos ao mundo da administração total. Agem à margem, praticando uma cultura de subsistência. Apesar da cultura como recurso, promovem a troca de experiências autênticas e a valorização dos espaços coletivos. Ao invés da cultura das propriedades intelectuais e das proibições, articulam o livre câmbio, inventam inclusões digitais. É outro grande enfrentamento, o que se processa atualmente. As grandes corporações, interessadas em perpetuar a dinâmica que as torna possível, precisam da cultura traduzida para sua linguagem pretensamente única. A máquina não pode parar. Para engrenagens tem havido areias, pequenos e resistentes personagens que preferem a autonomia e a troca de experiências coletivas, em nome de uma liberdade impraticável num mundo esquadrinhado por cercas. ALEXANDRE CURTISS Prof. depto. Comunicação Social/UFES
JUNHO/JULHO 2005
M ú s i c a
12
Valvulla
NÃO FAZ MUITO TEMPO, AQUI NO Espírito Santo tentou-se dar status de movimento a um grupo de bandas locais que começou a ter certa projeção no âmbito estadual. Discos foram lançados, festivais criados, bandas exaltadas. Isso tudo como se Vitória vivesse em meio a uma grande efervescência cultural. A febre passou, os festivais acabaram, contratos foram feitos e desfeitos, o público cansou e as bandas perderam força. Hoje tudo voltou ao normal, ou seja, precária infraestrutura nas pouquíssimas casas de show existentes, desinteresse por parte do público e bandas pouco criativas. Mas de vez em quando até que surge alguma boa surpresa no sonolento e previsível cenário musical capixaba. A bola da vez hoje talvez seja o Valvulla, banda fruto da cena underground de Vila Velha. Antes de ser Valvulla, Danilo Ferraz (baixo), Vitor (guitarra), Will (guitarra e voz) e Renato (bateria) formavam o “The Wanteds”, banda conhecida por fazer versões de músicas dos Beatles. Em meados de 2004 a banda trocou de nome e começou a se apresentar com músicas próprias. “A mudança de nome se deu por uma mudança de postura da banda, de ter coragem de mostrar as nossas coisas, e também porque já existe uma banda de São Paulo chamada The Wanteds”, esclarece o baixista e compositor Danilo Ferraz. Ainda em 2004, a banda lançou sua primeira e até agora única demo, Pense!. Inquietude, nostalgia, punk rock, Los Hermanos, Mutantes, Strokes, são algumas das palavras que vêm à mente de quem ouve os caras pela primeira vez. Mas pouco a pouco, percebe-se o quanto é limi-
JUNHO/JULHO 2005
JUNHO/JULHO 2005
tada a iniciativa de comparar o que se ouve ao que já foi ouvido, visto e lido antes. O caminho deve ser sempre o da busca pela singularidade. E quando se percebe em uma banda a semente dessa singularidade, por mais discreta que seja, deve-se ficar atento. O Valvulla, à primeira audição, pode parecer um emaranhado de referências facilmente identificáveis, o que alguns chamariam de “bricolagem” musical. Não é esse o caso. A aparente falta de identidade justifica-se pela imaturidade da banda. Mas a semente está lá, por trás da postura “poser”, dos casacos de couro e das frases de efeito. Além disso, quem se importa com questões abstratas e filosóficas quando o que os caras querem mesmo é fazer rock´n´roll vigoroso, melódico e barulhento. E isso eles fazem muito bem, não há o que questionar. Aliás, essa aparente contradição entre a essência rock´n´roll tão característica, com as mais diversas influências brasileiras (Chico Buarque, Ivan Lins, Arnaldo Baptista...), é certamente o traço mais marcante desta banda vilavelhense. Recentemente o grupo foi escolhido junto com 39 bandas a participar das seletivas para o festival Claro que é Rock. O concurso de novas bandas,
JUNHO/JULHO 2005
passou por 8 cidades brasileiras. Em cada cidade foram apresentadas 5 bandas, antes dos shows do grupo inglês Placebo no Brasil. Uma comissão selecionou uma banda de cada etapa que levou R$ 15 mil em equipamentos além de uma vaga na final do concurso em setembro. “Nós mandamos a nossa demo para a promoção Claro que é Rock e fomos escolhidos para tocar na etapa do Rio de Janeiro. No início até achávamos que fosse mentira, mas depois o pessoal da produção ligou e vimos que estávamos mesmo selecionados pra tocar no Rio”, diz Danilo, que considera o feito uma vitória, mesmo não ganhando a seletiva. Afinal, não é todo dia que um grupo do Espírito Santo fica na frente de aproximadamente 2.300 bandas inscritas de todo o país e toca para um público de 7 mil pessoas. Outro motivo para os capixabas do Valvulla comemorarem é o convite do selo goiano Allegro para a participação da banda em uma homenagem ao ícone brega Odair José. O disco tributo Vou tirar você desse lugar sairá pela Allegro ainda esse ano e contará com artistas de projeção nacional como: Los Hermanos, Zeca Baleiro, Paulinho Moska, Otto e Tom Zé. Os capixabas foram préselecionados e esperam a gravadora analisar e apro-
JUNHO/JULHO 2005
var a gravação da música Ave sem ninho. “Mal conhecíamos Odair José antes. O selo de Goiás gostou de nossa demo e nos chamou para gravar uma música do Odair. Já mandamos a gravação para ver se eles aprovam” admite o baixista. Enquanto a resposta não sai, a banda continua fazendo apresentações, vendendo seus discos nos shows e enfrentando as inúmeras dificuldades de se ter uma banda de rock aqui no Espírito Santo. “Em Vitória praticamente não existem casas para tocar e quando existe, há problemas de acústica, equipamentos. Falta um investimento nesse sentido, sei lá, das prefeituras, de empresas” reclama Ferraz que ainda acrescenta: “E as pessoas aqui não têm esse costume de consumir as coisas do estado, elas têm mentalidade muito fechada”. Sobre o cenário musical capixaba, Danilo Ferraz se mostra esperançoso: “Existiu uma época, meados dos anos 90, em que a música capixaba teve um certo crescimento em relação à divulgação e qualidade técnica. Então as bandas começaram a aparecer, inclusive algumas “filhotes” do Mangue Beach. Acabou tentando criar um movimento. Houve até festivais grandes como o Dia D, mas o “movimento” não teve força, talvez por ter sido uma coisa meio forjada. Hoje isso deu uma baixada. Eu acredito
muito no underground capixaba, não como uma panela, mas como uma união de bandas”. Da mesma forma que todas, ou quase todas, as outras bandas que se auto-intitulam underground, o Valvulla não tem qualquer aversão a um eventual sucesso. Eles querem vender discos, ficar conhecidos e não limitados apenas ao público que freqüenta festas no Entre Amigos 2 e Clube Centenário. “Queremos mostrar nossas músicas ao maior número possível de pessoas. Somos uma banda underground no sentido de não sermos uma banda descartável. Termos uma proposta, um conceito. Queremos ser conhecidos, vender discos sem nos vendermos”. Porém é difícil não ter uma postura cética em relação à música capixaba. Faltam oportunidades, infraestrutura, incentivos, boa vontade, qualidade, interesse e por aí vai. Mas quando estamos prestes a perder completamente a esperança aparece algo para renová-la e ficarmos mais algum tempo esperando por alguma coisa. TEXTO Carlos Dalla Bernardina e Rafael Coelho FOTOS José Alberto Júnior (Graffe Photo Studio) josealbertojr.com.br DIREÇÃO DE ARTE E ILUSTRAÇÃO Rogério Campos CARAS Danilo Ferraz BOCAS Renato 77
JUNHO/JULHO 2005
JUNHO/JULHO 2005
M e g a f o n e
18
Contra fungos e ácaros
NUMA PRATELEIRA DA SEÇÃO DE LIMPEZA de um grande supermercado paulista um antimofo de boa qualidade custa em média R$5,75. Mas aqui, no Espírito Santo, esse item destinado a preservar o que está escondido no fundo do armário ainda custa só 365 dias. Pelo menos esse é o tempo de vida desse grupo made in Vitória, com profissionais importados de São Paulo e sem prazo de validade. DJ e dono da idéia, Henrique Soares (vulgo Rike) define este Antimofo como um “grupo autônomo de produção de eventos”. Grupo que ainda traz na bagagem toda a experiência dos 20 e poucos anos de vida de Andressa Domingos (Dessa), Balducci, Felipe Rocha, Walger, Katiany e Fábio Martins (DJ Kalunga). Reunidos pela carência de um lugar para o público dito “alternativo”, órfãos de uma base “underground” com o fechamento do Pub 455, o Antimofo se propõe a manter na noite contemporânea todo o estereótipo que rege vários clãs, fruto dos anos rebeldes capixabas. Se outrora o alternativo estava nos bancos perdidos da universidade ou nas mesas dos bares do centro da cidade, agora, talvez menos em atitude e mais no consumir, ele se encontra em festas onde figurinhas cult encaram os clubbers ou fãs do rock que só querem se divertir. Com as devidas adaptações locais ao global, a trajetória do Antimofo começou tão tímida quanto o surgimento do próprio nome. Do rodapé de um flyer, escrito por acaso por um quase desconhecido, até a camiseta que Rike veste, foram mais de 50 festas com um público médio de 300 pessoas. Do hip-hop ao eletrônico, passando pelo rock’n’roll o Antimofo se propõe a tirar todo o
JUNHO/JULHO 2005
bafio de coisa velha ou estragada que teima em se manter no que Aurélio Buarque de Holanda define como “que não está ligado a grupos ou tendências dominantes”. Eles não vão entrar na onda country. “O que fazemos é preencher uma lacuna”, conta Rike, que ainda traz São Paulo no sotaque e fala de sua atual atividade com toda a propriedade de quem chegou sem quê nem por quê ao estado. “Nosso trabalho não é no cenário comercial. Não é atrás do dinheiro”. Mesmo assim, o sonho do DJ é produzir eventos com artistas de renome internacional, sem é claro, abandonar o underground. Por enquanto, a renda gerada pela limpeza promovida por esse anti-ranço cultural dá pra trabalhar muito e pagar as contas. Ator na construção do atual glocal estadual, o Antimofo define seu público como quem se enquadra na tribo dos ditos cult. “Alternativo é quem procura uma segunda via à cultura de massa. São pessoas sedentas por cultura”, afirma. Nem tanto ao céu, nem tanto ao inferno, Rike. O que, no entanto, é inegável é que são vários alternativos que preenchem essas festas. “O público varia conforme o estilo. Não são sempre as mesmas pessoas em todas as festas do Antimofo, 80% se renova”, conta Rike. Realmente são tribos. Todas, segundo o produtor, longe de serem de massa. Com um ano de fabricação esse Antimofo ainda tem prazo de validade indeterminado. Mesmo assim, algumas condições de armazenamento e uso
ainda dificultam a vida longa desse produto. Aqui, diferente das prateleiras do mercado de São Paulo, as dificuldades não estão nas condições climáticas ou na posição do estoque. A maior barreira encontrada no estado é a falta de colaboração da iniciativa privada que, segundo o produtor, não arrisca vincular marcas a festas de rótulo underground. “Não é preconceito, é falta de visão e informação das empresas que ignoram a existência de um público alternativo”. Quando o caso é de segregação ele afirma que o preconceito existente parte de um determinado público, que apesar de gostar do estilo não esconde suas ressalvas à infraestrutura dos locais onde acontece o underground e do próprio pré-conceito sobre pessoas que freqüentam esses ambientes. Alternativas à parte, Rike acredita que esse um ano de atividades teve o merecido respaldo. O grupo consolidou alguns movimentos como as quartas-feiras de hip-hop, as quintas com o projeto Gazz e mais recentemente as sextas de Rocket na Curva da Jurema, além de participar da formação de um novo grupo de posição independente no cenário cultural da Grande Vitória. O estado ainda é um “paraíso perdido” e ele acredita muito no espaço da noite local. Se o produto fosse avaliado pelo Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor do IBGE provavelmente registraria um INPC super inflacionado. TEXTO E FOTO Graça Rossetto
JUNHO/JULHO 2005
JUNHO/JULHO 2005
o p i n i ã o
21
Cadê o artigo que tava aqui?
JUNHO/JULHO 2005
e s p e c i a l
22
Enquanto você estava no Centenário...
EM ABRIL, DOIS GRANDES FESTIVAIS foram realizados no país. Um em Recife, o Abril pro Rock, e outro em São Paulo, o Skol Beats. Dois jornalistas daqui foram aproveitar a festa. A Nina foi para o Recife e o Renato para São Paulo, e contam com exclusividade para a Couché as suas impressões.
Caranguejos com cérebro x cabeças de bagre Capixaba que sou, noto nos meus concidadãos jovens uma certa nostalgia de uma lembrança que não vivemos de uma cena musical forte. É como se a barreira verde que causou a “colonização” tardia do Espírito Santo ainda impedisse a projeção musical capixaba, quando na verdade o fator atual não é geográfico. Falta atitude política e alguma audácia nas letras. Alguém se lembra, sem se revoltar, do falecido Dia D? Um evento que parecia ser o início de uma puta atitude de união das bandas capixabas? Que acabou com o roubo de centenas de ingressos e neca de show? Chegar em Vitória depois de ter participado da 13ª edição do Abril Pro Rock, é quase pedir para internar a cena musical capixaba num CTI, e por favor não seja do SUS. Realizado em Recife, o Abril pro Rock (APR) comprovou mais uma vez que existe cultura pulsando fora do eixo Rio - São Paulo. Mais de 10 mil pessoas participaram desse festival que começou no seio underground pernambucano e atualmente oferece espaço para todas as tribos. Segundo Fred Zero Quatro, vocalista e tocador de cavaco do Mundo Livre S/A, o
JUNHO/JULHO 2005
Fred Zero Quatro, do Mundo Livre S/A
TEXTO E FOTO Nina Cida
APR é também um termômetro da cena musical de Pernambuco, que em meio a bandas internacionais como Placebo e Shaman, sobe ao palco principal Mombojó, banda pós-mangue beat com cd gravado em Recife por um selo independente. Com a duração de três noites, o sábado é tradicionalmente destinado ao Metal. Na 13ª edição do festival, alguns maratimbas do sal (capixabas) faziam agitar as camisas coloridas em meio às milhares de pretas que também se mexiam ao som do velho e bom Hard Core atitude. Era o Dead Fish em sua segunda aparição no tradicional evento da cena recifense. Velho HC, porque é revelação só para a MTV, que descobriu os caras pela gravadora Deck Disc. E tem atitude na letra, quando fala de anarquia, e na postura quando atinge grande público, com a música que gosta de fazer sem se subordinar a comerciais de refrigerante, ou bater na porta da MTV* e outros programetes. Conversando com o baterista do Dead Fish, Nô, durante o show do Massacration, ele lamentou a atitude mesquinha das bandas capixabas de brigarem por pouca coisa. Enquanto em Pernambuco os músicos fazem questão de subir juntos ao palco em projetos paralelos, no Espírito Santo, algumas bandas se rivalizam. Enquanto em Recife existe um manifesto Ca-
ranguejo com Cérebro criado para ajudar na preservação dos ecossistemas da cidade e sacudir a consciência dos jovens, na Grande Vitória existe uma espécie de movimento Siri Na Lata, onde os músicos cabeças de bagre tentam puxar para baixo as bandas concorrentes. Reforçam a comparação pobre entre música e produto barato comprado na esquina, com prazo de validade e etiqueta de material descartável. Mas se o público pode beber coca-cola e sukita, brahma e skol, por que não pode ir a dois shows de diferentes bandas capixabas? Concordo com o batéra do Dead Fish quando diz: “a maior propaganda de uma banda é um show”. Acrescento também que se o público gostasse dessas rivalidades, shows no Entre Amigos II não fariam tanto sucesso... aliás o nome do lugar é bem sugestivo. *O romance MTV e Dead Fish, segundo o baterista Nô, se deu porque a music television conversou com a gravadora e não porque a banda correu atrás da emissora. **a produção desse artigo só foi possível depois de ouvir o produtor cultural recifense Roger de Renor e da colaboração especial de Lellye Lima que gentilmente me hospedou e me acompanhou nos shows. TEXTO E FOTO Nina Cida
JUNHO/JULHO 2005
“Chega de chamar o Marky e o Patife. Apesar de serem ícones do nosso país lá fora, os caras tocam o mesmo set faz anos.”
Skol Beats Nem macaco velho de Skol Beats (este foi o meu terceiro), saindo com antecedência, consegue fugir do caos que é o trânsito de São Paulo. Por isso, queridos leitores da Couché, infelizmente este pobre jornalista não pôde conferir a apresentação do DJ capixaba Flávio Zogaib. Mesmo correndo, esbaforido, pelos inúmeros portões do Anhembi, só consegui entrar no sambódromo paulista às 17h. Flavio abriu o festival de 2005 às 16h. Assim como foi com o Zé Maria em 2003, reforço o que escrevi naquele ano, direcionado aos “críticos de sofá” de plantão: mesmo tocando para poucos, é o Espírito Santo no maior evento de música eletrônica da América Latina. Temos um time de Djs que não deve nada aos paulistas. E temos uma cena eletrônica muito mais democrática, mais ousada, mais criativa que todas as outras cenas de Vitória. Nas raves espalhadas pelo Estado não têm briguinha de xiitas hardcores contra bombados vestidos com seus abadás coloridos. Ok, mas os leitores querem saber mais do Skol Beats... Esse com certeza foi o mais organizado. Os fãs desceram a lenha por causa das atrações, quase desconhecidas. Mas aí é que esteve a graça. A gente reclama tanto dos festivais de rock com as mesmas atrações de sempre, os mesmos babados elétricos baianos... Então, é de se louvar que um festival do tamanho do Skol Beats ouse. A combinação rock com eletrônico funcionou perfeitamente na Arena Skol Anhembi, um dos palcos do evento. O Faithless arrebentou e nem precisou do hit “Mass Destruction” para
botar a galera para dançar Já o escocês Mylo deu um ar anos 80, com pitadas de Carly Simon (acreditem!), New Order e samplers monossilábicos. E no mesmo palco, Anthony Rother mostrou que uma mesa só não basta. Eram três. No Skol Club, dedicado ao progressivo, destaque para o argentino Hernan Cattaneo. No BBC Radio 1, nota 10 para o inglês Pete Tong, que transmitiu ao vivo o seu set para a rádio britânica. No palco Movement, palmas para High Contrast. Já a combinação rock com eletrônico foi um fracasso no Pepsi X Eletric, um trio elétrico que percorreu o sambódromo. A idéia era até interessante: Edgard Scandurra (Ira!), B Negão, Igor Cavalera (Sepultura), Carlinhos Brown, Elza Soares, todos misturados com DJs... mas o resultado foi um sonífero para os mais cansados. Agora, aqui vai um pedido aos organizadores do Skol Beats (eu sei que vou apanhar na rua...) Chega de chamar o Marky e o Patife. Apesar de serem ícones do nosso país lá fora, inovadores, os caras tocam o mesmo set faz anos, seja na Move, em Londres, na China ou no Multiplace Mais. Aquele remix da Fernanda Porto, o Calhambeque, o remix do Jorge Ben... Está na hora de renovar. Que tal uma estadia no ES? TEXTO
Renato Costa Neto
JUNHO/JULHO 2005
c u r i n g a
25
Entre as barbies e os monstros
ANDAM DIZENDO QUE SER UM ALIENADO confesso virou démodé, e o bacana agora é consumir produtos contestatórios. Isso está nos anúncios, na moda, na rua, nos filmes, nas novelas, e é o que já disseram há muito tempo o Jabor e a banana do Andy Warhol. Underground virou divisão do pop. É fashion ter uma banda, ou, pelo menos, parecer que tem. É fashion ter o cabelo desarrumado, as roupas desleixadas e aquele olhar torpe enigmático. Tudo produzido cuidadosamente e ensaiado em frente ao espelho. Aliás, aparentar ser, passou a ser tão suficiente quanto de fato ser. Só que mais rápido, mais fácil. Como um drive-thru cultural. As críticas e as ideologias estão a venda. E, pelo consumo, pode-se ser o que quiser. Com o carro, as roupas, o filme, o livro, a música, a banda, a rádio, a comunidade no Orkut, o lanche, a plástica, o chapéu, a tatoo, a pulseira, você pode ser a Barbie que você quiser, na hora que quiser. Todas as infinitas possibilidades dos modelos do ser à disposição: Barbie Escritório, Barbie Hippie, Barbie Cult, Barbie Campus, Barbie Rave, Barbie Micareta, Barbie Centenário e por aí vai. Mas a discussão de pop x underground costuma logo descambar para lugares comuns. Ou para lugar nenhum. E essa possibilidade nos ameaçou o tempo todo. Conceitos pouco delimitados: alternativo, underground e pop. E tentativas de seguir adiante, atropelando, muitas vezes, o preciosismo conceitual, em busca de respostas (ou de perguntas melhores). Onde o pop deixa de ser pop e o alternativo deixa de ser alternativo? Por que ser alternativo? Que diferença faz no final das contas? Underground que poca vira pop? Qual é a linha divisória? Tantas perguntas, tantos conceitos. Arte, cultura, entretenimento, mercado, pop e pronto! Estivemos várias vezes prestes a nos perder em devaneios e ser engolidos
por algum monstro. Talvez um dinossauro apocalíptico, ou poderia ser uma medusa integrada também. Mas discutir o funcionamento disso tudo na prática, pareceu ser uma saída. Então, “como podemos interagir nessas condições?” passou a ser uma boa nova pergunta. E discursos radicais, maniqueísmos, paranóias e ideologias remotas, se tornaram automaticamente inúteis. Olhando assim, coisas fundamentais são ou foram produzidas por aqui, transformando nossa micro-cultura jovem. Pelo menos num nível superficial. Mas justamente a (pouca) profundidade tem sido insuficiente. Tudo bem que cada grupo tem a cultura que merece, mas essas transformações são superficiais demais para pararmos nelas. Que bom que temos festinhas com djs de São Paulo e uma ceninha eletrônicapop-underground minimamente organizada. Que bom que temos uma revista de humor-Mad-capixaba. Que bom que temos bandas que tocam praticamente a mesma coisa que os Paralamas tocavam há décadas, mas rebatizaram de rockongo. E que bom que temos artistas-astros da publicidade de refrigerante, supermercado, shopping, pré-vestibular,... Tudo isso talvez faça mesmo parte do jogo, mas é aquém do que precisamos para não só parecermos. É claro que, falando assim, alguém pode achar que esta revistícula já se encheu de prepotência. Ainda mais com essa filosofia de boteco copo sujo. Mas não é isso. Ou nem tanto. Porque, sem querer vender o parecer ou o estar de rebelde, filósofo ou crítico; combater a mediocridade é sempre válido. Inclusive agora. Para isso, além do capixabismo, temos que no mínimo minar alguns restos de paradigmas, e sair às ruas para criar várias possibilidades novas, autênticas, sem nome, sem logo, sem donos, sem líderes e sem preços.
JUNHO/JULHO 2005
H u m o r
26
Tirinhas
Juliano Enrico
Lucas Albergaria
Daniel Furlam
JUNHO/JULHO 2005
JUNHO/JULHO 2005
JUNHO/JULHO 2005