Foto: 213 Sports/Divulgação
#3 Recife, Setembro de 2013
HOMEM GOL Ninguém chega a lugar nenhum se não se preparar Este é um dos ensinamentos de Zico, que agora bate um bolão como gestor e empresário
Foto: Daniela Nader
O novo homem do interior
Educação, inclusão e transformação É essa a ordem natural para quem quer virar o jogo da desigualdade no país e abrir um leque de oportunidades para milhares de pessoas. O desafio é grande, mas muita coisa boa já está acontecendo
Ele não quer saber da capital Adeus papel Governos investem na era digital
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ISSN 2317-2819
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editorial
índice
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Educação e Inclusão
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07 Entrevista Zico revela o seu lado gestor : Foto
Da n iel
esde nossa última edição, publicada em maio, o país viveu um novo momento. Manifestações cidadãs tomaram as ruas no mês de junho e sinalizam o despertar para um Brasil melhor. O chamado chegou sem viés político. Espontâneo. Por isso mesmo, pode - e deve - servir como inspiração para que o poder público possa dar mais respostas à sociedade, por meio de políticas públicas eficazes, que garantam a melhoria dos serviços para a população. Temos, de fato, um longo caminho a seguir. Melhorar a qualidade do nosso ensino; aumentar a atenção com a saúde preventiva; dar mais segurança à população e cuidar da mobilidade - área que deu a partida nas manifestações - devem estar no foco dos gestores públicos. Continuamos atrás do que vem sendo feito no nosso território e fora dele, para apresentar casos interessantes, de onde e como as coisas estão dando certo. Como o conceito de bairro-escola, que começou em um bairro de São Paulo, virou “modelo para o mundo”, inclusive premiado pelo Unicef. Ou ainda: como aulas via satélite contribuem para a educação de comunidades do Amazonas, além de uma escola, em Portugal, que foge do modelo tradicional para formar cidadãos. Tudo isso é a inclusão pela educação, que você lê na nossa reportagem de capa. E mais: profissionais que depois de se especializarem nos grandes centros fazem o movimento inverso e emigram para exercer suas profissões - boa parte com nenhuma conexão com o mundo rural - em suas terras de origem. Está surgindo um novo homem do interior? Temos ainda uma entrevista com o ídolo do futebol brasileiro, Zico, que revela como a sua simplicidade e determinação ajudaram a “dobrar” o Japão, país da eficiência. Você pode começar exatamente agora a conhecer, em detalhes, as reportagens e opiniões que trazemos nesta edição na expectativa de estimular reflexões e provocar o bom debate.
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Boa leitura!
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ISSN 2317-2819
expediente A Revista Gestão Pública PE é uma publicação do Governo de Pernambuco, por meio do Instituto Gestão, vinculado à Secretaria de Planejamento e Gestão – SEPLAG/PE 4
GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Governador Eduardo Henrique Accioly Campos Vice-Governador João Soares Lyra Neto Secretário de Planejamento e Gestão – SEPLAG Frederico Amancio
Realização Instituto Gestão PE/ SEDMG /SEPLAG Coordenação Geral Instituto Gestão Maurício Cruz Coordenação Geral do Projeto Elisandra Paiva Vânia Campos
Colaboração Canton Wu Daniel Oliveira Lilian Gomes Maíra Fischer Vivianne Câmara Conselho Editorial Frederico Amancio Maurício Cruz Edilberto Xavier
Vânia Campos Elisandra Paiva Iale Alves Conselho Consultivo Evaldo Costa Francisco Saboya Ricardo Dantas Produção Editorial Empresa Responsável Daniela Nader Fotografia e Editora ME
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scola da Ponte/Divulg o: E açã Fot o
Desafio no gelo ão/ uç d o pr
64 Cine Desafio no Gelo
54 Teletrabalho Ele veio para ficar
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40 Inovação A ordem é eliminar papel
Jornalista responsável Iale Alves (DRT – 2874) Edição Catarina Lucrécia (DRT – 24330- 003034/91) Reportagens e textos Catarina Lucrécia Tatiana Nascimento Fátima Beltrão
Fotos Daniela Nader Revisão Carolina Leão Projeto gráfico e ilustrações Christiano Mascaro Diagramação, infografia e ilustrações Sebba Cavalcante
Impressão Companhia Editora de Pernambuco - CEPE Tiragem da edição 700 exemplares
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CARTAs Entrevista Zico
ACONTECE O que vem por aí
CAPA Educação
OPINIÃO Cristovan Buarque
ESPECIAL Modernização das Juntas Comerciais
INOVAÇÃO Governo sem papel
CONTA CERTA BID - Inovação em Governo
INCLUSÃO Novo homem do interior
CAPITAL HUMANO Teletrabalho
ESTRATÉGIA Porter e o serviço público
CINE Desafio no Gelo
Acadêmicos da Gestão Gestão de RH na Polícia Civil de Pernambuco
humor Samuca
Cartas à Redação Devem ser encaminhadas para o Instituto de Gestão de Pernambuco (Rua da Aurora, 1377, Santo Amaro, CEP: 50040-090) ou por email revistagestaope@gmail.com
Contatos com a redação
As cartas podem ser editadas caso estejam em desacordo com o espaço da revista
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C A R T A S Foco em resultados
Parabéns pela Revista! Venho acompanhando algumas matérias e gostei muito do paralelo traçado entre a iniciativa privada e a pública na matéria Cultura Organizacional e Foco em Resultados, possibilitando nitidamente o entendimento das diferenças. A barreira cultural que ainda é forte no setor público, realmente em muitos casos, trava a modernização e a busca pela gestão através de ferramentas que possibilitam mudanças mais rápidas e positivas. Utilizei a matéria como mote principal de uma palestra que ministrei para alunos de graduação. Aparecida Benjamim Advogada- Recife
......................................................... Monografia
Demanda 2
Sou estudante (concluinte) do curso de Ciências Contábeis da Faculdade SOPECE e trabalho na Assembleia Legislativa de Pernambuco. A minha monografia de conclusão de curso é sobre Gestão Pública e a Revista foi de muita valia para a elaboração do meu TCC- Trabalho de conclusão de curso.
Inicialmente eu gostaria de parabenizar a excelente iniciativa de compor uma revista com foco em gestão pública. Gostaria, se possível, de solicitar que sejam enviados os arquivos em mídia, mensalmente, para este Gestor, para que possamos fazer a difusão interna no âmbito dos gestores da Policia Civil. Desde já agradeço.
Rachel Correa Estudante universitária
Romano Costa Subchefe da Polícia Civil Pernambuco
......................................................... Referência
A revista está muito boa. Vi com satisfação que a edição 2 trouxe a matéria sobre gestão de museus, minha área de interesse. Parabéns! Antonio Carlos Montenegro Fundação Joaquim Nabuco
......................................................... Chegou!
Gostaria de registrar que é com grande prazer que recebemos os exemplares da Revista Gestão Pública PE. Cynthia Campos Coordenadora da Biblioteca Central Blanche Knopf - Fundação Joaquim Nabuco
......................................................... Demanda1
Gostaria de registrar e destacar o nosso interesse em disponibilizar, na biblioteca da UPE Caruaru, a Revista Gestão Pública Pernambuco. Temos curso de graduação em Administração e de Sistemas de Informações, além de várias pós-graduações em gestão. É latente a necessidade de nutrir professores e alunos sobre temáticas relacionadas à Gestão que contenham exemplos de Pernambuco, visto que a maioria dos livros e periódicos disponíveis tratam de assuntos mais genéricos. Professora Paula Gonçalves Coord. Setorial de Extensão e Cultura UPE Caruaru 6
ERRATA
O infográfico publicado na página 19, que ilustra a matéria de capa, Dívida do bem, da edição anterior da Revista, contém dados desatualizados. Estamos republicando com os números atuais. Estado Rio de Janeiro São Paulo Goiás Piauí
DCL/RCL 2012 DCL/RCL 2012 Publicada na Revista Valor Correto 161,7% 165,2% 163,2% 153,9% 32,7% 107,4% 24,3% 50,5%
entrevista
Zico Por Catarina Lucrécia e Fátima Beltrão
O gestor “ tem que agir com a razão
” Foto: 213 Sports/Divulgação
Uma história de determinação e talento mudou a vida do menino Arthur Antunes Coimbra, carioca, do bairro do Quintino, no Rio de Janeiro. O nome longo encurtou, coube em quatro letras e o jovem Arthur conquistou a fama como Zico, o jogador. Um sucesso no futebol e no mundo dos negócios. Colecionou títulos nacionais e internacionais. Mas era pouco para quem foi considerado um craque e um dos melhores batedores de falta do planeta. Foi rei no Brasil e dobrou o Japão, a terra da eficiência. Depois de ter criado um Centro de Futebol (CFZ) e escolinhas de futebol para crianças carentes, espalhadas pelo país, ele faz mais um gol de placa no mercado. Completou 60 anos e lançou o jogo “Zico- The Official Game”, que conta a história do Galinho do Quintino. Zico conversou com a Revista Gestão Pública PE poucos dias antes de anunciar, pelo Facebook, o seu mais novo desafio. É o técnico contratado do Al - Gharafa, do Catar, incrementando o currículo como treinador. Como bom homem de negócios, fez segredo sobre os novos passos profissionais até bater o martelo, mas não economizou opinião em outros temas. Falou sobre a nova investida nos negócios, da experiência e dos desafios no Japão. Analisou, ainda, o momento político nacional, as manifestações de rua em plena Copa das Confederações, a expectativa para a Copa do Mundo de 2014 e, como gestor, manda um recado simples, mas bem eficiente: “planejamento é fundamental”.
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Foi uma experiência maravilhosa: a gente ter a confiança das pessoas, que acreditam no seu trabalho, é muito importante. Foi uma mudança de cultura muito grande, mas que eu procurei me adaptar dentro dessa situação. Morei lá 15 anos. Foi gratificante fazer esse trabalho.
mostrar que o futebol já existia lá. Eu não fui ensinar futebol. Eu fui mostrar o que era o profissional do futebol. Quais os passos que o profissional precisava dar. Esse foi o meu objetivo.
E o papel do líder nessa situação? O papel do líder é você fazer as pessoas entenderem o que está querendo para poder esse trabalho ser bem desenvolvido. Por-
Qual a sensação de você ter êxito no país da eficiência, da determinação, da disciplina. Além do mais tinha a barreira do idioma. É muito gratificante. Eu tive a felicidade de encontrar pessoas que me ajudaram. Eu encontrei um intérprete fabuloso.
que se as pessoas não acreditarem em você não vai se chegar a lugar nenhum. E isso, claro, vale para qualquer coisa. Em qualquer profissão. Isso vale para qualquer coisa e o meu objetivo foi esse. Primeiro, fazer com que eles acreditassem naquilo: no futebol deles. Era uma questão de tempo
Que gostava de mim, gostava do Brasil. E eu estou com ele até hoje. É lógico que a gente não desperdiça essa chance. Foi o que aconteceu. Eu encontrei um cara que me ajudou de diversas formas e com isso, na parte principal da comunicação, eu não tive problema nenhum.
Fotos: 213 Sports/Divulgação
Como é que tudo começou para você? Quando é que deu o start do Zico jogador para o Zico empresário-gestor? Foi muito difícil migrar do mundo dos gramados, do calor da torcida, para o mundo dos negócios e da gestão? Começou quando eu parei de jogar. Lógico que a ideia nunca foi sair do ramo do futebol. Como eu via uma dificuldade grande para a criança entrar no futebol, veio um centro de futebol onde elas poderiam vir praticar e onde eu pudesse passar a minha mensagem e dar uma oportunidade a essas crianças. É lógico que foi um negócio, teve bons momentos, mas sustentar toda essa estrutura que eu montei foi um desafio. Na época, era só escola de futebol. Hoje a gente tem campos alugados de noite, realizo copas, então vai se adequando. É uma estrutura grande, precisa de uma manutenção e a gente tem que estar sempre criando eventos, situações para garantir a manutenção. Hoje temos mais de 45 mil crianças e presença em vinte e poucos estados. Como foi a sua experiência no Japão? Como técnico e como gestor, tendo chegado a um país completamente diverso, com uma cultura tão diferente da nossa? Você pegou um time de operários para transformar em campeões. Como foi isso? 8
Mas o Japão é um exemplo na questão da disciplina. É lógico. E acho também como a forma que eu sou, um cara educado, ajudou muito. O sucesso vem muito em função disso também porque minha forma de ser também ajudou. O Japão fez um dos melhores jogos da Copa das Confederações. E foi aqui em Pernambuco contra a Itália. É uma evolução enorme e tem as suas digitais lá. Fico muito feliz, muito orgulhoso desse trabalho, mas ainda tem muita coisa para melhorar, para crescer. Precisa um pouco mais de concentração, de atenção emocional, continuar trabalhando para melhorar o biotipo. Eles ainda são
está neste universo, diante de sua experiência? O gestor não pode muitas vezes elevar o lado emocional. Tem que ver mais o lado da razão. A não ser quando você não trabalha com o seu próprio recurso. Quando o recurso é dos outros, você faz qualquer maluquice (risos). O trabalho tem que ser feito com a razão, o que no futebol muitas vezes é complicado. No futebol, a gente vê muito pouco planejamento. O que é fundamental em uma gestão. Você planejando bem, a tendência é a coisa funcionar melhor. O game é a sua mais nova investida no mundo empresarial. Como surgiu a ideia de contar a sua história através dele? Foi ideia sua ou é uma parceria? Fiz uma parceria com a agência Binder, que tem no meio dela a empresa 213 Sports. Meus filhos conhecem muito o pessoal e a gente começou a fazer alguns trabalhos juntos. Daí apareceu essa possibilidade do game. O que é que acontece? Tem coisas que marcam na carreira da gente. Uma das que marcou muito a minha foi a questão das cobranças de falta. Fui procurado por alguém que queria mostrar o desenvolvimento de um game a respeito disso. Para falar como eu fazia,
“O papel do líder é você fazer as pessoas entenderem o que está querendo para o trabalho ser bem desenvolvido” frágeis fisicamente, no aspecto do corpo a corpo, e ainda têm deficiências nas bolas altas. Mas isso acontece com o tempo. O Mundo do futebol movimenta cifras milionárias, mas, se não for bem gerido, isso passa. Você teria algum recado para quem
como eu treinava, como eu cheguei, não vou dizer à perfeição, mas a um índice muito grande de acertos. O game foi delineado todo em função disso. Hoje você tem os games de tiro ao alvo, de luta, de guerra. O game não deixa de ser isso também. Você acertar com criatividade os alvos. E qual a lição desse game? Eu treinava muito, por exemplo, nas balizas. Colocava a camisa no travessão do gol e, quando não tinha ninguém para treinar, usava alguma coisa que eu pudesse acertar no ângulo. A gente desenvolveu isso. Os caras desenvolveram o game com outras alternativas também. Chutar de uma maneira, botar efeito, adquirir bola que possa dar melhor produtividade. Tem uma série de coisas e ficou muito bacana. Tem cinco fases distintas. É um incentivo também para mostrar que ninguém chega a lugar nenhum se não se preparar, se não treinar bastante, se não se dedicar. Você acha que contando essa sua história, que é tão bem-sucedida, através de um game, que é uma forma divertida, é possível plantar uma semente para quem quer se tornar um campeão, um bom gestor? Claro. É possível mostrar que nada aconteceu por acaso. Hoje eles já me conhecem realizado. E bem diferente. A gente pode mostrar, então, o que veio por trás disso tudo. É, sua trajetória tem a ver com muita determinação e sacrifício. O sacrifício aliado ao talento também. É preciso aprimorar o talento. Você tem que procurar se aper9
O Brasil recebeu com muita expectativa positiva o fato de termos conquistado a Copa das Confederações, a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Há uma expectativa grande em relação ao legado desses eventos e também em relação à projeção da imagem do país lá fora. No entanto, em plena Copa das Con-
lhões. Até aí tudo bem, mas daí a aumentar três vezes mais. Pelo amor de Deus! Então as pessoas protestaram contra esses gastos absurdos. Outra coisa que está errada: deveriam priorizar os grandes centros do futebol. Você vai fazer um estádio em Manaus, gastar um absurdo, onde não é uma praça do futebol hoje? E Brasília, que tem o estádio mais caro? Brasília, pelo menos, ainda é a Capital do País. Você pode criar eventos lá. Agora, Cuiabá? Não é centro do futebol. Em Pernambu-
É lógico. A falta de planejamento atrapalha tudo. Você pode construir um estádio em Manaus, mas não com padrão de Copa do Mundo. Por que o que eles vão fazer depois com um estádio para 45 mil pessoas? A questão complexa da mobilidade lhe preocupa para a Copa?
Fotos: 213 Sports/Divulgação
feiçoar ainda mais. Isso é que, a meu ver, é a mensagem. Deus me deu um dom, mas se eu não tivesse me aplicado da maneira como eu me apliquei talvez eu não tivesse esse resultado.
“A grita de hoje é de uma nova geração que não tinha inflação, não tinha dificuldade de emprego, não sentia a falta de perspectiva de trabalho” federações, o Brasil viveu uma efervescência nas ruas muita intensa. Como você viu isso? Ninguém é contra a importância do futebol. Temos construções obsoletas em termos de estádios. O que o pessoal reclama é o absurdo que foi o gasto, não a construção do estádio. Então vão calcular a construção de um estádio, calculam, digamos, por R$ 500 milhões e vai a R$ 700 mi10
co, a Arena vai ter muita atividade porque tem três grandes forças aí (os times de futebol Santa Cruz, Sport e Náutico) São muito fortes em termos de público. A Bahia, a mesma coisa. Deve bater recorde de público também. Então, a meu ver, o que deveria ter sido priorizado era isso. Esse é o grande pecado capital do Brasil. A falta de planejamento?
Claro. Quando você pensa em legado, pensa nos transportes, nas telecomunicações... e o que a gente vê hoje é dificuldade nos aeroportos, nas rodovias. As rodovias, os metrôs poderiam funcionar muito bem, mas não existe isso. A gente só tem avião, avião, avião. A parte de comunicação também é um problema. Os celulares não funcionam bem. O legado tinha que
ser isso. Se a gente analisar as áreas da educação, da saúde, os professores tinham que estar sendo bem pagos, os médicos bem pagos... aí você vai poder gastar em outra área. É preciso planejamento, mas na hora de querer a Copa, todo mundo assina qualquer coisa.
sultados. Os estádios todos estavam cheios, lotados. Talvez em meio a um clima mais apreensivo, mas o povo gosta de futebol. Acho que na Copa do mundo não vai ser diferente. Com relação ao turismo, dá para reagir até lá?
A Copa talvez seja mais fácil ganhar do que a economia. Você está pessimista, não? É que a gente não está vendo muita alternativa aí não. As coisas estão muito nebulosas em relação a esse crescimento que todo mundo fala, mas no bolso não é bem assim. A grita das ruas acendeu o sinal vermelho para o setor público? Mais do que nunca. É uma grita que vai ter ouvidos porque é uma grita espontânea da população. E quando os sindicatos quiseram entrar, a resposta não foi a mesma. A grita é de uma nova geração que não tinha inflação, que não tinha dificuldade de emprego, não sentia a falta de perspectiva de trabalho, de você fazer uma faculdade e depois não ter espaço. Essa é a grita de hoje.
Você acha que esse grito das ruas vai nos ajudar a fazer uma Copa bacana, mais organizada em 2014? A Copa não, mas se as pessoas que estão hoje no Poder escutarem bem vai ajudar o país como um todo. Não só na Copa do Mundo, que acho que vai ser bem igual à Copa das Confederações, porque para aquilo que interessava à Fifa, ela teve re-
A quantidade de turistas, a meu ver, poderia ser mais bem explorada, mas com tudo o que aconteceu, pode ficar um tanto prejudicada. Você acha que por tudo o que o país viveu recentemente, se houver um planejamento melhor o Brasil ganha 2014 na Copa e na economia, que está tão complicada?
Você tem algum projeto novo? Meu projeto sempre é usar o futebol para ajudar a educação do país. Mesmo que seja uma contribuição pequena, uma gota d’água no oceano, mas a maioria dos jogadores de futebol está fazendo isso. Está ajudando, criando fundações, criando situações que possam ajudar a criançada a ter uma oportunidade de vida melhor. 11
Foto: Daniela Nader Por MAURÍCIO CRUZ Coordenador geral do Instituto de Gestão de Pernambuco
ZICO, O QUE ESSE CARA TEM A VER COM GESTÃO PÚBLICA?
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queles que não tiveram a oportunidade de vê-lo jogar, peço que creiam: o nosso entrevistado especial marcou profundamente, para o bem e para o mal, os da minha geração que, como eu, tinham o Maracanã como sua segunda casa. Para o bem, por nos ter dado a oportunidade de presenciar sua maestria e genialidade em seus toques de classe, suas arrancadas certeiras, suas cobranças de falta e seus gols de placa em uma época em que o país parava para acompanhar até amistosos da seleção. Para o mal, na medida em que ele fez tudo isso, e muito mais, e várias vezes, jogando contra o Botafogo, o meu time! Zico construiu sua carreira ancorando-a firmemente em valores como simplicidade e fidelidade, por ser um cara de família,
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ligado às suas origens, inteligente no falar, atleta verdadeiro. O depoimento que Zico tão gentilmente concedeu-nos chama a atenção especialmente no que tange ao relato de suas experiências no Japão. Chegar em um local diferente, que vive uma cultura diferente, para fazer parte de uma equipe já formada, trazendo consigo uma história de sucesso, é algo que acontece com frequência na gestão pública brasileira, principalmente com os ocupantes de cargos comissionados. É difícil, e bem difícil. Quantos desafios são colocados diariamente a esses profissionais? Se você viveu algo semelhante, ouça a voz da experiência. Zico testemunha que, para encarar “um país completamente diverso, com uma cultura tão diferente da nossa”, valeu-se da conquista da confiança das pessoas, que acreditaram em seu trabalho. Dois pontos primordiais se destacam nessa afirmação: primeiro, e mais importante, é “as pessoas terem acreditado em seu trabalho”. Isso nos leva à reflexão sobre a importância de ter “um trabalho pra chamar de seu”, uma história profissional, um conhecimento técnico – preferencialmente, aplicado – sobre o trabalho a ser desenvolvido nessa nova experiência de vida. Pois é esse conhecimento técnico, demonstrado, que as pessoas irão reconhecer inicialmente, e é ele que, se bem feito, quebrará as eventuais resistências da equipe. É o tradicional conceito weberiano, o da autoridade técnica, que nos é ensinado como sendo aquela legitimada pelos colegas mediante o reconhecimento da competência e do saber daquele que exerce a autoridade. Um segundo ponto diz respeito à “conquista da confiança das pes-
soas”. Se no mundo organizacional o inegável conhecimento técnico é fonte de autoridade, a posse dele e, principalmente, a maneira com que é exercida essa autoridade legitimam, também de acordo com Weber, o poder e, por conseguinte, a capacidade de influenciar as pessoas. Dizem os teóricos que a chave é o poder da especialização, definido como a força de influenciar derivada de talentos ou conhecimentos em áreas atrativas dos comandados. Nesse tipo de poder, sua legitimação é a conquista da confiança, que passa pelo respeito, pelo exemplo, pela educação, pela transmissão de conhecimentos, pela humildade e, principalmente, pela obsessão por resultados. Enfim, tudo o que Zico fez, naturalmente, em toda a sua vida de atleta. E ele ilustra a eficácia dessa abordagem, ao afirmar “não ter ido para lá para ensinar futebol” e que “sua forma de ser o ajudou”. Como consequência, o time comandado por Zico saiu das últimas posições e terminou entre os primeiros da J-League. Enfim, a história do Zico-Dirigente, ressaltada nessa entrevista à Revista Gestão Pública-PE, é, portanto, tão bonita quanto a história do Zico-Atleta, e tão mais útil para aqueles que, militando na gestão pública, queiram entender um pouco mais dos mistérios da liderança. Zico sempre foi LÍDER. Sua história de vida corrobora, com a força do pragmatismo, as melhores definições teóricas sobre o tema e deixa-nos um ensinamento vivo e atual: a verdadeira liderança deve ser expressa como autoridade e poder CONQUISTADOS, e é tanto maior quanto mais alicerçada estiver em dois pilares simples – o conhecimento técnico e a confiança das pessoas.
acontece O Estado e o cidadão
Brasília vai sediar, nos dias 17, 18 e 19 de outubro o Congresso Brasileiro de Gestores Públicos. O evento quer promover e sistematizar propostas em torno de uma questão importante: o papel dos gestores públicos de carreira para a qualidade das políticas e da administração pública brasileira. O tema escolhido já define bem o foco do encontro – O Estado para o Cidadão.
Participação
A Associação dos Analistas de Planejamento , Orçamento e Gestão de Pernambuco (AAPOG) vai marcar presença no Congresso Brasileiro de Gestores Públicos em Brasília. Será representada pela presidente, Elisandra Paiva, e pela vice, Márcia Souza. A Associação dos Gestores Administrativos também terá dois representantes: Marcelo Canatlice (diretor-presidente) e Bruno Canuto de Araujo (Diretor de Assuntos Profissionais e Articulação Institucional).
leituraemfoco Saúde em foco
Se o assunto em questão é Saúde, o endereço para acompanhar um bom debate é Belo Horizonte, onde será realizado de 1 a 3 de outubro o 2º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde. A programação do Congresso está sendo elaborada para estimular o debate. Os organizadores querem propiciar a participação intensa e a interlocução entre os participantes, por meio de sessões temáticas e fóruns de debates. O objetivo geral é analisar criticamente os rumos da saúde no Brasil, articular conhecimentos científicos com a formulação de políticas, e elaborar propostas para a criação de uma agenda de ação coletiva a ser apreciada na plenária final. Veja mais no http://www.politicaemsaude.com.br/
Congresso debate gastos públicos
O Gasto no setor público poderia ser mais controlado? Poderia baixar ? As respostas para essas e outras perguntas poderão ser encontradas no 3º Congresso de Informação de Custo e Qualidade do Gasto no Setor Público, que será realizado de 09 a 11 de outubro no Auditório da Escola de Administração Fazendária - ESAF, em Brasília. O evento é resultado do movimento de cooperação entre importantes instituições brasileiras que atuam com interesse e foco no controle dos custos e na melhoria da qualidade do gasto no setor público. Você pode obter mais informações no site http://www.socialiris.org/iiicongressocq/
Boas práticas na gestão
Já estão abertas as inscrições para o 3º Congresso Ceará Gestão Pública, que acontece de 4 a 5 de novembro em Fortaleza. O evento, realizado anualmente, é uma parceria da Secretaria de Planejamento do Ceará com a escola de Gestão Pública e tem como objetivo promover um debate sobre a Gestão Pública no país. O tema deste ano será Planejamento, Gestão de Pessoas, Modernização da Gestão e Tecnologia da Informação. Tem mais: uma das grandes novidades para a programação será a realização do Seminário de Boas Práticas nos Municípios – Compartilhando Experiências, que acontece paralelo ao Congresso, para divulgar, disseminar e compartilhar as práticas exitosas em execução em todo o estado do Ceará.
De olho no futuro
O que esperar do futuro? Como fazer para se preparar para ele? O Governo de Pernambuco e o Movimento Brasil Competitivo promovem o PE 2035, uma iniciativa que tem um objetivo ousado: a formulação de um Plano Estratégico de Desenvolvimento de Longo Prazo que prepare o estado para esses desafios do futuro. A ideia é envolver ao máximo a sociedade no projeto de construção de um projeto a longo prazo para o Estado, com foco em três frentes: prosperidade , inclusão e sustentabilidade. Você pode e dever ser um agente importante neste projeto. Então fique ligado. Acesse o link, conheça os detalhes e participe. As suas sugestões podem fazer toda a diferença. http://www.pernambuco2035.com.br/
Cenários para o Brasil 2022 O Brasil fará 200 anos como Nação Independente em 2022. A data tem bons motivos para ser um marco e já começa a ser uma referência para se pensar estrategicamente o futuro do país. Foi com esta visão que os economistas Fábio Gianbiaggi, do BNDES, e Claudio Porto, presidente da consultoria Macroplan, organizaram o livro “2022: Propostas para um Brasil Melhor no Ano do Bicentenário” (Elsevier/Campus). O livro reúne reflexões de 17 expoentes do pensamento econômico nacional sobre a situação atual e apresenta propostas concretas para que o país chegue em 2022 a um estágio superior de desenvolvimento. Vale conferir. Edição: 1 Editora: Elsevier Ano: 2011 Vários Autores
Estatísticas Pela Vida O aprimoramento da sistemática de coleta e análise de informações tem sido condição de possibilidade para o êxito de uma estratégia bem sucedida de modernização da gestão em segurança e redução de homicídios, como é o Pacto Pela Vida. Este é o mote de “Estatísticas Pela Vida”, compêndio de trabalhos de análise criminal e estatística que sintetiza os avanços desenvolvidos por Pernambuco nessa área.O livro reúne capítulos assinados pelo sociólogo Gerard Sauret, que coordena a Gerência de Análise Criminal e Estatística da Secretaria de Defesa Social, e mais quatro colaboradores – Augusto Sales (sargento PM, formando em Sistemas para Internet), Egenilton Farias (estatístico), Mariana Tiné (geógrafa) e Servilho Paiva (delegado federal e ex-secretário da SDS). Edição: 1 Editora: Bagaço Autor: Gerard Sauret Ano: 2012
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capa Foto: Escola Aprendiz/Divulgação
QUER SABER? Leia e descubra como esta grafitagem, na Vila Madalena, em São Paulo, tem a ver com esta reportagem
POR FÁtima Beltrão
O Brasil ainda está longe de realizar a revolução pela educação. Mas ações desencadeadas pelo país afora fazem parte do esforço público e privado para incluir, social e economicamente, cada vez mais jovens e adultos. Boas ideias e excelência na gestão educativa ajudam a reduzir distâncias. Como em Pernambuco, onde alunos ganham o mundo. Ou no Paraná que oferece prisões projetadas com salas de aulas para formação no ensino fundamental e alfabetização. Em São Paulo, o projeto Escola Aprendiz transformou um bairro inteiro e já é exemplo internacional. O Amazonas também participa desse esforço. Lá, as comunidades rurais e indígenas, distanciadas dos centros pela própria natureza da região, contam com uma ferramenta tecnológica avassaladora: aulas através de satélites, proporcionadas pelo Centro de Mídias. São ações concretas, que mostram que é possível, sim, fazer com que educação e inclusão caminhem juntas, na mais plena sintonia. 15
Foto: Seduc/AM/Divulgação
No Amazonas, o ensino via satélite vence distância e os desafios da região, encurta caminhos e viabiliza oportunidades
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as capitais e cidades do interior do Nordeste é possível concluir cursos técnicos, de graduação e de pós-graduação sem sair de casa, pela internet, no projeto Educação a Distância (DEaD). Em São Paulo, o projeto Escola Aprendiz desenvolveu o premiado conceito bairro-escola, incorporado pelo governo federal em forma do programa Mais Educação. Surgiu então a escola integral, já adotada pela secretaria municipal de Educação do Recife. Norteia políticas educativas em mais de mais de 32 mil escolas no país. Parece pouco, mas nos últimos 20 anos o país deu um salto na educação. O Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil 2013, divulgado em julho, mostra que foi o componente que teve o maior crescimento absoluto e a maior elevação em termos relativos no período 1991 a 2010, mas 16
ainda aparece como um dos maiores desafios. Falta melhorar a qualidade do ensino. Um esforço que segue adiante através de projetos inclusivos. Se os pernambucanos ganham o mundo, com um programa inovador que integra o projeto de Educação do Governo do Estado, os detentos do Paraná voam e também sonham com novos tempos. Apenas jovens e adultos participam de programas de inclusão pela educação. Até aí nada demais. Lei federal determina que sejam ofertadas condições para o ensino básico nas unidades prisionais. A novidade, porém, é que no Paraná os estabelecimentos já estão sendo construídos com salas de aulas projetadas para serem, verdadeiramente salas de aulas. É o estado da federação que mais avançou nesse quesito. De acordo com Edilson Gomes Costa, Técnico Pedagógico da
coordenação de Educação de Jovens Adultos, da Secretaria de Educação do Paraná, das mais de 1.800 unidades prisionais existentes no Brasil, nenhuma planta penitenciária foi concebida, na origem, como estabelecimento educacional. “No Paraná, esse tem sido o diferencial. Alguns projetos arquitetônicos já contemplam espaços físicos adequados às necessidades escolares”. Mas Edilson alerta que as salas ainda são insuficientes. Por isso, foram feitas adequações nos outros presídios. Ele diz que alguns estabelecimentos penais contam com aproximadamente 1000 (mil) internos e foram destinadas, no projeto, apenas 05 (cinco) salas de aulas, com 34 metros quadrados cada uma. No Paraná, foram atentidos, até junho deste ano, cerca de 4.900 detentos do total de 13.900 no estado. “Não
Foto: Daniela Nader
temos salas de aulas para atender a todos, mas está sendo feito esforço para aumentar”. Ele conta que há dois programas inclusivos na educação. Um é o da leitura realizada com professores. Os detentos aprendem a ler, a interpretar o texto e no final devem elaborar uma resenha sobre o que leram. A nota vale para diminuir a pena deles em função do trabalho e do estudo. O outro programa é o de alfabetização, onde presos já escolarizados se transformam em monitores de alfabetização. Eles dão aulas para os companheiros nas próprias celas. Recebem uma bolsa pelo trabalho e ainda podem fazer remissão de pena. Para Edilson a tarefa de determinar o perfil dos educandos do sistema carcerário é bastante complexa, mas necessária e contínua. Por isso, a proposta pedagógica pensada para essa de-
melhoria nas condições de vida para o convívio em sociedade. “O processo educacional realiza-se a partir de dois eixos: a assistência educacional e as atividades orgânicas. A assistência educacional refere-se às atividades de formação e subdivide-se em No Amazonas, desafio educação formal, educação não formal e qualificação é vencer distâncias profissional e educação sociocultural”. Já no Amazoem um território nas o voo é nas asas de um onde o acesso é satélite. Lá, o desafio era vencer distâncias em um a maior barreira território onde o acesso é a no momento presente e de falta de maior barreira para a inclusão das perspectiva futura, além da angús- comunidades rurais e indígenas. tia com o tempo já vivido”. Por isso Pesquisas mostravam que alunos mesmo, Edilson argumenta que a dessas regiões longínquas não proposta pedagógica deve ser pau- conseguiam ultrapassar a 9ª série. tada na busca por um conhecimen- Ficavam para trás. Até que o goverto que agregue valores e aponte no implantou salas de aulas prepara prática social de inclusão, de senciais via satélite. Isso mesmo. manda de educandos deve priorizar as necessidades fundamentais para compreensão de uma vida com dignidade. “São jovens e adultos que quase sempre apresentam um sentimento de desesperança
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liados interna e externamente, através de provas e trabalhos. Cada módulo passa por quatro avaliações. Também participam do Enem. Só muda a tecnologia. Foi a saída encontrada”. E não é para menos. O Amazonas tem 18,45% do território brasileiro e as condições geográficas, aliadas à uma população rarefeita, energia elétrica irregular,
uma rede satelital (satélites Vsats bidirecionais), para permitir a interatividade entre salas. O professor José Augusto conta que cada sala de aula recebe um kit composto por computador, impressora, webcan, microfone, telefone IP, nobreack e um televisor LCD de 42”, além de acesso à internet. Os cursos têm a mesma carga horária do
Fotos: Seduc/AM/Divulgação
Um satélite, o Vsat, leva os professores a estas comunidades com aulas ao vivo e com a mesma carga horária e conteúdos das salas presenciais dos municípios mais próximos da capital. O programa contempla o ensino médio via satélite e foi criado em março de 2007. É desenvolvido pelo Centro de Mídias de Educação do Amazonas, e coor-
Centro de Mídias, no Amazonas, conta com central de produção educativa e realiza transmissões diárias ao vivo com tecnologia HD
denado pela Secretaria de Educação do Estado. De início, o professor José Augusto de Melo Neto, diretor do Centro de Mídias do Amazonas, conta que o projeto atingiu 10 mil alunos de 62 comunidades rurais, em 42 municípios. Muito pouco para uma região tão vasta. Avançou de 2007 a 2012 e já contabiliza 140 mil alunos de 2.700 comunidades, dos 62 municípios. “Só neste ano foram matriculados 36 mil alunos no ensino fundamental e 28 mil no médio. Eles são ava18
além da falta de professores, desafiavam os gestores. A saída era usar a tecnologia. O satélite era o que melhor se aplicava. A solução encontrada, comenta José Augusto, foi unir tecnologia de transmissão por satélite, videoconferência multiponto, à metodologia presencial de forma inédita no mundo. Isso levou à criação do Centro de Mídias, composto por uma central de produção educativa com transmissões diárias ao vivo por meio de TV interativa por IP, conectada à
ensino regular, ou seja, 200 dias de aulas por ano. A diferença é a mediação tecnológica. E o Centro de Mídias foi mais além. Desde o ano passado implantou tecnologia HD. A plataforma é a mesma, mas se amplia e o número de pontos de antenas cresce cerca de 30% ao ano. Ao todo são 1.000 antenas Vsat, e cada uma atende a uma média de três comunidades. O sucesso foi tanto que as comunidades indígenas se interessaram pelas aulas e pediram salas. Foi preciso
qualificar professores bilíngues para traduzir os conteúdos para as línguas nativas. O projeto original não visava ao atendimento deste público. Mas se rendeu aos pedidos dos índios. E se para incluir é preciso vencer distâncias no Amazonas, em outras localidades do país, como capitais e cidades do interior do Nordeste, o desafio é vencer di-
torias de Educação a Distância (DEaD). Tudo de graça, sem sair de casa, pela internet usando plataformas tecnológicas. Em Pernambuco são mais de oito cursos e um de pós-graduação em Gestão Pública. São oferecidos três cursos superiores, sendo um em Gestão Ambiental, e dois de licenciatura em Matemática e em Geografia. E
ficuldades econômicas e de tempo para oferecer qualificação técnica, graduação e pós-graduação. E assim proporcionar mais ferramentas na disputa por espaço no mercado de trabalho. Mais ainda. Preencher lacunas na área técnica. Pensando nisso, o governo federal instituiu o programa de ensino a distância para cursos técnicos e de pós-graduação, ofertados pelos Institutos Federais de Pesquisa e Educação (IFEPs). Por sua vez, eles realizam aulas por meio das Dire-
mais quatro cursos técnicos, estes em manutenção e suporte em informática, informática para internet, manutenção automotiva e sistemas de energias renováveis. Fernanda Dornellas, Diretora de Educação a Distância do IFPE, relata que além dos mais de 1.828 alunos que já concluíram turmas, os cursos a distância despertaram também o interesse de doze índios da tribo Fulni-ô, de Águas Belas, Agreste de Pernambuco. “A vantagem dos estudantes a distância é
que eles não gastam com livros nem com transporte. Mas assistem a algumas aulas presenciais nos mais de 16 polos espalhados pelos estados da Bahia, Paraíba e Pernambuco. Os cursos usam a plataforma Moodle 1.9 e que já vai avançar para 2.2. A educação a distância só é possível por conta da tecnologia da informação e comunicação, as PICs”. A gratuidade e a facilidade de cada aluno em fazer seu próprio horário de estudo é o principal diferencial desses cursos. Fernanda Donellas pontua que muita gente quer estudar, mas não tem condições financeiras ou de acesso aos locais das salas de aulas formais. É o caso de Samuel Antônio Gomes, 42 anos, que em 1991 começou a trabalhar para sustentar a família. Por isso interrompeu os estudos. Só em 2004 conseguiu concluir o ensino médio. Ficou sabendo dos cursos a distância e fez o vestibular no polo de Limoeiro, Zona da Mata de Pernambuco. Passou no curso de Tecnologia em Gestão Ambiental. Ele diz que por conta do curso, já foi promovido na empresa em que trabalha, o laboratório de análises de água, alimentos e ar, a Qualiágua. “Era auxiliar de laboratório e já sou coordenador de amostragem. Vou terminar o curso em 2014 e já tenho a promessa de nova promoção para nível superior. Agora não vou mais parar de estudar. Para mim é uma vitória. O curso é muito puxado e é preciso ter muita disciplina. São oito cadeiras por semestre dadas em módulos. Mas o aluno não aprende sozinho, temos professores e tutores que dão aulas através de web conferências e ainda tem as presenciais. Minha esposa passou no vestibular do polo de Surubim, zona da Mata 19
Foto: Daniela Nader
EM PERNAMBUCO Ayruman Araújo e Paulo de Tarso conseguem seguir a tradição fulni-ô e cursar Geografia através do ensino a distância
de Pernambuco”. Os índios Fulni-ô também se dobraram à tecnologia do ensino a distância. A comunidade Fulni-ô tem na aldeia cerca de 4 mil índios e 12 fazem cursos a distância. Caso de Isnar Gomes Pontes, 42 anos. Ele cursa o quarto período de Geografia, polo de Água Belas, Agreste de Pernambuco. Isnar prestou vestibular, depois de um período sem estudar. “Fiz o científico no sistema intensivo (2004/2005) e passei até 2011 sem fazer nada. Foi aí que apareceu a oportunidade de fazer o vestibular para cursos a distância. Fiz a inscrição e passei”. Ele conta que vive na comunidade indígena sem muitas opções de trabalho, as possibi20
lidades são na área de educação e na de saúde, mas as oportunidades são poucas. “Por isso quero fazer um pós ou um doutorado para me qualificar melhor”. Isnar diz que embora tenha tradições e gosta de vivê-las, quer também progredir e a opção de estudar a distância foi a melhor forma de conciliar, sem se ausentar da tribo. “Eu estudo em casa e só vou ao instituto para as aulas presenciais. Faço de acordo com o meu tempo, ainda reservo tempo para o lazer, para outras atividades e para os estudos”. Ele está lutando para conseguir o bolsa permanência oferecida pelo Governo Federal para frear a evasão. Pelo fato ser indígena receberia o
dobro. O Instituto está em processo de cadastramento. A Bolsa é de R$ 400,00, mas para os indígenas é de R$ 800,00. Ayruman Ferreira de Araújo, tem 23 anos e está cursando o sétimo período de Geografia, também em Águas Belas. Ele quer tabalhar na área e fazer uma pós-graduação. Passou no vestibular sem recorrer ao sistema de cotas. Um orgulho para ele. Já Paulo de Tarso Albuquerque, de 33 anos, também cursa o sétimo período de Geografia e também quer se qualificar através de pós-graduação e quem sabe um doutorado. Um orgulho para Ana Esmeralda, Coordenadora do Curso de Geografia, do polo de Águas Belas. Ela diz que a educação a dis-
tância chega aonde quer chegar. “A experiência com os fulni-ô é a prova disso. Eles antes não tinham expectativa alguma e agora todos querem avançar, fazer uma pós, um doutorado. Isso é, efetivamente, vencer a distância. Eles pensam em trabalhar, ter outras qualificações. Além de tudo, a faculdade promove a integração entre índios e não índios. Nos primeiros dias eles ficavam acuados, mas isso mudou. Eles interagem, têm grupo de estudos como os outros alunos. Um avanço para todos”. Fernanda Dornellas
cratização da educação, sem contar que dá ao aluno a possibilidade de gerir seu próprio tempo de estudo. Ele pode ir e vir nas salas virtuais de ensino quantas vezes necessitar, e de graça”. A diretora da DEaD comemora os resultados da primeira avaliação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP), onde os cursos de Gestão Ambiental e Licenciatuira em Matemática tiveram conceito 4 em uma escala de 1 a 5. Excelente desempenho, comemora ela. Tem mais. Todos os direitos concedidos aos alunos da rede for-
ordenador. Professores e alunos passam por treinamento para utilizar a plataforma e a avaliação é presencial”. Fernanda tem razão. Tanto assim que a coordenadora do Curso de Gestão Ambiental a distância, Regina Beltrão, pontua que a coordenação atende cinco polos em Pernambuco, localizados nos municípios de Garanhuns, Surubim, Pesqueira, Limoeiro e Ipojuca. Mais dois serão implantados, em 2014, em Palmares e outro em Santa Cruz do Capibaribe. Há um polo na Bahia, em Dias Dávila, e outro na Paraíba,
Os lugares tocados pelo projeto da Escola Aprendiz (SP) ganharam destaque e estão entre os mais
explica que para tudo isso ser possível conta com parcerias das prefeituras municipais, dos polos e do estado. Elas fornecem salas para aulas presenciais, internet, computadores, além de órgãos de fomento como a Capes, FNDE e do próprio IFPE. “Os cursos pela internet vencem distâncias penetrando em municípios mais afastados dos centros, capilarizando o ensino. É a demo-
Foto: Escola Aprendiz/Divulgação
visitados
mal são estendidos aos alunos a distância, como fardamento, apostilas, agenda, ônibus para visitas técnicas. Melhor ainda. Também podem participar do Enem. “Cada cadeira ou componente curricular dispõe de um professor pesquisador ou formador em cada polo de atuação e tem ainda um tutor a distância para tirar dúvidas e dar orientação. Além disso, cada curso tem um co-
em Itabaiana. Regina conta que o sucesso do curso Gestão Ambiental se deve, entre outros fatores, ao fato de trabalhar com a atualidade que gera uma demanda de mercado acima da média. “O curso de tecnologia em Gestão Ambiental forma gerentes de meio ambiente. Os alunos saem daqui com perfil para gerir o meio ambiente e as políticas públicas ambientais”. 21
Foto: Daniela Nader
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m Pernambuco, para “Ganhar o Mundo”, a aluna Cecyllia Emanuella Bezerra de Melo foi para os Estados Unidos. Ela não perdeu tempo. Assim que foi anunciado o concurso na Escola Estadual Mardônio Coelho, no bairro da Bomba do Hemetério, zona norte do Recife, a estudante se inscreveu. O contato dela com o Inglês era, até então, só pela internet. Estudar mais profundamente a língua só aconteceu através do programa. Estava cursando o segundo ano do ensino médio e fez o curso preparatório para a viagem na própria escola. Sempre às segundas, quartas e sextas-feiras. Cecyllia Emanuella relata que alguns colegas que passaram no concurso desistiram durante o preparatório, mas ela 22
seguiu em frente. Só alguns fizeram a prova. A mãe, Josimar Bezerra de Melo, assistente administrativa do SENAC-PE, sempre quis que ela fizesse a viagem, mas o pai, Huedy Carlos Martins Costa de Melo, garçom de um restaurante em Recife, estava receoso. Huedy tinha razão. O programa ainda não era muito divulgado, à época. E a família com renda de R$ 2 mil por mês não podia bancar voo tão alto da adolescente. A garota recebia R$ 600,00 por mês como ajuda de custo e tirou o primeiro lugar no colégio na seleção para a viagem, com média 98,50 na oral e 48 na escrita. Cecyllia ficou alojada na cidade de Mesa, no Arizona. “Cheguei com receio, mas a rotina, apesar de diferente, foi tranquila”. A nova família foi
Cecyllia Melo foi para os EUA pelo Programa Ganhe o Mundo (PE) e quer muito mais recebê-la e a formação familiar de lá era igual à família dela daqui: uma irmã, e os pais. A irmã de sangue é mais nova; a de lá já tinha 17 anos e tornou-se uma ótima companheira. A adolescente relata que não teve muitas obrigações domésticas, mas tinha que ajudar a arrumar a casa. Ía para a escola com os pais e ficava das 8h às 15h, onde também fazia teatro e dança. Agora ela estuda para o vestibular de jornalismo ou relações exteriores. Um salto e tanto. Aprendeu muito. Diz que voltou mais nacionalista. “Lá toda casa tem uma bandei-
viajaram para mais de sete países, como Nova Zelândia, Estados Unidos, Canadá, Espanha, Chile, Argentina e Austrália, para estudar línguas. Ao todo, até fevereiro de 2014 mais de 1.600 alunos terão viajado. E muitos já estão com as malas prontas. Professores também foram qualificados. Mais de 90 viajaram para se qualificar e ensinar melhor nas escolas da rede estadual. Um investimento que para o secretário de Educação do Estado de Pernambuco, Ricardo Dantas, não tem preço. Ele diz que o Programa Ganhe o Mundo (PGM) busca ofertar aos estudantes do ensino médio da rede pública estadual cursos intensivos de idiomas em inglês e espanhol,
além de intercâmbio internacional com países de língua inglesa e espanhola. O secretário considera que, além do aprendizado em outra língua, há um grande desenvolvimento para o aluno em relação à convivência com outra cultura. “Isso gera uma série de oportunidades para os estudantes que participam quando eles retornam às suas cidades. Além disso, eles têm a oportunidade de serem embaixadores do nosso Estado lá fora. O intercâmbio é todo financiado pela Secretaria de Educação, desde a hospedagem, até a escola, passando pelo seguro de saúde e uma bolsa mensal de aproximadamente US$ 300 ou cerca de R$ 600,00”.
Foto: Ademar Filho/Divulgação
ra americana na porta. A gente não tem isso e mostra muito a parte ruim. Só reclama e não gosta do nosso país. Eles ensinam a amar o país. Eles guardam a parte ruim para eles. Não mostram ao estrangeiro. Isso é uma lição de vida”. Cecyllia aproveitou para falar da cultura do Recife. “Mostrei o frevo e o Carnaval daqui que é mais comportado do que o do Rio”. O que mais a marcou foi aprender a amar o Brasil do jeito que ele é. Melhor ainda. Quer voltar para o exterior, para uma universidade americana, através de um programa do governo dos EUA. Está se preparando para tentar uma vaga. Assim como Cecyllia, mais de 552 estudantes da rede estadual já
Mais de 552 estudantes da rede estadual de Pernambuco já viajaram para mais de sete países, como Nova Zelândia, Estados Unidos, Canadá, Espanha, Chile, Argentina e Austrália, para estudar línguas 23
Foto: Escola Aprendiz/Divulgação
Aprendiz
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um modelo para o mundo A
ssim como em Pernambuco, o Escola Aprendiz, que nasceu em São Paulo, na Vila Madalena, zona oeste, alçou voo pelo mundo. Ganhou dezenas de prêmios, entre eles um do Unicef, que em 2004 considerou o projeto como modelo para o mundo. Pronto. Foi adotado em diversos países, inclusive da África. O Aprendiz trabalha com o conceito bairro-escola que vai buscar os potenciais educativos existentes nas próprias comunidades. A história da grafitagem no muro, que você foi convidado a conhecer na abertura desta reportagem, está inserida nesta proposta. Aquele era um espaço feio, sombrio e abandonado na Vila Madalena. Houve a intervenção do projeto, logo ganhou cores, alegria e agora é um dos pontos mais visitados do lugar. Natacha Costa, diretora executiva do Escola Aprendiz, explica que o projeto trabalha experiências da comunidade e políticas
públicas para educação. “Tudo aquilo que apoia o desenvolvimento integral de crianças e jovens pode fazer parte do conceito. A ideia é conectar família-escola-comunidade, seja com pintura, dança, esportes e muito mais”. Natacha conta que Belo Horizonte, em Minas Gerais, e Nova Iguaçú, no Rio de Janeiro, adotaram o bairro-escola. O Recife faz parte da rede escola aberta e Mais Educação, além do programa de agente cultural. Jaboatão dos Guararapes também está desenvolvendo o programa escola integral. “Em Belo Horizonte o programa virou educação integral com atividades integradas na escola, museus, clubes, parques. Em Nova Iguaçú se transformou em política pública, ou seja, integrou todas as políticas públicas sociais da cidade à educação”. Foi mais além. O programa acabou sendo assimilado pelo governo federal através do Mais Educação, que prevê a educação integral. Natacha pontua que o Escola Aprendiz cresceu, ganhou visibilidade internacional, e não atende mais crianças diretamente. “Em agosto lançamos em parceria com o Ministério da Educação, representado pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECADI) e pela a Coordenadoria do Programa Mais Educação e outras organizações do terceiro setor, o Centro de Referências em Educação Integral.” O projeto busca promover a pesquisa, o desenvolvimento, aprimoramento e difusão gratuita de referências, estratégias e ins-
trumentais que contribuam para a formulação, gestão e avaliação de políticas públicas de Educação Integral. Isso vai garantir que escolas, organizações, redes e governos, em qualquer nível, possam replicá-las. E isso será feito por meio de uma plataforma virtual para a produção e divulgação de materiais formativos, experiências realizadas e notícias sobre o tema e pela organização de workshops e seminários formativos. Natacha disse que as organizações uniram esforços individuais em um projeto coletivo para superar o paradigma da Escola em Tempo Integral, para um novo conceito sustentado pela articulação de novos tempos, espaços e agentes educativos. “As organizações e órgãos públicos envolvidos na proposta compreendem que a educação é por definição integral à medida que atende a todas as dimensões do desenvolvimento humano e se dá como processo ao longo de toda a vida. Ela não é uma modalidade de educação, mas sua própria definição, onde espaços, dinâmicas e sujeitos são objeto de aprendizagem. A cidade é compreendida como território educativo e o binômio escola-comunidade é sua síntese. “É mais um passo dado pelo conceito bairro-escola”. Embora a qualidade do ensino ainda deixe a desejar no país, todos esses esforços são clara demonstração do clamor da sociedade por um ensino qualificado. Nenhum país será capaz de realizar uma revolução social se não trilhar o caminho da educação.
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Fotos: Escola da Ponte/Divulgação
26 Porto, Portugal
A
Escola Básica da Ponte fica em S. Tomé de Negrelos, na cidade do Porto. De acordo com o site oficial da Escola Básica da Ponte as práticas educativas se afastam do modelo tradicional. José Pacheco, um dos organizadores da entidade, explica que a Ponte é organizada segundo uma lógica de projeto e de equipe, estruturada a partir das interações
dicionários, gramáticas, internet, vídeos. São diversas fontes de conhecimento. O projeto está fincado em valores como a solidariedade e a democraticidade. “Buscamos princípios que levaram à criação de uma grande diversidade de dispositivos pedagógicos que, no seu conjunto, comportam uma dinâmica de trabalho e promovem uma autonomia responsável e solidária, exercitando
entre os seus membros. A sua estrutura organizativa, desde espaço, tempo e modo de aprender exige uma maior participação dos alunos. “A intenção é a participação efetiva destes em conjunto com os orientadores educativos, no planejamento das atividades, na sua aprendizagem e na avaliação”. Ele acentua que na Ponte não há salas de aula, no sentido tradicional, mas espaços de trabalho, onde são disponibilizados diversos recursos como livros,
permanentemente o uso da palavra como instrumento autónomo da cidadania”. Pacheco pontua que os pais e encarregados de educação, da mesma forma que os filhos e orientadores educativos, estão todos fortemente implicados no processo de aprendizagem dos alunos e na direção da Escola. Os contactos são feitos sempre que necessário, através do professor tutor, que acompanha, orienta e avalia diariamente as atividades realizadas
pelos seus tutorados. Lembra que a escola disponibiliza atividades de enriquecimento do currículo às famílias que necessitem que os seus filhos tenham um acompanhamento, uma espécie de reforço escolar. Todos os alunos cumprem o mesmo horário, assim como os professores. A equipe docente é constituída por profissionais com formação diversificada (Educadoras de Infância, psicóloga, professores do 1º ciclo, 2º e 3º ciclos), que se reúnem todas as quartas-feiras e sempre que é necessário para debater problemas da escola, planificar e avaliar o trabalho. “A organização que a Escola da Ponte põe em prática inspira uma filosofia inclusiva e cooperativa que se pode traduzir, de forma muito simplificada, no conceito de que todos precisamos aprender e todos podemos aprender uns com os outros e quem aprende, aprende a seu modo no exercício da Cidadania”. Ele destaca que a Escola da Ponte tem por meta promover equipes (alunos, pais, profissionais de educação e demais agentes educativos) coesas e solidárias com a mesma intencionalidade educativa. Além de formar cidadãos cada vez mais cultos, autônomos, responsáveis e democraticamente comprometidos na construção de uma sociedade que afirme elevadas qualidades de cada ser humano. “No começo do projeto, realizávamos um exercício simples: escrevíamos num papel os dez valores que orientavam as nossas vidas. E três valores surgiram de forma mais insistente, a liberdade, a solidariedade e a responsabilidade. E são estes princípios que tentamos passar para alunos e professores juntos e de maneira integrada”. 27
opinião
Mil anos atrás, a universidade substituiu o convento no papel de gerador do saber de nível superior. A universidade é uma instituição pós-convento. Em um tempo em que a educação básica era restrita a poucas pessoas, os conventos serviam para formar adultos interessados em aprofundar o conhecimento em torno dos temas e dogmas da Igreja, intelectualmente isolados das ideias profanas.
A SÍNDROME DOS CONVENTOS E A PÓS-UNIVERSIDADE 28
O
Foto: José Cruz/Agência Senado
Palestra proferida por Cristovam Buarque em 6/5/13 na inauguração da Comissão UnB.futuro
surgimento dos antigos textos gregos na Europa provocou a imaginação daqueles que desejavam entender o mundo como ele era, e não como diziam os textos sagrados. A ampliação da educação básica também fez aumentar o número dos que desejavam seguir estudando na idade adulta, mas não queriam ser monges, isolados em conventos.Naquele momento, os conventos tiveram a oportunidade de evoluir nos temas e métodos de estudo, e na estrutura de fabricação do conhecimento, mas não aproveitaram essa chance. Não conseguiram se ajustar e se transformar. O mundo das ideias não pode esperar, e as universidades surgiram em nome do saber livre, criativo, sem apego a dogmas. As universidades são a resposta pós-convento, por causa do despreparo e da incapacidade que estes demonstraram ante as novas exigências. Ao longo de quase mil anos, essa nova instituição sobreviveu ajustando-se às mudanças e exigências do mundo. Mudanças nos métodos de ensino e pesquisa, nos conteúdos da vida intelectual e exigências de novos saberes para entender e mudar o mundo. A universidade escolástica evoluiu científica, técnica, departamentalizada, ajustada ao mercado, sempre em movimento, conforme o momento. Mas ela pouco mudou naquelas características básicas surgidas em Bolonha, Paris, Oxford no começo do segundo milênio. A sua estratégia básica era capaz de atender aos desafios do conhe-
cimento e às demandas dos que desejavam conhecer. Mas uma revolução está em curso no próprio ‚mago da estrutura do saber e na velocidade com que ele avança. Para o terceiro milênio da nossa era - seu segundo milênio - a universidade deverá mudar, não apenas se ajustando, mas se transformando radicalmente, para atender à nova realidade técnica e às novas exigências que o mundo impõe às ideias. Caso contrário, surgir· uma nova entidade: uma pós-universidade. O mundo assistirá ao surgimento dessa entidade, que passará a existir paralelamente a universidade, assim como conviveram conventos e universidades. Ela perderá a importância que teve nos últimos dez séculos. Sua capacidade de geração de saber superior será superada pela nova instituição pós-universidade, como aconteceu com os conventos, superados pela universidade. O desafio da universidade para as próximas décadas é maior do que mudar, é evoluir. Mais do que se reformar, é reinventar-se. Mais do que se ajustar aos tempos atuais, ela precisa inventar uma instituição nova, tão diferente da atual quanto ela foi dos conventos, nos tempos da sua origem. Razões que exigem essa evolução: a) a velocidade como as ideias evoluem, dentro de cada área do conhecimento, e na criação e superação de outras; b) a ocorrência da revolução da eletrônica, da informática e da teleinformática, oferecendo instrumentos nunca antes imaginados para acelerar o avanço dos novos conhecimentos e espalhá-los; c) a velocidade com a qual o conhecimento se espalha no mun29
do diretamente, sem necessidade da intermediação da universidade; d) o isolamento da universidade em relação às massas pobres, hoje excluídas da modernidade, por uma “cortina de ouro”que impõe um sistema de apartação; e) a globalização e como a economia, o saber e a cultura se interligam internacionalmente, instantaneamente. Ainda é cedo para saber quais serão os vetores da invenção dessa pós-universidade, para se ajustar a essa nova dinâmica universal. Este texto tenta mostrar como seria possível fazer a refundação da universidade transformada e transformadora. Nada indica, porém, que esse seja o caminho, ou que, sendo, seja seguido. Por isso, vale a pena imaginar os vetores que caracterizarão a “pós-universidade”, se ela não for capaz de se redescobrir e optar pela síndrome dos conventos. Pelo menos 14 diferenças vão caracterizar a nova instituição:
1. Sem endereço
A pós-universidade não terá endereço geográfico, e sim eletrônico. Ela certamente manterá vínculos com pontos geográficos, mas será sobretudo uma instituição em rede, que estará onde estiver o seu aluno, sem necessidade do congraçamento físico constante com professores e colegas. Nas academias gregas, o ensino era feito de maneira direta, quase individualizada, entre o mestre e o aluno. O primeiro era um tutor, o outro um discípulo. Foi o quadro-negro, séculos depois, que inventou o professor, no lugar do tutor e do mestre. Ampliou o número de receptores do conhe30
cimento, os alunos, e aumentou a distância física entre eles e os professores. O microfone permitiu aumentar ainda mais o número e a distância. Mas as novas tecnologias mudam não só a quantidade, mas a qualidade do processo de transmissão do conhecimento. Elas permitem o ensino de cada professor em escala planetária, e a utilização de mais do que a palavra e os desenhos em um quadro-negro. Como o quadro-negro inventou o professor, essas técnicas vão inventar um novo profissional do ensino. E vão universalizar o ensino. O aluno poderá estudar onde estiver, a partir de emissões de ensino, “aulas” dadas por um promotor do ensino, “professor” de onde ele estiver, na pós-universidade de qualquer parte do mundo.
2. Sem professor
O professor artesanal - ele, seu giz e o quadro-negro – será forçosamente substituído por uma equipe docente, contando com um conhecedor da disciplina, um especialista em desenho gráfico e um técnico em telecomunicação. Além disso, com a dinâmica atual com a qual o saber evolui e se espalha, diminui a fronteira entre quem já sabe e quem ainda vai saber, entre o professor que chega sabendo e o aluno que vem aprender. Na pós-universidade, professores e demais profissionais da equipe docente e alunos serão partes de uma função: o permanente aprendizado do saber em evolução. Na “sala de aula etérea”, na rede internacional de geração de saber que ser· a pós-universidade, o diálogo, muito mais do que a aula, será o caminho. Nesse diálogo,
alguns saberão mais do que outros em alguns assuntos; alguns terão mais experiência do que outros nos caminhos da geração do saber; mas não haverá uma fronteira nítida separando professores e alunos.
3. Sem nacionalidade
As universidades foram as primeiras instituições, depois da Igreja Católica, a promover o intercâmbio internacional entre seus membros, séculos antes das Grandes Empresas coloniais. Mas enquanto a Igreja se tornou cada vez mais universal, a universidade continuou nacional. Apesar de todo o intercâmbio, apesar de ter quadros cosmopolitas, apesar da generalização do Inglês como o Latim da universidade do século XX, as universidades ainda têm nacionalidade. Mesmo tendo metade de sua comunidade formada por estrangeiros, as universidades norte-americanas ainda são norte-americanas. A dinâmica da universalização do processo do avanço do conhecimento, com a pós-universidade sem endereço físico, está na internacionalização de cada universidade. Ela será planetária ou não ser· um centro de ensino superior. Cada centro de ensino superior será um pequeno nó de uma imensa rede que os unificará. A pátria da universidade será a humanidade.
4. Sem muros
As universidades surgiram contra o isolamento dos conventos em relação à sociedade que os cercava. E, se comparada com os conventos, aproximou-se da sociedade. Mas a realidade do iní-
cio do século XXI está provocando um afastamento ainda mais radical do que o existente na Idade Média, entre os que têm e os que não têm saber. Era mais fácil um monge da idade média conversar com o povo pobre de seu burgo do que um universitário de hoje falar com um pobre excluído. Ao mesmo tempo em que se integra intelectualmente com o mundo, ela se isola socialmente ao seu entorno. O avanço técnico e o crescimento econômico estão construindo uma sociedade tão radicalmente dividida que em breve pode ocorrer uma ruptura na espécie humana, dividindo-a em duas partes distintas. Essa ruptura está sendo construída e justificada, em grande parte, graças ao saber criado pelas universidades, tanto nos centros tecnológicos quanto nos centros das áreas humanas. A universidade, ao mesmo tempo cria intelectualmente os instrumentos da apartação global, pela economia, induz uma mutação biológica, por meio de ciências biológicas, e forma socialmente parte da parcela dos beneficiários desse novo modelo de desenvolvimento separado. Na África do Sul, setores do ensino superior tiveram papel fundamental na legitimação e construção do apartheid. Mas hoje, de maneira mais radical, trata-se de um processo de indução de uma mutação biológica a favor da parcela rica. A modernidade, aliada aos meios de produção no sistema neoliberal, está construindo um mundo dividido entre um Primeiro-mundo-internacional-dos-ricos e um gulag-social-dos-pobres. A universidade pertence ao primeiro grupo, separado do outro por uma cortina de
ouro. Ao ser fisicamente planetária e fazer parte apenas de uma parte rica do mundo, a universidade se perderá eticamente, a não ser que ela se integre intelectualmente ao mundo todo, rico e integrado, mas não vire as costas ao mundo que a cerca, pobre e dilacerado. Cabe à pós-universidade lutar para que o destino da humanidade não seja a ruptura, e sim o encontro. Por isso, a pós-universidade não pode estar isolada da realidade. Ela deve se envolver nos problemas sociais que ocorrem ao redor de seus alunos, comprometendo-se eticamente com a construção de uma humanidade integrada.
5. Sem isolamento
A pós-universidade será uma rede, de todas as unidades de promoção do conhecimento superior. A pós-universidade em rede incorporará não apenas centros específicos de ensino e pesquisa, nos moldes atuais, mas também todas as instituições que geram saber: indústrias, consultorias, laboratórios, escritórios, casas. Onde houver uma pessoa pensante, conectada, haverá um pedaço, um nó, da imensa rede de geração de conhecimento que comporá a pós-universidade.
6. Sem seleção
Ao mesmo tempo em que deverá estar alerta moralmente para não se isolar, a pós-universidade carregará em sua estrutura os instrumentos de inclusão social, uma vez que, ao ser aberta, ela vai poder receber como alunos aqueles que hoje a universidade exclui. Da mesma forma que os novos meios tecnológicos universalizam hoje
o acesso aos bens culturais, possibilitando uma redução no pagamento de direitos autorais aos artistas pela reprodução clandestina de suas obras, a pós-universidade, aberta, não poderá selecionar seus alunos. Todos serão parte da pós-universidade; alguns continuarão, outros não; alguns ficarão, outros não, conforme seu talento, sua vocação, sua persistência. Mas da pós-universidade, todos poderão participar, independentemente do tipo de seleção para o ingresso em seus cursos. A contribuição para o aumento do conhecimento será muito diferente de uns para outros, mas todos terão o direito de acessar suas redes de aprendizado e ensino.
7. Sem disciplinaridade
Em um mundo onde o saber muda constantemente, as disciplinas deixarão de ser prisões intelectuais. Porque o saber não vai mais avançar apenas nem sobretudo prisioneiro de uma especialidade, mas com o surgimento de novos campos de conhecimento. Os que fazem o conhecimento professor e aluno - não vão mais aprender dentro de um campo, vão criar campos novos.
8. Sem prazo
Com a velocidade com a qual o saber evolui, não adianta esperar alguns anos para dar ao aluno o reconhecimento do que ele sabe. E depois de saber, talvez seu saber já esteja superado. A pós-universidade não vai poder marcar os prazos nos quais o aluno se transforma em profissional, nem o prazo em que seu saber ficará 31
obsoleto. Ela vai formar sempre. O reconhecimento do saber poderá ser dado a qualquer instante, até um determinado momento, mas em momento algum o aluno estará formado, porque a dinâmica do conhecimento vai exigir que ele continue estudando até o último dia de sua vida intelectual. A pós-universidade, instantânea no reconhecimento do saber, ao mesmo tempo será permanente ao longo da vida. Não somente por causa do mercado de trabalho, mas também pelos desafios intelectuais e éticos, e a problemática geral do mundo.
9. Sem diploma
Na pós-universidade não haverá ex-aluno, pelo menos enquanto o pós-universitário estiver no exercício de suas funções. O pós-universitário, aluno da pós-universidade, será sempre aluno. Esta grande invenção da universidade, o diploma como reconhecimento cartorial do saber, desaparecerá. O saber aparecerá em toda a sua atualidade, ou não aparecerá. Mas seu reconhecimento não virá de um atestado. A pós-universidade deixará de outorgar diplomas, porque não poderá se responsabilizar pelo exercício do conhecimento que transmitiu e que estará superado no momento seguinte; e porque os usuários do saber não respeitarão um papel que comprove um saber adquirido no passado e já superado.
10. Sem propriedade
O debate atual na comunidade acadêmica criou a dicotomia equivocada entre público e privado, como sinônimo de estatal e particular, de acordo com a proprie32
dade da instituição. A pós-universidade vai substituir a categoria de propriedade pela categoria de finalidade. No lugar de estatal ou particular, conforme a propriedade, vai ser fundamental o público ou privado conforme o interesse do produto criado. Os cursos se dividirão entre aqueles de interesse basicamente público - como a formação de professores para a educação básica - e aqueles de interesse basicamente privado - como os cursos voltados apenas para a promoção pessoal do aluno. No caso de excedente de recursos financeiros estatais, toda a educação, inclusive de interesse puramente privado, deve ser financiada pelo Estado, em cursos gratuitos. No caso de recursos públicos excedentes, o saber, mesmo aquele de interesse privado, deve ser promovido financeiramente pelo setor público. Mas no caso - mais comum - de escassez de recursos financeiros estatais, os cursos de interesse público devem ser gratuitos, pagos pelo Estado, mesmo em universidades de propriedade particular, enquanto se justificará a cobrança de anuidades, mesmo em universidades estatais, no caso de cursos de interesse puramente privado.
11. Sem reitor
Obviamente, a universidade sempre terá órgãos dirigentes e coordenadores, inclusive um executivo-chefe, como os reitores. Mas na pós universidade, esses dirigentes e esse reitor não poderão exercer qualquer forma de hegemonia. A universidade tem que ser livre, sem hegemonia ideológica, sem supremacia administrativa, sem predo-
minância de uma área de conhecimento sobre a outra.
12. Sem neutralidade
Livre de mitos e dogmas religiosos, a universidade pôde, graças à neutralidade epistemológica, fazer avançar o conhecimento em uma velocidade e acuidade crescentes. Porém, desde o século XX, com sua a bomba atômica, a Biotecnologia, o poder da Engenharia e da Economia, o conhecimento passou a ter um poder destrutivo catastrófico. E isso exige um controle ético, uma “desneutralidade”. Para ser humanista, a pós-universidade terá que fazer uma opção ética. Se a ciência e a tecnologia podem provocar catástrofes físicas, destruir o equilíbrio ecológico e provocar genocídios, as Engenharias, a Química, a Física e outras áreas precisarão submeter-se a regras éticas. Com seu poder de mudar a realidade social, a Economia deverá submeter-se a regras tão determinantes quanto a Física. Se uma constrói bombas
Foto: Daniela Nader
cio de apenas parte da população, os economistas de não induzir o desemprego para aumentar a riqueza. Porque no próprio conceito de riqueza estará o objetivo do emprego. A pós-universidade não terá medo do sentimento nem dos saberes não legitimados do momento. Até a espiritualidade terá espaço na pós-universidade, não só como campo de estudo, mas como a prática de uma forma alternativa de saber. A pós-universidade não será puramente descartiana. atômicas, a outra produz silenciosas bombas sociais. A Biotecnologia, as Medicinas e a Genética deverão submeter-se a regras éticas que as impeçam de destruir o tecido social da semelhança da espécie, tão duramente construída ao longo de milênios. O saber da pós-universidade estará submetido a regras éticas.
13. Sem sectarismo
Para conseguir deixar a neutralidade ética, a pós-universidade precisará modificar o frio método científico, separado do sentimento e dos compromissos morais. Nesse novo saber, a ética será parte do próprio conhecimento por um método capaz de casar racionalidade com valores morais. Não haverá sectarismo racionalista. Não haverá regras impostas por códigos legislativos, mas sim comportamentos culturalmente aceitos, segundo os quais os engenheiros sentirão necessidade de proteger o meio ambiente, os físicos de não produzir armas, os biólogos de não uma mutação biológica em benefí-
14. Sem aprendizagem
Se estas mudanças parecem radicais, podem ser apenas o começo de uma nova realidade, se levarmos em conta o potencial e risco do avanço científico sobre o cérebro e o processo cognitivo. Desde que a escrita foi inventada, o processo de aprender tem se beneficiado sempre de equipamentos auxiliares. Hoje, muitas crianças não sabem mais como fazer as operações aritméticas, jovens não sabem mais calcular logaritmos, engenheiros não precisam mais desenvolver modelos, calculadoras e computadores fazem parte do trabalho que antes era aprendido. Mas é preciso aprender a operar os equipamentos. Dentro de alguns anos, o avanço técnico poderá substituir até mesmo o simples aprendizado da operação de equipamentos. A biotecnologia, aliada à informática, permitirá enxertos de chips no cérebro, dispensando a necessidade de aprendizado de diversos tipos de conhecimento. Parte do trabalho da pós-universidade será em salas de cirurgia.
15. Com esperança
O fato de ter passado 40 anos tentando reformar a universidade - como estudante, professor, reitor e ministro - me fez concluir que essa reforma dificilmente será feita. Não poderá ser importada do exterior sem o consentimento da comunidade, nem será feita a partir do seu interior, porque não contará com o apoio da comunidade acadêmica. Mas, 40 anos depois de tantas mudanças no mundo - nas técnicas, na ética, na economia, no social, na política nacional e internacional - a necessidade de reformar a universidade é ainda maior e mais urgente. Precisando mudar, mas impedida de fazê-lo, a universidade será provavelmente substituída por outro tipo de instituição que preencherá o papel de vanguarda do saber, desempenhado por ela nos últimos mil anos. Mas a relação afetiva com a universidade por toda a minha vida adulta me aprisiona na esperança de que ainda é possível que a universidade evolua, ela própria, sem necessidade de uma instituição posterior: a pós-universidade. Diversas universidades estão fazendo essa evolução, isoladamente. Elas vão se unir em rede, compondo o novo quadro gerador do ensino superior. O que vai definir se a universidade evoluirá ou se a pós-universidade tomará seu lugar como centro gerador de saber superior vai depender do resultado do processo entre as universidades-evolucionistas, que se transformam, e as universidades-convento, que sofrem da síndrome dos conventos e reagem à mudança. 33
especial
Juntas Comerciais na rota da modernização
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Foto: Daniela Nader
Junta Comercial de Pernambuco investe em infraestrutura e na desburocratização
do entrega sua documentação, em qualquer um de nossos endereços, em aproximadamente sete dias já tem a legalização”, explica o presidente da Jucepe, Lula Cabral, destacando que a meta é ampliar ainda mais esta rede, incluindo outras instituições importantes, como Corpo de Bombeiros e Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) A Jucepe deu mais um passo importante. Assinou convênio com a Prefeitura do Recife, integrando a capital a Redesim, que já está implantada em 23 municípios. Será agilizado, portanto, o
bral destaca, ainda, que a Jucepe tem um mecanismo importante, que é o controle de exibição de documentos (GED) com 100% dos documentos digitalizados e compartilhados para mais de 8.400 pessoas, entre juízes e delegados. “Uma prestação de serviço”. Também foram feitos investimentos na parte estrutural do prédio, na descentralização do atendimento – existem seis escritórios regionais – e também na qualificação de pessoal. O Plano de Cargos Carreiras e Vencimentos (PCCV) prevê, por exemplo,
Foto: Mariana Guerra
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ministro da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif Domingos, não mediu palavras. Assim que assumiu o cargo, disse logo que quer dar uma sacudida no setor. E um dos alvos, são as juntas comerciais do País. O ministro diz que vai tirá-las da era medieval e lançá-las na era digital. Um salto que pretende dar em dois anos. Se para alguns presidentes de Juntas a hora é de arregaçar as mangas para cumprir a determinação; para outros o recado chega sem sustos, sem provocar nenhuma correria. Pelo contrário, soou até como injustiça. Afinal, já fizeram o dever de casa e estão em plena sintonia com as orientações. Melhor: bem a frente. Rio de Janeiro, Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco são alguns estados que integram este grupo. Investiram na modernização, deram um “chega para lá” na burocracia e já conseguem trabalhar com eficiência e rapidez. O tempo médio de abertura de uma empresa varia entre seis e sete dias e a via crucis que o empreendedor era obrigado a percorrer, saindo de um lado para outro para dar conta da papelada, ficou para trás. Pernambuco investiu na Redesim/PE, que projeta a Junta Comercial do Estado (Jucepe) para a vanguarda em matéria de registro empresarial. Funciona, como o nome sugere, como uma rede. Ao invés de o empresário peregrinar por várias instituições, faz tudo direto na Junta. Antes tinha que bater na porta da Receita Federal, da Secretaria da Fazenda, da Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária e prefeituras. A tal via crucis. Agora mudou. “Você dá entrada na Junta através da internet e quan-
sistema de abertura, alteração de cadastro e extinção de cerca de 120 mil empresas. O universo de beneficiados com a adesão do Recife a Redesim ficou bem mais amplos porque o município reúne 40% das empresas registradas no Estado. A meta, segundo a presidência da Jucepe, é o de implantar o sistema em pelo menos outros 25 municípios até 2014. E como o mundo digital chegou mesmo para encurtar distâncias, a Jucepe aposta as fichas neste trunfo. O Portal da Junta disponibiliza 720 serviços, o que tornou desnecessário o deslocamento das pessoas até a sede. Lula Ca-
um sistema comum nas empresas privadas na hora de promover o funcionário, que é a avaliação do mérito e do desempenho. A presidente da Junta Comercial de Minas Gerais, Angela Pace, acha esse é um caminho sem volta para quem quer desburocratizar e acompanhar a tendências dos centros mais avançados -do mundo. E Minas, segundo ela, vai muito bem obrigada. “A modernização da Junta é uma política de Governo para estimulo da geração de emprego e renda”. Angela, que não gostou da declaração do ministro, quando tratou em pé de igualdade todas as 35
juntas comerciais do país, não se vê de forma alguma na era medieval. “Já estamos na era digital, que o ministro impõe como meta”. É fato. O modelo de Minas é considerado um exemplo, tanto é que está sendo replicado em outros dez estados brasileiros. Uma referência. Mas o que é que Minas tem de tão eficiente? Angela aponta a entrada única como grande destaque. “Resolvemos os três processos pela internet e no máximo
Também veio de Minas outra inovação. Foi criada em 2011 a Escola Permanente, instância oficial de capacitação e aprimoramento constante de servidores, colaboradores e usuários de serviços da autarquia. A EPJ, como é chamada, lançou 63 cursos de educação a distância, viabilizando o aprendizado pela internet. Mais de três mil pessoas já participaram dos cursos. “A gente consegue, assim, vencer as barreiras da distância”, destaca a presidente.
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solução. O sistema, segundo ele, vai permitir a integração do banco de dados das Juntas de todo o país com a Receita Federal, com a Receita Estadual e com as prefeituras de mais de cinco mil municípios brasileiros. “Isso tudo vai ser feito a partir das Juntas, que vão oferecer a plataforma de integração”. Quando essa rede estiver ponta, vai ser como é hoje com os Detrans. Você pode obter informações de qualquer veículo de qualquer estado brasileiro. Tudo
Minas já trabalha com a entrada única. O empreendedor faz tudo pela internet, formaliza a abertura da empresa em seis dias e só precisa comparecer a Junta Comercial uma vez” Angela Pace Presidente da Junta Comercial de Minas Gerais
Foto: Governo de Minas/Divulgação
em seis, sete dias saem todos os documentos: o CNPJ, o alvará de licenciamento, a autorização do Corpo de Bombeiros e os impostos estaduais e municipais. Tudo muito simples”. E para fechar a empresa? Angela reconhece que não é tão fácil quanto abrir, mas a média de tempo é considerada muito boa: 17 dias. A Junta Comercial de Minas tem todo o arquivo digital e também investe na descentralização do atendimento. Está instalada em 93 municípios e a meta é ampliar para 112 até o final do ano. 36
O presidente da Associação Nacional das Juntas Comerciais, Ardisson Naim Akil, também presidente da Junta Comercial do Paraná, está otimista. Acha que o Brasil, como é possível perceber em estados como Minas, Pernambuco e Rio, já avançou muito. A questão, diz ele, é que em um país com as dimensões do Brasil as disparidades ainda são muito grandes, o que torna a missão do ministro Afif Domingos um desafio. E como vencê-lo? O presidente é direto. Acha que a implantação da Redesim em nível nacional é a
integrado e funcionando de maneira rápida e simples. Ardisson Akil acha que o fato do gerenciamento das Juntas ter saído da esfera do Ministério do Desenvolvimento Econômico para o recém criado Ministério da Micro e Pequena Empresa não altera a rota de modenização. Pelo contrário. A estrutura tem foco direto na desburocratização. E esse, sem dúvida, é um passo importante para nunca mais ninguém lembrar de comparar as Juntas comerciais do Brasil com a era medieval.
“ A nossa meta é simplificar” Entrevista Guilherme Afif Domingos Ministro da Micro e Pequena Empresa
Foto: Divulgação
O ministro da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif Domingos, tem bem definido o seu cardápio de ações. E uma dessas ações é melhorar o ambiente regulatório de negócios no Brasil, aproximando as práticas adotadas no país com o que há de mais moderno no mundo. O foco é implodir a burocracia, numa estratégia que passa pela modernização das Juntas Comerciais, e descomplicar. Afif concedeu esta entrevista a Revista Gestão Pública e dá os detalhes de como pretende chegar lá. 38
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senhor quer tirar as juntas comerciais da “idade medieval” e colocá-las na era digital. Qual é a estratégia já que algumas, como Minas, Pernambuco e Rio, já vivem essa realidade e outras ainda estão, de fato, muito atrasadas? Para solucionar os problemas das micro e pequenas empresas, a Secretaria vai incentivar a legalização das MPEs pela implantação e desenvolvimento da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim). Serão adotadas medidas para expandir a taxa de sobrevivência do segmento, garantindo, entre outras coisas, condições para agilizar os processo de abertura e fechamento de empresas, acesso à inovação e redução da burocracia existente, que impede o acesso ao crédito bancário e ao mercado exterior. Em quanto tempo o senhor acha que será possível transformar este cenário e desburocratizar as juntas comerciais? A disponibilização da Redesim, sistema que integrará todos os órgãos e entidades da União, Estados e Municípios envolvidos com a legalização de empresas e negócios, acontecerá no prazo máximo de um ano. A partir daí, tanto o tempo quanto o custo para abrir e fechar uma empresa será drasticamente reduzido. Qual a recomendação inicial para o gestor que ainda está muito atrasado. Por onde começar? E qual papel, do ponto de vista de apoio, o ministério terá neste processo? O que a secretaria pretende é dar passos significativos para melho-
rar o ambiente regulatório de negócios e para diminuir a diferença entre as melhores práticas globais. Nos últimos anos, países de menor expressão econômica, como a Nova Zelândia, a Geórgia e a Dinamarca, implementaram reformas regulatórias que aumentaram as facilidades para se fazer negócios. Assim como fizeram, também, a Polônia, a Ucrânia e o Burundi. É isso o que queremos, pretendemos e vamos fazer.
“Quando se fala na burocracia, coloca-se o dedo na ferida” Qual a referência internacional, do ponto de vista de agilidade e desburocratização, que o senhor gostaria de ver funcionando no Brasil? O Brasil conta com uma instituição exemplar para orientar gestores empresariais que necessitam adequar sua filosofia de trabalho às exigências do mercado: o SEBRAE. A Secretaria da Micro e Pequena Empresa tem a incumbência de propor políticas públicas capazes de criar um novo e melhor ambiente para o empreendedorismo no país. Ou seja, a nossa meta é simplificar, porque fazer simples é complicado, exige pensar, meditar, raciocinar. Para simplificarmos o empreendedorismo no país, estamos construindo um portal eletrônico, o Empresa Simples, que vai oferecer aos empreendedores brasileiros informações as mais diversas,
garantindo, inclusive, acesso a pesquisas e soluções de inovação elaboradas por institutos, universidades, centros de pesquisa e entidades de fomento. Pretendemos, assim, estimular o aumento da produção e da competitividade, até mesmo em âmbito internacional, para garantir uma maior geração de emprego e renda. Na sua avaliação, qual o prazo adequado para abertura e fechamento de uma empresa? O prazo ideal para abertura de uma empresa não pode passar de cinco dias. O que hoje não é possível em virtude do peso da exigências estatais. É preciso simplificar as regras que regem a vida das MPEs e integrar o sistema de processamento de dados. Para reduzir o peso das exigências estatais, ações serão efetuadas a fim de eliminar o excesso de exigências, unificá-las e consolidar as legislações regulamentar e infra constitucional. Quais as outras providências que constam na lista de prioridades do senhor para desburocratizar as Juntas Comerciais no País? Quando se fala na burocracia, coloca-se o dedo na ferida. Para enfrentar as dificuldades que existem para se abrir e fechar uma empresa, a Redesim é a solução. Com a criação da Secretaria, o Departamento Nacional de Registro e Comércio tornou-se competência da SMPE, onde estão as juntas comerciais que registram o nascimento e a morte das empresas. No momento que a Rede estiver totalmente implantada, vamos colocar um ponto final nas dificuldades hoje existentes. 39
inovação
Por Fátima Beltrão
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e mais transparente Imagine o mundo sem papel. Desburocratizado. Documentos com assinatura digital com a mesma validade dos velhos e bons carimbos das repartições. Desejo de todo governo de se modernizar. Mas não é tão simples assim. E são necessários anos de esforço desmedido. Desde muito tempo o governo brasileiro persegue a desburocratização. A cada ano são dados mais passos nessa direção. Processo que pode garantir menos erros nos documentos, mais transparência, agilidade para um mundo que vive na pressa. E o melhor. Mais economia, muita economia. O Ceará é um ótimo exemplo. Até exportou a Central de Licitação, criada há cinco anos, para o Amapá. Desde então, o governo cearense cortou custos em mais de R$ 5 bilhões. Além dos mais, são programas ecologicamente corretos, que poupam milhares de árvores todos os anos.
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e tal maneira que o governo federal instituiu o programa Governo sem Papel. Inclui diversas vertentes como portos sem papel, centrais de licitação, validação de documentos, pedidos de benefícios via internet. Vale tudo na luta pela transparência e economia. E os governos estaduais atendeream ao chamado. Em Pernambuco, já estão sendo implantados os programas Porto sem Papel, no Recife e no Complexo de Suape. Em Minas Gerais, é possível solicitar benefícios previdenciários pela internet, no Ceará e agora no Amapá, a Central de Licitação garante velocidade nas compras de bens e serviços desses governos. Em abril deste ano, o Amapá importou a solução adotada pelo
Ceará há pelo menos cinco anos, e que neste período já economizou cerca de R$ 5 bilhões, de acordo com dados da Secretaria de Planejamento e Gestão do Ceará. José Alcy Pinheiro, coordenador de Informática da Central de Licitação do Ceará, conta que a ideia da central era primeiro eliminar papel. Tanto assim que em 2010 foi criado o Comitê de Eliminação de Papel, ou podemos dizer a Procuradoria Geral do Estado (PGE) cem por cento digital. Para implantar o sistema foram realizadas campanhas entre servidores. Hoje é possível fazer consultas eletrônicas de mandados e citações judiciais. Ele conta que a Central de Licitação evita superfaturamento, reduz gastos e agiliza processos.
E foi isso que a PGE do Amapá importou do programa. “Eles copiaram o modelo executado pelo governo cearense”. De acordo com a Agência de Notícias do Amapá, quando o sistema estiver totalmente implantado poderá realizar mais de 200 licitações mensais. Para isso foram capacitados pregoeiros e criados softwares específicos. Assim, órgãos das secretarias de educação, saúde, infraestrutura, planejamento, tecnologia, esporte e segurança ficam vinculados diretamente à central de licitação. Da mesma forma acontece no Ceará, pioneiro no procedimento. José Alcy comenta que o sistema de compras do governo do Ceará compreende um conjunto de procedimentos, sistemas in41
O programa Governo sem Papel dá transparência e reflete na prestação do serviço
da, anualmente são cerca de 600 atracações e desatracações. Imagine tudo isso feito com papel. Um desperdício de tempo e dinheiro. Nilton Porto Carneiro Leão, coordenador de Operações do Porto do Recife, esclarece: o porto sem papel é uma central de informações sobre atracação e desatracação, ou seja, dá conta de entradas e saídas das embarcações no Porto. “O programa é feito para abranger todas as operações, mais ainda Foto: Seplag/MG/Divulgação
formatizados e normas legais a cargo dos gestores públicos, responsáveis pelas políticas e diretrizes de compras e processos de aquisição e contratação de bens e serviços. “A Central se divide em quatro categorias. A de licitações aponta todas as informações e serviços como aditamento de contratos, resultados das concorrências, tomada de preços e convite. A segunda categoria permite aos pregoeiros, gestores de compras
Milla Tangari Gestora do núcleo de inovação do Estado de Minas Gerais
e de registro de preços acesso aos sistemas informatizados. No registro de preços estão listados todos os valores geridos pelos diversos órgãos e documentação complementar. Na última categoria se encontram os fornecedores de bens e serviços. São aqueles que contratam ou desejam contratar bens e serviços com o governo do Ceará. Ali eles podem consultar licitações que vão acontecer e se colocarem”. O Porto do Recife deu o primeiro passo rumo à era eletrônica do sem papel. Os documentos para atracações e desatracações já são virtuais. Embora a adesão ao programa seja recente e, por isso, não existam dados ain42
está em fase de implantação”. Ele diz que a ação integra um programa federal que faz parte, por sua vez, do Governo sem Papel, no qual cada porto tem suas características. O programa produz o DUV, que é o documento único virtual. Ele é preenchido pelas agências marítimas e enviado a todos os órgãos envolvidos na operação, tais como vigilância sanitária (Anvisa), portos, polícia federal, menos a Receita Federal, que tem programa próprio. “Esse DUV mostra se está tudo certo com aquela embarcação e se ela pode entrar e sair. Melhor ainda. Com este documento é possível a Secretaria dos Portos ter o controle e questionar os portos a
qualquer momento. Até agora não tivemos problemas”. Nilton pontua que o documento virtual cancelou as idas e vindas de fucionários das agências marítimas com os papéis. Para ele, o porto ganha agilidade e mais segurança. Os erros podem ser percebidos e alterados mais rapidamente, sem contar que fica mais transparente para os envolvidos no processo. “Diminui muito a possbilidade de erros, só um preenche e envia para todos de forma segura e ágil. Seis funcionários do Porto do Recife foram treinados através de palestras e se tornaram os multiplicadores do processo. Era preciso entender o funcionamento do programa por isso o treinamento”. O coordenador de operações lembra que alguns portos ainda não têm o sistema. Mas a ideia é que todos tenham esses sistemas. Faz sentido. Todo esse processo é parte do trabalho de desoneração do custo Brasil e da agilização dos trabalhos. “Quanto menos tempo o navio fica no Porto mais competitividade para as empresas. A eliminação do papel acaba com o deslocamento de funcionários a diversos órgãos”. O Porto de Suape, em Pernambuco, também embarcou no porto sem papel. Os documentos de atracação e desatracação navegam pela ondas virtuais. Leonardo Cerquinho, diretor de Gestão Portuária, acentua que o sistema on-line eliminou papéis. Nele, a torre de operação pode verificar e dar autorização para o navio entrar e sair do porto. “A tendência é que a operação toda seja feita virtualmente, eliminando custos de deslocamento de funcionários. É mais rápido e
Foto: Daniela Nader
seguro para todos os envolvidos. O sistema pode evoluir através de pequenos ajustes e realizar também operações terrestres no futuro, fazendo agendamento dos veículos no pátio. Há um mundo de oportunidades a serem criadas ainda”. Já Minas Gerais descomplicou. Lá, o governo criou o Núcleo Cen-
Ceará economizou cerca de R$ 5 bilhões e exportou projeto para o Amapá tral de Inovação e Modernização Institucional, ligado à Secretaria de Planejamento e Gestão, que por sua vez, faz parte do programa federal Governo sem Papel. Milla Fernandes Tangari, gestora do Nú-
cleo de Inovação revela que Minas começou a simplificar a relação do Estado com as empresas desde 2003. Era o embrião do programa Minas Fácil. A ideia era melhorar o ambiente de negócios como redução de prazos para abertura e encerramento de empresas. O sucesso da empreitada foi tão grande que em 2007 Milla conta que o Descomplicar ampliou seus horizontes e começou a trabalhar a relação do governo com o cidadão. Nascia o projeto UAI (Unidade de Atendimento Integrado), nada mais mineiro. “São lojas para efetuar qualquer tipo serviço como emissão de passaporte, identidade, CPF, atuando nas esferas municipal e federal. O bom é que os gestores podem acompanhar as salas verificando tempo médio de espera nas filas, que deve ser de 7 minutos para identidade, por exemplo. A gente monitora qualidade de atendimento e tempo”. Milla explica que dentro desses
Porto de Suape: documentos de atracação e desatracação navegam pelas ondas virtuais
programas estaduais, o governo atua na vertente do Governo sem Papel para simplificar as rotinas do Estado. Assim, processos burocráticos que atrapalham a vida das pessoas são digitalizados com assinatura digital para agilizar eletronicamente. Isso facilita a vida do servidor também. O programa permite consultas, o que dá transparência, refletindo na prestação do serviço. “É uma quebra de paradigma, pois não desmaterializa o documento; o original continua existindo. A assinatura é feita com o token, que é a assinatura digital válida. A cópia desse documento terá veracidade legal, como a nota fiscal eletrônica”. 43
conta certa
A demanda por inovação no Setor Público fortalecendo a capacidade do Estado para resultados
Por Ana MarIa Rodríguez Gerente Setorial, Departamento de Instituições para o Desenvolvimento, Banco Interamericano de Desenvolvimento 44
Em um mundo onde os governos têm recursos limitados e demandas ilimitadas por mais e melhores bens e serviços, e deve atender às expectativas crescentes dos cidadãos, a única opção é inovar. Assim sendo, Inovação no governo não é um luxo. É necessidade. A abordagem para a inovação no governo utilizada pelo Setor de Desenvolvimento Institucional do Banco Interamericano de Desenvolvimento consiste em promover governos efetivos, eficientes e abertos, tanto no nível nacional quanto no nível subnacional. O que isso significa?
U
m governo efetivo
gerencia por resultados, considera as necessidades dos cidadãos e toma decisões baseadas em evidências. Exemplos de ferramentas de gestão utilizadas para a promoção da efetividade do governo incluem: exercícios de planejamento participativo para garantir que a visão do governo e seus objetivos sejam centrados nos cidadãos; um sistema centralizado de gerenciamento de desempenho, com um forte apoio político, focado em um número administrável de resultados pactuados com os cidadãos (e não em um processo interno); um núcleo forte de governo que promova a coordenação política entre os setores e aumente, interna e externamente, a contestabilidade das políticas públicas, ao longo de todo o ciclo da política pública (por exemplo, identificação, decisão, implementação e avaliação).
Um governo eficiente
entrega serviços melhores e em maior quantidade com os mesmos recursos, ou menos. Existe uma forte tendência nos países da América Latina e do Caribe, a exemplo do que existe nos países mais desenvolvidos, em adotar uma abordagem mais centralizada no cidadão para a provisão dos serviços públicos. Muitos governos centralizam as relações dos cidadãos com o poder público através de um balcão único, ou na página do governo na internet, ou mesmo em um call center, considerando que os cidadãos veem o setor público como um todo, normalmente não atentando para qual ministério ou órgão público é responsável por um tipo particular de serviço. Essa centralização da entrega de serviços pode também levar ao aumento da eficiência ao reduzir a prestação presencial dos serviços, implementando um sis-
tema de entrega multi-canal (incluindo a entrega via telefone ou internet, quando apropriado); introduzindo serviços corporativos compartilhados para funções de back-office, liberando os recursos humanos para as funções de front-office; e garantindo a interoperabilidade das bases de dados de diferentes agências governamentais para dar celeridade aos processos e reduzir a burocracia para os cidadãos. Em um governo eficiente, o setor público investe seus limitados recursos sabiamente, particularmente: (i) garantindo um serviço civil profissionalizado, baseado na meritocracia, com os incentivos certos, para que os objetivos dos programas e políticas das instituições públicas as quais os servidores estão lotados, e do plano de desenvolvimento do governo, sejam alcançados; e (ii) garantido um controle apropriado sobre as despesas públicas. 45
A urgência em inovar nos governos
Uma baixa capacidade institucional é um dos maiores obstáculos para o crescimento econômico de longo prazo e para a redução da pobreza na região. Frequentemente, isso é refletido em desafios à gestão em cada governo, tais como: • Burocracias focadas nos processos internos e nos aspectos organizacionais, ao invés de focar em tornar a vida mais fácil para os cidadãos – os beneficiários finais dos serviços governamentais; • Uso limitado das tecnologias de informação e comunicação que poderiam ajudar a melhorar a qualidade dos serviços; • Agendas setoriais fragmentadas que são, muitas vezes, incoerentes devido à pouca coordenação, em conjunto com a tendência presente em alguns ministérios ou agências em executar suas próprias agendas sem uma maior coordenação entre os diversos níveis governamentais (nacionais ou subnacionais); • Uma cultura limitada no que tange à accontability e avalialiação das ações públicas. Esses desafios frequentemente reduzem a efetividade e a eficiência dos governos e explanam a desconexão entre as políticas públicas anunciadas e os reais resultados dos programas. Muitas vezes, esses efeitos levam a baixos níveis de aprovação dos governos, e a cidadãos céticos e desapontados.
Um governo aberto
promove integridade, transparência e accountability no gerenciamento dos recursos públicos. O “Open Government Partnership”, uma iniciativa global, foi lançada em 2011 por Brasil, México e Estados Unidos, dentre outros países. Através dessa iniciativa, os governos apresentam um plano de ação com metas concretas para transparência, integridade, melhorias na gestão e entrega de serviços públicos após consulta à sociedade. Hoje, o “Open Government Partnership” conta com 58 países membros, 15 deles da região da América Latina e Caribe. O BID ajuda esses governos a elaborar seus planos de ação e a alcançar um alto grau de transparência, visando fazê-los governar não somente “para o povo”, mas “com o povo”. Gover46
nos podem governar “com o povo” através de, por exemplo, promoção de enquetes para que os cidadãos identifiquem experiências ruins na prestação dos serviços públicos, ouvindo sugestões dos cidadãos e dos servidores públicos como de que forma melhorar os serviços e aumentando o acesso a informações, leis e ferramentas de gestão – como o MapAmericas, uma plataforma online do BID que permite aos usuários monitorar facilmente os resultados dos projetos de investimentos que foram georreferenciados. Para alcançar melhores resultados que aumentem a qualidade de vida de todos os cidadãos, a inovação no governo deve alcançar todos os níveis – federal, estadual e local. De fato, muitas inovações acontecem no nível subnacional,
próximo às pessoas. Foi por isso que o Banco lançou a “Gobernarte”, uma competição para identificar, reconhecer, documentar e facilitar a troca de conhecimentos entre as mais inovativas experiências em gestão pública, no nível dos estados, por toda a região, iniciando-se em 2013.
O novo contexto: o novo cidadão latinoamericano
Os governos da América Latina e do Caribe têm uma clara obrigação de entregar mais e melhores serviços aos seus cidadãos. Avanços significativos têm sido feitos no sentido da modernização do Estado na última década, fortalecendo a capacidade de gestão do setor público e de suas instituições. Esses avanços, assim como a ascensão da classe média e o crescente ní-
vel educacional da população em geral, incrementaram as expectativas e a participação dos cidadãos. Essa é uma mudança fundamental no contexto. Os novos cidadãos na América Latina e no Caribe amadureceram, e – como eleitores, contribuintes e usuários finais – assumiram ativamente seus papéis e responsabilidades na consolidação da democracia como uma forma de governo. Eles não são mais receptores passivos, mas ao contrário, clientes informados e hiper-conectados que demandam mais e melhores serviços. A região da América Latina e do Caribe é jovem, com uma população de idade média de aproximadamente 27 anos e uma habilidade de adotar rapidamente as últimas tecnologias de comunicação. Hoje, mais de 260 milhões de pessoas
têm acesso à internet nessa região, e quase todos a usam para acessar as mídias sociais, como Facebook e Twitter. Os cidadãos da
Quantificar o custo de produção de resultados é essencial para o planejamento América Latina e do Caribe dedicam mais de oito horas por mês às redes sociais, o que é 56 por cento mais do que a média mundial. Mais que isso, 5 dos 10 chefes de Estado com mais seguidores no Twitter são dessa região, e é difícil encontrarmos um governador
ou prefeito que não use as mídias sociais para se conectar à população. Por fim, o acesso à telefonia celular é praticamente universal na América Latina e no Caribe e, nos últimos cinco anos, a penetração da telefonia móvel aumentou em um taxa anual de 127 por cento. Como resultado, os cidadãos não são apenas parte da demanda, mas também parte da solução. Para esse fim, o BID continuará a fortalecer a capacidade institucional dos países da América Latina e do Caribe, para torná-los governos abertos, efetivos e eficientes que entreguem serviços altamente qualificados aos seus cidadãos. Nessa jornada, o BID está orgulhoso e honrado em ser um parceiro de diversos governos dessa região, incluindo o governo de Pernambuco, no Brasil. 47
inclusão
Ana Cristina Oliveira faz curso de costura e já pensa em especialização, mas não inclui mudança nos seus planos
Por Tatiana Nascimento
Empresa Happy Boy emprega, qualifica e já pensa em expansão 48
Fotos: Daniela Nader
A história contada aqui por George, Vanja, Isabel e tantos outros mostra que, de fato, a democratização da informação e das oportunidades não está vencendo apenas barreiras sociais. Vence também as barreiras geográficas no Brasil, embora elas ainda sejam muitas. Mas as transformações estão acontecendo. E ao que indicam as estatísticas, o caminho é sem volta.
Designer George Araújo: depois de muitas andanças, desfez as malas e não quer mais saber de viajar 49
G
eorge Araújo, 34 anos, é um sujeito inquieto. Nasceu em Palmares, na Zona da Mata pernambucana. Ainda era criança quando se mudou para Santa Cruz do Capibaribe, no Agreste. Na adolescência, teve contato com o mundo da moda. Foi o que bastou para fazer como outros tantos nordestinos. Arrumou as malas e, aos 18, migrou para São Paulo. Fez de tudo um pouco na capital paulista. Trabalhou com produção de moda, inclusive no blog da conceituada jornalista Erika Palomino. Há dois anos, resolveu voltar para Pernambuco. No regresso, George optou pelo Recife. Mas não conseguiu emprego na área de moda. Até que surgiu um convite para voltar ao Agreste. Hoje, ele mora em Caruaru e é designer na Happy Boy, confecção
especializada em moda praia e surf wear com sede em Cupira, distante 45 quilômetros de casa. Não tem interesse em sair mais do interior e voltar para os grandes centros. E estimula outras pessoas a fazer o mesmo. Aos poucos, é isso mesmo o que está acontecendo. Nos últimos anos, o desenvolvimento do país, especialmente do Nordeste, freou o movimento histórico da busca pelo “Sul Maravilha”. Quando as oportunidades se redistribuem, quem foi reavalia suas escolhas. Muitos voltam. Outros tantos deixam de ir. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2000 e 2010, estados como Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Bahia apresentaram uma redução na migração acima dos 20%. “Há praticamente um
consenso entre os órgãos de governo de que a questão chave para reter as pessoas em seus lugares de origem é a promoção do desenvolvimento territorial”, destaca Roberto Castelo Branco, superintendente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) em Pernambuco. Segundo ele, as ações devem mobilizar “atores” municipais, estaduais e federais para fortalecer a economia local. “As pessoas não migram porque deixam de gostar do lugar. Pelo contrário”. Neste desenvolvimento, a “cidade grande” tem ido ao interior. O ponto inicial foi a educação. As portas das universidades públicas se abriram para o interior. Em Pernambuco, a interiorização do ensino superior começou de verdade quando o governo federal anunciou, em 2002, a
Universitários Júlia Bandeira, Debora Naftali e Itaimar José querem concluir os estudos, se especializar e ficar no Agreste pernambucano
Empresária Vanja Mozinho e a filha Isabel trocaram a vida no Recife pelo trabalho no interior
criação da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). A sede fica em Petrolina, a 774 quilômetros do Recife. A Universidade de Pernambuco (UPE) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) também espalharam seus campi. Em Caruaru, a UFPE tem um curso de graduação em design para atender uma demanda específica da região, que concentra o polo de confecções do estado. O objetivo é suprir com mão de obra qualificada as empresas locais. E os jovens acabam ficando em suas cidades, que melhoram o desenvolvimento. Itaimar José, 24, mora em Palmares. Quer se formar e continuar no interior. Acredita que as pessoas devem trabalhar e morar na região onde nascem. Sem imposições. Mas como um direito. Débora Naftali, 20 anos, e Julia Bandeira, 22, são colegas de Itaimar na disciplina de cinema e design. Pensam como ele. Débora é de Xexéu, Mata Sul, e Julia fez o
caminho contrário de muita gente. Saiu do Recife e foi morar no interior. O motivo? Oportunidade de conciliar os estudos com qualidade de vida. “Fiz o inverso do êxodo rural e não me arrependo. Quero me especializar e ficar”. Para Ana Paula de Miranda, coordenadora do núcleo de design, o que acontece hoje em muitas regiões do país e do Nordeste é a mudança nos locais que recebem as universidades. “Muda a configuração. Vem gente de fora, de outras cidades. E quem tem contato com o universo universitário aumenta o capital cultural, que agora acompanha o capital econômico. Vamos ver as novas gerações tendo contato com isso”. Sem falar nas melhorias nas opções de lazer e serviços. Mas não basta só o investimento em educação para reter o homem do interior, seja ele do campo ou da área urbana. Flávio Valdez, analista técnico no Sebrae, destaca a necessidade de implantação da Lei Geral das Micro e Pe-
quenas Empresas nas cidades e da figura do empreendedor individual. Isso possibilita, por exemplo, que um jovem com espírito empreendedor que tenha duas motos possa oferecer um serviço de delivery. Ou quem tem vontade de fazer manutenção em máquinas agrícolas siga em frente no projeto. “Os jovens podem não seguir trabalhando no campo, como os pais, mas podem estar envolvidos de forma indireta”, afirma Valdez. Basta que surjam as oportunidades. “Anos atrás, havia a diferença para o aprendizado e para as possibilidades de crescimento. Hoje essa diferença quase não existe. Temos tecnologia mais acessível, mais informação”. Ele reforça a necessidade do engajamento de todos os níveis do governo para que as ações não fiquem isoladas, fortalecendo o desenvolvimento sustentável do ponto de vista econômico e social. Ex-funcionário do Banco do Brasil, José Ricardo de Araújo é o atual secretário de Administração 51
e Desenvolvimento Econômico de Cupira. Tem orgulho de dizer que o município de 23 mil habitantes está conseguindo fugir do estigma de “cidade onde todo mundo é funcionário da prefeitura”. Depois de buscar apoio junto ao Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep) e ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), reativou o Centro Vocacional Tecnológico (CVT) para a realização de cursos de capacitação. “Também fizemos um diagnóstico nas empresas de confecção, verificamos quais as necessidades e as dificuldades que estavam enfrentando”, conta Araújo. Descobri-
empresas de 2010 passaram para 700 neste ano. “Aqui o desemprego é zero agora. Só não trabalha quem não quer”, garante José Ricardo de Araújo. Ana Cristina de Oliveira, 25, precisou trabalhar depois da morte do pai, que era mecânico. A mãe não trabalha. Ela fez o curso no CVT e hoje atua no ramo de confecções. Mas nem só de corte e costura vive Cupira. Vanja Mozinho e a filha caçula, Isabel, comandam a Pousada Lar da Glória. O local era a fazenda da família, que foi sendo transformada ao longo dos anos por Vanja. Isabel era dona de uma loja no Shopping Recife. Trabalhava das 9h
Secretário de Administração e Desenvolvimento Econômico de Cupira (PE) José Ricardo de Araújo comemora baixas taxas de desemprego
ram, por exemplo, que só havia dois mecânicos para fazer manutenção e conserto das quase duas mil máquinas de costura da cidade. E que as empresas precisavam desesperadamente de costureiras qualificadas. A prefeitura passou a oferecer os cursos no CVT, que são sistemáticos e duram dois meses. Outra ação foi a de implantar a Lei da Micro e Pequena Empresa, com uma sala exclusiva para quem quisesse tirar dúvidas. O resultado: as 300 52
às 23h. Mal via o filho pequeno. “Aí eu disse: ‘Isabel vende a loja e vamos investir em Cupira’. Ela topou”. No início, mãe e filha fizeram seis apartamentos. O negócio deslanchou e hoje já são 28. A igrejinha que Vanja mandou construir para homenagear a mãe virou point. “Agora vários casamentos acontecem aqui. Vem gente do Recife, de Caruaru e até de outros estados”,
conta a empreendedora. Isabel – que é formada em turismo e agora busca formação em hotelaria e gastronomia – não se arrepende da mudança. “Já faz seis anos. Trabalho e garanto minha qualidade de vida. Muitos amigos estão fazendo a mesma coisa, estão vindo para o interior”. Roberto Castelo Branco destaca ainda a importância do desenvolvimento da cultura para fortalecer o trabalho no interior. “A cultura é um elemento muito forte de ligação do homem com o seu território de origem. Quando você fortalece a cultura local, você estimula a autoestima e cria riqueza”. Na opinião do superintendente do Sebrae, a “miragem” de que migrar é a solução diminuiu muito. “O que vemos são pessoas que foram para lá voltando. O Nordeste tem um crescimento superior à média do país”. No Sertão é mais difícil por conta da seca. Mas o pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), João Suassuna, lembra que questão não é vencer, mas conviver com a seca. “A seca vai existir sempre. A gente tem que tomar medidas para conviver com esse fenômeno. Existem tecnologias que estão postas em prática para fixar o homem no semiárido”. Há técnicas difundidas nas escolas rurais. Os jovens aprendem e transferem a tecnologia para os pais. Suassuna cita o exemplo da Fazenda Caraúbas, no município paraibano de Taperoá. Segundo ele, o proprietário cria gado de dupla função, produzindo leite e carne, além de caprinos e ovinos, alimentados com gramíneas resistentes e com a palma forrageira. “As chuvas no semiárido têm momento para acontecer. A seca continua. É preciso orientar as pessoas”. É difícil. Mas dá para se adaptar.
Idas e vindas reveladas pelas estatísticas O
movimento do interior para a “cidade grande” continua forte. Mas o movimento contrário já é percebido em estudos e pesquisas. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com o Censo 2010, as cidades de médio porte – aquelas com população entre 100 mil e 500 mil habitantes – são as que mais crescem no país. Entre todos os 5.565 municípios brasileiros, só 8% (444) tiveram um aumento demográfico acima dos 3% ao ano entre 2000 e 2010. Todos tinham até 500 mil habitantes. E isso não significa mais bebês nascendo. Significa a influência da migração. Herton Ellery Araujo, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), realizou trabalhos com base no Censo 2010. Segundo ele, existe, sim, um movimento rumo ao interior, ainda que não seja tão forte quanto a ida à cidade grande. “Quem está saindo mais da cidade grande são as pessoas mais velhas. Os jovens, especialmente os que estão entrando no mercado de trabalho, ainda buscam os grandes centros”. Ele afirma que não há como medir, por exemplo, se a mudança tem relação com o
tem Caruaru com principal cidade. “No Brasil, em geral, não acontece isso. Mesmo em São Paulo, que é a região que perde mais gente, os jovens ainda chegam mais do que saem”, compara. Ele reforça que a diferença de renda ainda é grande em favor das regiões metropolitanas. Mas lembra que as cidades menores estão melhorando mais. Ainda falta muito. Mas este parece ser um caminho sem volta. O novo Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil, Censo de 2010 MOSTRA divulgado em julho, trouxe novidades e uma consque cidades de médio tatação. A vida no interior um status imporporte são as que mais ganhou tante. Muitas das melhores cidades do país para se viver crescem no país estão fora do eixo metropoforam para o interior de Pernam- litano. E se no Nordeste a descenbuco. O segundo maior destino tralização do desenvolvimento e a foram as regiões metropolitanas implantação de campus univerdo Sudeste (16,9%). Depois vêm sitários têm atraído muita gente as capitais do Nordeste (13,3%). para o interior, nas regiões onde o carro chefe é a agricultura a “Isso é muito impressionante”. Herton Ellery Araujo acredi- tecnologia também tem motivado ta que essa dinâmica acontece muita gente a voltar as atenções por conta do desenvolvimento para o campo. A atividade até observado nas regiões de Sua- passa de pai para filho, mas com pe, com o complexo industrial e uma nova roupagem. Uma rouportuário, da Zona da Mata, com pagem moderna e atraente para a implantação do polo automobi- quem pensa em qualidade de vida lístico, e no Vale do Ipojuca – que e realização profissional.
aumento da violência nas grandes cidades. “Mas podemos supor que seja isso”. Analisando os números, Araujo percebeu uma diferença entre a Região Metropolitana do Recife e as outras regiões metropolitanas do país. A maioria dos jovens com idade entre 18 e 29 anos que migram não buscam capitais maiores do Sudeste. Saem para cidades dentro do próprio estado. Dos 36 mil jovens que saíram entre 2005 e 2010, quase 40%
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capital humano
Teletrabalho veio para ficar Por Catarina Lucrécia
A
analista de rede Maria de Lourdes Alves é uma funcionaria exemplo no Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), onde é servidora há 29 anos na regional do Recife. É aplicada, cumpre as metas, dá retorno aos seus superiores assim que os problemas surgem, apresenta soluções e, para completar, tem um ótimo relacionamento com os colegas, com quem gosta de conversar nos intervalos dedicados ao cafezinho. A diferença dela para os demais funcionários é que ela faz tudo isso de casa, através do computador montado especialmente para ela com todo o aparato que precisaria para exercer suas funções. Maria é uma teletrabalhadora e está feliz da vida por ter trocado, desde 2007, a sala na empresa pelo trabalho em casa. Uma modalidade que já mobiliza quase vinte milhões de pessoas no Brasil. 54
Maria pôde fazer essa opção porque o Serpro foi o primeiro órgão público no Brasil a ousar e implantar o trabalho a distância. O projeto piloto, que hoje é considerado um case nacional e internacional, começou em 2005, cresceu, rompeu resistências e abriu caminho para que, efetivamente, houvesse a implantação do teletrabalho no serviço público no Brasil. Outros órgãos seguiram o mesmo rumo. O Tribunal de Contas da União (TCU), o Tribunal Superior do Trabalho (TST), a Receita Federal, o TST do Espírito Santo e o Metrô de São Paulo estão na lista. Alguns, como projetos pilotos, outros já bem consolidados, como é o caso do TCU. A Câmara dos Deputados também se prepara para entrar no grupo. Os especialistas analisam que esse é um caminho sem volta. Um desses especialistas é Vera Boscatte, administradora de empre-
sas especializada em Recursos Humanos, secretária executiva do Centro de Estudos de Teletrabralho e Alternativa de Trabalho Flexível da Business School de São Paulo e diretora executiva da Sociedade Brasileira de Teletrabalho (Sobratt). Como se vê, tem autoridade para falar. Vera Boscatte foi no ponto. Fez um estudo sobre os avanços e dificuldades da implantação do teletrabalho no serviço público no Brasil. E a que conclusão chegou? A pesquisa, realizada em 2010, demonstrou que o problema cultural da gestão pública, como também as lei que impõe uma grande responsabilidade sobre a aplicação do dinheiro público - que requer transparência - faz com que muitos gestores queiram os seus subordinados perto. Os servidores longe dos olhos tiravam as chefias da zona de conforto. Mas Vera conta que de 2010 para cá
como exemplo o TCU. “ Quando o Tribunal adotou este sistema,em 2009, deu uma grande força à aceitação desta modalidade de trabalho com muita confiabilidade”, destaca a especialista. O TCU, ao contrário do Serpro, não fornece os equipamentos e exige que a produtividade do teletrabalhador seja maior do que
Foto: Daniela Nader
houve uma reação bastante positiva na área pública. Muitos tabus caíram. Inclusive com relação a concepção dos gestores de que é preciso estar perto para controlar os subordinados e fazer o serviço render. Maria Alves lembra que foi assim com ela lá atrás, quando o Serpro anunciou o projeto. “Os
perguntas. A primeira dá conta de que as áreas tecnológicas e jurídicas são os grandes agentes de teletrabalho. Agora, servidores que tratam diretamente com o público, podem esquecer. Não têm como surfar nesta onda. O trabalho tem que ser presencial e ponto final. Quanto a impressão da sociedade com relação ao trabalho
Maria de LOurdes Alves, do Serpro, só quer saber de trabalhar em casa
chefes ficaram loucos, não sabiam como proceder, mas os resultados são tão positivos que isso mudou. Cumpro metas, assinei novo contrato, no qual me comprometo a não fazer hora extra, por exemplo, dou minha carga horária e no final tá tudo certo. Quem não se adapta, volta para o sistema tradicional. Não é o meu caso” O feedback favorável, como o relatado por Maria, tem impulsionado o teletrabalho no setor público no Brasil. Boscatte pega
a do servidor que cumpre a carga horária presencialmente. É para compensar a comodidade e as horas que a pessoa ganha sem ter que enfrentar, por exemplo, os transtornos do trânsito. Também é assim no TST, que exige do teletrabalhador metas, no mínimo, 15% superiores. Mas onde mais se avança e onde ainda é complicado implantar o teletrabalho no setor público? A sociedade compreende bem isso? Vera Boscatte responde as duas
à distância, Vera Boscatte avalia que existe sim preconceito. O julgamento feito por muita gente, segundo ela, de que o servidor não é eficaz, prejudica a implantação do teletrabalho, diante a impressão de que ele deixa o paletó na cadeira e não aparece, mas é uma questão cultural e os bons exemplos estão ajudando a virar este jogo. O teletrabalho ganhou tanto força, em empresas pública e privadas, que até a legislação avançou. A Lei 12.551 de 2012, que 55
Foto: Zeca Ribeiro/Agência Câmara
CÂMARA FEDERAL promoveu seminário sobre teletrabalho
alterou o Artigo 6ª da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), igualando o trabalho à distancia ao trabalho presencial, é considerado um marco. Uma grande revolução. O presidente da Sociedade Brasileira de Teletrabalho, Álvaro Melo, declarou durante seminário realizado na Câmara dos Deputados, no início de agosto, que havia um grande receio em relação à lei. A expectativa era pessimista, as pessoas achavam que ia haver uma enxurrada de processos e que a lei iria engessar, mas isso não aconteceu e o TST, inclusive, adotou o teletrabalho. Luiz Ojima Sakuda, professor da Fundação Getúlio Vargas, chamou a atenção para uma questão importante no seminário promovido na Câmara. Destacou que nos Estados Unidos e Europa, onde o teletrabalho faz parte do dia a dia 56
de profissionais do setor público e privado desde os anos 1980, o modelo sempre está atrelado a uma política que prevê, por exemplo, impactos ambientais e de mobilidade urbana. Isso, claro, sem prejuízos para a qualidade do serviço. O presidente da TCU à época da implantação do Teletrabalho, Ubirantan Aguiar, também participou do seminário na Câmara dos Deputados e lembrou que o foco era reduzir processos. O ganho efetivo, segundo ele, foi de 45% de redução do estoque. Já Álvaro Melo tocou em um ponto crucial durante o seminário, que foi realizado pela Comissão de Legislação Participativa. Disse que o Brasil já caminhou bastante mas ainda precisar evoluir mais. E deu como exemplo a Costa Rica, onde o teletrabalho ou home office, como também é conhecido, é tratado como estra-
tégia sócio econômica do país. “É uma questão de princípio”. Vera Boscatte também destaca a informação de Álvaro e ressalta a experiência da Costa Rica. “Eles têm a política do teletrabalho enraizada nos seus ministérios, de forma inovadora e resultando em uma economia consistente no país”. Álvaro Melo disse no seminário que mesmo considerando que a Costa Rica é um país com quatro milhões de habitantes, o bom exemplo poderia, sim, ser replicado no Brasil, que pode envolver todos os seus ministérios neste processo. O presidente da Sobratt também destacou o caso dos Estados Unidos. Lá a implantação do teletrabalho no serviço público é lei. Para Maria Alves e muitos outros servidores públicos o caso dos Estados Unidos e da Costa Rica já nem fazem tanta inveja assim.
Serpro amplia o time
O
Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) quer mais teletrabalhadores no seu quadro funcional. De 31, número atual, já há previsão de que outros 90 devem ingressar no programa em todo o país, atingindo a média de 121 até o final do ano, quando será consolidado o novo processo seletivo. A informação é do superintendente de pessoas do Serpro, Marcos Benjamim. Ele conta que o teletrabalho foi iniciado como projeto, em 2005, e tornou-se um processo de gestão de pessoas em 2011. “De lá para cá, houve uma sucessão de melhorias nos recursos envolvidos, no fluxo das atividades de gestão da modalidade com a revisão do termo aditivo ao contrato individual de trabalho e da implementação de
normativo e processo seletivo o que tem atraído, gradativamente, mais empregados para o trabalho remoto. Mas se o time tende a crescer como controlá-lo a distancia? Benjamim explica. Conta que o processo de avaliação funcional e gerenciamento do desempenho não sofre distinção para os empregados da modalidade. A relação de trabalho e de convivência diária do empregado com a chefia é estreitada por recursos tecnológicos como email e ramal corporativo, áudio, videoconferências, além de contatos e reuniões presenciais. O controle de cumprimento de jornada e metas é executado pela chefia imediata e por meio de instrumentos de avaliação de desempenho corporativos. Já o processo de seleção das pessoas envolve critérios objetivos,
relacionados, entre eles, à distância entre a casa e o trabalho, aos resultados das avaliações de desempenho e às condições de ergonomia possibiltadas pelo ambiente domiciliar preparado ao trabalho remoto. “Toda a seleção prioriza, por meio de pontuação diferenciada, os candidatos portadores de deficiência, com necessidade especial ou mobilidade reduzida”. Marcos Benjamim adianta que os próximos passos já estão definidos. A ideia é aprimorar dispositivos que possam mediar as relações de trabalho e proporcionar intensa comunicação entre o empregado e os projetos de trabalho aos quais estejam envolvidos. Outro foco é aumentar a frequência das seleções e tornar os processos relativos à modalidade cada vez mais consistentes.
Brasil entre os três mais
O
Brasil é o terceiro país onde a atividade do teletrabalho mais cresce no mundo. Ficou atrás de Singapura e da campeã China. O ranking foi revelado por uma pesquisa global realizada em 2012 pela Robert Halff, considerada a primeira e maior empresa de recrutamento de pessoal do mundo. Para chegar a esse resultado, a empresa entrevistou 1.876 diretores de recursos humanos em 16 países, que revelaram as tendências do teletrabalho ou home office. De acordo com 47% dos entrevistados brasileiros, o teletrabalho aumentou nos últimos três anos no país, enquanto apenas 8% apontaram uma diminuição e outros 37% observaram que a concessão do
benefício aparece igual no período. Na China o número de entrevistados que apontaram para o crescimento do teletrabalho chega a 54%, enquanto em Singapura o índice chega a 50%. Depois do Brasil, surgem Austrália e a Bélgica, com 45% e 44% respectivamente. Também é da Robert Halff a pesquisa, realizada em 2012, que revela que coordenar uma equipe remota é o grande desafio do teletrabalho no Brasil. O estudo mostra que a função é considerada mais desafiadora do que a gestão de pessoal no local de trabalho. Apesar da dificuldade da gestão, a pesquisa traz uma radiografia dos novos tempos. Revela que 64% das empresas brasileiras declaram já permitir, ainda que de
forma esporádica e apenas para alguns cargos, que seus colaboradores trabalhem em casa, enquanto 11% dizem ter uma política fixa e valida para todos os funcionários. A pesquisa com 1.777 diretores de RH de 13 países e grandes centros, segundo a assessoria de imprensa da Robert Halff, mostra que a questão da segurança ainda preocupa. Na média mundial, de acordo com a pesquisa, com exceção dos casos em que a presença na organização é obrigatória, o principal motivo para não permitir o teletrabalho é em função da segurança. Mais uma barreira, convenhamos, que deve cair com o avanço tecnológico e com o teletrabalho caminhando a passos largos no setor público e privado. 57
estratégia
Por Fátima Beltrão
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É
incontestável na prática e na teoria. Os estados que adotaram modelos de gestão se destacam dos demais. Especialistas, estudiosos, técnicos, gestores, enfim, trouxeram novos pensamentos, teorias e técnicas para dentro da instituição Estado. Passaram a olhar para ele como um negócio com ares de empresa privada, onde a concorrência pode ser uma arma benéfica. É o que prega o pesquisador Michael Porter, criador da corrente denominada Porterismo, sucesso nas empresas privadas, mas que tem adeptos e defensores na organização Estado. Maurício Cruz, secretário Executivo de Desenvolvimento do Modelo de Gestão e Coordenador Geral do Instituto Gestão de Pernambuco, sabe disso. Melhor. Ao defender ser possível a aplicação das ideias de Porter na Organização Estado, propõe que se avance, a partir do emprego dos conceitos da Cadeia de Valor (o que ele demonima de “Porter Básico”) até um estágio que ele chama de “Pós-Porter”. E nesse modelo, gestão é a palavra de ordem para manutenção do crescimento sustentável. Não é à toa que o Produto Interno Bruto – soma de todas as riquezas - de Pernambuco há anos cresce cerca de 2% acima do PIB nacional. Fruto de um modelo de gestão moderno e bem sucedido. Maurício ensina que o poder público quando precisa economizar ou fazer ações emergenciais para cortar custos, normalmente apela para o contingenciamento ou corte linear. Ou trabalha itens específicos isoladamente, como cortes em aquisições ou postergação de projetos já planejados.
pesquisador, isoladamente, são capazes de “agregar valor” à Organização quando realizadas de uma forma melhor ou mais barata. Mas atenção, quando essas funções são trabalhadas pela Organização para funcionar de forma integrada, como elos de uma cadeia, elas geram mais valor do que quando vistas isoladamente. Esse somatório de valores é chamado Margem, e é o que torna a Empresa mais atrativa para os consumidores do que as empresas concorrentes. “Margem é a diferença entre o custo total para realizar as nove funções e o valor que é percebido pelo cliente, ou seja, o valor que esse cliente se dispõe a pagar JÁ ESTÁ PROVADO QUE pelo produto. Sendo assim, GOVERNOS QUE ADOTAM quanto mais se otimizam esses nove itens, mais vaMODELOS DE GESTÃO lor se agrega à margem, e esse valor pode ser transSE DESTACAM MAIS ferido ao cliente. Não adianta adicionar valor em ca interna, que é a maneira que apenas um elo da cadeia, pois o os insumos são distribuídos para restante não funcionaria. os processos produtivos. Tem Ao contrário, para gerar uma logística externa, que é a maior margem, pode-se até auforma como as matérias-primas mentar os investimentos – e gesão recebidas e o produto final rar custos maiores - em um elo é entregue aos clientes. Tem as específico, para que esse funoperações, que são os processos cione exitosamente, de forma de trabalho, além do marketing, a melhorar, no final, a cadeia comercialização, e finalmente toda. É esse olhar sobre a caserviços, como pós-venda, assis- deia toda, essa sinergia entre os tência técnica”. São as chamadas valores gerados em cada elo da atividades primária. E toda orga- cadeia de valor interna que dão nização tem infraestrutura, faz os resultados satisfatórios”. Se compras, emprega tecnologia, e a Organização Estado, aconselha é tocada por recursos humanos. Maurício, aplicar o conceito da Essas são o que Porter chama de cadeia de valor em sua estratégia, ou olhar para as suas ativiatividades de apoio. Maurício Cruz lembra ainda dades como os elos da cadeia de que, de acordo com a teoria, es- valor. pode otimizá-las e auferir sas nove funções listadas pelo ganhos, inclusive financeiros,
“Porter imaginou um sistema voltado para a concorrência, no qual empresas funcionam em um universo concorrencial. Aqui, diz ele, o preço é fixo e determinado e quem o faz é o mercado. E para se dar bem é preciso obter vantagem competitiva”. O secretário Maurício ressalta que a vantagem pode ser obtida olhando para fora do ambiente – empresa, estado - através da aplicação do modelo das cinco forças de Porter, bem como internamente, ou seja, olhando para dentro, onde se encontra a Cadeia de Valor. “Porter acredita que toda organização tem logísti-
59
potencializando seus recursos para mais investimentos, o que significa mais Margem para a Sociedade. “Porter desenvolveu seu pensamento em torno da obtenção de vantagem competitiva pelas empresas como condição de sobrevivência no mercado concorrencial. O fato da Organização Estado não operar em um mercado concorrencial não invalida a utilização de suas idéias para a busca constante de maior valor aos serviços prestados ao cidadão. Para funcionar bem, o Estado precisa olhar para os nove elos que compõem a cadeia de valor. A cadeia não pode ser olhada isoladamente, pelo contrário, se não for assim pode gerar mais custos e problemas.”Ele exemplifica de forma simples, afirmando que não adianta investir em tecnologia, um dos elos, se o prédio – elo da infraestrura - onde a Organização funciona apresenta problemas. Os estados fazem força para aplicar o conceito de Porter de forma racional, sempre buscando reduzir os custos de suas operações, ou de suas aquisições, mas é preciso ter a visão do todo. Maurício Cruz ensina que Pernambuco já se organiza em torno desses nove elos que se integram através de um Modelo de Gestão. Mas o desafio é integrar todas essas partes e isso passa pelo governante principal e pelos gestores públicos. “Os gestores públicos deveriam olhar os conceitos de Porter com mais atenção. Assim, talvez, os esforços para geração de valor pela Organização Estado, poderiam ser racionalmente direcionados para todos os elos da cadeia”. Maurício vai mais além 60
no entanto, os obstáculos podem ser maiores. “O estado é muito hierarquizado e isso pode atrapalhar. Mais que isso. É preciso conceituar o que Porter chama de cadeia de valor”. Professor Hélio é cauteloso e diz que hoje em dia usa-se demais o termo e Porter está falando de uma cadeia que é um conjunto de atividades articuladas. Ele diz que existe o valor público no qual se pode sequenciar e articular valor. Por exemplo, nas compras de governo é preciso realizar a previsão de demanda, o que vai de fato ser usado, faz-se a PARA FUNCIONAR BEM, licitação, mas não O ESTADO PRECISA OLHAR basta comprar; tem que acompanhar PARA OS NOVE ELOS QUE toda trajetória, veFORMAM A CADEIA DE VALOR rificar desperdícios, por exemplo. “Não basta uma licitação perfeita para fazer um pontilhão de. “Para a Organização Estado, é fundamental combinar a aplica- que ninguém vai usar”. Ele acha que o conceito precição do Modelo da Cadeia de Valor em suas duas visões: “Porter sa ser ampliado para fora e aí não Básico” para otimizar o funciona- estamos mais falando de Porter. mento das nove funções, e “Pós- “A importância da função depen-Porter”, para aprimorar as gran- de do valor que quero criar. Se o des áreas de atuação do Estado. valor for em custo, tenho que ter O “Porter Básico” é o alicerce da controladoria. O conceito de cacasa, e o “Pós-Porter”, o teto. O deia de valor se aplica a qualquer problema é que as políticas públi- setor. Mas na gestão pública há cas geralmente são construídas e sistemas maiores que interferem implementadas pela Organização como a máquina do governo, a soEstado de acordo com o raciocínio ciedade, e é aí que entra a criativi“Pós-Porter”, sem que o “Porter dade de cada gestor”. O professor Básico” seja aplicado. E isso difi- ressalva que os obstáculos maiores são os múltiplos setores que cilmente dá certo”. O Professor Hélio Janny, da compõem um Estado. É difícil faFaculdade de Economia, Admi- zer essa sinergia, pois há problenistração e Contabilidade da Uni- mas de hierarquia. Quando se fala versidade de São Paulo avalia em cadeia, se fala em elos que que a cadeia de valor de Porter se articulam. Por isso as funções se aplica, sim, ao serviço público, precisam ser articuladas. e mostra que, no que ele chama de “Pós-Porter”, os conceitos de geração de valor e de margem podem ser aplicados nas diversas áreas de atuação do Estado, não significando necessariamente redução de custos. Na educação, por exemplo, agrega-se valor de baixo para cima, ou seja, a partir do ensino fundamental até o ensino superior. Esse valor constantemente agregado ao aluno reverte-se em Margem para a Sociedade. Esse raciocínio serve para qualquer setor, como saú-
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Muito além da Cadeia deValor Por fátima beltrão
D
efensor ferrenho da vantagem competitiva, incentivador do estabelecimento de metas, guru de nove entre dez empresários de grandes empresas mundiais, admirado pelos acadêmicos, criador da Cadeia de Valor, o pesquisador Michael Porter, professor da Universidade de Harvard, tem inúmeros adeptos no Brasil. Mais que isso. A Teoria da Competitividade, junto com a Cadeia de Valor, pensada para empresas privadas, ganha força dentro do Estado. O estabelecimento de metas para diminuição da violência em Pernambuco, através do Programa Pacto pela Vida, administrado pela Secretaria Estadual de Defesa Social, é um bom exemplo da aplicabilidade da Cadeia de Valor ao serviço público. E na educação o programa Ganhe o Mundo é outro bom exemplo. O professor Walter Moraes, titular do Programa de Pós-Graduação em Administração, da Universidade Federal de Pernambuco, é mais que um seguidor de Porter. Ele é o introdutor da Cadeia de Porter no Nordeste. Defende, por isso, que a ideia de Cadeia de Valor cabe sim no serviço público. Explica que são duas grandes escolas de estratégia: a outside - de fora para dentro -, considera as condições do ambiente, e a outra denominada de insideout - de dentro para fora -, na 62
qual as condições estão dadas dentro do ambiente. “Porter é defensor do modelo outside. Os estudiosos fazem esforço para juntar as duas correntes, mas elas não se “falam”, no entanto, não há como negar a influência do ambiente externo”. O professor Walter exemplifica essa influência tomando como exemplo Pernambuco que se transformou em um canteiro de obras, com diversos investimentos. Ele diz que é preciso proteger essa condição das ameaças do ambiente. “No momento há perspectiva de aumento da taxa de juros básicos, a selic, e se a empresa investidora não tiver capital de giro vai se dar mal, porque não terá como bancar esse aumento, mas se tiver se dará bem”. Para ele, a cadeia de valor pode ser instrumento de gestão nos governos. Usa a educação como exemplo. No ensino há uma cadeia que começa com o ensino básico na base da pirâmide. Depois vem o fundamental, o médio, superior e a pós-graduação em diversos níveis, mestrado, doutorado, pós-doutorado. Trata-se, portanto, de uma cadeia com ramificações, em que existe uma base enorme que vai se afunilando. “Se o país é desenvolvido esse funil é menor, mas se está em desenvolvimento o funil é apertado - ver gráfico”. A cadeia de valor pode ser aplicada em cada etapa da
extensão do ensino onde é possível acumular valor a cada uma dessas etapas, e seu somatório é a cadeia total. O Programa Ganhe o Mundo, no qual alunos do ensino fundamental de escolas públicas estaduais de Pernambuco viajam para o exterior para aprender línguas, é uma etapa da cadeia que teve um valor agregado. Ele vai mais além e explica que alguns colégios particulares perceberam isso e agregaram valor a cada uma das etapas de seu ensino, com aulas especiais, professores diferenciados e qualificados, programas externos. É como um produto feito com menor custo que alcança ótimo preço no final, agradando mais o cliente. Professor Walter defende que a educação torna pessoas capazes para desempenhar melhor suas funções. Quando se capacita dentro da cadeia, o resultado no final é mais renda, que volta para a economia criando um ciclo virtuoso. “Há uma pesquisa do economista Celso Pastore indicando que cada ano na educação pode significar entre 10% e 13% a mais na remuneração pessoal de cada indivíduo. É o maior fator de mobilidade sócioeconômica conhecida. A cadeia da educação agrega valor ao indivíduo que agrega valor ao Estado”. Maior exemplo disso é a Coréia do Sul, cujo salto qualitativo se deu pela educação. Ele ressalta que o investimento da Coréia foi diri-
Foto: Mariana Guerra
gido à educação em Ciências Exatas e Tecnologia. “Isso aconteceu há 50 anos. O Brasil está correndo atrás agora”. Quando se agrega valor e as pessoas melhoram seu desempenho e recebem por isso, a cadeia de valor está sendo ativada. Mas o professor Walter chama a atenção que é preciso primeiro se identificar os elos da cadeia de cada setor. Por exemplo, identificar custos que podem ser reduzidos para melhorar os ganhos, como no programa Governo sem Papel, já adotado por alguns portos, como o de Recife e de Suape. E lembra que esses ganhos nem sempre são apenas financeiros. Cita os acidentes de motos que acabam custando ao Estado cerca de R$ 150
mil por paciente. Se a cadeia é eficiente e recupera o acidentado com menor custo e ele volta ao mercado de trabalho, gera-se um ganho inestimável para o próprio Estado. Melhor se é feita prevenção através de campanhas educativas e o número de acidentes cai, o custo será bem menor para os cofres do governo. Dentro da cadeia de valor de Porter a redução de custos pode acontecer de diversas formas. Para o professor, o exemplo de Pernambuco na implantação de metas é muito bom. “Todo governo precisa saber aonde quer chegar. É um passo importante porque pode saber se chegou ou não à meta estabelecida. Melhor ainda. Pode rever. É preciso ter métrica: se pode medir pode avaliar”.
O professor Walter Moraes, o introdutor da teoria da cadeia de valor de Porter no Nordeste, ensina que a grande lição desse pesquisador é a visão sistêmica, ou seja, entender o todo para otimizar as partes. A cadeia de valor precisa ser estudada para se entender cada elo dela e melhorar o todo. O programa Ganhe o Mundo afeta toda a cadeia da educação. Cada aluno que vai e volta traz valor agregado em sua bagagem. “É como o programa BIA – Bolsa de Iniciação Acadêmica – da Universidade Federal de Pernambuco, que dá bolsas para alunos que passam no vestibular e são oriundos das escolas públicas. Agrega imenso valor e retorno para o Estado e para a sociedade”.
Walter Moraes Professor da UFPE dá o exemplo da cadeia de valor na educação 63
cine
Por EDILBERTO XAVIER Edilberto Xavier é auditor da Fazenda, secretário executivo de Planejamento, Orçamento e Captação da Seplag / PE
O filme começa em junho de do técnico Herb Brooks (Kurt RusTítulo Original Miracle 1979, a sete meses dos jogos de sel), convidado pelo comitê olím-
2004, Estados Unidos Gavin O’Connor DESAFIO NO GELO adapta para o cinema a história real da equipe olímpica de Hóquei no gelo dos Estados Unidos, medalha de ouro nas olimpíadas de inverno de 1980. A seleção americana, formada por jogadores amadores vindos dos campeonatos universitários, superou o até então invencível time da União Soviética. O feito ficou conhecido como “milagre no gelo” inspirando o titulo original do filme, em inglês, Miracle.
inverno de 1980, que aconteceram em Lake Placid, Nova Iorque, de 13 a 24 de fevereiro. No pano de fundo, a guerra fria e a rivalidade entre Estados Unidos e a antiga União Soviética atinge o seu ápice com a invasão do Afeganistão no verão de 1979. A ameaça de boicote às olimpíadas de Moscou no ano seguinte, em retaliação, instiga os Soviéticos a demonstrarem a sua superioridade em pleno solo americano. Para os Estados Unidos, a forte recessão econômica e o mandato morno do Presidente Jimmy Carter aumentaram as expectativas sobre o sucesso dos times americanos naquela competição. O enredo do filme acompanha a trajetória
pico a apresentar uma estratégia para o time de Hóquei. Inicialmente rejeitado pelas ideias inusitadas que apresentou, logo Brooks é contratado pela falta de opção, pelo pouco tempo de preparação, mas também pela baixa expectativa quanto ao desempenho da seleção. A época, os países do bloco soviético dominavam o esporte. Brooks logo mostra a que veio, escalando os jogadores no primeiro dia, ignorando várias estrelas dos campeonatos universitários, que em sua opinião não teriam a disciplina necessária para as mudanças no estilo americano de jogar hóquei o qual pretendia implementar, descartando a “politicagem” usual na escalação de seleções olímpicas.
Fotos: Reprodução/Desafio no Gelo
A mudança no esquema tático praticado é o primeiro desafio organizacional apresentado no filme. A primeira parte do plano de Brooks é simples: usar o estilo
do adversário contra ele. Isto nos reporta ao conceito de Benchmarking, que significa referência, modelo, padrão de desempenho e vem sendo largamente adotado no mundo corporativo como forma de aprimorar o desempenho de uma organização a partir da comparação com produtos, serviços, processos e práticas de outras organizações. É exatamente o que faz Brooks. Adotando técnicas do chamado Benchmarking competitivo em que as organizações comparadas são concorrentes diretas, Brooks estuda exaustivamente os métodos e ca-
racterísticas do time soviético e desvenda os motivos que os levaram à liderança no esporte. Naturalmente, a estrada para a sucesso não passa apenas pela redesenho no estilo, o segundo desafio, tanto para a seleção americana de Hóquei no gelo, quanto para qualquer organização passa pela implementação do novo modus operandi. Para Brooks, além da montagem de um esquema tático que emulasse o estilo soviético, era preciso selecionar um time jovem, sem estrelas de estilo próprio e pré-definido (o que dificultaria a sua adaptação às mudanças propostas) e criar um ambiente motivacional propício ao pouco tempo restante para preparação do time. A fase de implementação das mudanças sempre é mais critica. O ponto alto do filme se dá exatamente durante as dificuldades de implantação, em que a disciplina necessária para mudar o padrão vigente exige firmeza de propósito da liderança e coesão da equipe. A julgar pelo resultado, o esforço valeu a pena e, neste caso, tratando-se da encenação de uma história real, o final feliz não foi apenas truque de marketing hollywoodiano.
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acadêmicos da gestão
Indicadores da gestão de Recursos Humanos na Polícia Civil de Pernambuco (2007-2012) Por Margareth de Carvalho Sá1
Este artigo aborda a medição de Indicadores Demográficos no âmbito da Polícia Civil de Pernambuco, no Sexênio 2007-2012. Trata particularmente dos Índices de Entrada ou Admissão; de Saída ou Desligamento e daquele Global correspondente ao aumento real do efetivo da Instituição, obtido mediante subtração do total de Entradas, daquele referente às Saídas recorrentes no mesmo período. Objetivando evidenciar um estado de coisas relacionado ao déficit e a necessidade de complemento de efetivo, apto a produzir a mobilização das autoridades competentes para categorizá-lo como “problema político” e, mais além, a sua inserção, prioritariamente, na agenda governamental para alocação de recursos suficientes à solução.
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1. Introdução Cuida-se de entender a composição e movimentação da força de trabalho da Polícia Civil de Pernambuco, no sexênio 2007-2012, aferindo Indicadores Demográficos aplicados à sua Gestão de Recursos Humanos, quais sejam: Índice de Entrada ou Admissão, tomando o número de servidores empossados nos cargos que compõem o Quadro de pessoal permanente de natureza policial da Instituição; o Índice de Saída ou Desligamento, por 4 (quatro) fatores distintos, quais sejam: Exoneração, Aposentadoria, Demissão e Falecimento, e por fim, o Índice Global relacionado ao concreto acréscimo de servidores praticado naquele período. Parte-se para quantificar com exatidão o aumento real do capital humano da Instituição, naqueles seis anos, para, por via oblíqua, expressar demandas e apoio à política pública de redução contínua da criminalidade no Estado,revestida dos dois elementos fundamentais que lato sensu informam uma política pública, segundo (SECCHI, 2013, p. 2): “intencionalidade pública e resposta a um problema público, entendido como coletivamente relevante”, da Adequação Permanente dos Efetivos das Unidades Operativas da Secretaria de Defesa Social, particularizada a relação, da sua Polícia Civil, com a finalidade de manter uma política continuada de completamento e recompletamento do Efetivo Policial. Igualmente, fomentar uma válida estruturação e recompletamento de carreiras públicas essenciais à prestação de serviços públicos diretos à sua população, os chamados serviços próprios de
Estado, categorias que segundo (MEIRELLES, 2006, p. 331) “só devem ser prestados por órgãos ou entidades públicas, sem delegação a particulares”, os quais “por sua essencialidade, geralmente são gratuitos ou de baixa remuneração, para que fiquem ao alcance de todos os membros da coletividade”. No caso específico da Segurança Pública, elementar direito humano, que a Assembleia Nacional Constituinte ao promulgar a vigente Constituição da República Federativa do Brasil,em 1988, no seu preâmbulo destina o Estado Democrático a assegurar, com isonomia de trato com os direitos sociais e individuais, a liberdade, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, PREÂMBULO). Solução pacífica das controvérsias que segundo a professora Maria das Graças Rua (RUA, 2009, p 17), Schmitter (1984, p. 34) atribui à Política, na expressão do seu próprio conceito: “política é a resolução pacífica para os conflitos”, e que para si é “demasiado amplo” e enseja delimitação, consistindo no “conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações de poder e que se destinam à resolução pacífica dos conflitos quanto a bens públicos” (RUA, 1998). Segundo a autora supra supracitada, a administração de um conflito “pode ser obtida por dois meios: a coerção e a política”, aquela identificada com a repres-
são, o uso da força, pelo Estado, para fazer valer o direito e esta com a construção de consenso e controle sobre o mesmo. No Brasil, a Constituição Federal prescreve, em seu artigo 144, a Segurança Pública como dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, e mais adiante no § 4º deste mesmo dispositivo, que às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais - exceto as militares (também prescritas no artigo 103, incisos I e II da Constituição do Estado de Pernambuco). Entender a composição e a movimentação de força de trabalho de uma Organização, através da medição de Indicadores Demográficos, segundo (ASSIS, 2005, p. 18), é normalmente o começo para a maioria dos profissionais que buscam adotar indicadores para medir resultados, processos, consumo de recursos ou questões mais amplas ligadas aos seus Recursos Humanos. Seguindo a máxima de (KARPLAN e NORTON, 2004, p. 7), “o que é medido é conseguido”, para conhecer dos números de Admissão, Desligamento e aporte real de efetivo, tratados neste artigo, foram medidos os já citados Indicadores Demográficos da Polícia Civil de Pernambuco, através de pesquisa de natureza Quantitativa com o uso de recursos e de técnicas es67
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tatísticas, junto à Gerência de Recursos Humanos da Instituição, mais particularmente por sua Unidade de Movimentação de Pessoal – UNIMOPE, para retratar o estado da arte da Instituição quanto ao seu quadro de pessoal permanente de natureza policial e as suas relações com a população do Estado, os postos de trabalho existentes na Instituição, a incidência criminal, quantitativo de delegacias.
2. Desenvolvimento Objeto de medição, os Indicadores Demográficos ligados aos Recursos Humanos da Polícia Civil de Pernambuco, no período de 2007 a 2012, mais particularmente Índices de Entrada, de Saída e de Incremento Real do efetivo da Instituição naquele sexênio, permitiram compreender a sua força de trabalho, capital humano dimensionado em face do número físico desse recurso associado a sua rotatividade, entendida como o nível de movimentação de pessoas ingressando 68
e retirando-se da Instituição. A Instituição, dirigida por Delegado de Polícia de carreira, por outorga das Constituições Federal e Estadual, executa as funções de polícia judiciária e de apuração das infrações penais de sua competência, através dos servidores públicos civis, representados no Grupo Ocupacional Policial Civil, conforme as Leis Complementares Estaduais nº 137, de 31 de dezembro de 2008, nº 156, de 26 de março de 2010 e nº 181, de 22 de setembro de 2011, integrado por 9 (nove) cargos públicos de natureza policial civil, de provimento efetivo, exclusivamente, mediante concurso público, quais sejam:Delegado de Polícia, Perito Criminal, Médico Legista, Agente de Polícia/Comissário de Polícia, Escrivão de Polícia, Perito Papiloscopista, Operador de Telecomunicações, Auxiliar de Perito e Auxiliar de Legista, este antepenúltimo encontrando-se em extinção por força da Lei Estadual nº. 10.466, de 07 de agosto de 1990. Na sua dinâmica, as atividades
são bipartidas pelos segmentos Investigativo e Técnico Científico, este integrado pelos cargos de Perito Criminal, Médico Legista, Perito Papiloscopista, Auxiliar de Perito e Auxiliar de Legista e aquele pelos cargos de Delegado, Agente/ Comissário, Escrivão de Polícia e Operador de Telecomunicação. Tomando o número de servidores policiais empossados nos citados cargos da Polícia Civil de Pernambuco, o sexênio 2007 – 2012 registra um índice de 2.610 Entradas ou Admissões, conforme Gráfico a seguir, e um impacto percentual de 52,01% sobre o efetivo de 5.018 Policiais existentes em 31/12/2006 (Tab. 01). Na baliza do indicador anterior, o índice de 1.862 saídas na Polícia Civil de Pernambuco, no sexênio 2007 – 2012, por Aposentadoria, Exoneração, Demissão e Falecimento serve a identificação do impacto percentual de 37,11% destas sobre aquele total de 5.018 servidores existente em 31 de dezembro de 2006. O cálculo segue
o padrão antecedente, do número de saídas deduzidas do número de servidores existentes (Tab. 02). Além de demonstrar a variação do efetivo da PCPE naquele sexênio 2007-2012, subtraídas das 2.610 entradas as 1.862 saídas, da mesma forma o Indicador Global calculado com base na média das entradas e saídas de servidores naquele período de seis anos pelo total de 5.018 servidores existentes na PCPE, em 31 de dezembro de 2006, dá conta do acréscimo real de efetivo praticado na Instituição, em números absolutos de 748 servidores e percentuais de 14,91%, os quais foram direcionados na sua totalidade à estruturação de 41 novas Unidades Administrativas e Operacionais instaladas a partir daquele ano de 2008, isso considerando- se como número de servidores o total de 5.018 cargos providos, ou seja,
efetivamente preenchidos, dentre aqueles 10.884 criados, dos quais 5.827 encontravam-se vagos naquela data (Tab. 03). Note-se que a vacância de 5.827 cargos, dos 10.884 criados na estrutura da PCPE em 31/12/2006, por si só produz um déficit global de efetivo de 53,73%, que contabilizando as entradas e saídas ocorridas no citado período de 2007 a 2012, atinge 50,84% e redução geral do déficit em aproximadamente 2,89%, praticamente deixando vagos aqueles postos de trabalho outrora ocupados. Segundo a Sinopse do Censo Demográfico 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o Estado de Pernambuco, composto de 185 municípios que se somam a Vila dos Remédios pertencente ao arquipélago de Fernando de Noronha, detém, em números absolutos, uma população
de 8.796.032 habitantes, em correspondência a Polícia Civil de Pernambuco em 31.12.2012, detém um efetivo de 5.766 Policiais Civis dos seus 9 Grupos Ocupacionais distribuídos por todas estas comunas, dispersas numa extensão territorial de 98.146,3 quilômetros quadrados e com uma densidade demográfica de 89,63 habitantes por quilômetro quadrado, a demandar a existência e atuação de 1 Policial Civil a cada 17 quilômetros quadrados, aproximadamente. Essa população forma aproximadamente 88 grupos de 100 mil habitantes cada, a serem atendidos por um efetivo de 5.766 Policiais Civis, guardando relação de aproximadamente 66 policiais para cada grupo de 100 mil pessoas, e consequentemente de 1.526 pessoas para cada 1 policial civil. Efetivo este lançado, no Nível Operacional por 260 Delegacias de Polícia,
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sendo 217 Delegacias de Polícia de Circunscrição ou de Polícia de Município, classificadas, considerada a população das respectivas áreas territoriais, na forma do art. 5° do Decreto nº 35.291, de 07 de julho de 2010, incisos I - Nível 3 - sediadas em municípios com população até 30.000 habitantes; II - Nível 2 - sediadas em municípios com população entre 30.001 e 100.000 habitantes e III - Nível 1 - sediadas em municípios com população acima de 100.000 habitantes, e 43 Especializadas conforme a especialidade da natureza das infrações penais da sua competência, distribuídas pelo Estado. Esse número de 260 delegacias importa em 1 delas para cada 33.831 habitantes, contrariando o que foi postado por Wagner Oliveira no blog diariodepernambuco. com.br/segurançapublica, em artigo na data de 17 de junho de 2013,
segundo o mesmo, de acordo com a publicação da pesquisa Perfil das Instituições de Segurança Pública realizada pelo Ministério da Justiça, com base nos dados colhidos no ano de 2011, notando-se, também, que no referido artigo as contas não coincidem, pois a divisão da população pelo número de delegacias daria uma delegacia para cada 40.912 habitantes e não 41.232, além do mais, 43 delegacias especializadas é mais do que 20% de 217 delegacias, ou 16,5 % daquele total geral de 260 delegacias, contudo mesmo assim essa relação ainda é muito desproporcional. No artigo postado em 17 de junho de 2013,Pernambuco tem uma delegacia para cada 41.232 habitantes. E mais. Apenas 10% das delegacias existentes no estado são especializadas. Segundo a publicação, que foi apresentada com base nos dados colhidos no ano de
2011, Pernambuco desponta, juntamente com o Ceará, Rio de Janeiro e Distrito Federal, como um dos estados com a menor quantidade de delegacias em relação à população estadual.
Conclusão Segundo a professora Maria das Graças Rua (RUA, 2009, p 17), a administração de conflitos, pode ser obtida por dois elementos: a coerção e a política, particularmente neste caso com a construção de consenso e controle sobre o mesmo. No caso em tela, inexiste solução coercitiva, buscando-se alternativas administrativas e políticas voltadas para solução do impasse. O impasse é formado quando a sociedade não é atendida com a qualidade devida. Na gênese do conflito está a carência de recur-
Tab 02 - flutuações entre 2.610 Entradas e 1.862 saídas na pcpe no sexênio 2007-2012 1600 1400
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sos humanos, para que a Polícia Civil possa cumprir plenamente seu papel constitucional. Ensina, ainda, a professora Maria das Graças Rua, que as atividades políticas com seus procedimentos e destinação, unidas com a formulação de propostas, tomadas de decisões e implementação das mesmas, formam as políticas públicas, que pretendem descortinar resultados benéficos para as demandas sociais. A demanda que é imperativa refere-se à necessidade veemente de tornar a relação entre população, incidência criminal, total de delegacias e demais índices e serviços da Polícia Civil de Pernambuco profícua para ambos os lados. Que a solução política, com base no referencial técnico e estatístico, aponte para o atendimento de demanda recorrente por aporte de servidores policiais, recompletamento dos quadros funcionais e ampliação dos mesmos, de forma a atender os anseios sociais proporcionando a devida adequação entre os fins pretendidos e os meios disponíveis. Conjugando os termos politics e policy, atividade política e políticas públicas, onde estas resultam daquela, o primeiro termo no sentido dado pela autora supra, de “o uso de procedimentos diversos que expressam relações de poder (ou seja, visam a influenciar o comportamento das pessoas) e se destinam a alcançar ou produzir uma solução pacífica de conflitos relacionados a decisões públicas e o segundo como formulação de propostas, tomada de decisões e sua implementação por organizações públicas, esta stakeholder burocrata aspira contribuir para
uma profícua tomada de decisões e ações relativas à “alocação imperativa de valores envolvendo bens públicos”, para o recomplementamento do efetivo da Polícia Civil de Pernambuco. Atendimento de demanda reputada oportuna, inclusive em face da iniciativa professada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, segundo a revista eletrônica Consultor Jurídico http://oab.jusbrasil.com.br/noticias/100574703/ oab-requer-ao-supremo-medida-para-defesa-de-usuario-de-servico-publico, de entrar no Supremo Tribunal Federal, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) por omissão para obrigar o Congresso a fixar um prazo para regulamentação de norma de proteção dos usuários dos serviços públicos, com pedido de liminar para aplicação imediata do Código do Consumidor enquanto esta lei não for aprovada. 1 Margareth de Carvalho Sá é aluna do Mestrado Profissional em Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável – GDLS da Faculdade de Ciência da Administração de Pernambuco – FCAP; graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Olinda e pós-graduada em Gestão Governamental pela Faculdade de Ciências da Administração de Pernambuco – FCAP; Gestão de Defesa Social, pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, em convênio com a Fundação Joaquim Nabuco; Ciências Criminais, pela Faculdade de Direito do Recife – Universidade Federal de Pernambuco UFPE e Preparação à Magistratura, pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco, na área de Defesa Social e em áreas afins ao curso de graduação.
Referências ASSIS. Marcelino Tadeu de. Indicadores de Gestão de Recursos Humanos: usando indicadores demográficos, financeiros, e de processos na gestão do capital humano. Rio da Janeiro: Qualitymark, 2005. KAPLAN. Robert S, NORTON. David P. Na Prática. 9ed reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32 ed. São Paulo: Malheiros, 2006. RUA, Maria das Graças. Políticas Públicas. Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração / UFSC; [Brasília]:CAPES : UAB, 2009. RUA, Maria das Graças. Análise de Políticas Públicas: Conceitos Básicos.In: RUA, Maria das Graças; VALADAO, Maria Izabel. O Estudo daPolítica: Temas Selecionados. Brasília: Paralelo 15, 1998. SCHMITTER, Phillip. Reflexões sobre o Conceito de Política. In: BOBBIO, Norberto et al. Curso de Introdução à Ciência Política. Brasília:UnB, 1984. SECCHI. Leonardo. Políticas Públicas. Conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2 ed. São Paulo: Cengage Learning. , 2013. http://blogs.diariodepernambuco.com.br/ segurancapublica/?p=4122 http://oab.jusbrasil.com.br/ noticias/100574703/oab-requer-ao-supremo-medida-para-defesa-de-usuario-de-servico-publico. 71
humor (Samuca)
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