Dissertação fabiano

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INDIVÍDUOS EM “RIZOMA”, A SOCIABILIDADE EM REDE DE UM GRUPO FORMADO A PARTIR DA INTERNET (o grupo Galera ZAZ). Dissertação de Mestrado

FABIANO VIANA OLIVEIRA


UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

FABIANO VIANA OLIVEIRA

INDIVÍDUOS EM “RIZOMA”, A SOCIABILIDADE EM REDE DE UM GRUPO FORMADO A PARTIR DA INTERNET (o grupo Galera ZAZ).

Dissertação de Mestrado Orientador: Gey Espinheira Co-orientadora: Urpi Montoya Uriarte


FFCH/UFBA

Oliveira, Fabiano V. INDIVÍDUOS EM “RIZOMA”, A SOCIABILIDADE EM REDE DE UM GRUPO FORMADO A PARTIR DA INTERNET (o grupo Galera ZAZ). UFBA, Salvador: 2001. 169 p.

SGC/UFBA/2001

1.Antropologia 2.Internet 3.Tese de Mestrado 4.Depositado CAPES/SGC-2001


Resumo Minha proposta com esta dissertação é fazer uma descrição de como é a sociabilidade de um grupo de pessoas formado a partir da Internet. Por ter um caráter de rede, a própria noção de grupo é alterada conceitualmente, mas mantém a noção de agrupamento em rede de forma bem clara. O conceito de sociabilidade é trabalhado de modo a ser, genericamente, a troca entre estes indivíduos diante de um espaço múltiplo e fluido: a Internet e em seguida suas interações face-a-face. A proposta é cumprida com o máximo de rigor descritivo (a etnografia) e com algumas notas comparativas com outros agrupamentos contemporâneos similares. O resultado é que o grupo pesquisado (o grupo Galera ZAZ) se apresenta com características semelhantes e com algumas mais particulares em relação a um amplo espectro de sociabilidade possível no mundo atual e, como era minha proposta, a concentração está na descrição destas características: rituais, códigos, símbolos e formas de interação que dão sentido a essa sociabilidade específica.

Palavras-chave: Etnografia, Sociabilidade, Rede, Grupo, Internet


I - PONTOS E QUESTÕES INTRODUTÓRIAS

1. Objeto e Metodologia. O objetivo desse trabalho é estabelecer uma compreensão do tipo de sociabilidade que se dá em grupos formados a partir do espaço da Internet, comparando-se ainda esta sociabilidade com outras formas coexistentes na atualidade. Cuja relevância se torna explícita pela natureza contemporânea desse tipo de formação coletiva, que faz parte, inegavelmente, de nosso cotidiano, e por isso deve ser conhecida e compreendida em seu contexto e interioridade. A hipótese central que leva este empreendimento é que grupos formados a partir da Internet têm características próprias e específicas, particularidades relativas tanto a sua origem particular (no espaço da Internet) quanto ao seu desenvolvimento específico, com pessoas de um certo contexto; neste caso o esforço descritivo deverá ser mais importante que o comparativo, mas sem se ignorar a integração particular destes grupos com um contexto maior de outras formações coletivas e também de diversidade cultural. Para isso, este trabalho se inicia apresentando o contexto onde se desenvolve a sociabilidade suposta a ser estudada. O contexto contemporâneo das teorias sobre sociabilidade e o contexto do próprio espaço da Internet. Em seguida, inserirá o leitor numa amostra da variedade de articulações sobre o tema abordado e finalmente descrevendo os rituais da sociabilidade de um grupo 1de pessoas formado a partir do espaço da Internet, que podemos chamar de grupos Net, por hora.

Nosso objeto é o estudo etnográfico da sociabilidade de um grupo formado no espaço da Internet e que também se atualiza no espaço das relações face-a-face ("real") e a reflexão comparativa com teorias sobre o contexto da sociabilidade contemporânea. Utilizando também, para isso, informações de outros pesquisadores de áreas afins para saber sobre outros possíveis grupos que possam servir de ponto de comparação. A aparente tendência lúdica de ver a sociabilidade no espaço da Internet me fez ir na direção de grupos que se reúnem de maneira primariamente afetiva e hedonista. Mas devo pôr o leitor a par da 1 Notaremos mais adiante que um conceito rígido sobre “grupo” pode não se aplicar completamente quando se trata da sociabilidade desenvolvida contemporaneamente e em conseqüência no espaço da Internet... Em alguns momentos será mais apropriado pensar grupo como redes de interações móveis, influenciadas por diversos aspectos circunstanciais (espaço, sazonalidade, fluências de comportamentos, etc.)


existência de outros tipos de agrupamentos com caráter mais funcional ou utilitário. Na verdade essas características aparentemente divergentes de agrupamentos contemporâneos têm uma separação e classificação muito mais acadêmica que fatual: no mais das vezes as características se entrelaçam (funcional, hedonista, utilitária, lúdica...) com a prioridade de umas ou outras a depender dos contextos possíveis de espaços de interação. Os métodos utilizados para o desenvolvimento desse objeto foram, por um lado, um questionário on line, para avaliar principalmente os pontos qualitativos de uma amostra representativa do universo de usuários da Internet e daí construir um esboço de contexto do espaço e um perfil ideal de usuário, que formam a primeira parte do capítulo IV deste texto; a acumulação de dados originados de diversas e aleatórias atividades de sociabilidade na Internet (Chats, Fóruns, etc.) 2; e por outro, a observação-participante num grupo que se atualiza (se reúne) no IRL (o mundo das relações face-a-face ou "real"), assim como na Internet, que finaliza o capítulo IV deste argumento e fecha a dissertação.

As etapas da pesquisa: Antes de iniciar este projeto vinha acumulando dados de Fóruns, Chats e e-groups; após a árdua caminhada de leituras e definição do objeto, comecei a escrever textos provisórios para serem preenchidos aos poucos, cujos produtos finais formam os capítulos I, II e III da dissertação. Depois preparei o questionário que foi aplicado on line, numa forma de trazer informações variadas das pessoas que usam a Internet para a composição do contexto do espaço e perfil do usuário 3. Enviei o mesmo no final de dezembro de 1999, após todas as revisões, para cerca de 800 e-mails (endereços eletrônicos) e dei um prazo de 2 meses para respostas. Recebi 42 respondidos. A média, aparentemente baixa, tem haver com uma das características do espaço da Internet e com os hábitos de seus usuários: multiplicidade de informações, atividades e, por conseqüência, de escolhas a serem feitas. Por uma questão de maior validação dos dados coletados, realizei uma nova aplicação do mesmo questionário em agosto de 2000, utilizando uma parte da amostra anterior (os 800 e-mails) somados a um outro contingente mais abrangente qualitativamente, chegando assim a um total de 96 questionários respondidos e um razoável perfil de usuário do espaço da Internet e a uma contextualização do mesmo. Além disso, eu busquei outras pesquisas mais quantitativas sobre o espaço da Internet 4 e outros dados complementares. Como forma ampliar a localização de nossa amostra de usuários da Internet para esta pesquisa, tomemos conhecimento

2 Ver Glossário. 3 Ver modelo de Questionário anexo. 4 Para isso utilizei duas pesquisas acadêmicas ainda não publicadas e dados de revistas e jornais atuais (1999-2000) sobre o assunto. As referências a cada um serão feitas no momento de suas citações.


dos seguintes dados: de acordo com estimativas da UNESCO em 1999 apenas 3% da população mundial (mais de 6 bilhões) têm acesso a computadores e à Internet, isto é, 180 milhões de pessoas 5 . Segundo pesquisa do Instituto DataFolha realizada em 1999, existem cerca de 8 milhões de usuários da Internet no Brasil 6, isto é, apenas 5% da população (mais de 160 milhões) têm acesso à Internet. Nosso universo total foi de 1000 usuários, isto é, 1,25% do total de usuários da Internet no Brasil. Desse universo de 1000 usuários, 96 responderam ao questionário e por isso constituem nossa amostra, isto é, 9,6% do universo. Devemos ter claro que estes números mais gerais são mutáveis de acordo com as possibilidades de desenvolvimento do espaço da Internet no futuro próximo, no entanto, para o estabelecimento de um perfil contemporâneo de um usuário ideal do espaço da Internet, estes dados serão suficientes, enriquecendo a nossa compreensão posterior da Etnografia do grupo Galera ZAZ 7, que também está inserido neste mesmo contexto. As questões foram formuladas de modo a apresentar um perfil mínimo de usuários da Internet e assim poder contextualizar melhor o espaço em que se dá a sociabilidade específica em estudo. Usei como auxílio os dados de pesquisa realizada on linepelo mestrando em Psicologia Social, Eduardo Krauze Diehl 8 , em colaboração com o portal/provedor ZAZ (hoje chamado TERRA), e que, por coincidência foi de onde se originou o grupo o qual pesquiso em campo: Galera ZAZ 9. Esta pesquisa foi feita de maneira espontânea através de todas as salas de chat do ZAZ durante um período de seis meses (de Janeiro de 1999 à Junho de 1999). Fizeram parte dos dados coletados nesta amostra, sujeitos virtuais, usuários das salas de conversação do ZAZ, de ambos os sexos, de diversas faixas etárias de todas as regiões do Brasil. A amostra total foi de 24.834 sujeitos. Devo lembrar do período maior da pesquisa do Eduardo Krauze Diehl e o tipo de pesquisa (espontânea e em colaboração com um grande e muito freqüentado portal da Internet no Brasil). Foi recomendado aos usuários questionados que as respostas fossem dadas rápida e 5 Se considerarmos o crescimento do uso de computadores e da Internet de forma “exponencial” (NEGROPONTE, N., A Vida Digital, SP, 1995, p.10-11.) podemos imaginar previsões de crescimento muito maiores para os próximos anos, ou até meses. (Para ver mais previsões sobre o desenvolvimento das tecnologias de informática ver: NEGROPONTE, N., Idem.) “O Computer Industry Almanac prevê que a Internet atinja 320 milhões de usuários no final de 2000.” (Revista CARTA CAPITAL, Nº106, Setembro/1999, p.65) 6 Uma projeção de dados mais recentes, publicado no encarte Vida Digital (Revista VEJA, nº51, Dezembro/1999, p.100), apresenta um número de cerca de 13 milhões de pessoas acessando mensalmente as salas de bate papo (chats) dos dois maiores provedores do país (UOL e Terra). Essa projeção é baseada na quantidade de acessos aos chats, logo, na verdade, não representa a quantidade de pessoas que têm acesso a Internet no momento, mas nos demonstra o potencial de crescimento possível e também a grande possibilidade de fluxo das pessoas (as mesmas pessoas várias vezes) que têm acesso a Internet dentro destes espaços de interação... os mais populares. Já numa estatística menos entusiasmada, a RITS (Rede de Informações do Terceiro Setor) apresenta que o número de usuários brasileiros da Internet em Novembro de 1999 era de menos de 5 milhões de pessoas (2% da população brasileira). 7 A escolha deste grupo foi oportuna e afortunadamente bem aceita e adequada para os propósitos da pesquisa. 8 Dissertação de mestrado em Psicologia Social: Comunicação Mediada pelo Computador. Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2000. 9 A amostra pesquisada por Eduardo Krauze Diehl, de certo modo engloba também a nossa amostra, pois, além da dispersão em diversos públicos pela quantidade de e-mails utilizados em minha pesquisa (contatos pessoas, pessoas de meios de comunicação, listas de várias empresas, listas de grupos de discussão de vários assuntos e o grupo pesquisado etnograficamente: Galera ZAZ), temos também que a pesquisa de Eduardo Krauze Diehl foi realizada no mesmo grupo de salas de bate papo de onde o grupo pesquisado por esta Etnografia também faz parte (sala de bate papo Salvador 1 do provedor Terra, antigo ZAZ).


espontaneamente, o que demonstra o ponto de vista mais psicológico da pesquisa de Eduardo Krauze Diehl, mas que nos forneceram importantes dados complementares para a construção do nosso usuário ideal. Estes dados nos ajudaram também a formular um contexto mais amplo até se fechar em nossa amostra, mas qualitativa que quantitativa, e finalmente chegando ao nosso objeto central: um grupo que se atualiza regularmente na Internet e face-a-face (o grupo auto denominado Galera ZAZ).

O passo seguinte foi a penetração em um grupo que se atualizasse na Internet e também face-a-face; em seguida a minha convivência com eles em suas atualizações nos diferentes espaços e situações. Este processo teve um recorte temporal de cerca de quatro meses, dentro do qual pude observar e participar de diversas situações que explicitam, mas não determinam precisamente o perfil do grupo, já que sua formação e manutenção é sem dúvida espontânea. O processo descritivo advindo desta metodologia etnográfica irá nos mostrar como se apresentam os membros do grupo dentro de cada espaço da interação; como se dão suas atividades e rituais; quais suas características diante do contexto contemporâneo de onde eles se formam (ou se atualizam); enfim, como é sua sociabilidade. Em primeiro lugar vemos como se desenvolvem as interações entre os indivíduos no espaço em que se originaram: o chat do provedor ZAZ (atualmente: Terra) segmentado 10por cidades A-Z, Salvador (1 ou A) (a primeira sala de bate papoda cidade de Salvador). Em seguida veremos como se dá o movimento de passagem entre o espaço do chat para o espaço face-a-face, este centralizado e mais concentrado em encontros semanais num grande shopping da cidade. Em terceiro lugar veremos como se desenvolvem as interações do grupo no espaço face-a-face, este indo além do encontro central no shopping e atingindo ramificações em vários e diferentes espaços e situações. E finalizando, veremos como se dá a complementaridade entre espaços de interação do grupo: do chat para shopping, do shopping para praia e viagens, destes de volta ao shopping e ao chat e assim por diante num desenvolvimento não linear (“rizoma”) de interações complementares; algumas cumulativas e duradouras, outras passageiras e intensas, mas todas fazendo parte de uma rede de interações aberta e fluida 11.

Enfim, a revisão teórica dos três primeiros capítulos; a análise de dados qualitativos e quantitativos da primeira parte do capítulo IV e as descrições e análises da segunda parte do mesmo; tudo se complementa num processo contínuo de contextualização geralpara a compreensão particulardo que é a sociabilidade no espaço da Internet.

10 Os provedores e portais na Internet, como o Terra ou UOL (os maiores e mais populares do país no momento), geralmente disponibilizam uma ampla variedade de segmentos para os diferentes tipos de usuários e/ou para os diferentes momentos (construção de afinidades diversas), assim existem salas classificadas por assunto de interesse, faixa etária, preferências sexuais, cidades, etc. 11 Observações posteriores ao período do recorte (Abril a Julho de 2000) poderão nos servir de ilustração de alguns dos pontos de vista aqui defendidos. A renovação permanente do grupo é o principal deles, como veremos.


2. Sobre algumas categorias aqui usadas. 2.1- Virtual e Real A oposição virtual - real não se sustenta logicamente, mas é usada coloquialmente, então, devemos fazer uma introdução explicativa sobre o tema e a explicitação dos termos utilizados para este trabalho. De uma maneira simples poderia dizer que o que é virtual é o que está por vir (ou o possível) e o real é a atualização dessa virtualidade, mas isto não põe a questão tão claramente. Acredito que todos que leiam este texto têm uma idéia relativamente segura do que seja uma coisa e outra, e muito provavelmente convivem bem com essa separação dicotômica entre virtual e real. A popularização da própria Internet causa isso: torna os termos familiares, mas não os explica satisfatoriamente. Tudo é real, inclusive aquilo que está virtual. Alguns exemplos: a língua (qualquer uma) é virtual, enquanto a fala é que a atualiza, no entanto, tanto língua quanto fala são reais. A informação na Internet está virtual (“desterritorializada”, Lévy, 1999), não está em lugar nenhum e pode estar em todo lugar... e ela é atualizada a todo momento de consulta e troca; como a língua, disponível a todos para falar. Ou ainda, o ensino é virtual e o aprendizado é a sua atualização. Quer dizer, a maneira que pareceria correta de se separar o virtual de outro termo seria o atual, mas nem mesmo isso parece conveniente para o nosso trabalho, pois mesmo quando um grupo está “reunido” em algum chat, ele está sendo atualizado ali... naquele ambiente chamado pelo próprio grupo de virtual (espaço da Internet). Uma outra maneira de ver a questão é admitir toda realidade como sendo intermediada por símbolos, isto é, nós compreendemos a realidade através de símbolos e estes símbolos são virtuais a todos, como códigos que todos são capazes de reconhecer, mas que não estamos usando o tempo todo (como a língua, exemplificada no parágrafo anterior). Deste modo, é claro, a noção de realidade se torna mais difícil ainda de ser reconhecida para o nosso trabalho, pois, afinal, o real estaria na constante intermediação com os símbolos, que são virtuais. E, neste caso, tomo emprestado de Manuel Castells a percepção de que a “cultura é transformada pela mediação tecnológica” (1999: 354), que nos coloca diretamente na mediação (virtual) de símbolos exatamente presentes no nosso espaço de investigação: o contexto (Internet) onde os grupos Net se


desenvolvem. Segundo Pierre Lévy há várias formas de ver o virtual. É uma nova forma de relacionamento, uma nova forma de espaço (diferente e complementar) e que não é oposto ao real. A realidade das interações passa a se virtualizar 12dessa nova forma. E as possíveis atualizações desse virtual são as diversas novas formas de interação. O virtualexiste, enquanto o atualacontece. “O virtual não ‘substitui’ o ‘real’, ele multiplica as oportunidades para atualizá-lo.” (1999: 88) Projetamos nós mesmosem vários lugares diferentes, virtuais, prontos a se atualizar em vários espaços e momentos diferentes; são desdobramentos de eusem diversas interações, todas reais, mas diferentes, “ora aqui, ora em toda parte, ora em si, ora misturado.” (Lévy, 1996: 33) No espaço da Internet em especial esse desenvolvimento fica bastante visível, como veremos.

Os textos trocados na Internet são as atualizações de uma linguagem virtual em comum partilhada pelas pessoas presentes neste mesmo espaço. As pessoas fazem-se entender mesmo não estando “próximas” e são interpretadas a partir das atualizações de seus textos (uma interpretação veloz e em meio a uma grande multiplicidade simbólica); e quando ocorre o encontro face-a-face, estes textos se tornam virtuais diante da atualização corrente, que pode a qualquer momento trazer à atualização este repertório virtual. Regras e convenções estão virtuais nos grupos e são atualizadas durante as interações. A regra aparece em especial quando é quebrada ou prestes a tal, pois é lembrada (atualizada). Aprendemos e trocamos significados e virtualizamos as compreensões (todos podem conhecer os significados). Um grupo que se atualiza (“estar-junto” / Internet ou IRL), troca significados e apresentações; seus membros o têm virtual o tempo todo em cada um, pelo menos enquanto este tiver significado para eles ou para pelo menos um. Em outra obra Pierre Lévy sugere mais uma diferenciação de denominação para o espaço dos computadores (Internet, Ciberespaço) e o face-a-face: “...o universo da informação digital e o mundo ordinário.” (1999: 37) O que dá uma espécie de impressão de extraordinário no espaço da Internet, mas a diferenciação é válida de um ponto de vista do espaço que é mais comum às interações e o que é menos comum; podemos inferir que eventualmente o espaço da Internet poderá deixar de ser visto como fora do ordinário, se este for considerado o cotidiano dos seus usuários. Mas todas essas constatações não resolvem de modo algum o problema... e não acredito que poderei resolver. Separar real de virtual é uma mera convenção popular para o mundo fora do computador e dentro do computador, o que vimos ser, nessa dicotomia simplificada, uma inverdade; ou, como diz 12 Virtualizar aqui pode ser compreendido como possibilidades de atualização.


Pierre Lévy (1999): “...no uso corrente, a palavra virtual é muitas vezes empregada para significar irrealidade, enquanto ‘realidade’ pressupõe uma efetivação material, uma presença tangível.” (47) Permaneceremos com as denominações fixadas até aqui como as menos problemáticas (“espaço da Internet” e “face-a-face”), mas sabendo da subliminar presença das outras denominações, especialmente a virtual - real, muito utilizada por usuários, e que todas são inevitavelmente provisórias.

2.2- Noção de Grupo Originalmente pode-se pensar a noção de grupo a partir do pertencimento de indivíduos a uma coletividade claramente identificada, com regras e objetivos bem definidos. O modo como cada indivíduo lida com o grupo é que constrói o pertencimento para com o mesmo. Um grupo que possui um objetivo estabelecido faz convergir para si indivíduos cujo interesse em comum é este objetivo: a realização de uma tarefa, um grupo de trabalho, a realização de um evento, a formulação de uma lei, a resolução de um problema, etc. O caráter afetivo também está presente na reciprocidade das relações desses grupos, pois se trata de interações entre subjetividades, no entanto, a afetividade não será o centro principal de atenção dos indivíduos diante da presença de um objetivo qualquer estabelecido. A noção de grupo nesta situação apresentada está fortemente ligada à proximidade e à convivência face-a-face. Isto não impede a manutenção do caráter de redes também presentes nos conteúdos das interações, mas há uma convergência maior dos indivíduos devido ao objetivo compartilhado. Mesmo quando não reunidos (em atualização), este tipo de grupo têm o objetivo como fonte de união. Este objetivo também pode entrar em rede com o compartilhamento das referências ao mesmo tempo em outro grupo, no entanto, seu caráter específico de identificação, o objetivo, estará centrado no grupo principal 13. No espaço da Internet também há possibilidades de convergências de indivíduos para agrupamentos com objetivos específicos, mas o caráter da não proximidade deixa uma maior abertura para o caráter de rede das interações. Podemos até sugerir que para esses novos agrupamentos a proximidade física possa ser substituída, ou melhor, complementada pela inter-conexão 14 (em rede de interações mútuas e múltiplas); um tipo de ligação simbólica que vai além do face-a-face. Em nosso recorte metodológico foi feita a opção pela concentração em agrupamentos contemporâneos cujo perfil pode ser considerado mais afetivo, o que não elimina quaisquer outros perfis possíveis dentro do mesmo agrupamento. Neste caso, a noção de grupo em rede passa a ser ainda mais forte. Como veremos no desenvolvimento de nosso argumento, ao se penetrar num grupo de caráter mais efetivo no espaço da Internet, se está penetrando numa rede móvel de relações, para a qual o próprio indivíduo já leva uma parte dentro de suas próprias relações. Por isso o caráter

13 Para saber mais sobre esta noção mais funcional de grupos com objetivos ver: MILLS, Theodore M. Sociologia dos pequenos grupos. Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Pioneira, 1970. 14 Esta noção de conexão foi inspirada a partir do texto: MARTIN-BARBERO, Jesús. “Cidade virtual: novos cenários da comunicação”. São Paulo: Comunicação e Educação, Nº11, 1998.


rizomático 15ser uma outra noção muito importante para a compreensão do tipo de sociabilidade que se desenvolve a partir do espaço da Internet. Aqui, cada reunião (atualização) tem um caráter mais renovador, um outro ponto da rede, com novas características (ou manutenção de anteriores: regras, rituais, etc.), novos participantes, onde a convergência espacial não significa a convergência de um grupo igual à atualização anterior. Isso ficará mais claro na descrição etnográfica do grupo Galera ZAZ estudado. Enfim, notemos que a proximidade é crucial para a compreensão da noção de grupo a partir de um ponto de vista mais tradicional, mas que aqui, neste contexto, devemos expandi-lo junto com a noção de rede e também de rizoma. Onde, mesmo havendo a convergência de indivíduos para um espaço de aproximação face-a-face, há a presença deste processo numa rede de interações não só face-a-face, mas também sob a mediação 16do espaço da Internet.

15 Um rimoza é uma forma de desenvolvimento, no caso de interações, que não segue um centro comum, mas vários centros (ou sem centros) auto conectados e re-conectados. Para saber mais: DELEUZE, G. e GUATTARI, F., Mil Platôs, Vol.1, Introdução: Rizoma. Trad. Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa. RJ/34, 1999. 16 O termo mediação nos serve aqui tanto como contexto como meio para o acontecimento de trocas. O contexto onde ocorrem as trocas e o meio pelo qual as trocas acontecem.


II - O ESPAÇO DA INTERNET

Neste capítulo desenvolveremos uma noção geral sobre a categoria espaço; depois apresentaremos as características do espaço específico da Internet; a seguir algumas referências sobre a forte presença da escrita neste espaço; depois informações descritivas sobre as suas principais ferramentas/sub-espaços de interação e finalmente a forma como essas ferramentas/sub-espaços contribuem para a apresentação de Eus na Internet, aspecto mais central ou nuclear da sociabilidade na mesma dentro de todos os contextos e contingências aqui desenvolvidos.

1. Espaço. Espaço é um conceito abstrato, “é mais abstrato do que o de ‘lugar’,” (Augé, 1994: 77); precisa ser vivido, cotidiano, para ter significado; precisa ter um complemento para a compreensão mais completa... como no nosso caso: espaço da Internet e espaço das relações face-a-face. Espaço é um lugar onde algo acontece, palco para atuações, ambiente para representações. A contemporaneidade parece ter colocado as pessoas em uma nova relação com o espaço onde elas agem. No entanto, como veremos adiante, o ambiente (no espaço) é uma categoria que influencia o comportamento dos indivíduos, assim como é influenciado pelo comportamento dos mesmos; logo, não é de se estranhar que os espaços (ou as noções sobre o mesmo) na contemporaneidade modifiquem suas concepções e também os comportamentos dos indivíduos neles inseridos. Em Georg Simmell (1993) o espaço está pensado basicamente em termos de associação e dissociação, de exterioridade e de interioridade enquanto disposição do homem perante a natureza (contexto) que ora transforma em paisagem (ambiente). Esse espaço é visto como o lugar (ou lugares) onde se dão as relações entre os indivíduos. Relações essas basicamente de troca (de todos os tipos). Em textos que falam sobre espaço, Simmell (1993) formula uma analogia com "a ponte", um lugar que serve tanto para entrada como saída e que tem o grande potencial de sediar encontros entre direções opostas: os eus ou nós de uma cidade, por exemplo, e os outros, os estrangeiros, os eles de uma cidade vizinha. Transportando esta analogia para o nosso objeto, podemos imaginar que a


Internet é a ponte (ou porta) que vai ligar os eus com os outros; os eus vão poder sair e os outros vão poder entrar. Já anunciando que uma das hipóteses que levam esta investigação é que os indivíduos que se socializam fazem parte de um contexto onde os "espaços públicos" estão em decadência (Sennett, 1976) e que as pessoas estão se "encastelando" em seus pequenos mundos isolados (Revista ISTOÉ, nº1549, Junho/1999), e que por isso a Internet pode representar ou ser interpretada como um novo espaço para sociabilidade. Mas, como é o espaço da Internet? Fisicamente, a Internet seria simplesmente um espaço de troca de impulsos eletrônicos (bits) 17, mas, simbolicamente, é espaço de troca, de relações entre mentes, consciências ou subjetividades, já que os corpos das pessoas estão afastados, a priori, pois podemos imaginar e perceber a importância da interpretação simbólica da realidade para as pessoas. São as representações construídas sobre o que é vivido que dão sentido ao que elas vivem. O que elas vivem só tem sentido para elas no momento em que se transforma em representação. A Internet é um espaço de representações e de trocas de múltiplas consciências, que, apesar de seus corpos estarem distantes, elas parecem se sentir juntas. Como diz Manuel Castells: “A Internet é real como a própria vida.” (Entrevista, Revista ISTOÉ, nº1549, Junho/1999)

A Internet é um espaço que não é um espaço da maneira como vemos tradicionalmente; é um processo com características de espaço de fluxo e de interação, de troca. Ou, como diz Lemos: “Mesmo sem ser uma entidade física concreta, pois ele é um espaço imaginário, o espaço da Internet constitui-se em um espaço intermediário. Ele não é desconectado da realidade mas, ao contrário, parte fundamental da cultura contemporânea. O espaço da Internet é assim um complexificador do real.” (Lemos, A., 1996, on line) Entrar no espaço da Internet é vivenciar a linguagem, os códigos e os caminhos que ele possibilita de informação, comunicação e sociabilidade.

2. Características do espaço da Internet. Como características do espaço da Internet podemos pontuar algumas suposições, mas de fato, reconhecemos que as trocas de influências entre espaço e indivíduos podem modificar as interpretações sobre as características do mesmo. As características que serão vistas aqui serão: descentralidade, auto-organizante, multiplicidade, seletividade, velocidade de renovação, espaço de fuga, espaço para elite, democrático 18, espaço de elaboração de eus, de distância e invisibilidade e escrita. Muitas destas noções se apresentam entrelaçadas e dependentes umas das outras, como também outras são

17 O bit é uma unidade de informação digital. Para saber mais ver: NEGROPONTE, Nicholas. A Vida Digital. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. 18 O termo democrático aqui utilizado é bastante leigo, significando basicamente liberdade de expressão, de acesso e


aparentemente contraditórias, mas são todas características visíveis dentro do espaço da Internet e que em muito contribuem para a formação do contexto onde se dá a sociabilidade por mim estudada. A primeira característica é a descentralidade. Consideramos o espaço da Internet, imaginando-o como uma extensão dos tipos de espaços construídos contemporaneamente, como sendo sem centros 19 ; isto significa dizer sem uma organização centralizadora de nenhuma natureza: estatal, privada ou mesmo convencional (e nesta categoria se incluem as tradicionais de qualquer natureza). Os agrupamentos (ou conexões) de indivíduos parecem se dar em diversas "direções" diferentes e sem nenhuma critério além das vontades (intenções) dos indivíduos 20. Essas "direções", como veremos mais adiante, parecem ser melhor compreendidas através do conceito de afinidadese seus derivados, como as inter-afinidades.

Dessa descentralidade podemos inferir a formação de inúmeros sub-espaços ou micro-espaços afinitários, que, de acordo com estatísticas recentes crescem e também desaparecem na mesma proporção em que aumentam o número de usuários da Internet. (Folha de SP-30/08/99) É como diz André Lemos (1996): "A Internet é um espaço auto organizante, mas não é organizado". Os agrupamentos, afinidades, identificações, os espaços parecem fluir veloz e dinamicamente. E, mais ainda, “o que permanece das origens contraculturais da rede é a informalidade e a capacidade auto-reguladora de comunicação...” (grifo nosso) (Castells, 1999: 381) É esta capacidade auto-reguladora que nos induz a pensar o espaço da Internet como auto organizante, pois não parece haver um centro produtor da Internet, apenas um contínuo meio inter-conectado de diversos nós. Entretanto, existem críticos dessa noção auto-reguladora da Internet, que supõem na verdade um controle da tecnologia, do comércio e da expressão (monitoria de conteúdos) por parte de grandes corporações e governos mais austeros; no entanto, isto não parece eliminar o caráter rizomático de desenvolvimento, talvez menos livre, pré-orientado, mas não totalmente controlável. Veremos mais sobre isso adiante quando abordarmos a característica espaço democrático.

de participação. 19 A noção de rizoma trabalhada por Deleuze, G. e Guattari, F. (1999) novamente nos serve de ilustração. “Resumamos os principais caracteres de um rizoma: diferentemente das árvores ou de suas raízes, o rizoma conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer e cada um de seus traços não remete necessariamente a traços da mesma natureza; ele põe em jogo regimes de signos muito diferentes, (...). O rizoma não se deixa reconduzir nem ao Uno nem ao múltiplo. (...) Ele não tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda.” (1999, p.32) Ou ainda, como reforço, temos de Lévy: “O computador (e seu usuário) não é mais um centro, e sim um nó, um terminal, um componente da rede universal calculante. (...) É um computador cujo centro está em toda parte e a circunferência em lugar algum, um computador hipertextual (ver Glossário), disperso, vivo, fervilhante, inacabado: o ciberespaço em si.” (Lévy, 1999: 44) 20 Não serão consideradas relevantes para as intenções desta investigação as questões sobre influências, manipulações econômicas ou ideológicas que podem surgir diante desta afirmação.


Como vimos, um fator muito importante no espaço da Internet parece ser as escolhas dos indivíduos (vontades e intenções). Espaço de interações sociais diversas; a sua segmentação possível desdobra os vários espaços de interação, quase ilimitado pela sua não possibilidade de organização externa rígida (“auto organizante”). Disso, podemos elaborar mais duas características interligadas. A primeira delas é a Internet já vista como "espaço público" contemporâneo 21e que, pela sua multiplicidade e descentralidade, impele (ou proporciona) o indivíduo a realizar uma maior seletividade naquilo que deseja realizar (no nosso caso, o mais importante, as atividades de socialização, isto é, a busca de semelhantes ou de iguais para partilhar afinidades afetivas 22). Logo, multiplicidadede possibilidades de atividades, de informações, de referências, símbolos, signos e de conexão com outros signos a partir destes (interconexão) e seletividadedas atividades a realizar são as duas características. O fato de ter enviado 800 questionários e ter recebido de volta apenas 42 respondidos evidencia o dado do espaço da Internet ser realmente múltiplo, como está sendo afirmado, e que seus usuários precisam escolher o que querem fazer, isto é, selecionar atividades em meio a um caos múltiplo de escolhas possíveis. Ou, como prevê Castells: “...a capacidade da rede é tal que a maior parte do processo de comunicação era, e ainda é, grandemente espontâneo, não-organizado e diversificado na finalidade e adesão. (...) A comercialização do espaço cibernético estará mais próxima da experiência histórica das ruas comerciais (feira livre) que dos shopping centers na monotonia dos subúrbios anônimos.” (1999: 379) Seria um retorno ao caos do “espaço público” só que dentro do espaço “encastelado” e “seguro” da Internet. Ainda sobre esta multiplicidadeque parece caracterizar o espaço da Internet, ela se refere também ao intenso fluxo 23de informação nele existente. Uma multiplicidade que leva uma fluência de um novo imaginário coletivo (novos símbolos e novas formas de cognição) somente possível a partir do partilhamento deste mesmo fluxo de informações por muitos usuários que trocam afinidades muito além do que somente mensagens. “Esportistas, artistas, gays, lésbicas e bissexuais, deficientes, negros, mulheres, capoeristas, punks, darks, skin-heads, neonazistas, torcidas de futebol, sambistas, roqueiros, góticos, adolescentes, naturalistas e nudistas, idosos, pacifistas, comunistas, necrófilos, pedófilos, sadomasoquistas, índios americanos, rastafaris, motoqueiros, corredores, e toda a infinidade de categorias que se possa imaginar são encontráveis na Net.” (Amaral, 1998, on line) E isso apenas como ilustração. Uma outra definição também bastante ilustrativa sobre o espaço da Internet dada por Pierre Lévy, demonstra esta multiplicidadede informações e de atividades possíveis: “Ela contém o equivalente a livros, discos, programas de rádio, revistas, jornais, folhetos, curriculum vitae, videogames, espaços de discussão e de encontros, mercados, tudo isso interligado, vivo, fluido.” (1999: 91-92)

21 Assim considerado por muitos usuários, mas com um perfil um pouco diferente do conceito tradicional de espaço público (lugar de encontro de diferentes); sendo ainda lugar de encontro de diferentes, mas filtrados pela semelhante capacidade de acesso à Internet. Soa como uma ambivalência, mas também faz parte das características do espaço da Internet. 22 Como foi mencionado antes, este conceito será melhor discutido mais adiante. Para o momento nos basta fazer a diferenciação entre "afinidades afetivas" e "afinidades funcionais-utilitárias": as primeiras estando ligadas aos chamados acessórios complementares da vida, enquanto as segundas ligadas à subsistência latu senso. 23 Para um maior aprofundamento sobre este espaço de fluxo ver: CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Trad. Roneide Venancio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999 e LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: editora34, 1999.


Uma outra característica do espaço da Internet é a velocidade de renovação, tanto tecnológica quanto simbólica. “...a velocidade de transformação é em si mesma uma constante – paradoxal – da cibercultura.” (Lévy, 1999: 27) Algo que afeta o cotidiano dos usuários num processo constante de aprendizado e superação; no entanto o caráter de constante renovação também caracteriza as interações que acontecem na Internet, uma noção que será levada até a nossa etnografia, onde será visto que a sustentação da noção de coletividade também depende de uma constante renovação (de membros, de hábitos, de afinidades, etc.). Mudanças e renovações são parte dos processos de identidade de qualquer forma de cultura, no entanto, no espaço da Internet, o que é acrescentado é a velocidade das mudanças, o que teoricamente não daria espaço para a construção da própria noção de uma cultura, por isso o uso destacado do termo “paradoxal” por Pierre Lévy ao falar sobre o assunto; e é essa velocidade que sempre estará presente na maioria dos processos construídos a partir do espaço da Internet; é algo presente em sua origem: relacionamentos que começam e acabam rápidos, empresas que surgem e somem rapidamente, heróis que ascendem e decaem rapidamente, mas também são características exemplares da nossa contemporaneidade, então talvez seja algo apenas mais potencializado pelo espaço da Internet, mas desde antes presente na cultura ocidental. Diante do que foi afirmado sobre as características do espaço da Internet até aqui, podemos formular mais duas; ambas tendo origem nos aspectos econômicos e no processo de “encastelamento” que vem sendo explorado. A Internet como espaço para elite e também como espaço de fuga. De fato, “embora realmente esteja revolucionando o processo de comunicação e por meio dele a cultura em geral, a CMC (Comunicação Mediada por Computadores) é uma revolução que se desenvolve em ondas concêntricas nos níveis de educação e riqueza mais altos e provavelmente incapaz de atingir grandes segmentos da massa sem instrução, bem como países pobres.” (Castells, 1999: 383-4) A argumentação de Castells é pertinente para a hipótese de característica do espaço da Internet que apresentamos, mas não podemos deixar de notar o desenvolvimento do processo de expansão da Internet no mundo, pois, mesmo que por razões puramente comerciais de grandes corporações, a Internet também se expande entre camadas e países mais pobres; o que isso pode significar positiva ou negativamente não se pode saber. Pessoas respondendo ao questionário on line, quando perguntadas com que tipo de classificação sobre a Internet concordavam, marcavam, muitas vezes, tanto a opção espaço para elite, quanto a opção espaço democrático. Por enquanto, o espaço da Internet parece ser de elite (não muito rigorosa),


pois as limitações de acesso a um computador ainda são grandes em boa parte da população. Sobre este aspecto espaço democrático devemos ainda abordar algumas outras noções. Diante da descentralidade já vista e desta democracia possível: “A Internet possui um potencial incrível de democratização do conhecimento uma vez que é uma rede sem centro, onde cada um de nós é um nó.” (Pellanda e Pellanda, 1999, on line) Demonstrando a crença, quase sempre acadêmica, de que a Internet é um espaço onde todos que têm acesso podem interagir e participar da multiplicidade (de símbolos e de informações); por exemplo: participando de fóruns, trocando experiências, criticando posições, etc. O espaço da Internet, em redes de informação com possibilidade de acesso em massa, permitiria que cada usuário se tornasse, pelo menos potencialmente, um disponibilizador de informação, cuja validade não é exatamente o centro de sua observação principal, isto é, qualquer um poderia publicar o que quisesse, inclusive informações falsas; o importante seria o potencial democrático em questão. No entanto, outros pontos de vista críticos também levantam suas vozes a esse respeito. Lawrence Lessig, pensador americano, em entrevista para o encarte Mais do Jornal Folha de São Paulo de 5/03/2000 diz: “A liberdade de expressão e a privacidade na Internet estão sendo seriamente ameaçadas por interesses comerciais. (...) ...o ciberespaço está se tornando um espaço muito menos livre que no passado. O que está causando isso é primordialmente o interesse comum do governo e do comércio em fazer do ciberespaço um lugar onde é mais fácil rastrear as pessoas, monitorar seu comportamento...” (5-6). E na mesma publicação o articulista Simsom Garfinkel diz: “A própria tecnologia existe num cruzamento entre ciência, mercado e sociedade.” (11). O que nos faz pensar que a multiplicidade, o fluxo de informações e a expansão de usuários na Internet dá realmente a oportunidade de certos núcleos especializados de tirarem o máximo de proveito (invasão de privacidade, monitoria de hábitos, controle de conteúdos, etc.) de uma grande maioria de usuários médios do espaço da Internet. Mesmo assim ainda é uma tarefa muito difícil devido a magnitude potencial deste espaço e algo ainda não mensurável. É um movimento de expansão ambivalente, ou melhor “rizomático”, e “expansão não é sinônimo de massificação, muito menos de democratização.” (Revista Carta Capital, Nº106, Setembro/1999: 65) O que ainda faz recordar da questão do espaço para elite, pois, ainda na mesma publicação é dito: “...a renda familiar mediana dos internautas está algo acima de 20 salários mínimos, valor que ainda é mais de cinco vezes maior que a renda média do País.” (65) Enfim demonstrando que o espaço da Internet é apenas mais um,


cheio de contradições e problemas a serem constantemente revistos e repensados. E quanto ao espaço da Internet ser espaço de fuga diz Castells: “Cada vez mais temerosas de contágio e agressão pessoal, os indivíduos procuram alternativas para expressar sua sexualidade e, em nossa cultura de super-estimulação simbólica, a CMC com certeza oferece avenidas para a fantasia sexual principalmente porque a interação não é visual, e as identidades podem ser ocultadas.” (Castells, 1999: 385) Veremos mais adiante que uma outra característica está envolvida aqui, a invisibilidade, mas o centro aqui neste ponto é o fato do espaço da Internet se tornar um refúgio para pessoas que não se sentem mais seguras para se relacionar com os outros “diretamente” (face-a-face) e, nesse caso específico apresentado por Castells, para pessoas que desejam realizar fantasias sexuais também de uma posição segura, o que mantém o mesmo questionamento da fuga. Dos indivíduos que freqüentam o espaço da Internet e que responderam o questionário on line, muitos demonstraram familiaridade com essa noção de fuga dentro das interações no espaço da Internet: fuga da violência urbana, fuga de compromissos ou, simplesmente fuga de uma auto aparência julgada inadequada (feia). Retornando a analogia sobre a ponte, extraída de Simmell, e a Internet sendo espaço de saída de eus e entrada de outros, podemos formular uma outra característica da mesma: dá a possibilidade da "formulação" (atuação) de muitos eus por parte dos indivíduos e como derivação disso a possível construção de muitos nós, em contra partida, dá a oportunidade de se encontrar com muitos outros. Podemos interligar esta característica com a multiplicidade já mencionada, e também com a seletividade, pois deverá haver, dentro da amplitude de escolhas e choques entre eus e outros, alguns critérios para que os indivíduos procurem (escolham) certos lugares (sub-espaços) e certos outros (semelhantes?, iguais?, diferentes?, - depende das intenções do indivíduo) em detrimento de outros lugares ou outros outros. Investigaremos esses possíveis critérios (de escolha, de intenção e de motivação) no capítulo seguinte. Dessa última característica, podemos ainda elaborar as seguintes: a principalferramenta presente no espaço da Internet para elaboração dos eusé a escrita(forma simbólica específica que leva a troca de interpretações ligadas a esta forma de comunicação 24 ), o que já deve suscitar diversas variáveis com relação as formas de representação comuns neste espaço; e que será investigado mais a fundo na última parte deste capítulo, pois esta forma particular e diferencial de expressão do eupode ser de grande importância para a compreensão da sociabilidade no espaço da Internet. Enquanto a 24Existem outras ferramentas: fotos, figuras, vídeos, voz... mas a principal é a escrita, por enquanto.


comunicação mediada por computador se desenvolve tecnologicamente (textos, sons, imagens, etc.), as formas de linguagem (expressão e interpretação) são também alteradas, pois a velocidade dos processos mediadores (o espaço onde ocorre a interação) afeta os processos codificadores e decodificadores. Muito da escrita no espaço da Internet parece se aproximar da fala 25, por causa da velocidade das interações, com cada vez mais contrações, aproximações e abreviações; afastando-se, por exemplo, da linguagem através de cartas, onde parece haver maior elaboração ainda na escrita. “Para alguns analistas, a CMC, especificamente o correio eletrônico (e-mail), representa a vingança do meio escrito, o retorno à mente tipográfica e a recuperação do discurso racional construído. Para outros, ao contrário, a informalidade, espontaneidade e anonimato do meio estimula o que chamam de uma nova forma de “oralidade”, expressa por um texto eletrônico. Se pudermos considerar tal comportamento como escrita informal e não-burilada, em interação de tempo real, na modalidade de um bate-papo sincronista (um telefone que escreve...), talvez possamos prever a emergência de um novo veículo, misturando formas de comunicação que antes eram separadas em diferentes domínios da mente humana.” (Castells, 1999: 386) No entanto, a forma de expressão (especificamente escrita) no espaço da Internet traz apenas as características inerentes à sua época e local, não determina sua qualidade, apenas sua diferença.

E enfim, a possibilidade de se manter distante e até certo ponto invisível em relação aos interlocutores. Uma das características da “conexão” é não precisar estar “próximo” corporeamente (Martin-Barbero, 1998), no entanto a sensação de proximidade não parece deixar de existir no espaço da Internet; só que mantida as medidas de segurança já mencionadas: distância e invisibilidade. Relativizamos esta distância, pois ela pode ter dois níveis: o primeiro, que é o mais elementar, é o fato das pessoas não estarem face-a-face. O segundo nível se refere a possível interpretação (simbólica e sensível) dos indivíduos de que as distâncias foram “vencidas” através da Internet (visto desse ponto de vista como meio de comunicação integrador - não deixando de lado a carga ideológica deste tipo de afirmação). No entanto, nenhum destes níveis parece interferir no fato de que os usuários da Internet, pelo menos a priori e num primeiro momento de conexão com outros, não estão expostos diretamente aos outros, o que nos faz retornar à característica invisibilidade, que se relaciona com a característica dos muitos eus possíveis de serem elaborados por um mesmo indivíduo. Fica-se “protegido” (“encastelado”) ao mesmo tempo em que parece se querer “sair”, se socializar. O estranho (o outro/diferente) não pode ser ameaça já que não está “próximo” diretamente (como na rua). Curiosamente, uma das formas de ameaça que pode ser sentida no espaço da Internet é a 25 Esse tema é bastante mais amplo. Dentro do próprio espaço da Internet existem formas de interação com mais ou menos possibilidade disso acontecer. Veremos em uma sessão posterior deste mesmo capítulo uma abordagem sobre o tema.


contaminação dos computadores por vírus (dentre outras coisas prejudiciais que um especialista hackers - pode fazer). Logo, o indivíduo se sente protegido ou não no espaço da Internet? A esta pergunta veremos que há mais variação do que consenso; as motivações e intenções dos usuários da Internet é que levam a estados interpretativos de maior ou menor segurança, mas invariavelmente vê-se o espaço como diferenciado no aspecto segurança ou auto exposição. Veremos mais profundamente estas noções e categorias quando fizermos a nossa construção do perfil do usuário ideal do espaço da Internet no capítulo IV.

3. Sobre a Escrita. A escrita é uma técnica. Uma tecnologia humana para comunicação. Junto com as línguas, a escrita pode ser construída como uma forma de linguagem, baseada no registro comunicativo atemporal. Assim, na época de predominância da oralidade, o importante era “contar um conto sem aumentar um ponto”, com a manutenção cíclica da memória; o que se tornou menos necessário depois de inventada a escrita, que mantinha o “conto” inalterado entre uma leitura e outra (atemporal). A comunicação mediada por computadores (CMC - Castells, 1999), em rede e especialmente em tempo real transforma essas formas de expressão (oral e escrita) de forma a trazer novas e complexas características às interações entre seres humanos. Vivemos uma tradição escrita, porém permeada de oralidade, pois fluem as linguagens coloquiais longe das regras formais ao mesmo tempo que guardamos e acumulamos nossa história pela escrita. No espaço da Internet, onde a escrita ainda é a forma predominante de expressão, o que se pode supor que há é uma “oralidade escrita” 26. Não é simplesmente pelo fato de ser uma escrita veloz que tenta imitar o oral, é uma escrita que segue a demanda de velocidade, como também de imediaticidade e efemeridade. Se uma das características de culturas com tradição oral é o fato de o presente parecerse repetir, não havendo acúmulo de registros do passado como nós os entendemos, então esta “oralidade escrita” nos espaços de interação da Internet (chat rooms/salas de bate papo, em especial) carrega consigo a semelhança com esta característica, pois, apesar da possibilidade de registro da escrita que ocorre durante a interação 27, é uma situação que só faz sentido durante seu acontecimento, isto é, no presente que se sucede. Qualquer acúmulo de interações deve ficar na mente dos indivíduos, de forma cognitiva, fazendo parte da contínua construção de novas interações, sempre imediatas. E a questão da velocidade causa uma notória não obediência às regras da gramática dita

26 Expressão utilizada em artigo na Revista ISTOÉ, Nº1549, Junho/1999, inspirada em trabalhos de Umberto Eco sobre lingüística e sociedade. 27 Durante a minha pesquisa de campo, por exemplo, guardei o registro de muitos chats e mensagens, mas esta não parece ser uma prática comum entre interlocutores no espaço da Internet, especialmente nos chats.


formal 28, no entanto com uma auto compreensão que também muito se assemelha à oralidade.

Para nós, leitores desta obra, de forte tradição escrita, é muito difícil imaginar um universo de pura oralidade, porém no espaço da Internet há a oportunidade de um quase meio termo: a “oralidade escrita” surge como uma possibilidade de expressão, que é sem dúvida dependente da escrita, mas que possibilita a liberdade da mesma em suas formalidades, se aproximando assim de um tipo de “oralidade” bastante singular. Dentro de nossa tradição escrita, a oralidade já é altamente influenciada pela mesma. Os espaços de interação imediata da Internet podem ser considerados espaços que proporcionam mais ainda essa mútua influência entre escrita e oralidade nas sociedades ocidentais contemporâneas. Pois, como diz Ong, “La escritura nunca puede prescindir de la oralidad.” (1987: 17) Há sempre trocas de influências entre diferentes tipos de formas de expressão: escrita/leitura, visual, sonora, etc. O uso maior da escrita em nosso objeto é antes de tudo uma escolha devido a sua atual difusão e abrangência. Toda tradição escrita está ligada a uma oralidade, mesmo a escrita contemporânea das interações no espaço da Internet. Especialmente esta, cuja fluidez das conexões demanda formas de expressividade múltiplas. Enquanto na tradição oratória antiga (Ong, 1987: 19) era escrito o discurso depois de se haver falado, hoje se escreve antes o que vai se dizer. Nos espaços de interação imediata da Internet o que está sendo escrito já é o que está sendo dito. A fluidez desta afirmação já demonstra a interdependência entre as formas de expressão escrita e oral. As estruturas de expressão podem ser múltiplas, porém estão inevitavelmente presas a sistemas de expressividade que impõem as suas regras. A mobilidade existe (seja oral ou escrita; mais oral do que escrita), mas está inserida em diversos contextos de expressividade e aprendizado (comunicação). Noções e regras interiorizadas no inconsciente dos indivíduos que fazem parte destes contextos. Ou, de outro modo, “Las agrupaciones constituyen los principios de organización

28 Esta questão ainda será abordada durante a nossa etnografia do grupo Galera ZAZ, com a formulação de um dicionário simplificado dos termos construídos pelo grupo durante a interação no espaço da Internet, isto é, durante suas atualizações no chat, que dão a oportunidade para este tipo de expressividade descrita aqui, com menor obediência às regras gramaticais, etc.


de las fórmulas, de modo que la ‘idea esencial’ no está sujeta a uma expresión directa y clara, sino antes bien representa una especie de conjunto ficticio mantenido unido en gran medida en el inconsciente.” (Ong, 1987: 33) Algumas características da escrita nos espaços de interação da Internet que a aproxima da oralidade são as frases curtas e cumulativas; não tanta subordinação ou análise como na escrita formal; referentes a situações, mais que a abstrações. Ex.: “E aí? Vai hoje? Quando é jogo? Vou sim! Tem jeito! Vamos todos!” 29Formas de expressão que familiarizam a comunicação entre seus usuários; do mesmo modo como diz Ong: “La comunicación oral une a la gente en grupos.” (Ong, 1987: 73) O tipo de escrita produzida nos chats, principal e mais popular forma de interação em tempo real do espaço da Internet, propicia, mas não garante, o agrupamento, por isso, apesar de ser uma interação baseada em leitura escrita(atividades solitárias), a presença do outro é imprescindível e por isso à formação de grupos, e por isso a aproximação com a oralidade 30.

A escrita na Internet é volatilizada pela agilidade e fluência da oralidade, mas ambas ficam equilibradas aos usos práticos nas interações. Não se inventa, aprende-se com o uso e com os rituais de interação. Como dito por Ong, “...el habla y el pensamiento reales siempre existem esencialmente en un contexto de ida y vuelta entre personas.” (1987: 82) Enquanto nas tradições orais, o diálogo é a forma básica de aprendizado e interação, nas tradições escritas o outro falantese torna dispensável, pode-se formular discursos inteiros sem a presença de um interlocutor; já as interações no espaço da Internet dão uma oportunidade de mistura destes dois aspectos, pois, se por um lado é escrita, obedecendo a algumas das regras da escrita/gramática e ao tipo de elaboração mental específica necessária à escrita, por outro também tem um interlocutor imediato, ou quase imediato: há a ida a volta. Realizando-se assim uma mistura de formas de elaboração mental 31que deve ser para a escrita, mas que também deve ser quase tão rápida e específica quanto o tipo de elaboração necessária à oralidade. Ex.: usuários da Internet (especialmente Chat e ICQ 32) costumam muito dizer que

29 Sentenças extraídas de chats variados verdadeiros. 30 Veremos mais adiante em nossa etnografia do grupo Galera ZAZ como se dá a manutenção do uso das formas de expressão escrita e oral e como uma influencia/complementa a outra na construção da interação do grupo nos diferentes espaços de atualização (na Internet e face-a-face). 31 - Cognição oral: memória através de rituais de lembrança cíclicos; dependente da situação; há menos interpretações pois o emissor está presente. - Cognição escrita: afastamento temporal e espacial; mais abstrato; possibilidade de mais interpretações pela ausência do emissor/autor; não depende de rituais cíclicos; não depende da situação. Delineia oralidade, muda a forma de pensar. “ ‘na cultural oral pensava-se por meio de situações, enquanto, graças à cultura escrita, reflete-se por categorias’ (Lévy, 1993: 256). A escrita possibilita a construção de um ponto de vista estável, o que permite passar do conjuntural, gerado pelo oral, ao estrutural, expresso pelo texto.” (Maraschin e Axt, in: Pellanda, 2000: 94-95) 32 Ver Glossário.


sentem como se o interlocutor estivesse em sua frente. O espaço da Internet é como um espaço imaginário de interação de respostas em tempo real; o caráter mediatizado(com mediador eletrônico) é equilibrado pela representação de proximidade pelo tempo realpossível. São trocas de expressividades que exigem novas formas de expressão: não só palavras escritas, mas também símbolos que expressem mais (emoções, sensações, etc.) 33. A dinâmica da textualidade alcança um meio termo entre escrita e oralidade, pois os processos de elaboração mental dos usuários em interação na Internet se adaptam às novas características do espaço da interação; especialmente a comunicação escrita imediata (escrever rápido), onde a velocidade nas trocas e a multiplicidade de construções simbólicas afetam nos processos de escolhas e de elaborações de respostas.

Ong diz que, “Las palabras se componem de unidades (tipos) que existen como tales antes que las palabras a las que darán forma. La impresión sugiere, mucho más de lo que jamás la hizo la escritura, que las palabras son cosas.” (1987: 118) Na tela do computador as palavras estão escritas, mas não impressas. Há uma fluidez muito maior que a escrita impressa. A mobilidade maior sugere agilidade nas mudanças e nas interpretações. As palavras passam a ser coisas móveis, quase vivas, quase orais (uma oralidade silenciosa), pois voltam a ter dinâmica estímulo/resposta de um período ainda não dominado pela escrita e pela imprensa. Os processos de reprodução perfeita da escrita continuaram a se desenvolver após a invenção da imprensa, mas as capacidades interativas e interpretativas também mudaram com o tempo. O texto escrito impresso molda a nossa forma espacial de pensar: linear, textual, fixo; o texto escrito no computador (e na Internet), o chamado hipertexto pode ir além da linearidade da impressão, pois possui mobilidade espacial interna, interconexões imediatas fora dele, ferramentas de procura, uma incompletude diante do texto infinitamente referenciado a outros e outros (uma intertextualidade rizomática), inconcluído, etc. Ele já não é mais tão fixo. E o principal, dá oportunidade de resposta imediata ao leitor, contatando o próprio autor/emissor do texto ao final da leitura; quase um diálogo 34. Enfim, as técnicas de linguagem são uma parte integrante dos espaços de interação e disso, que a

33 Exemplo: figuras de “rostos” feitos a partir de caracteres do teclado do computador e que transmitem um significado que não é verbal, mas “escrito”. São chamados de emoticons (emotion e icons): :-) (sorrindo); :-))) (gargalhando); :-( (triste); :-x (beijando); ;-) (piscando); :-9 (lambendo beiços) e muitos outros. Nota: ao digitar os caracteres para sorrindo e para triste, eles se transformaram automaticamente respectivamente em  e . A própria tecnologia do computador fez a transformação no novo tipo de linguagem expressiva, mais próxima a “oralidade escrita”. 34 “O ciberespaço dissolve a pragmática da comunicação que, desde a invenção da escrita, havia reunido o universal e a totalidade. Ele nos leva, de fato, à situação existente antes da escrita – mas em outra escala e em outra órbita – na medida em que a interconexão e o dinamismo em tempo real das memórias on-line tornam novamente possível, para os parceiros da comunicação, compartilhar o mesmo contexto, o mesmo imenso hipertexto vivo.” (Lévy, 1999: 118) Lévy discorre de uma forma mais poética sobre a questão, mas mantém o nosso ponto de vista de um novo tipo de forma de linguagem escrita com características orais num espaço de características diferenciadas; é o que ele se refere a “outra


escrita tem um importante e diferencial papel na sociabilidade que se desenvolve no espaço da Internet, suas apresentações de Eus e as interações nos seus diversos sub-espaços. No decorrer desta dissertação problemas relacionados a escrita ainda serão desenvolvidos em momentos específicos, mas, por hora, fica clara a sua importância pontual e referencial para o resto do argumento.

4. Sub-espaços de Interação. Apresentarei nesta sessão as mais comuns e populares ferramentas de interação da Internet. Podemos também chamá-las de sub-espaços da Internet, dentre os quais destaco e desenvolvo aqui: os Fóruns e as listas de discussão por e-mail; o e-mail; os chats e o ICQ e seus similares. E assim teremos delineada as formas de interação que o espaço da Internet pode proporcionar no momento.

4.1- Fóruns e listas de discussão por e-mail: Coloco junto estes dois sub-espaços por terem como função primária o mesmo: troca de mensagens informativas sobre um determinado tema ou classe de temas pelos seus usuários/participantes. A diferença básica entre os dois é que para participar de um Fórum, isto é, colocar uma mensagem nele e ler as mensagens dos outros participantes, é necessário a conexão com a Internet e com o espaço provedor do Fórum pelo tempo que durar a leitura e escrita do mesmo (É claro que a pessoa pode decidir copiar tudo que já foi escrito e colocar em seu programa de textos, mas isto é demorado e ocupa muito espaço no computador). Pode-se ler todas as mensagens já colocadas anteriormente e retomar mensagens anteriores numa dinâmica não muito linear, mas mais “rizomática” 35. Já nas listas de discussão por e-mail existe uma central de distribuição de mensagens sobre o tema via e-mail, quando um participante envia uma mensagem, todos os participantes a recebem no seu programa de e-mail de preferência, lêem-na na hora ou mais tarde, sem precisar estar conectado e responde ou não, resposta a qual também será lida por todos que fazem parte da lista: não são, geralmente, mensagens dirigidas particularmente a alguém (fazendo isso vai-se para a lógica do e-mail que veremos posteriormente). 36O usuário da lista só tem acesso às mensagens que forem escritas e enviadas a partir do momento em que entra na lista, diferente do Fórum. Se bem que muitas listas mantêm um histórico das mensagens para os novos escala” e “outra órbita”: o contexto múltiplo, caótico e rizomático do espaço da Internet. 35 Como já foi dito, um rizoma é uma forma de desenvolvimento, no caso da informação, que não segue um centro comum, mas vários centros (ou sem centros) auto conectados e re-conectados. Para saber mais: Deleuze, G. e Guattari, F., Mil Platôs, Vol.1, Introdução: Rizoma. Trad. Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa. RJ/34. Ou ainda, pelas palavras de Lévy, um Fórum é: “Germinante, ramificante, bifurcante, rizoma dinâmico que exprime um saber plural em construção, acolhendo a memória múltipla e multiplamente interpretada de um coletivo, permitindo navegações em sentidos transversais,...” (Lévy, 1999: 100-1) 36 Esse desenvolvimento pode ser visto em grupos de discussão por e-mail como o Panela, cujo tema é Marketing e Publicidade principalmente, e o Rede Jovem, cuja proposta é discutir idéias para ações sociais de engajamento voluntário. Em ambos os casos novas interações são possibilitadas a partir da convergência temática.


usuários poderem ficar a par do que já foi discutido, mas esta não tem a mesma dinâmica não linear do Fórum, pois, apesar de se poder retomar um assunto visto antes, ele não será abordado diretamente da mensagem que ele o iniciou, como é feito no Fórum, onde podem ser geradas ramificações paralelas ao mesmo tempo que o tronco principal. Numa lista, se isto acontece, geralmente, é porque um grupo desta lista se “desgarrou” e se mantém em outro sub-espaço, ou via e-mails particulares ou em outra lista. De certa forma ainda faz parte de uma forma rizomática de desenvolvimento, mas é diferente do Fórum por não ser mais visível dentro da lista inicial, coisa que acontece no Fórum, onde pode-se ver as ramificações surgindo e ficando, etc., como veremos a seguir.

Há exemplos de Fóruns tirados da Internet, no entanto, devemos ter em mente que esta forma de desenvolvimento de interação fica totalmente incompleta quando apresentada de forma linear (texto impresso). No começo desta pesquisa tentei fazer o acompanhamento integral de um Fórum de discussão sobre “Namoro na Internet”, contudo, não fui capaz. A forma de desenvolvimento “rizomático” impede a acumulação integral de material do conteúdo do Fórum. No momento em que já tivesse lido e impresso metade dos textos/mensagens escritos, muitos novos textos/mensagens estariam presentes a partir dos já lidos (não linear). Veja-se a figura a seguir para ter uma idéia um pouco melhor do que estou tentando descrever.


Figura:

Exemplo: Fórum em provedor Americano, em inglês, com participação de pessoas de vários países. Assunto: “How deep can a Internet relation get?” (Quão profunda pode ficar uma relação na Internet?) O seu início foi bastante linear com uma pessoa respondendo a outra seguidamente, porém, mais a frente, vê-se que outros participantes começaram a responder a mensagens anteriores e não a mais atual, como seria numa forma mais linear. Este Fórum não teve longa duração, no entanto houve continuidade de interações via e-mail; neste ponto não mais presas (as interações) à temática central do Fórum. Os e-mails trocados já tinham um caráter mais pessoal, possível pela mudança de espaço de interação, de Fórum para e-mail; o que não impede a continuação do Fórum por outros usuários ou os mesmos, se houver interesse. Apesar de poder seguir o desenvolvimento “rizomático” com facilidade pelas características do espaço, vemos que a forma de desenvolvimento linear (herança da escrita) ainda é muito presente. Muitos Fóruns temáticos de caráter mais sério (debates científicos, políticos, econômicos, profissionais, etc.) tendem a


seguir este desenvolvimento linear com mais facilidade. Isso não impede de modo algum que também ocorra o desenvolvimento em rede rizomática possível, porém o perfil cumulativo desses temas tende a seguir dessa maneira. 37

Enfim, os Fóruns são centros temáticos convergentes que podem também ser fontes de outras afinidades (mais afetivas talvez), trocas e por isso de sociabilidade.

4.2- E-mail Não há muito que se dizer sobre a ferramenta/sub-espaço de interação e-mail. E-mail significa Electronic Mail(Correio Eletrônico). Todos os programas de e-mail usados atualmente são semelhantes. Um espaço para o remetente (nome e/ou e-mail), um para o destinatário (e-mail), assunto, um espaço para cópias (outros e-mails para quem se queira mandar a mesma mensagem), outro para cópias ocultas (e-mails que não aparecerão na mensagem) e o espaço para o texto da mensagem. Existem ainda ferramentas opcionais, tais como, a para anexar arquivos 38(textos, fotos, imagens, vídeos, animações, sons, etc.) ou a que responde automaticamente uma mensagem recebida. Observemos o modelo que segue:

37

Para

um

exemplo

prático

ver

Fórum

de

debates

Brasil

Pensa

em

www.uniemp.br/bp/ ou

www.estado.com.br. 38 Sobre esta ferramenta “Anexar” devo pontuar a questão dos Vírus de Computador. Os anexos enviados nos e-mails são a forma de maior contágio desses vírus, por isso há uma grande reserva a respeito destes pelos usuários da Internet, não abrindo anexos de desconhecidos, instalando Antivírus e estando sempre alerta... o que é sempre um impecilho para o melhor fluir das trocas, da sociabilidade.


O e-mail tem diversas utilizações. É basicamente uma ferramenta de troca, e por isso de sociabilidade, mas há vários usos para o mesmo: profissional; partilhamento de interesses; partilhamento de informações de vários tipos; divulgação de trabalhos, serviços, produtos e oportunidades de diversas áreas; trocas de piadas (textos, quadrinhos, animações, fotos, desenhos, etc.); curiosidades; jogos e brincadeiras; desabafo pessoal; expressar sentimentos (para este também existem os cartões eletrônicos); divulgação de mensagens coletivas (boa vontade, esperança, solidariedade, protestos, campanhas, ideais, posições políticas e sociais, alerta sobre vírus, etc.) 39; manutenção ou restabelecimento de contatos, de trocas, com amigos, conhecidos, etc. 40; além dos e-mails comerciais ( que também divulgam produtos e serviços) e os SPAMs (um tipo de e-mail coletivo, só que em forma de corrente e com a exposição de e-mails alheios, geralmente muito incômodo).

Sobre SPAMs, as correntes mais comuns são as de ganhar dinheiro fácil, as de realizar desejos e as de ajudar alguma coisa que não existe (lendas urbanas, como a de doação de rins ou a do garoto que pediu para que sua mensagem se espalhasse pelo mundo), para mencionar as mais conhecidas, mas qualquer tipo de divulgação nessa forma de corrente cumulativa geralmente é classificada como SPAM, mesmo as ditas “boas” campanhas, se não forem tomados alguns cuidados, especialmente a não exposição de e-mails de terceiros.

4.3- Chat Um Chat, em geral, funciona da seguinte maneira: numa “janela” do navegador de Internet do indivíduo se apresentam as mensagens das pessoas presentes na sala naquele momento; as mensagens vão se sucedendo. Ao lado das mensagens (quase sempre escritas, mas pode-se fazer desenhos ou se colocar “links” para outras formas de linguagem) aparecem o nome (nick/apelido – pode ser inventado ou pode ser o próprio nome do usuário, se quiser) da pessoa que a escreveu; junto ao nome pode haver a hora que a mensagem está sendo escrita, algum desenho (geralmente carinhas com expressões: alegria, raiva, triste), que é disponibilizado pelo provedor do Chat para escolha dos usuários que queiram expressar-se assim, e algum tipo de apresentação ou tratamento para com o interlocutor (Ex.: Fulano fala radiante com Cicrano, Fulano olha Joana de canto de olho e sussurra, Fulano grita com Cicrano, Fulano fala reservadamente com Cicrano, etc.). Com relação

39 Muitas vezes, no final dessas mensagens coletivas, há uma sugestão ou pedido para que se continue a mandá-la para outras pessoas, assim cresce em rede a divulgação e/ou participação da mesma, como em abaixo assinados por exemplo. 40 As mensagens coletivas (inclusive as piadas) também servem a este propósito: manter contato, etc.


a esse último tratamento (...fala reservadamente com...) devo acrescentar a importância deste para o tipo de interação que se desenvolve no Chat. Enquanto se utilizar qualquer um dos outros tratamentos, mesmo nenhum deles, dirigido a alguém específico ou não, todos os outros presentes na Sala irão poder ler as mensagens. No entanto, ao se selecionar a opção “falar reservadamente” somente a pessoa selecionada é que poderá ler a mensagem. No chat, o reservado não se revela facilmente; ao se dirigir a alguém “reservadamente”, apenas se está colocando que a conversa não diz respeito aos outros presentes; na verdade, as conversas no dito “aberto” também não dizem respeito a aqueles a quem não se dirigem as mensagens; no entanto, pode-se não se importar com isso. Normalmente as pessoas prestam mais atenção às coisas ditas a sua pessoa, porém isso não impede que se leiam as mensagens “abertas” dos outros. No caso específico de um grupo como o Galera ZAZ, há uma probabilidade maior de que os outros presentes prestem atenção ao que os outros estão teclando já que partilham de uma primordial coletividade em comum, e assim pode-se partilhar inter-afinidades no transcorrer das atualizações do grupo, Ex.: Fulano tecla com Sicrano no chat e Beltrano viu sobre o que falavam, mas não quis se meter. Na reunião, em outro dia, Beltrano fala com Sicrano que o viu falar com Fulano sobre tal e tal assunto, assim eles estão partilhando uma inter-afinidade entre Fulano e Sicrano, e entre Beltrano e Sicrano. Como neste exemplo: “Normalmente se lêem todas as mensagens a medida que se “rola” o chat, mas não com tanta atenção. Apenas se aguarda pela mensagem dirigida a si (essa é a seleção); quando se interessa por algum dos assuntos ou discussões se oferece mais atenção e talvez se entra na conversa.” (Depoimento de dois membros do grupo sobre o que se lê no chat.)

A principal característica do espaço de interação chat que o diferencia dos dois já apresentados é fato de este ser em tempo real. Os usuários escrevem, lêem e respondem as mensagens quase que instantaneamente, o que traz diversidades de linguagem, que já vimos no tópico anterior sobre a escrita e que também influi na forma de apresentação de Eus, como veremos no tópico seguinte. Vejamos a seguir um modelo de como funciona uma sala de chat na Internet, com comentários explicativos e ilustrações sobre o mesmo. A escolha da sala já demanda um certo grau de afinidade (por um tema, uma faixa etária, uma localização, etc.), que também depende das intenções do usuário. A sala cidades S, Salvador 1 ou A, do provedor Terra, que usaremos a seguir como modelo e que também abriga o grupo Galera ZAZ pesquisado, atrai muitos usuários tanto pela notoriedade do grupo mencionado (pessoas indicando o


grupo, etc., que foi como eu o descobri), quanto pela popularidade: ela está quase sempre cheia (no limite, 40 usuários, ou próximo) e os usuários tendem a crer que salas muito freqüentadas são boas, genericamente falando. As interações posteriores é que vão determinar a afinidade ou não daquele usuário com aquela sala, naquele momento.




4.4- ICQ e similares O ICQ é um programa de comunicação via Internet que dá a oportunidade aos usuários de saberem quem dos seus contatos está conectado no mesmo momento em que ele 41. A pronúncia da sigla ICQ em inglês significa “I seek you” – Eu procuro você –, e já existem programas similares brasileiros, mas a utilidade é a mesma... Então, tendo havido um contato prévio com uma pessoa (Chat, Fórum, Face-a-face, etc.), o indivíduo pode colocar esta pessoa em sua lista de ICQ e saber sempre que quiser se a outra também está conectada. O ICQ tem outras utilidades: existe uma ferramenta na qual se pode contatar qualquer outro usuário que esteja conectado naquele momento, mesmo não sendo de sua lista, assim podendo se procurar e se conhecer novas pessoas; basta que esta esteja “aberta” a novas interações; existem ferramentas tanto de mensagem quanto de Chat particular entre usuários; existem ferramentas que não demonstram que se está conectado (chama-se “invisível”) ou que não se quer falar com ninguém apesar de se estar conectado; e ainda existe a curiosa ferramenta chamada “Ignore List”: é uma opção para quando não se quer mais receber mensagens de um usuário específico... Ele é “ignorado”, literalmente. Veremos a seguir uma explicação ilustrada sobre a ferramenta/sub-espaço de interação ICQ e os seus mais importantes instrumentos de interação.

41 No argumento de propaganda de um dos programas similares ao ICQ existe um slonga que bem define o caráter do mesmo em relação às outras ferramentas: “Mais rápido que E-mail... Mais íntimo que bate-papo.” Ele tem a possibilidade do tempo real, mas com a intimidade de um programa pessoal...



Ao se conectar à Internet o ícone do ICQ (ou similar) aparece no canto inferior direito da tela, junto ao relógio (1). Clicando-se nele abre-se a janela que apresenta as ferramentas do programa (2 e 3). Nessa Janela aparecem todas as pessoas que o usuário tem em sua lista (pessoas que também têm o ICQ). Na parte onde diz “Online” aparecem os usuários que também estão conectados naquele momento (ficam azul). Na parte que diz “Off-line” (ficam vermelhos) aparecem os outros nomes da lista que não estão “online” naquele momento. As partes que dizem: “Waiting Authorization From” (esperando autorização de) e “Future Users Watch” (Observação de Futuro Usuário) são sessões que indicam usuários do ICQ ou que você pediu para ter contato, mas ainda não teve resposta/permissão ou que outro usuário pediu para ter contato com você, mas você ainda não respondeu, respectivamente. No topo da janela existem as opções “All” (todos) e “Online”, que dá a escolha de serem somente mostrados os usuários que estiverem “online” (conectados). Os comandos “ICQ Web Guide” e “To Simple Mode” servem para utilidades extras do programa, mas que não interferem no básico de sua comunicação. No comando “System” existe um menu de opções para que o usuário configure o programa da maneira mais confortável; isto afeta principalmente o modo como o programa se apresenta para ele, também não afeta a comunicação entre usuários. O comando “Add/Find Users” (Adicionar/Encontrar Usuários) serve para procurar e acrescentar usuários na lista acima. Normalmente se sabe o nome, ou e-mail, ou o número do ICQ (Ex.: 1458204, o número no topo da janela da nossa ilustração) do usuário que se está procurando para se acrescentar a lista. Ao se encontrar o usuário, se acrescenta a lista, caso a pessoa esteja livre para entrar na lista, o acréscimo é imediato, indo para “Online” ou “Off-line” a depender se está conectado ou não naquele momento. Caso a pessoa não esteja livre, isto é, precise dar permissão, automaticamente uma janela de mensagem se abre e a pessoa escreve uma mensagem pedindo permissão para a outra fazer parte de sua lista; somente quando esta outra receber a mensagem e der a permissão é que seu nome entrará na lista; por enquanto ficará em “Waiting Authorization From”. O comando “ICQ” abre um outro menu de opções onde o usuário escolhe algumas formas de segurança e tem acesso a explicações sobre o ICQ. Não interfere diretamente no cotidiano de comunicações. Finalmente, no comando que na ilustração diz “Online” (com a flor do lado), indica-se e


determina-se o status que se quer ter do ICQ enquanto se está conectado. Ao clicar-se neste comando um outro menu de opções aparece, cujas opções são “Online” (ligado/conectado), “Off-line” (desligado/desconectado), “Away” (conectado, mas não disponível), “Don’t Disturb” (conectado, mas não quer ser perturbado) e “Invisible” (está conectado, mas os outros usuários o vêm como “Off-line”); para cada opção há uma variação no desenho da flor: Online – verde; Off-line – vermelho; Away – verde com mancha branca na frente; Don’t Disturb – verde com símbolo vermelho na frente; Invisible – vermelho (o que engana os outros usuários dando a impressão que se está desconectado, quando se está conectado e pode-se ver os outros que estão conectados – “Online”.) (Obs.: o usuário vê a sua flor verde, mas com um olho em cima) (4). A comunicação em si: Ao se clicar sobre qualquer dos usuários na lista, um menu de opções se abre contendo as seguintes opções: (5) -

enviar mensagem (manda mensagem escrita – janela para escrever a mensagem – aparece na tela com um símbolo (papel de bilhete) piscando sobre a “flor” (no canto da tela “1”) do destinatário. – Lê-se e pode-se responder da mesma maneira). (esta ferramenta pode mandar mensagens tanto para usuários Online quanto Off-line, somente que ele só lerá quando estiver Online – tipo e-mail).

-

Chat (convida-se o outro usuário para comunicação via uma sala de bate-papo exclusiva (apenas para os dois), com mensagens sendo trocadas instantaneamente). (essa ferramenta só é possível com os dois usuários Online). (O modelo de janela de Chat é semelhante a de outros Chats.)

Essas são as ferramentas principais de comunicação, mas há ainda outras opções nesse “menu”, por exemplo: -

Mandar cartão (abre um menu de cartões que o usuário envia para o outro; serve para ocasiões – aniversários, etc. – ou para enfeitar mais as mensagens.)

-

Ignore List (ao clicar esta opção, o usuário do qual se originou o menu será colocado numa lista de nomes dos quais não mais se receberá mensagens. A pessoa pode até mandar mensagens, mas você nunca nem saberá disso. Para se tirar um nome do “Ignore List” deve-se ir nas opções de segurança da sessão “ICQ” e apagar o nome, aí volta-se a se receber mensagens do mesmo.

-

History (mostra o histórico de mensagens enviadas e recebidas daquele usuário).

-

Dentre outras ferramentas não muito relevantes para compreensão do uso de ICQ como forma


de comunicação e expressão. Nota 1: (6) Ao se receber uma mensagem (papel de bilhete piscando sobre a “flor” – tela “1”), clica-se nela, abre-se a janela de mensagem, lê-se a mensagem; nesta mesma janela está disponível o mesmo menu de opções visto anteriormente, o que permite responder com um mesmo tipo de mensagem, mandar o remetente para o “Ignore List”, mandar um cartão, ver o histórico de mensagens e/ou convidar para um Chat; ou pode-se simplesmente não responder. Se o remetente não estiver online no mesmo momento, o chat não poderá ser usado; apenas mensagem, que só será lida depois. Nota 2: No comando “ICQ” existe no seu menu a opção “Random Chat” (Chat Cruzado ou Circular), que dá a oportunidade de buscar qualquer pessoa conectada naquele momento e assim comunicar-se com ela, mesmo que não se conheça. É uma ferramenta para se conhecer pessoas novas. Funciona semelhante ao “Add/Find Users”, somente que a procura é aberta a todos os conectados e não somente a algum nome (número, etc.) de usuário específico. Chama-se “Random Chat” (Chat Cruzado) porque cruza pessoas conectadas por um convite para Chat. Pode-se recusar, simplesmente, ou teclar-se com o desconhecido. A partir deste primeiro contato pode-se pôr a pessoa na lista e tudo se mantém como antes, já descrito, e manter-se a interação por vários espaços também com esta nova pessoa (um chat marcado ou, principalmente, troca de e-mails). Dentro do espaço de interação da Internet, o programa ICQ, e similares, representa mais um aspecto técnico para o desenvolvimento do mesmo, o qual parece construir um caminho que leva de espaços de menor intimidade (mais impessoal) para espaços de maior intimidade (mais pessoal). Apesar de também possuir ferramentas que ajudam na procura de novos Outrospara a interação (Ex.: Random Chat), o aspecto funcional mais utilizado pelos usuários do programa é o fato de se ter um contato constante e direto (mais íntimo) com pessoas que já se conhece e com quem já se partilham certas afinidades mais pessoais 42.

Dentro do grupo pesquisado, Galera ZAZ, o uso corrente do ICQ é de fato para a construção de uma ligação mais pessoal entre membros que tem maiores afinidades. Uma melhor visualização pode ser imaginada quando um dos membros do grupo se conecta a Internet e imediatamente aparecem na 42 Os membros do grupo Galera ZAZ estudado só costumam trocar números de ICQ após algum tempo de interação com um novo membro. Geralmente já interagem no chat e se encontram uma vez numa reunião, ao se identificarem afinidades mais pessoais, logo trocam números de ICQ.


janela do ICQ (3, na ilustração) as pessoas que estão também conectadas naquele momento, dentre estas ele escolhe falar com uma ou duas via ICQ (no mais das vezes janela de mensagens), talvez após um tempo de navegação e de troca de mensagens eles decidem ir para o Chat do grupo (sala Salvador 1, Chat do portal Terra – www.terra.com.br), entrando no Chat ainda continuam também ligados pelo ICQ (funciona como uma espécie de reservado), outros membros do grupo vêem que tal ou tal pessoa entrou no Chat, então decidem abrir ou verificar o ICQ para poderem se comunicar por ali também. Enfim, são ferramentas complementares da sociabilidade do grupo. A escrita ainda é o forte, mas sempre existem as possibilidades de comunicação mais visual tais como fotos, figuras, etc. Quanto à interpretação de Eus no grupo, apenas um acréscimo no modo como a apresentação do Eu nos espaços de interação da Internet pode ser vibrantemente relativizada: dois membros se encontram numa reunião (no Shopping) e um diz para o outro: “Eu entrei e você estava no Chat e também estava no ICQ. Foi engraçado teclarmos tanto em um quanto em outro, sobre assuntos diferentes. Era como se falássemos com várias pessoas...” Note-se que os dois membros estavam tendo uma conversa aberta no Chat (Eus 1), uma conversa reservada no ICQ (Eus 2) e eles ainda estavam teclando tanto no aberto quanto no reservado do Chat com outras pessoas (múltiplos Eus). E ainda podemos computar que cada um podia estar fazendo qualquer outra coisa atrás de seus teclados (Eus externos) e também que no momento desta conversa, na reunião do grupo, eles estavam sendo outros Eus (Eus face-a-face). A relevância de todo este discurso sobre apresentações de Eus nos serve também para lembrar que o caminho de construção da sociabilidade no espaço da Internet é não linear (“rizomático”), múltiplo e altamente influenciado pelas mediações que o compõem: programas, ferramentas, linguagem, códigos, etc. A seguir veremos mais sobre a apresentação do Eu no espaço da Internet como forma de concluir esta apresentação sobre a Internet como um espaço com propriedades particulares.

5. A Apresentação do Eu no espaço da Internet. Nesta sessão pretendo apresentar questionamentos e argumentações sobre como a comunicação eletrônica tem colocado um novo alcance nos quadros de interação pessoal, com o desenvolvimento de novas convenções e comportamentos na apresentação do Eu (Self). Mesmo sendo aparentemente


mais limitada e menos rica que interações “face-a-face”, este novo tipo de espaço de interação cria novos problemas e novas oportunidades dentro da questão da apresentação do Eu na teoria social, a qual se propõe à compreensão do sujeito nos contextos sociais que o constróem e que por ele são construídos. Uma das coisas necessárias para as interações entre pessoas é a apresentação de si como uma pessoa aceitável naquele contexto. As pessoas possuem técnicas e recursos disponíveis que lhes permitem realizar este processo. Elas normalmente desejam realizar uma efetiva e bem sucedida apresentação de si para minimizar os embaraços de uma apresentação falha (que não segue os padrões do espaço), no entanto, outros participantes da interação são também motivados a ajudar em sua performance por causa do desejo deles de evitar o embaraço que sentem diante da falha do outro e das suas próprias. Logo, na maior parte do tempo, nós interagimos num manto de convenções. Por esta noção, nossos Eus são apresentados para o propósito da interação com outros e também são desenvolvidos e mantidos com a cooperação de todos os atores presentes na interação. No contexto da Internet, a aparente espontaneidade de interações entre atores que supostamente não se conhecem em profundidade é desmistificada quando é feito um aprofundamento nos processos de sociabilidade dos diversos grupos que se formam através do mesmo. Um exemplo dessa mudança de atitude (aparente espontaneidade para atuação elaborada) pode ser apreciada através da observação-participante em grupos de discussão, que, ao receber um novo membro, logo introduz na vida desse novo ator as regras e convenções que regem a manutenção das interações do grupo. No mais das vezes, não de uma forma direta, mas, através do convívio inicial, o novo participante vai perceber que temas são permitidos através da resposta ao estímulo inicial (uma mensagem sobre um assunto não concernente ao grupo pode ser simplesmente ignorada, fazendo assim notar que o indivíduo deve usar um outro meio, provavelmente mais particular, para fazer aquele tipo de comunicação) ou mesmo que tipo de linguagem lhe é permitida usar em prol do bom convívio no grupo. Logo, o modo como o ator se apresenta em grupos desse tipo também depende de regras que não são anunciadas, geralmente, mas que fazem parte da manutenção da interação. Nas relações face-a-face, muitas informações sobre o Eu são comunicadas de maneira incidental e algumas são comunicadas involuntariamente. Goffman faz distinção entre informação “dada”, isto é, pretensa e manuseada de alguma maneira, e informação “tirada”, a qual “escapa” sem qualquer intenção (não observadas, é claro, as interpretações psicológicas deste tipo de evento). Ele também


aponta diferenças entre o “centro principal” da interação e outros centros, que são, naquele momento, menos aparentes. Se um amigo fala comigo ao telefone, eu posso discutir algum problema de trabalho com ele e preparar uma xícara de café simultaneamente, ambas as ações transcorrendo cooperativamente e interativamente com a outra pessoa, mas geralmente fica claro que o centro principal da interação é a discussão sobre trabalho, e não o processo de fazer café; mesmo que no meio da conversa eu deixe transparecer que estou realizando uma outra atividade (um barulho, por exemplo, pode ser denunciador, mas isso não afeta o centro principal, ou mesmo uma fala direta: “Que droga, derrubei o açúcar!”). Devo deixar claro que nas interações no espaço da Internet este tipo de separação entre “expressão e impressão” e “centro e periferias” também pode ser amplamente encontrada, embora dentro de suas características particulares. Um sujeito pode se apresentar de uma certa maneira via e-mail (expressão), mas alguns elementos de sua linguagem não confirmam o que ele apresenta (impressão). A apresentação do Eu, como já disse, pode ser bem menos espontânea que no “face-a-face”, mas tanto a elaboração do emissor quanto a interpretação do receptor podem ser mais atentas, a depender do espaço de interação. Num Chat (bate-papo), por exemplo, não se pode ser tão atento a certas coisas devido a sua característica de “tempo real” (resposta imediata). Em geral, os centros de atenção dos interlocutores podem ser múltiplos, o que também faz variar o jogo entre elaboração e interpretação; podemos notar duas gradações: em primeiro lugar temos um centro (tema ou assunto), do qual nada impede que outros temas se desenvolvam dentro da mesma interação; a outra gradação diz respeito ao fato de que durante a interação no espaço da Internet (seja no Chat, no Fórum ou na Lista de E-mail), o indivíduo pode estar realizando outra atividade fora do espaço da Internet; a interferência desta na interação pode ser relevante ou não para a mesma, depende da própria natureza da atividade. Por exemplo, assistindo TV ao mesmo tempo em que participa de um Chat. Desenvolvendo esta discussão para os recursos disponíveis à apresentação do Eu no espaço da Internet, apresentaremos os mesmos em conjunto num processo comparativo com as relações face-a-face e assim trabalhá-los de maneira que coopere para a nossa compreensão da construção do Eu neste contexto. As principais formas de apresentação do Eu no espaço da Internet são através das ferramentas/sub-espaços de interação já vistas na sessão anterior: E-mail, Fóruns, Chat e o ICQ e similares.


Considerando a apresentação do Eu um embate entre expressividade e convenções ou vontades e regras, veremos que tanto nas interações face-a-face quanto nas interações no espaço da Internet existe este mesmo embate. Cabe-nos desenvolver o questionamento sobre as especificidades do mesmo em cada um dos seus “sub-espaços” de interação. Ao nos expressarmos face-a-face tentamos garantir a manutenção do entendimento, das aparências do convencimento, da sedução, das convenções, ou de qualquer que seja a nossa intenção na interação. Tentamos ser claros, educados e respeitosos para que sejam o mesmo conosco. Tenta-se passar uma noção do que somos e do que queremos (papéis) para tentar alcançar intenções, mesmo que essa seja simplesmente “parecer mais atraente”, e se falhamos nessas tentativas, tenta-se contornar o problema (o embaraço) para manter a interação; sendo este um processo recíproco entre os interlocutores. 5.1- No e-mail: Baseado mais estritamente na escrita, os e-mails podem ser considerados também o principal material de trocas no espaço da Internet; isso porque uma de suas características mais fortes é o fato da troca em si. A base de apresentação do Eu via e-mail acontece de maneira mais gradual. Por e-mail a expressividade se desenvolve aos poucos, na medida, ritmo e afinidade com que é levada pelos interlocutores da interação. Num caso de pessoas que se conheceram em algum outro sub-espaço da Internet e começaram a se comunicar por e-mails, muito provavelmente a intenção dessa troca foi aprofundar mais suas apresentações respectivas de Eus. Não devemos ignorar que podem existir casos estritamente profissionais ou funcionais de uso do e-mail, o que não tira os efeitos da reciprocidade e expressividade, apenas os deixam menos visíveis ou mesmo interessantes para o nosso propósito. O desenvolvimento escrito desses Eus podem ser colocados como tendo duas características básicas e interligadas advindas tanto do fato de serem por escrito, quanto do fato de não serem em “tempo real”, isto é, as respostas não são imediatas. Essas características são: maior elaboração nas apresentaçõese maior atenção nas interpretações. Um jogo entre as categorias utilizadas por Goffman: a expressão e a impressão. Enquanto que face-a-face, ao nos expressarmos deixamos impressões (informações passadas sem intenção) em nossos interlocutores por causa de falhas na apresentação, na troca de e-mails, tanto o emissor pode elaborarmelhor sua mensagem, quanto o receptor pode oferecer uma maior atençãoa mesma e daí captar impressões. Nesse jogo de leituras de Eus estabelecido pela interação via e-mail, resta perceber as variações de possibilidades dessas


trocas até atingir sua saturação (ou passando para outras formas de interação: telefone, face-a-face 43, etc.; ou simplesmente terminando, se não, deixando de ser intenso o fluxo); estas variações podem ser esboçadas aqui do seguinte modo:

Um dos atores da interação tem facilidade no uso da escrita como forma de apresentação (manipulação?) do Eu e o outro não é tão atento; o segundo pode interpretar (impressão) o primeiro de uma forma excessivamente idealizada. Um dos atores escreve muito (quer se expressar muito), mas não é cuidadoso na sua escrita (em sua apresentação), no entanto, seu interlocutor é bastante atento, nota contradições no discurso (falha na apresentação), deduz ansiedades (pressa?); este interlocutor pode tanto utilizar estas impressões para guiar sua apresentação de modo a parecer mais elaborada que a do outro, e por isso causar maior impacto (especialmente nas trocas entre sexos opostos), quanto pode não ter despertado o interesse por uma continuidade da interação. Devo acrescentar também que uma certa gama de convenções está presente nas interações baseadas na troca de e-mails, que, a depender dos rumos possíveis tomados pelos atores, podem colocar limites tanto nos temas quanto na linguagem presentes nas mensagens trocadas. Uma boa apresentação também depende da atenção a essas convenções, que servem acima de tudo para a boa convivência no espaço da interação 44.

5.2- Nos Fóruns: A apresentação do Eu nos Fóruns e nas listas de discussão por e-mail é, realmente, menos complexa que nas outras formas de apresentação, uma vez que há no centro de ambos sub-espaços um tema a ser tratado pelos usuários (seja política internacional, uso de drogas ou simples trocas de piadas), não deixando muito espaço para a elaboração de Eus. As impressões causadas nos leitores das mensagens passadas por cada um poderá vez por outra suscitar reações mais próximas das interações vistas antes, mas, pela natureza temática do espaço, esta reação poderá (ou deverá) se transformar numa forma de interação mais pessoal, em geral, via e-mail, que funcionaria do modo como foi descrito no tópico anterior. Os aspectos sobre a escrita, a elaboração e a atenção dada a mesma, referidos quando discorremos sobre a apresentação do Eu via e-mail continuam válidos aqui. 43 Deixo claro que neste ponto, provavelmente, já podemos admitir a própria troca de fotos via e-mail, que ainda está enquadrado como e-mail, apesar do uso da linguagem visual. 44 Ver texto em anexo sobre Netiqueta, a etiqueta na Internet.


5.3- Nos Chats: Imaginando que a linguagem utilizada nos Chats é também, prioritariamente, escrita, poder-se-ia pensar que segue exatamente os mesmos princípios do E-mail ou do Fórum, no entanto, uma característica específica dos Chat altera consideravelmente esta proposição: o Chat se dá em tempo real. O jogo de expressão e impressão preconizado por Goffman se torna mais veloz, quase como nas interações face-a-face. As formações (elaborações) de Eus através dos textos e frases no Chat se tornam menos capazes tanto de uma maior elaboração quanto de uma maior atenção do interlocutor durante a interação. A necessidade de respostas imediatas que mantenham a atenção do interlocutor num ambiente onde múltiplas “vozes” tomam lugar é o que dá a oportunidade desta interação. Aqui, o jogo de construção do Eu se complexifica mais ainda, já que um mesmo indivíduo pode estar sendo vários Eus num mesmo espaço de interação primário: 1) o nick no Chat, 2) as conversas abertas, 3) as conversas reservadas e 4) a pessoa por trás da tela do computador. A particularidade desses Eus apresentados vai então depender da agilidade e talento do indivíduo e também do tipo de receptividade

do

interlocutor

(aqui

retorna

o

jogo

de

elaboração/expressão

versus

atenção/impressão). Muitas vezes, ao se perceber que o interlocutor está interagindo com muitas pessoas ao mesmo tempo (muitos erros de digitação, demora em responder às interpelações, etc.), perde-se o interesse em manter a interação; faltou agilidade/talento de um e interesse/atenção do outro. E assim um Chat “rola” (analogia com a “barra de rolamento” da “janela” do programa de navegação utilizado). Sucessões de trocas, construindo um tipo de sociabilidade e apresentações de Eus contínuas, mas não necessariamente regulares. Falaremos agora sobre a escolha dos nicks(apelidos) num chat. Escolher um nome já é um passo muito importante para a construção de Eus; de fato, se pensarmos bem, não são muitas as oportunidades práticas para um indivíduo poder formular uma apresentação de si antes de estar na interação, e mesmo estando nela, muito do que for desenvolvido depende da própria interação. Em geral, a escolha do nome envolve o fato de já se querer passar algo sobre si mesmo. Não vou entrar nos temas da Onomástica 45, mas devo considerar que se, por exemplo, entro num Chat com meu nome verdadeiro (Fabiano), isso não será uma informação a priori para ninguém, a não ser se já for conhecido daquele espaço e por aquele nome, coisa que pode também acontecer. Mas, se quero passar uma idéia do que sou, das minhas intenções específicas ou até mesmo de como sou, então, será mais prático (e mais interessante do ponto de vista do estudo da

45 Ramo da Lingüística que estuda os nomes próprios e seus significados e origens; também ligado à Antroponímia, que é o estudo dos nomes das pessoas.


apresentação do Eu no espaço da Internet) formular um nome que já o diga 46.

Então, retornando ao nosso contexto do espaço da Internet, num Chat, a escolha do nick pode ser extremamente carregada de sentido simbólico para a apresentação do Eu, o que já desenvolve o que queremos dizer. O uso do imaginário coletivo contemporâneo em agrupamentos da Internet como o grupo Galera ZAZ reforça a característica do partilhamento de símbolos coletivos; cuja utilização vai além da escrita e assume um caráter não só oral, como também audiovisual, que povoa as mentes dos indivíduos do grupo, numa forma peculiar de auto-nomeação, conforme veremos em nossa Etnografia. Por enquanto notemos alguns nomes/nicks retirados de Chats reais, que chamam a atenção para algo específico que quer ser transmitido pelo indivíduo: NetSex33, Loira22, Solteiro40, WhiteMan32 (Homem Branco), Gata22, Poeta X, Solitário, Anônimo, Tiazinha, Macho, Alone (Sozinho ou Só), Tristonho, Abandonada... (os números são idades). Estes, e muitos outros apelidos, provocam interpretações a partir das impressões transmitidas. Pode ter haver com a aparência, com características intelectuais, com a moda do momento, e vai muito depender da conjunção de aspectos que levam os indivíduos a entrar/freqüentar o Chat (intenções, motivações, ambiência, interlocutores, linguagem corrente, etc.). Não há, no primeiro momento muita abertura para uma interpretação além do que está expresso, pois é o que o indivíduo quer transmitir de si ou de seu estado e deve ser interpretado dessa maneira para atrair interlocutores com afinidades (momentâneas ou prolongadas) semelhantes. Muitas vezes um nome/nick já utilizado e conhecido num Chat pode receber um complemento que indique, além da identificação como aquela pessoa específica e da informação sobre si que se quer expressar, um estado emocional momentâneo; por exemplo: Loira22nervosa, Solteira40 cheia de tesão, Tiazinha de chicote cansado, etc. Esse complemento no apelido pode ser também um complemento na apresentação do Eu naquele momento e que também é um desenvolvimento do jogo expressão/impressão somente que 46 Acredito que esse tema não seja novidade na Antropologia: Clifford Geertz, em O Saber Local (1998), no capítulo sobre a noção de Eu no Marrocos, em Bali e em Java aborda o tema na perspectiva culturalista, a qual não vamos discutir. Apenas a uso aqui como ilustração, especialmente, sua interpretação da questão dos Eus no Marrocos, onde ele apresenta que para cada situação, para cada espaço ou contexto, o indivíduo possui um nome específico que o designa como tal, de acordo com o que for solicitado em tal contexto: ou posição na família, ou de acordo com alguma ação determinante, ou função exercida na sociedade, etc. Podemos lembrar que esta forma de apresentação do Eu não está longe de nossa compreensão; em comunidades tradicionais (pequenas cidades do interior do país ou mesmo algum bairro de cidade grande) uma mesma pessoa pode ser conhecida por vários nomes. Por exemplo: Zé do Ferrolho (Indica que o nome é José e que trabalho com ferrolhos, ou mesmo que tem um ferrolho em alguma parte do corpo.); Suzana de Hermano (Pode indicar que é esposa de Hermano, além de ser Suzana.) e por aí vai, sendo o melhor exemplo deste desenvolvimento, acredito, a apresentação do personagem central do poema épico de João Cabral de Mello Neto, Morte e Vida Severina, onde é desenvolvido toda uma genealogia e contextualização para introduzir o nome do personagem: Severino de Maria da cidade tal da região tal...


re-atualizado num novo contexto, onde permanecem as interpretações anteriores sobre o Eu e mais renovadas características da nova interação. 5.4- No ICQ: A participação do ICQ e similares nesta sessão sobre a apresentação do Eu no espaço da Internet nos serve como exemplo de um processo expansivo de possibilidades nas interações no espaço da Internet. As pessoas que já se conhecem (face-a-face ou não) estão em estado constante de possível conexão, já que sempre sabe-se que o outro está presente no espaço, disponível para interação (ou não), mas é um Eu presente ali no ritual simbólico de “estar conectado”. Sem dúvida, tem sido um passo além no processo de maior intimidade entre indivíduos no espaço da Internet, pois já leva a carga de apresentações de Eu anteriores (Chat, Fórum, E-mail ou até face-a-face) e pode ter o significado de um maior desenvolvimento deste mesmos; principalmente porque no ICQ tanto pode se usar mensagens (instantâneas ou não) ou um Chat particular em tempo real. Os critérios de linguagem, escrita, velocidade, etc., permanecem, porém, o que há de acréscimo é o fato do maior conhecimento de ambos os interlocutores sobre o outro e por isso um maior aprofundamento do jogo expressão – impressão: quanto mais se sabe sobre o outro mais impressões podemos tirar das expressões desse outro, e por isso o aprofundamento ou até mesmo o desvelamento de máscaras bem construídas, mas que não puderam se sustentar por muito tempo; especialmente a uma exposição mais prolongada ao interlocutor atento. 5.5- Nos sites de encontros: Existem ainda os sites especializados em encontros, onde o usuário publica um perfil de si para poder ser contatado e também pode procurar perfis que lhe atraiam para fazer contato. A apresentação do Eu neste espaço é baseada no formulário de construção do perfil. Produzido pelo provedor do site e preenchido pelo usuário, é uma forma bastante niveladora de apresentação de Eus, padronizada, pois os perfis terminam por parecerem todos semelhantes. A busca de afinidades se restringe às semelhanças estéticas (se a aparência descrita é atraente ou não, etc.). E o desenvolvimento de qualquer forma de intimidade posterior possível se dá através da troca de e-mails (e outras ferramentas e espaços: ICQ, telefone, face-a-face, etc.), cujas formas de apresentação de Eu já vimos.


Resumindo as diferenças e semelhanças entre a apresentação do Eu nas interações face-a-face e no espaço da Internet, podemos dizer que nas interações no espaço da Internet há sempre a presença explícita de mediações técnicas, sendo a escrita a mais presente para a expressividade dos indivíduos, enquanto que no face-a-face as mediações técnicas são restritas, isto é, temos a linguagem, mas ela está diretamente apresentada. A segunda diferença seria o uso dos nicks (apelidos). A escolha intencional de nomes para a identificação do Eu que está sendo apresentado. Disso podemos apresentar mais uma diferença, mas que também é uma semelhança; tanto num espaço quanto no outro existem os jogos de máscaras, no entanto, enquanto no face-a-face os jogos de máscaras são restritos à própria apresentação do Eu, no espaço da Internet pode-se ocultar infinitas características (físicas – idade, cor, aparência, etc. – ou de comportamento) ao se forjar uma máscara. Outra diferença é a multiplicidade de possibilidades de interação, que pode levar a uma maior superficialidade nas interações; enquanto que no face-a-face é mais difícil ser completamente superficial, mesmo que num contexto múltiplo. Acrescentamos outra diferença curiosa, que é o fato de se poder abordar temas e insultar pessoas de uma maneira bem mais aberta que nas relações face-a-face. Já faz parte das convenções do espaço da Internet que a distância e o anonimato podem proporcionar ao indivíduo uma série de possibilidades de expressão mais livre, contudo, a recíproca é a mesma: deve-se estar pronto para suportar muita coisa “ruim” dos outros. No entanto, é também verdade que o processo para se ignorar alguém indesejado é muito mais simples que no face-a-face; o que já forma outra diferença. E de semelhante, o que podemos formular até aqui é que há uma aparente busca por intimidade, tanto num espaço quanto no outro de interação, porém por vias diferentes, como vimos. O que faz da apresentação do Eu no espaço da Internet certamente particular, mas não totalmente estranha das características da mesma no face-a-face, especialmente quando da maior complementaridade das mesmas em certas situações, como é o caso do grupo Galera ZAZ estudado, cujos espaços de interação e as apresentações de Eus se complementam mutuamente e continuamente. Enfim, o espaço da Internet traz na interpretação de suas especificidades, todas as possibilidades de atividade interacional; desde a noção que têm-se do mesmo, como espaço particular, até seus usos e sub-espaços que proporcionam a construção da sociabilidade na mesma. Tema do qual estaremos tratando nos capítulos seguintes.


III - SOCIABILIDADE

1. Introdução. Neste capítulo pretendo desenvolver conceitos ligados à sociabilidade para chegar a alguns parâmetros de compreensão que nos auxiliem na construção etnográfica do grupo Net. Como é a sociabilidade no espaço da Internet? Não se deve ver nessa questão uma separação entre um tipo de sociabilidade e outro mais genérico; faz parte da compreensão de ambas o objeto em questão. Basicamente conceituo a sociabilidade como sendo trocas de representações culturais, ou trocas simbólicas de códigos culturais partilhados. É claro que não é tão simples assim, trocar é o processo que ocorre quando pessoas se reúnem e atualizam seus símbolos, seja em que espaço for. Vejamos adiante o desenvolvimento deste conceito. Certos aspectos do que seja sociabilidade, de acordo com certas correntes de autores, parece identificá-la como as relações de um grupo (ou indivíduos) com o exterior, fora do cotidiano (este, identificado mais com a Socialidade - “reprodução da vida social” – “interior” - Mccallum, 1999), com aspectos formais relacionados a status (atuações ou papéis) e com características menos afetivas, mais racionalmente elaboradas. No entanto, essa conceituação limita a nossa compreensão do objeto. A “‘forma da sociabilidade’ enfatiza as relações com o exterior que transcendem o doméstico e a vida diária.” (Mccallum, 1999) Algo que, como veremos pelo ponto de vista da presente investigação, reforçará o sentido de sociabilidade como processo de trocas simbólicas que é aqui defendido. Já para Michel Maffesoli, “a socialidade é um conjunto de práticas quotidianas que escapam ao controle social rígido, insistindo numa perspectiva hedonista, tribal, sem perspectivas futuristas, enraizando-se no presente. As relações que compõem a socialidade constituem o verdadeiro substrato de toda vida em sociedade, não só da sociedade contemporânea, mas de toda vida em sociedade. São os momentos de despesa improdutiva, de engajamentos efêmeros, de submissão da razão à emoção de viver o ‘estar junto’ que agrega determinado corpo social. Assim, é a socialidade que ‘faz sociedade’, desde as sociedades primitivas com seus momentos efervescentes, ritualísticos ou mesmo festivos, até as sociedades tecnologicamente avançadas com sua barroquisação através das imagens.” (Lemos, 1997, on line)


Na introdução de Comunidade e Sociedade, Florestan Fernandes nos fala que “em cada nível da organização da vida a interação constitui uma expressão das funções adaptativas nela preenchidas pela sociabilidade e pela associação...” (1973: XII); nessa base, a sociabilidade seria uma construção dinâmica que move as estruturas das interações sociais; uma característica psicossocial (necessidade coletiva) motivadora e possibilitadora das interações. Em todo tipo de interação social produzida e vivida (e reproduzida) pelos indivíduos nos contextos dos quais fazem parte, múltiplas construções são atualizadas nos mais diversos rituais, representando externamente (como fenômeno) as representações dos inúmeros processos de significação que dão sentido às açõesdestes mesmos indivíduos. As interpretações possíveis das ações são as representações das mesmas; são o discursosobre a ação e não a ação. Representar é uma forma de explicar: reunir, ordenar e dar forma às ações. Daí que a compreensão das ações só seja possível através das representações e esse processo é uma construção cultural dinâmica, cujo caráter inicial de acasose torna codificado pela cultura, retornando continuamente aos processos de significação das ações dos indivíduos na forma de representações 47.

Dentro de uma coletividade é possível o indivíduo ter uma compreensão do grupo e, ao mesmo tempo, o grupo gerar uma outra do indivíduo. As diferenças de interpretação são englobadas num conjunto de representações coletivas que parece se dar pelo acordo (implícito ou explícito), num processo de interpretação e convencionamento do acaso que une as diferentes compreensões num suposto primeiro momento de interação hipotético. Todo processo de construção simbólica só é possível a partir da interação, por isso esta imagem do “começo da interação cultural” buscando (criando) o sentido partilhado das coisas e das ações. Tanto a representação do eu a do outrogeram uma representação mútua de realidade, que se vê frente, em ambos os lados, a representações incondicionalmente verdadeiras, mesmo apesar de serem representações, pois estas são as representações dos sujeitos dos choques de consciências que existem nos processos de socialização. Toma-se consciência que há outro, interagindo, e que a interação tem sentido para ambos. A motivação 48para a sociabilidade seria, então, a tomada de consciência da reciprocidade, da troca de símbolos. Ao tomar consciência do Outro, se torna necessário e já se faz presente a sociabilidade, pois não se pode alienar a própria consciência, mesmo que se queira

47 Ou, como diz Pereira de Sá: “As representações sociais (...) são reconhecidas como fenômenos psicossociais histórica e culturalmente condicionados. Sua explicação deve se dar necessariamente aos níveis de análise posicional e ideológica, além de aos níveis intrapessoal e interpessoal, pois as representações, como diz Farr (1992), ‘estão tanto na cultura quanto na cognição’ (p.186), circulam através da comunicação social cotidiana e se diferenciam de acordo com os conjuntos sociais que as elaboram e as utilizam.” (1996: 22) 48 Veremos mais adiante quais as possíveis motivações específicas para a sociabilidade contemporânea e no espaço da Internet.


alienar o outro por qualquer razão. Ou, dito de outro modo, a própria troca já constitui a sociabilidade e sua representação é a interpretação dos indivíduos das suas recíprocas tomadas de consciência dessa troca 49.

A sociabilidade é a atividade de troca ou compartilhamento de representações (códigos) que indivíduos de uma coletividade têm em comum, mediante as diversas formas de aprendizado recíproco nas interações, isto é, dentro de uma mesma cultura (lato senso). Devemos esclarecer que para haver sociabilidade, não é necessário que os indivíduos sejam estritamente da mesma cultura, mas, no entanto, para que haja a sociabilidade, isto é, troca de representações, é necessário algum mínimo de códigos em comum. Toda realidade é construída por véus de complementaridade que ao mesmo tempo afastam e aproximam o outro real, pois este (de maneira recíproca) será sempre uma construção entre o que se forma de “típico” (generalizável) e sua individualidade, que nunca fica totalmente exposta. Enfim, o indivíduo procura a sociabilidade onde esta lhe faz falta: são as ausências que precisam ser complementadas pelo outro. A sociabilidade parece se desenvolver também a partir das necessidades que têm os indivíduos de participarem de um todo (se socializar, não estar isolado, encontrar sentido nas ações que tem de realizar). São as motivações básicas. No entanto, existem os conflitos inerentes às interações entre consciências. As representações do indivíduo social são resultados dos embates entre representações coletivas (o grupo) e as representações do indivíduo particular; entre as regras coletivas e os desejos pessoais, interpretados na forma de ações concretas. Estamos ao mesmo tempo dentro e fora da coletividade, só assim a podemos representar e a nós mesmo como parte dela. Disso podemos inferir novamente que, a sociabilidade se estabelece e é possibilitada (e pode ser conceituada) através dos diversos tipos e níveis de trocas (inclusive os embates) que se dão nas interações sociais.

2. Motivações. Identificação. Afinidades. Para apresentar uma possível compreensão da sociabilidade no espaço da Internet devemos começar 49 Ou, nas palavras de Eco: “O homem, disse-se, é um animal simbólico, e neste sentido não só a linguagem verbal mas toda a cultura, os ritos, as instituições, as relações sociais, o costume, etc., mais não são do que formas simbólicas (Cassirer, 1923; Langer, 1953) nas quais ele encerra a sua experiência para a tornar intermutável: instaura-se a humanidade quando se instaura a sociedade, mas instaura-se a sociedade quando há comércio de signos.” (Eco, 1973: 127)


com uma análise das categorias e características que formam a mesma e das variáveis relevantes presentes no processo. Essas categorias são: motivações, identificação e afinidades. Por que estas três categorias? Veremos que das motivações modernas para a sociabilidade, as afetivas e lúdicas são as mais relevantes para a compreensão da mesma. A partir dessas motivações, veremos que a sociabilidade se dá a partir de interações que se dão por identificação, isto é, busca-se a semelhança, isso dentro de um processo aparente de não contato com a diferença, a qual geraria identidade. E finalmente essa identificação se dá pelo desenvolvimento (ou descoberta, ou encontro) de afinidades, as quais fazem parte de uma ampla variedade de tipos e intensidades. É claro que estas categorias não se apresentam lineares e separadas por fases e sessões durante os processos de sociabilidade; fazemos aqui apenas uma construção teórica e provisória, para ser apreciada na dinâmica dos acontecimentos.

3. Motivações. 3.1- Contexto 50: Richard Sennett (1970; 1976) nos apresenta um contexto urbano em que se tenta “purificar” os locais de socialização, transformando-se os espaços públicos(espaço de encontro/choque entre diferentes) em espaços de concentração de semelhantes. As ruasse tornaram espaços de passagem, de ansiedade; espaços onde se dá a “desatenção civil” 51e “com franca deterioração da esfera pública, no que tange às possibilidades de interação social marcada pela diversidade.” (Frúgoli, 1995: 18) Os shopping centerssão ótimos exemplos desse tipo de espaço públicocontemporâneo. Eles “constituem... ‘cidade dentro da cidade’, reproduzindo em seu interior uma atmosfera idealizada, procurando banir os atores sociais ‘desviantes’; vêm se tornando importantes pontos de lazer para vários grupos sociais, sobretudo jovens, que criam no espaço diversas formas de sociabilidade.” (Frúgoli, 1995: 94) Templos de sociabilidade encastelada(individualista), protegida, segura e consumista. A intrínseca relação entre os espaços de interação shopping centerse a sociabilidade contemporânea nos é vivamente revelada quando lembramos que o grupo Galera ZAZ pesquisado tem como um de seus mais importantes pontos de encontro um shopping.

Por outro lado, Manuel Castells (1999) desenvolve uma noção de “guetos ricos”, referindo-se à elitização dos espaços que faz com que os contatos com a diferença praticamente não mais existam, 50

“O espaço público da cidade se desintegra, o fluxo, a fragmentação, a reclusão doméstica e a comunicação, mediada pela televisão e pelas novas tecnologias, reconfiguram hábitos e culturas, criando diferentes sociabilidades.” (Martín-Barbero, 1998: 53, o grifo é meu) 51 Conceito desenvolvido por Anthony Giddens (1991) que diz que fingimos não ver os outros quando nossos olhares


havendo somente contatos com o semelhante, ou mesmo com o igual. Que é também o que Sennett diz sobre o fim dos espaços públicos, isto é, ricos e pobres não se misturam e classe média também não, pois tenta imitar os ricos, se “encastelando” em condomínios fechados e shopping centers, como vimos, num processo de aversão ou indiferença em relação ao Outro (processo que surgiu e cresceu junto com as grandes cidades modernas). Este processo está dentro de um contexto onde “a interconexão tece um universal por contato” (Lévy, 1999) mediado pela tecnologia. Um tipo de universo não total, heterogêneo e múltiplo, onde se constrói uma proximidade simbolicamente interpretada pelos indivíduos através dos mediadores eletrônicos/tecnológicos. “Uma trama cultural que desafia nossas noções de cultura e de cidades, os marcos de referências e compreensão forjados sobre a base de identidades nítidas, de fortes enraizamentos e demarcações claras.” (Martín-Barbero, 1998: 53, o grifo é meu) Dentro deste processo de encastelamento, aparentemente coerente com a realidade de grandes cidades, como Salvador, onde os shoppings vivem cheios e nas ruas as pessoas se cruzam tentando não se olhar (a “desatenção civil”), a sociabilidade protege os indivíduos do desenraizamento, da sensação de não pertencimento. Vejamos então que motivações constróem a sociabilidade contemporânea. Segundo Michel Maffesoli (1996), para superar a institucionalização e a racionalização da sociedade moderna, dá-se um processo subterrâneo de sociabilidade através do hedonismo e da afirmação das subjetividades. Esse processo seria motivado pela necessidade de pertencimento afetivo que emerge no interior dos indivíduos. Uma necessidade de “efervescência”, de “estar junto” 52, mas sem compromisso, já que na verdade o que é obrigatório (trabalho, regras, etc.) já é realizado na superfície; daí ser um movimento subterrâneo. Esse movimento seria potencializado pelas mídias eletrônicas modernas.

Ainda segundo Maffesoli (1987), presenciaríamos hoje, uma renovada busca por pertencimento nos indivíduos. A ausência de um todo moral que identifique o indivíduo, o faz procurar preencher-se através de laços emocionais, de interesse não institucional. O autor fala de uma necessidade de “proximidade”, que faz com que o “individualismo contemporâneo” se converta em redes de grupos por afinidade, de caráter efêmero, mas emocional. Possibilidades de socialização diante da multiplicidade simbólica atual. Então, o que dá sentido não é mais a subsistência, é o acessório afetivo (arte, lazer, prazer...), que tem seu sentido existencial em ato, enquanto está sendo

se cruzam.


atualizado em toda sua carga de emotividade coletiva. A expressão pessoal de fantasias é apresentado como uma das motivações para o crescimento das redes telemáticas (a Internet é uma dessas redes; a maior de todas). Castells diz sobre o Minitel Francês (rede eletrônica de informações instalada na França): “...motivo importante para a difusão do uso do Minitel: a apropriação do meio, pelo povo francês, para sua expressão pessoal.” (1999: 368) Seria algo que preencheria a mais o cotidiano do cidadão comum com conteúdos afetivos e lúdicos. Um novo espaço público inserido no

espaço íntimo dos indivíduos. Não seria um

substituto de outros espaços de sociabilidade, apenas um a mais. Como uma moda, foi temporário, fazendo parte do ethos contemporâneo que tem também como características o lúdico e o efêmero (Maffesoli, 1996). No fragmento: "Comunidade de idéias, preocupações impessoais, estabilidade da estrutura que supera as particularidades dos indivíduos, eis aí algumas características essenciais do grupo que se fundamenta, antes de tudo, no sentimento partilhado. (...) ...o indivíduo não pode existir isolado, mas que ele está ligado, pela cultura, pela comunicação, pelo lazer, e pela moda, a uma comunidade," (Maffesoli, 1987: 114), vemos um pouco da tentativa do autor em ver a coletividade como sagrado. Esses elementos podem ser o constituído do "dar sentido à vida" - as “afinidades afetivas” são as que constituem nos indivíduos a sensação de pertencimento, partilhamento de algo, de um modo predominantemente emocional, com sentido, mas não de forma utilitária, necessária em primeiro plano, mais um acessório que constrói o sentido, o pertencimento a algo. No entanto, essa impessoalidade de Maffesoli não parece ser o mesmo conceito apresentado por Richard Sennett (1976). O contexto espacial que Sennett apresenta faz com que a impessoalidade (relações entre diferentes que convivem) deixe de existir, forçando os indivíduos a uma intimidade por sempre se conviver com o igual. Já Maffesoli confronta impessoalidade com “pessoal” individualista; onde, através do “pertencimento” o grupo passa a ter um caráter “impessoal”, mas não frio, sem intimidade, apenas onde a pessoa sozinha não é tão representativa quanto o grupo. 3.2- Juventude: Neste contexto, o “hedonismo” e o “teatro de simulacros do cotidiano” (Maffesoli, 1984) é o que constituiriam os espaços de socialidade da contemporaneidade. Os chamados “grupos 52 Podemos interpretar aqui o “estar junto” também como as formas de atualização dos grupos.


espetaculares”, por exemplo, cujas motivações podem ser classificadas como formas lúdicas de afirmação de identidade, ou mesmo de encontro de identificações (bailes funk, punks, darks, ravers, etc.), são grupos, convergidos por afinidades afetivas (gosto musicais, formas de vestir, comportamento espetacular, etc.) e que se atualizam como forma de construir o pertencimento, mas, geralmente, de uma forma que subverta, pelo menos temporariamente, a ordem institucional e racionalizante da qual fazem parte (trabalho, escola, família, pobreza, globalização, etc.). Segundo Maffesoli (1987), a identidade é uma aceitação de ordem, então, admitida a característica jovem de não “ter” uma identidade já forjada, o processo de múltiplas identificações se torna mais possível. A estruturação grupal das identificações parte da busca de sentido, da dúvida sobre a ordem, e pode ser uma ação mais notadamente jovem (duvidar com vitalidade). Nesses grupos, as múltiplas afinidades podem ser a busca de identificação (afetiva) que levaria ao sentido. Muito das motivações contemporâneas para sociabilidade está ligado à construção de identificações relacionadas com a juventude. A necessidade de participar de grupos afinitários faz parte da moderna separação entre vida adulta e adolescência em nossa sociedade. Sendo este um período de suposta preparação para a vida de responsabilidades adultas. Helena Abramo (1994) sugere essa construção histórica moderna como uma das razões para diversos fenômenos de sociabilidade. Na época medieval não haveria uma separação específica da juventude para idade adulta. A vida coletiva da época medieval impedia esta separação. Todos conviviam juntos, havendo apenas a separação entre crianças e adultos, basicamente. As convenções sociais da modernidade é que teriam criado um novo período de passagem entre fases da vida: a juventude, que envolvia a educação escolar e o aprendizado profissional; havendo já aí uma separação da vida coletiva anterior. A busca por identidade nesse período da vida passou a fazer parte de uma necessidade de pertencimento que não mais era suprida pela comunidade (coletividade) familiar. Daí as construções de redes afinitárias diferenciadas a partir da sociabilidade dos jovens 53. “O lazer, para os jovens, aparece como um espaço especialmente importante para o 53 “os jovens constróem redes de relações particulares com seus companheiros de idade e de instituição, marcadas (as redes) por uma forte afetividade, nas quais, pela similaridade de condição, processam juntos a busca de definição dos novos referenciais de comportamento e de identidade exigidos por tais processos de mudança. No interior desses grupos, os adolescentes desenvolvem rituais, símbolos, modas e linguagens peculiares, visando marcar sua identidade distintiva de outros grupos etários.” (Abramo, 1994: 17)


desenvolvimento de relações de sociabilidade, das buscas e experiências através das quais procuram estruturar suas novas referências e identidades individuais e coletivas...” (Abramo, 1994: 61-62) Obviamente que não podemos ver o lazer somente como uma forma de pertencimento para jovens. Nossa reflexão é um tanto mais abrangente. O caráter lúdico da sociabilidade contemporânea e na Internet tem uma evidente visibilidade; algo que podemos chamar até de jovial, mas que não é exclusividade de jovens. No grupo Galera ZAZ pesquisado, onde a maioria dos membros se concentra entre os 17 e 26 anos, por exemplo, existem membros com mais de 30 ou 40 anos, o que não impede seu perfil jovial e festivo. Com relação à faixa etária dos usuários da Internet há, no momento, uma concentração maior entre pessoas de 20 e 29 anos. No questionário aplicado tivemos: até os 19 anos, tivemos 22 pessoas (22,9%) respondendo os questionários. Entre 20 e 29 anos tivemos 33 pessoas respondendo o questionário (34,4%), sendo considerada uma maioria; porém, a representatividade dessa maioria deve ser relativizada pelo fato de que 24 pessoas com idade entre 30 e 39 anos (25%) também responderam ao questionário e que 17 pessoas com mais de 40 anos (17,7%) também o fizeram, o que somados dá uma quantidade superior ao número de pessoas com idade entre 20 e 29 anos. Numericamente isso pode até não ser muito importante, pois, se considerarmos a pesquisa de Eduardo Krauze Diehl como fator de comparação, realmente há um contingente mais jovem de usuários da Internet, mas, qualitativamente, isso pode afetar o nosso julgamento e interpretação do conjunto de respostas, pois poderemos considerar que um número considerável de pessoas “mais maduras” também respondeu ao questionário, de maneira a equilibrar com a maioria de jovens que se dispuseram a respondê-lo também. Para complementar, com relação ao estado civil destes mesmos pesquisados, uma grande maioria disse ser solteira: 56 pessoas (58,3%); o que não seria de se espantar, já que era uma maioria de pessoas jovens também, pelo menos tradicionalmente. Tivemos 18 pessoas (18,7%) afirmando serem casadas, 21 pessoas (21,9%) afirmando serem separadas e 1 pessoa (1,04%) que disse ser viúvo(a). Só podemos concluir, então, que pessoas jovens e solteiras (e/ou disponíveis para envolvimentos íntimos) se dispuseram mais a responder o questionário da pesquisa e talvez a freqüentar a Internet mais assiduamente 54.

54 A pesquisa de Eduardo Krauze Diehl também apresenta os jovens (15 a 29 anos) e solteiros (ou pelo menos os que se dizem ser solteiros) como grande maioria. Ele ainda colocou como variação às respostas a opção “casado(a), mas


3.3- Lazer: Os usos do tempo livre como forma de pertencimento são ainda outras formas de ver a sociabilidade contemporânea. Os engajamentos sociais e políticos voluntários, por exemplo, são uma forma de acessório lúdico do cotidiano, mas que é ajustado ao contexto, pois se continua a prover a rotina funcional e técnica da vida. É o valor motivador do frívolo, acessório e lúdico no “estar junto” dos grupos que dá sentido aos seus indivíduos, além dos fatores produtores e reprodutores da nossa subsistência cotidiana. Segundo Joffre Dumazedier (1974; 1994) a questão do lazer e do tempo livre traz uma nova dimensão às noções de sentido, motivações e usos do tempo do ser humano ocidental contemporâneo. Os diferentes usos do tempo das pessoas parece ter haver com um equilíbrio entre obrigações e vontades numa dinâmica que tende a se tornar familiar, isto é, por mais que se anseie por novidades lúdicas no cotidiano contemporâneo, estas novidades tendem a ser absorvidas pelo próprio cotidiano; por isso os processos de renovação das formas de lazer. O espaço da Internet, quando visto pelos usuários como pura novidade, tem um perfil caracteristicamente lúdico, pois o indivíduo está aprendendo por vontade própria, por sua própria curiosidade; é o que Dumazedier (1994) chama de “tempo escolhido”. No entanto, este aprendizado eventualmente também fará parte de sua rotina de atividades, talvez inclusive da de trabalho. Com o uso cada vez mais comum dos computadores nos locais de trabalho mais capacitados (escolas também), os indivíduos conseguem construir um uso de tempo variado dentro da mesma rotina: ele trabalha no computador em algum programa profissional; ao mesmo tempo sua conexão à Internet está ativada e seu programa de e-mail lhe avisa sempre que uma nova mensagem chega, esta podendo ser particular ou não, lúdica ou profissional; e ainda, ao mesmo tempo ele pode ter janelas de seu navegador ativadas, em uma fazendo uma pesquisa para o trabalho ou escola e em outra ele pode estar num chat sobre fofocas de artistas de TV. Veremos mais detalhes deste tipo de rotina misturada no capítulo seguinte, quando teremos as interpretações dos próprios usuários para a construção de seu perfil ideal. Podemos ver que estes tempos escolhidos estão em geral considerados em ajuste ou equilíbrio com as obrigações sociais dos indivíduos. Tentando demonstrar que “a ética do lazer não é a da

infeliz” (assim como existe essa opção em muitos perfis de sites de encontros), o que de certo modo significa disponível para envolvimentos íntimos (quase igual a solteiro).


ociosidade que rejeita o trabalho, nem a da licença que infringe as obrigações, mas a de um novo equilíbrio entre as exigências utilitárias da sociedade e as exigências desinteressadas da pessoa.” (Dumazedier, 1974: 59) Deixando claro que este equilíbrio funciona de forma inter-complementar, isto é, “o lazer não é um complemento do trabalho” (Dumazedier, 1994: 38), é uma parte integrante dos usos do tempo, da dinâmica dos tempos sociais na sociedade ocidental contemporânea 55. Assim, a amplitude das interpretações a respeito do lazer e do tempo livre sugeridas por Dumazedier dão toda uma credibilidade a estas questões das motivações para sociabilidade contemporânea, por exemplo: “a participação em grupos”; “a construção de Eus”; “os aprendizados voluntários”; “as festas não tradicionais, nem sazonais, nem institucionais”; “estar junto sem outra razão além de estar junto”; “a busca de sentido em outras aspirações que não as institucionais: trabalho, família, religião, etc.”; “o sexo como expressão individual”; “expressão criativa”; “encontro de pares (paquerar)”; “complementação afetiva além do consumo”; “a superação multi-complementar emocional da racionalidade funcional” (Dumazedier, 1994). Todas motivações possíveis e visualizáveis no nosso contexto de reflexão. E finalmente, também fazendo parte, como acabamos de ver, das motivações para a sociabilidade contemporânea, os grupos Net, centro desta reflexão, buscam o preenchimento afetivo (complementar e acessório), mas também ajustado aos chamados mercados de consumo e de trabalho atuais. E nesse caso o sentimento de pertencimento desencaixa-se da localização, passando a ser possível pertencer à distância, dentro de outros contextos 56. Uma potencialização específica da Internet, que também é contemporânea, como veremos mais a frente nas interpretações sobre proximidade e distância.

Pois é também neste contexto contemporâneo, e da Internet, que quando o indivíduo encontra algo com que tem afinidade, pode querer consumir ou participar somente para dar (ou ter) um sentido a sua individualidade naquele contexto tão amplo e variado; ou, como diz Osmundo de Araújo Pinho: “a prática de consumo torna inteligível um mundo complexo e fragmentado...” (in: Sansone, 1997: 189) Logo, vemos o modo como se dão os processos de escolhas na multiplicidade para os indivíduos e a manutenção das possíveis regras de convivência dentro destes espaços escolhidos (a 55 Reforçando este ponto de vista sobre o lúdico, temos de Huizinga: “Ornamenta a vida, ampliando-a, e nessa medida torna-se uma necessidade tanto para o indivíduo, como função vital, quanto para a sociedade, devido ao sentido que encerra, à sua significação, a seu valor expressivo, a suas associações espirituais e sociais, em resumo, como função cultural.” (Huizinga, 1999: 12) 56 Como por exemplo algum membro do grupo Galera ZAZ estudado, que vive e trabalho em outro estado, mas pratica a sociabilidade e o pertencimento com o grupo à distância, numa proximidade afetiva e integrada à sua situação


subjetivação do consumo e a busca pelo pertencimento simultaneamente). Um aspecto de grupo que surge como identificação surge nos indivíduos como a motivação de pertencimento procurada, mas cada coletividade tem suas regras e rituais, e estes ajudam na efetivação do pertencimento também, pois é a passagem para a semelhança com o coletivo. Os rituais são construídos pelos indivíduos através do partilhamento do espaço. Rituais estes, mais afetivos, procurando a proximidade atualizada; a identificação no momento, mesmo que dentro das contingências dos contextos contemporâneos de trabalho e consumo; fazendo parte dos mesmos, no mesmo cotidiano. Enfim, as motivações lúdicas e afetivas compõem o centro de nossas afirmações a respeito da sociabilidade contemporânea, mas em completo acordo e ajuste com as contingências práticas e funcionais da contemporaneidade ocidental.

4. Identificação. Antes de discorrer sobre identificação devemos tornar claro como os conceitos de identidade e identificação se inter-relacionam na teoria social sobre sociabilidade para que possamos expor as hipóteses sobre as mesmas no espaço da Internet. Seguindo Uriarte (1999), apresentamos que a “lógica da identidade” se dá a partir de dois pólos: a presença de iguais com quem se dá a identidade e a presença do diferente (ou Outro), que se faz presente para garantir que os iguais possam manter a identidade ou, em outras palavras “a identidade se constrói a partir do reconhecimento de uma alteridade - o diferente”. Os processos de ambigüidade e de contradição é que formam a identidade, através da afirmação da mesma. O igual é o que constitui o nós no jogo ou palco das representações. Esse nós serão aqueles com os quais se guardam afinidades (afetivas ou não, a depender do desenvolvimento e motivações das interações) e fidelidades num determinado espaço ou numa determinada interação. Contrapondo a este nós está o eles, que são justamente o Outro (o diferente), de quem o nós se diferencia na construção de sua identidade. Para Goffman (1999), o eles também seria a “platéia”, o público, o

contingente profissional e obrigatória.


interlocutor para quem o nós atua durante a interação. Mas o importante a que se notar aqui é que não é possível existir um nós (uma identidade) sem um eles (um outro) para se contrapor (comparar afinidades). Já a “lógica da identificação” tem como pólo básico o semelhante; não concentrado numa afirmação de identidade, os semelhantes se aproximam sem a necessidade de terem um “diferente” para lhes fazer reconhecer a alteridade. O processo de identificação tende a ter um caráter muito mais fugaz e temporário que a identidade; fazendo parte de um contexto de diversidade amplo, onde as identidades (o reconhecimento das diferenças) se tornam difíceis. Há muitos nóspossíveis e muitos elespossíveis, com os quais se podem gerar múltiplas identificações relacionadas com o espaço, com as intenções dos indivíduos, as afinidades contextuais possíveis ou outra conjuntura ou variável qualquer que, a menos que haja intenção e motivação para formação de uma identidade 57, esta não deve ocorrer, pois o Outro não deve aparecer como diferente, e sim como semelhante.

A multiplicidade de afinidades possíveis no espaço da Internet leva a uma reflexão sobre como se compreende essa multiplicidade de interações nos processos contemporâneos de sociabilidade. Como se dá a identidade e/ou identificação nesses espaços. Georg Simmel (1967) diz que “À medida que o grupo cresce – numericamente, espacialmente, em significado e conteúdo de vida – na mesma medida, a unidade direta, interna, do grupo se afrouxa e a rigidez da demarcação original contra os outros é amaciada, através das relações e conexões mútuas.” (21) Em grupos Net, possivelmente, não é nem necessário que ele aumente (número ou espaço) para “afrouxar-se” em suas diferenças, regras e rituais, pois eles já se formam cheios de “relações e conexões mútuas” (em rede), que é o que chamo de inter-afinidades (categoria que veremos mais adiante). Manuel Castells (1999) diz que as “comunidades virtuais” são mais uma expressão da diferenciação entre indivíduos que se fecham em suas identidades próprias, quase numa forma de individualização dos grupos em cada participante que pretende se afirmar a partir daquela identidade: “A formação de comunidades virtuais é apenas uma das expressões dessa diferenciação.” (393) São semelhantes que se separam do resto; não há o diferente. Essa análise se aprofunda ainda mais na questão da distribuição da possibilidade de uso de tecnologias de multimídia entre países mais ricos e mais pobres, como também entre camadas econômicas diferentes das sociedades. Possibilidades

57 As motivações para afirmação de identidade só parecem existir em espaços onde haja o encontro de diferentes, logo, em espaços onde não há convivência com contraste, não surge a necessidade por afirmar identidade. (Dou o crédito


coerentes diante das formas de vida atuais nas sociedades ditas complexas, onde... “O que emerge muito mais nestas últimas são o isolamento e a encapsulação dos indivíduos em suas relações uns com os outros.” (Elias, 1994: 103) Prosseguindo no contexto contemporâneo, podemos ainda formular que todo diferente seria tratado como semelhante, convenções tácitas de informalidade e pessoalidade não trazem regras para tratar o diferente de modo impessoal. O que Anthony Giddens chama de “desatenção civil” (1991) – uma espécie de troca de sinais entre desconhecidos na modernidade, que afirma que um não é ameaça para o outro – faz refletir o quanto não se tem regras para tratar o desconhecido (diferente) na época contemporânea e por isso essa semelhança de comportamentos informais. Já no espaço da Internet, o impessoal inicial possível é rapidamente sobreposto por um pessoal inevitável, pois aparentemente os indivíduos anseiam transpor uma espécie de barreira moderna nas relações pessoais, barreira essa que começaria já na “desatenção civil”. Reconstruindo o exemplo de Giddens, as pessoas não tem o costume de confiar em quem lhes puxa conversa num ônibus, pelo contrário, geralmente um finge que não vê o outro ao se cruzarem olhares acidentais. Situação repetida em muitas ocasiões no nosso cotidiano, às vezes vencida, às vezes não, e assim gerando esporádicas interações consideradas pela nossa memória. No entanto, a atitude de fugir a atenção (ignorar quem lhe interpela) nos espaços de interação da Internet é rapidamente repreendida a depender da situação: se num Chat alguém não responde aos contatos, logo deverá receber mensagens de desafora ou talvez seja completamente ignorado por todos, a não ser que possa dar uma explicação convincente logo em seguida (“meu computador deu problema”, “minha conexão caiu” são as desculpas mais comuns), mas, de qualquer modo, a “desatenção civil” não poder ser praticada, o contato é feito e, é claro, não houve riscos (referindo aos existentes em outras interações: roubo, violência, etc.). Os casos nem sempre refletem essa generalização, mas pudemos aqui formular uma, pelo menos, diferença entre as situações de interação (pessoal e impessoal) no espaço da Internet e no face-a-face. Se antes, o que era pessoal era o trato com os próximo e iguais (comunidade local e família) e o que era impessoal era o trato (convencionado e institucionalizado) com o diferente (o de fora), seguindo Giddens: “A confiança em pessoas não é enfocada por conexões personalizadas no interior da comunidade local e das redes de parentesco. A confiança pessoal torna-se um projeto, a ser desta idéia a Urpi Montoya Uriarte, 1999.)


‘trabalhado’ pelas partes envolvidas, e requer a abertura do indivíduo para o outro.” (1990: 123) O que vemos é uma reconfiguração dos conceitos de pessoalidade com o de impessoalidade de antes, de modo a podermos compreender o que é essa separação hoje. Para Sennett (1976), por exemplo, tudo é transformado em pessoal de forma mercantil, pois não há um lugar prévio para o diferente, o qual termina sendo transformado em um semelhante por uma série de tentativas afinitárias, talvez derivadas da ideologia da igualdade Iluminista, mas que deixa pouca possibilidade móvel fora do eixo mais comum dessa pessoalidade contemporânea. O ponto de vista de Richard Sennett mostra também como o desenvolvimento da cultura urbana ocidental moderna fez com que os “espaços públicos” entrassem em decadência, de modo a fazer com que os diferentes grupos se isolassem ao contato com o outro. Manuel Castells reforça esta idéia com uma noção que podemos chamar de “encastelamento” (1999) e com a formação de “guetos ricos” (1999: 362), ambas se referindo ao isolamento de grupos fechados em suas igualdades e/ou semelhanças, e assim não confrontando o diferente, a alteridade, que lhes possibilitaria reconhecer e afirmar suas identidades 58 . Um exemplo de conseqüência desse “encastelamento” também sugerido por Castells fala sobre o walkman que “dá oportunidade às pessoas, em particular aos adolescentes, de construir suas paredes de sons contra o mundo exterior.” (1999: 362) Essa identificação é também considerada como fugaz e temporária, que se justifica em si mesma enquanto ocorre; sua existência estaria plenamente só na interação, em sua atualização; sua virtualidade como grupo seria quase nula, pois não é sustentada por uma identidade (não há provavelmente nada que identifique o indivíduo como do grupo quando não está no grupo). E os membros de um grupo podem (e provavelmente o fazem) participar de outras formas de 58 Diz Castells: “Ao mesmo tempo que as tecnologias de informação permitem a descentralização das atividades, vivemos a maior concentração urbana da história. Na América Latina, 75% da população vive em cidades. No Brasil, são 77%, concentrados em megacidades como São Paulo. Nestas metrópoles ocorre uma fragmentação enorme. Formam-se guetos. Acima de tudo, guetos dos ricos. O índice da concentração espacial é muito maior entre os ricos do que entre os pobres. Por isso é fundamental que se mantenham os espaços públicos para estabelecimento de relações humanas, sem as quais passaremos de uma cidade para uma concentração de tribos. (...) É a capacidade de obter informações que articula as pessoas. Ligar as pessoas física ou virtualmente cria a possibilidade de elas viverem em seu próprio gueto, optando por se relacionarem com quem quiser, deixando de lado a sociedade. É a ruptura do contrato em que está baseada a convivência social. Não é a tecnologia que produz isso, mas é ela que favorece essa situação. Se não tivermos instituições de convivência social, a nova tecnologia nos permitirá prescindir da sociedade para nos relacionarmos somente com gente como nós, dentro de guetos, através de comunidades eletrônicas. Será o fim da sociedade.” (1999)


coletividades do mesmo tipo, mesmo que por motivações diferentes. A Internet, como instrumento de múltiplas interações potencializa em grande intensidade esta possibilidade apresentada por Maffesoli (1987). Diante disso, vale lembrar Goffman (1999) com relação às diferentes apresentações de Eus em espaços diversos. Aqui, neste contexto, estando nestes grupos, o indivíduo pode representar diferentes eus (ou “papéis”). Logo, fazendo uma re-interpretação da identidade e da identificação, temos na primeira um nós e um eles, enquanto que na segundo podemos ter muitos eus dentro de muitos nós possíveis. E onde fica o eles? Os eles são todos semelhantes que compartilham o espaço. Enfim, Maffesoli (1987) supõe que no ritual cotidiano de afetividade desses pequenos grupos se estabelece o seu próprio reconhecimento como grupo; no entanto ainda lhe faltam as referências com relação ao outro, o eles que faz reconhecer a identidade, fazendo possivelmente fechar-lhes na identificação com o semelhante. As “tribos” afinal, que mesmo em redes de afinidade, não possuem o espaço adequado para a afirmação das identidades (o público); firmados apenas nas “afinidades afetivas” que as sustentam na temporalidade de sua interação, possivelmente preenchendo lacunas do cotidiano (acessório lúdico), mas não se tornando a nova revolução do mundo do futuro, como Maffesoli parece imaginar em alguns momentos. E, enfim, diante disso, temos indivíduos deste contexto (sem espaços públicos e “encastelados”) que podem interpretar a Internet como “espaço” para a sociabilidade resgatada, num espaço de “caos” e fora da organização planejada/controlada das cidades, mas também protegido dos conflitos diretos com o outro.

5. Afinidades. Um grupo Net é uma rede de relacionamentos que não é limitada por tempo ou localização, mas sim por interesses comuns. As afinidades possíveis capazes de fazerem convergir esses indivíduos são incontáveis. As manifestações na cidade de Seattle (USA) contra a Organização Mundial do Comércio em 1999 reuniram via Internet um imenso contigente de pessoas dos mais diferentes tipos, origens e interesses através de uma afinidade em comum: ser contra a globalização e o capitalismo atual. Um engajamento grupal voluntário centrado em uma afinidade. Esse é um


exemplo extremo de afinidade, pois houve a concentração física em espaço específico face-a-face: todos tinham que ir à cidade de Seattle. No entanto já vimos os exemplos da Rede Jovem, que concentra indivíduos através de Fórum na Internet para promover ações sociais de engajamento voluntário; o do grupo Panela, que se concentra num Fórum para discutir Marketing e Publicidade; o Fórum sobre Namoro na Internet, que atrai pessoas para este tema; e também o grupo Galera ZAZ, cuja afinidade inicial é conhecer pessoas, mas todas essas afinidades são apenas pontos iniciais de sociabilidade; códigos comuns de troca; símbolos de interesse mútuos. O processo do partilhamento de afinidades vai muito mais além. Diz Maffesoli (1987) que um processo “subterrâneo” (fora das instituições) de afinidades afetivaspode levar a redesde afinidades (inter-afinidades – ver Figura 01) entre estes grupos, que ele chama de “tribos” (para ele uma coletividade emocional, cujo propósito é o “estar junto”) 59 . A forma gerada pelos diferentes tipos de afinidade é o que pode diferenciar um grupo do outro. Assim, apesar de não haver identidade e sim identificação de semelhantes, a diferenciação com o outro se da esteticamente, pela forma (a “coisa” afetiva que os une), e que não impede outras formas para o mesmo indivíduo (em rede). Seria uma forma de pertencimento coletivo onde há um “laço de reciprocidade” entre os indivíduos, cujas formas de identificação vão desde a música aos diferentes gostos e estilos mais acessórios (fonte de preenchimento da vida fora do cotidiano institucional, no mais da vezes visto como lazer). “A identificação agrega cada pessoa a um pequeno grupo ou a uma série de grupos. O que implica uma multiplicidade de valores opostos uns aos outros. (...), o que é da ordem da paixão partilhada.” (Maffesoli, 1996: 38) Veja-se a figura (01) a seguir:

Afinidades, Inter-afinidades, Rede de Afinidades

O que o quadro ilustra é que podemos extrair a seguinte cadeia de sociabilidade dentro do grupo Galera ZAZ pesquisado: o membro Marcelo-BA chega a uma reunião de sexta-feira por volta das 20 horas. Nos primeiros 20 minutos ele circula falando com todos os presentes (de um em um ou de subgrupo em subgrupo), está compartilhando o ritual do reencontro que ocorre em cada reunião (o entusiasmo ou mesmo a educação, pois nem sempre se é íntimo de todos os presentes, ao rever os

59 Para ficar claro o uso do termo tribo neste contexto das idéias de Michel Maffesoli, explicamos: “...nas sociedades complexas evoca particularismo, estabelece pequenos recortes, exibe símbolos e marcas de uso e significado restritos. (...) Um primeiro significado, mais geral, de tribo urbana, tem como referente determinada escala que serve para designar uma tendência oposta ao gigantismo das instituições e do Estado nas sociedades modernas: diante da impessoalidade e anonimato destas últimas, tribo permitiria agrupar os iguais, possibilitando-lhes intensas vivências comuns, o estabelecimento de laços pessoais e lealdades, a criação de códigos de comunicação e comportamento particulares.” (Magnani, 1998: 50)


membros do grupo). Em seguida ele vai até uma lanchonete e compra uma cerveja, lá encontra o membro Salgado, que faz parte do subgrupo Chaparrais, os dois voltam conversando e ambos param na mesa onde estão os Chaparrais; Marcelo-BA fica algum tempo com eles compartilhando as brincadeiras correntes ali; riem juntos, etc. Depois a membro Milla passa por ele e o abraça, já tinham se falado antes, mas começam a conversar. Como os Chaparrais e as outras pessoas que estão em volta dessa mesa continuam a brincar, beber e rir, Marcelo-BA fala para Salgado que vai em outro lugar e com um mútuo cumprimento sorridente, Marcelo BA e Milla deixam essa mesa. Marcelo-BA e Milla vão andando e conversando, partilhando a afinidade que surgiu entre eles desde a primeira vez em que Milla foi a uma reunião e que aumentou nas possíveis conversas no Chat, no ICQ ou no e-mail entre os dois (complementação entre espaços de interação). Eles param e sentam numa mesa onde já estão Saulo, Dom e Reagge Girl. Estes três já estavam conversando sobre algo quando os dois chegaram e sentaram nos lugares vagos. Os cinco, durante algum tempo, compartilharam a afinidade de estarem a mesma mesa ao mesmo tempo, sendo já conhecidos, tendo procurado um lugar mais tranqüilo dentro do espaço de interação do grupo; eles conversam e brincam sobre outros assuntos, um tipo de conversa e brincadeiras diferentes das dos Chaparrais, que falam mais alto, riem mais alto e são mais escrachados. Nesse outro momentâneo subgrupo: Dom e Reagge Girl são um casal; Saulo e Dom estão bebendo e falando coisas dos dois e Marcelo-BA e Milla estão conversando entre si. Numa boa parte do resto da reunião Marcelo BA ficará naquela mesma mesa conversando com Milla, mesmo que eventualmente os outros ocupantes da mesa mudem e/ou que se gerem ciclos de conversas entre estes mesmos ocupantes. Tentando resumir o percurso: Marcelo BA partilhou afinidades com todo grupo (ritual de chegada); depois partilhou afinidades com o subgrupo dos Chaparrais; depois com o subgrupo da mesa (Saulo, Dom, etc.) e finalmente com Milla (que também fez parte do subgrupo anterior). Nesse caminho foi mantida a inter-afinidade partilhada de “estar no grupo” (interação física face-a-face atualizada na reunião) e a de “ser do grupo” (noção de pertencimento a um todo afetivo); todos se conhecem e se falam; a barreira dos desconhecidos é rompida; eles são do grupo... Sem falar de qualquer agrupamento exterior do qual Marcelo BA possa fazer parte: família, trabalho, etc. Essas afinidades servem como marcadores de níveis de pessoalidade. Havendo identificação, semelhança, a afinidade pode se desenvolver. O inter-cruzamento entre o “pessoal” (definido por Sennett como “íntimo”) e o “impessoal” (“público”, “teatral”) tem para o presente contexto a


importância do que pode estar sendo procurado pelos indivíduos. Se se busca “intimidade” para preencher a si: o “preenchimento do vazio interior”. Ou a busca de algum complemento que dá sentido a vida. Ou ainda, procura-se o espaço para se estar “publicamente” (debater temas, se engajar socialmente, participar de algo “impessoal”, etc.). Veremos mais adiante que todas essas possibilidades estão entrelaçadas no modo como os usuários lidam com a Internet e com a sociabilidade contemporânea. Imaginando um caminho linear de sociabilidade num espaço contemporâneo (Internet, shopping, ou outros espaços supostamente para socialidade contemporânea) e tendo em mente as noções de “pessoalidade” e “impessoalidade” apresentadas até o momento, podemos ter: 1º - Ambiente mais impessoal. Necessidade de um tema (semelhança, afinidade vaga). Ex.: chats e fóruns temáticos. Presença de certas regras e rituais convencionais; aprendizado dos códigos internos; o tipo de regras impessoais para o convívio de supostos diferentes... por enquanto (possível não aplicação da “desatenção civil”). Apesar de estar procurando o semelhante, o espaço é desconhecido ainda, por isso a impessoalidade (ou maior formalidade) inicial. 2º - Ambiente mais pessoal. Mais afinidades (identificação, já confirmou a semelhança). Ex.: E-mail e ICQ (não mais precisa de um tema). As regras e os rituais (o uso dos códigos) devem se adaptar aos novos espaços (ao novo tipo de interação), mas ainda devem existir. 3º - Ambiente mais pessoal que o anterior. Convívio tanto no face-a-face quanto no espaço da Internet. Possivelmente maior identificação ou reconhecimento da diferença (a semelhança só existia no espaço da Internet). Possível reconhecimento de identidade a partir do convívio com outros diferentes com quem possam se conviver juntos. As regras e rituais aqui não devem ser somente a soma das anteriores, mas sim a construção de novas: no caso da manutenção de apresentações de Eus nos dois espaços, regras e rituais de um devem interferir (tanto positiva quanto negativamente) no outro e vice-versa (inter-complementares). Veremos que no grupo Galera ZAZ esse caminho de gradação da pessoalidade é seguido, mas numa estrutura de rede, em que os níveis de pessoalidade se misturam a depender do núcleo momentâneo de interação e as suas afinidades partilhadas.


Modelos de Sociabilidade Finalmente apresento, a partir dos conceitos e noções de Uriarte (1999), modelos de sociabilidade contemporânea, os quais temos visto até o momento. São esboços gráficos e estruturais do que podem ser estes processos estudados e que estarão sempre passíveis de verificação mais completa e detalhada. No momento podemos construir três modelos básicos de sociabilidade que variam de acordo com o que podemos chamar de nível de envolvimento. Uma escala construída para expressar os diferentes níveis das interações pessoais e cuja referência básica é a existência ou não de um outro/diferente para uma afirmação de identidade, como vimos anteriormente.

Modelo 1) IGUAIS:

X

Y Nessa estrutura pode-se imaginar o conjunto de indivíduos com as mesmas características e que, provavelmente, ao se encontrarem com o outro/diferente deixa transparecer uma forte necessidade de afirmação de identidade; tão forte, ao extremo de repelir o outro. Por isso, talvez, a separação distante do outro. X e Y não interagem. Ex.: separação moderna entre pobres e ricos; formação de “guetos ricos” exclusivos e fechados, como condomínios. Modelo 2) IDENTIDADE: XXX

YYY

A geração das identidades se devem às comparações com outros, como vimos; a “diferença” é o elemento básico nessa estrutura para a construção da identidade (eles versus nós). Mas no nível do reconhecimento da alteridade e não da repelência da mesma, como o modelo anterior. X e Y interagem, pois partilham o mesmo espaço de interação. Ex.: as reuniões do grupo Galera ZAZ estudado podem ser considerados como espaços de interação partilhados por vários subgrupos que interagem entre si; esses subgrupos se formam num processo de maior afinidade, podendo afirmar


possíveis identidades pela presença dos outros subgrupos e suas diferentes afinidades. Ex.: Chaparrais gostam de rock. Cabula Boys gostam de pagode. A afinidade musical contrária do outro afirma a afinidade interna de cada subgrupo (devemos lembrar aqui da presença também das inter-afinidades já vistas: os membros dos diferentes subgrupos também interagem entre si). Modelo 3) IDENTIFICAÇÃO:

Y

X

As identificações se dão pelo encontro de semelhanças em diferentes espaços de interação. A identificação é diferente das identidades, pois busca o semelhante, o parecido, mas não busca se diferenciar do resto (o reconhecimento ou afirmação da identidade). De certo modo se evita o conflito com o outro, pois se espera que a convivência seja de um semelhante para o outro. Seria um dos aspectos das “tiranias da intimidade” a que Sennett (1976) faz referência. X e Y são semelhantes; partilham afinidades momentâneas e interagem de acordo com as situações que os convergem (seriam as regiões de interseção preenchidas da figura). Seria o caso mais abrangente dos membros do grupo Galera ZAZ, que partilham a afinidade “conhecer gente” do grupo (o que poderíamos chamar também de afinidade motivadora; possível até de ser esquecida pelos seus membros a partir do momento que outras afinidades se desenvolvem e são partilhadas) e por isso são semelhantes e convergem para os espaços de interação (reuniões no Shopping e Chat basicamente, pois, como veremos, existem outros espaços onde já há uma tácita filtragem de afinidades entre os membros: a praia, o ICQ, as viagens, etc.). Este modelo, colocado em rede de espaços de interação e de afinidades seria mais ou menos o tipo de nova socialidade afetiva e subterrânea que Michel Maffesoli (1987) propõe para a contemporaneidade. Várias “tribos”, vários “estar junto” por baixo do utilitarismo racionalizante. Enfim, as motivações, a identificação e as afinidades formam uma rede conjunta de presenças (noções ou categorias) no interior dos indivíduos que constróem e participam da sociabilidade contemporânea, dentro das particularidades de contexto histórico e cultural que fazem parte de cada um. Penetremos a seguir no contexto específico da sociabilidade no espaço da Internet e veremos que todos os processos apresentados até aqui se tornam vivos e ativos nas ações, explícitas ou implícitas, de indivíduos tão reais quanto qualquer um de mesmo contexto e realidade.


IV - INTERNET E SOCIABILIDADE

No capítulo que se segue apresentamos a nossa compreensão da sociabilidade no espaço da Internet, justamente o centro de nossa proposta, com a manutenção e o desenvolvimento dos conceitos e categorias vistos até aqui diante das interpretações de usuários da Internet e dos membros do grupo Net estudado. Na primeira parte está a construção do contexto e do perfil de usuário ideal da Internet, utilizando-se para isso as informações do questionário aplicado online e os dados complementares de outras fontes. Na segunda parte estão as descrições e análises resultantes do trabalho de campo (observação participante) com o grupo Galera ZAZ, seus códigos e rituais, suas particularidades e atividades constitutivas da sociabilidade específica originada, e também mantida, a partir da Internet, e assim dentro de toda rede de contextos apresentada ao longo da dissertação.

1. Contexto e Perfil de Usuário Ideal da Internet. Fazer-se-á aqui uma análise de dados extraídos a partir da aplicação de questionário 60com intenção de construir um perfil do usuário ideal do espaço da Internet, que nos serve para melhor visualizar e compreender os indivíduos que utilizam e que constróem este espaço à medida do seu uso; complementando então tudo que ainda pode fazer parte dos membros do grupo Net. Possivelmente alguns dos dados aqui demonstrados podem ser encontrados em outras pesquisas de cunho estatístico (ex.: Ibope), mas a construção deste perfil integra uma forma de interpretação ligada ao que os usuários da Internet pensam da própria, e assim de como eles constróem suas possibilidades de interpretação e uso do mesmo.

1.1- Perfil sócio-econômico: A questão da ocupação profissional nos trouxe algumas dificuldades. É aberta mas de conteúdo objetivo e direto. E existem muitas interpretações possíveis sobre o perfil das pessoas a partir deste dado: se tem um curso superior ou não; se provavelmente seu uso da Internet tem haver com essa profissão exercida ou posição ocupada, etc 61. Tivemos pessoas que trabalham com suporte técnico

60 Ver o modelo do Questionário aplicado, os dados numéricos e gráficos sobre os mesmos em anexo. 61 Na pesquisa de Eduardo Krauze Diehl, a grande maioria dos seus questionados tinham entre o 2º grau completo e 3º grau completo (passando por 3º grau incompleto); o que demonstra uma possível disposição numérica de pessoas com alguma instrução freqüentando o espaço da Internet, pelo menos por enquanto. Pesquisas demonstram que o acesso dos brasileiros de camadas mais pobres a tecnologia da informática é extremamente limitado. Num país tão segregador quanto o nosso, o aparente crescimento desenfreado do uso do computador e da Internet em toda população deve ser


na área de informática (ou analista de suporte), que é uma função que não exige curso superior, mas que necessita de conhecimentos em informática, normalmente adquiridos em cursos particulares ou auto aprendizado; de uma maneira ou de outra, necessita do contato com a tecnologia e isso indica ou investimento ou convivência, e isso usualmente significa que é uma pessoa que não é de uma classe tão desprivilegiada. Temos professores (tanto de nível médio quanto de nível superior), o que também indica instrução, mas não completamente aberto acesso aos utensílios tecnológicos modernos, pois é uma profissão notoriamente mal remunerada no país. Temos donas de casa, que já tiveram carreiras profissionais bem remuneradas no passado, mas que, após o casamento e filhos, resolveram permanecer em casa e cuidar da família. Obviamente não se trata do tipo de dona de casa tradicionalmente pobre; seria muito mais uma administradora do lar (com empregados a seu serviço) que comanda uma casa, mas tem tempo para usar o computador e a Internet (tempo livre, instrução e possibilidades financeiras). Temos funcionários públicos, que têm alguma instrução e um modo de vida não muito variável, mas com algumas possibilidades de consumo e funcionários públicos federais aposentados, cuja remuneração e o modo de vida mantido pode lhe proporcionar o acesso à tecnologia, dentre outras coisas; mas que também tem a oportunidade de ainda trabalhar em projetos filantrópicos e coisas do gênero, tendo a possibilidade, experiência, instrução e o engajamento necessários para tais atividades de “depois do tempo de trabalho” (Dumazedier, 1994) e isso inclui aprender a usar a Internet. Temos bancários (e bancários aposentados), que tanto podem ter instrução média quanto superior (e por isso alguma instrução) e alguma capacidade financeira para usufruir dessa tecnologia. Temos jornalistas (curso superior e acesso a tecnologia, seja no trabalho ou em casa ou em universidade). Temos web designers (constróem os sites que estão na Internet), cuja a própria função já indica uma grande presença no espaço da Internet, tanto para trabalho quanto para lazer (possivelmente); sendo necessário conhecimento técnico (instrução) e acesso (possibilidade financeira ou de conveniência: trabalho). Temos industriários (nível técnico e superior). Temos analistas de sistemas (nível superior), que tem contato direto com a informática e é uma profissão muito valorizada, por causa da necessidade da informática em várias áreas hoje em dia (normalmente são os chefes dos analistas de suporte). Temos engenheiros florestais, com curso superior e provavelmente uma boa instrução e com regular poder de consumo. Temos administradores. Temos atrizes e dançarinas e cantores, que apesar de serem profissões que apenas são bem remuneradas quando se torna “estrela”, deduz-se uma boa formação e instrução, e também

posto em uma perspectiva mais relativa e realista.


acesso a Internet (via casa/família, trabalho ou escola). Temos advogados. E temos um grande grupo de estudantes e estagiários em várias áreas (desde Segundo Grau até cursos superiores e técnicos); muitas das ocupações citadas se combinam com “ser estudante” também. Muitos têm acesso a computador e Internet através das escolas e faculdades ou através dos estágios. Como vemos o nível de instrução e o acesso são dois fatores constantes no dado sobre a ocupação desses usuários da Internet; tendo sido razoavelmente corroborados pelo dado sobre nível de instrução da pesquisa de Eduardo Krauze Diehl, citado anteriormente. Sobre a classe social dos usuários da Internet, perguntamos: “Você se considera como sendo de alguma classe social? Qual? Por que? (use quanto espaço quiser)” A intenção era não ter de usar os padrões de classificação de classe econômica normalmente utilizados pelas pesquisas de economia, marketing e até algumas de sociologia; queria que o entrevistado colocasse seu ponto de vista sobre sua situação econômica, por isso, também, o espaço livre para que ele(a) pudesse comentar sua resposta ou o que acha deste tipo de classificação. Numericamente a maioria absoluta (100%) dos entrevistados (96 indivíduos que freqüentam ou usam a Internet) deixaram claro ou transparente (mesmo que sem a palavra exata) que são de classe média. Há, obviamente, uma estratificação possível dentro dessa classificação, mas o geral foi este 62. Agora os diversos comentários dos entrevistados sobre a classe econômica: Em primeiro lugar apresentamos as respostas e comentários de pessoas que afirmaram pertencer a uma classe e qual seria. Em sua grande maioria há uma preocupação em tentar definir a resposta (ao mesmo tempo em que a justifica) com modelos de compreensão do que seria classe e, mais especificamente, “classe média”. Há uma preocupação generalizada em relacionar classe com consumo. Eis aqui algumas repostas: “Sim, classe média, devido a minha faixa salarial.” “Acho que sou da classe média-média. Aquela classe, que não é nem rica nem pobre. Que consegue viver com um certo conforto, sem esbanjamento. Uma classe que consegue se manter apesar dos pesares.” “Sim, sou da quase extinta classe média, porque ainda me encontro entre os ricos e os pobres, não

62 Apenas para o registro, na pesquisa de Eduardo Krauze Diehl não houve questão específica para o tema classe social, mas os dados sócio-demográficos por ele pesquisados revelam também uma tendência a se deduzir que há uma grande maioria de pessoas que se pode classificar de classe média freqüentando a Internet. Pessoas que estudam, trabalham, têm computador em casa, procuram pessoas na Internet para diversão, etc. Informações que, pelo que é veiculado pela impressa sobre o crescimento da Internet no país, revelam que o uso da Internet se populariza pela classe média, com hábitos semelhantes, perfis semelhantes e que são facilmente atingidos pela possibilidade de consumo de


tenho tudo que quero mas não me falta o básico.” “Classe Média, porque não morro de fome, sou levada a consumir produtos que não preciso a preços que posso pagar, mas não me sobra muito depois de tudo e só.” “Classe média. Porque tenho condições de vida que me permitem ter acesso a uma faculdade privada, morar em apartamento próprio (mãe), um veículo e certas requisitos para a sobrevivência e lazer.” “Sinceramente não me considero pertencendo a nenhuma classe social. Mas poderia arriscar a me enquadrar em uma classe média "bem resolvida", pois embora não esteja nadando em dinheiro, tenho minhas necessidades de consumo satisfeitas.” “Sim, média alta, porque com tudo que minha mãe e meu pai ganham dá para ter uma vida saudável, bom ensino e ótima qualidade de vida.” Podemos pré-concluir até aqui que há uma ligação direta entre qualidade de vida, poder de consumo e nível de instrução para a maioria dos entrevistados 63 . Relacionando esta interpretação dos entrevistados sobre a questão da classe sócio-econômica com o perfil dos usuários da Internet, podemos também dizer que há uma relação direta entre a instrução dos usuários e o acesso ao produto de consumo “tecnologia”, que conecta à Internet; assim, mesmo pessoas com não tanto poder aquisitivo podem ter acesso à Internet por via de instituições educativas ou de trabalho, o que já demanda algum tipo de instrução e/ou conhecimento para garantir um acesso e um uso correto das ferramentas tecnológicas envolvidas. Outro ponto importante que podemos ressaltar é a ligação que alguns dos questionados fazem entre ser da classe média e ter acesso ao lazer. Podemos deduzir que se faz uma relação entre lazer e consumo, já que para se ter acesso ao tipo de lazer chamado “de classe média” é necessário consumir (cinema, teatro, bares, restaurantes, vídeo, viagem, vídeo game, clube, parques... e computador). Mas nos serve também este ponto para ressaltar a importância dada ao lazer na questão do preenchimento e definição do estado de vida do entrevistado, que em parte já faz parte das características dos freqüentadores do espaço da Internet: a procura por lazer, por preenchimento do tempo livre, a complementaridade do cotidiano com um sentido lúdico, não obrigatório, etc. Em segundo lugar, os que não apresentam definição clara, mas dão muito valor à questão do que foi alcançado pelo trabalho: educação, poder de consumo, etc., que, como vimos, podem ser um produto/serviço que se torna mais acessível. 63 “Segundo o DataFolha (junho de 1999), a Internet atinge 36% dos brasileiros com renda familiar mensal acima de 20 salários mínimos, mas apenas 2% dos com menos de 10 salários; 35% dos usuários com curso superior, mas apenas 2% dos que têm apenas primeiro grau.” (Revista Carta Capital, Nº106, Setembro/1999: 65)


considerados características de classe média. Eis os comentários/respostas: “Não me considero de nenhuma classe social, pelo menos não das convencionais. Diríamos que sou da classe trabalhadora.” “Sim. Porque tenho um salário que dá para sobreviver de acordo com o sistema do país. Coisas adquiridas com tempo de trabalho etc.” “Não, não me considero de nenhuma classe social, pois não acredito em classes e sim em apenas padrões de vida, e meu atual padrão de vida é o de um formado há 4 anos, que fez pós-graduação (então por dois anos recebeu muito pouco e se dedicou muito) e que agora começa a ter estabilidade financeira na vida, para poder comprar e ter prazer e lazer nas suas atividades diárias.” E em terceiro lugar os sem definição clara, mas com visão crítica a respeito do que seria uma forma de vida com certas capacidades. Respostas: “Não, as classes sociais só servem para criar dependentes e dependências.” “Só se você considerar bens de consumo, sei lá. Professora Universitária, casada com profissional liberal. Renda conjunta em torno de 4.500 reais. Três filhos, um carro, uma casa própria, quatro cachorros, uma TV, um vídeo, um aparelho de som e um computador.” “Sou de uma classe social privilegiada, pois tanto eu como meu marido temos como objetivo de vida mostrar aos nossos filhos que, se moramos bem e temos tudo que precisamos, é conseqüência de muito estudo, cultura e muito trabalho.” Para o tópico do local de acesso do usuário da Internet foram dadas três opções: Casa. Trabalho. Outro (onde?). A intenção dessa pergunta era, ao conhecer os locais de acesso de alguns usuários, contribuir para a construção de seu perfil sócio-econômico. Supondo que se alguém só acessa na trabalho ou na escola (ou outro lugar que não seja em casa), então ela não tem condições financeiras, mesmo que momentâneas, de possuir um computador; o que implicaria na condição apresentada pela grande maioria de entrevistados no momento de categorizar sua classe econômica: poder de consumo. No entanto, ter acesso a tal aparelho por outras vias demonstraria interesse por informação ou lazer dessa natureza e por isso algum nível de instrução não só para a utilização de tal coisa técnica, como também acesso a uma escola ou trabalho com tal aparelhagem disponível. Por isso, continuo a supor que a grande maioria de usuários da Internet tem um perfil de pessoas com algum nível de instrução e algum nível de acesso a tecnologia, mesmo que não próprios (consumo, posse). A outra razão seria para tentar conhecer que nível de intimidade e auto-expressividade (liberdade de expressão) podia ser atingida pelo usuário da Internet, já que o local de onde ele acessa deveria ser de grande influência no que ele pode ou não pode fazer ao estar


conectado. Numericamente temos que 73 pessoas (76%) acessam a Internet de casa; 61 pessoas (63,5%) acessam do trabalho; e que 41 pessoas (42,7%) acessam de outro lugar, no caso todos disseram escola ou universidade. Devemos observar que alguns dos questionados afirmaram acessar tanto em casa quanto no trabalho (ou casa e escola); isso, ao meu ver, reforça a construção do perfil do usuário, como tendo algum poder econômico (ter computador em casa) e também tendo instrução institucional suficiente para ou estar trabalhando ou estar numa universidade, por exemplo. Como no caso de nossa amostra, a maioria dos entrevistados afirmam usar mais a Internet em casa, podemos apenas acrescentar a suposição que essa amostra é um pouco mais privilegiada, mas, como não há um grande desequilíbrio entre casa e trabalho, acredito termos coberto uma boa amostra 64. Voltando aos dados, temos que as pessoas questionadas interpretam estes locais de acesso da seguinte maneira: 32 pessoas (33,3%) disseram que o local de acesso interfere no seu modo de fazer as coisas na Internet, e 64 pessoas (66,6%) disseram que o local de acesso não interfere. Não nos resta muito a interpretar destes números, além do fato de a nossa amostra numérica parecer tender para um lado de uso do espaço da Internet que não dependa tanto de uma maior privacidade. Devemos porém lembrar que muitos dos questionados utilizam a Internet tanto em casa quanto em outro local (trabalho principalmente), logo, estas pessoas não se sentem tão afetadas pelas outras possibilidades de usos mais privados da Internet, já que podem fazer isso em casa (todos os entrevistados que responderam apenas “não” à pergunta tinham acesso em casa). Agora vejamos comentários dos nossos pesquisados a respeito do local de acesso e se (e como) este afeta o modo como faz as coisas na Internet: “Interfere muito. Quando acesso do trabalho, é apenas para colocar a correspondência em dia e trabalhar. Em casa, entro em chats, e fico vasculhando a 64 A pesquisa de Eduardo Krauze Diehl não aborda essa questão do local de acesso, mas ele pergunta sobre o tempo que se passa na Internet e no Chat (o específico de sua pesquisa) e, a partir da maioria das respostas (menos de 5 a 10 horas por dia) podemos inferir que a maior parte desses usuários utilizam o computador em casa, já que podem permanecer tanto tempo conectados. Existe, no entanto, uma ressalva a esse respeito: é notório que muitas pessoas passam mais tempo conectados quando estão no trabalho. A razão disso vem do fato de se querer economizar nas contas telefônicas de suas residências. A expressividade pode até ser menor por se estar no ambiente de trabalho, mas o tempo de conexão é muito maior. Em vários escritórios (e especialmente repartições públicas) pode-se ver na barra de status dos computadores dos funcionários (minimizado, é claro) que o navegador está acionado; e muitas vezes a pessoa só está esperando uma oportunidade para clicar no navegador e ver algo na Internet, como, por exemplo, o chat do qual está participando. No futuro, talvez, com um tipo de conexão que seja menos dispendiosa que o telefone, os usuários da Internet poderão ficar permanentemente conectados também em casa, e não só no trabalho, podendo assim aumentar suas auto-expressividades enquanto conectados.


Net sem compromisso.” “Em casa utilizo mais para troca de e-mails e diversão. No trabalho, mais como instrumento de pesquisa.” “O trabalho interfere, pois não posso visitar todo tipo de site, pois sempre alguém entra de repente na sala e pode me pegar com uma cena imprópria na tela.” “Não, pois só no trabalho que tenho tempo hábil tanto para o trabalho como para minha diversão na Net e outro motivo é que não tenho micro em casa.” “Sim. Acesso mais tranqüilamente em casa do que quando acesso do trabalho.” Para concluir este tópico vou ilustrar essa questão do local de conexão e a auto-expressividade: o indivíduo pode estar conectado no seu trabalho, revezando sua atenção entre o trabalho e a Internet, e pode estar, por exemplo, fazendo o chamado “sexo virtual” com alguém num chat ou no ICQ, no entanto, esse indivíduo não poderá demonstrar com muita expressividade o que quer que esteja sentindo, pois não estará num ambiente apropriado: pessoas poderão notar, haverá pessoas ao redor, ele terá medo de ser descoberto, etc. E mesmo que seja apenas uma brincadeira, ele não poderá rir muito, pois poderá facilmente se perceber que ele não está trabalhando e sim se divertindo. Já estando em casa, só ou acompanhado, mas num ambiente onde a permissividade é maior na sua auto-expressividade, o indivíduo poderá fazer o que quiser enquanto faz “sexo virtual”: tirar a roupa, se masturbar, fazer sexo com o parceiro, liberar qualquer tipo de fantasia que quiser. Enfim, podemos concluir que há níveis de interferência no comportamento dos usuários da Internet quando se trata do local de acesso; a depender dos usos, intenções e motivações de cada usuário, o local de acesso pode ser um importante fator de formação de uma série de rituais específicos para cada ambiente externo que compõe o local de acesso, sendo o mais evidente que, na maioria dos casos, a acesso em casa proporciona maior liberdade de auto-expressão do usuário, enquanto outros locais (trabalho, escola, casa de amigos, shoppings, etc.) deixam uma grande margem de impedimentos sejam práticos ou morais para a liberdade de auto-expressão do usuário da Internet enquanto está conectado. 1.2- Sobre a Multiplicidade: O usuário ideal da Internet tem certa consciência da multiplicidade e amplitude de possibilidades na Internet (tanto possibilidades positivas quanto negativas). E tem diferentes níveis de interesse por informações generalizadas. Ele busca, encontra ou não, se frustra, volta a procurar, encontra e segue fazendo uso do espaço das mais diversas maneiras. Há muitos níveis de busca por informação e


níveis de consciência sobre o próprio espaço da Internet, mas dentro de toda essa variedade podemos afirmar sobre o nosso usuário ideal que ele é explorador, curioso, prático e ambivalente quando se trata de satisfação, pois quando encontra o que procura, logo depois tende a ter outras vontades... Acredito que esta característica faz parte do ethos contemporâneo aqui desenvolvido: consumo e renovação; efemeridade e identificação. A partir da pergunta "O que mais lhe atrai na Net? (espaço livre)" vejamos algumas das respostas dos usuários da Net: "A possibilidade de ter as notícias em tempo real." "A facilidade de contato em massa." "Gosto das diversas possibilidades de comunicação que a rede traz." "O ICQ." "Facilidade de contato com os amigos via e-mail e pesquisa." "A liberdade e a oferta de pesquisa e a quantidade de informação." "Agilidade e informação variada sobre tudo." "A rapidez de se obter informação e a possibilidade de vencermos a barreira do espaço com um simples teclado." "A disponibilidade de informação." "A fácil comunicação e a resposta em tempo ágil." "O poder de comunicação e difusão da mesma em segundos e o mesmo poder que tem sobre o comportamento das pessoas (a transformações dos costumes)." "As possibilidades de tipos de atividades a se fazer. Pode-se descobrir CEP para enviar cartão de Natal aos amigos, fazer pesquisas, ajudar outras pessoas com seu conhecimento, tirar dúvidas, estudar línguas gratuitamente, fazer cursos on-line, bater um papo com amigos de fora do Brasil, enviar fotos e outros arquivos..." "A possibilidade de conhecer pessoas e obter qualquer tipo de informação." "Rapidez e custo baixo." "As possibilidades de muitas coisas diferentes ao mesmo tempo." "A possibilidade de estar antenado no mundo da minha própria casa." O nosso usuário ideal é atraído pela Internet por ser um espaço que proporciona comunicação rápida e uma grande quantidade e variedade de informação 65. Analisando os significados dessas características temos que a comunicação suscita interação e sociabilidade. Essa comunicação ser rápida vem da característica contemporânea do ambiente tecnológico ágil, veloz, instantâneo, etc. Essa comunicação/interação pode ser funcional (trabalho ou escola, o fator agilidade parece ser mais útil e evidente neste caso) ou pessoal (o termo sociabilidade se encaixa melhor aqui) (preenchimento, aproximação afetiva, liberdade de expressão, distâncias físicas serem superadas subjetivamente). O nosso usuário ideal faz uso dessas duas possibilidades (funcional e pessoal) dentro da comunicação eletrônica, isto é, ele usufrui das possibilidades práticas do espaço da Internet tanto no campo funcional-utilitário quanto no pessoal-afetivo. 65 Na pesquisa de Eduardo Krauze Diehl, na parte sobre objetivos de acesso, temos 75,5% de usuários afirmando quererem relacionar-se com outras pessoas (Interação... Comunicação); 70,8% dizendo acessar para usar o E-mail (comunicação); 66,4% diz acessar para estudar (Informação); 53,6% para buscar informações (Idem); 34% para atualização cultural (Informação); 28,2% atualização profissional (Informação). Comunicação e informação parecem características óbvias a respeito do espaço da Internet.


A informação presente no espaço da Internet, e sobre a qual o nosso usuário ideal se refere, tanto é funcional quanto não funcional (quer dizer, sem uma utilidade prática clara; Ex.: piadas, orações, declarações de amor ou amizade, mantras, poemas, etc.); de certo modo pode-se dizer que ela é de todo tipo. A informação na Internet é o principal material simbólico de troca, isto é, a interação é baseada na troca de informações de todo tipo. O nosso usuário ideal entra em contato freqüentemente com uma grande quantidade de informações e ao se comunicar (funcional ou pessoalmente) ele troca informações. Essa constante troca de informações na Internet afeta o comportamento dos usuários, transforma os seus cotidianos, fica fazendo parte da "cultura" peculiar inerente às trocas no espaço. O nosso usuário ideal é, com certeza, um indivíduo que convive e lida com muitas informações quotidianamente. Complementando ainda a questão da multiplicidade, perguntamos aos pesquisados "O que menos gosta na Net? (espaço livre)" e vejamos as suas respostas mais relevantes: "Propagandas." "Sites sobre futebol." "A baixaria." "A lentidão do acesso." "Chat." "Chats e a demora de acesso." "Páginas na Net que tem crianças se prostituindo." "Comerciais e SPAM." "Os chats em que só há discussões banais e os sites de sexo e exibicionismo." "A difamação de coisas que relatam a violência e coisas do tipo." "E-mails de venda de produtos e pornografia." "SPAM, falta de ética, pornografia, entupimento de caixa postal com arquivos pesados enviados por usuários despreparados." "Limitações do provedor e na tecnologia telefônica brasileira, muito lenta." "Como ela é largamente usada para coisas inúteis (propaganda, pornografia infantil, etc.)" "Interferência de pessoas nos e-mails e vírus." "Quando não encontro o que procuro." Vemos que as maiores restrições dos usuários do espaço da Internet pesquisados são a respeito de aspectos: técnicos; morais; comerciais; informativo; comportamental; econômico e pessoal. Os aspectos econômicos estão ligados aos comerciais e os aspectos pessoais estão ligados a todos em um certo nível, já que são preocupações de pessoas para com coisas que também envolvem pessoas. Dos aspectos técnicos temos as dificuldades de acesso a sites ou à própria Internet; lentidão em alguns processos; problemas de segurança e privacidade; ineficiência dos sistemas de telecomunicações atuais; o perigo dos vírus de computador a que todos estão de certo modo vulneráveis; enfim, o nosso usuário ideal é alguém que ao menos tem conhecimento desses riscos e problemas e que são coisas ruins.


Dentre os aspectos morais temos uma grande aversão a informações dirigidas a assuntos considerados desagradáveis ou imorais: violência em geral e pornografia (mais especificamente quando envolve crianças). Dos aspectos comerciais temos a aversão às propagandas em geral e aos SPAMs; e o desagrado em relação aos custos de certos serviços na Internet (esse poderia ser considerado mais um aspecto econômico). A grande quantidade de informação descartada quotidianamente pelos usuários da Internet é mais um aspecto negativo da mesma, parte do contexto múltiplo. Como também o desconhecimento e a não observação de convenções dos espaços de interação, o que provoca incômodos excessivos na vida dos indivíduos 66.

1.3- Sobre os Usos da Internet: Perguntamos: "Com quais classificações você concorda sobre a Net? (pode marcar várias)", que nos mostra que imagem os nossos usuários pesquisados têm ou sentem a respeito da Internet no que diz respeito ao seu uso subjetivo. 64 pessoas (66,6%) disseram considerar a Internet como um Espaço Público; 42 pessoas (43,7%) consideram como Espaço para Elite; 67 pessoas (69,8%) consideram um Espaço Democrático; 21 pessoas (21,9%) consideram Espaço Fechado; 45 pessoas (46,9%) consideram como Espaço de Fuga; 68 pessoas (70,8%) consideram como Espaço de Diversão e 19 pessoas (19,8%) consideram a Internet como outros tipos de espaço. Baseado nestas respostas vemos que a maioria dos usuários pesquisados vêem o espaço da Internet, predominantemente, como Público, Democrático, de Diversão e de Fuga; lembrando que 43,7% dos pesquisados também disseram achar a Internet um espaço para Elite. Disso podemos afirmar que a Internet é um espaço amplo de informação e comunicação (público e democrático), porém somente para aqueles que têm acesso ao mesmo (uma elite, que já vimos ser atualmente de cerca de 8 milhões de usuários num país de mais de 160 milhões, isto é, apenas cerca de 5% da população brasileira têm acesso a Internet). É também espaço de diversão, complementando o cotidiano dos usuários com uma grande variedade de aspectos lúdicos. E finalmente é também espaço de fuga, de realização simbólica das fantasias que também complementam o cotidiano, de anonimato e liberdade diante da multiplicidade e das inibições, de fuga das regras da vida cotidiana durante as diversas interações (especialmente as "não-sérias") que também fazem parte do cotidiano dos

66 Ver texto Netiqueta em anexo.


usuários. O nosso usuário ideal usa a Internet para suprir seus interesses práticos (trabalho, pesquisa, etc.): 86 pessoas (89,6%) responderam que faziam pesquisas. 83 pessoas (86,4%) responderam que procuravam informação. 71 pessoas (74%) responderam que procuravam cultura. 62 pessoas (64,6%) responderam que procuravam coisas de informática. E 31 pessoas (32,2%) responderam que procuravam outras coisas. E também para preencher interesses lúdicos e acessórios (diversão, afetividade, engajamentos políticos e sociais voluntários, etc.): 53 pessoas (55,2%) responderam que procuravam relacionar-se com outras pessoas. 67 pessoas (69,8%) responderam que procuravam diversão. 89 pessoas (92,7%) responderam que usavam o e-mail. Podemos notar por estes números que há uma grande procura por informação (pesquisa, informação e cultura) de uma maneira geral, que é a função primordial que funda a Internet: espaço de fluxo de informação eletrônica. No entanto, devemos observar que todos estes que assinalaram procurar informação, de todo tipo, também usam o e-mail (item mais assinalado) e que também tendem a procurar conhecer pessoas e diversão através da Internet. Como é uma questão de momento, o envolvimento do usuário naquelas atividades que mais costuma fazer é que compõem a interpretação desta questão. Na verdade, devemos admitir que todo conteúdo das atividades realizadas no espaço da Internet é baseado em informação, que é constantemente produzida, interpretada e trocada, no entanto, para os propósitos de nossa pesquisa, procuramos extrair desses hábitos de atividades aquilo que pode ser mais ligado à sociabilidade no espaço da Internet. Os números vistos acima demonstram que nossa amostra parece priorizar mais a pesquisa, a informação e a cultura, além do e-mail, pelo menos no momento da resposta 67.

Complementando esta questão, perguntamos: "O que você normalmente faz na Net? (pode marca várias)". Das pessoas pesquisadas 91 (94,8%) disseram usar o e-mail; 45 (46,9%) disseram fazer uso das salas de bate-papo (chats); 12 (12,5%) disseram participar de fóruns; 87 (90,6%) disseram fazer pesquisas; 89 (92,7%) disseram usar como meio de informação e 15 pessoas (15,6%) disseram fazer outros usos da Internet.

67 No entanto, novamente utilizando os dados da pesquisa de Eduardo Krauze Diehl, com sua amostra maior para a construção/compreensão do perfil dos usuários da Internet, veremos que "conhecer/encontrar pessoas" e "diversão" se tornam prioridades maiores, pelo menos naquele momento de resposta, de uma amostra maior, mas de perfil semelhante, como vimos antes, de usuários da Internet: 75,5% dos entrevistados disseram acessar para relacionar-se com outras pessoas; 72,8% disseram acessar para divertir-se; 70,8% disseram acessar para usar o e-mail; 66,4% disseram acessar para estudar; 53,6% disseram acessar para buscar informação; 34% disseram acessar a procura de atualização cultural; 28,2% disseram acessar por razões profissionais; 25,5% disseram entrar a procura de coisas de informática. Devemos lembrar que também nesta questão da pesquisa de Eduardo Krauze Diehl os pesquisados podiam assinalar várias das opções possíveis. O que me ajuda a continuar afirmando que no perfil do usuário ideal do espaço da Internet, ele realiza várias atividades e que essa multiplicidade já faz parte da cultura específica deste espaço.


No primeiro momento, o que notamos é que é extremamente valorizado a utilização do correio eletrônico (e-mail), pois quase todos os entrevistados fazem uso do mesmo e ainda lembramos que muitos possuem mais de um. É a forma de comunicação/interação mais cotidiana na Internet, pois demanda apenas a abertura de caixas de mensagem por seus usuários: um hábito já comum a todos (verificar mensagens e respondê-las). Já outras atividades exigem um pouco mais de envolvimento e motivação do usuário para serem realizadas: chats, pesquisas, fóruns, etc. Fazendo o cruzamento de dados com a questão anterior já mencionada temos que 53 pessoas (55,2%) responderam que procuravam relacionar-se com outras pessoas através da Internet. Dentro desta atividade podemos incluir os espaços de uso de e-mail, chats, fóruns e até mesmo pesquisas, presentes aqui. A interpretação disso é que os hábitos de um tipo ideal de usuário da Internet vão além dos extremos numéricos presentes na pesquisa. Apenas 45 pessoas (46,9%) disseram usar salas de bate papo, no entanto 53 pessoas (55,2%) disseram procurar conhecer pessoas através da Internet e também 67 pessoas (69,8%) disseram procurar diversão através da Internet, o que nos leva a formular que os chats estão presentes na maioria das interações com novas pessoas; seria, junto com o fórum, um espaço de interação primário, onde se faz os primeiros contatos, se descobrem afinidades e daí passa-se para os outros espaços/ferramentas de interação (e-mail, ICQ, telefone, etc.). E também nos ajuda a formular que as intenções predominantemente lúdicas ao se procurar conhecer pessoas novas através da Internet servem de reforço ao fato de provavelmente estes usuários terem no chat, também, um espaço para procurar diversão. Talvez uma das razões porque as salas de bate-papo não tiveram um maior índice de escolha entre a amostra entrevistada seja justamente porque elas cumprem um papel primário no processo de interação (conhecer pessoas, etc.) e por isso não seja procurado com mais freqüência. Demonstrando este equilíbrio entre usos lúdicos e funcionais do espaço da Internet, concluímos, diante da questão "Que sites (ou tipos de site) mais costuma visitar? (livre)" que os sites ou tipos de sites mais visitados nos revelam também um pouco de suas motivações, hábitos e intenções dos usuários ao estarem conectados e porque se conectaram ao espaço da Internet. A variedade de respostas e a já mencionada momentaneidade das respostas dadas me fazem crer que para a construção do perfil do nosso usuário ideal o que vale aqui é a noção de equilíbrio do uso do espaço da Internet entre Funcional – Informativo – Lúdico – Cotidiano. Funcional por ser utilizado para situações classificadas convencionalmente como "sérias" (trabalho, escola, etc.). Informativo por


ser um espaço de divulgação e troca de informações de diversos tipos, inclusive a jornalística (também classificada de "séria"). Lúdico por, além de dispor de várias fontes de diversão, tem um caráter lúdico por si próprio, mesmo quando usado para "coisas sérias" (uso/escolha do uso do tempo livre para aprender, pesquisar, etc.). E Cotidiano por fazer parte da construção de hábitos que fazem parte da vida do usuário: se informar, ler e enviar e-mails, pesquisar, bater-papo, divertir-se, etc. Então, concluindo, o uso do espaço da Internet como espaço lúdico para interagir-se com outras pessoas parece ser uma característica forte no perfil dos usuários do mesmo. Dentro de um contexto de alto fluxo de informações e utilidades, também se dá muita atenção ao relacionamento com outras pessoas, à comunicação e ao lazer dentro deste espaço... Então podemos dizer que os usuários da Internet, num perfil ideal, são pessoas que lidam com muita informação (de vários tipos e de várias utilidades) e que gostam de relacionar-se com outras pessoas, divertindo-se. 1.4- Sobre a Familiaridade com o Espaço: Perguntamos há quanto tempo se utiliza a Internet... Algo que pode ser afirmado anteriormente sobre isso é que com o maior tempo de uso e familiaridade do espaço da Internet maior o grau de compreensão de suas possibilidades de informação prática e também de ludicidade e de sociabilidade. Em certo sentido, podemos cruzar essa informação com o nível de respostas de nossa amostra e perceber que realmente as respostas são passageiras... Quem sabe que tipo de respostas se dará a esse tipo de perguntas daqui há mais 5 ou 10 anos. Foi deixado em aberto o espaço para as respostas; para facilitar a interpretação numérica das mesmas eu as dividi em dois blocos: "menos de dois anos" e "mais de dois anos"; em seguida eu apresentarei qualquer comentário relevante dos usuários a respeito da questão. 32 pessoas (33,3%) disseram que usam a Internet há menos de dois anos e 64 pessoas (66,6%) disseram que usam a Internet há mais de dois anos 68.

Comentários de pesquisados: "Uso o micro desde antes da Net... no tempo do Vídeo Texto (não sei se conhece)." A grande maioria apenas disse há quanto tempo usava a Internet. Mas podemos pensar dois níveis de familiaridade com a Internet: muito tempo de uso e também os que tem pouco tempo, mas muita intensidade de atividades. O contínuo crescimento da popularidade da Internet também possibilita este tipo de familiaridade em menor tempo de uso; relativamente, as pessoas que

68 Na pesquisa de Eduardo Krauze Diehl, a grande maioria dos entrevistados (mais de 70%) disse que usa a Internet a mais de um ano. De certo modo estes números coincidem com as pesquisas que dizem que houve um período de grande expansão da Internet no Brasil a partir de 1997 e que vem crescendo cada vez mais desde então (pesquisa DataFolha mencionada antes).


começaram a usar a Internet de 1997 para cá têm o mesmo conhecimento básico (saber navegar, conhecer os programas de comunicação e saber pesquisar) que as pessoas que usam desde 1994, quando a Internet começou a aparecer no Brasil para uso mais doméstico. Complementando este ponto perguntamos do período de maior uso (estar conectado) na Internet, se dia ou noite. De certo modo está também relacionado com a questão da auto-expressividade vista antes sobre o local de acesso e a influência do mesmo. 59 pessoas (61,4%) disseram se conectar mais de dia. 46 pessoas (47,9%) mais durante a noite. E 25 pessoas (26%) disseram se conectar tanto de dia quanto de noite. A relação possível que fazemos entre estes números e a construção de um perfil ideal do usuário da Internet é que muitos ainda têm acesso somente em outros ambientes que não o próprio lar, o que diminui a utilização durante a noite. Isso implica na suposição da questão econômica do usuário da Internet no Brasil, que têm acesso e conhecimento da mesma, mas não tem condições de possuir a tecnologia. No entanto devemos notar que há um certo equilíbrio dentro da amostra pesquisada sobre o local de acesso (casa e trabalho) e sobre o horário de uso (dia e noite), o que também sugere uma maior capacidade dentro desta amostra. Com relação ao tempo passado no espaço da Internet, o que os dados até o momento demonstram é uma maior preocupação do usuário médio em não permanecer conectado por muito tempo quando está em sua casa pela razão dos gastos com a conta de telefone, energia, etc. Situação não muito observada quando num ambiente exterior (trabalho, faculdade, escola), mesmo quando há uma maior vigilância de uso, como já dissemos; mas há sempre formas de burlar vigilâncias e usar a Internet e trabalhar ao mesmo tempo. Esperava-se que durante a noite os usuários da amostra demonstrassem uma maior liberdade de expressão ao estarem conectados, que é mais ou menos o mesmo critério de liberdade utilizado para o uso mais livre em casa que num ambiente de trabalho. Mas a falta de uma constatação numérica maior que a esperada não invalida totalmente a hipótese inicial, já que ao serem somados a quantidade de usuários que dizem usar mais à noite com os que dizem usar em ambos os períodos do dia, temos uma quantidade superior de usuários. Sem dúvida seria necessária uma maior extensão na amostra para que as hipóteses sobre expressividade e liberdade sejam mais completamente confirmadas ou negadas. O trabalho de campo com o grupo Galera ZAZ parece apontar, pelo menos dentro daquela amostra, que, o uso noturno é acentuado para aqueles que possuem computador em casa e o diurno é maior para aqueles que não tem, isto é, que acessam de escola ou trabalho, o que nos parece uma proposição óbvia, mas não ainda totalmente convincente.


Vejamos alguns dos comentários a respeito do uso mais durante o dia ou durante a noite e com que freqüência acessa a Internet: "Muito mais durante o dia. Acesso a NET mais do trabalho do que de casa. Quando estou no trabalho é no horário do almoço, logo é por lazer e de casa não altera nada." "Todo dia à noite (durante umas duas horas)." "Dia. Uma hora por dia." "Todos os dias da semana, umas 5 h/dia. Mais durante o dia." "Diariamente, mais à noite." "Todos os dias, cerca de uma a duas horas em média. Ambos (dia e noite)." "Todos os dias, várias horas por dia. Mais durante o dia." "2 vezes por semana, 10 horas cada. À noite." "Todos os dias, aproximadamente duas horas por dia. À noite." "Sem preferência de dia, diariamente se possível, mas pelo menos a cada 2 dias. Aproximadamente 1 hora por dia. De manhã ou de madrugada." "Diariamente, mais de uma hora por dia em média. Mais durante o dia - no trabalho estou conectado todo o tempo enquanto trabalho." "Mais à noite." Estas respostas são amostras também de como as pessoas dividem seus tempos de conexão cotidianos na Internet. Algumas respostas muito semelhantes umas as outras foram omitidas, mas de amostra já nos serve para ver que as escolhas e as possibilidades de conexão de cada usuário depende também de como cada um forma os seus hábitos e rituais. Mas deveremos ver que dentro de um perfil ideal de usuário da Internet esta divisão é equilibrada e possível de ser visualizada de uma maneira mais geral para podermos perceber suas características como pessoas que mantêm a Internet como parte de suas vidas, não apenas um utensílio instrumental, mas também uma parte integrante dos seus hábitos tanto funcionais quanto não funcionais (afetivo, lúdico, etc.). Ainda contribuindo com este tópico da familiaridade e também antecipando algo sobre a sociabilidade, perguntamos aos nossos pesquisados: "Você usa o ICQ ou similar?" e apresentamos o seguinte: 46 pessoas (47,9%) disseram que sim e 49 pessoas (51%) disseram que não. Em primeiro lugar devo lembrar novamente que as respostas a maioria destas questões têm um caráter temporário, pois muitas das questões e situações analisadas possuem uma característica de aprendizado e uso que muitas vezes demanda tempo. No caso do ICQ ou programa similar, isso é bastante visível. Ele é um programa/ferramenta de comunicação "on line" bastante popular, mas que só demonstra sua maior utilidade para aquelas pessoas que mantêm já um certo número de contatos através da Internet. Para usos funcionais (trabalho, escola, etc.) a ferramenta mais prática e utilizada ainda é o e-mail. Então, imaginemos que no momento em que as pessoas que disseram não usar o programa ele ainda não era do conhecimento da mesma pessoa e que logo após de respondido o


questionário ela procurou saber do que se tratava, se interessou e instalou em seu computador e passou a usá-lo regularmente... Na verdade uma pessoa respondeu que nunca tinha ouvido falar no ICQ até aquele momento... Esse dado seria impossível de ser quantificado. E mesmo que fizéssemos o mesmo questionário para as mesmas pessoas algum tempo depois, os dados ainda seriam momentâneos; inclusive as pessoas que dizem agora usar o programa talvez já não o tenham mais, desistiram de usá-lo por qualquer razão, etc. Então, utilizando os dados que temos, podemos notar que as pessoas com maior índice de atividades de sociabilidade no espaço da Internet são as que também usam o ICQ ou similar. Isto nos confirma que o grau de familiaridade com o espaço e o de intimidade das interações no mesmo tendem a se desenvolver de sub-espaço (programa/ferramenta) em sub-espaço, de acordo com o avanço da identificação entre usuários, isto é, a progressiva descoberta de afinidades, semelhanças. Imaginemos que o usuário ideal da Internet entrou num chat, teclou com alguém com quem teve afinidades; daí trocaram endereços eletrônicos e logo estão se enviando constantes e-mails; depois eles se colocam em suas listas de usuários de ICQ ou similar e sempre que ambos estão conectados, eles sabem que o outro também está e assim ficam em constante conexão; a seguir vem o telefone e quem sabe o face-a-face. É claro que esta é uma ilustração ideal, mas na verdade é o padrão mais convencional da construção da sociabilidade no espaço da Internet. Dentro desta nossa amostra inicial vemos que o uso do ICQ não faz parte (ainda) dos hábitos da maioria, mas a contagem está razoavelmente equilibrada. Se eu tivesse concentrado os envios de questionários para pessoas do meu convívio ou mesmo para os membros do grupo com o qual faço trabalho de campo, com certeza haveria uma grande maioria de usuários do programa, pois, novamente, sua utilidade está em razão direta com a atividade de sociabilidade do usuário da Internet. 1.5- Sobre as Interações: O usuário ideal da Internet inevitavelmente interage com outros usuários, mas, a depender das intenções e/ou motivações, estas interações podem ser mais funcionais ou mais afetivas. A sociabilidade no espaço da Internet se equilibra neste espectro (funcional – afetivo). Ao interagir conhece regras/convenções de convivência e tende a sempre aprender mais para poder manter as interações nos diferentes sub-espaços. Essas interações construídas no espaço da Internet têm as seguintes características: presença da escrita; escrita elaborada de Eus; atenção à leitura sobre os Eus elaborados; manutenção tolerante de jogo entre expressão e impressão dependente desta escrita


(interlocutores jogam através desta linguagem enquanto interagem); manutenção possivelmente efêmera da interação individual devido a multiplicidade e velocidade do espaço e do esgotamento de afinidades; espera-se a observação das regras de convivência específicas dos sub-espaços de interação. O nosso usuário ideal convive com isso, faz parte de seu cotidiano, mesmo que não totalmente consciente. Tendo como um complemento inesperado ao aspecto da sociabilidade presente nos hábitos do nosso usuário ideal, notamos que diante do cabeçalho "A sua Sociabilidade na Net", que apenas pretendia apresentar uma mudança de tópicos dentro do próprio questionário, muitos pesquisados colocaram comentários interessantes a respeito do que eles achavam ser a sociabilidade deles na Internet. Vejamos: "Maravilhosa..." "A maior possível." "Me comunico o máximo que posso com a galera (Galera ZAZ) tentando passar minha alma para as pessoas, pena que não há sinceridade da parte de todos." "Conheci pessoas legais, outras menos, como em qualquer lugar." "Não procuro pessoas, procuro informações. Assim não me exponho." "Já fiz muitas amizades, através de e-mails de amigos, termino por conhecer outras pessoas e passo a transmitir-lhes informações." "Sou sociável." "Ótima. Se entro num chat é para conhecer pessoas e levo a proposta a sério. Costumo ser gentil e receptiva, sem máscaras. Sou eu mesma, até no nick utilizado." Podemos ver que as noções sobre sociabilidade variam um pouco em cada pessoa na tentativa de expressar o que eles achavam da mesma de cada um, mas é possível captar a presença da noção de troca, que é o centro do conceito de sociabilidade que estamos utilizando aqui, em muitas das respostas apresentadas: trocar informações; lidar com os outros; dar e receber. Perguntamos "Você tem mais de um e-mail (endereço de correio eletrônico)? Quantos? Por que?" com a intenção de um descobrir um pouco como os usuários do espaço da Internet tendem a construir diferentes interações de acordo com os tipos de espaços e relações construídas no mesmo. Numericamente temos que 83 pessoas (86,4%) têm mais de um e-mail. Enquanto apenas 13 pessoas (13,5%) dizem ter apenas um e-mail. O que nos chama atenção é o fato de ser notoriamente uma coisa comum entre os usuários da Internet usar mais de um e-mail... Por que? Há uma questão técnica envolvida e que não pode ser ignorada: algumas vezes os servidores e provedores desses e-mails simplesmente não funcionam, o que pode ser um grande impecilho para aqueles que fazem uso freqüente desta forma de comunicação. Mas, além disso, que razões levam os usuários da Internet a terem, algumas vezes, mais de três (quatro, cinco) endereços eletrônicos?... Algumas das


respostas justificando essa prática nos dão uma amostra das razões possíveis para tal. Em seguida formularemos comentários sobre o assunto, levando em conta a questão da construção de muitos Eus nos espaços de interação da Internet. "Sim, tenho 3. Porque às vezes um falha, daí eu uso o outro." "Tenho dois e-mails. Um é de uso pessoal e o outro é o da empresa onde trabalho." "Tenho... para assuntos diferentes." "Quatro. Para manter contatos diferenciados e para ter alternativas quando algum está fora do ar." "Sim. Um geral para a casa e mais 02 privados, para conversas particulares." "Sim, dois. Um para trabalho e outro pessoal." "Sim, três: 1 para trabalho, 1 para amizades e outro para diversão." "Vários, cada um para uma ocasião diferente." "Tenho três, porque um é do trabalho e dois particulares (em especial o pessoal da Galera ZAZ)." "Sim... 6. Recebo grande numero de mensagens, o que acarreta sobrecarga das caixas de entrada... Também separo endereços eletrônicos por categoria pessoal e trabalho." "Tenho 06 e-mails, tirando 1 do trabalho, um exclusivo do grupo de bate-papo, os outros foram criados para diversificar e também porque precisava ter caixas de mensagens rápidas e que não tivesse limites de armazenamento." Como vimos as justificativas são variadas, mas giram em torno do mesmo tipo de situações: as técnicas (problemas de servidores e provedores; caixas cheias; ter opções de uso; armazenar arquivos, etc.); as funcionais (trabalho; para pesquisa; para assuntos referentes a trabalho ou escola); e as pessoais (e-mail para pessoal do bate-papo; mensagens pessoais; não misturar com as mensagens de trabalho, escola ou mesmo família; pessoas diferentes; pessoas mais próximas; diversão; amigos; públicos diferentes, etc.). A ênfase de nossa pesquisa está obviamente nas situações pessoais. Há de certo modo uma construção de Eus nas situações técnicas e funcionais, mas tende a ser menos elaborada no que concerne a características interacionais possíveis de serem apresentadas em uma mensagem escrita (ou de qualquer outra natureza), pois, se imaginamos uma mensagem profissional de qualquer área, podemos ver que há apenas uma polidez superficial e o uso dos jargões profissionais necessários, não devendo ir muito além disso, senão se tornando a interação de um tipo mais pessoal. E quanto as razões técnicas, não revelam nada de interação de qualquer natureza. Talvez o fato de com uma caixa cheia, as mensagens pessoais não sejam recebidas e respondidas, portanto causando um problema de interação; mas a solução técnica óbvia é ter outras contas, como dito pelos próprios usuários. Voltando às razões pessoais, vemos que as justificativas variam um pouco, mas podemos


concentrá-las em algumas situações mais específicas passíveis de análise na construção do tipo ideal de usuário da Internet. Em primeiro lugar podemos notar que muitos usuários possuem diferentes grupos de afinidades, o que proporciona uma multiplicidade de apresentações através de e-mails a depender da afinidade envolvida. Por exemplo: nada mais normal dentro do espaço de interação da Internet que haver em um grupo formado a partir da Internet (como no nosso caso estudado: o grupo Galera ZAZ) pessoas que, para uma melhor identificação com sua apresentação dentro do grupo, fazerem uma conta de e-mail (se já não houver) com o nome/nick (apelido) pelo qual é conhecido no grupo. Em segundo lugar, a clara separação em alguns casos entre lazer e trabalho: um e-mail para cada tipo de interação, as duas já fazendo parte do seu cotidiano, mas com interpretações e intenções diferentes. Por exemplo: uma pessoa dá um e-mail para alguém que acabou de conhecer; dá um segundo para um velho amigo que reencontrou; deixa um terceiro registrado no seu currículo de trabalho; se inscreve em um concurso com um quarto e ainda faz uma assinatura em algum site de diversões com um quinto. Quando ela abre cada conta para verificar se tem mensagens, ela vai carregar tipos de expectativas diferentes, responderá as mensagens de maneiras diferentes e talvez até finja ser outra pessoa. Daqui, em terceiro lugar, temos que as pessoas podem usufruir de grande facilidade em ignorar outras pessoas através do uso de vários e-mails: imaginemos no caso anterior ao se dar um e-mail para alguém que acabou de conhecer, mas não sentiu interesse em manter a interação futuramente, simplesmente pode-se dar um e-mail que não existe ou que não mais se utiliza ou simplesmente pode-se ignorar as mensagens quando e se as mesmas vierem. Enfim, no resumo das possibilidades de interação através de diversas contas de e-mails, temos que são modos diferentes de se apresentar/interagir com diferentes grupos ou pessoas, fazendo-nos recordar novamente de Goffman (1999), quando discorre sobre como os diferentes espaços ajudam a construir as diferentes formas de interação. Em cada e-mail há um Eu possível, que interage com vários outros Eus possíveis, formando assim espaços momentâneos de interação possíveis, que se constróem a medida que fluem as diversas interações. Sobre esses outros Eus possíveis, ao perguntarmos "Como qualifica as pessoas que freqüentam a Net? O que lhe dá essa impressão? (espaço livre)" começamos a ver a maneira como o nosso


usuário ideal enxerga o outro, as outras pessoas que freqüentam a Internet e nisso um pouco mais dele mesmo. As respostas: "Pessoas que buscam um pouco mais de informação do que a tradicional." "Percebo na maioria das pessoas uma carência afetiva enorme." "Curiosas." "São pessoas normais, que apenas têm mais um meio para se comunicarem." "Pessoas antenadas para o futuro." "Na minha opinião não há como qualificar as pessoas que estão na NET. Atualmente todos os tipos de pessoas estão na Net." "Solitárias e cansadas da loucura dos jogos de poder e conquista." "É um público diferenciado. Há desde jovens loucos para parecerem outras pessoas, adultos vivendo aventuras amorosas, crianças usando sites infantis ou não, senhores como meu avô que se divertem pelo mundo virtual, pesquisadores que mantêm contato com outros estudiosos..." "São pessoas abertas a qualquer tipo de novidades." "São carentes e não se prendem a uma mesma coisa (pessoa) por muito tempo... Pessoas que conheci que se mostraram muito carentes e que logo mudaram para outras pessoas..." "Tenho meus altos e baixos também e às vezes não tenho quem me faça companhia. Gostei de ver que as pessoas gostavam ou se interessavam por mim, pelo que eu escrevia, pelas minhas idéias, e não como eu aparentava, o que geralmente acontece. As pessoas na net são das mais variadas possíveis... não há uma classificação exata, mas pra mim, a palavra-chave que descreve a todos, seja qual for o nível ou espécie, é a CARÊNCIA. Carência de gente, de se expressar, de falar, de informação, de sentir sensações novas, de conhecer, de ajudar e ser ajudado, de ser escutado, enfim, existem vários tipos de carências." Pontuando as noções apresentadas temos que as pessoas da Net têm um certo nível de cotidiano e familiaridade com a informática e com tecnologia; o aprendizado e uso das mesmas já faz parte de um certo nível médio do dia-dia da maioria dos usuários, fazendo assim parte de sua vida cotidiana. Procuram estar informadas sobre os mais diversos assuntos; disso elas serem curiosas, atentas a novidades, criativas e terem algum nível de instrução e alguma condição econômica para assim ter acesso a este material (físico e simbólico). Possuem alguma carência afetiva ou sentem alguma solidão; disso procuram um preenchimento ou complementação afetiva através da Internet 69. As considerações de "normalidade" estão intimamente ligadas às semelhanças ou afinidades entre usuários: se há comunicação, isto é, se há troca de símbolos semelhantes (mediações bem sucedidas), este é um sinal de normalidade; há uma clara referência de normalidade em relação a si mesmo. Têm a noção de segurança e anonimato no espaço da Internet como algo que possibilita a livre expressão de si; disso a livre participação nas fantasia e simulacros da contemporaneidade (Ex.: sexo virtual, namoro virtual, realidade virtual, jogos interativos, fóruns de temas normalmente repudiados, invasões da intimidade alheia, invenção de características físicas e/ou psicológicas, etc.) 70. Têm uma certa consciência ou noção da

69 Na pesquisa de Eduardo Krauze Diehl, quando perguntado de como se viam as relações no espaço da Internet, 45,8% responderam que achavam Carentes e 40,1% achavam Solitárias. 70 Na pesquisa de Eduardo Krauze Diehl, quando perguntado de como se viam as relações na Internet, 57,8% dos


multiplicidade, amplitude e variedade dos conteúdos e das pessoas que fazem parte do espaço da Internet. E admitem a efemeridade como característica do modo como as pessoas lidam com as coisas (e pessoas) no espaço da Internet, mas julgam isso de maneira negativa.

Enfim, podemos notar que muito do modo como estes usuários da Internet vêem os outros usuários é também parte de suas próprias características no mesmo espaço. O modo como se expressão a respeito do outro (suas interpretações) mostra muito do que eles próprios parecem ignorar de si próprios por ser já corriqueiro. Suas reconstruções dos cotidianos dos outros no espaço da Internet é a expressão dos deles próprios. Ou, como diz Giordano: "O eu e o outro, fechados na própria subjetividade e corporeidade surgem prisioneiros nos limites insuperáveis do próprio espaço." (Giordano, in Peluso, org., 1998: 73) Ainda sobre esta noção de Outro, temos a questão do dito "anonimato" na Net, que atinge dois pólos: confiança e desconfiança, pois, se um desconfia, o outro parece desconfiar também, porém, como ambos se sentem seguros e protegidos pelo anonimato podem "se abrir" quase sem restrições e a "crença" fica toda a cargo do outro. Fica então sendo uma reciprocidade baseada na segurança do anonimato. Do nosso usuário ideal, eu diria que ele é consciente em parte desta dinâmica e participa dela fazendo julgamentos de caso a caso, de momento a momento, sobre como irá interagir com o outro: confiando ou desconfiando (o mais geral seria no primeiro momento a desconfiança, mas não é uma regra); forjando fantasias ou sendo "real"; mas tendo sua participação neste processo junto com as suas outras atividades: comunicação, informação, trabalho, diversão e sociabilidade. Ao ser perguntado "O que você revela e/ou esconde de si na Net? (livre)", o nosso usuário ideal diz: "Coisas mais pessoais não precisam ser reveladas." "Não escondo nada." "Não costumo mentir, mas não divulgo o endereço nem o telefone, ás vezes omito a cidade onde estou." "Revelo tudo, não vejo sentido em mentir." "O que eu estiver a fim." "Não falo de minha vida pessoal. Revelo meu lado sincero e verdadeiro, tento transmitir mensagens de amizade, paz, fraternidade e solidariedade." "As mesmas coisas que costumo revelar ou esconder nas relações não virtuais." "Revelo muitas coisas que não revelo a muitas pessoas próximas e escondo o que não se pode revelar por um computador (afeição, raiva, etc.)" "Tento revelar tudo, pois se rolar algo, nada será

entrevistados disseram achar as relações Fantasiosas. E quando se perguntou sobre “Falsidade”, 32,4% admitiu gostar de poder ser quem quisesse e 36% disse ser mais divertido não dizer a verdade.


descoberto de surpresa... talvez até, apenas, coisas melhores do que eu imaginava..." "Não escondo nada... inclusive falo sempre no aberto e as pessoas pedem para eu falar no reservado. Só faço isso se o assunto for pessoal da outra pessoa..." "Revelo tudo que realmente sinto, talvez isso seja um erro, mas sinceridade é um ato que admiro nas pessoas." "Não costumo esconder informações ao meu respeito... mas tomo o cuidado de não dar informações pessoais tipo residência... telefone residencial... não sabemos quem está do outro lado..." "Nunca minto..." Onde, pelo que vemos, parecem haver dois extremos: "contar tudo" ou "omitir-se", no entanto, há também um equilíbrio baseado na gradação de escolhas. A mediação principal é: revelar informações pessoais e esconder informações pessoais (confiança e intimidade versus desconfiança e proteção) na medida da sociabilidade que vai se desenvolvendo em cada interação. As trocas são cumulativas e também comparadas, daí as escolhas; porém, estas trocas também podem ser efêmeras e ocasionais, o que não desfaz o critério de escolhas dos usuários, critérios que podem ser justamente momentâneos ou fixos. Enfim, o nosso usuário ideal participa deste mundo de possibilidades, conhece e faz suas escolhas contextualmente. Sentir o outro mais próximo ou mais distante faz parte da construção de sociabilidade no espaço da Internet num estágio mais ou menos avançado. Numericamente temos que 51 pessoas (53,1%) disseram sentir o outro mais próximo na Internet; alguns destes usuários mencionaram a diferença de sentir mais próximo pessoas que fisicamente estão mais distantes (em outro país, estado ou cidade); mas, de qualquer maneira as suas interpretações de proximidade estavam além dos estágios face-a-face de proximidade. 13 pessoas (13,5%) disseram sentir as pessoas mais distantes; o comentário geral aqui foi a respeito da já mencionada proteção e anonimato; algumas pessoas não se expõem, logo são interpretadas como mais distantes pelos seus interlocutores. E 32 pessoas (33,3%) não responderam a questão. Notadamente, as pessoas que não responderam a essa questão foram as mesmas que vinham afirmando não ter uma sociabilidade muito forte no espaço da Internet. Enfim, a Internet é um espaço potencial de aproximação entre pessoas, mesmo que sejam Eus e Outros pré-elaborados, idealizados ou não, reforçando o nosso ponto de vista de que a Internet é um espaço potencial de aproximação entre pessoas, a partir de suas próprias interpretações, de suas intenções e motivações. Em seguida perguntamos: "Você costuma fazer amizades (ou relações mais próximas) com pessoas que conhece na Net?", que complementa este questionamento, já que poderemos ver o


grau de procura pela proximidade vista anteriormente. 53 pessoas (55,2%) disseram que costumam fazer amizades através da Internet. 38 pessoas (39,6%) disseram que não fazem ou ainda não o fizeram. E 5 pessoas (5,2%) não responderam a questão. O que novamente podemos notar é a confirmação da hipótese levantada anteriormente de que a Internet é, para os usuários, um espaço de diversas interações em potencial. Mais da metade dos entrevistados já construíram interações de cunho afetivo e quase uma outra metade está presente num ambiente de potencial interação, seja afetiva por motivação ou mesmo uma interação estritamente funcional que pode se tornar afetiva também. Depois perguntamos: "Quantas pessoas já conheceu na Net? (não precisa ser exato)", que nos dá uma noção da variedade de amplitudes alcançadas até aquele momento pelas pessoas que afirmaram interagir afetivamente através da Internet. Em alguns casos as diferenças de quantidades são diretamente proporcionais com o tempo que a pessoa vem acessando a Internet. Algumas quantidades: "Umas 3 ou 4." "Não menos que umas 50. Agora, desse total, amigos, são poucos." "Um número muito alto... talvez mil ou mais." "Superficialmente, centenas. Pra valer, umas cinco." "Várias, não sei quantas." "Várias, umas sete ou oito." "Aproximadamente 10." "Entre 30 e 50 pessoas." "Muitas, mais de 1000." "Umas 60, mas tive um segundo contato pouquíssimas vezes (umas 5 vezes)." "Umas setenta." "...mais de 35." "Mais de 40, só que continuo mantendo contato com umas 5 ou 6." "Pessoalmente, umas trinta." Podemos notar que as quantidades são bastante extremas (5 a mais de 1000), porém podemos ver também que há diferenciação entre conhecer pessoas e fazer amizades. O fato da ampla potencialidade de interações afetivas é um fator predominante no fato da sociabilidade do nosso usuário ideal ser tão fluida e variável. As questões de confiança e desconfiança voltam a aparecer aqui e também da possibilidade do anonimato, da proteção e da fantasia, que inevitavelmente restringem e limitam a aproximação simbólica/afetiva entre usuários, a não ser mediante uma contínua busca por pessoas de maiores afinidades, com quem se possa partilhar mais coisas e daí adquirir confiança e assim uma maior proximidade simbólica, afetiva e até face-a-face (maior intimidade). 31 pessoas (32,3%) disseram que preferem relações com pessoas que estejam mais próximas. 13 pessoas (13,5%) disseram que preferem relações com pessoas estejam mais distantes. E 42 pessoas (43,7%) disseram que não faz diferença estarem mais longe ou mais perto "fisicamente". Vemos que a grande maioria não dá uma importância restritiva à distância em que se


encontra a pessoa com quem interage. Isso nos informa que as interações tendem a ter um caráter realmente efêmero. Não que as pessoas que se interagem afetivamente no espaço da Internet são prioritariamente efêmeras com relação às interações que constróem, mas este dado pode ser interpretado como uma faceta multi-complementar do espaço de interação da Internet, já reconhecida pelos usuários, e que leva à formação de múltiplas interações que se complementam simbolicamente dentro de cada usuário. Em todos, acredito, há sempre a possibilidade de uma busca mais próxima com intenções menos efêmeras, mas a correspondência desta intenção nem sempre é recíproca e por isso o uso da multiplicidade de interações e por isso a não restrição da maioria em relação a uma localização (mais próxima ou mais distante) do interlocutor. A intimidade pode tanto estar na casa vizinha quanto num país muito distante. É o jogo de trocas e afinidades que determinará essa interpretação. Essas questões relativas a proximidade e distância; confiança e desconfiança; e efemeridade e intimidade nos levam a perguntar:

"Você já ignorou (ou costuma ignorar) pessoas que

conheceu na Net? Por que? É mais fácil fazer isso na Net? Por que? (espaço livre)", onde vemos uma das características das interações no espaço da Internet que mais as diferenciam das interações face-a-face e como os usuários lidam com esta diferença. Os números: 49 pessoas (51,1%) disseram já ter ignorado outras na Internet; e 45 pessoas (46,8%) disseram que não, nunca ignoram ninguém (ainda). São dados equilibrados, mas como sempre, momentâneos e apenas representativos de uma amostra de usuários da Internet; mesmo se fossem mais pessoas questionadas estas contingências permaneceriam. Vejamos os comentários dos pesquisados sobre este aspecto bastante particular da sociabilidade na Internet: "Já! Pessoas inconvenientes." "Sim. Acho igual a ignorar pessoas no real." "Sim. Tem pessoas que são chatas e que não vale a pena manter contatos porque ás vezes querem manter uma conversa que não me agrada como por exemplo fazer sexo virtual e conversas íntimas." "Uma vez ignorei, porque menti sobre meu físico, chegamos a conversar por telefone, e a coisa foi ficando cada vez mais profunda, e por vergonha de haver mentido tive que cortar a relação." "Nunca ignorei, mas esta muito claro que é muito mais fácil ignorar uma pessoa na Net." "Não o fiz. Mas é muito fácil ignorar as pessoas na Internet pois cortando o meio de comunicação, se corta o contato." "Às vezes, por questões de não haver empatia." "Sim, porque a gente enjoa fácil das pessoas hoje, pois elas também dão atenção a um monte de gente ao mesmo tempo... Sim, é mais fácil... porque você não convive com a pessoa direto." "Sim. Se a pessoa não consegue manter um nível de conversa legal, ou há uma má


comunicação, tentou me ofender de alguma maneira, a gente não se entende... eu ignoro. Claro... eu dificilmente ignoraria alguém pessoalmente pelos tolos motivos que costumo fazer na Net, pois não gosto de machucar, ofender, fora que estamos cara a cara... na Net pode-se mentir, dizer que teve problemas na conexão e não haverá mágoas." Vê-se o espaço da Internet como protegido, seguro, que possibilita o anonimato, a invisibilidade, a distância e a variedade de escolhas, assim, descartar uma interação se torna mais fácil e uma prática possível bastante comum, mesmo que aparentemente não reconhecida em alguns momentos pelos próprios usuários. As razões para este ignorar são variadas e de caráter pessoal, enumerá-las seria de certo modo inútil. Todos estão expostos aos mesmos riscos de ignorar e de ser ignorado pelas mais diversas razões. Reforçamos ainda mais este aspecto do contexto da sociabilidade no espaço da Internet com as respostas dos pesquisados a outra questão, que pergunta "E você já foi ou se sentiu ignorado? Qual foi a sensação? (livre)", onde 29 pessoas (30,2%) disseram já terem sido ignoradas. Enquanto 54 pessoas (56,2%) disseram que nunca foram (ainda) ignoradas. Vejamos alguns dos comentários: "Olha, nunca percebi isso não. Se aconteceu, não deu para perceber." "Sim, porém achei que naquele momento a outra pessoa estava ocupada. Não me incomodei, pois tenho outros amigos." - (a multiplicidade e a efemeridade influenciam nas reações a respeito; além disso "estar ocupado" é uma das desculpas mais utilizadas para ignorar outro usuário num momento inconveniente) "Sim. Uma vez troquei fotos com uma criatura do Paraná, e quando recebeu as minhas, não me respondeu mais os e-mails, me senti frustrado." "Sim, já fui ignorada, é horrível." "Por vezes se entra em salas de bate-papo e os grupinhos já estão formados. Geralmente, um ou outro fala com você. No caso de insatisfação, saí para outra sala ou desliguei o micro sem crises existenciais." - (ação familiar ao cotidiano dos usuários) "Já sim. Esqueci e parti pra outra..." (familiaridade e efemeridade) "Já fui ignorado. Bem, quem gosta de ser ignorado?" Baseado nos dados, acredito que nosso usuário ideal está exposto à possibilidade de ser ignorado, sempre, mas que sua reação deverá sofrer um tipo de classificação não muito consciente do nível de importância da mesma; o que novamente penetra no aspecto pessoal da noção do processo de ser ignorado. No entanto, devido a característica da multiplicidade, somada a da efemeridade, também possíveis e fortes nas interações no espaço da Internet, sua reação inicial deverá ser de indiferença, mesmo que superficial, pois poderá sempre "partir para outra...", como disse um dos usuários entrevistados.


1.6- Sobre a passagem da Net para o face-a-face: Ao fazer a passagem de espaços de interação (Internet para face-a-face), encontram-se diferentes rituais e regras de interação. A manutenção da interação irá depender mais ainda do desenvolvimento do partilhamento das afinidades (funcionais ou afetivas). O jogo expressão/impressão agora é direto e há possibilidade das elaborações escritas (do espaço da Internet) entrarem em conflito com as atuais (face-a-face), na mesma medida em que se complementam. É a importância da interação com o outro sem a mediação escrita e eletrônica, é o olho no olho que pode revelar mais do que se quer 71. A sociabilidade, então, terá um caráter de espaços complementares (Internet e face-a-face) de interação, caso a mesma continue (as afinidades se mantiverem). As múltiplas possibilidades de ocorrência desse processo também é característico das interações iniciadas a partir do espaço da Internet e o nosso usuário ideal da Internet também convive com isso.

Perguntamos "As amizades feitas na Net passam ou já passaram para o chamado Mundo Real? Quantas já passaram? O que pensa sobre isso, sobre esse tipo de relações? (sinta-se livre para falar o que quiser)", e aqui estão algumas das respostas dos usuários: "Levei alguns anos me relacionando apenas com pessoas cujo primeiro contado foi virtual." "Cinco. Acho interessante, mas da mesma forma que acharia as que fizesse no mundo "real"." "Não, nunca passaram porque eu não quis e também por falta de oportunidade. Acho normal se vier a acontecer um encontro. Tenho um encontro para Janeiro/2000 com um grupo de bate-papo."- (em contato posterior fiquei sabendo que a pessoa conheceu, festejou e criou novas afinidades e interações na nova situação; foi uma situação passageira, pois eram pessoas de lugares diferentes; tirou fotos, guardou lembranças e alguns poucos teve oportunidade de ver de novo, seguindo o seguinte modelo: semelhanças, identificações, daí afinidades e possível identidade, quando comparada à diferença de outros do mesmo grupo, mesmo sendo semelhantes; neste caso tem haver com proximidade também, pois estar mais perto geograficamente passa a ser uma afinidade partilhada...) "Sim. Cinco. Tão boas e duradouras quanto às "reais"." "Sim, umas cinco. São amigos como quaisquer outros. Pessoas que gosto e com quem eu saio." "Poucas, normalmente existe uma forte conexão sexual, que mais facilmente se desacredita quando se conhece a pessoa que estava do outro lado." "Várias já passaram, é sempre bom." "Nunca, mas tenho uma amiga próxima que está namorando um cara que conheceu num chat. Achei legal porque ela é uma pessoa relativamente tímida e ele também. Se não tivessem tido esse primeiro contato no chat acho que não teriam nem 71 “O olhar do outro dá-me a existência, fazendo com que eu sinta a ação daquele que me olha. Ao ser visto percebo que existo, e ao olhar, reconheço através do outro a minha presença.” (in: Martins, 1999: 73)


começado a namorar." "Sim, umas 5. Acho que são como qualquer outra, só que em maior quantidade e mais rápidas..." "Não me sinto legal conversando pela Net. Acho que tudo é muito falso." "Sim. Amizade de verdade, de sair e de participar da vida um do outro, poucas. Mesmo porque a gente se identifica pela Net (semelhanças, partilhamento de afinidades), mas pessoalmente não é nada daquilo (auto elaboração de Eus, que não são sustentadas pelo novo espaço de interação). Tenho um ex-namorado com quem me relaciono até hoje; foi a primeira pessoa que conheci na Net. Outros, converso por telefone, mas não costumo sair ou conviver muito mesmo. Acho legal quando as pessoas se identificam e conseguem concretizar uma amizade. Mas não tem sido muito fácil pra mim concretizar uma." "Sim, mas com algumas restrições... o elo que se forma é muito tênue, qualquer coisa ele se desfaz e a amizade simplesmente evapora. Foi com umas quatro pessoas... eu encaro como algo natural... a Net ainda é novidade, as pessoas estão se acostumando, com o tempo vão levar mais a sério as coisa." "Já sim, e foram quase todas. Acho uma ótima maneira de se fazer novos amigos desde que haja sinceridade e respeito." Podemos ver que há uma visão geral positiva a respeito das relações que começam na Internet e passam para o face-a-face. Uma positividade ligada ao preenchimento afetivo, lúdico e também o utilitário. No entanto, os usuários reconhecem certas contingências inerentes à origem (uma origem baseada em afinidades/semelhanças) das relações no espaço da Internet, tais como a desconfiança em relação ao outro; as possibilidades de intenções discordantes a respeito da relação; a presença subliminar do sexo nas relações; a intimidade efêmera; as distâncias geográficas; etc. Na questão seguinte, "Qual o caminho (os passos) para maior intimidade na Net para você? (livre)", continuamos a desenvolver os processos de passagem entre espaços de interação. As respostas: "Uma maior proximidade geográfica talvez." "Começar com um bate-papo e depois ir para o ICQ ou manter correspondência por e-mail." "Na minha opinião não existe intimidade na Net, pois intimidade mesmo é quando já se conhece e se convive com a pessoa." "Os chats, ICQ..." "Com o tempo de contato eletrônico as afinidades vêm à tona e a intimidade chega naturalmente. Mais ou menos como no mundo real." "Telefone." "Sinceridade." "Não existe nenhum "roteiro" para a intimidade na Net." "Fórum, chat ou site de encontros, e-mail, talvez ICQ, telefonema e finalmente ao vivo..." "Conversar, telefonar, ver foto, marcar encontros... não sei se é isso que quer saber!" "Tratar a Internet como algo normal... e acima de tudo respeitar as pessoas." "E depois que sair da sala de bate-papo continuar sempre escrevendo e se for do seu agrado passar seu fone e


depois marcar um encontro..." "Sinceridade, atenção e amizade." "Tentar ser natural como se a "coisa" estivesse acontecendo no "mundo real"." Podemos analisar dois pontos de vista que terminam por se cruzar sobre este aspecto da intimidade construída no espaço da Internet. De um lado temos a progressão técnica ou instrumental, com o uso de ferramentas de comunicação (chat, e-mail, ICQ, telefone, etc.) que levam a interação a níveis cumulativos cada vez mais pessoais. E de outro lado temos que o processo de construção de intimidade depende do material simbólico que é trocado pelos usuários (as interpretações pessoais dadas a esses materiais de troca), isto é, os níveis de intimidade dependem do jogo entre honestidade e confiança entre interlocutores. No cruzamento destes dois pontos de vista temos que, com uma fluência maior de ferramentas que permitem maior expressividade entre os interlocutores das interações, as impressões se tornam também mais fortes, o que não permitiria o uso de um tipo de má fé bastante peculiar ao espaço da Internet: a auto elaboração de Eus exageradamente idealizados. O nosso usuário ideal está presente neste contexto com as possibilidades de usos de ferramentas de mediação que progressivamente trazem uma maior intimidade às interações ao mesmo tempo que depende, para uma bem sucedida construção de intimidade, de trocas simbólicas honestas. De qualquer maneira a desconfiança ainda parece permear a noção de intimidade dos usuários entrevistados, mesmo quando um caminho instrumental é apresentado. Perguntamos: "Onde costuma encontrar (no Mundo Real) as pessoas que conheceu na Net?", cuja intenção é fazer-se revelar os aspectos rituais e significativos desta possível passagem entre espaços de interação diferentes, mas complementares. Algumas respostas: "Em festas, em aniversários, em barzinhos." "Bares, praia, na minha casa." "Locais públicos, como bares e Shoppings." "Geralmente locais públicos: bares, lanchonetes, etc." "Em todo canto que ando." "Em bares, cafés, cinemas, etc." Podemos ver uma grande maioria de usuários optando por lugares de natureza lúdica: shoppings, bares e praias são os principais. No caso de shoppings e bares de uma maneira mais generalizada já que são locais de concentração lúdica bastante populares e acessíveis da contemporaneidade urbana média. A praia parece ser um espaço mais sazonal e territorial, no caso de Salvador (uma cidade litorânea), um espaço de lazer também bastante popular e de baixo custo. Logo, os aspectos principais para a escolha de locais para encontros face-a-face dos nossos usuários da Internet que praticam a sociabilidade na mesma são o lazer e o baixo custo. Um outro aspecto está implícito


nesta questão, algo que não foi diretamente abordado nesta questão, mas que está presente no discurso sobre a interação a partir da Internet, que está relacionado com a questão da desconfiança, da segurança e da proteção; quase todos os locais expressos pelos entrevistados se constituem como espaços abertos ao público, isto é, a grandes quantidades de pessoas, o que deixaria qualquer usuário seguro diante do fato de estar conhecendo alguém pela primeira vez face-a-face. No entanto, os níveis de intimidade e de desconfiança são constantemente balanceados por diversos fatores durante as interações e suas continuações e acumulamentos simbólicos, portanto, em muitos casos também já existe a aproximação suficiente para se encontrar o outro em locais menos abertos ao público: casa, trabalho, escola, especialmente casa, pois, como vimos, muitas pessoas disseram não revelar seus endereços residenciais. A seguir foi perguntado: "Essas relações foram (ou são) mais duradouras ou mais frágeis? Dê sua opinião." 24 pessoas (25%) disseram achar as relações iniciadas a partir da Internet mais duradouras; 20 pessoas (20,8%) disseram achar essas relações mais frágeis; e 52 pessoas (54,2%) simplesmente não souberam como responder à pergunta. Um comentário que muito ilustra a posição de parte dessa grande maioria que não soube responder a essa questão reproduzo aqui: "A Net nada tem haver com o status da relação, se passou para o mundo real é como outra qualquer, depende das pessoas envolvidas..." Podemos considerar os outros dois blocos de respostas como representantes de posições pessoais sobre uma situação sempre possível, isto é, pessoas que têm ou já tiveram experiências de relações duradouras iniciadas a partir do espaço da Internet e pessoas que ainda não tiveram esta oportunidade ou que tiveram a experiência de passar por relações que foram rápidas e fugazes. A nossa generalização final é que as relações iniciadas a partir do espaço da Internet tanto podem ser mais duradouras quanto mais frágeis que outras. Na questão final foi perguntado se "Você participa ou já participou de algum grupo formado a partir da Net? Quais? Como foi ou é? (sinta-se livre para escrever)", que nos acrescenta um pouco mais sobre o nível de envolvimento e integração desses usuários da Internet com o tipo de sociabilidade possivelmente desenvolvida na mesma. 33 pessoas (34,4%) disseram participar ou já ter participado de algum grupo formado a partir da Internet; e 47 pessoas (48,9%) disseram (ainda) nunca ter participado do mesmo tipo de grupo. Estes dados são obviamente afetados pela presença de alguns membros do grupo Galera ZAZ pesquisado dentro da amostra, mas, de qualquer modo, considerando os pesquisados de fora do grupo que também fizeram parte da amostra e que também


disseram fazer ou já ter feito parte de grupo de origem semelhante, podemos afirmar que os níveis de integração coletivos dos usuários da Internet têm um grande potencial de crescer e se realizar. A presença de fatores circunstanciais (trabalho, pesquisa, moda ou qualquer que seja a afinidade) e a tendência a efemeridade estão também presentes na formação destes possíveis grupos, mas, o fato relevante aqui na construção deste perfil de usuário ideal e do contexto onde ele se desenvolve é que há a possibilidade do agrupamento, existem grupos, as pessoas participam deles das mais diversas formas e apresentam impressões sobre esta participação. Vejamos algumas: "Já sim. O Ninja. É muito legal. Formamos um grupo legal mesmo. Saímos sempre. Passamos dois reveillons juntos. As pessoas aparentemente se gostam muito." - (a afinidade deste grupo é claramente afetiva, até onde pode ser visto) "Já! Evoluímos até formarmos um bloco de Carnaval." (aqui pode se considerar um grupo de afinidades afetivas e lúdicas que se transformaram em profissionais e funcionais-utilitárias também) "Sim. Fóruns de debates." - (afinidades temáticas...) "Sim. Não me lembro, já faz tempo." - (podemos considerar aqui o fator efemeridade agindo no conjunto de atividades do indivíduo, como também a temporalidade de alguns dos rituais contemporâneos...) "Formamos uma galerinha advinda dessa sala de chat. Saímos juntos algumas vezes, mas as amizades que perduraram acabam mantendo contato mais isoladamente, sem encontros em grupos." - (aqui podemos ver um movimento de identificação e afinidades se tornando mais íntimo e provavelmente ligado a afinidades mais concentradas, gerando diferenças com o resto do grupo, daí identidades... subgrupos, pares, etc.) "Participo de grupos de estudo de alfabetização." - (aqui temos uma afinidade mais funcional-utilitária, mas que tem também um sentido de engajamento, que pode também ser considerado como afetivo) "Sim... participo do grupo que anda lá no Shopping Iguatemi... (antes eu ia com grande freqüência, mas agora não sou mais desocupada... (risos)... então vou normalmente aos sábados...)" - (grupo Galera ZAZ. Esta entrevistada admite ter mantido o vínculo afetivo com as atualizações do grupo, mesmo depois de ter menos tempo para "lazer", podemos imaginar disso o nível de importância dado ao grupo dentro do cotidiano desta usuária... pelo menos no momento.) "Nunca participei de nenhum encontro, mas já fui convidada." - (esta pesquisada diz ainda não ter participado das atualizações face-a-face do grupo Galera ZAZ, mas está presente nas atualizações no chat... pelo menos por enquanto.) "Só participo dos encontros, o que não costuma ser com muita freqüência por causa da minha vida, que não permite." - (manutenção do vínculo afetivo coletivo como parte do cotidiano, mesmo que "a vida" não permita: não é algo estritamente necessário, é apenas "vontade"... pelo menos por


enquanto.) "Participo de um grupo maravilhoso." Vemos, então, como as impressões sobre os grupos formadas a partir da Internet atingem várias direções diferentes: para o trabalho, para a pesquisa, para discutir algum assunto puramente lúdico, para conhecer pessoas, para fazer novos amigos... E as interpretações de todas essas interações possíveis recaem justamente sobre o modo como cada usuário lida com o espaço da Internet; um espaço cheio de possibilidades e de escolhas; amplo e cheio de contingências tanto técnicas quanto pessoais e enfim um espaço para a construção de uma sociabilidade particular, descentralizada, efêmera nuclearmente, mas constantemente renovada e afinal feita de e por pessoas. 1.7- Sobre as considerações finais gerais: O nosso usuário ideal conhece alguém no Chat, troca e-mail, se encontra face-a-face, não dá certo, passa só a trocar e-mails (geralmente coletivos); conhece alguém num Fórum, passam a interagir pelo ICQ e trocam e-mails, falam por telefone, se encontram, ficam amigos e continuam a se atualizar nos vários espaços de interação; conhece alguém no Chat, teclam no reservado do Chat e no ICQ, trocam e-mails e se falam por telefone por horas, encontra face-a-face e se apaixona, tem um namoro, namoro termina e não se falam mais por nenhuma espaço de interação; essa última conhece a primeira num Fórum sobre Amizades da Net que não dão certo, trocam e-mails, marcam de se encontrar, se apaixonam lentamente através do convívio face-a-face e se casam... e por aí vai. E este usuário ideal são pessoas que deixaram suas impressões finais a seguir ("Se quiser fazer um comentário final, sinta-se a vontade...") e cujas interpretações só nos fazem perceber ainda mais o quanto existe de possível no espaço da Internet diante da abertura para a interação e para os usos do mesmo: "Desculpe não poder escrever mais. Se deixasse para depois, poderia esquecer." - (espaço múltiplo que pode levar ao esquecimento, a escolhas, a efemeridade...) "Fiquei com um pouco de preguiça de responder às perguntas... talvez por estar com uma certa pressa... qualquer coisa volte a me perguntar, OK?" - (contexto contemporâneo de múltiplas atividades e escolhas; pressa e velocidade... Mas interesse por muitas informações e muitas atividades...) "Como conseguiu o meu e-mail? Te desejo sucesso no seu mestrado, espero ter podido ajudar em algo." - (preocupação com privacidade, proteção, desconfiança... mas interesse pelas muitas atividades que aparecem) "Não


acredito que a Net deva ser vista como algo estranho nas relações humanas. É apenas mais um meio de nos relacionarmos com alguém." "Talvez não tenha ajudado. Porém, por coerência pessoal, insisto: uso a rede apenas e tão somente para obter informações e dados. Eventualmente faço compras e só." "Espero que consiga opiniões verdadeiras e satisfatórias e faça um bom trabalho." (preocupação com honestidade de outros usuários; uma preocupação sintomática – referente a algo que ocorre regularmente: a mentira) "Sinto, mas o meu uso da Net é (e acho que será) pré-histórico em relação às possibilidades que ela oferece. Mas na minha vida não há tempo para me relacionar com quem não conheço. As pessoas que conheço eu já não dou conta... É isso aí." - (consciência da multiplicidade de possibilidades e expressão da escolha pelo uso mais restrito da Internet) "Boa sorte, achei interessante sua idéia. E o que mais me fascina na Net é a possibilidade de você se comunicar com pessoas do outro lado, seja do mundo ou simplesmente da linha." "Gostaria de receber os resultados dessa pesquisa, pois estou desenvolvendo um projeto relacionado as representações sociais da Internet junto aos adolescentes. O projeto ainda esta sendo resenhado, mas a temática parecida poderia até mesmo validar o meu projeto junto a uma agência de fomento. Envie-me dados, se puder." - (interesse pessoal e profissional por informações e desenvolvimento aberto a novas afinidades, no caso funcionais...) "Que questionário longo!" - (diante da multiplicidade de escolhas, muitos usuários não se dispuseram a responder ao questionário, completamente ou parcialmente; este entrevistado expressa um pouco deste aspecto de como os usuários lidam com as atividades possíveis na Internet: mais ágeis, mais velozes e em maior quantidade.) "Eu percebi que fico mais calada e espero que venham falar comigo. Fico observando o comportamento das pessoas e não gosto de me expor. Não tento ser tão social quanto sou na Net. Na Net posso falar besteira e brigar e ser o que quiser, mas no real tenho minha imagem a zelar e um nome. Não gosto de "aparecer", e fiquei conhecida dessa forma. Me elogiam por ser uma pessoa bem comportada, "na minha" (o que sou bem diferente na Net, apesar de também zelar por meu nick e não usar palavrões e dizer coisas medíocres). Sou muito comunicativa, mas primeiro tento entender o meio que estou... se não me adapto, se o papo não é do meu interesse, fico só escutando, aliás, nem sei dar palpite... mas evito freqüentar, já que não me sinto atraída... no real as pessoas passam a só falar de Net, de informática, e não se conhecem realmente... pelo fato de serem muitas pessoas juntas, não se conhece realmente cada uma." - (aspectos abordados pela entrevistada: desconfiança, fantasia e expressividade, proteção, preocupação com a coerência de Eus diante dos diferentes espaços de interação, efemeridade e afinidades) "Estou pronta para receber pessoas novas da melhor forma possível, afinal é um espaço livre onde qualquer um pode ter acesso. Tento passar


o melhor de mim quando teclo. E queria que todos fossem sinceros para com os próximo." (aspectos abordados pela entrevistada: novidade, renovação de interações, desconfiança, auto-elaboração de Eu positiva em relação às noções do senso comum sobre a Internet: mentira, fantasia, etc.) "Acho que nesse mundo da Net você tem que aprender a lhe dar com as pessoas... e também creio que a Net veio para trazer não só diversão mas também veio para auxiliar-nos em nossa vida cotidiana... e tenho certeza que a Internet foi o primeiro passo para o futuro..." "Faltou o item relacionamento amoroso. Ufa, quero ver o resultado, esse assunto me fascina. Tenha sucesso em seu trabalho, se precisar pode contar comigo." - (preocupação com a possibilidade do preenchimento afetivo e mais íntimo... – essa entrevistada faz parte do grupo Galera ZAZ pesquisado e ela já me informou que já teve três namoros iniciados a partir da Internet e o último ainda permanece – e interesse por informações e atividades variadas...) A despeito de tudo que é dito sobre a Internet (informação, velocidade, etc.), o que parece importar para os usuários é o uso criativo particular de cada um (profissional, lúdico, etc.), mesmo estando dentro de uma rede infinita e impessoal (instituições, mercado, etc.) de aprendizados e influências sobre o que deve e o que não deve ser feito com o espaço da Internet.

2. O grupo Net Galera ZAZ e Face-a-face.

2.1- Alguns esclarecimentos anteriores. Os membros do grupo Galera ZAZ estão no chat do provedor Terra, sala Salvador (nº1) diariamente (principalmente de segunda a sexta-feira) em três horários diferentes: às 12 horas (meio-dia); às 18 horas e após a meia-noite. Estes horários não foram estipulados ao acaso, eles surgiram a partir do uso contínuo dos membros do grupo nos seus horários disponíveis, isto é, quando o grupo começou a ter uma identificação mais regular entre seus primeiros membros começou-se a notar a conexão de parte deles (pré-subgrupos) nos horários citados, pois eles representavam os horários de intervalo de almoço (12:00 e 14:00, geralmente); os horários de fim de expediente (18:00 – 19:00, geralmente) e os horários mais livres e mais baratos (dos serviços telefônicos) para muitos dos membros do grupo em formação. Aparentemente esses horários também valem para o fluxo maior de usuários em geral das salas de chat. São horários de tempo relativamente mais livre das atividades funcionais dos


usuários e que pela mesma razão tem um alto fluxo de possíveis interlocutores. Logo, após esse estabelecimento de horários, outros usuários foram surgindo por acaso ou por indicação na sala; assim passou a ser uma convenção, se alguém deseja “encontrar” algum membro do grupo Galera ZAZ no chat há maior possibilidade disso acontecer num dos horários estabelecidos; o que não impede que todos sejam também possíveis usuários tanto em outros horários quanto em outras salas, somente que não da maneira convergente como visto acima. Os períodos de permanência convergente dos membros pode ser variado, mas as concentrações maiores são: no chat de meio-dia, 1 hora e meia a duas horas; no das 18 horas, 1 a 2 horas; e no de depois da meia-noite, entre 3 e 5 horas. Esses números não são obviamente fixos, apenas dão uma amostra do espectro total geralmente possível de ser alcançado para permanência de muitos membros do grupo no chat. Veremos que existem muitas variações. Antes de começar a descrição da observação-participante no chat devo fazer um comentário sobre o fim-de-semana. Em teoria, no grupo, os horários de acesso e convergência se mantêm para o fim-de-semana, no entanto uma grande quantidade de membros (e de usuários em geral) não têm acesso à Internet nos finais de semana (ou acessam no trabalho ou escola/faculdade); os que têm acesso nesses dias, muitas vezes dispensam o acesso em prol de outras atividades (lazeres familiares, etc.), ou aproveitam o acesso para outras atividades na Net, já que o mesmo também é mais barato durante o fim-de-semana; aqueles que terminam procurando a identificação do grupo no chat encontram uma concentração mínima, muitas vezes insatisfatória, logo o funcionamento do sistema de convergência de membros no chat é prejudicado durante os finais de semana, ou melhor enfraquecido, ou pelo menos tende a ser. Há casos em que o oposto ocorre por ocasião de eventos bastante específicos na vida interacional do grupo, como veremos. Mas, na segunda-feira, as convergências voltam a se afirmar e a se renovar, sendo reforçadas (complementadas) mais ainda pelas reuniões face-a-face, como veremos depois.

2.2- No chat, onde tudo começa. 2.2.1- Código de sociabilidade A primeira vez que entrei no chat foi em 21/03/2000. Mesmo antes disso vinha fazendo uma espécie de vigília dos chats com membros do grupo para poder coletar os nomes/nicks presentes e destes destacar os mais freqüentes, os quais


também deveriam ser membros mais ou menos assíduos do grupo. Coletei de 60 a 70 nicks em uma semana de observação 72. Ao final dessa semana apenas de observação dos nicks, selecionei 12 nomes mais freqüentes que provavelmente seriam membros do grupo (membros mais sólidos pelo menos, no momento). Confirmei que dessas 12 pessoas, apenas 5 eram realmente membros assíduos do grupo. Dessa seleção de nicks freqüentes para primeiro contato podemos antecipar algo sobre a amplitudee a fluidezde pessoas dentro do espaço de interação do chat: em 1 hora de chat por dia, numa sala com limite de 40 usuários, circularam cerca de 70 usuários; desses apenas 12 se mostraram freqüentes em mais de 3 dos 5 dias observados e desses 12 apenas 5 realmente eram membros do grupo; um grupo que chega a reunir até quase 60 pessoas 73num grande shopping da cidade nas reuniões de sexta-feira apenas.

Pude aprender ainda mais sobre os códigos da sociabilidade observando o poder das abreviaturas durante as interações escritas no chat. Um simples “H” representando “Homem” agiliza bastante um diálogo escrito. Muito do material trocado entre membros é referente a acontecimentos anteriores e/ou recentes do grupo (Ex.: uma bebedeira no dia anterior ou um e-mail coletivo recebido por muitos). Há também o material referente às formas simbólicas correntes na coletividade no momento (Ex.: uma música que está fazendo sucesso; um filme; uma novela, etc. Lembrando que muitos dos personagens das mesmas referências simbólicas coletivas correntes servem de inspiração para os nicks: Tiazinha, Buffy, Xandy, etc.) 74.

Há os insultos misturados com brincadeiras: "GUABYRABA 18:06:55 fala com drika Sai de baixo mulé, vou dar uma catarrada." "GUABYRABA 18:11:51 fala com ¢®åz¥.¢0M.†0ñë£åÐå SANTA CANA QUE ESTAIS NA ROÇA, PURIFICADO SEJA NOSSO NOME, CALDO AGUARDENTE SEM MISTURA, VENHA A NÓS O NOSSO LÍQUIDO, SER BEBIDO A NOSSA VONTADE, ASSIM NO BOTECO COMO EM QUALQUER LUGAR. CINCO LITROS POR DIA NOS DAI HOJE, PERDOAI O DIA EM QUE BEBEMOS MENOS ASSIM COMO NÓS PERDOAMOS O MAL QUE NOS FAZ, Ñ NOS DEIXE CAIR ATORDOADOS NO CHÃO, SE EU CAIR 72 Dos mais variados tipos e origens de nomes, inclusive próprios, era um mosaico de denominações sem dúvida incomuns (Exemplos: Buik, 11/2 Kg Amor, T, Zorro, momoH, 007 BA, Casado37...), com algumas destas denominações sendo inclusive impronunciáveis (Exemplo: Ô^Ô ou !!!). Curiosamente em reuniões futuras conheci dois membros que causavam este tipo de problema: seus nicks não eram possíveis de serem pronunciados oralmente, eram desenhos ou símbolos, e por isso foi necessária uma denominação oral semelhante ou próxima da ilustração representada no chat. Eles poderiam simplesmente se apresentar com seus nomes próprios, mas isso seria um desvio dos rituais do grupo. Depois, talvez, junto a membros que ser tornam mais íntimos, nomes próprios também são utilizados. 73 Esse foi o máximo observado em 1 reunião, sendo o mínimo de sexta-feira cerca de 25 pessoas. 74 Tiazinha - personagem erotizado vivido pela dançarina Suzana Alves; Buffy - personagem de séria americana de ação sobre vampiros; Xandy - vocalista e dançarino do grupo de pagode Harmonia do Samba, de grande sucesso popular na época.


QUE TENHA UM DOS INTEGRANTES DOS CHAPARRAIS PARA ME SEGURAR, MAS LIVRAI-NOS DA PATRULHA POLICIAL E DOS CRENTES (AMÉM)." (Veremos mais adiante que este membro faz parte do subgrupo Chaparrais, surgido no interior do grupo Galera ZAZ.)

Há os insultos de fato, obviamente protegidos pela noção de segurança e distanciamento via Internet: "Tigrão 18:05:08 fala com TIGREBELLO Vá tomar no seu CÚUU!!!" (geralmente provocações entre membros e não membros; com as possíveis repreensões por parte dos outros presentes, do grupo ou não, como segue o fragmento...): "((MALUCO)) 18:05:21 OLHA A BAIXARIA VÚ DESGRAÇA!" (Mas não há real impedimento desses conflitos, além da observação das convenções de decoro do grupo, ou mesmo da sala, e a quebra da recíproca troca de códigos de maneira positiva; geralmente se isolando aquele usuário “infrator” ou incômodo.)

Veja mais um fragmento que ilustra essa quebra de convenções na sala de chat e com as quais tanto membros, quanto não membros precisam saber conviver e lidar. Em geral apenas se ignora o usuário incômodo, como vimos, mas existem casos de se conseguir “travar” o computador do outro, desse incômodo, enviando muitas mensagens reservadas, que só vão aparecer em sua tela, fazendo assim sua conexão cair e o computador travar por não suportar tanta informação de uma só vez. O exemplo: "CHIBATOZAM 18:09:41 CHEGOU O MAIOR LASCADOR DE CÚ..." (Vê-se que a intenção deste usuário é escandalizar, ofender, seja lá quem for que estiver na sala, mesmo que de uma forma que parece lúdica para alguns, mas ofensiva para uma grande maioria de membros e usuários...)

Nota-se quando usuários não fazem parte do grupo pelo tipo de mensagens de apresentação. Em geral amplas, buscando um código de afinidade entre desconhecidos. Apesar do indivíduo ter procurado uma sala com que tivesse talvez alguma afinidade, no caso “cidade de Salvador”, uma vez dentro se busca uma outra afinidade: "vera30 18:12:56 alguem afim com mas de 28 anos" (No fragmento temos uma usuária cujo nick afirma que ela tem 30 anos e ela procura alguém com mais de 28 para teclar, pois supostamente teria mais afinidades com alguém nesta faixa etária. Se ela fosse do grupo, provavelmente já saberia das idades de alguns dos presentes, o que já a levaria a uma escolha direta: o código em comum já estaria estabelecido. Aproveitamos para destacar também o uso livre da linguagem escrita: palavras sem acento e sem pontuação, numa frase curta e inquisitiva.)

A familiaridade partilhada pelo grupo é vista também na forma como um membro se refere às suas dificuldades técnicas. Os códigos partilhados são amplos a ponto de se poder ampliar uma


mensagem de demora ou de espera sem a preocupação da identificação com quem se está teclando. Muitos usuários entram e saem da sala sem saber o que está acontecendo; teclam com um e com outro (usuário ou membro), mas não notam que há uma convergência de grupo presente naquele espaço, naquele momento. Tudo isso faz parte da codificação: o primeiro passo para penetração no grupo. "^any^ 18:16:06 desculpe pessoal estou meio ocupada por isso demoro" (No fragmento o membro ^any^ não precisa de muito para explicar sua situação; os outros membros presentes sabem que ela tecla/acessa do trabalho, conhecem seu comportamento atencioso com todos, etc., então, logo se compreende que ela não está ignorando ninguém; muitos passam pelo mesmo, acessando de locais de trabalho ou escola, assim a compreensão mútua ser maior ainda. Notemos novamente a escrita livre de pontuação, mas compreensível dentro do contexto.)

Um outro fragmento que demonstra o partilhamento de códigos pelos membros do grupo; provavelmente de difícil compreensão para um novo usuário, que não sabe que existe um grupo, podendo achar que é um assunto totalmente isolado. O aprendizado dos códigos é um processo complementar; muitas vezes depende também das atualizações face-a-face, mas o mais importante é o partilhamento dos símbolos, mesmo que somente no chat: " ^any^ 18:23:32 fala com poeta-lima VAIS HJ?" (A membro ^any^ pergunta se o membro Poeta-lima irá na reunião daquele dia, mas nada é explicado; é apenas a inquisição direta que depende de referências anteriores: os códigos do grupo. Notemos novamente a escrita livre: HJ significa HOJE.) 75

Ou ainda, nesta seqüência (não linear): "((MALUCO)) 17:56:57 fala com Bogobil® KD A GURIA? Bogobil® 17:57:25 fala com ((MALUCO)) QUEM SABE MISERA SEI DE MIM ((MALUCO)) 17:57:55 fala com Bogobil® DEVE ESTAR COM OUTRO." (O membro Maluco pergunta ao membro Bogobil sobre a namorada. Bogobil diz não saber. E Maluco brinca, dizendo que ela está com outro... Nota-se, além da familiaridade de tema, o partilhamento de códigos entre membros, a intimidade possível entre os mesmos, podendo atingir assuntos mais pessoais e as brincadeiras sobre os mesmos.)

A reincidência de trocas se apresenta cada vez mais importante como fator de construção das identificações (partilhamento de afinidades) e de eventuais identidades, caso a referência de afinidade seja uma diferença. Quanto mais se troca (Internet e/ou face-a-face) mais códigos em comum se constrói e isso é refletido nesse processo de reincidência; quanto mais se interage com o


semelhante (aqueles com quem tem afinidades), mais se aproxima desta, tornando a decodificação de símbolos cada vez mais veloz e as interações mais íntimas. Nota-se isso no chat através do processo ascendente de dois usuários (membros ou não) que começam a interagir e prosseguem consequentemente com outras interações; os códigos se acumulam e as trocas fluem cada vez mais fáceis. Os códigos partilhados que levam a afinidades podem ser coisas curiosas, como por exemplo, o fato de nessa época do meu trabalho de campo (abril/2000) meu computador (especialmente minha linha de conexão) freqüentemente falhar durante os chats se tornou símbolo de trocas que me identificou com alguns membros. Veja o fragmento: “Marcelo-BA 18:45:34 fala reservadamente com peskisador

Vc ñ sabe se entra ou sai...”

Mensagens entre membros referentes a atualizações passadas (reuniões, passeios, etc. que já aconteceram) e futuras (marcar encontros ou eventos) também são constantes materiais de trocas. Nesses casos o partilhamento dos códigos (referências) é quase imprescindível para o estabelecimento das interações, por isso a prioridade de membros no caso. No fragmento: “Marla-35® 17:54:08 GALERA DO CAB ALMOÇO AMANHÔ, fica difícil para um não membro compreender o conteúdo integral da mensagem. Provavelmente, até mesmo para alguns outros membros do grupo, não envolvidos com esta referência, seja difícil a compreensão total do material trocado. São estas noções interpretativas que formam os subgrupos dentro do grupo e o seu caráter de rede, onde alguns códigos são partilhados e outros não, afirmam-se algumas afinidades e constróem-se multi-identificações interiores no grupo, mantendo também seu perfil de renovação constante (novos códigos, novos eventos, novos subgrupos inter-cruzados, etc.).

De maneira evidente, quem é membro do grupo tende a ficar na sala por mais tempo. Os de fora do grupo que permanecem por mais tempo já tem um convívio prévio na sala, pois teclam com alguma familiaridade com alguns dos membros e poderão eventualmente ser parte do grupo. Os usuários de fora tendem a ficar pouco tempo: 1) por se sentirem um tanto ignorados, 2) por não estarem totalmente inteirados do que se passa na sala (domínio dos códigos). 1) Os membros não ignoram pessoas novas na sala de propósito; o problema é que na maioria das vezes eles já estão teclando com algumas pessoas. Se alguém novo entra e simplesmente coloca uma saudação (Ex.: “Boa tarde. Alguém quer TC?”), muito provavelmente vai ficar algum tempo (talvez o bastante para desistir)

75 Veja glossário de termos especiais usados pelo grupo em suas atualizações no final desta seção.


sem ter uma resposta; no entanto, se ela se dirigir a alguém específico presente na sala, muito provavelmente ela não será ignorada por esta pessoa; isto é, quando o contato é coletivo, um espera que o outro se disponha a falar com o novo usuário e muitas vezes ninguém se habilita, porém, quando feito um contato específico a possibilidade de uma atitude indiferente é bem menor. 2) Muitas vezes, usuários que entram pela primeira vez na sala não se identificam com as conversas que estão acontecendo (temas, modos, etc.; os códigos); no caso da sala Salvador 01 (a que o grupo Galera ZAZ vem utilizando regularmente), quando alguém novo entra (ou visita) nos horários de uso do grupo pode se espantar com a peculiaridade das conversas, pelo caráter específico (ser um grupo que se reúne regularmente no chat e face-a-face), e perder completamente o interesse em permanecer na sala, ou ficar (pela curiosidade em relação à mesma peculiaridade) e passar pelo mesmo processo descrito acima no item “1)”. Fui convidado por um membro pela primeira vez para ir aos encontros no shopping em 18/04/2000, 17 dias depois do meu primeiro contato dentro do chat. Foi o período necessário para se desenvolverem algumas afinidades com alguns membros e para se gerar certa confiança a partir da bem sucedida troca de códigos. Posso afirmar agora que esse processo tende a ser ainda mais rápido, em média 15 dias entre os primeiros contatos com membros e um convite ou sugestão para se ir nos encontros face-a-face, passando basicamente pelo aprendizado e partilhamento de códigos e afinidades. Esse convite não é nada formal; é algo bastante casual; no meu caso: “PQ vc não aparece no encontro qualquer dia desses???”; feito pelo membro Marcelo-BA. Ser convidado por um ou mais membros não é exatamente uma exigência para se ir numa reunião. As conversas abertas no chat dão oportunidade a qualquer um ver que sempre acontece algo no shopping, etc., regularmente; então, basta a disposição e o interesse para se ir lá e ficar olhando o grupo ou mesmo se aproximar. Foram-me contados casos de pessoas que fizeram isso: apareciam no espaço do shopping onde o grupo se reúne e ficavam apenas observando de longe; mas o mais comum é o convite após trocas no chat, geralmente surgindo membros que servem de introdutores da nova pessoa no grupo; o que mais tarde chamarei de “padrinho”. 2.2.2- Médias de fluxo de membros e usuários no chat Já podendo determinar com uma pequena margem de erro (5 a 7 pessoas; isso devido aos reservados e às possíveis trocas de nick pelo mesmo usuário), comecei a fazer uma média de


membros do grupo e usuários comuns nos chats diários. Com isso poderemos visualizar o diferente fluxo de interações (membro/membro; usuário/usuário e membro/usuário) nos horários de convergência e atualização do grupo. No chat das 18 horas do dia 13/04/2000, num período de uma hora, com uma flutuação constante de 36 a 40 usuários presentes na sala, houve uma média de 22 membros do grupo e de 25 usuários comuns. Médias bastante equilibradas, o que nos antecipa a característica do forte potencial de renovação do grupo através das inter-relações com usuários de fora do grupo. Lembrando que a quantidade de membros do grupo tende a baixar após um certo horário, próximo das 19 horas, pois muitos dos que estão acessando de trabalhos precisam sair. Vejamos as médias de mais dois dias aleatórios, no mesmo horário e pelo mesmo período, só que cerca de um mês depois: dia 08/05/2000, média de 28 membros do grupo e de 33 usuários comuns; dia 10/05/2000, média de 26 membros do grupo e de 33 usuários comuns. E dentro destes números, devo ainda ratificar o fato da renovação do grupo via inter-relações entre membros e usuários comuns, pois alguns dos membros contados nestas duas últimas datas ainda não o eram na época do primeiro chat contado; o que significa que se tornaram membros através das interações com os membros do grupo já existentes; veremos com detalhes esta passagem mais adiante. Disso, podemos aproveitar para apresentar mais alguns dados que explicitam o fluxo de indivíduos no espaço de interação do grupo, chat, e refletir um pouco mais no modo como esta fluência afeta a sociabilidade no mesmo. Lembrando que convencionalmente os membros do grupo Galera ZAZ convergem para o chat três vezes ao dia (12:00; 18:00 e após meia-noite; em dias de semana), isso de maneira dispersa tanto pela constante presença de outros usuários como também pela própria dispersão dos membros pelos horários que lhes são disponíveis, temos uma média temporal frágil de cerca de 4 horas por dia de conexão e acesso, no entanto há muitas variáveis: o local de onde acessa; o tempo em que realmente está interagindo; quanto tempo fica sem acessar; são horas contínuas ou distribuídas em vários acessos no dia. Variáveis essas que nos servem apenas como linha de limite descritivo diante da amplitude possível de situações. Para o nosso presente momento interessa notar que existem médias generalizáveis sobre a sociabilidade do grupo no chat e que delas podemos supor sua rotina e rituais. Numa outra média frágil temos que cada usuário (membro ou não) envia cerca de 4 mensagens para cada outro usuário presente na sala em qualquer dos períodos citados. A variável desta média que mais afeta a


quantificação é o fato de se ter em um extremo usuários que entram e saem da sala sem teclar nada e em outro membros que passam uma hora inteira de conexão teclando com, no máximo, 3 outros usuários (esses, em geral, outros membros). Variáveis como o nível de afinidade e de intimidade obviamente interferem aqui, mas a questão do número na média calculada fica meio vaga. O que há de fato, observado, é que membros e não membros interagem de maneira um tanto fluente, que dá a margem de validade àquela média, mas, de fato, também sabemos, e veremos isso ainda mais, que quase todos sempre dão preferências a uns ou outros e isso são afinidades, escolhas afetivas, somente possíveis de serem imperfeitamente descritas e apenas contingentemente quantificadas. Voltando às médias entre membros do grupo e usuários comuns, sempre considerados os 3 períodos de convergência de membros, que é quando há maior mistura entre indivíduos dos dois tipos, temos, como uma média geral aproximada dentro do nosso recorte temporal de 4 meses: 22 membros do grupo e 35 usuários comuns freqüentando o chat e interagindo em constante manutenção e renovação. Pode-se notar a maior freqüência dos usuários comuns, o que nos demonstra como evidência que, ao se tornar membro, o chat não é mais a única forma de atualização com outros membros, expandindo-se para outros espaços e ferramentas: e-mail, ICQ e face-a-face. O fluxo de membros no chat passa a ser mais um (fluxo, espaço de fluxo) para a construção da noção de pertencimento e por isso uma média sempre maior de não membros no chat. Lembrando também que os membros permanecem mais tempo na sala, enquanto que muitos não membros entram e saem rapidamente. A partir de dados extraídos de outro chat

(18/04/2000; 18 horas) temos que a média de

permanência de membros no mesmo é de 38 minutos, aproximadamente. Podemos ver o quanto este dado varia (de 17 minutos a mais de uma hora) e o quanto influencia na média vista anteriormente de 4 horas na Internet, que também considera outros horários e atividades dos membros do grupo na Internet. Esta amostra serve de exemplo geral para a permanência de membros no chat. Como informação complementar temos que a média de permanência de amostra semelhante em outro dia, no horário do meio-dia, foi de 27 minutos; demonstrando o fato de os membros preferirem aproveitar melhor suas horas de almoço. E quanto ao horário de depois da meia-noite, a média foi de 54 minutos; aqui com uma variação maior de quase duas horas entre o de maior tempo e o de menor tempo de permanência; demonstrando que os freqüentadores deste horário podem ficar mais tempo conectados.


Podemos ver então, que suas permanências variam um pouco, mas estão ligadas tanto às contingências externas (trabalho, escola, fim de expediente, estar saindo, etc.) quanto internas: a medida que uns membros vão tendo de sair, outros também saem, pois o grupo vai dispersando. Obviamente algum membro que quiser ficar e continuar, interagindo com não membros, basicamente, pode ficar, mas este não é o comportamento mais padrão. Os horários de convergência têm sido bastante seguidos, por enquanto; o que reforça o perfil de grupo dos membros em suas atualizações. Há também uma forte ligação entre os dias úteis e a permanência dos membros do grupo no chat. Como temos visto, muitos membros acessam/teclam de seus locais de trabalho, por isso as atualizações concentradas nos dias de semana e também no horário das 18 horas, quando a grande maioria está perto da hora de sair e tem um tempo livre maior. Então, mesmo os membros que podem acessar fora de locais de trabalho tendem a não o fazerem sem ser nos dias úteis e nos horários especificados, pois sabem que não deverão encontrar muitos outros membros para interagir. Na quinta-feira Santa (20/04/2000) só haviam sete membros do grupo, no período normal de observação (uma hora), no chat das 18 horas; o feriado prolongado havia tirado muitos membros dos seus locais de acesso e por isso a ausência e dispersão neste dia. No dia seguinte (21/04/2000, sexta-feira Santa), no mesmo horário, pude confirmar a suspeita do dia anterior: não houve nenhum membro (visível, pelo menos) do grupo presente na sala neste dia. As atualizações do grupo no chat são de fato influenciadas por contingências externas; ter um local de acesso disponível é essencial e não só isso: mesmo os que o tem em dias fora de trabalho, não têm com quem partilhar as afinidades referentes ao grupo, o que também parece inibir o acesso, mesmo que sempre se possa procurar algo novo; porém buscar o conhecido, semelhante e familiar parece mais cômodo e agradável, pois já se tem partilhado algo. De fato, se analisarmos a posição de um membro nesta situação, ele se torna apenas mais um usuário procurando afinidades com diversos outros, enquanto no grupo, ele é um “membro”; ele pertence a algo. Não testemunhei o fato, pois ainda não estava indo, mas posso garantir que a reunião no shopping neste mesmo dia (21/04/2000, sexta-feira Santa) deve ter sido extremamente vazia de membros, se não até completamente inexistente. De forma ilustrativa veremos a sala de chat em dois dias seguidos (02 e 03/06/2000 - sexta e


sábado), nos horários das 18 horas e no de depois da meia-noite. No das 18 horas de dia de semana (sexta) há como sempre um grande fluxo entre os membros do grupo e novos visitantes. O grupo, no total, entra por cerca de meia hora a uma hora e estes tendem a ficar no tempo regular enquanto que os visitantes entram e saem, já que têm de apreender as afinidades correntes para conseguir se entrosar. Ocorre também um fluxo interno no próprio grupo: são períodos quando aparecem mais uns membros que outros. Muito pode ser porque muitos não podem acessar nesse horário e por isso compensam ao entrar no chat de depois da meia-noite, assim podendo ficar muito mais tempo conectado (já soube de pessoas ficando até 5 da manhã no chat). A sensação de preenchimento ultrapassa e transforma as barreiras do comportamento cotidiano, reconstruindo-o de acordo com os novos usos do tempo. No chat de 18 horas, em dia de semana, por exemplo, muitos ficam presentes no chat, mas, ao mesmo tempo estão trabalhando e demoram um pouco para responder as interpelações e se explicam com isso e todos aceitam a situação, que é normal. A maior diferença para o chat de 18 horas no sábado foi que a presença de membros do grupo é bem menor; na verdade, neste sábado específico só encontrei uma pessoa do grupo (^any^). Boa parte do tempo que fiquei presente na sala só vi mais pessoas de outros estados tentando fazer contato com pessoas daqui de Salvador; principalmente homens (ou rapazes) querendo teclar com mulheres (garotas , “gatinhas”) de Salvador. Já nos dois chats de depois da meia-noite, a situação muda consideravelmente: o grupo que pode freqüentar o mesmo chat é menor, já que são somente os que tem computador em casa (ou, pelo menos, acessível a noite...) e existe também o fato de estarem mais livres (tempo, conta de telefone, não estarem ocupados, etc.) para ficar mais tempo conectados e, consequentemente, mais tempo no chat. GoldenEye me contou de duas festas, nas quais o pessoal reunido ficou conectado cerca de 20 horas conversando com um monte de gente que não estava presente no momento da festa (face-a-face). Quer dizer, o chat (a interação mediada pelo computador, etc.) complementa ao mesmo tempo que forma o perfil da atualização do grupo. Continuamente fala-se nas reuniões sobre conversas e acontecimentos do chat e vice-versa: fala-se (tecla-se) no chat sobre coisas acontecidas nas reuniões. Nos chats de depois da meia-noite há muito tempo de permanência; os membros teclam entre si por muito mais tempo e também falam com outros presentes, já que não há muita restrição de tempo. Não dá para acompanhar muitas conversas, pois ficam muito no reservado, como também fazem


bastante uso do ICQ. As conversas podem ser mais íntimas e/ou mais profundas, contendo problemas, segredos, etc., ou fofocas uns dos outros. Notei que o chat que eles mais comentam nos encontros é esse de depois de meia-noite; logo, é onde acontecem mais coisas extraordinárias. Ex.: Fulano está no reservado com Maria, e Maria está em aberto com outra pessoal; Fulano pode ver a conversa dos dois e comentar com Maria, enquanto a outra pessoa não vê, e quando chegam no encontro os dois comentam o ocorrido: uma paquera, um insulto, uma briga, etc., e os outros não sabem, só eles dois. Nos de 18 horas e meio-dia não dá para isso ocorrer, pois o tempo é curto para quase todos.


2.2.3- Afinidades No segundo contato, em 24/03/2000 (sexta-feira) 76, entre 18 horas e 18:30, consegui ultrapassar um pouco a barreira do código através de uma afinidade bastante específica (tipo de música: rock/anti-pagode) com um membro do grupo 77 ; um dos identificados antes como freqüentes; e que estava envolvido com diversas interações naquele momento. Cheguei a perguntar se ele era um tipo de líder por ter tantas pessoas teclandocom ele, mas ele disse que não. Estava sendo uma popularidade de momento; pode ocorrer com qualquer um, membro ou não, a depender das afinidades partilhadas (um tema polêmico ou interessante a muitos, etc.). Ao conseguir fazer este contato com um membro, rompendo a barreira do código com uma afinidade, tinha que mantê-lo com uma constante identificação entre nicks e afinidades para que a interação se desenvolvesse proveitosamente. Seu nick era Salgado; mais tarde descobri que ele faz parte de um subgrupo dentro do grupo bastante peculiar, autodenominado Chaparrais, que veremos mais adiante. O contato com ele através da afinidade específica me fez notar o quão importante estas são para o estabelecimento de interações no espaço da Internet; no caso em especial com um membro do grupo Galera ZAZ de quem precisava me aproximar. O conhecimento dos códigos e o desenvolvimento de afinidades são os primeiros rituais de passagem para a sociabilidade no espaço da Internet.

Há pessoas que freqüentam bastante a sala de chat, partilham muitas afinidades com o grupo e de certo modo são membros, pois são reconhecidos por muitos outros, têm trocas pessoais, etc., só que elas não vão às reuniões (a atualização face-a-face). Ainda no segundo chat teclei com uma garota que pode ser classificada como um membro só no chat. São basicamente três, as razões para este tipo de membro: em primeiro lugar, localização, muitas pessoas teclam de fora de Salvador, muitas vezes de outros estados, e isso impossibilita o comparecimento nas reuniões; mesmo que alguns desses, de vez em quando, viajando por Salvador façam uma visita às reuniões; veremos casos disso depois. A segunda razão é a idade: alguns membros são muito jovens e não têm permissão dos pais para comparecer às reuniões; há casos e exceções disso que poderão ser vistos depois também. E a terceira razão é simplesmente a falta de vontade ou interesse em encontrar face-a-face as pessoas com quem se tecla. Faz parte do processo de confiança e desconfiança que caracteriza a sociabilidade na Internet. A insegurança em relação aos outros e em relação a si mesmo são as principais razões disso. Membros disseram que muitas vezes preferem não “conhecer” o outro, pois tudo pode ficar ruim pelas expectativas criadas a respeito de aparência, personalidade, etc.

76 A observação-participante sistemática ainda não havia começado. Antes de Abril/2000 eram apenas contatos. 77 No terceiro acesso ao chat também consegui fazer um contato (mínimo) com um membro do grupo através de uma afinidade específica: seu nick era Poeta e por isso perguntei se ele conhecia um site de poesia chamado Jornal da Poesia. Só deu para lhe passar o endereço. Muitas vezes, para o estabelecimento de uma afinidade e código em comum basta o nick do usuário. Tudo (a sociabilidade) começa com o partilhamento, a troca de algo.


No meu quarto acesso, em 30/03/2000, pude perceber mais algumas coisas sobre a dinâmica interacional dos usuários do chat. Três membros do grupo (um homem e duas mulheres) teclavam. O homem tecla com mulher-A e esta tecla com mulher-B. Mulher-A diz que tem de sair, mas antes apresenta mulher-B ao homem, estes começam então a interagir enquanto mulher-A sai da sala. O que houve foi que haviam 2 núcleos de interação: homem e mulher-A, e mulher-A e B. E quando a mulher-A saiu e juntou os outros dois houve uma troca inter-afim. A afinidade entre o homem e a mulher-B era a interação com a mulher-A e isso foi partilhado ao se juntarem os 2 núcleos. O que esse pequeno triângulo de trocas nos diz é que os membros se movimentam em interações partilhadas, partilhamentos esses ligados por trocas de afinidades que se cruzam. Muitas vezes os membros do grupo não se reconhecem de imediato. Os nicks são muitos e algumas vezes não se teve um contato anterior entre eles. Ter um contato anterior é também uma forma de afinidade. Recupera-se um laço de memória em comum e usa-se isso para começar uma nova troca. No chat de 04/04/2000 (no horário das 18 horas), pude aplicar isto através da recuperação de um encontroanterior com o membro ^any^. É apenas uma forma a mais de “puxar assunto” com um membro ou usuário, de modo a superar frases comuns como: “Oi, quer TC?”, a qual é muitas vezes ignorada por muitos (membros ou usuários) até que alguém se disponha a responder. É claro que também muitas vezes este usuário é prontamente respondido. Uma das razões para isso é o modo como o nick reflete certas afinidades 78.

No entanto, o reconhecimento no chat entre membros do grupo que já se conhecem é imediato. Os cumprimentos são diretos (além dos gerais: “Boa noite a todos!”; “Oi, meu povo!”; etc.) e já referentes a algo partilhado pelos dois, mesmo que seja apenas o tempo que não se vêem. Os membros, também, demonstram vivamente suas inter-relações dentro do grupo ao se referir a outros membros com o atual com quem se está interagindo no momento; geralmente são demonstrações de carinho (ou simples lembranças) passadas adiante, pois, muito normalmente membros que se conhecem perdem as oportunidades de se encontrarem por irem a reuniões diferentes, por não entrarem no chat na mesma hora ou por qualquer outra razão. Uma infinidade de conversas paralelas acontecem simultaneamente no espaço do chat. Usuários que não são membros teclam entre si. Usuários e membros também teclam entre si. E membros teclam entre si. Eventualmente há inter-trocas entre diferentes interlocutores, no entanto isso é mais comum entre membros, já que a quantidade de códigos em comum com mais pessoas possibilita mais afinidades partilhadas e por isso mais interação. Usuários que freqüentam muito o chat

78 Neste período, por exemplo, o nick Tiazinha chamava bastante a atenção da maioria dos rapazes por causa da


eventualmente acabam tendo este nível de afinidade (mais códigos em comum), mesmo que não passem a se atualizar face-a-face com o grupo. O melhor exemplo deste tipo de “membro” são os que não vivem em Salvador, que dificilmente viriam numa reunião do grupo, no entanto estão constantemente se atualizando no chat com muitos membros e muitas vezes ligando para o celular de um dos membros durante reuniões, fazendo assim uma presença indireta na reunião, falando com outros membros presentes. 2.2.4- Aprendendo os rituais A minha primeira tentativa de contato foi em 21/03/2000 (uma terça-feira), no horário das 18 horas. Tive dificuldades de contato, muito comum devido às deficiências do sistema telefônico local. Este tipo de contingência técnica é de conhecimento geral e acontece com freqüência. Acredito que ninguém, já familiar ao espaço, se ofenda com estas perdas de contato, pois acontece com todos. Os usuários do chat identificados como os mais freqüentes dos acessos anteriores estavam bastante envolvidos em suas próprias interações em andamento. Foi meio frustrante notar que muito do que era teclado estava ainda fora do meu alcance; um desconhecimento dos códigos vigentes que funcionava como uma barreia à interação. Fiz uma apresentação aberta (a todos) como peskisador (meu nick no grupo) e cumprimentei os presentes. Este ato de um cumprimento aberto a todos assim que se entra na sala já era do meu conhecimento. É uma prática educada, nem sempre praticada por todos e que demonstra disposição à interação amigável. Consegui teclar afinal apenas com 2 usuários: um não era membro do grupo; na verdade a afinidade partilhada entre nós foi justamente o fato de não sermos do grupo e por isso, livres de outras interações, podendo teclar entre si, apenas amenidades básicas de primeiro contato em chat (idade, de onde está teclando, etc.). A outra pessoa era membro do grupo, uma garota, mas, por estar envolvida com outras interações, só chegou a me dizer que “o pessoal se encontra no real sempre”. Apesar da ansiedade deste primeiro contato, era um aprendizado que começava: decifrar os códigos e descoberta de afinidades, o que se revelou como sendo o primeiro ritual de passagem do grupo. Seguido da continuidade do mesmo até o momento de ser “convidado” para uma reunião e finalmente ir a uma. Daí os rituais deixam o espaço do chat. Antes da minha primeira ida a uma reunião, tive a garantia de membros com quem teclei sobre o referência no imaginário erótico massificado do personagem vivido pela dançarina e atriz Suzana Alves.


assunto, que seria bem recebido (eles estavam sendo amistosos e receptivos); já havia afinidades suficientes sendo partilhadas para que pudesse considerar certos rituais de passagem como cumpridos: aprender códigos e partilhar afinidades, basicamente; conhecer localização (o lugar no shopping Iguatemi onde acontecem as reuniões) e conhecimento do ritual básico de apresentação na primeira reunião: se apresentar com o nick e não com o verdadeiro nome. Sobre esta localização do grupo no shopping, devo acrescentar que os próprios membros formulam uma idéia bastante específica do modo como ocupam o espaço da atualização face-a-face; especialmente nas reuniões de Sexta-feira. A frase comum é que basta chegar lá no fast food do Multiplex, no 3º piso do shopping Iguatemi, que logo se vê o grupo, isto é, de algum modo destacado do resto do espaço, das outras pessoas, tanto pela quantidade de pessoas concentradas quanto pelo comportamento diferente, grupal, etc. 2.2.5- A construção da intimidade Dentro do processo de códigos e afinidades, uma coisa chama atenção, presente em vários momentos das interações, as trocas pessoais/íntimas que acontecem velozmente. Richard Sennett (1976) falava de “mercantilização da intimidade” que parece se encaixar nesse processo o que chamo atenção aqui: um usuário novo na sala de chat (ou chat room) parece conseguir uma atenção maior (confiança) ou mais rápida com um membro, ou mesmo com outro usuário, através de afinidades íntimas. Enquanto teclava com Salgado mencionei algo sobre a perda de uma namorada relacionado a música e isso aumentou seu interesse na interação, mencionando algo íntimo de sua parte sobre o mesmo assunto, estabelecendo assim mais um nível de afinidade. E assim vemos que o processo de sociabilidade na Internet se dá em níveis de afinidades trocadas, indo em direção a mais íntima e pessoal, ao que parece. Uma outra coisa a ser acrescentada é sobre o material simbólico trocado entre os membros do grupo no chat: uma infinidade de mensagens de carinho e afeição, amizade e amor, parecem povoar um bom espaço do que é partilhado entre estas pessoas 79; uma contínua afirmação aberta de afetividade e de uma intimidade aparente, pois, como veremos, alcançar a intimidade não se trata apenas de trocar carinhos (mesmo sexualmente), mas de partilhar muito mais que semelhanças e gostos. E nesse processo, a ferramenta “reservado” e o ICQ têm um importante papel.

No fragmento que segue podemos notar o nível de intimidade que se pode chegar entre os

79 As mulheres parecem expressar essa afetividade com maior intimidade que os homens; o que já pode ser uma forma


membros: "Marla-35® 18:16:21 fala com ^any^ PRA COMPLETAR TIAGO LUIZ TÁ COM O PÉ DOENDO, LÁ VOU EU PRO COT DO CANELA" (A membro Marla-35 se refere ao filho; algo da sua intimidade partilhado no chat com ^any^, que passa a ser também parte de sua intimidade.)

Neste outro fragmento podemos observar a complementaridade entre espaços de interação. Há membros atualizados no chat e, ao mesmo tempo, há membros conectados também pelo ICQ, numa interação mais íntima, já que é uma ferramenta de comunicação com esse propósito. Troca-se a informação das presenças em ambos os espaços e assim se complementa as interações, tanto de um lado quanto do outro. Diante desta mensagem, provavelmente, outros membros que ainda não tinham olhado o ICQ, lembraram de fazê-lo, e outros já estavam atualizados por lá também. É assim que funciona... O fragmento: "Din@40's 18:24:17 fala com ^any^ ESTA AQUI NO ICQ, ALGUM RECADO" (Notemos novamente a linguagem livre e ágil, mesmo que com sentido apenas num certo contexto de códigos partilhados.)

Após uma maior aproximação (trocas) com alguns membros do grupo, começa-se a ser notada a sua ausência. Por causa de problemas técnicos não acessei o chat por dias; quando retornei (dia 10/04/2000) dois membros com que já tinha teclado perguntaram sobre minha ausência. A intimidade das trocas é ascendente junto com a freqüência de interações e o partilhamento de códigos. Assim, virtualizando-se as presenças de membros ausentes; constrói-se alguma noção de grupo e de pertencimento pela falta. A manutenção das interações anteriores e a contínua construção de novas, terminam por construir a sensação de identificação grupal, onde as afinidades fluem de atualização em atualização, num contínuo jogo de manutenção e renovação. 2.2.6- A afetividade no chat As paqueras (flertes) e os carinhos são materiais constantes de troca, tanto entre membros, quanto entre usuários e também entre ambos; dentre outros assuntos diversos. Veja os fragmentos (chat em 05/04/2000): "b@d2000 18:01:20 fala com ^any^ SMACKK! @^ ^@ tô de olho em vc !!!" (SMACKK é uma onomatopéia para beijo. E @^ ^@ representa um par de olhos.) de diferenciar os comportamentos entre homens e mulheres do grupo, por enquanto.


"MADAME40 18:01:28 COMO É DIFICL DEIXAR ESSA SALA TÃO QUERIDA... UM BEIJO MTO CARINHOSO PRA TODOS... ESPECIAL PROS AMIGOS/AS... FIQUEM COM DEUS..." (MTO significa MUITO. Notar como há uma referência mais afetiva com relação aos amigos/membros. Há consciência da presença num espaço amplo e múltiplo, onde não só os membros de grupo estão presentes... há outros usuários, mesmo que não se interaja com eles ainda. Não há uma atitude exclusivista do grupo, como pode acontecer em outras formas de agrupamento contemporâneo; inclusive como em um outro grupo Net, originado a partir de outro provedor (UOL), que também se atualiza em Salvador e que tem um perfil mais fechado em relação a novos membros.) 80 "SAM® 18:22:23 fala com jota OOOOOOOOOI AMOR DA MINHA VIDA, EXPRESSÃO MAXIMA DA MINHA EXISTENCIAAAA!" Uma das motivações para que os novos usuários queiram ficar na sala é o fato de se querer conhecer “gente nova” e, ao mesmo tempo, ter a oportunidade de “encontrar” gente nova; o que podemos chamar de necessidade de pertencimento ou de participação ou de partilhamento. Talvez seja possível imaginar algo mais que usar estes termos também usados por Michel Maffesoli (1987 - 1996) para falar sobre os agrupamentos contemporâneos e sua ética e motivação estética, efêmera, afetiva, etc., pois há algo presente nas atualizações do grupo Galera ZAZ, e que parece ser comum a outros grupos de mesma natureza (Internet, amizade, etc.), que é a complementaridade dos dois espaços/formas de atualização/interação, e que não deixa que o grupo desfaleça na sua aparente efemeridade contemporânea: há sempre pessoas novas, mas há também pessoas que estão lá há quase dois anos, e que continuam indo, com mais ou menos freqüência, talvez tendo tido problemas com outras pessoas do grupo (fofocas, brigas, discussões, etc.), mas pelo fato da constante renovação, eles não deixam realmente o grupo e estão presentes, às vezes somente no chat da madrugada, para encontrar pessoas específicas, mas que ainda a mantém ligada ao grupo (inter-afinidades; em rede); então, a motivação pertencimento afetivo e a característica efemeridade são pertinentes ao grupo, mas ele vai além disso, pois os membros se tornam familiares ao grupo e o grupo familiar aos membros de uma maneira cotidiana e não somente complementar; é algo que passa a formar seus comportamentos, suas visões de mundo, sua cultura; e a renovação constante somada à permanência (mesmo que não constante) superam a efemeridade inicial; o que não faz desaparecer seu início (pertencimento e efemeridade), mas mais é construído a partir disso. E ainda é e deve continuar sendo totalmente afetivo, mesmo que se torne “prático” para uns ou outros 81.

A diferença básica entre a interação dos que são membros do grupo para os que não são é que eles entram no chat para uma atualização de algo virtual (o grupo), enquanto os novos entram a procura 80 O perfil fechado deste grupo citado pode ser também comparado com outro grupo semelhante, chamado grupo VP (vídeo papo), originado a partir de um serviço de comunicação de mesmo nome, provido pela empresa telefônica local, na época, que, ao se fechar e com o fim do serviço do provedor, entrou em extinção, pois não teve mais forma de se renovar. Seus limites como grupo foram atingidos pelo perfil fechado, que, na contemporaneidade tende a não se manter a não ser que desenvolva novos objetivos que não as motivações afetivas, que, como vimos, tendem a ser efêmeras para os indivíduos. 81 Em reunião recente, soube dos planos de alguns membros em juntarem seus talentos e trabalhos para realizar algo do tipo filantrópico. Ou, por exemplo: minha pesquisa é prática e objetiva, mas ainda permaneço lá afetivamente; as pessoas me vêem lá afetivamente, mesmo com a pesquisa.


(na maior parte) do preenchimento afetivo (“conhecer gente nova” é o termo mais utilizado). Os membros do grupo estão renovando o preenchimento (falam dos acontecimentos das reuniões, dos passeios e viagens, das fofocas, marcam encontros, antecipam coisas das reuniões; é um complemento de uma atualização em outra); enquanto que os novos estão a procura do mesmo. Isso, é claro, não impede que membros procurem novos preenchimentos (mais gente nova). Na verdade, o caráter afetivo, efêmero e efervescente do grupo também é mantido pela constante interação com novas pessoas. O processo de identificação com o semelhante é constante e não termina apenas na manutenção do grupo, mas também na fluidez do mesmo. As atualizações do grupo renovam as afinidades afetivas que já existiam e trazem novas para o seu centro de interações; o qual não é formado por pessoas específicas, mas pelo fato da regular e constante atualização do grupo; sua virtualidade, que faz com que sempre haja pessoas se convergindo para ele para se reunir, se atualizar, se manter preenchidas ou encontrar o preenchimento. Tudo isso faz parte da construção simbólica do que é grupo para os seus membros (um lugar para ir e estar, um grupo de pessoas para encontrar, emoções para sentir, etc.), logo, dizer de núcleo sem pessoa específica, quer dizer que mesmo se Fulano, o membro mais antigo do grupo, não vier em 5 reuniões seguidas, e outros 8 membros pararem de vir por causa da ausência de Fulano, outros membros do grupo continuaram indo às reuniões e farão atualizações com novos membros e a virtualidade do grupo será mantida sempre, mesmo que os seus membros (os indivíduos) sejam efêmeros e inconstantes em suas atualizações (no chat ou nas reuniões). “É o tempo em que relaxo e não penso em nada sério. É o momento em que falo com meus amigos e sempre encontro gente nova. É quando a gente pode se abraçar e rir a vontade. É hora de celebrar tudo de bom em se ter amigos. É a hora de encontrar e ver os amigos. É hora de beber e se divertir. É a hora que esqueço os problemas. É a hora que me divirto.” (Depoimento de membro do grupo Galera ZAZ sobre a importância do grupo para ele.)

2.2.7- Clones Pela primeira vez pude notar a presença e primeiro impacto dos chamados clones na dinâmica da interação no chat: uma usuária (Pequen@ Notável®1) teve de ficar insistindo para que um clone dela (Pequen@ Notável®) saísse da sala ou trocasse de nick. Esses clones eventualmente têm um grande impacto na manutenção da interação, especialmente entre membros do grupo, pois, muitas vezes há o deliberado (ou não) intuito de provocar atritos entre membros através dessas confusões com clones.


As situações adversas com clones acontecem quando membros ou usuários comuns passam a freqüentar o chat com o nome de outro indivíduo já conhecido propositadamente, e com este começam a romper as regras e convenções de respeito aos outros, xingando, ofendendo ou até mesmo difamando membros (presentes na sala ou não); isso pode causar sérias conseqüências nas atualizações complementares do grupo (chat e face-a-face), brigas, discussões, desavenças e até inimizades duradouras. Não fui testemunha de nenhuma dessas situações, mas me foram contadas algumas e pude ver a conseqüência de uma delas: dois membros que nunca mais se falaram após o incidente com clones, mesmo depois de esclarecido, e que se ignoram nas reuniões, mesmo que outros presentes lhes sejam próximos. Algo bastante incômodo para muitos. Mas isto não impede a continuidade do grupo; na verdade acaba fazendo parte do seu perfil aberto e cheio de fluxos de interações (mesmo que negativas). 2.2.8- Como os subgrupos aparecem no chat A origem dos subgrupos é totalmente ligada ao partilhamento de afinidades face-a-face. As trocas realizadas no chat tendem a não poderem se concentrar tanto em núcleos de membros por causa do contínuo fluxo de outros usuários no mesmo espaço de interação. Os subgrupos se formam a partir da complementaridade entre espaços. Subgrupos mais fortes como os Chaparrais ou a Máfia têm a capacidade de se concentrar em suas afinidades mesmo no chat, pois há códigos partilhados suficientes para tal concentração mesmo em um ambiente mais disperso, no entanto não é costume fazerem isso. Se querem fazer, fazem pelo ICQ, cujo propósito é justamente esse: concentrar, intimidade. No entanto, núcleos momentâneos de afinidade (subgrupos também) podem se formar dentro do chat entre membros (e não membros também), mesmo que normalmente estes não venham partilhando muitas afinidades; suas trocas naquele momento adquirem um caráter mais particular e isso pode ser interpretado como subgrupo. No face-a-face isso também ocorre, durante as reuniões do grupo, porém, geralmente notando-se que os núcleos têm um caráter mais prévio: pessoas que já se conhecem de outras reuniões e/ou do chat. Procurar afinidades de fato se torna uma atividade dos membros mais recentes, pois, mesmo havendo as inter-trocas entre subgrupos diferentes, os membros já sabem mais ou menos onde têm mais afinidade ou menos. No chat podem acontecer núcleos que normalmente não se vê em reuniões. As razões para isso são várias: a sala está vazia de outros membros, por isso os que lá estavam partilharam esta afinidade; surgiu um tema entre estes membros que nunca tinha surgido antes; estão a fim de teclar com outras pessoas


(renovação), etc. Membros que normalmente apenas se cumprimentam, passaram a interagir com mais intensidade naquele momento, gerando um subgrupo, que pode ser re-atualizado ou não em outra situação (retomar a conversa numa reunião, por exemplo), mas que constituiu um núcleo de interação momentâneo do grupo, como muitos outros núcleos em muitos outros momentos possíveis. Ainda com relação aos subgrupos no chat, pode-se notar a presença dos de forte identificação (ou possível identidade), como os Chaparrais, através do estilo de atualização: escrevem quase sempre com letras maiúsculas (gritando); brincam muito; teclam baixarias escrachadas; teclam sobre o Bahia (o time de futebol); teclam sobre "rock", falando mal de pagode e muitas vezes escrevem termos referentes ao grupo que os identificam: chapa-isso; chapa-aquilo; etc. 2.2.9- Circuitos de interação no chat Vamos tentar descrever como se dá um possível circuito de interações de membros do grupo no chat (10/05/2000, depois da meia-noite, escolhido aleatoriamente). Nido tecla em despedida com Máfia Nunca Dorme. Depois com Jessica31 (não membro no momento). Depois com Elétrika. Depois com todos (mensagem aberta de despedida); 14 vezes, para ter certeza que todos puderam ler. Provavelmente ele vinha teclando mais com estes (Máfia..., Jessica31 e Elétrika), quando depois eu entrei na sala. Máfia... tecla carinhoso com Alessandra. Depois responde a despedida de Nido. Depois avisa para todos que está com sono. Saiu logo depois; as despedidas devem ter sido “reservadas”, pois nem mesmo as conversas anteriores estavam aparecendo. Alessandra tecla carinhosa com GoldenEye (ele estava com o complemento In Love no nick). Depois responde o carinho de Máfia..., já em despedida (provavelmente estavam no reservado). Mais tarde ela sai da sala. Com certeza estava teclando reservadamente com outros membros e/ou usuários. Elétrika tecla casual com Scooby Doo. Depois inquisitiva sobre a demora em lhe responder, com Aloprado (namorado dela). Depois novamente com Aloprado: lamentos (provavelmente eles também estavam reservados). Depois com Scooby Doo, outra casualidade. Depois de


volta com Aloprado, lamentando as quedas de conexão. Novamente com Aloprado, dizendo sentir falta dele. Mais tarde tecla com Meg, 2 vezes, comenta a queda de Aloprado. Depois responde despedida de Nido. Depois responde despedida de um tal Kurt (não membro no momento), cuja mensagem de despedida não aparece. Depois responde despedida de Máfia... Depois ela se despede de Adonai (ou estavam reservados ou teclaram antes de eu entrar). Ela termina não saindo; tecla novamente com Aloprado, que retorna a conexão, dizendo que achava que não mais “falaria” com ele neste dia. Continua teclando carinhosamente com Aloprado. Parece estranho eles não estarem no reservado, trocando carinhos abertamente. Mais tarde ele “cai” novamente. Ela coloca mensagem de lamento para todos. Depois tecla com Scooby Doo novamente, dizendo que ela e Aloprado não estavam namorando; isso por causa do tipo de interação que eles estavam tendo e que estava no aberto; Scooby Doo também estranhou eles não estarem no reservado. Depois não vi mais mensagens dela até eu sair. Dengosa tecla com GoldenEye. Mais tarde, novamente com ele. Depois com Casado35. Depois ela tecla para todos perguntando sobre Gato. Ela provavelmente estava em vários reservados, pois não a vi mais até ela sair. Scooby Doo tecla alegre com Elétrika. Depois com Nano1 (não membro no momento). Novamente com Elétrika. De novo com Nano1. Depois novamente com Elétrika, aparentemente se despedindo. Mais tarde ele coloca uma mensagem engraçada para todos, 2 vezes. Depois ele tecla com Sharon19; aparentemente ela entrou e ele decidiu ficar. Depois tecla com Meg, reclamando por todos estarem saindo (se despedindo). Depois novamente com Sharon19. Novamente com Meg. De novo com Elétrika, 2 vezes. De volta para Sharon19, 3 vezes, bem alegre. E finalmente uma última para Elétrika, dizendo não entender aquela situação dela e do Aloprado no aberto e não no reservado. Não houve mais mensagem dele até eu sair. Meg tecla com Nido, respondendo despedida. Depois com Aloprado. Depois com Elétrika. Depois ela coloca mensagem de despedida para todos, dizendo estar cansada e por isso não se despedirá de cada um, 17 vezes (é só copiar e enviar várias vezes) antes de sair, para ter certeza que todos puderam ler a mensagem.


GoldenEye tecla com Dengosa, sobre ser sincero com sentimentos. Depois com Abelha (não membro no momento), sobre o mesmo assunto. Depois ele coloca mensagem para todos expressando sentimentos (lembrando que ele estava com o complemento In Love no nick; quer dizer, um estado emocional momentâneo expresso pelo complemento: apaixonado, em inglês). Tecla novamente com Dengosa sobre seus sentimentos. Depois com Gospel Girl, ainda no mesmo tema. Depois tecla com Sharon19 com saudação de boas vindas (ela tinha acabado de entrar). Depois disso não vi mais mensagens dele; provavelmente ele ficou no reservado com outras pessoas. O tema expresso pelo complemento em seu nick foi uma afinidade que ele partilhou com muitos outros membros, especialmente garotas. Aloprado entra na sala depois de provavelmente ter caído muitas vezes. Tecla com Elétrika, pedindo ela para esperá-lo. Depois, novamente com ela, expressando emoções. Continua teclando com ela. Ele sai da sala por engano. Ele entra de novo e tecla com Elétrika, reclamando das falhas em seu computador, etc. Não o vi sair de novo, mas sua conexão vinha caindo muito. Basicamente ele teclou com Elétrika. Sharon19 entra na sala e tecla com GoldenEye, se anunciando (beijo, etc.). Depois tecla com Scooby Doo do mesmo jeito. Depois com Máfia..., já respondendo a despedida geral dele com um termo muito usado pelo grupo, “risca”, que significa ir embora. Tecla novamente com Scooby Doo. Depois com um tal de Edu (não membro no momento); aparentemente rebatendo algo que ele disse reservadamente e que ela não gostou. Ela entra e saí da sala rapidamente; provavelmente algum problema técnico. Tecla com Scooby Doo novamente, reclamando dos serviços da companhia telefônica local. Depois não vi mais mensagens dela até eu sair; talvez ela estivesse no reservado com outros pessoas (membros ou não). Vemos que os circuitos de interações possíveis de um membro dentro do chat são bastante fluidos e também inter-cruzados, sendo construídas redes de interações que de fato não são muito limitadas, pois há sempre membros entrando e saindo, ou mesmo há sempre usuários também prontos a estarem dentro destas redes de interações. Essas construções conjuntas e em rede é o que dão o perfil das inter-afinidades trocadas entre os muitos membros, subgrupos e também usuários comuns, que podem ainda vir a ser membros; tudo depende das trocas de afinidades. Os conteúdos são basicamente lúdicos e afetivos, como pudemos ver. E o partilhamento de códigos proporciona os imediatos reconhecimentos e trocas (e também conflitos) entre membros; não ignorando os


possíveis aprendizados e renovações (e também conflitos) junto aos usuários não membros, como também vimos.

2.3- Face-a-face. 2.3.1- Apresentação Na primeira vez que fui a uma reunião cheguei no suposto local do encontro por volta da hora marcada. Notei um pequeno grupo ao redor de duas mesas, mas não tinha certeza se eram eles. Tinha que me apresentar com o meu nick (peskisador) e não estava tão seguro em chegar no grupo e me apresentar, pois seria um grande constrangimento se fosse o grupo errado. Na primeira mesa estava um pessoal mais calmo, menos agitado, logo desconfiei que não faziam parte do grupo. Suspeita que se confirmou no decorrer do evento. Na mesa onde achava que era realmente o pessoal Galera Zaz, antes de finalmente me apresentar, fiquei sentado numa mesa próxima e observei, sem interferir (minha proximidade atraiu um ou outro olhar; provavelmente alguém achasse que procurava o grupo, ou apenas estranhou alguém sozinho sentado perto e olhando para eles). Notei que realmente eram bastante agitados, com algumas pessoas sentadas e algumas de pé. Naquele momento estavam olhando fotos de algum evento passado do grupo (vim saber depois que eram de uma viagem à cidade de Serrinha, algumas dias antes, no feriado de 1ª de maio). Estavam compartilhando os momentos passados (re-partilhando, revivendo o passado, ritual de retomar a história recente do grupo, semelhante a qualquer grupo, acredito: pessoal de rock que se reúne para um novo show e comentam os acontecimentos de um show anterior: as piadas, os acidentes, as bebedeiras, etc.). Notei que era o aniversário de alguém do grupo (mais tarde descobri que era da membro chamada Amigalinda, de Brasília e que ela iria embora no dia seguinte...), mas só podia assumir pelo que observava e ouvia de longe. Até este momento de só observação (ainda sem me apresentar), também notei que os rapazes estavam mais fechados e mais “companheiros” entre si e as moças estavam mais alegres e saltitantes (gritinhos, etc.). As moças beijavam e abraçavam tanto moças quanto rapazes ao se verem (reverem); os rapazes, a maioria, se limitavam a apertos de mão entusiasmados. Um paralelo em relação a essa diferença de expressividades é o modo como as mulheres parecem ter mais facilidade em colocar declarações de afeto no chat; pelo menos parecem ser em maior quantidade; os homens o fazem menos, mas também o fazem, principalmente porque não há outra forma de fazê-lo no chat. A diferença também se estende pelo fato de as mulheres se


expressarem deste modo com ambos os gêneros; enquanto que os homens, em geral, somente com as mulheres. A última coisa que notei antes de finalmente me apresentar foi o fato de muitos terem em mãos aparelhos de telefone celular; pode parecer trivial nos dias de hoje, pois muita gente possui esse aparelho, mas notei que havia uma função específica no grupo: manter contato entre eles próprios fora daquela reunião (alguém que não iria poder vir, mas queria dizer “OI”; ou alguém que não mora na cidade, mas que gosta de “estar presente” nas reuniões via telefone; aqui, a mediação eletrônica mostra mais uma sua utilidade no processo de sociabilidade: alguém não pode vir em corpo, mas faz sua atualização em forma de voz, num deslocamento puramente simbólico). Marla35 foi minha “madrinha” nessa apresentação geral para o grupo. Ela foi me apresentando a cada um do grupo presente, pois ela tinha sido justamente alguém com tinha tido contato anterior no chat; poderia ter sido também Marcelo-BA, ou ^any^, ou ainda GoldenEye; apenas que Marla foi quem apareceu primeiro. Ela usava uma camisa azul onde estava escrito o nome Marla, em branco (um símbolo de identificação com o grupo e dentro do grupo; seu nome verdadeiro é outro, logo este nome só faz sentido dentro do grupo, identificando-a como do grupo). Muitos do grupo chamavam ela de “tia”, por causa de sua idade: 35. Qualquer membro com pouco mais de 30 anos pode ser chamado carinhosamente de “tio(a)”. É uma forma tanto de separação quanto de integração. A jovialidade do grupo é mantida, ao mesmo tempo em que se estabelece um “lugar” para o pessoal mais “maduro”. Tive oportunidade de presenciar pela primeira vez o ritual de apresentação na chegada de um dos membros. Do mesmo modo que no chat, geralmente, costuma-se colocar uma mensagem de saudação aberta a todos quando se entra na sala. Ao chegar na reunião, o membro Escroto, passou a falar e cumprimentar a todos, um a um; as garotas com beijos e abraços e os homens com apertos de mão; mesmo os membros que ele não conhecia... inclusive eu. Notei que esta era uma prática mais ou menos comum a todos que iam chegando; às vezes com mais entusiasmo, às vezes menos; nem sempre com todos, mas com a maioria; porém, sem dúvida um ritual de aproximação que identifica o recém chegado como parte do grupo: reconhecendo os conhecidos e se apresentando aos desconhecidos (“Qual é seu nick?” ou “Quem é você?”)... e daí se formando o vínculo de afinidade. Após a apresentação/introdução/penetração no grupo, assim como no chat, tende-se a haver um período de adaptação (entrosamento) para que o novo membro se familiarize com as pessoas e descubra aquelas com quem têm maior afinidade; permanecendo essas afinidades tanto no chat


quanto no face-a-face. Ex.: Os Chaparrais, nas reuniões, na praia, nas festas, nas viagens, eles tendem a ficar juntos (partilhando as suas afinidades), mas estão sempre também falando e brincando com outras pessoas do grupo. No chat, quando membros do grupo entram, tendem a falar com todos os presentes (os outros membros e quaisquer eventuais conhecidos), mas, depois reduzem os interlocutores a aqueles com quem têm mais afinidades (mesmo que seja momentânea partilharem algo naquele momento apenas). A melhor ilustração disso é a circulação entre interlocutores (no chat) e entre subgrupos (nas reuniões). Por mais que haja afinidades entre alguns, sempre se está em interação com outros; às vezes mais, às vezes menos; já pude testemunhar ocasiões em que, após os cumprimentos de chegada (tanto no chat, quanto nas reuniões) um membro passou todo tempo de sua presença na atualização (chat ou reunião) falando (ou teclando) com apenas uma pessoa. Então, aí já se realizou toda sua primeira adaptação. 2.3.2- Aplicando os rituais Rituais formulados: 1- Conhecimento técnico: aprendizado pela convivência (chat e face-a-face). 2- Linguagem e vocabulário (os códigos): aprendizado pela convivência (chat e face-a-face). 3- Netiqueta (conhecer as convenções de convivência do grupo e respeitá-las para se ser aceito aprendizado informal - pode-se errar e aprender pelo erro - outros podem ensinar) (a característica honestidade está contida aqui, mas basta coerência no comportamento). 4- Afinidades (pré-requisito para socialização) (só pode haver sociabilidade onde há símbolos semelhantes a serem trocados). 5- Ritual de Apresentação: depois de ter aprendido 1, 2 e 3, tem-se 4 com algumas pessoas no chat e daí basta a oportunidade (vontade, convite, etc.) para ir na reunião. Ao chegar na 1ª reunião, procura-se pessoas com quem já se tenha teclado através do nick; esta pessoa será uma espécie de guia/padrinho que ajudará a fazer o primeiro circuito de cumprimento/apresentação, passando por todos o membros/nicks presentes na reunião. E daí basta desenvolver o ritual 4 ao longo da reunião, das futuras reuniões e futuros chats, sempre seguindo 1, 2 e 3. 6- Ritual da Chegada (cumprimentos): é o ritual contínuo para quando se chega nas reuniões; fala-se com todos os que já estão presentes, fazendo-se um circuito completo. Normalmente se fala mais com as pessoas já conhecidas, mas também vai se apresentando aos que não se conhece ou lembra.


7- Ritual da Despedida: semelhante ao 6, somente que é na hora de partir da reunião. Os rituais correspondentes a 6 e 7 no chat podem se resumir a simplesmente colocar uma mensagem de chegada ou despedida, aberta, dirigida a todos: “Boa tarde, pessoal!”; “Até mais, galera!”... Como todos poderão ler a mensagem e a mesma não está dirigida a ninguém específico, interpreta-se como um cumprimento ou despedida coletivos. É claro que a pessoa pode fazer o mesmo particularmente para alguém com quem vinha teclando antes, ou simplesmente por vontade. O ritual 5 no chat é um pouco diferente, pois é completamente dependente de 4 (afinidades), a princípio: encontrar afinidades com pessoas do grupo para começar a se socializar e daí aprender os passos 2 e 3 (os códigos). Uma exemplificação sistemática de todos estes rituais seria menos interessante para a compreensão mais ampla da sociabilidade do grupo do que na forma de situações presentes nas descrições posteriores, como foi escolhido fazer.


2.3.3- Fluxos internos do grupo Durante uma reunião o grupo aumenta consideravelmente, com o contigente fluindo de uns 7 a 10 membros para uns 30 a 35, por exemplo. No começo ocupando uma mesa e arredores (gente de pé) e mais tarde umas 4 ou 5 mesas, com seus subgrupos de conversas e com boa parte deles circulando de um lugar para o outro, em interações múltiplas e cruzadas. Os choques entre personalidades também fazia parte destes cruzamentos. Os nicks escolhidos pelos membros tentavam expressar, em grande parte, algo imaginado por eles próprios como parte de suas personalidades (Elétrika era agitada; Aloprado era lento; Maluco era “doido”; Escroto era “escroto”, etc.). O modo como isso interferia nas interações era tão variável quanto a variedade de nomes, pois desses choques se construíam as redes de relações que formavam a atualização do grupo (esta atualização). O inter-cruzamento de circuitos de interação dos membros se mostra bastante móvel. A agitação e a movimentação dos indivíduos presentes é constante, demonstrando um pouco da noção de impacto no espaço expresso por membros no chat, antes. A quantidade somada ao comportamento alegre realmente chamava a atenção em relação ao resto do ambiente. Soube mais tarde que essa era uma peculiaridade das reuniões de sexta-feira, pois eram mais pessoas e mais movimento. Posteriormente veremos que nas reuniões de quarta-feira (e também de sábado) o fluxo é bem menor, tanto em quantidade quanto em agitação. Numa reunião de quarta-feira havia três mesas ocupadas pelo pessoal do grupo. Realmente havia bem menos que na sexta-feira e estavam sentados e mais calmos. Numa mesa estavam 4 pessoas (3 homens e 1 mulher); em outra estavam os membros Meg, que lembrei logo da reunião anterior, Destino e Xandinha; sentei com eles. E ainda na terceira mesa ocupada estavam o casal: Bogobil e Sindy; depois eles se juntaram a nós; Bogobil até reclamou de eu não ter cumprimentado ele quando cheguei; eu disse que ele parecia “ocupado” e não quis atrapalhar. Nota-se a importância da renovação dos rituais de saudação que compõem o pertencimento afetivo ao grupo: espera-se que ao se chegar na reunião, deva-se saudar a todos os presentes (ritual de apresentação/chegada). Mais tarde, chegaram a ser 4 mesas ocupadas, sempre com grupos básicos sentados e membros variáveis indo de um núcleo a outro. Não sendo estas duas categorias de membros sempre os mesmos, sempre variando. Como nesta reunião de quarta-feira o contingente era menor, a formação de subgrupos era menos explícita, isto é, a fluência entre núcleos era maior, por isso o caráter mais unificado do grupo presente. O total de membros variou de nove (contagem na chegada) até 23 (o máximo).


Fiz em campo uma lista baseada em médias extraídas de todas as reuniões freqüentadas e observadas por mim. Checando-se a hora de chegada e de saída dos membros mais assíduos na época da pesquisa e verificando o tempo médio de permanência de cada um. Verificamos também o tempo médio geral de todos estes e também notamos qual é o período de maior concentração de membros nas reuniões (neste caso, tanto de quarta quanto de sexta-feira, já que apesar da diferença de quantidades nos dois dias: máximo da quarta-feira - 27 membros; máximo da sexta-feira - 53 membros... o período de maior concentração é o mesmo devido às contingências físicas e temporais: shopping, depois de trabalho, trânsito, hora que shopping fecha, etc.). Notamos que a média de permanência de um membro numa reunião gira em torno de 2 horas. Obviamente que esta média é variável, pois existem situações particulares que sempre podem ocorrer durante a presença de cada membro. Situações em que um membro chega e sai rapidamente, pois tem um outro compromisso, mas deseja passar pelo encontro para cumprimentar o grupo. Ou situações em que um membro está no shopping desde cedo por alguma razão e por isso seu período de permanência ficou muito extenso. O que podemos ainda afirmar a partir destas médias é que o período que compreende as maiores concentrações de membros, tanto quarta quanto sexta-feira, é entre às 19:50 e 21:40; o que nos diz da saída da maioria de suas ocupações diárias (trabalho e/ou escola), do trânsito da cidade no horário entre 18 horas e 19:30 (quase sempre congestionado) e das diferentes disposições em ficar no grupo até um certo horário, se atualizando, mas depois se partindo para as reuniões de pares, ou de família, ou subgrupos, ou até mesmo sós... além do fato do shopping não demorar tanto a fechar. 2.3.4- As aproximações por afinidade Durante minha primeira reunião tive a oportunidade de estabelecer um contato via uma referência afinitária do chat: vi um rapaz com uma camisa da banda de rock Rage Against the Machine e lembrei de ter teclado com o membro Salgado sobre esta banda; daí pude estabelecer um contato precedente com o rapaz, mesmo não sendo o Salgado, mas sim um amigo dele, Maluco. Posteriormente fiquei sabendo que ambos faziam parte do subgrupo autodenominado Chaparrais, de afinidades bastante específicas. Fica aqui o registro do poder de uma simples afinidade indireta (já que o contato foi com outro) para aproximar pessoas, gerar possíveis trocas, motivar sociabilidade complementar entre o chat e o face-a-face.


Várias outras interações aconteceram de forma totalmente caótica aos primeiros olhos de pesquisador. Membros com quem teclei anteriormente vieram se apresentar também ao chegarem e um laço de referência se formou no momento. Muitas interações fluíam a partir das referências no chat. A complementaridade entre os espaços já começava a se mostrar. Mais tarde também, pude notar a estrutura de subgrupos (convergência de membros para diferentes afinidades: personalidades, comportamentos, gostos, etc.) em rede de trocas inter-cruzadas, sistematizando um pouco mais do caos aparente do grupo reunido. Os problemas técnicos e temas do chat (da Internet em geral) surgem constantemente como formas complementares de afinidade. Nesta reunião, a membro ^any^, assim como Marcelo-BA, mencionaram o meu “desaparecimento” do chat no dia anterior, e disso se gerou uma interação mais diversa, inclusive com outros membros também falando sobre esse tipo de assunto. As trocas entre membros podem ir desde memórias e brincadeiras sobre eventos passados até se “curtir” com um nick em especial de um membro (novo ou mais antigo). Situações ocorridas e partilhadas por membros são constantemente re-partilhadas na forma de material de troca simbólica. Um outro material simbólico de trocas constantes são os flertes e paqueras entre membros; em geral, com intenções puramente lúdicas e efêmeras, trocam-se frases e brincadeiras sugestivas a respeito de sexo e namoro; algo que parece estimular bastante a sociabilidade do grupo e que devemos lembrar que também gera frutos: os muitos casais presentes no grupo. O imaginário coletivo, já várias vezes citado, também é um constante material de troca no interior do grupo: filmes, novelas, desenhos animados, heróis, personagens, etc. do mundo contemporâneo preenchem muitas das trocas entre membros e ajudam a construir o pertencimento partilhado simbolicamente. Sobre este pertencimento, ainda; pode-se notar dentro do grupo situações freqüentes de membros com expressões tristes aparecendo nas reuniões, mas tendo seus semblantes mudados no decorrer das múltiplas interações, e isso ocorrendo porque algo puramente afetivo lhes está preenchendo naquele momento e isso é a noção de pertencimento que parece importar mais para os membros: ter pessoas com quem contar para partilhar os momentos alegres, construir momentos lúdicos, viver a sociabilidade dentro do complexo todo de suas vidas, mesmo que a aparência da mesma seja completamente fútil. O mesmo tipo de pertencimento interpretado por Midlej e Silva (1996) sobre os bailes funk em Salvador e por Vianna (1997) no Rio de Janeiro; puramente afetivo e efêmero, mas necessário aos seus indivíduos.


Existem também dentro do grupo muitas afinidades inter-cruzadas: membros que moram no mesmo bairro, estudam na mesma escola, trabalham com o mesmo tipo de coisa, etc. Este tipo de afinidade estaria numa zona mais periférica do centro motivador da sociabilidade, pois já que muito do que é partilhado inicialmente não revela tudo sobre o membro/usuário. O que podemos acrescentar disto é que há sempre mais a ser trocado e partilhado nas redes de afinidades que compõem o grupo. O reservado face-a-face O reservado face-a-face tem dois aspectos: 1º) o que é visto: durante uma reunião, dois membros se afastam do grupo para ter uma conversa mais privada; as outras pessoas do grupo podem ver que os dois estão falando reservadamente; o 2º) aspecto é o do reservado não exposto, que é quando alguém do grupo marca um “reservado” (encontro, etc.) com alguém do grupo ou não, só que fora da reunião, em outro lugar. Os outros membros do grupo não têm como ver esse reservado; nem como saber sobre o mesmo. Essa prática contribui para o partilhamento cada vez mais elaborado de afinidades entre os membros do grupo; gerando subgrupos, casais, etc. E também sendo uma constante renovação dos mesmos pelas trocas inter-cruzadas, pois nem sempre o que foi feito/falado num reservado fica “reservado”, passando a ser mais um material simbólico de troca (mais afinidades). 2.3.5- Complementaridade entre espaços A complementaridade é um processo constante na construção da noção de grupo entre os membros da Galera ZAZ. São as contínuas trocas de referências que proporcionam isto. Vejamos a seguir alguns fragmentos que exemplificam o tipo de complementaridade entre espaços de interação (chat e face-a-face), que temos visto e com a qual iremos lidar até o fim da Etnografia: "GøldenEye*® 18:11:16 fala com ¿Sh@ron19¿ vc tá legal?? saudades de vc... não te vejo desde hj... *risos*" (O membro GoldenEye se refere jocosamente ao fato de terem se visto neste mesmo dia na reunião do grupo no shopping; uma referência complementar...) "((MALUCO)) 17:57:23 fala com MADAME40 E AÍ MINHA TIA QUANDO VAI A PRAIA COM A GALERA? MADAME40 17:59:24 fala com ((MALUCO)) QUERO IR PRA ESSA PRAIA QUALQUER HORA DESSAS..." (O membro


Maluco se refere à atualização do grupo, de parte dele, na praia, espaço de interação que veremos mais tarde; o convite traz referências para dentro do chat, o que influencia a interação com mais afinidades complementares...) "N!ÐO® 17:59:19 fala com SAM®®® Beijos minha pequena, até amanhã..." (O membro Nido faz referência a reunião do dia seguinte, uma quarta-feira, no shopping; são códigos que complementam a interação entre os dois membros, ele e Sam, para quando possivelmente se encontrarem na reunião referida...)

O subgrupo dos Chaparrais, sobre o qual já falamos, por exemplo, complementa sua afirmação de diferença (suas afinidades particulares) em formas expressivas também no chat, como nos fragmentos: "((MALUCO)) 17:59:25 CHAPARRAL entra na sala" (O membro Maluco tanto anuncia sua presença, quanto afirma seu pertencimento específico ao subgrupo dos Chaparrais; muitas vezes se coloca este tipo de mensagem aberta a todos muitas vezes, copiando-a e enviando-a continuamente, para chamar a atenção e também para ser vista por todos.) "((MALUCO)) 18:07:14 MORTE AOS VIADINHOS DOS HANSON, É ROCK'ROLL NA VEIA DOS MANOS!" (Aqui é afirmado o gosto do membro Maluco, que é também o dos Chaparrais, por um tipo de música, rock, mais agressivo e menos popular; demonstrando oposição ao grupo americano Hanson, que faz canções leves, populares e comerciais, no ponto de vista dele: há uma afirmação de afinidade pela diferença.)

E também outras trocas complementares diversas, além das outras ferramentas de interação na própria Internet (e-mail e ICQ) e dos outros espaços de interação face-a-face (praia, viagens, festas, etc.); como nos fragmentos: "gato® carente 18:00:58 fala com mil@1 ok me liga a gente vai marca ok?" (O membro Gato marca com a membro recente Mil@ um telefonema para talvez depois se encontrarem face-a-face; acredito que a complementaridade aqui seja auto evidente: vai-se de uma ferramenta a outra, de um espaço a outro, construindo-se interações cumulativas, etc.) "CAPITAUM DESGRAÇA 18:05:31 fala com BALA BOA NOITE TIO... KD MINHA TIA??? BALA 18:06:20 fala com CAPITAUM DESGRAÇA Naum sei viu ela por ahi??? Boa noite..." (A referência da “conversa” é sobre Marla35, namorada do membro Bala, que se complementa por fazer parte de outros espaços de interação também; pergunta-se sobre e se responde; notemos a familiaridade dos termos e também o tipo de linguagem: KD, NAUM, ahi e Capitaum... 82) "peskisador 01:16:18 reservadamente fala com ScoobyDoo® E se voce é o Scooby, então, não era você quarta passada?... A gente foi para a rodoviária juntos com outros... Não foi você? ScoobyDoo® 01:18:01 82 Ver dicionário de termos do grupo.


reservadamente fala com peskisador Quarta passada? Vc tava ali foi? Lembro que tavam eu e a Meg, depois chegou o Nido, o Dom." (A situação que foi partilhada antes, é relembrada na nova atualização.)

Há grandes semelhanças entre o chat e as reuniões. É meio esquizofrênico, mas também sem muito compromisso; então sua manutenção constante não demanda tanta atenção. Os reservados (tanto no chat quanto nas reuniões) é que são as interações que levam a uma maior intimidade entre membros; e quando se retorna ao aberto, vêem-se as diferenças internas e daí podem se formar também identidades. De afinidades mais gerais para mais específicas e pessoais; renovação do grupo pela constante descoberta de afinidades afetivas (ou não) em comum entre novos e antigos membros; subgrupos que se inter-relacionam e compartilham membros mesmo que tenham membros mais fixos. 2.3.6- Partilhamentos Toda sociabilidade do grupo se dá pelo partilhamento de referências; os códigos e símbolos partilhados são os mais visíveis, como no caso da peculiaridade lingüística em que não se deve falar palavras terminadas em “U”, para se evitar a rima com “cu”; explicitando: todo “U” final deve ser trocado por “IVES”; exemplo: Aracaju se torna “Aracajives”; azul se torna “azives”; Curuzu se torna “curuzives”; Matatu se torna “matatives”; etc. Parece apenas uma infantilidade lúdica talvez, mas é uma forma fascinante de integração diante da possibilidade da galhofa geral do grupo, ou de partes dele, que tenha a oportunidade de ouvir tais “falhas” (dizer-se o “U”) dentro do grupo 83.

Outra coisa a ser notada no modo de interação do grupo, tanto na quarta quanto na sexta-feira, é o partilhamento das comidas. Geralmente cada um compra sua bebida, no entanto, quando alguém compra algum lanche ou tira-gosto e o leva para uma mesa onde estão outros membros, o normal é se dividir com os outros; principalmente batata frita, o lanche mais comum e mais barato no shopping. É mais uma forma de integração que ajuda a construir o pertencimento ao grupo. Um membro recém chegado é convidado a comer também; um partilhamento que sem dúvida aproxima, que é socializante. Piadas e brincadeiras de conotação sexual parecem muito fazer parte do círculo de humor picante presente na cultura dos jovens de Salvador (masculinos, principalmente...) e de várias classes sociais, mas principalmente média, que parece ser a grande maioria, que convive nos mesmos meios e aprendem as mesmas coisas. Ainda recordo da insistência do membro Dom em querer me “pegar” numa dessas piadas, quase que demonstrando irritação quando eu

83 A galhofa, a fanfarronada e o escárnio são apontados como atividades notoriamente lúdicas por Huizinga (1999).


não era afetado ou mesmo entendia a piada 84. Faz parte da penetração não só no vocabulário do grupo, mas também nos significados simbólicos (e lúdicos) daquelas partículas bem particulares que formam a sociabilidade do grupo. É para que servem todos os rituais de passagem: a dominação dos códigos e a compreensão de seus usos e transformações de significados simbólicos, através do convívio e do aprendizado.

2.3.7- A convergência de tantos diferentes Para a compreensão da sociabilidade dos indivíduos que fazem parte deste grupo é necessário penetrar um pouco em sua intimidade, e isso nem sempre é uma tarefa fácil; sendo um processo de sociabilidade tão amplamente contextualizado, por tantos elementos culturais constitutivos (sociedade, época, família, instrução, ideologias, classe econômica, acesso a informação, desconfiança, invisibilidade, multiplicidade de eus, etc.), podemos apenas tentar penetrar na intimidade dos indivíduos através 1) de seus rituais no/com o grupo; 2) de sua rotina cotidiana (para entender a sua compreensão da representatividade simbólica do grupo na mesma: o quanto o grupo importa para ele); e 3) de suas idiossincrasias e contradições no seu discurso sobre a relação entre o grupo e sua vida pessoal. Fazendo isso com uma parte do grupo poderemos formular uma cadeia de conceitos que poderão fazer compreender como é essa sociabilidade específica. Num total de 66 membros, com uma idade média de cerca de 19 anos, tendo como extremos 14 e 44 e uma concentração entre 18 e 22 anos, além de muitos outros com os quais nunca tive contato, pois durante o período da pesquisa não freqüentaram reuniões, ou então passavam despercebidos diante do fluxo de membros do grupo, ou ainda pela margem de erro que sempre admitia enquanto fazia a observação do fluxo e presença de membros, que era de 5 a 7 pessoas, pois muitas vezes se tornava impraticável o acompanhamento devido ao aparente caos de algumas dessas reuniões. No entanto aqui está o que podemos chamar de núcleo (ou miolo) do que foi o grupo Galera ZAZ durante o período de 4 meses de observação-participante. Evidentemente não foi a presença constante destes todos, mas foram os com os quais tive pelo menos o contato da apresentação em algum momento, mesmo que em apenas uma reunião (por isso as diferenças de quantidades de informação). Destes, um outro dado que podemos extrair é a quantidade de casais formados dentro do grupo, na época: sete (07); veremos com mais atenção que este tipo de relação de pares é também um tipo de subgrupo dentro do grupo, com o partilhamento de afinidades afetivas mais íntimas e o

84 Me senti como muitos dos Antropólogos que vão para aldeias indígenas e que são tratados como crianças, pois não entendem a língua direito ainda e passam por inocentes (sem malícia) nas situações desse tipo.


partilhamento mais pessoal de suas personalidades. Meg - 17 anos, mora no bairro de Brotas 85, estuda no 3º ano do 2º grau, pretende viajar para o exterior para estudar (intercâmbio cultural), família de classe média, tem oportunidade de somente estudar, de viajar para o exterior, acessa Internet de casa, já “ficou” (beijar, etc., só num dia ou evento) com outro membro do grupo, mas não virou namoro. Não faz parte de nenhum subgrupo específico, mas fica muito com os Chaparrais. O nick Meg é uma forma diminutiva de seu nome verdadeiro, que não irei revelar; serve tanto para uma apresentação mais simples como para proteção do nome próprio; qualquer variação daí é momentânea (Ex.: meguinha) 86.

Marla35 - 35 anos, separada, tem 2 filhos, formada em Administração e fez pós-graduação em Administração Pública, funcionária pública atuando como secretária, já teve 3 namoros começados na Internet (inclusive o atual com o Bala, do grupo), se considera de classe média, acessa a Internet principalmente do trabalho, mas também tem acesso de casa, vê na Internet um poderoso espaço para o envolvimento e relação de pessoas. O nick Marla35, que mais tarde ela mudou para 36 por causa do aniversário, é apenas uma alteração no nome verdadeiro, que também não irei revelar. Bala, mais de trinta anos (“tio”), namora Marla35. Bogobil - 18 anos, estuda e trabalha, alegre e sociável, namora a membro Sindy, acessa mais do trabalho, como a maioria. O nick é apelido criado anteriormente... Faz parte do subgrupo auto denominado A Máfia. Sindy, 22 anos, estuda e trabalha, namora Bogobil. Seu nick é uma referência alterada do nome da famosa modelo Cindy Crawford; a intenção sempre jocosa, mas ao atrair o seu reconhecimento e simpatia, o nome pegou. BadWolf - acessa do trabalho a noite, tem um perfil sensível e firme a respeito das relações via Internet, acredita que pode-se fazer amigos super fiéis, mas poucos; o fato de ter um trabalho interno e a noite o aproximou de alguns membros bastante específicos, com quem 85 Os bairros onde os membros residem são variados, mas são notoriamente de classe média. Não faz muita diferença para nossa compreensão onde eles estão. A relevância deles para a sociabilidade do grupo se dá no nível de mais uma afinidade possível entre membros, aproximando-os ou afastando-os, mas nunca servindo de impedimento para interações; pelo menos isso nunca foi demonstrado por nenhum membro. 86 No momento Meg não está mais freqüentando as reuniões do grupo, pois está justamente fazendo o intercâmbio mencionado.


criou laços de confiança muito fortes. Reservado, não fala sobre esses amigos, apenas diz que muito coisa é possível na Internet. Seu nick é uma referência de auto imagem: “lobo” “mau”, mas que diz o oposto de seu caráter sempre amigo e reservado; sua procura por amigos verdadeiros na Internet faz refletir neste nome: “Quero conhecer pessoas que queiram conhecer seu verdadeiro eu!” Muito amigo de Penelope, a seguir... Penelope - perto dos 30 anos, trabalha em empresa que lida com peões (construção), brincalhona, fala de tudo; ela só foi a uma reunião durante o período da pesquisa; ela era mais freqüente, mas incidentes e conflitos ocorridos antes da minha entrada no grupo a fizeram se afastar; é o mesmo tipo de conflito que sempre pode acontecer: clones agindo negativamente no grupo, trocas de acusações e insultos, mal-estar, etc. Muito amiga de BadWolf. O nick dela é uma referência a mitologia 87, também, advinda de gosto e conhecimento pessoal. Destino - 28 anos, mora no bairro da Vila Laura, em Brotas, analista de sistemas, trabalha como autônomo fazendo web pagese faz pós-graduação em informática na Faculdade Ruy Barbosa (uma instituição particular notoriamente cara), namora a membro Gata.exe; foi participante do Grupo VP (Vídeo Papo da Telebahia) que se formou a partir desta ferramenta midiática local, semelhante a Internet, e que costumava se reunir no boliche do shopping Brotascenter (este grupo não existe mais) 88. Com experiência no assunto disse que o grupo Galera ZAZ tem um perfil diferente, mais aberto e muito influenciado pelas paqueras e interesses de pares, diferente do outro grupo (VP), cujo o centro era a amizade partilhada pelos usuários (que não eram muitos) da ferramenta fornecida pela Telebahia (companhia telefônica local na época), no entanto as semelhanças de motivações lúdicas permanecem nos dois grupos, apesar do desenvolvimento diferente. Devo lembrar aqui ainda da existência do grupo formado a partir do provedor UOL, cujo perfil mais fechado e com poucos encontros, menos que os da Galera ZAZ, o faz também diferente, no entanto, com motivações lúdicas e afetivas semelhantes. Ele também esteve envolvido com confusões e fofocas dentro do grupo numa época antes de minha entrada no mesmo. Disse sobre os namoros, por exemplo, que existem alguns casais escondidos, pois basta qualquer “lance” ocorrer nas reuniões que todo mundo fica sabendo pelo chat; mostrando mais uma vez que os espaços de interação se complementam e que nem sempre positivamente, tendo nos conflitos possíveis uma parte integrante da mesma. O nick Destino é uma mistura de mitologia grega com um personagem de quadrinhos; apenas uma representação de seus conteúdos simbólicos pessoais. Na opinião dele as escolhas de Nicks refletem: O QUE QUER SER versus O QUE ESCONDE; dualidade que estamos aos poucos observando nesta série de perfis.

Gata.exe - vinte e poucos anos, mora no bairro da Liberdade, namora Destino, estuda e trabalha como Analista de Suporte, se vê como de classe média, acessa a Internet tanto de 87 Na obra clássica de Homero (Iliada e Odisséia) Penelope era a paciente e honrada esposa do herói Ulisses; no caso a simpatia vem do fato de ser um nome que lembra algo de bom da mitologia grega. 88 Ver texto MANTA, André. SENA, Luiz H. As Afinidades Virtuais: A Sociabilidade no Videopapo, 1998. (Texto informativo.). E-MAIL: palacios@ufba.br.


casa quanto de trabalho e escola; também esteve envolvida com o mesmo tipo de incidente no qual Penelope foi envolvida antes de minha entrada no grupo; por isso algumas dificuldades de convívio no grupo atualmente (na época da pesquisa). Seu nick foi uma construção incidental: escreveu “gata”, um termo que quase toda garota usa, e para não parecer comum acrescentou “.exe”, uma extensão de arquivos ou de programas de computador, e como ela trabalha com isso... Nido - 24 anos, mora no bairro de Pernambués, trabalha em escritório de administração de imóveis, acessa a Internet de lá, é bastante presente nas reuniões, paquerador, mas calado. Seu nick é uma referência ao próprio nome. GoldenEye - 22 anos, mora no bairro de Mussurunga (ao qual ele próprio chama de Mussucity: uma brincadeira com relação à distância do bairro em relação ao centro da cidade de Salvador e também em relação ao nome em si ser “engraçado”); é brincalhão e falante, faz parte do subgrupo A Máfia; estuda na Cefet (antiga Escola Técnica Federal da Bahia, no bairro do Barbalho); auto didata em relação a computadores, entende bastante do assunto; acessa tanto de casa quanto do trabalho, o qual também é com computadores. Seu nick é uma referência a um dos filmes da série de James Bond, da qual ele é fã. O imaginário heróico coletivo fazendo parte de sua forma de expressividade nestes espaços de interação; às vezes coloca complementos no nick, como vimos, como expressão de um estado momentâneo (físico ou emocional). Saulo (máfia nunca dorme) - 17 anos, estuda no Colégio Estadual Manoel Nováes: 3º ano do 2º grau, mora no bairro da Garibaldi, acessa a Internet de casa, parece mais velho (talvez por ser um pouco gordo), evidentemente faz parte do subgrupo A Máfia. Ele usa o próprio nome ou o epíteto pré-exposto. CAT^:^ - 17 anos, estuda e trabalha, mora no bairro do Imbuí, sua família não gosta que ela chegue em casa tarde, por isso nunca ficava muito nas reuniões; carinhosa e atenciosa com quase todos: veremos um caso de um membro que destratou muitas garotas no chat (Cat incluso) e por isso ele foi meio isolado; este, ela não trata bem... Ela estuda no mesmo colégio estadual em que Escroto estuda, mas só se conheceram através do grupo. Seu nick reflete auto imagem (gata; algo que quer ser ou acha que é) e também gosto por gatos. Muito amiga de


Polly, de GoldenEye e de Meg 89.

Peskisador - 26 anos, mora em Brotas, estuda e trabalha, acessa de casa; apesar de estar realizando um trabalho dentro do grupo não deixou de fazer algumas boas amizades; a afinidade com GoldenEye a respeito de filmes gerou bons frutos e também se dá bem com Bart, Dó, Destino e outros. O nick apresenta suas intenções no grupo ao mesmo tempo que expõe uma fachada mais distante dos outros, escondendo seu eu mais tímido. Marcelo-BA - 25 anos, trabalha como advogado, acessa tanto de casa quanto do trabalho, faz parte do subgrupo A Máfia. Usa o próprio nome, apenas acrescentando a sigla do estado onde vive (de onde tecla ou sua origem). Escroto - 17 anos, estuda em 3º ano do segundo grau de colégio estadual local (o mesmo que Cat), normalmente agitado e irônico com todos (razão do nick), já namorou três garotas do grupo, cuja última ainda está (^any^). ^any^, vinte e poucos anos, estuda e trabalha, namora Escroto. Seu nick é extraído do próprio nome. Tigre Belo - perto dos 30, lutador de vale-tudo, apesar de educado, sensível e paquerador, se diz violento fora do grupo, acessa de casa, mais a noite. Seu nick é uma expressão meio machista de virilidade (tigre) e ao mesmo tempo de vaidade (belo); com este nick ele esconde um pouco de sua auto pronunciada truculência (lutador, etc.) e tenta expressar que pode ser “macho” e ao mesmo tempo apreciado pelas pessoas, especialmente pelas garotas. Unknown (Desconhecido), 26 anos, mora no Cabula (Mata Escura; ele brinca chamando de Dark Jungle), trabalha, gosta muito de beber cerveja, acessa a Internet do trabalho. Seu nick começo como uma brincadeira, mas funcional como forma de identificação, então pegou. Aloprado, 18 anos, estuda e trabalha. E Elétrika, 20 anos, estuda e trabalha, ela é super agitada e sabe disso: por isso o nick. (casal) Ambos acessam de suas casas.

89 No momento Cat não está indo nas reuniões devido ao impedimento da família, mas sempre mantém contato via celular com membros presentes nas mesmas. Sua noção de pertencimento ao grupo parece ser realmente forte.


Perry, 14 anos, estuda, acessa de casa e do curso de inglês; o pai o leva para as reuniões às vezes. Fica meio envergonhado quando vê as garotas abraçarem outros rapazes; provavelmente timidez da adolescência... afinal vinha sendo o mais jovem do grupo. Prevê, 25 anos, trabalha, veio de Brasília, namora Amigalinda (membro de Brasília que vem de vez em quando para Salvador). Anjinho, 24 anos, estuda e trabalha, namora Lane. Obs.: Irmão de Anjinho não tecla com o grupo, mas vem às reuniões como um agregado, por ser irmão do Anjinho (ele tem 17 anos, estuda). Lane - vinte e poucos anos, sempre muito gentil, namora Anjinho. Bart - 22 anos, mora no bairro de Brotas, trabalha, acessa do mesmo, separada, tem duas filhas. A mais velha já “tecla” no chat com o nick TNT; a mãe digita para ela, mas já é uma participação no grupo, herdada. Bart leva uma ou as 2 filhas nas reuniões às vezes... e as leva principalmente para a praia aos domingos. O grupo é familiar a Bart, tanto que ela o mistura com sua família; o complemento afetivo se torna mais amplo, mais abrangente. Extremamente alegre com todos, já “ficou” com um dos membros do grupo, mas não virou namoro. Não faz parte de nenhuma subgrupo específico, mas anda muito com os Chaparrais. O nick é diminutivo do nome verdadeiro, que não irei revelar. Pivet Gal® (Ex-Psicopata e Junky - viciado -, disse que o pessoal implicava com estes nicks), 17 anos, estuda, primo do Maluco; descobriu o chat por associação; as redes de relações dos membros vão além do grupo, como já dissemos. Xandinha, 15 anos, estuda num colégio estadual... uma adolescente normal: muito magra, mas já achando que está gorda, preocupada com o corpo, com a roupa que está usando, etc., mora no bairro de Massaranduba; demonstra um pouco de ressentimento pelo bairro, não muito rico e longe. Seu nick é demonstração de admiração pelo vocalista do grupo de pagode Harmonia do Samba, Xande, um ícone da época. Tshikó - pratica jiu-jitsu, cabelo raspado, o nick tem haver com algo de artes marciais. Só o vi uma vez.


Polly® - mora perto do Iguatemi, na avenida ACM, ela vai para casa a pé; ela está estudando para fazer vestibular, ainda não sabe para que... Seu nick é diminutivo de nome verdadeiro. Já namorou membro do grupo. Adão - trabalha como estagiário na Prefeitura de Salvador (Palácio Tomé de Souza), mora perto do Detran (próximo ao Iguatemi); tem acesso a carro de vez em quando. Ele era um dos poucos que ainda iam nas reuniões de Sábado 90.

Dó - 20 anos, mora no bairro do Barbalho, estuda secretariado executivo na UCSal (Universidade Católica de Salvador), faz balé, acessa a Internet de casa, mas com restrições da família; simpática, se dá bem com muitos dos membros homens. Ultimamente não vem freqüentando as reuniões por causa dos ensaios do balé, nos mesmos dias e horários. Seu nick se refere a nota musical (dó); diz não ter tido intenção expressiva além do fato de ser original. Madame 40 - Muito educada e alegre, fala com todo mundo; é claro, chamavam ela de “tia” também, pois ela tem mais de 30 (40...). Os encontros parecem realmente preencher algo importante na vida dela. Ela alega que já formou vários casais no grupo. Sua intenção com o nick é demonstrar certa maturidade e respeito, também devido a idade apresentada. Trakino, ex-Apaixonado e Catarro Man: uma situação adversa (deram-lhe este segundo apelido, ele não gostou e quebrou regras de convivência com garotas do grupo no chat, mudando de nick... ao ser descoberto, foi meio que isolado por todos após discussões em reunião) o deixou meio a parte do grupo. Lama, mais de 30 anos, membro distante (de Serrinha), importante nas viagens do grupo para lá, pois hospeda o pessoal; seu nick é diminutivo do nome próprio. Vem de vez em quando a Salvador. Lola, vinte e poucos anos, estudante, acessa de casa, vem de família rica. Garoto/25, 25 anos, estuda e trabalha. Biscoito, 44 anos, trabalha.

90 Já vazias na época, hoje praticamente extintas; as de quarta-feira podem ir pelo mesmo caminho, pois a convergência maior e renovação do grupo estão nas reuniões das sextas-feiras.


Crença, 20 anos, estuda e trabalha. Rappeliba, 25 anos, estuda e trabalha. Bruxo, 17 anos, estuda. Reggae Girl, 20 anos, estuda e trabalha, namora Dom. Dom - originalmente Dom Juan, namora Reggae Girl, está sempre fazendo piadas fálicas. Seu nick é uma óbvia referência ao famoso conquistador da literatura mundial. Gatinha, 20 anos, estuda e trabalha. Mill@, 15 anos, estuda. Lot ou Excitador, 20 anos, estuda e trabalha. (¿gurta¿), 17 anos, estuda e trabalha. Sam®, 19 anos, estuda. Dekinha Sorriso, por volta de trinta, trabalha em área de saúde, é catarinense. Jamiroquai - seu nick expressa admiração pela banda pop de mesmo nome. +ARCANJO+, gosta de rock pesado, de bandas que curtem Satã, etc. Cavaleiro da Lua, vinte e poucos anos, mora em Mussurunga. <<gato®>>, 22 anos, indiano, trabalha (loja de produtos indianos), acessa de casa. Skill, vinte e poucos anos, mora no Cabula. ScoobyDoo, vinte e poucos anos, mora na Garibaldi, estuda Administração, skatista (anda de skates), bastante amigo de várias garotas. Poeta Lima, vinte e poucos, trabalha numa loja de produtos esportivos; costuma levar rosas para as garotas do grupo quando vai às reuniões; no chat fica escrevendo poesias para as mesmas. Apaixonado, 17 anos, simpático (não é o mesmo Trakino, apesar do nick em comum). E os 5 chaparrais: Laskebaldo. Salgado. Guabiraba, 19 anos, estuda e trabalha.


Maluco, 21 anos, estuda e trabalha. Seu nick é uma expressão do seu gosto por coisas extravagantes. Rei Arthur, 22 anos. O que une pessoas aparentemente tão diferentes? Podemos deduzir um centro motivador para a formação do grupo e para a sua sociabilidade específica. Minha afirmação diante da experiência realizada seria que a necessidade de preenchimento (ou pertencimento), que complementa a existência cotidiana, mas também se tornando uma parte integrante do cotidiano, é este centro. Um acessório afetivo, mas que se torna uma “necessidade”. Como no caso do membro BadWolf que disse que para ele foi uma coisa necessária procurar gente para se relacionar, pois ele estava preso num trabalho 10 horas por dia, só com mais duas pessoas presentes; um tipo de “encastelamento”, que precisava ser superado, pelo menos simbolicamente; libertar a mente: “sair de onde está, pelo menos simbolicamente, assim se preenchendo...” e “ir na reunião complementa este preenchimento, pois dá um propósito, algo para fazer após as obrigações cotidianas cumpridas...” Sem dúvida, o depoimento dele é apenas uma possibilidade dentre muitas, mas nos faz compreender a natureza das motivações que compõem o nosso universo de interações: o grupo Galera ZAZ. Sobre os nicks As membros Cat e Meg sempre me reclamaram por escrever seus nomes como se fossem nomes próprios comuns. As formas como elas próprias os escrevem é: Cat^:^ e meg®, respectivamente. Eu os transformo em nomes próprios para a mais fácil identificação como pessoas do grupo. No entanto, parece que os membros (e provavelmente outros usuários) realmente valorizam os seus nicks como seus e passam a ser uma apresentação tão forte quanto a própria interpretação do nome de família. Fazendo auto análise do uso do meu nick (peskisador, só não é pesquisador porque não coube no espaço lá do chat do Terra/ZAZ para o nick), penso que assumo esta postura de estar fazendo uma pesquisa dentro do grupo, pois assim não tenho que me envolver realmente com ninguém, mantendo a distância que normalmente mantenho das pessoas; além de parecer ter um tom austero e sério que acho que combina comigo. A escolha do nick tem muitas vezes haver com algo que o indivíduo acha que existe nele ou sobre ele que o mesmo gostaria de exaltar: Escroto, Piveta, Anjinho, Maluco, Elétrika... Ou então tem haver com algo que se queira esconder,


chamando a atenção para outro ponto, acredito que em geral coisas do imaginário coletivo contemporâneo: Destino, GoldenEye... nomes da ficção (cinema, etc.). O próprio Destino me disse em outra ocasião que as escolhas dos nicks tem muito haver com isso: expor algo e esconder algo; e ainda: querer ser alguma coisa, mesmo que seja apenas a afirmação de si mesmo usando o próprio nome ou variação do mesmo: Marla35, Meg, Marcelo-BA, etc. 2.3.8- Cotidiano descritivo do grupo Numa sexta-feira, ao chegar lá, por volta de 18:30, notei que só havia umas 8 pessoas. Só uma mesa estava ocupada até aquele momento. A ocupação do espaço de interação é gradual junto com a quantidade de membros, cujo pico, como vimos, é entre 19:40 e 21:30. Primeiro falei com Destino. Ele não ficou muito tempo neste dia, logo foi embora, pois tinha outro compromisso particular. As redes de relações interiores e exteriores interferem continuamente na sociabilidade do grupo; no caso: Destino tinha algo exterior que o tirava do grupo, ao mesmo tempo, outro membro podia ficar afetado pela ausência de Destino (uma afinidade especial por ele) e isso afetar o modo de interação durante todo resto da reunião. Conversei um pouco com GoldenEye sobre os filmes de James Bond, em referência ao nick dele ser o título de um dos filmes do super agente inglês. Ele disse ser fã do herói. As trocas afinitárias correntes passam por uma vasta variedade de temas e símbolos partilhados. O seu envolvimento com tal ícone imaginário contemporâneo faz parte de um dos aspectos lúdicos que forma a sociabilidade (na Internet e contemporânea): o partilhamento do imaginário coletivo derivado de meios de comunicação modernos (cinema, TV) e de lazer (videogames e o grupo Net em si). O partilhamento de afinidades atinge certos limites, que é o que proporciona as redes de afinidades; tende-se à efemeridade de interações, que podem ser realmente muitas, variadas e de múltiplas origens. Podem-se notar as mudanças de tópicos de partilhamento; sutis trocas de núcleos de interação, mas permanecendo-se no mesmo espaço geral; é assim que fluem as trocas dentro do grupo. Mais tarde, falando com Skill e outros ao redor, falamos sobre como é difícil sair do chat para ir dormir, principalmente do chat de meia-noite, pois há sempre um assunto a mais, uma despedida a mais, etc. Os momentos das despedidas são complexos e demorados, tanto no chat quanto nas reuniões, pois há sempre muitas pessoas de quem se despedir e parece haver sempre um assunto a mais ao qual se prende. Há todo um ritual, em ambos os espaços, para essas despedidas. Já vimos algumas amostras no chat: despedir-se carinhosamente de cada um; colocar uma mensagem coletiva a todos, repetida várias vezes; etc. É uma situação correlata às


reuniões. A despedida gera um ritual de saída mais elaborado que simplesmente partir; passa-se de um por um dos amigos mais próximos e fala-se algo carinhoso ou um piada, além de algo talvez mais formal para aqueles menos conhecidos. Tudo faz parte do processo de pertencimento, baseado apenas na ATUALIZAÇÃO, pois, quando se separam, não têm mais nada que os unam: é apenas o “estar junto” e o que fica é no interior de cada um: a AFETIVIDADE/A MEMÓRIA AFETIVA. Não há um ideal ou identidade geral do grupo, apenas uma identificação afetiva e do momento da atualização (chat ou reunião). Rapazes e moças parecem se abraçar muito e trocar carícias enquanto conversam; mesmo que seus namorados(as) estejam perto; a proximidade do grupo (em núcleos) parece gerar esse comportamento próximo, íntimo e com alguma confiança; mas as situações de ciúmes também podem acontecer entre eles 91 . Os rapazes parecem apresentar um grande entusiasmo com esse "agarra-agarra" e muitas das moças também, mas não todas. As competições sexuais (flertes) também são parte do caráter lúdico da sociabilidade do grupo. Algumas ficam só conversando (“tricotando” entre si durante a reunião toda).

Neste dia, que também era antevéspera do Dia das Mães, muitos membros do grupo demoraram um pouco mais a chegar ao encontro. Descobri que estes estavam justamente fazendo compras para esta data comemorativa. Mais uma vez, um aspecto exterior ao grupo, mas parte do seu contexto, interferia na sociabilidade do mesmo; isto é, não prejudicava, mas dava novas características momentâneas: o pico de contingente do grupo demorou mais a acontecer que a média; as sacolas descansadas nas mesas eram, às vezes, um ruído para a comunicação entre membros; mas tudo isso fazendo parte de um cotidiano bastante singular e ao mesmo tempo inserido em muitos outros cotidianos dos mesmos indivíduos. Por volta das 20 horas já havia mais de 20 membros presentes. Já ocupavam umas 4 mesas e os subgrupos iam se formando; com alguns membros de pé, indo de um para outro (inter-afinidades e em rede). Pude notar que há alguns centros básicos (não muito fixos) por onde circulam os membros mais variantes. Desses diferentes subgrupos se geram algumas das decisões que podem vir a se tornar mais gerais: festas, praia, viagens, etc. No entanto, todas essas chamadas "decisões" são apenas possibilidades de novas formas de atualização, que não necessariamente envolvem todo conjunto do grupo; as reuniões no shopping passam a ser centros convergentes que levam a outras interações mais nucleares. O caráter de grupo se mantém na manutenção do partilhamento dos dois 91 Basta lembrar do que foi dito anteriormente, sobre as muitas fofocas que podem acontecer, complementadas entre


espaços básicos (chat e reunião) e também na rede de trocas afinitárias que nunca se fecha em um só grupo ou subgrupo. 2.3.9- Circuitos de sociabilidade (forma de trocas em rede) A sociabilidade do grupo Galera ZAZ se dá em rede. As trocas/partilhamentos de afinidades acontecem de maneira não linear e inter-cruzada entre membros e subgrupos. Vejamos a seguir uma série de circuitos de sociabilidade de membros que demonstra esta característica de suas interações em diversas situações diferentes. Marla35 (reunião no shopping em 09/06/2000 - sexta-feira): chegou 19:45 e foi embora 22:10. Sente-se bastante preenchida com o grupo. Costumava ir nas reuniões de 4ª, 6ª e Sábado e também à praia aos domingo 92. Normalmente quando não vai é por causa da família (seus 2 filhos) ou por preferência a um compromisso particular. Às vezes leva os filhos para as atualizações do grupo (principalmente à praia) 93 . Uma outra razão possível para não ir é por ter trabalhado demais e estar cansada, mas muitas vezes o dia de trabalho cansativo é renovado por encontrar o grupo à noite antes de ir para casa (happy hour) ou “esticar” com Bala ou ainda com outras pessoas do grupo a mais.

Neste dia ela chegou sorridente e alegre, estava com ^any^ e Gato quando chegou. Beijou Bala que já estava lá. De onde ela veio, fez o circuito de cumprimentos (ritual da chegada): 1º passou pelos Chaparrais, riu e falou com eles por uns 5 minutos, havia outras pessoas com eles, na mesa e ao redor, com quem ela falou também, inclusive Meg e BadWolf. Depois parou uns 10 minutos conversando e rindo com GoldenEye e Cat. Chegou Lane neste grupo e também falou com ela (lembrando que quase sempre se beijam e se abraçam). Depois ela passou pela mesa onde estavam eu e Nido; nos cumprimentou. Depois parou na mesa onde estavam Adão, Dom, Perry e Polly (Escroto e Dekinha estava em pé, junto a mesma mesa, no momento); cumprimentou, falou e brincou ali por mais uns dez minutos, depois voltou para a mesa onde no momento em que ela sentou estavam, além de Bala, que estava desde antes, Elétrika, Aloprado, Gatinha, Gato e ^any^ (esta já tinha feito o mesmo ritual da chegada). Gato saiu de lá logo depois. Marla35 ficou neste grupo praticamente todo resto da reunião, levantou umas 2 vezes para comprar lanche ou cerveja ou ir ao banheiro. Algumas das pessoas presentes passavam por lá e falavam com ela e com o resto do pessoal na mesa. Acredito que o fato de ela estar com um parceiro no grupo iniba maiores

chat e face-a-face e que trazem a tona conflitos entre membros do grupo e até desentendimentos duradouros. 92 As reuniões de 4ª e Sábado praticamente não mais existem atualmente; e quanto a praia sempre teve uma freqüência diferenciada de uma porção do grupo e não dele todo.


interações, já que pode se supor quererem mais privacidade. É claro que não necessariamente, pois eles podiam não ir ou se encontrar em qualquer outro dia e lugar. Talvez seja mais por hábito (de afinidades) que ela sempre termine fixando um tipo de base com Bala (pelo fato do namoro dos dois e das suas idades também: ambos com mais de 35, enquanto a maioria do grupo está entre 17 e 25), assim como os Chaparrais, por exemplo. Bala é um homem pacato que chega, fala com uma pessoa ou outra, senta-se, bebe cerveja e espera Marla. Não conversa com muitos e não é de ficar fazendo brincadeiras. Destino (reunião no shopping em 14/06/2000 - quarta-feira): chegou por volta de 18:00 e foi embora 19:19. Tinha marcado com uma amiga de fora do grupo para se encontrarem lá. Ele disse que eles moram perto e que iriam juntos para suas casas. O grupo também faz parte da vida dele, mas existem outras coisas/pessoas. Quando falamos das reuniões de sábado, ele disse que neste dia as pessoas saem mais com namorados(as) ou família, então não podem ir a todas as reuniões. Ele também disse: “é claro, tem o pessoal que só tem isso aqui (as reuniões do grupo Galera ZAZ), então estão sempre por aqui!”... Ele admite a possibilidade de que algumas pessoas só tenham o grupo como forma de socialização em tempo livre. Não acredito muito nesta suposição dele: 1º) Acredito que não haja um só membro do grupo que vá a todas as reuniões e eventos. 2º) Outros depoimentos mostram que as pessoas possuem outras atividades de lazer (consideram como tal), porém muitos preferem o grupo mais que outras coisas. Existe, é claro, a possibilidade de haver pessoas que só tenham o grupo como atividade de lazer, mas ainda não encontrei nenhuma. Ele falou sobre a história do Apaixonado / Catarro-Men / Trakino... Primeiro ele usava o nick Apaixonado, mas aparentemente queria ter mais popularidade no grupo; daí um dia bebeu um copo com um monte de “porcaria”. Com isso, colocaram o apelido nele de Catarro-Men. Ele não gostou! Para se vingar, ele começou a entrar no chat com o nome de Trakino e começou a xingar e “sacanear” as pessoas, especialmente as garotas. Então, um dia, ele foi na reunião e se re-apresentou como Trakino; todos descobriram que ele era o cara que ficava sendo inconveniente no chat e todas as garotas passaram a desprezá-lo, junto com a recriminação de muitos dos outros membros 94. Daí ele sumiu das reuniões durante um tempo (uns 3 meses) e voltou justamente nesta. 93 Os diversos cotidianos dos membros se misturam na rede de interações: família, grupo, etc. 94 Neste caso, podemos até utilizar os conceitos de “estigma” estudados por Goffman (1988), onde este membro seria enquadrado como um desviante do grupo, que, ao mesmo tempo sofre a estigmatização da coletividade e sofre com as conseqüências de seus atos, quebrando regras e convenções sustentadas pelo grupo.


Destino me disse, quando eu perguntei, que nem todos os presentes no chat são cientes dos problemas que podem ocorrer (conhecimento técnico mínimo); e muitas vezes podem ocorrer mal interpretações de certas ações. Ex.: quando alguém some no chat sem responder... “Falta de educação?” “Não!” “Problema Técnico!”, mas nem todos conhecem; porém, geralmente, quem freqüenta muito o chat vai aprendendo. Faz parte dos rituais para se socializar com grupos Net, aprender (passagem) a lidar com certos aspectos técnicos do espaço de interação, como temos visto: aprender os códigos partilhados, inclusive os técnicos. Como todos que chegaram foram depois de Destino, o seu ciclo de chegada foi inverso. Quem chegava falava com ele e com os outros presentes; somente quando ele se despediu foi que fez o ciclo normal de despedida, falando com todos enquanto a amiga dele esperava. Inclusive, como ele estava saindo na hora em que Cat estava chegando, o ritual de despedida dele foi terminado exatamente com o começo do ritual de chegada dela. Cat foi a última pessoa que Destino cumprimentou ao partir, e Destino foi a primeira pessoa que Cat cumprimentou ao chegar. Na fronteira do espaço de interação do grupo: nessa ocasião, uma mesa, com o resto do espaço contextual ao redor (o fast food do Multiplex Iguatemi), com vários agrupamentos de pessoas ao redor, tendo suas interações particulares, mas formando um certo todo homogêneo, se comparado com o grupo 95. ScoobyDoo (reunião no shopping em 17/06/2000 - sábado): chegou 18:20 e foi embora 21:30 com duas pessoas de fora do grupo, conhecidas dele que marcaram com ele lá neste dia. Apenas 9 pessoas presentes em toda reunião; apenas uma mesa ocupada. Lembro que ele também estava na outra reunião de sábado em que estive lá por acidente rapidamente. Ele me disse que gosta da reunião de sábado, pois tem pouca gente e dá para conversar mais. Mas ele também acha que essas reuniões de sábado tendem a sumir ou pelo menos a se tornaram mais raras, pois nem sempre vai gente. Ele me contou de um dia que encontrou apenas mais duas pessoas no sábado; de certo modo era uma pequena representação do grupo que estava lá no espaço de interação, mas a noção e impacto como grupo tinha ficado reduzida. Notei que depois dessa reunião de sábado, ScoobyDoo passou a ir mais nas reuniões de sexta; talvez para renovar o ciclo de interações com novos membros e membros antigos que não via há algum tempo; já que ele mesmo disse que vai muito na 95 Ver fotos e figuras do grupo em anexo.


reunião de sábado. O fato de ScoobyDoo ter marcado com outros amigos de fora do grupo demonstra que sua rede de afinidades se estende e se cruza com o grupo (com o espaço de interação do grupo), pois ele passa por um e por outro e segue em frente sem muitos problemas ou constrangimentos. Polly chegou bem cedo no shopping, umas 15 horas (3 da tarde), mas só foi para a região da reunião umas 18:25, quando só estava ScoobyDoo. Ela foi embora às 21:40, junto com todo mundo, apenas ScoobyDoo saiu um pouco antes. Ela disse que chegou cedo no shopping para fazer compras; ela estava com sacolas nas mãos. Quando deu perto da hora do pessoal começar a chegar, ela foi para o local da reunião. Polly vinha sendo uma das pessoas que mais vinha nas reuniões, tanto quarta-feira quanto sexta-feira, mas ela disse que geralmente vem no sábado também porque está perto da casa dela de qualquer jeito e se não tem nada mais para fazer, ela vem. E mesmo assim, quando tem algo para fazer (companhia para sair, etc.) acaba indo ao shopping, pois é prático. Devo lembrar que segundo depoimento de Escroto, ele e Polly já foram namorados, o que pode ser um sinal que muito, realmente muito, do círculo de interações da membro Polly está inserido no grupo Galera ZAZ, por isso vai muito às reuniões, já namorou um outro membro e ao morar perto do shopping, ela fica num estado bastante cômodo de inter-afinidades no interior do grupo que por enquanto a preenche satisfatoriamente. Ela diz gostar muito de ir às reuniões, de teclar também, mas que de vez em quando existem outras coisas para ela fazer. Os circuitos de sociabilidade foram limitados às inter-trocas no interior da “mesa”. Todos sentados, conversando entre si, etc. Mesmo com um número reduzido de membros presentes pude notar o mesmo tipo de desenvolvimento de inter-afinidades (ou afinidades em rede): subgrupos que trocam afinidades entre si e se reformulam continuamente entre si e entre outros (ver Figura 01, 1ª sessão deste capítulo); a diferença é que não se nota o movimento de membros entre um subgrupo e outro, como fica visível numa reunião de sexta-feira, mas nota-se que as pessoas se aproximam mais de umas ou de outras para realizarem suas trocas circunstanciais. A dinâmica complementar entre espaços de interação, que preenche muito do material de troca das outras reuniões, se mantém: coisas que aconteceram no chat ou em outras reuniões voltam a ser vistas e discutidas... Não há um sentido de “panelinha” (grupo fechado) que poderia se imaginar de uma reunião com menos pessoas, pois nem sempre são as mesmas que vão no Sábado; apesar de ser bastante mais fácil notar uma regularidade de pessoas num sábado (ou até quarta-feira) que na sexta. Adão e


ScoobyDoo por exemplo dizem ir muito nesta reunião de sábado, mas estão sempre indo na de sexta para renovar o círculo de membros que também vão no sábado. Marla35 foi, pois simplesmente teve vontade; foi o que disse; vai e não vai sem muito critério. Nido foi porque não teve mais nada para fazer depois do cinema (estava sozinho); talvez achasse que podia “pegar” alguém naquele dia (arranjar uma namorada ou paquera). Apaixonado disse que foi por curiosidade, pois nunca tinha ido nesta reunião de dia de sábado. Drika, era bem nova no grupo, também estava curiosa para conhecer todas as reuniões; se mostrou surpresa pela pouca gente do sábado em comparação a sexta-feira. E Cavaleiro da Lua apenas quis ir lá para beber algo e conversar com quem quer que estivesse lá. Bart (reunião no shopping, dia 30/06/2000, sexta-feira): chegou às 19:20 e foi embora às 22:00. Neste dia estava bastante agitada; algo havia acontecido em seu trabalho que a havia aborrecido e ela parecia querer compensar e esquecer com o grupo. Ela não bebe, mas anda muito com os Chaparrais. Ao chegar, se encontrou com um pequeno subgrupo presente na reunião, formado por membros conhecidos dela, mas que ainda eram meio desconhecidos para outros núcleos do grupo. Eram Lot, Princesa, Luluzinha e Drika; ela ficou quase meia hora com eles, brincando, rindo, bastante agitada, até vir falar com Meg, Unknown e Nido, que estavam numa mesa; ela puxou Meg deste núcleo e começou a conversar com ela; foi aí que ouvi ela contar sobre o problema que parecia tê-la aborrecido. Elas vieram em minha direção; falaram comigo, Cat, Polly, ^any^, Lane, Bala e Marla35, que estavam de pé, pelo meio do espaço da reunião; ela foi falando com um e com outro; abraçava um ou outro, etc. Marla35 perguntou sobre as filhas dela, que nunca mais tinha trazido a mais velha (que tinha até um nick: TNT, por ser também muito agitada); e Bart disse que a traria em outras reuniões próximas e na praia no domingo, como já tinha levado antes. Ela e Meg continuaram conversando; fui falar com ela em um momento e ela comentou que queria fazer algo diferente neste dia; depois elas passaram de volta no primeiro subgrupo com quem Bart havia estado interagindo. Elas ficaram lá algum tempo. Outros membros que iam chegando iam falando com ela também, como parte do ritual de chegada e todos iam se misturando ao mesmo tempo que se concentrando nos núcleos momentâneos de interação. Mais tarde, os Chaparrais chegaram, quase todos juntos, e “carregaram” Bart para a mesa onde eles se instalaram; ela ficou lá praticamente todo resto da reunião. Não são todos que interagem com todos. É o processo em rede que mantêm uma certa noção de


conjunto ao grupo. O contato entre subgrupos e núcleos de interação se dá pelo fluxo de membros durante todo período da atualização, mesmo quando aparentemente apenas uns poucos membros realmente circulem de núcleo a núcleo; são os caracteres particulares de cada atualização. Noutra, por exemplo, os fluxos são mais intensos; o grupo fica com uma aparência espacial mais coesa, mas, na verdade, ainda estão sendo realizadas trocas inter-cruzadas entre diversos núcleos momentâneos de interação. Salgado (reunião no shopping em 14/07/2000, sexta-feira) chegou às 20 horas e foi embora pouco depois das 22 horas. Tanto Salgado quanto os outros Chaparrais vêm se colocando numa posição cada vez mais diferenciada em relação ao grupo geral. Neste dia ele chegou junto com o outro Chaparral, Guabiraba; dos outros três, somente Rei Arthur já estava lá, desde umas 19:40. Ao chegarem, os três já foram se juntar numa mesa, onde mais tarde se juntariam Maluco e Laskebaldo. Em reuniões anteriores eles ainda realizam o ritual de chegada e partida com empenho semelhante aos demais: falando com boa parte dos presentes, cumprimentando os outros membros, etc. Agora, nesta reunião, após a chegada e união dos cinco, eles pouco se movem entre os outros membros do grupo; muitas vezes, a mesa que eles ocupam fica um pouco afastada do resto do pessoal; no entanto, as trocas com outros membros permanecem, pois eles ainda partilham afinidades com muitos destes. Marla35 e ^any^ estiveram na mesa onde eles estavam por um tempo. Blackman também esteve com eles rapidamente. GoldenEye e o Rei Arthur conversaram de pé um tempo, próximo à mesa onde estavam. Maluco e Salgado deram um rápido “passeio” pelas lanchonetes e pararam para conversar e brincar com Bart, que voltou com eles para a mesa deles. Ela ficou lá, sentada com eles, por um bom tempo, e também Lot, que ficou lá com eles por um tempo. Nota-se que, apesar de ainda próximos do grupo, já há uma separação entre eles e outros; uma forma de identidade mais acentuada, mas aberta às interações com outros mais semelhantes ou menos semelhantes em relação a eles (Chaparrais), mas todos semelhantes em relação ao grupo Galera ZAZ geral. No final, os cinco partiram juntos; provavelmente “esticando” em outro lugar. Podemos ver que o circuito do membro Salgado está explicitamente ligado à sociabilidade do subgrupo Chaparrais; reafirmando a identidade do subgrupo e a dele, como indivíduo/membro do grupo e do subgrupo. 2.3.10- Os subgrupos Esta categoria dos subgrupos dentro do grupo Galera ZAZ que vem sendo constantemente abordada


ficará melhor entendida a partir de dois pontos de vista. O primeiro seria o das possíveis afirmações de identidades dentro do grupo, isto é, núcleos afinitários de membros que passam a se diferenciar do grupo geral; mas ainda fazendo parte do mesmo, dentro das redes de afinidades. O melhor (e por enquanto o único) exemplo deste primeiro tipo de subgrupo são os Chaparrais. O segundo tipo seriam os núcleos afinitários cujas afinidades partilhadas entre si não os diferenciam do grupo geral; apenas provocam, no momento, uma espécie de relevoem relação ao todo devido à concentrações momentâneas, em geral, de uma maior quantidade de afinidades partilhadas. Os exemplos deste segundo tipo são mais variados; podendo ainda serem divididos em duas outras classificações: ocasionais e cumulativos. Os ocasionais seriam todo tipo de núcleo convergente de membros que ocorrem durante as atualizações do grupo: 4 membros que durante uma reunião quase inteira ficaram sentados juntos, conversando (partilhando códigos/afinidades) sobre coisas do seu interesse (Ex.: futebol, cinema, mulheres, homens, etc.). E os cumulativos seriam aqueles que chegam a formular um nome e até uma continuidade do núcleo, no entanto não estão num nível de afinidade (ainda), que sustente quaisquer tentativas de afirmação de identidade, como os Chaparrais. Durante o recorte temporal desta etnografia, só havia um subgrupo que se enquadrava nesta classificação: A Máfia, onde os membros do mesmo fluíam constantemente dentro do grupo geral, raramente se concentrando em si mesmos, e transparecendo muito mais a denominação específica (quase uma diferença aparente) no chat, pois muitas vezes eles colocam o complemento “máfia” junto ao nick normal do membro 96.

Uma outra categoria de subgrupo ainda pode ser extraída a partir destas duas: os casais. Por um lado são núcleos de membros que partilham afinidades suficientes para se diferenciarem do grupo geral: ser um casal. Por outro lado estes membros permanecem no fluxo do grupo sem uma afirmação contínua de sua (talvez passageira) diferença. Os Chaparrais começaram a se formar a partir da 2ª metade de 1999. Eles se uniram a partir das afinidades: gostam de beber (cerveja principalmente); são torcedores do time de futebol do Bahia; gostam de rock e rap; não gostam de pagode ou axé music. São motivações afetivas que parecem puramente acessórias, mas que serviram de centro convergente para que os cinco membros: Maluco, Salgado, Laskebaldo, Guabiraba e Rei Arthur, começassem uma interação; inicialmente baseada na semelhança, a qual ainda existe, mas que com o desenvolvimento do subgrupo tanto dentro quanto fora das próprias atualizações do grupo geral, passou a também se diferenciar dentro do grupo. Suas afinidades partilhadas internamente se tornaram além de centro convergente, também centro de diferença. 96 Mais recentemente existe também um subgrupo chamado Cabula Boys, dos quais só tenho a informação que moram na região do Cabula e que gostam de pagode. Ambos, ou qualquer outro subgrupo que venha a surgir no interior do grupo geral, têm o potencial de se tornar do primeiro tipo, como os Chaparrais; só depende do tipo de desenvolvimento


Todos os membros Chaparrais trabalham e estudam. Apesar de gostarem muito de beber, de se embriagarem; afirmam que só o fazem a partir da sexta-feira (nos finais de semana). Suas presenças no grupo revezam entre o marcante (chamam atenção pelo barulho que fazem brincando e gritando) e o discreto, que é quando, às vezes, decidem se acomodar mais distantes do centro de interação do grupo; ficam numa mesa mais longe e atualizam ali suas novas e velhas afinidades... mas sempre com a constante presença e circulação de outros membros do grupo; o que faz deles um subgrupo não fechado, mas de identidade afirmada no interior de uma fluência de identificações. E suas histórias individuais, junto com as suas inter-afinidades com outros membros do grupo, não os afasta do grupo Galera ZAZ; apenas lhes dá um perfil a mais (uma identidade) no interior do grupo. Vejamos este exemplo, de uma história de vida de um dos membros Chaparrais, que demonstra a sua ainda participação num conjunto de contextos onde o grupo e o subgrupo são uma parte do mesmo: “Salvador 12/06/00 Zeca Camargo, Quero falar sobre namoro pela Internet. Me chamo (xxx), na Internet uso o nick de Rei Arthur, tenho 22 anos, sou branco, 1.82, cabelos arrepiados a gel, simpático, inteligente, romântico e muito bem humorado. É desta forma que me descrevia ao usar salas de bate papo (desta forma eu falava a verdade e impressionava as garotas). Comecei a usar a Internet com a intenção apenas de conhecer e arrumar mulher pra curtir. Isso aconteceu nos primeiros meses. Conheci muitas garotas e fiquei com a maioria delas. Depois que comecei a trabalhar, passei a usar com mais freqüência a Internet e os chats. Descobri que havia uma turma daqui de Salvador que fazia encontros às sextas num grande shopping da cidade. No começo dos encontros eu estava mais preocupado em ver se tinha alguma gata para paquerar do que em fazer novas amizades. Com o passar dos meses eu comecei a sair com eles e ficar mais amigo de todos. Íamos ao Pelourinho, ao Abaeté, a bares e festas. Passei a me divertir como nunca havia me divertido em toda a minha vida. Mas eu continuava a querer ficar e paquerar as meninas da turma. Até que um dia eu vi que todos faziam parte de minha família; os meninos eram mais que irmãos e as meninas tamanho era o carinho para comigo que passei a vê-las, apenas como amigas ou até mesmo irmãs. Mas havia uma delas que me fascinava: seu nome, (xxx), 28 anos, divorciada, mãe de uma filha linda de 13 anos. No começo apenas havia de minha parte o interesse. Ela fugia de mim, por eu ser mais novo e por ela estar se separando. Um dia resolvemos sair, ela já estava separada a quase um ano e não queria se envolver com ninguém. Saímos para conversar e acabamos ficando, mais por insistência minha do que por ela querer se envolver comigo. Saímos algumas vezes e eu sentia que ela começava a gostar de mim e vice-versa. Mas eu ainda continuava querendo curtir e sai com todas. Nós não tínhamos nada sério e eu comecei a ficar com novas garotas que apareciam nos encontros da Net. Acabei machucando ela por pura burrice. Para minha sorte quando eu vi que era dela que eu gostava ela ainda gostava de mim e me deu mais uma chance. Sempre gostei de namorar sério, mas me envolvia demais e quando o relacionamento acabava eu ficava um caco. Daí resolvi ficar com um monte de garotas e curtir. Pura BURRICE!!! Não era feliz fazendo isso. Hoje estou namorando serio com Denise e descobri outra vez o que é ser feliz. Tenho muitos amigos pela Internet, mais amigos que os que eu fiz quando vim morar em Salvador, irmãos de festa, de alegria, de tristeza. Nunca esquecerei amigos como: ((MALUCO)), (SALGADO), Laskebaldo, GUABIRABA, PRÊVE, ^A^nginho, Dom Juan, Crença e outros que se eu for digitar vai acabar e manutenção das afinidades partilhadas.


meu horário de almoço. Sem esquecer de minha manas, ^any^, tia Marla, L@ny, G@tinh@, Sindy, AMIGALINDA, Reggae, Bart, Sol e muitas outras. Queria que todos tivessem amigos como eu tenho hoje. Nunca em minha vida vou esquecer vocês e quanto a Denise, mulher nenhuma nessa vida me fez tão feliz. Eu adoro você. Espero te fazer feliz também. Esta carta é para mostrar o que esta acontecendo com a minha geração. Uma geração em que um rapaz de 22 anos precisa de um computador e uma linha telefônica para arrumar amigos de verdade e um grande amor. Rei Arthur”

A Máfia existe também desde 1999. Seus membros são, basicamente, Saulo, Bogobil, GoldenEye e Marcelo-BA. Com o perfil bem diferente dos Chaparrais, como já explicamos, este subgrupo funciona muito mais como um núcleo de afinidades temporárias, mas não afirmadoras de diferenças, que flui no interior do grupo sob diversas formas de motivações lúdicas. Eles brincam uns com os outros do mesmo modo que com os outros membros (incluindo os Chaparrais) e eles fazem convergir alguns centros decisórios em alguns eventos de porções do grupo, que simpatizam com os eventos em si e não com um subgrupo em especial: as viagens, passeios, festas e provavelmente as praias, no começo (atualmente já é hábito para muitos que freqüentam; não importa quem vá ou não; semelhante às próprias reuniões... Os Chaparrais também costumam freqüentar a praia...). Suas aparências e afinidades não são formuladas de maneira alguma; como foi o caso das afinidades motivadoras explícitas dos Chaparrais; e, como já mencionamos, sua configuração exterior como subgrupo se mostra mais no chat, quando os seus membros complementam seus nicks com o termo: a máfia. Ex.: Marcelo-BA, a máfia; Saulo (a máfia nunca dorme); Bogobil, a máfia; etc. Nas atualizações eles se comportam e se misturam com os outros membros do mesmo jeito que estes últimos; não se diferenciam, são semelhantes aos outros... e apenas guardam um pouco mais de semelhanças entre si, no caso, puramente lúdicas, não penetrando (ainda) em suas intimidades, etc. Os casais 97 , por fim, são subgrupos de características mistas e especiais que devemos considerar também para a compreensão da dinâmica da sociabilidade do grupo Galera ZAZ. Dos casais existentes no grupo no momento da pesquisa; pelo menos dos que tivemos conhecimento; podemos dizer que: em algum momento de suas interações (complementares Internet e face-a-face) eles partilharam a atração ou interesse um pelo outro (uma afinidade); outras afinidades anteriores e posteriores a isso fluem sendo partilhadas na continuidade das interações. A denominação

97 Aproveitamos para ratificar as diferenças continuamente vistas nesta etnografia entre homens e mulheres: as garotas tendem a ser mais afetuosas com os rapazes e com outras garotas; enquanto que os rapazes são mais carinhosos apenas com as garotas. E o flerte é a maior afinidade partilhada entre os sexos, inclusive com a freqüente competição de atenção entre rapazes e moças.


“casal” traz um tipo de diferenciação em relação ao resto do grupo; inclusive outros casais: o casal Marla35 e Bala é o casal Marla35 e Bala e nenhum outro. Essa diferença é afirmada continuamente no interior do grupo quando estes casais estão juntos, sendo casais; mas os membros destes casais tem o potencial de semelhança e identificação igual a todo e qualquer outro membro quando no interior das atualizações do grupo fora do espectro das atividades de casal(beijar, namorar, se agarrar, etc.). Suas presenças são quase imperceptíveis, mas a diferença existente é inegável, quando se nota algum afastamento momentâneo do casal (reservados, etc.) ou mesmo a atitude de “deixá-los a sós” de outros membros do grupo quando há um casal... e isso demonstra as suas diferenças, mesmo que momentâneas e/ou efêmeras. Ex.: um casal que apenas “ficou” numa festa; os outros vão falar, vão notar e vão se diferenciar deles... mesmo que seja apenas momentâneo.

Enfim, os subgrupos são uma categoria importante na compreensão da dinâmica de sociabilidade do grupo Galera ZAZ e seus processos de identificação, possível identidade e de inter-afinidades. Eles são mais um aspecto peculiar do grupo, mas ainda assim dentro de uma rede de interações e afinidades que também está presente nos processos de sociabilidade contemporânea. 2.3.11- Atualizações extras I Complementar com as reuniões freqüentes de quarta-feira e sexta-feira, existem atualizações extras que também contribuem para a construção da sociabilidade específica do grupo Galera ZAZ. O membro Bogobil me contou sobre uma festa do grupo na casa de Saulo, por exemplo, que começou na sexta-feira e só terminou no domingo (72 horas de festa, ele disse) e disse que havia um computador na casa que ficou 72 horas conectado a Internet. Ele até brincou com relação ao valor da conta de telefone que os pais do Saulo teriam de pagar. Tal evento seria um tipo de forma de construção de sociabilidade complementar, que envolve o espaço de interação do shopping, de onde eles começaram; daí a casa de um dos membros, que serviu de outro espaço de interação (lúdica), provavelmente para uma parcela menor do grupo, e finalmente o uso/presença no espaço da Internet durante a festa, que podia trazer à presença da atualização face-a-face o espaço de interação mediado pela Internet, numa diversidade de tipos de atualização cuja visualização depende muito mais da interpretação possível que se dá a “presença” de um membro face-a-face ou não. Tudo com o intuito de construir a noção de pertencimento (afetivo e lúdico). Existem ainda a se mencionar as reuniões de sábado (já praticamente extintas) para a qual convergiam poucos membros do grupo durante o período da pesquisa. A reunião de sábado é mais para o pessoal que não pode realmente ir em dia de semana; o que não são muitos ou não têm sido


muitos. Um membro disse que achava que as reuniões de sábado eram, também, para quem só tinha “aquilo” (o grupo) para ir, para preencher o tempo; pois que muita gente tem namorado(a)s que encontra no sábado, etc. O número reduzido de membros numa reunião (total nove) demonstra que são poucos nesta situação possível. A reunião de sábado fica sendo, então, uma espécie de extensão pouco conhecida do grupo; um apêndice; algo pouco utilizado, quase não visto, mas que está lá, pelo menos por enquanto. Porém, de qualquer modo, através das trocas dentro do grupo, as redes de afinidades dos membros tendem a se expandir, pois cada um tem a possibilidade de levar outros para outros círculos de sociabilidade. Enfim, há sempre possibilidades de trocas inter-afinitárias. Sobre a reunião de sábado temos então que os rituais são semelhantes, mas reduzidos. A chegada é igual, mas mais curta, pois há menos pessoas. A partida também é a mesma, só que igualmente mais curta. As inter-afinidades também são iguais, só que não tão visíveis quanto na sexta-feira: as trocas e mudanças de subgrupos ocorrem pela mudança de direção de cabeças, rostos, vozes e assuntos. Dificilmente deve ocorrer o ritual da apresentação (e do apadrinhamento na mesma), já que as pessoas que vão pela primeira vez, geralmente vão na reunião de sexta-feira e daí vão descobrindo as de quarta e de sábado. O material simbólico das trocas é basicamente o mesmo, só que em menos quantidade: coisas ocorridas dentro do grupo, etc., ou até coisas pessoais de cada um. 2.3.12- Atualizações extras II As atualizações do grupo Galera ZAZ, mais especificamente de porções momentâneas do mesmo, além das reuniões de 4ª, 6ª e sábado têm um importante papel na construção complementar da compreensão da sua sociabilidade, como no exemplo da festa que vimos acima. Essas atualizações extras servem tanto para fortalecer afinidades quanto para criar novas, ao mesmo tempo em que novos símbolos são partilhados em diferentes espaços, contribuindo assim para uma maior fluência da noção interna de grupo, ampliando suas redes de interações e sua memória afetiva. Vejamos aqui alguns outros exemplos mais complexos e elaborados. Um forró Reunião de sexta-feira (16/06/2000), seguida da ida a um bar de forró (correspondente à época de Festas Juninas) por alguns membros do grupo. Houve um total de 34 a 38 membros do grupo nesta reunião. E foram 9 membros para o forró além de mim. A duração deste evento foi das 22:30 às


01:00. A reunião teve duração normal das 18:30 às 22:00. Fomos divididos em dois carros (de Bogobil e de Rei Arthur). O bar com forró ficava na orla de Salvador. No primeiro momento o que se nota é a união diferenciada das pessoas presentes devido ao fato de serem de um mesmo grupo, no entanto a quantidade reduzida de pessoas faz com que não se note nenhuma diferença visível em relação a outros grupos de pessoas que estavam indo para o local ou que já estavam lá. Mesas colocadas lado a lado para caber todo mundo; pessoas bebendo e rindo juntas; outras dançando perto das mesas e outras mais misturadas no meio da lugar. Este fragmento do grupo estava completamente inserido no novo espaço de interação, pois, diferente do fast food, eles não tinham como se destacar de nenhum outro agrupamento. A diferença do comportamento: menos contido que no shopping era também comum a todos os presentes. Como é um ambiente próprio para a liberação de entusiasmos: dançar, beber, falar alto, rir alto... não havia o choque que há quando presentes no fast food do shopping e estando todos reunidos (30, 40, 50 pessoas), mesmo com comportamento sendo mais “controlado”, eles chamam mais atenção... Aqui, neste forró/bar, não há como. De início a interação é mais interior. O presentes do grupo conversando entre si. Como Meg era a única garota presente no grupo, ela é quem começou servindo de par para os rapazes do grupo que se dispunham a dançar. Ela dançou com todos os Chaparrais e com Bogobil; com muita alegria e sem maiores tensões, todos bem amigos e rindo muito. Notei que Nido convidara ela, mas ela recusou; acredito que como eles já tinham uma história de “ficadas” em outras ocasiões, ela não queria dessa vez. Nido, quase sempre calado e calmo, não teve muito com quem conversar o resto da noite, bebeu bastante, mas não parecia alterado. Acredito que nas reuniões do grupo ele se sinta melhor, pois sempre encontra uma garota para ficar conversando e paquerando. Crença foi o mais descolado (extrovertido), pois logo encontrou conhecidos e fez o intercâmbio de sociabilidades entre eles e outro agrupamento, assim o pessoal se dispersou mais, os outros rapazes foram arranjando pares para dançar ou foram bebendo cada vez mais junto com outras companhias. No final, quem ficou mais na mesa foi eu, Meg e Nido. Ela ainda saia para dançar com alguns dos rapazes (ela não dançou com ninguém de fora)... Pode ser considerado um tipo de integração do grupo, proteção, já que também ela é de menor e os rapazes que a chamaram para o forró tinham que “protegê-la” (ou é apenas machesa, afirmação de território, etc.)... Vi Nido conversar com ela algumas vezes, mas ela não parecia estar nada interessada naquele dia. Lembro dela me dizer que


ele já quis namorá-la, mas ela não quis: “apenas ficamos mesmo!”. No fim da noite, perto da hora de ir embora, os mais sóbrios eram eu, Meg e Bogobil e Rei Arthur (os motoristas)... Os outros realmente haviam bebido e se divertido muito. O menos alegre era Nido. Meg parecia estar com muito sono, ficou mais calada na viagem. Os Chaparrais, no carro de Rei Arthur estavam fazendo ainda muito barulho. O que pôde-se notar de muito diferente foi: 1- o espaço diferente torna a forma de interação diferente entre os membros do grupo (de acordo com o espaço); no caso um bar cheio de outros grupos. 2- a quantidade de membros também afeta muito, pois não há o choque visual, já que o espaço estava cheio de grupos do mesmo tamanho (se fossem uns 20 membros do grupo que chegassem no lugar de vez, com certeza chamaria atenção). 3- o comportamento muda, pois é um tanto mais livre das restrições do shopping (o mesmo ocorre na praia, como veremos). 4- as características do comportamento desse evento foram bastante influenciados pelo fato de ter sido “gerado” a partir dos Chaparrais, o que deu um tom extremamente extravagante ao evento, pelo menos enquanto o grupo ainda estava integro (veremos que na viagem para Serrinha, foi um grupo diferente e o comportamento se altera um pouco; são as diferenças de afinidades que surgem de acordo com a situação, o momento de cada membro, que se junta a um subgrupo ou outro para atingir o preenchimento afetivo daquele momento). Na praia Atualização face-a-face na praia, domingo (18/06/2000). 13 membros presentes. Praia de Jaguaribe, em Salvador. Barraca onde já são conhecidos (a barraca de Tia Nice, em frente ao posto Esso, onde existe uma estátua de um polvo). Duração: 10:30 às 15:00, com almoço no final. Quando cheguei às 10:30, estavam Unknown (disse que tinha chegado uns 10 minutos antes), Bogobil (também tinha chegado há pouco tempo) e Sindy (que estava junto com Bogobil; chegaram juntos). Cumprimentei-os de um a um. Já acreditava que o ritual de chegada fosse semelhante ao das reuniões, mas só pude confirmar observando mais tarde que o era realmente, com a chegada de cada um dos membros que foram na praia neste dia. Notei uma diferença básica entre o ritual de chegada da praia e do shopping, a quantidade menor de pessoas e o ambiente mais livre de expressividade faz com que as pessoas possam gritar de longe e falar já com todos desde a entrada


do espaço de interação do grupo. No shopping, por mais que se seja alegre e expansivo, é necessário uma certa discrição ao ir se falando um a um com os outros, pois a própria segurança do shopping poderia achar desagradável (e também os outros usuários do espaço do fast food) e talvez intervir; fato que ainda nunca ocorreu. Com relação ao número reduzido de pessoas presentes na praia; foi-me dito por vários membros, desde antes de eu ir lá, que no verão, a frequência de pessoas que vai à praia é de mais de 25 indivíduos. Mesmo assim, a quantidade de pessoas presentes não pareceu intervir no modo de atuação dos membros no momento do ritual da chegada, como mencionado. De certo que os membros do grupo que costumam ir nos encontros na praia já são de certo modo mais íntimos também, o que demandaria uma maior possibilidade de tal tipo de expressão mais aberta e expansiva para com todos ao mesmo tempo (gritar alegremente, etc.). Essa questão da maior liberdade de expressividade possível no espaço da praia se tornara o ponto central das diferenças entre este espaço e o espaço do shopping, que de certo modo é um ambiente mais controlado. Já se referindo ao chat, as diferenças são as mesmas, e a questão complementar também... É claro que, novamente, aqueles que já possuem um nível de intimidade também por irem a praia juntos talvez freqüentem mais o reservado entre si (e o ICQ); mas isso não é um centro imóvel, somente que é menos móvel que as reuniões do shopping, pois demandam uma disponibilidade e motivação um pouco diferente: a pessoa terá de sair num domingo de manhã diretamente para encontrar o grupo; normalmente ela saí de trabalho/escola e vai para um “happy hour” com o grupo; externalizam-se mais coisas do corpo (menos roupas) e da mente; brinca-se mais; bebe-se mais; e, para muitos, é num lugar mais distante e de mais difícil acesso para uma boa parte do grupo, enquanto que o shopping Iguatemi é relativamente central para todos. Enfim, as reuniões na praia não são um centralizador direto, mas acaba centralizando um pouco o fluxo de membros. Uma espécie de seleção fraca de membros. Todos saímos na mesma hora (umas 15 horas), pois fomos almoçar num restaurante próximo. Somente nos dispersamos por volta das 17 horas, quando cada um foi para um lado ou sós ou em grupos, de caronas ou de ônibus. Como não era estação de Verão e neste particular dia não estava muito quente e também um pouco nublado, ninguém ficou exatamente em roupas de banho (biquínis ou sugas, etc.). Alguns dos rapazes foram na água algumas vezes; todos que foram estavam bebendo muita cerveja e na minha opinião eles foram apenas para urinar no mar. Na maioria voltavam tremendo de frio. Das mulheres,


nenhuma foi na água. Notei que eles beberam mais que o que normalmente consomem no shopping. Uma razão é o preço da cerveja menor que no shopping Iguatemi. Outra razão é que no final a conta é dividida igualmente entre todos que beberam, enquanto que no shopping cada um pega seu copo, na lanchonete que quer e precisa pagar na hora. Isso leva a um maior partilhamento daquilo que é mais consumido por todos. A noção dos subgrupos quase que desaparece nessa reunião na praia, pois ficam todos reunidos no mesmo centro espacial (mesas arrumadas juntas e bancos em volta); talvez no verão aconteça uma dispersão maior, por haver mais pessoas. Em outra ocasião Unknown me contou que na verdade, no verão, fica um círculo de guarda-sóis formando o grupo e que sugere um maior coesão, mesmo quando há maior quantidade de membros. Não notei nenhuma atividade incomum no campo das demonstrações de carinho entre membros: apenas os casais presentes iam além por serem já casais (Marla e Bala) (Bogobil e Sindy). De resto ficou muita coisa sempre sugerida no ar: palavras com duplos sentidos, brincadeiras picantes entre rapazes e moças; no mesmo estilo da reunião. Sobre este assunto (interações entre homens e mulheres no grupo e aparentemente no espaço da Internet em geral), tenho notado que quando se trata dos homens, há quase sempre uma segunda intenção ou duplo sentido em tudo que se faz com relação às mulheres. No grupo nota-se isso com mais facilidade pelo tipo de trocas de carinho entre homens e mulheres: as mulheres demonstram ser mais fraternais, enquanto os homens mais carnais nos tipos de carinhos trocados. Isso não parece aborrecer nenhum dos lados dessas trocas, até que surja uma posição mais direta em relação ao outro e isso possa gerar questões íntimas entre estes indivíduos e posteriormente dentro do grupo: são as fofocas que sempre surgem. Meg já havia me dito que ela havia “ficado” com Nido algumas vezes; ele quis namorar, mas ela não e isso gerou um aspecto a mais da interação entre os dois ao mesmo tempo em que provavelmente foi tema de fofocas entre os outros. Bart me contou que já “ficou” com Laskebaldo uma vez e isso também gerou fofocas entre eles e o grupo, o que talvez tenha interferido num maior aprofundamento do “caso”. São situações de intimidade possíveis diante das redes de interações fluentes no grupo, mas que também são afetadas pelas mesmas redes de interações, pois se é afetado pelas diversas variáveis presentes nas trocas contemporâneas, como a efemeridade e pouca disposição de se assumir certos compromissos; preferindo-se as interações íntimas ocasionais (“ficar”) e atividades e eventos lúdicos momentâneos. Enfim, ao menos neste dia na praia não aconteceu nada de incomum neste sentido que eu pudesse


notar, mas, é sempre uma possibilidade que casais se formem nessas reuniões na praia (para “ficar” ou para namorar), muito mais que nas reuniões no shopping; onde há um modo de comportamento diferente, específico, que demanda os tais dos reservados para provocar tal situação de intimidade entre casais. No mais, as coisas são semelhantes: brincam, conversam, riem, se tocam, comem, bebem... Mas, sem dúvida, o espaço da interação tem uma grande influência no modo como a interação transcorre. Resumindo, os membros tendem a se expressar de maneira mais expansiva e alegre na praia (local mais livre e membros presentes mais conhecidos). No almoço subsequente não houve isso, pois era, novamente, um ambiente mais controlado. Eles partilham mais diretamente aquilo que consomem (bebida e comida), pois têm de dividir a conta no final (no almoço foi a mesma coisa). O espaço da praia parece ser mais propício a formação de casais dentro do grupo, apesar de eu não ter visto desta vez, mas a possibilidade é maior e me foi dito que realmente acontece mais (tanto na praia quanto em eventos especiais: viagens, festas, etc.). Há pouca possibilidade de haver tanto o ritual da apresentação na praia, quanto o da despedida, pois: o primeiro sempre tem ocorrido nas reuniões de sexta-feira e o segundo é difícil de ocorrer, já que provavelmente ninguém irá querer ir embora mais cedo que todos (pode ocorrer, mas acho difícil, e ocorrendo, deve ter suas semelhanças com o do shopping, seguindo o mesmo tipo de especificidade da chegada: mais liberdade, etc.). O almoço no restaurante foi apenas um complemento da praia sem maiores desdobramentos dos rituais apreendidos até então; o que este novo espaço pode interferir é o fato de ele, junto com o grupo nele, poder produzir novos materiais simbólicos de trocas entre os presentes (futuros assuntos de brincadeiras, etc.) que são levados para as reuniões no shopping e para o chat, formando assim o processo de inter-trocas entre diferentes subgrupos momentâneos dentro do grupo. Ex.: surgiu no almoço uma brincadeira com Polly em relação à farofa servida no restaurante, o que gerou muitas piadas e brincadeiras subsequentes (farofeira, etc.)... e que acabou chegando a ser assunto futuro em outras reuniões e no chat, com outros membros que não estavam presentes na praia/restaurante: este material simbólico (e lúdico) foi partilhado entre diferentes núcleos de interação no interior do grupo. As inter-afinidades. A viagem para Serrinha Reunião no shopping, quarta-feira (21/06/2000) (véspera dos feriado de Corpus Cristi - 22/06 e de


São João - 24/06). Cerca de 29 membros nesta reunião. Havia mais pessoas nesta reunião de quarta-feira que o normal das reuniões de quarta-feira por causa do feriado no dia seguinte. A maioria não iria trabalha e por isso podia se divertir mais neste dia anterior. Alguns membros viajariam neste dia para a cidade de Serrinha (interior da Bahia) e seria a oportunidade também de despedidas antes dos feriados. Fui convidado para esta viagem por Marcelo-BA em chat das 18 horas do dia 19/06/2000 (segunda-feira), mas só pude ir na sexta-feira, junto com outros do grupo que também só poderiam deixar a cidade depois. Os seguintes membros do grupo viajaram neste dia, véspera dos dois feriados mencionados: Bogobil, Saulo, Sindy, Escroto, ^any^, que chegou só para partir com o resto do pessoal da viagem. E mais Marcelo-BA, que iria direto para a rodoviária. Completando um total de seis membros. Estavam carregando suas malas e sacolas. Estavam animados e alegres com a viagem e o feriado. Saíram meio apressados, mas puderam se despedir e abraçar várias pessoas (as mais afins...) antes de irem. Saíram e levaram um pedaço do espírito do grupo com eles. O centro de convergência do grupo Galera ZAZ que primeiro os aproximou; eles agora estavam indo para um outro espaço, mas a partir deste centro e o melhor exemplo da manutenção deste centro simbólico neles, mesmo em outros espaços, é o contínuo uso dos nicks mesmo em outros lugares. Na sexta-feira (23/06/2000), marcamos de nos encontrar na rodoviária por volta das 18 horas. Pegaríamos o ônibus extra de 19:30. Todos já tinham comprado passagens; marcamos mais cedo para não haver quaisquer desencontros na partida. Fomos em cinco. Marla35, Bala, Gato, Dengosa (namorada recente de Gato) e eu (Peskisador). Todos tiveram atividades a serem feitas ainda na sexta (23/06), entre os dois feriados de Corpus Cristi e São João (22 e 24/06) e por isso estávamos indo neste dia, nos encontrar com o pessoal que já tinha ido, além do anfitrião do grupo na cidade de Serrinha: o membro Lama. Somando no total 12 membros. Este subgrupo mais geral de 12 pessoas seria uma expressão de um dos núcleos do grupo principal, com afinidades em comum que os fazem se aproximarem mais e desenvolverem uma sociabilidade em conjunto e paralela com o grupo principal; semelhante aos Chaparrais, mas com menor nível de “organização”, diferenciação ou expressividade. Dentro deste subgrupo de 12 que viajou junto existiam quatro casais: Marla e Bala; Bogobil e Sindy; Gato e Dengosa e Escroto e ^any^. Então, dos 12 presentes, oito estão envolvidos afetuosamente/intimamente entre si, isto é, o desenvolvimento afetivo dentro do grupo continua a levar para um caminho de maior pessoalidade e


intimidade: do grupo principal para subgrupos, de subgrupos para pares, de pares para casais. Mas esta não é uma dinâmica linear, são apenas as possibilidades de inter-afinidades: de mais gerais para mais específicas (o mais comum) e também o oposto. Em muitos momentos, o grupo inteiro ficou junto, então era partilhada a afinidade geral que motivou a todos viajarem juntos. Obviamente não pude passar tempo junto com os casais quando eles estavam “juntos sozinhos”, mas podia reparar, quando em grupo, que os casais de mais tempo se expressavam carinhosamente com muito mais facilidade que os novos, mas estes também já começavam a ensaiar suas “trocas” mais íntimas, mas, na grande maioria das vezes, se afastando do grupo geral. Na medida em que os outros foram chegando à rodoviária notei que seus cumprimentos eram mais casuais. Fora do ritual das reuniões parece não haver uma grande diferença de quando quaisquer pessoas que se conhecem e se encontram se cumprimentam. Talvez porque haveria logo após uma convivência mais prolongada com as mesmas pessoas, a expressividade mude um pouco. Quando retornamos houve um pouco mais de externalização de emoções durante os cumprimentos, mas, mesmo assim, não parecia o mesmo que nas reuniões; talvez, novamente, tenha sido por causa do prolongado convívio durante o final de semana. Um convívio prolongado já pode ser deduzido de uma maior afinidade entre os participantes do agrupamento, mas sempre ocorre a oportunidade de interações nem sempre harmoniosas. Não presenciei nada que possa ser chamado de conflito sério, pelo menos a vista de todos, mas as situações observáveis foram algumas poucas e leves discussões entre os casais. No ônibus, apenas Marla e Bala conseguiram lugares próximos. Ele foi cheio devido a época de São João, quando muitas pessoas viajam para cidades do interior do estado que oferecem festas da época para turistas. Pelo que pude ver não houve muitas atividades de sociabilidade entre eles durante a viagem. Nas paradas do ônibus a gente ainda se reunia e conversava “bobagens”, comia, etc. Mas, devido a não proximidade dentro do veículo não pôde ocorrer muita interação. Perguntei sobre como tinha sido a viagem em 1º de maio e eles disseram que todos foram juntos, que o ônibus não estava cheio e que eles puderam “brincar” muito mais durante viagem. A quantidade e a proximidade física do grupo é diretamente proporcional a alegria que eles expressão juntos; chamam mais atenção; se diferenciam mais das outras pessoas que estão em volta no espaço; criam um tipo de identidade. Esse diferencial de expressividade parece ser semelhante em todos os espaços em que eles interagem juntos: shopping, chat, praia, festas, e viagens.


Quando chegamos, tarde da noite, a cidade já estava meio vazia. Após os cumprimentos e acomodações na casa de Lama, encontramos o resto do pessoal num quiosque bar numa das praças próximas. Todos finalmente se encontraram e dessa vez, com mais quantidade e próximos, finalmente eles (nós) expressaram alegria e festividade, barulho, chamando um pouco de atenção, mesmo que para uma cidade já meio vazia. De volta à casa/sítio, todos se arrumaram para dormir. Haviam muitos colchões e todos puderam se acomodar sem muitos problemas para uma estadia de dois dias. As brincadeiras ainda rolavam até todos se acomodarem. As situações (brincadeiras, etc., mas também discussões leves e coisas do gênero) nos banheiros ou na cozinha, ou qualquer outro lugar da casa, aconteciam como em qualquer agrupamento amigável e afetivo.

Já deitados, podia-se ouvir algumas vozes ainda

conversando pela casa. Diante deste ambiente diferente, onde os encontros e trocas se dão de uma maneira mais cotidiana; apesar de todos estarem fora dos seus cotidianos; mas todos precisam comer, ir ao banheiro, dormir, etc., o que dá um caráter diferente das reuniões ou outros encontros mais temporários do grupo (shopping, praia, etc.), as afinidades tendiam a se particularizar; pessoas que decidiam dormir no mesmo cômodo, provavelmente tinham mais coisas em comum, que os deixavam mais a vontade para a situação mais íntima de dormir, etc. Então, muito do que se ouvia eram conversas (sussurradas ou não) de trocas simbólicas entre membros de um novo tipo de subgrupo, mais afetivo ainda, acentuando as afinidades; mas já não se diferenciando tanto quanto em relação ao grupo principal (Galera ZAZ) e esses 12 em viagem, pois era apenas uma situação excepcional a mais no cotidiano de interações do grupo (esses 12, em especial). Nas festas da cidade havia uma mobilidade de concentração dos presentes. Estas festas ficam rolando em vários locais (praças, bares, etc.) da cidade desde o anoitecer até a madrugada. Saímos juntos, mas, uma vez no centro havia dispersões intermitentes: casais saiam para passear ou dançar ou namorar. Outros rodavam pelas barracas de comidas e bebidas. Lama mostrava um lugar ou outro, apresentava pessoas conhecidas e de vez em quando parávamos em algum banco para conversar, brincar e olhar o movimento. A dinâmica do grupo neste espaço foi então de movimentação constante por vários sub-espaços onde ocorriam as festividades: indo e vindo, entre juntos e separados em subgrupos, partilhando as afinidades inerentes a diversão das festas (música, comida, bebida, dança e a companhia deles próprios).


No domingo, Lama nos levou a alguns outros lugares. Algumas pessoas tiraram fotos, como na viagem de 1º de maio. A necessidade de registro dos eventos traz o caráter de identificação afetiva que deseja se manter na memória. A grande maioria que tinha ido na outra viagem já conhecia alguns dos lugares em que Lama nos levou, mas outros não. Havia então uma acumulação de material simbólico a ser partilhado pelo grupo (coisas antigas revistas e coisas novas vividas no momento). Partimos de volta para Salvador às 18 horas do domingo (25/06). A despedida foi toda em torno do Lama. Ele parecia feliz por todos terem gostado da viagem; disse que podiam vir quando quisessem, que era um prazer para ele, etc. No ônibus, foi semelhante a ida, somente que, como havia mais gente, mesmo que não tão próximos o tempo todo, havia mais expressividade entre eles: pares, trios, etc. Ficavam conversando e rindo um pouco mais alto e quando o ônibus parava eles continuavam no clima de festa. Ao chegarmos, a despedida na rodoviária foi um pouco mais distante que o normal (reuniões, por exemplo), pois, como já disse, houve a convivência prolongada. Além disso, na quarta seguinte a maioria voltaria a se ver e as trocas sobre a viagem renovariam ainda mais suas afinidades. Subgrupos e indivíduos se separaram e cada um foi para seu lado. Mas todos pareciam bastante satisfeitos e realizados, com um pouco de tom saudoso pelo fim do feriado, mas com certa garantia da manutenção de suas trocas afetivas e afinidades partilhadas. Conclusão, o espaço influi na interação do grupo; a quantidade de membros também afeta a interação (principalmente o nível de expressividade); a proximidade física também influi e a convivência mais prolongada afeta a expressividade dos rituais de encontro e despedida. Espaços diferentes, de partilhamento mais planejado, aumentam a afinidade e a intimidade entre membros que se concentram nos subgrupos que fazem essas reuniões nesses espaços diferentes.


*** Podemos considerar a característica efemeridade como relacionada aos indivíduos do grupo, mas não tanto relacionada à noção e à existência do grupo em si. As motivações para o grupo são afetivas e estéticas, mas toda simbologia que os une vai além do afetivo, mesmo que esse seja o centro motivador. A vivacidade de um grupo que está num contexto múltiplo e efêmero por quase 2 anos vem da sua contínua renovação. Por isso, os indivíduos (os membros) podem até ser efêmeros ou não (os membros fluem), mas o grupo, até onde se pode ver é sólido e duradouro; especialmente em sua ocupação dos espaços de interação regulares (chat e shopping). Esta durabilidade é estimulada também pelo caráter cíclico dos rituais já descritos, que mesmo com a constante renovação eles se mantêm... (Podemos considerar que este argumento teria uma maior grau de validade, caso o grupo Galera ZAZ continuasse a ser pesquisado nos próximos anos. Por isso, aqui, esta é uma abdução de possibilidade de continuação do grupo. Uma hipótese provisória que só deixaria de ser verdadeira se/quando o grupo deixar completamente de existir.) A sociabilidade do grupo (as trocas) são baseadas nas diversas afinidades (mais momentâneas ou mais fixas) e que são inter-complementadas pelos dois tipos diferentes de atualização (chat e face-a-face), com suas características específicas de espaços de interação: diferentes formas de apresentação de Eus, auto expressividade, observação das convenções, aprendizado de rituais e códigos, etc. Os atritos e desafinidades também fazem parte da dinâmica da sociabilidade. Para o grupo permanecer, subgrupos se aproximam e se afastam; logo, atrito e desafinidade geram trocas em outras direções dentro do grupo, que sempre se renova. Provavelmente, se as pessoas tivessem de sempre interagir com os mesmos membros, inclusive com aqueles que têm desafinidades, o grupo já teria deixado de existir ou teria um outro perfil, mais fechado, como o do grupo formado a partir do provedor UOL, já mencionado. Os próprios membros do grupo Galera ZAZ afirmam (acreditam) que este é o único grupo com este perfil de constante renovação. Diferentes gerações de membros estão sempre se encontrando e partilhando novas afinidades, tanto no chat quanto no face-a-face e isso faz parte do perfil do grupo; com novos membros, velhos membros voltando, membros mais constantes, membros distantes, etc.


V - CONCLUSÕES

Que conclusões podem ser formuladas a partir deste caminho que tomamos? O que se procurou fazer foi um esforço descritivo e dedutivo sobre o que é e como é a sociabilidade no espaço da Internet; um espaço de interação que também faz parte do contexto contemporâneo. As características e as ferramentas do espaço de interação da Internet influenciam seus atuais modelos de sociabilidade. O fator mediação pode parecer hiper valorizado neste caso, mas o que conta mais é a criatividade dos indivíduos e suas motivações para se socializarem com outros (semelhantes, a princípio). Dessas motivações e das possibilidades oferecidas pelo espaço de interação e sua possível complementação face-a-face, o caráter peculiar da sociabilidade na Internet se forma. A formação de grupos Net é o aspecto mais explícito desse processo a ser interpretado. As várias motivações (funcionais e afetivas) que caracterizam a sociabilidade contemporânea também estão presentes no espaço da Internet. Os grupos Net, cujo caráter predominante de motivações escolhido é a afetividade, participam como nós, dentre tantos outros possíveis, de uma inapreensível rede de relações (interações/conexões), e seu caráter peculiar de formação, manutenção e renovação através da inter-complementaridade de espaços de interação, no caso lúdicos, são a categoria ideal para a compreensão da sociabilidade no espaço da Internet; pois eles não têm reais precedentes diante de sua forma de origem e de suas diferentes formas de expressão de pertencimento. Vimos que a própria noção de grupo aqui, neste contexto, é um pouco diferenciada da noção mais tradicional; funcionando como rede e não com centro. Não tenho dúvidas que a noção individual de pertencimento afetivo é a principal motivação para a manutenção desses grupos (da sociabilidade); no entanto, vimos que essa noção originária é apenas uma parte do processo. Toda parte narrativa e descritiva de nossa etnografia nos serviu também para demonstrar esse caráter mais complexo do que parece ser uma resposta simples. O pertencimento. Não seria apenas algo que falta na vida dos membros e que precisa ser preenchido afetiva e ludicamente; é um conteúdo de vida que faz parte do sentido atual do que estes membros de grupo Net são. Algo talvez temporário e efêmero, como quase tudo que trata de pessoas e as formas que elas lidam com seus diversos contextos possíveis de interação, mas sem dúvida um parte integrante


dos sentidos de suas realidades. Os significados de suas realidades (pontos de vista do real, da vida) se virtualizam no interior de cada um, transformando a noção (ou sensação) de pertencimento ao grupo em algo presente e freqüentemente atualizado nos diversos encontros e reuniões do mesmo. Esse processo se dá na atualização/renovação 98 dos rituais, das afinidades, das identificações e das possíveis identidades dentro do grupo. Indo, das afinidades semelhantes, possível efemeridade individual e possível familiaridade construída no cotidiano destas semelhanças, para o reconhecimento e afirmação de possíveis diferenças no interior dessas semelhanças: identidades.

Pudemos perceber em várias situações posteriores ao trabalho de campo que a busca por pertencimento nos membros do grupo Galera ZAZ passa através de vários níveis e detalhes. Manter fotos individuais de membros no espaço de interação do grupo; a publicação de fotos do grupo nos seus diversos eventos e reuniões; a produção de ícones significativos que contribuem para um tipo de afirmação da noção coletiva, são algumas formas de moldar o seu caráter motivador: a necessidade da noção de pertencimento. Assim como as memórias acumuladas e as ausências (desencontros e saudades) que virtualizam a noção de grupo quando não está atualizado; e mesmo quando está, contempla algumas presenças e virtualiza outras para assim poder manter e renovar o mesmo caráter continuamente proposto: o pertencimento. As tentativas expressivas de subgrupos também fazem parte deste contexto: promover possíveis ações filantrópicas futuras utilizando os talentos de membros do grupo; a forma “espetacular” dos Chaparrais; os eventos que procuram formar laços em porções dos membros (festas, viagens, etc.), são exemplos dessas tentativas. Enfim, quando se tem em mente todas as especificidades da sociabilidade contemporânea, podemos ver que os limites da mesma no espaço da Internet estão nos usos criativos que se faz de suas ferramentas e possibilidades. No final sempre se buscando o pertencimento, mas se construindo diversos caminhos para o mesmo, cheios das motivações e dos contextos que formam cada

98 Sobre esta noção de atualização/renovação dentro do grupo Galera ZAZ, podemos fazer uma interessante analogia com uma das ferramentas dos navegadores de Internet mais populares: o reload ou refresh, ou em português atualizar. Ao ser atualizada uma página da WWW com estas ferramentas, qualquer novo elemento acrescentado ou mudado na página será apresentado; do mesmo modo a constante atualização/renovação do grupo faz com que os membros estejam sempre mudando: novos que chegam, antigos que retornam, casais que se formam, outros se desfazem, alguns


indivíduo. Dentre as nossas hipóteses iniciais sobre um grupo formado a partir da Internet e da sociabilidade do mesmo, temos que: a multiplicidade de referências é uma constante, confirmada pelo fluxo intenso de trocas em rede pelos membros, com um caráter sempre renovador e inter-cruzado com referências externas. A efemeridade foi confirmada, mas se encontra em uma posição relativa ao indivíduo, isto é, este tende a ter interações efêmeras no grupo por causa da multiplicidade do contexto; no entanto o grupo, em sua expressão de coletividade e em sua fluência de membros (renovação), tende a se manter por muito mais tempo, como já tem se mantido. A busca por pertencimento ou preenchimento afetivo é a principal motivação para o agrupamento, como vimos. E as peculiaridades advindas de sua origem particular (a Internet) estão presentes no cotidiano do grupo (os nicks, os assuntos, os reservados, etc.); mesmo se considerando que a familiaridade em relação ao espaço da Internet tende a aumentar no futuro e, com isso, o que agora é peculiar pode se tornar comum, mas mesmo assim de interesse antropológico. A falta de um contato mais prolongado com o grupo (por anos, seria o ideal para confirmar o seu processo de renovação/manutenção, por exemplo) nos traz a possibilidade de estudos futuros dentro do mesmo grupo Net e até em outros, como forma de uma comparação mais sistemática, inclusive com outros tipos de formações coletivas, o que nos traria uma visão mais ampla e crítica a respeito do que há realmente de particular nos grupos Net; sendo provavelmente interessante uma comparação entre grupos Net de origens culturais diferentes (outros estados ou até países), trazendo assim novas particularidades de grupos Net para análise e quem sabe uma maior percepção do processo “rizomático” (em rede), onde grupos Net variados se entrecruzariam num mesmo fluxo de interações entre indivíduos que vivem esse “rizoma”... nos mais diversos contextos.

desaparecem, novos eventos acontecem, conflitos afastam membros, etc.


REFERÊNCIAS CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Tradução RoneideVenancio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

DELEUZE, G. e GUATTARI, F. Mil Platôs - Capitalismo e Esquizofrenia (Vol. 1 e 2). Coord. de Tradução Ana Lúcia de Oliveira. São Paulo: editora34, 1995.

GEERTZ, Clifford., O Saber Local. Tradução Vera Mello Joscelyne. Petrópolis: Vozes, 1998.

GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Tradução Maria Célia Santos Raposo. Petrópolis: Vozes, 1999.

MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos - O declínio do individualismo nas sociedades de massa. Tradução Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense, 1987.

SENNETT, Richard. O declínio do homem público - As tiranias da intimidade. Tradução Lygia Araujo Watanabe. São Paulo: Companhia das Letras, 1976.

SENNETT, Richard. The uses of disorder: personal identity and city life. New York: Alfred A. Knopf, 1970.

URIARTE, Urpi M. A via das máscaras: identidade e identificação na cidade. In: CULTURA E NOVAS IDENTIDADES, 1999, Salvador.

E outras.


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