True belief in the grape mountain

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TRUE BELIEF IN THE GRAPE MOUNTAIN

Fabiano Viana Oliveira


TRUE BELIEF IN THE GRAPE MOUNTAIN (conto registrado na Biblioteca Nacional)

Fabiano Viana Oliveira


A CAPTURA

A luz ofuscante e imediata invade a escuridão que vinha antes por aquela porta. Era uma porta dupla e abria para fora. Conclui sua envergadura o suficiente para a passagem de até cinco pessoas. E eram quantas estavam vindo por ali atravessar. Quatro homens de truculenta silhueta traziam carregado; um contendo cada membro do elemento; o quinto homem, desacordado, mas com respiração ofegante: o que fazia-se deduzir um recente desfalecimento. Todos deixavam-se transparecer em suas vestes e marcas pelo corpo que a luta para que aquela situação de fato ocorresse não fora de modo algum fácil: mesmo apesar da semi-frágil aparência do capturado em relação aos quatro truculentos. Era um homem alto, com mais de um metro e noventa, tendo um peso devidamente proporcional ao tamanho e com uma bem distribuída massa muscular... Mas este não fora o fato principal... Havia ainda o desgaste visível nas roupas de couro de tonalidades pretas e marrons desbotadas, e nas botas, também de couro, mas com um solado bastante diferenciado (visivelmente). E fora do alcance da visão o pulsar violento dos seus tendões e músculos, vibrando na mesma intensidade de um jovem e veloz coração... E havia também o sangue que escorrera e coagulara tanto em suas têmporas quanto no canto da boca, marcando seu pálido e forte rosto desmaiado, sacudido com o movimento por ser carregado, junto às ruivas sobrancelhas e à ruiva barba bem desenhada, que davam o tom da austeridade junto à jovialidade dos cabelos louros compridos chegando a passar dos ombros quando se posto de pé... Presentes, os cinco entravam no ambiente. Saindo da escuridão do corredor para luz... Era um bem equipado laboratório: Pelas duas extremidades laterais se viam distribuídos os sete cientistas presentes no ambiente: os homens de roupa branca, óculos e expressões tensas tanto diante do que estavam fazendo quanto do homem que acabara de entrar carregado. Pelo meio do laboratório, mais para o fundo, entre-cobrindo a entrada do que parecia uma porta de cela com uma janelinha gradeada, estavam de pé dois homens altos e alinhados, usando ternos praticamente idênticos, com cortes de cabelo também regularmente idênticos e brilhosos. À entrada dos homens, estes dois desviam suas atenções da misteriosa conversa, com um deles guardando, meio apreensivo pela recém chegada daquele homem, um pedaço de papel dobrado ao meio duas vezes, uma folha de carta talvez, velha e amarelada, ou a página de um livro, ou de um diário. E então vieram, em ambos os lados, na direção de um centro comum, os dois grupos longitudinais: os dois personagens de terno e os quatro captores com o seu prisioneiro. Finalmente se encontram... - Vejo que Greg Makintosh ainda dá muito trabalho para ser pego!- Diz um dos homens de terno ao notar os estados de todos os outros, além do dele próprio, personagem recém apresentado: Greg Makintosh. - Ele estava certo, afinal. (Diz o outro homem de terno.) Será que no resto também?...- O outro fora o que guardara o papel. Ele observa com atenção o rosto desacordado de Makintosh. Raciocinava ele entre o perplexo e o surpreso por saber que o colega estava certo. No papel havia contido a localização exata de onde Makintosh estaria, e também como seria a sua reação à captura, e que também, depois de muito esforço, como era de se constatar, os homens teriam sucesso, trazendo-o como o trouxeram. Logo ele ordena aos quatro homens: - Coloquem-no na cela!... E lembrem de ligar a blindagem anti-cinética.- E eles o levam. Mais tarde os homens conversam: os de terno bastante alinhados e bem educados...(estão numa sala fechada). - Será que podemos confiar em tal criatura?! - Sua capacidade se tornou evidente quando vimos o que vimos. - Pode ser uma coincidência... - Com tantos detalhes??!... Duvido!... Sempre foi assim!...- O outro cede em concordar. - Não me admira ser um o progenitor do outro...- O olhar do que volta a segurar o papel tirado do bolso é de certa preocupação diante de seus próprios pensamentos. - Mas não se compara ao perigo que Makintosh representa para todos nós!... Silenciam por instantes. Ainda olha com interesse o papel... - Só queria saber a o que ele se refere aqui no fim da página... É próprio deles deixar-nos em suspense e expectativa a respeito de um assunto tão tenso... E nem sabemos onde encontrá-lo!- No final da página referida(do papel em sua mão) estava escrito: “...e um terrível incidente...” Na cela, Greg Makintosh finalmente desperta... A sua frente está a porta do cubículo de 3x3, totalmente branco e com um leve odor de ozônio que logo alcança suas narinas assim que acorda. No momento em que abrira os belos olhos azuis a primeira coisa focada fora o pequeno gradeado no meio da porta, com um vidro cheio de frestas o atravessando, dando para um outro desconhecido ambiente; que


tinha certeza ser o laboratório da agência UM. Numa rápida olhada ao redor somente com os olhos vê que está numa cela... muito pequena... A sensação claustrofóbica já se inicia. Percebe no outro segundo que está sentado numa poltrona de couro preto, e que ela o deixa semi-deitado com as pernas pendendo para baixo sem tocar no chão... e é a segunda sensação de pleno desgosto: preso e imóvel... Logo se prepara para a iminente agitação de seu organismo, e começa a se agitar de dentro para fora... quando já quase pronto para insolver-se através da porta a sua frente, estilhaçando-a, como é seu instinto libertador... Então, finalmente indo se precipitar para frente num salto e veloz, mas inexoravelmente frustando-se na tentativa; de maneira brusca; sendo repelido em sua tentativa de movimento por uma força muito além do seu controle... e vontade... Volta a se desacelerar, mas não seu sangue e seu coração, ainda pulsando muito fortes... como sempre. - Eu devia saber... Uma blindagem anti-cinética...- Fala Makintosh desolado. Este tipo de blindagem eletromagnética(o ozônio) inibe completamente qualquer movimento de mais de 5 hz (hertz / medida de frequência) e por isso o deixa totalmente à mercê da agência UM, que o havia prendido. E ele sabia como... - Eu o odeio!...- E volta a se desolar, pois sabe que assim, imóvel, logo irá sucumbir e morrer, como é sua natureza. E propósito. Ou destino. Mas...

1ª FUGA

Num canto qualquer do laboratório uma das pessoas de branco caminha lentamente fazendo a leitura dos instrumentos hipersensíveis da cela anti-cinética. As leituras passaram velozmente da alta atividade de movimento iminente para a quase imobilidade absoluta (a tentativa de Makintosh); e o homem de branco, com a expressão de muita experiência em seu trabalho, anota numa folha de papel presa numa prancheta de mão metálica a evolução dos resultados e testes, desde quando fora possível a primeira vez se estudar o ente: Greg Makintosh... A curiosidade e fascínio iam além da hiper-cinesi, da velocidade e da contínua e crescente vibração em seu corpo: o que mais interessava era a capacidade advinda dessa... velocidade. De outro lugar do laboratório, outro homem de branco chama este cientista por qualquer razão. Atendendo ao chamado do colega, ele deposita a prancheta sobre os consoles computadorizados de leitura da cela e se vai... Alguns minutos se passam... A prancheta de metal fora colocada sobre dois consoles distintos, ligando de uma certa maneira um e outro; os consoles também sendo de metal; na semana anterior, quando o laboratório havia sido faxinado para receber de volta sua experiência (cobaia) mais ilustre (Makintosh), as pessoas que o limparam esqueceram de religar todos os fios terras das máquinas; deixando assim espaço livre para as leves correntes de eletricidade estática... Porém com a prancheta de metal, conduzindo, esta eletricidade estática entre os dois consoles, a sobrecarga se tornava iminente... só precisando de um condutor para efetivar o curto... A eletricidade estática se acumulava... Após ajudar o colega, o cientista retorna ao seu trabalho original: observa se houve alguma alteração nas leituras, caminha pelos mostradores de todos os consoles e finalmente se dá pela falta da prancheta. Ele caminha para pegá-la; parte de sua atenção está em um dos mostradores; estica o braço para apanhar o seu instrumento de trabalho; e finalmente toca na prancheta de metal... Era o condutor! O choque luminoso provocado pelo imediato curto-circuito causa fumaça e faíscas nos consoles do laboratório; as luzes piscam alucinadamente; outros homens de branco correm de um lado para o outro bradando algumas ordens; os dois homens de terno saem correndo da saleta onde parlamentavam e perguntam o que está acontecendo; as luzes continuam a piscar; um rápido flash ilumina parte do laboratório e uma rápida explosão se segue, com o som de pequenos estilhaços sendo arremessados por todo ambiente, fazendo inclusive algumas das pessoas sentirem os toques lhes batendo no corpo; outros sons de distúrbios elétricos se sucedem durante alguns segundos; e finalmente, já com a fumaça se dissipando, as luzes voltam à sua normal regularidade, revelando aos exaustados presentes... O cientista caído, em choque, talvez morto, perto dos painéis de controle da cela anti-cinética... E a total inexistência, agora, da porta da cela, também ainda fumegante em suas bordas; sem mais ninguém, o prisioneiro, lá presente, na cela... Diz um dos homens de terno: - Droga! Eu sabia que algo ia acontecer! -...Um acidente!!? Malditos! Makintosh corre pela pradaria deserta deste lugar. Afasta-se rápido às suas costas a base da agência UM: um complexo para-militar de concreto cinzento no meio de um nada deserto, cheio de vegetação rasteira, e ao longe, para todos os lados, muitas montanhas de pico arredondado. Há um belo


céu azul sem nuvens fazendo limite com o pardo da infinita pradaria... E atravessando-a a mais de 50 Km/h está Greg Makintosh; seu rastro de poeira marca o seu caminho; a explosão de sua liberdade vibra em cada músculo que se vê livre novamente, pois como é dele nunca deixar seu sistema orgânico ficar estático: todo seu sangue pulsa com velocidade; cada parte dele se tornando uma só máquina de cortar a distância, numa sincronia e simetria perfeitas, fazendo dele o ser perfeito que é, e é único. Enquanto corre com o destino certo, sabendo em direção de que e quem terá sempre que ir, pois tem de conhecer a sua história para entender a sua origem, e refletir suas capacidades nesse mundo: conhece o caminho que atravessa... Makintosh pode, ao pensar num objeto, em harmônica, perfeita e constante velocidade, tele-transportá-lo para suas mãos: nunca encontrou grande utilidade nesse poder; nunca desejou nada de ninguém... Mas nesse momento precisava resgatar a parte que faltava da fonte de sua eterna espera... Pensa fixamente no pedaço de papel que devia estar presente em algum lugar daquele complexo que deixava para trás, cada vez mais distante... E afinal ele surge em sua mão direita; empunhao com segurança após a definitiva materialização; olha-o de relance com a certeza e raiva de quem já sabia que estava certo sobre a contínua descoberta e vivência de uma trama... - “Sempre as mesmas páginas amareladas me carregando de volta!” - Pensa. E continua correndo. Com a expressão do predestinado a ser forte e resignado. Deslizando velozmente por este mundo; carregando de volta um mundo que teme a todos de “seu mundo”.

# Os olhos azuis enxergam no horizonte em frente. Há pequenas construções ao longo de uma linear fronteira: é quase um vilarejo, mas sabe que está quase tudo desabitado desde pouco depois de seu nascimento; longa corrida e fuga pelo mundo das secas pradarias, florestas selvagens e grandes cidades, até ter de surgir aqui de novo... As pequenas e quase idênticas construções são brancas casas, onde um dia viveram as famílias dos militares responsáveis por guardar essa mesma fronteira... Rápido se aproxima. Por detrás da linha das casas já pode visualizar o extenso muro que cobre toda a área daquele perímetro: o muro alto, branco, uma lembrança das possibilidades do impossível, daquilo que descansa grandioso por trás do muro, na fronteira entre tantos mundos diferentes; cortando boa parte do horizonte com sua majestosa paciência de milênios; o que os olhos de Greg Makintosh conseguem ver cada vez mais próximo e intimidador: The Grape Mountain. No ambiente “lento” de uma casa semi-envelhecida pelo tempo, no quarto, o casal de idosos se põe sentados sobre a cama, mansamente se observando e observando o vagaroso movimento do silêncio: as rugas em seus rostos brancos de mais de 65 anos se contorcem e se refazem em regulares novamente por uma troca íntima de olhares e expressões lamuriantes; pouco precisam dizer, pois muito se conhecem; apenas estão sentados na cama, um de frente para o outro, e próximo a eles, também descansando sobre o branco e limpo lençol que recobre a cama... um livro; negro, velho, de páginas amareladas, sem títulos ou qualquer outra coisa na negra capa, com a espessura de cerca de 400 páginas... praticamente “respirando” junto com os dois velhos... vivos: - Calma, querida... Logo ele estará aqui.- E a velha. - E a história finalmente chegará ao fim...- Os dois continuam a se olhar com lamento... Do lado de fora, pelo pátio ao lado, entre a casa dos velhos e a casa vizinha, uma distorcida imagem passa em rojão na direção do muro... O som produzido pelo veloz projétil arrasta o mundo vivo de volta para a vila... E lembra, acorda, aos velhos, semi-assustados, que a hora chegou. - Ele chegou!- Diz a velha. Levantam-se e vão... A imagem do gigante marrom a sua frente é realmente majestosa. Makintosh está subido no muro, somente sua cabeça se expõe ao vento entre a região da Grape Mountain e a linha das casas. Sua respiração está ofegante, mas ele não está cansado; sente o prazer de sua liberdade nos músculos e sangue pulsantes da velocidade... Apenas observa... - Estávamos a sua espera, Greg...- Makintosh volta a cabeça em seu limite, para trás e para baixo. - Avó... Avô... Vocês ainda estão aqui?!- O casal de velhos observa o neto em suas vestes de uma vida em fuga. Estão parados lado-a-lado, olhando para o alto; para o rosto de um homem em eterna dúvida sobre si mesmo... Observando sua origem. - Somos os últimos!- Diz o velho. - Venha conosco.- Diz a velha. - Para onde?- Pergunta Makintosh. - Descansar em nossa casa.- Responde o velho. Ele dá um pulo e agora está parado em frente do casal. Olhando-os: - Está com vocês, não está? - Você não pode mais fugir, Greg!- Fala a velha.


- Vamos.- Diz o velho. E os três vão na direção da casa. Sob a sombra da Grape Mountain.

2ª FUGA

A escura noite a tudo encobre. É um vertiginoso veneno de pensamentos e lembranças que envolve Makintosh em seu conturbado descanso. Seus avós lhe traziam as recordações de infância nesse lugar hoje tão desolado; suportava o rápido crescimento ainda um tanto feliz, com a regular partida de todas as famílias que foram evacuando a vila ao longo dos anos; mas uma sombra mais profunda e abrangente que a própria montanha que tinham de guardar, o haveria de carregá-lo para aquele largo e interminável pedaço de vida que teve de viver até então... A deserção de seu pai da agência UM trouxera os horrores de uma obscura perseguição pelo mundo; ocasionando também a morte de sua mãe; no começo fora deixado naquela mesma casa, com os avós... mas um dia os homens de terno da agência UM vieram e ele teve de fugir por si só pela primeira vez... Os velhos foram lá deixados, mas constantemente vigiados até que a agência UM começou a receber as páginas do livro: as páginas amareladas revelavam seguidamente, e com antecipação, os passos de Makintosh pelo mundo; forçando-o a desenvolver com mais rigor e eficiência suas capacidades congênitas... Seu pai era um respeitado espião da agência UM, sempre trazendo as informações mais quentes sobre o inimigo: sempre certas, sempre antecipatórias e sempre sem nenhuma clara explicação de como ele as conseguia; mas se as missões eram cumpridas com eficiência... quem se importava... Até que um dia ele partiu... E há pouco tempo, quando se descobriu sobre o poder de teletransportar coisas quando em perfeita velocidade constante, o interesse da agência UM em Makintosh se tornou prioritário... para o controle de tudo. As páginas surgiam; ele as capturava; e sempre surgiam mais... Numa eterna dúvida do porquê daquela viagem em círculo que o trazia de volta para a Grape Mountain... Sem entender as razões de seu pai: sempre se acrescendo do rancor por tudo que tem-lhe feito passar... Sempre fugindo... E agora ele está aqui; e o livro também, completo; não quer lê-lo... Seus avós disseram que deve, que está a sua disposição; mas sabe que tem medo de fazê-lo... Logo todo poderio da agência UM estará aqui: é o único lugar que resta; onde tudo começou... E talvez até eles saibam porque querem tanto ele, e seu pai também... Mas para Makintosh a resposta está na montanha, não no livro que o pai escreveu; a montanha que o chama silenciosa; querendo que Greg Makintosh retorne e seja o seu verdadeiro crente (True Belief) do seu mistério de um milhão de anos... E logo ele irá. Amanhece... Sons distantes se aglomeram ao redor da Grape Mountain, se aproximando, levantando nuvens de poeira amarela na pradaria já iluminada pelo sol. Makintosh fora alertado pelos avós; binóculos super potentes nas mãos dos três os fazem ver com clareza a aproximação... - Você deve ir, Greg.- Diz o avô. - Não pode mais fugir do destino.- Diz a avó. - Destino?! O que ELE escreveu?!- Fala Makintosh. - Seu caminho o trouxe aqui... O que mais você acha que pode fazer?...- Fala o avô. Ele tem os olhos de seus avós o observando, com o cansaço de muito tempo a espera de algo que só ele pode realizar... sem saber o que é... Está no livro, mas Makintosh nunca o leu; nunca quis ler, nunca quis acreditar... Olha uma última vez para os velhos. Greg Makintosh atravessa veloz a casa de seus avós. O livro vem para sua mão direita. A liberdade da velocidade sempre lhe causa prazer no seu coração... Sempre foi assim, desde o primeiro passo, desde que correu livre pelas pradarias e sentiu todo seu sistema vital pulsando com a perfeição de um único e fabuloso órgão do ser... O muro está logo a sua frente; a agitação do atrito do ar faz expandir as moléculas de uma couraça invisível, que só ele é capaz de formar... A explosão do choque com o muro abre uma cratera de oito metros de largura, deixando apenas os destroços daquela parte do muro, provocando em seu momento um grandioso estrondo que ecoa pelo ar... Os velhos foram deixados para trás: acredita que ficarão bem; as forças da agência UM se aproximam; e a sua frente só existe a montanha... Makintosh corre nas ascendente para encontrar a entrada: uma caverna de abertura circular, que engole a luz do dia para dentro de sua escuridão. O grandioso formato da Grape Mountain é regular, de pico arredondado, puramente rocha, sem nenhuma vegetação; a única caverna é aquela para onde ele vai: a entrada para um milhão de anos de segredos e mistérios. O que seus olhos vêem é o gigante de rocha marrom crescer a sua frente e o olho negro da caverna crescer gradativamente no meio da massa rochosa. A luz ainda brilha sobre ele nesse suave amanhecer, as cores que pode enxergar além do monstro a sua frente são belíssimas: o azul do céu que vai sumindo, o pardo amarelo do chão que acaba de dar lugar ao marrom da rocha velha, e o brilho branco da luz do dia... Sabe ter seu destino se aproximando: um encontro há muito premeditado nas páginas envelhecidas do livro que carrega; uma coisa espantosa,


que assusta e maravilha crentes e descrentes, pelas razões do futuro desconhecido: o fardo que dele depende... correr. A escuridão da caverna o envolve num único segundo, parecendo não mais restar luz no universo que consiga iluminar aquela negritude de um milhão de anos... Mas ele pode enxergar longe em frente um novo tipo de luz: a que não se expande; a que não existe na luz do lado de fora, somente aqui... A velocidade vai diminuindo à medida que se aproxima: o pequeno cenário iluminado por aquela luz vai se desenhando; Makintosh está quase somente andando na densidade de um mundo quase inexistente... É uma mesa de pedra. Sobre ela há um globo de onde é gerada aquela luz. Atrás da mesa uma cadeira, mais uma poltrona, também de pedra... Ambas, mesa e cadeira, parecem ter sido esculpidas a partir da rocha... E sentado na cadeira, à essa mesa, está seu pai, Raily Makintosh... Está parando, está em frente à mesa. Makintosh pára. Pai e filho se olham com ambas as sombras claras de uma tão estranha existência, de ambos, de um em relação ao outro, ou pelo menos de Makintosh para com o pai. - Você trouxe!- Makintosh ergue o livro. - Está aqui!- Põe sobre a mesa. Seus rostos, semelhantes, se estudam mutuamente; Raily é muito mais velho e sua pele está tão pálida quanto a de um morto; mas são praticamente clones: até no jeito de usar a barba e o cabelo... - Por que, afinal?- Pergunta Makintosh. - Talvez para esta questão eu não tenha resposta. Porém posso dizer quando e onde. - Explique! - Nesta mesma mesa, a qual eu mesmo construi; há muitos anos atrás; logo depois de explorar a Grape Mountain; antes de virem os colonos militares... Eu me sentei a ela e comecei a escrever o livro: não sabia porque estava escrevendo, não sabia como podia criar algo tão complexo e estranho... Nem imaginava que teria um filho... Mas havia uma compulsão tão irresistível que só saí daqui três meses depois, com o livro totalmente pronto... Somente mais tarde descobri o inusitado: tudo que eu havia escrito estava acontecendo: desde minha saída à luz depois daquele tempo na escuridão, com o choque em minha visão; e logo depois os colonos; e a guerra; a agência UM; minha participação na organização: eu sabia de tudo que iria acontecer... Meu casamento; seu nascimento, e tudo mais até hoje: que é a última página do livro. - Quem é você afinal, pai?... Deus?... - Eu não sei. - E o que vai acontecer afinal(?): eu nunca li o livro! - Eu sei... Escrevi isso!... Tudo está no livro... Inclusive esta conversa... O cerco da agência UM lá fora é total; não há saída! - Então... O quê... - Está em sua mente, Greg... O que você tem de realizar. - Não pode ser! É loucura! - Sabe que não tem escolha... Você quer fazê-lo!- Makintosh se atem ao silêncio por alguns segundos. Reflete e sabe. - Eu... tenho que... ir. - Eu sei.- Makintosh dá meia volta e penetra na escuridão; apenas caminhando na direção da saída: sabe o que tem de fazer... O horizonte além do muro, e além da vila, é um puro conturbar do poderio bélico/militar da agência UM; em toda sua capacidade e despotismo, dominando metade do mundo não é o suficiente... Makintosh sai calmo para a luz do dia; seus olhos azuis sentem o leve choque por sair da densa escuridão do interior da montanha: sempre seu eterno lar, sem a resposta necessária de uma vida, muitas vidas, sem sentido: a Grape Mountain... Faz um leve e rápido caminho até a base da montanha; sabe já ser provável que fora avistado assim que deixou a escuridão; mas só precisa alcançar a pista natural que circula toda montanha para enfim cumprir a sua missão... Os agentes da agência UM não chegarão a tempo. Ele chega... Uma última olhada no mundo ao redor estático: Grape Mountain, o céu, o muro, as casas da vila, as pessoas, os carros, as armas, seu próprio corpo... e as memórias vibrantes em sua mente... Greg Makintosh começa a correr em volta da Grape Mountain. A velocidade perfeitamente harmônica vai se estabelecendo; só enxerga uma mesma imagem, desfigurada pela velocidade, a frente: tudo o que era em volta... Já pode ver no seu pulsar que desliza em círculos a imagem de si mesmo de costas: os reflexos que a luz pode ocasionar numa velocidade que se acelera e se acha constante... Pode ver suas costas, seus cabelos, suas pernas dando um passo após outro com extrema velocidade; quase sente já ser a velocidade vivificada: seu corpo, em roupa de couro marrom e preto, e o desígnio que se faz... Makintosh pensa em todo o planeta, em toda a sua massa, tudo que existe nele e sobre ele; cada grão de terra e cada pessoa... Ele pensa em tudo. E logo nada mais existe, pois só existe Makintosh... e o mundo inteiro em suas mãos... “Corre veloz o cosmos; um deus glorificado, que tem seu mundo no punho.”


FIM


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