N°20: Antenor firmin x Arthur de gobineau por Pamela Marconatto

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EMERGENCIAS 20 JUNIO 2017 GT. IIEE (IDEA-USACH)

"Antenor Firmin x Arthur de Gobineau: a resposta do primeiro antropólogo haitiano ao eugenista francês em plena era do racismo científico" Pâmela Marconatto Marques*

UNIVERSIDAD DE SANTIAGO DE CHILE / INSTITUTO DE ESTUDIOS AVANZADOS Román Díaz nº89 - Providencia - Santiago - Chile Teléfono: (+56-2) 2 718 1350 / (+56 9) 2 718 1360 idea@usach.cl / www.ideausach.cl


"Antenor Firmin x Arthur de Gobineau: a resposta do primeiro antropólogo haitiano ao eugenista francês em plena era do racismo científico" Pâmela Marconatto Marques* A Revolução escrava de 1791 na então chamada Ilha de Saint Domingue pegou de surpresa uma Europa embebida em seu suposto progressismo liberal, incapaz de olhar para a excolônia e para a diáspora africana que ali se rebelava fora de sua projeção exotizante. Na antiga metrópole francesa, as elites – mesmo as ditas antiescravagistas – voltaram atrás à medida que detalhes da Revolução haitiana chegavam a solo francês. Em “The french encouter with africans: 1530-1880”, o finlandês William B. Cohen aponta que O levante de Saint Domingue foi decisivo para o fortalecimento da negrofobia [na França]. Nenhum dos abolicionistas aprovou a revolta. Alguns, inclusive, tomaram-na como prova de que haviam compreendido mal a natureza dos negros e, consequentemente, passou a reavalia-los (Cohen, 2003: pg 182). Segundo o autor, filho de judeus que, à época do nazismo, refugiaram-se em solo etíope, a partir desse momento passava a não ser de bom tom proclamar a nobreza da raça negra e a barbárie da escravidão nas rodas de intelectuais e mesmo nos circuitos artísticos, considerados vanguardistas, onde agora fortalecia-se o entendimento de que “os homens não nasceram para correntes, mas os revoltosos de Saint Domingue provaram que elas eram necessárias.”(Cohen, 2003: pg.183) Nesse cenário, Arthur de Gobineau, até aquele momento, nas palavras de Cohen “diplomata de pouco renome e romancista medíocre”, considerado anacrônico por seus pares, ao publicar seu “Ensaio sobre a desigualdade das raças” refletirá, entretanto, “fielmente as ideias sobre a raça de seus antecessores e contemporâneos” (Cohen, 2003: pg.217). O Ensaio, publicado em Paris em 1855, será, sem dúvida, sua publicação de maior alcance e repercussão ao valer-se do racismo científico para apregoar, romanticamente segundo Cohen, a derrocada das raças puras e, portanto, a iminência da degeneração. Somente à raça ariana – única considerada pura - atribui a capacidade de “criar civilização”, além de ser apontada como singular na manifestação das virtudes mais elevadas do homem: honra, amor à pátria, liberdade, etc. Ao afirmar "Eu não acredito que viemos dos macacos, mas creio que estamos indo nessa direção", Gobineau refere-se particularmente à inferioridade da raça negra e sua suposta irrelevância na construção de um legado comum à humanidade, mesclando tais afirmações a apresentação de um estudo do crânio e face de homens brancos e negros e comparando-os entre si e com primatas. De acordo com Cohen, as teses de Gobineau constituirão o plano de fundo da emergência da Sociedade Francesa de Antropologia, fundada em 1859, com intenção de consolidar-se como disciplina científica, distanciando-se de qualquer tradição moral por considera-las afeitas à ética religiosa e endossando o método descartiano. Apesar da grande repercussão de que gozou o ensaio de Gobineau nesse contexto, em um momento em que o continente africano era repartido entre as potências europeias, a resposta aguda e sistemática produzida a ele desde o Haiti independente foi francamente abafada. Ainda está por ser feita a descoberta do intelectual negro Anténor Firmin, advogado e diplomata haitiano, convidado a tornar-se membro da referida Sociedade Francesa de Antropologia por suas contribuições às discussões realizadas naquele âmbito e notável domínio do positivismo como método . É assim que Firmin publica, em Paris, em 1885, um ano depois do lançamento da segunda edição da obra de Gobineau, sua resposta sistemática ao mesmo, intitulada “Da igualdade das UNIVERSIDAD DE SANTIAGO DE CHILE / INSTITUTO DE ESTUDIOS AVANZADOS Román Díaz nº89 - Providencia - Santiago - Chile Teléfono: (+56-2) 2 718 1350 / (+56 9) 2 718 1360 idea@usach.cl / www.ideausach.cl


raças humanas”. A dedicatória do tomo de seiscentas e cinquenta páginas já anuncia seu propósito de reabilitação étnico-racial: Que este livro possa contribuir a acelerar o movimento de regeneração que realiza minha raça sob o céu azul celeste das Antilhas! Que ele possa inspirar em todas as crianças de raça negra, distribuídas pelo imenso orbe da terra, o amor ao progresso, à justiça e à liberdade! Em dedicando-o ao Haiti, é a todas elas que me dirijo, as deserdadas do presente e gigantes do futuro! (Firmin, 1885: pg.05). No prefácio, o autor deixa clara a indignação que lhe despertam as páginas que lhe chegam às mãos em sua estada em Paris, evidenciando a popularidade das ideias propagadas por Gobineau: Não pude dissimular. Meu espírito ficou em estado de choque quando li diversas obras onde se afirmava dogmaticamente a desigualdade das raças humanas e a inferioridade nativa dos negros. Uma vez aceito como membro na Sociedade Antropológica de Paris, a discussão não me deveria parecer ainda mais incompreensível e ilógica? É natural ver compor uma mesma associação e dotar-se de um mesmo título, homens que a própria ciência - de que supõem-se representantes - parece declarar desiguais? (Firmin, 1885: pg.08) O modo como Firmin sistematiza a resposta à Gobineau passa por um profundo e minucioso estado da arte que, por si só, poderia ser considerado significativa contribuição à constituição disciplinar da antropologia. Mas é no capítulo dedicado a inventariar a contribuição das comunidades negras à história da humanidade que fica nítido seu vanguardismo. Antecipando Cheikh Anta Diop, reconhecido historiador africano, reivindica o “enegrecimento do Egito” e sua consideração como legado negro, além de apontar a importância das civilizações etíopes à formação da tradição greco-romana e, por fim, analisar a revolução haitiana como prova concreta de que negros e brancos compartilhariam os atributos - negados por Gobineau aos primeiros – de honra, desejo de liberdade e insubordinação à escravidão. Decreta, por fim, que: A toda essa falange arrogante que proclama que o homem negro está destinado a servir de estribo ao poder do homem branco, a essa antropologia mentirosa, eu terei o direito de dizer: Não, não és uma ciência! (...) O egoísmo e a imoralidade da raça branca será ainda para ela, em sua posteridade, motivo de vergonha e arrependimento. (Firmin, 1885: pg.59) Infelizmente, as ciências sociais latino-americanas e caribenhas ainda desconhecem a importantíssima contribuição de Firmin à construção de conhecimento antirracista e póscolonial no fim do século XIX. Enquanto seus estudos seguirem distantes de nossos currículos, não será possível estimar a contribuição haitiana – e negra – e tampouco incorporá-la a nossas pesquisas, desperdiçado sumariamente sua potência e radicalidade.

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* Socióloga. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Mestra em Integração Latinoamericana pela Universidade Federal de Santa Maria. Membro do GT Pensamiento Crítico y Descolonizador Caribeño do Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais. E-mail: pmarconatto@gmail.com ----------------------------------------Referências Bibliográficas: COHEN, William B. The French Encounter with Africans. White Response to Blacks, 1530-1880. Bloomington and London, Indiana University Press, 2003. FIRMIN, Anténor, De l'égalité des races humaines, Lib. Cotillon, Paris, 1885; GOBINEAU, Arthur. Sur l'inégalité des races humaines. Librairie de Fimin Diot, Paris, 1853;

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