Número 35/II Série - 2018
ORIENTE OCIDENTE
Índice 03 | Editorial Jorge H. Rangel 04 | Macau 1974/1979: estabilidade política, reforma do Estado e desenvolvimento económico José Eduardo Garcia Leandro 15 | Rumo à China: os portugueses nos mares da China na primeira metade do século XVI Isabel Horta Lampreia 28 | À procura do Oriente. Notas para uma definição do conceito António Leite da Costa 38 | Do chinês ao português que distância vai Xu Yixing 44 | A China em Português Keila Cândido 48 | A arte como uma metáfora para o auto-cultivo: uma perspectiva intercultural da relação do artista com a matéria Caroline Pires Ting 60 | Viagem ao Centro da Terra: a oportunidade sino-europeia no quadro da Faixa e Rota Paulo Duarte 70 | Portugal - China: sob um olhar intercultural Álvaro Rosa 76 | O Prémio Identidade do Instituto Internacional de Macau: propósitos e entidades contempladas Alexandra Sofia Rangel 84 | O “Tsunami”, o Homo Floresiensis e remanescências portuguesas no Sri Lanka e na Indonésia – os Silvas de lá – um brasileiro de Cametá, governador do Timor Carlos Francisco Moura
92 | Macau in the Goa Archives - Part II Maria de Lourdes Bravo da Costa Rodrigues 99 | Foi mais rápido que um olá! Paulo Rodrigues 100 | A língua como elemento de identidade cultural: A propósito de um manual trilingue relativo ao Crioulo Português de Malaca Silvio Moreira de Sousa 102 | A Biblioteca de Marcello Caetano e o Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro Francisco Gomes da Costa 104 | Os nossos parceiros: Gabinete Português de Leitura de Salvador – Bahia António Pinho da Cunha / Abel Travassos 107 | IIM – 2017: principais actividades 123 | Edições IIM – 2017
Ficha técnica
ORIENTEOCIDENTE – N.º 35/II Série - 2018 (publicação anual) Director: Jorge H. Rangel | Coordenação: José Lobo do Amaral | Editor e proprietário: Instituto Internacional de Macau Sede: Rua de Berlim, Edifício Magnificent Court, 240, 2º (NAPE) – Macau – Tel: (+853) 2875 1727 / 2875 1767 | Fax: (+853) 2875 1797 Site: www.iimacau.org.mo | Email: iim@iimacau.org.mo | Delegação em Lisboa: Palácio da Independência, Largo de São Domingos, 11, 1150-320 Lisboa | Tel: (+351) 21 324 1020 | Fax: (+351) 21 324 1029 | E-mail: iimlisboa@iim.com.pt | Tiragem deste número: 1.000 exemplares | Ilustrações: Lio Man Cheong - verso de capa: Coloane; verso de contracapa: Bairro Horta da Mitra | Design e produção gráfica: Maisimagem II | Impressão e acabamento: ACD Print | Depósito legal: 377103/14 – Os números anteriores ao n.º 31 foram produzidos e distribuídos na RAEM.
O Acordo Ortográfico é usado ou não pelos Autores segundo o seu próprio critério. Com o apoio da
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Editorial
É com natural satisfação e a consciência do dever cumprido – agradável sensação que a todos deve impelir para novas e sempre mais completas e consequentes realizações – que concluímos mais um número da nossa revista Oriente/Ocidente, órgão de difusão cultural do IIM e um utilíssimo instrumento de intercâmbio académico e de permuta com múltiplas e diversificadas instituições locais e do exterior. Como os anteriores, cremos que a qualidade exigida pelos nossos associados, colaboradores e leitores espalhados pelo mundo foi uma vez mais conseguida, sendo oportuno a todos expressar o nosso reconhecimento pelos contributos que fomos recebendo de variados quadrantes ao longo dos últimos anos. Um importante trabalho do General José Eduardo Garcia Leandro, que foi Governador de Macau (1974-79), sobre um período crucial e imensamente difícil da vida do território, quando Portugal atravessava uma fase de profundas mudanças políticas, a seguir à chamada “revolução dos cravos”, e a China chegava ao fim da sua tumultuosa “revolução cultural”, abre a série de artigos de fundo sobre temas históricos e sociológicos relacionados com a presença de Portugal no Oriente, o prolongado encontro de culturas e as relações luso-chinesas, bem como sobre a arte, numa perspectiva intercultural, a valorização da identidade
macaense, a língua, como indispensável elemento estruturante de comunicação, e o funcionamento da administração pública, como sustentáculo fundamental da sociedade. É assegurada a continuidade do estudo de uma das matérias mais relevantes da actualidade, que é a ambiciosa iniciativa chinesa, de dimensão universal, denominada “Uma Faixa, Uma Rota”, que tem merecido do IIM um intenso e aprofundado acompanhamento, a ponto de o seu acervo editorial ter ficado recentemente enriquecido com vários livros sobre este gigantesco desafio que a China ousou lançar ao mundo, gerando, simultaneamente, entusiásticas adesões e inevitáveis desconfianças e resistências. Do Brasil, chegou informação, que gostosamente partilhamos, sobre a biblioteca de Marcello Caetano, compreendendo 40 mil volumes. Doada à Universidade Gama Filho, ficou agora à guarda do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, instituição por muitos justamente considerada a mais emblemática da comunidade portuguesa. Ela estabeleceu com o IIM um amplo protocolo de cooperação, que proporcionou a organização de relevantes iniciativas conjuntas e a utilização frequente de instalações da sua magnífica sede para as nossas actividades.
Na parte final, como habitualmente, referimos mais um dos nossos principais parceiros – o Gabinete Português de Leitura de Salvador, com 155 anos de história ao serviço da língua portuguesa no Estado da Bahia e cuja sede, edificada há precisamente cem anos, é um ex-libris da cidade. E juntamos uma resenha das realizações integradas no programa de acção do IIM, bem como notas sobre as nossas edições em 2017. Num encontro recentemente realizado na sede do Governo da RAEM, para acertarmos formas de participação nas comemorações do seu vigésimo aniversário, a levar a efeito no próximo ano, foi, para nós, gratificante ouvir do Chefe do Executivo uma apreciação muito positiva do percurso feito pelo IIM ao longo de quase 20 anos. O expressivo comunicado oficial, divulgado imediatamente após esta audiência, dando público testemunho do apreço da mais alta entidade da Região, constitui um poderoso incentivo para irmos sempre mais longe, no cumprimento pleno dos nossos objectivos estatutários. Macau, Agosto de 2018. Jorge A. H. Rangel Presidente do Instituto Internacional de Macau
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Macau 1974/1979: estabilidade política, reforma do Estado e desenvolvimento económico José Eduardo Garcia Leandro General, Governador de Macau (1974/79)
Fui Governador de Macau entre 30 de Outubro de 1974 e 1 de Fevereiro de 1979, sendo o primeiro depois do 25 de Abril. Foi um período de rara dificuldade pela conjuntura internacional, pela situação em Portugal e na RPC, bem como pelos problemas de Macau (administração, economia e finanças fracas) e com os conflitos existentes no seio da população portuguesa. Sobre todo este período existe o meu livro “Macau nos anos da Revolução Portuguesa - 1974/1979”, publicado em 2011 e lançado em Lisboa e em Macau, onde tudo o que teve importância está explicado em detalhe.
diferentes comunidades e grupos sociais, processo de que todos nos devemos orgulhar. E assim se caminhou até 1999, abrindo o caminho para novos rumos com a RAEM. O sub-título deste texto salienta apenas as três grandes questões essenciais: reencontrar a estabilidade política muito abalada, fazer a Reforma do Estado que nos pudesse garantir um futuro estável e garantir o desenvolvimento económico. Tudo se conseguiu com um grande esforço como irei tentar resumir. Mas, como era o mundo naquela época e naquela região do globo?
Estávamos em plena Guerra Fria, com a Revolução Cultural na República Popular da China (RPC) e com a Revolução de Abril em Portugal. No Vietnam viviam-se os anos finais da intervenção militar americana com consequências em todo o sudeste asiático, no final da qual (Abril de 1975) há um êxodo da população (o designado “boat people”) que Macau também recebeu e apoiou. No verão de 1975 iniciou-se uma guerra civil em Timor, com a saída do Governador para a ilha do Ataúro, situação que terminou com a ocupação da Indonésia em De-
Acontece que o IIM considera que já passou muito tempo, havendo muita gente que não leu o livro, gente nova que não tem a memória dos factos, não conhece a situação vivida e o que então foi feito, pelo que seria vantajoso publicar um texto resumido no próximo número da Revista Ocidente/Oriente procurando salientar os aspetos mais importantes; respondi afirmativamente à proposta a que agora vou tentar dar-lhe concretização. E o IIM tem razão! Embora as novas gerações saibam que nada aparece de repente, é importante que conheçam o que foi feito, porque foi feito e como feito. E, naquela época, tudo foi feito em ligação com as
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Dia de Portugal em 1977 na gruta de Camões, vendo-se o Ministro Henrique de Barros e Sophia de Melo Breyner.
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zembro desse ano com consequências trágicas, seguindo-se uma guerilha contra tal ocupação que vai até 1999. Macau, dentro das suas possibilidades apoiou sempre o Governo Português de Timor e também recebeu refugiados de Timor. Mas como era Macau em 1974? Sendo o turismo a primeira das suas atividades (entre muitas outras), Macau era uma cidade aparentemente adormecida, mas atraente e cosmopolita, fervilhante de movimento (com ligações a Hong Kong, Cantão e ilhas), composta por gente de várias etnias, rica de património edificado, com muitas escolas, uma forte presença da Igreja Católica e vários templos de diferentes confissões religiosas. Possuía, ainda, inúmeros restaurantes, um bairro flutuante com centenas de barcos de pesca, diversas indústrias (dominadas pelas fábricas de têxteis, lãs e mobiliário) e uma construção civil muito ativa, os tradicionais tintins (antiquários e vendedores de velharias), ourivesarias, bancos, casas de câmbio e de penhores, muito comércio, hotéis, três casinos, corridas de galgos e apostas na pelota basca, bem como um grande prémio automóvel. Ao mesmo tempo, coexistiam em Macau bolsas sociais de grande pobreza e milhares de refugiados vindos de vários conflitos regionais que encontravam aqui a sua resposta em muitas associações de beneficiência. Na Taipa e em Coloane não acontecia praticamente nada. As Ilhas careciam de grande desenvolvimento. A sociedade civil chinesa era muito ativa e integrada num elevado número de Associações dedicada a todo o tipo de objectivos.
Entrega Estandarte Nacional às Forças de Segurança de Macau, 1976.
Os portugueses, profundamente minoritários, viviam como numa espécie de vila, na sua sociedade de língua e cultura portuguesas com alguma vida associativa (Clube de Macau e Clube Militar), evidenciando alguns residentes elevado gabarito cultural. Tinham uma enorme convivência com estrangeiros, por via do turismo e pela influência de Hong Kong, pelas relações históricas com Cantão, Xangai e Pequim, e pelo próprio mosaico de etnias que ali tinham escolhido residir, originando uma misceginação rara das mais diversas origens. Na sua vida social, Macau era o casamento quase perfeito do Oriente com o Ocidente, algo desorganizado, mas que nunca deveria ser destruído. Eram manifestamente necessárias algumas mudanças importantes para que tudo pudesse “entrar nos carris” e chegassem definitivamente o desenvolvimento e a estabilidade. Até ali, a capacidade de intervenção do Governo na regulamentação e acompanhamento das atividades económicas era reduzida, existindo grande confusão e indisciplina: um “salve-se quem
puder”. O Governo pairava acima dos interesses instalados... Os mecanismos sociais eram muito específicos e complexos, porque Macau tinha sido, ao longo dos séculos, o local de encontro entre duas comunidades culturalmente diferentes que souberam criar uma nova sociedade de entendimento com as naturais consequências em tudo quanto à vida humana diz respeito. Residia aqui o seu encanto e a sua raridade. E em termos constitucionais e jurídicos? O Estatuto de Macau à data do 25 de Abril (25A) era igual aos das outras Províncias Ultramarinas com muito pouco poder atribuido localmente ao Governador e à sua Assembleia Legislativa (AL); tudo quanto era importante estava concentrado em Lisboa. Assim, o Governador era um agente político dependendo do Ministério do Ultramar (MU) mas com poucos poderes; apenas como exemplo, as FAs dependiam dos seus Chefes de
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desenvolvimento económico conseguido, a partir de 1977 tal reforço financeiro deixou de existir. Assim, no topo da agenda política estava a estabilidade política e social garantindo a confiança no futuro e a criação do novo Estatuto Orgânico de Macau adaptado à nova realidade com os poderes necessários concentrados no Governador e numa Assembleia Legislativa (pela primeira vez dois terços eleita e não presidida pelo Governador).
Discurso na Abertura Solene da Assembleia Legislativa, 09/08/1976.
Estado-Maior em Lisboa, enquanto que toda a atividade monetária e cambial era tratada pelo BNU, que fazia a função de Banco Emissor em ligação com o Banco de Portugal (BP); mesmo os grandes investimentos estavam dependentes do MU que muitas vezes tinha de consultar outros Ministérios para tomar decisões o que levava ao gasto de muito tempo e mesmo à perda desses possíveis investimentos. E era assim em todas as áreas. A nova situação nacional criada pelo 25 de Abril (25A) obrigava a ter de alterar este processo para o que era preciso ter ideias claras e capacidade de as implementar. Antes de tudo era necessário conseguir a estabilidade política que fora muito abalada com os acontecimentos de Abril de 1974, com consequências internas em Macau mas também atingindo Hong Kong (HK) e a RPC (nos anos finais da Revolução Cultural) onde se levantaram muitas interrogações e receios, sendo de lembrar que a Bolsa de
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HK sofreu quedas devido ao ocorrido em Portugal e Macau nessa altura. Embora 1974 e parte de 1975 tenham sido períodos de instabilidade e dúvidas conseguiu-se recuperar a estabilidade política, ao mesmo tempo que se arrancaram com os trabalhos para a Reforma do Estado em Macau com o objetivo de conseguir criar um sistema orgânico que permitisse ser localmente que se governava Macau. Mas também era preciso ganhar a confiança da população através do programa definido e anunciado, mas também pelo comportamento pessoal dos novos governantes que teria de ser exemplar e demonstrando que se estava ali para ficar e governando para a população como um todo, sem qualquer diferença. E foi explicado a todos que Macau deveria fazer tudo que fosse necessário para ser autosustentável, deixando de receber apoio financeiro de Lisboa, na alura com grandes dificuldades. Pelas medidas tomadas, pelo
Pude contar com o apoio de grupos sociais importantes, como os representantes da Comunidade Chinesa e da Igreja Católica, mas também de influentes portugueses de HK, sendo de sublinhar que os portugueses de Macau se dividiram (entre os que apoiaram entusiasticamente a nova situação, os que se opuseram e nela viram muitos perigos para o futuro e uma maioria que ficou esperando silenciosa, embora com receios), sendo que a maioria dos chineses continuou a fazer tranquilamente a sua vida. Da parte da RPC e dos seus representantes houve um acompanhamento cuidadoso, expetante, mas progressivamente cooperante. O novo Estatuto Orgânico de Macau (EOM), embora não fosse a única reforma necessária foi a porta grande para que todas as outras fossem possíveis; assim, tendo eu chegado a 19 NOV 74, logo em 27 DEZ nomeei por Despacho publicado em Boletim Oficial a Comissão encarregada da sua redação constituida por entidades representativas de todos os grupos sociais da população, Comissão que trabalhou com grande eficiência permitindo que em Maio de 1975 quando da minha primeira visita de serviço a Lisboa pudesse ter apresentado ao Conselho da Revolução (CR) e
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aos Partidos Políticos representados na Assembleia Constituinte as suas grandes linhas, tendo recebido de todos a sua aquiescência e apoio; ao mesmo tempo mantive com os representantes da Comunidade Chinesa um diálogo permanente, sendo de lembrar que eles próprios faziam parte da Comissão de Redação. Este projeto apontava para que Macau passasse a gozar de quase total autonomia política, administrativa, económica e financeira, concentrados nos seus orgãos de Governo Próprio, o Governador e a AL; apenas ficariam à responsabilidade de Lisboa três áreas: - a Justiça, que depois da Declaração Conjunta assinada em Pequim entre Portugal e a RPC em Abril de 1987, também foi localizada; - as Relações Externas, embora pudessem ser delegadas no Governador competências sobre assuntos específicos da Macau pelo Presidente da República (PR) e pelo MNE, o que sempre se veio a concretizar;
das de Macau (CCFAM), Comando Territorial Independente de Macau (CTIM), Comando da Defesa Marítima de Macau (CDMM), que deveriam ter o seu final a 31 DEZ desse ano; Comissão para a criação das Forças de Segurança de Macau (FSM) que deveriam ser implementadas a partir de 01 JAN 76 e dependendo diretamente do Governador), tudo em coerência com o projeto do novo EOM. Embora num ano tão difícil como o de 1975, tudo foi conseguido, tanto a legislação que teve de ser aprovada em Lisboa, como todas as ações que tiveram de ser concebidas e realizadas em Macau. Assim, em 31 DEZ 75 tiveram lugar as cerimónias de encerramento dos centenários Comandos e Forças Militares de Macau e em 01 JAN 76 as FSM (QG, PSP, Polícia Marítima e Fiscal (PMF), Corpo de Bombeiros, Polícias Municipais e Centro de Instrução Conjunto de Coloane - CIC) tiveram o seu arranque pleno. Ainda em 21 DEZ 75 o CR aprovou a nova Lei do Serviço Militar adap-
tada a Macau, tendo como finalidade prever a situação dos portugueses que não querendo integrar as FSM podiam cumprir ali o seu Serviço Militar Obrigatório (SMO). As consequências administrativas destas alterações foram profundas e longas (transferências para Macau ou regresso a Portugal de pessoal e de algum material das várias unidades obrigando a fazer listagens completas de tudo quanto existia; transferência para Macau de património físico ou construído, que antes eram da responsabilidade do Exército e da Marinha, o que obrigou também à intervenção do Ministério das Finanças (MF); mas também a alguns leilões de material de guerra já obsoleto e que se encontrava armazenado; as chamadas Comissões Liquidatárias duraram ainda mais de um ano) Na sequência deste processo, o projeto do EOM foi enviado em Novembro de 1975 para Lisboa e depois de ter passado com algumas alterações pelos diferentes crivos de Parecer foi aprovado pelo Conselho
- a Defesa, da responsabilidade do PR mas assegurada através de meios políticos e diplomáticos, o que de imediato significava que não se considerava a hipótese de uma ameaça externa, abrindo-se uma relação de confiança com a RPC. Esta opção na questão magna da Segurança e Defesa também teve consequências nas Forças Armadas e nas Forças de Segurança; assim, eu fora graduado em Coronel para também poder desempenhar as funções de Comandante-Chefe, pelo que logo em inícios de JAN 75 dei, nesta qualidade, dois Despachos estruturantes (Comissão Liquidatária das estruturas organizadas das FAs: Comando Chefe das Forças Arma-
Cumprimentando os Deputados, depois da Abertura Solene, vendo-se Ho Yin, Chu Takei, Anabela Ritchie, Ana Maria Perez e Ma Man Kei.
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resultados alcançados pelo dois processos anteriores). Assim, num total bastante reduzido, a primeira legislatura da AL teve 17 Deputados (6 eleitos pelo sufrágio direto, 6 eleitos pelo sufrágio indireto e 5 nomeadas pelo Governador).
Recepção na Agência Comercial Nam Kuong no Dia Nacional da República Popular da China, oferecida por O Cheng Peng, 01/10/77.
de Revolução (CR) em 06 FEV 76, promulgado pelo PR em 10 FEV e publicado em DR como Lei Constitucional nº 1/76 em 17 FEV; o EOM veio depois a ser integrado na Constituição da República de 1976 (aprovada em 25 de Abril deste ano). A partir daqui entrou-se localmente num processo legislativo e administrativo com vista ao recenseamento da população e preparação das eleições para a Assembleia Legislativa e Conselho Consultivo do Governador, que tiveram lugar em 11 JUL, tendo a sua Abertura Solene tido lugar em 09 AGO em sessão por mim presidida em representação de S. Ex.ª o Presidente da República. A constituição final da AL foi muito trabalhada, tendo como finalidade demonstrar que em Macau se governava para toda a população que teria assim de estar ali representada. O processo não foi simples, levou a muitas consultas tendo como pano de fundo que a população chinesa não tinha hábitos de participação cívica e que, mesmo para a população
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portuguesa, era a primeira vez que iria ter lugar um sufrágio direto com várias Associações Cívicas presentes (os Partidos Políticos locais). Assim, para além do esforço feito para o recenseamento e voto, haveria que encontrar um processo imaginativo que permitisse que a população chinesa local estivesse devidamente representada; também pelas opiniões expressas em consultas com experientes residentes se antecipou que haveria partes da população que não viriam a estar devidamente representadas (as mulheres, os jovens, pessoas menos ligadas ao poder económico e aos núcleos do poder tradicional, etc.). Como fazer? Conseguiu-se um sistema que ainda hoje funciona (pelo sufrágio direto através das Associações Cívicas e Comissões de Candidatura, pelo sufrágio indireto através das Associações tradicionais representantes de interesses económicos, culturais, assistenciais e morais, mas também as nomeadas pelo Governador para completar os lapsos existentes nos
Encerrou-se assim em 1976 o ciclo de reconstrução constitucional depois do 25A. Em Portugal, com a aprovação da nova Constituição da República, com as sucessivas eleições para Presidente da República e para a Assembleia da República, que deu origem ao I Governo Constitucional presidido por Mário Soares; e em Macau com a promulgação do EOM e a eleição para a AL que iniciou funções em 09AGO. A estrutura da governação local também se alterou para se poder responder a mais responsabilidades e competências atribuidas pelo novo EOM. Assim passou-se de apenas um Secretário-Geral que apoiava o Governador do antecedente (lugar que nem sempre esteve ocupado) para uma composição de Governo com cinco Secretários Adjuntos, equiparados a Secetários de Estado, enquanto que o Governador foi equiparado a Ministro. Além destes, havia ainda outro com a designação específica de Comandante das Forças de Segurança que anos mais tarde veio a mudar o seu nome para Secretário Adjunto para a Segurança. A este conjunto juntou-se com o mesmo estatuto o novo cargo de Procurador-Geral Adjunto. Mas, para além das questões já apresentadas havia outras duas essenciais na formatação do Estado em Macau e para o seu bom funcionamento (o Banco Emissor e a
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moeda, bem como as relações diplomáticas com a RPC).
A Pataca chegou a estar desvalorizada do HK Dólar em 19%.
A questão do Banco Emissor e a da moeda (Pataca e sua indexação) eram de uma importância e complexidade raras por tudo quanto envolviam, visões e interesses associados.
Esta situação provocou a que grandes negócios tivessem sido feitos com tranferências que muito prejudicaram Macau. Na altura quem quisesse comprar um Dólar Americano em Portugal, de acordo com a evolução cambial, gastaria 50, 80 ou 100 escudos e por aí adiante; mas se fizesse a compra através de Macau, com 25 escudos adquiria 5 Patacas e com estas comprava um Dólar Americano. A cobertura para este negócio era dada pelas reservas de Macau, levando a grandes prejuízos para o Território até a correção ter sido conseguida.
Depois do Acordo de Bretton Woods, na sequência da II Guerra Mundial, o Governo Português com a visão conhecida que de que todo o território era igual do Minho a Timor, resolveu indexar rigidamente a Pataca ao Escudo (com ligeiras flutuações) e também ao Dólar de HK. Nesta solução indexou a Pataca com paridade a um Dólar de HK, enquanto que a Pataca valia cinco escudos. Isto só poderia funcionar sem sobressaltos se o sistema financeiro e cambial mundial mantivesse a estabilidade e o equilíbrio. A partir dos anos 70 as roturas começam a surgir. Para começar, o primeiro grande choque petrolífero de 1973 (já em 1969 ocorrera outro menos violento), depois a Revolução de Abril, levando a que a Pataca se começasse a desvalorizar brutalmente.
Era assim indispensável desindexar a Pataca do Escudo, bem como ter um Banco Emissor que repondesse às orientações do Governo de Macau. O Banco Emissor foi algo a que me dediquei intensamente porque o BNU era um banco com um estatuto de privilégio único e que não correspondia às novas necessidades. O BNU tinha em Macau três posições: era o banqueiro do Governo,
Assinatura do Contrato do Hipódromo com Yip On, 21/08/1978.
era o Banco Emissor e era também Banco Comercial, que não dava sequer juros ao Governo de todos os depósitos ali colocados. Era uma situação insustentável. Foi um processo que só se resolveu depois de um processo longo, complexo e difícil com o BNU, Banco de Portugal e Ministério das Finanças; do BNU tivémos a sorte de ter como seu Presidente o Dr. Oliveira Pinto, que compreendeu a aberração deste cenário, tendo-se chegado a um acordo em 07 ABR 77. Antes deste Acordo, o Governo local nem sequer sabia qual era o valor da cobertura da Pataca, pois tal era sigilosamente tratado em Lisboa. Em consequência a Pataca foi desindexada do Escudo e indexada apenas ao Dólar de HK; o seu valor relativamente ao Escudo passou a ser calculado pelo resultado da sequência Pataca/Dólar de HK, Dólar de HK/Dólar Americano, Dólar Americano/Escudo. Relativamente a um novo Banco Emissor de Macau, estrutura que foi muito trabalhada pelo Governo de que fui responsável e pela AL, foi solução mais tarde abandonada, mantendo-se o BNU como Banco Emissor, embora as receitas da emissão de moeda passassem para o Território, o que reforçou muito a sua capacidade financeira. Estas profundas modificações alteraram completamente a situação com vantagens legítimas e grandes para Macau, o que foi sentido na solidez e valorização progressiva da Pataca. Todas as medida tomadas permitiram que a Pataca tivesse valorizado progressivamente. Assim, passou-se de cinco escudos antes da desindexação para cerca de dez escudos em finais de 1979. À data da transferên-
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cia da Administração para a China em Dezembro de 1999, cotava-se em cerca de 18 escudos. No referente à cobertura da Pataca a evolução também foi francamente favorável, permitindo-me ter afirmado em Janeiro de 1979 na AL: No campo cambial estabilizou-se o valor da Pataca e passou-de uma situação em que nem sequer conhecíamos o montante das divisas que nos estavam afetas para, mercê do Acordo da Abril de 1977 com o BNU, o controlo dessa situação e o acompanhamento da gestão local deste Banco. Hoje (números de 31/10/78) a nossa circulação fiduciária está coberta a cerca de 181% e a emisão monetária a cerca de 68%, valores raros que dão bem a noção da estabilidade conquistada neste campo e refletem a força da nossa moeda. O valor das nossas disponibilidades líquidas sobre o exterior quase duplicou de 31/12/76 até hoje.
tratado com grande prudência e cuidado;
enquanto que em Lisboa passou a haver um Embaixador da RPC.
- Em consequência, e embora Macau não estivesse formalmente integrado nas negociações, o nosso comportamento diário era o espelho com que a RPC seguia Portugal e o seu futuro (além de pareceres que foram sendo enviados para Lisboa);
Neste período todas as medidas estruturais, internas e externas, tinham sido tomadas fechando-se assim um círculo indispensável.
- Ao longo deste período, e ainda sem relações diplomáticas com a RPC, fui convidado em visita de amizade de 18 dias (em Abril/Maio de 1978) feita com uma Delegação de 7 pessoas de Macau; finalmente, quando do final do meu governo, mesmo antes do processo negocial ter terminado fui convidado a passar por Cantão e Pequim, onde fui recebido no MNE. Por fim, a assinatura do novo Acordo teve finalmente lugar em Paris em 08FEV79, pouco depois de eu ter terminado as minhas funções em Macau. Assim, o meu sucessor passou a contar com o apoio de um Embaixador português em Pequim,
Mas havia também o desenvolvimento económico, o que apontava para a necessidade de uma Estratégia Genética com vista à criação, consolidação e enriquecimento dos meios humanos, materiais e financeiros necessários para dar resposta aos objetivos pretendidos dentro do quadro estrutural definido. Neste âmbito, a questão do BNU e da Pataca já foram tratados; na necessária procura de maiores receitas fizeram-se novos contratos e a revisão de alguns já existentes. A primeira grande revisão de contratos foi com a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM), concessionária dos Jogos de Fortuna ou Azar, que foi uma revisão muito tumultuosa. Começou em Outubro de 1975 e só foi assinado novo
A quarta questão de caráter estrutural, sendo indispensável, não dependia apenas de Macau, querendo referir-me ao processo negocial para o restabelecimento das relações diplomáticas com a RPC, sendo de salientar o seguinte. - Depois de várias hipóteses, foi decidido que o local para esse processo seria Paris, conduzindo as negociações formais o nosso representante diplomático, Embaixador Coimbra Martins; - A situação, quer em Portugal quer na RPC, era de grande instabilidade, com duas revoluções em curso. Da parte da RPC havia o receio que Portugal pudesse cair na órbita soviética, pelo que o processo foi
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Sagração de D. Arquimínio como Bispo, em 25/03/1976.
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acordo em 23 de Abril de 1976. Houve, então, um enorme salto das receitas para o Governo, anualmente aumentadas de acordo com os resultados iliquídos, bem como através da melhoria dos mecanismos da Inspeção, depois de uma enorme zanga da STDM com o Governo devido às nossas exigências. O futuro veio a provar a razão que nos assistia e, durante a década de 90, o Governo passou a receber cerca de 35% das receitas ilíquidas. A gestão da reserva de divisas em Escudos e em moeda estrangeira também tinha grande significado. As divisas auferidas pelas exportações de Macau para o estrangeiro eram geridas em Macau. Mas todas aquelas que tinham origem nas exportações para o então chamado “espaço económico português” eram geridas em Lisboa pelo BNU e pelo Banco de Portugal. É evidente que queríamos que fosse tudo gerido em Macau, o que se conseguiu concretizar depois de algumas dificuldades, sendo de relembrar que após o Acordo de Abril de 1977 com o BNU, as receitas de emissão da moeda também passaram para Macau. Neste âmbito, era também necessário autonomizar as empresas de Macau das de HK; um objetivo difícil porque grande parte das empresas de Macau eram quase que agências das de HK. Quando, no regime do GATT, nos anos 60, se atingiram os limites de quotas de exportação das empresas de HK, estas começaram a abrir fábricas em Macau e foi preciso um grande e prolongado esforço para levar também esta capacidade industrial para Macau, fundamentalmente nos têxteis e nas lãs (onde se progrediu muito através de boas negociações no âmbito do Acordo Multifibras), mas não só, a terem alguma autonomia em relação
Com Sir Murray MacLehose, Governador de Hong Kong, em 1977.
a HK. Novas empresas industriais foram criadas (brinquedos, loiça, binóculos, máquinas fotográficas, flores de pano) com alguns bons resultados, mas também muitos insucessos. Acresce que na área do Turismo foi feito um grande esforço genético com resultados muito positivos. As grandes preocupações foram internacionalizar Macau como destino turístico de qualidade nas organizações internacionais do Pacífico com ligações à OMT - Organização Mundial do Turismo (PATA - Pacific Travel Area Association e EATA - East Asia Travel Association) e junto dos mercados com mais interesse e possibilidades (Japão, Austrália, EUA, Singapura e Tailândia), criando também as infraestruras necessárias para um bom acolhimento dos visitantes. Isto obrigou naturalmente a ter orientações diferentes para a cidade de Macau e para as Ilhas (aqui tratadas separadamente). No caso de Macau procurou-se ter uma maior oferta hoteleira e uma diversificação dos grupos turísticos envolvidos; assim, neste caso, quando saí em 1979, estavam já em construção, ou com
contratos assinados, os seguintes hotéis: Hotel Presidente (400 quartos), Hotel Royal (260 quartos); Pousada de S. Tiago (estilo português com 30 quartos) por adaptação da antiga Fortaleza de S. Tiago da Barra que mereceu um prémio da PATA; Pousada de Mong-Há, por transformação da Messe de Oficiais, ligada à Escola de Turismo e Indústria Hoteleira; Hotel da cadeia Mandarin de HK em associação com a STDM (450 quartos); ampliação do Hotel Lisboa, da STDM, de 600 para 1.000 quartos. Outra grande questão genética estava relacionada com a necessidade de quadros em qualidade e quantidade, pois a situação em técnicos era de grande fragilidade, o que era comum às outras províncias pequenas; os quadros que existiam estavam essencialmente concentrados em Angola e Moçambique; em termos comparativos Macau estaria melhor que outras Províncias do mesmo estatuto, mas mesmo assim não estava de acordo com as necessidades e, na altura, nem sequer tínhamos disponibilidades financeiras para contratar quadros altamente qualificados, absolutamente neces-
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sários. Portanto, uma das primeiras campanhas que lancei com um duplo objetivo, e que ficou na memória de todos, foi a Macaização dos Quadros. Tinha como intenção dar responsabilidades às pessoas do Território ou ali enraizadas e fazer regressar a Macau técnicos e licenciados macaenses. Macaização e a seguir integração de quadros chineses de qualidade na Administração, sendo de lembrar que já estavam na Assembleia Legislativa e no Conselho Consultivo, onde quase não existiam europeus. Portanto, vários Diretores de Serviços, Secretários-Adjuntos depois, começaram a ocupar funções de elevada responsabilidade. No meu tempo tinha como Diretores de Serviço ou equiparados 12 macaenses e dois anos depois um desses veio a ser Secretário-Adjunto, processo que creio ter continuado com as administrações seguintes. A Reforma Tributária foi outro passo esssencial na minha estratégia genética. Os impostos eram muito antigos e estavam ultrapassados, sendo alguns de 1942/43, em consequência as receitas eram muito reduzidas. Depois dos incidentes de 1966 houve muita população chinesa que deixou de pagar impostos e só recomeçaram a fazê-lo a partir de 1970. Havia assim que fazer uma grande reforma, o que se conseguiu concretizar. De acordo com a legislação tributária existente na altura avançámos inicialmente em quatro áreas. Houve uma proposta do Governo depois muito melhorada pela AL com o apoio do Dr. Carlos Assump-
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Visitando obras nas Ilhas com Carlos Assumpção, Presidente da Assembleia Legislativa, e Ferreira Correia, Secretário-Adjunto das Obras Públicas e Comunicações.
ção, seu Presidente, que incidiu no seguinte: - Imposto Complementar; - Imposto Industrial; - Contribuição Predial e Sisa; - Contribuição Profissional. A aprovação desta Reforma Tributária em 1977 e 1978 foi aceite sem dificuldades e significou também um aumento de taxação e maior capacidade financeira para o Governo, crendo eu que ainda está em vigor. No aspeto executivo eram necessários novos investimentos e a diversificação da atividade económica. Muito se fez com novas indústrias em que muito apostámos, mas principalmente no turismo em que Macau passou a ter uma marca reconhecida na PATA e na EATA, aumentando progressivamente os meios disponíveis e o número de turistas. As Ilhas foram uma grande aposta, incontornável, para o que lancei insistentemente o slogan “Macau vai crescer para as Ilhas”; era o espaço
maior e mais livre onde era possível fazer grandes investimentos, desde as infraestruturas a investimentos privados, o que se concretizou bem e tem continuado até hoje. Vale a pena lembrar que as Ilhas estiveram secularmente isoladas, só tendo ligação com a cidade via marítima; assim o istmoTaipa/Coloane só foi inaugurado em 1968 e a primeira ponte Macau/Taipa é de Outubro de 1974. Portanto, no imaginário coletivo estavam muito longe, com pouca população e sem desenvolvimento. A expansão de Macau para as Ilhas começa no meu Governo com as indipensáveis infraestruturas, estradas, a construção da Central Térmica de Coloane com duas barragens associadas, distribuição de água, telefones, etc. Havia que construir infraestruras mas também que fazer investimentos. Os primeiros grandes investimentos privados nas Ilhas foram o Hipódromo (que modificou todo o cenário, envolvendo grandes resgates de terrenos ao mar, a construção de todo o
Macau 1974/1979: estabilidade política, reforma do Estado...
complexo desportivo com instalações muito modernas e com espaço para 300 a 500 cavalos, instalações para o pessoal, tecnologia moderna), dois grandes hotéis e a Universidade na Taipa (contrato assinado em 1979 e abertura em 1981, atingindo os 2.000 alunos a curto prazo) além de novos pólos urbanísticos. Criou-se também a STDI (Sociedade de Turismo e Diversões das Ilhas) do grupo STDM para projetos turísticos em Coloane (hotel e campo de golfe), cujo contrato foi cumprido embora com muito atraso. Mas a questão social de Macau não se limitava a questões jurídicas, estruturais, legislativas, económicas, financeiras, de investimento, etc. Havia com muita importância o fator religioso, já que na identidade macaense a influência da religião católica foi determinante e a Diocese de Macau tinha sido criada em 1576,
ocupando todo o espaço da China e do Japão, Diocese de onde foram saindo as futuras Dioceses destas regiões de acordo com a sua progressiva criação; e tinha sido a terceira da nossa expansão oriental, sendo filha de Malaca e neta de Goa. Acontece que D. Paulo Tavares, o anterior Bispo falecera em meados de 1973 e ainda não fora nomeado o seu substituto, sendo que em 23 de Janeiro de 1976 se comemorava o IV Centenário da Diocese e era incompreensível que nesta data não existisse o seu Bispo titular. Para o enquadramento social de Macau ficar completo era necessário também resolver esta questão pendente há quase dois anos; se juridicamente não era da responsabilidade do Governo de Macau, a sua importância social fazia com que entrasse nas prioridades das nossas preocupações e tudo se fez para a sua solução, com claro sucesso.
Assim, atendendo que em Lisboa assoberbada por outros problemas graves a questão não avançava, fui autorizado a fazer algumas diligências sobre o assunto. Nestes moldes, pedi ao Núncio Apostólico em Taipé, irlandês de origem, para vir falar comigo a quem expus a questão com toda a franqueza. Passado algum tempo, Julho de 1975, veio a Macau o Cardeal Agnelo Rossi, brasileiro, responsável pela Propaganda Fide, para falar comigo e fazer outros contactos. Verdadeiramente, nenhum dos eventuais candidatos à função (os futuros D. Arquimínio e D. Domingos Lam) estavam interessados na nomeação. O Cardeal explicou-me o atraso da nomeação (2 anos), com base na política da Santa Sé de passar a nomear preferencialmente Bispos da etnia mais representativa e, atendendo à alteração política radical ocorrida em Portugal, esperar por alguma mudança na posição oficial portuguesa sobre o assunto, acrescentando que em Hong Kong já havia um Bispo de origem chinesa. Em resposta, disse-lhe que a importância da Igreja Católica em Macau não se comparava à de HK e que não iria haver, a curto prazo, uma alteração na posição oficial portuguesa, alertando que em 23 de Janeiro de 1976 se comemoraria o IV Centenário da Diocese de Macau, sendo natural que já existisse um Bispo titular.
Sessão Solene do Dia de Portugal no Leal Senado, vendo-se Henrique de Barros, Carlos Assumpção e Henrique de Senna Fernandes, 10/06/1977.
O Cardeal quis saber qual seria a sensibilidade da população de Macau. Disse-lhe que lhe podia dar a minha opinião e a da população portuguesa, mas que teria de ouvir a população chinesa (maioritária) para
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Macau fazer a “refundação do Estado”.
Jantar Comemorativo da Sagração de D. Arquimínio, Bispo de Macau, 25/03/1976.
lhe poder transmitir a sua sensibilidade, o que fiz. Ocorreu que, talvez com alguma surpresa, a posição da população chinesa foi a de preferência por um Bispo português. Aconteceu depois uma troca de correspondência com o Cardeal em que lhe foram transmitidas as posições existentes, mas também que mais importante do que a origem étnica do futuro Bispo era, de facto, a existência de um Bispo titular a 23 de Janeiro, para o que recebi garantias do meu importante interlocutor. Assim, em 23 de Janeiro foi anunciada no Vaticano e em Lisboa a nomeação de D. Arquimínio Rodrigues da Costa, missionário, natural da ilha do Pico nos Açores, como novo Bispo de Macau. Depois, foi sagrado em 25 de Março na Sé Catedral de Macau, o que já não acontecia há 150 anos. Foi algo de muito significativo e simbólico, com grande sucesso diplomático, depois de muito trabalho discreto. D. Domingos Lam sucedeu a D. Arquimínio quando este resignou em 1988.
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Houve assim, todo um ciclo político, social e estrutural da Reforma do Estado em Macau, modernizando-o para melhor encarar o futuro que se completou. Pode ser dito que nenhuma área foi esquecida, facilitando assim o trabalho dos meus sucessores. Se o tempo, como costuma ser dito, é o grande juíz, as reformas então feitas têm tido uma durabilidade que honra todos os que nelas estiveram envolvidos. Como conclusão, gostaria de sublinhar, que embora tenha havido seis Governadores na Administração Portuguesa depois do 25A, as suas épocas são qualitativa e marcadamente diferentes. No meu caso, sem relações diplomá tica s com a China, com enormes dificuldades económicas e financeiras, com a necessidade de dar estabilidade política ao Território e lançar um processo desenvolvimentista em período marcado por épocas revolucionárias em Portugal e no nosso grande vizinho, conseguiu-se em
A partir do Governador Melo Egídio já existem relações diplomáticas com a China e prosseguese, sem alterações, a linha de desenvolvimento iniciada. Com a melhoria da situação económica, o Governador Almeida e Costa pode concretizar uma grande reforma da Administração Pública. Esta situação é herdada pelo Governador Pinto Machado que vai até à Declaração Conjunta assinada em Pequim em Abril de 1987, pelo Primeiro Ministro Cavaco Silva, e que define o limite da presença portuguesa para 20 de Dezembro de 1999. Com este novo enquadramento político, seguem-se os Governadores Carlos Melancia e Rocha Vieira, atingindo Macau níveis de grande prosperidade, mas estando estes obrigados perante Lisboa e Pequim a cumprirem todos os exigentes requisitos do Período de Transição. Tal foi feito com assinalável sucesso, reconhecido pela própria China, nomeadamente na preparação conjunta da Lei Básica da RAEM que substituíu o EOM de 1976 e que foi mantida nas suas grandes linhas, tendo sido possível que todo o processo de transferência da Administração tenha sido feito tranquilamente, sem grande tensões. Todo este processo honra Portugal e a China e criou condições para que Macau pudesse continuar e aumentar o seu desenvolvimento, mantendo as suas características, em que a existência da população portuguesa lhe garante enorme valor acrescentado, o que faz uma diferença positiva e útil, e que a China tem tido sabedoria em saber aproveitar.
Rumo à China: os portugueses nos mares da China na primeira metade do século XVI Isabel Horta Lampreia Mestre em História da Arte pela School of Oriental and African Studies-University of London
Introdução A instalação, a partir de 1555, dos mercadores lusos que, de modo informal, navegavam nos mares da China, numa pequena península no Guangdong, junto da foz do rio da Pérola, abriu caminho à convivência ininterrupta entre portugueses e chineses, por um período de tempo que se dilatou por 500 anos. A fundação deste entreposto comercial, que viria a ser conhecido como Macau, constituiu, na verdade, o culminar de um processo de três décadas de navegação pelos mares da China, e de concomitante reconhecimento das costas do Império do Meio, levada a cabo pelos portugueses, no propósito de explorar oportunidades de negócio nos portos das províncias marítimas chinesas. É certo que a China tinha, desde o período medieval, um lugar cativo no imaginário da Europa erudita. Aquela tinha sido identificada com o mítico Cataio, reino visitado por viajantes que haviam demandado a Ásia extrema, entre os quais o veneziano Marco Polo. As relações que a nós chegaram descrevemno, de forma mais ou menos efabulatória, como um lugar grandioso e próspero, tendo por cabeça um rei tolerante, que exercia a sua soberania de forma incontestada, instalado num palácio esplen-
doroso e rodeado por uma extensa corte. Apenas no decurso do século XVI, o Extremo Oriente ganhará contornos mais precisos no quadro mental europeu, com a China a transformar-se, paulatinamente, numa realidade geográfica, política e cultural tangível. Para o enriquecimento, e complexificação, do conhecimento do mundo asiático terão sido determinantes as viagens de exploração marítima impulsionadas pela Coroa de Portugal, a partir do século XV. Destaca-se a viagem de Vasco da Gama, realizada entre 1497 e 98, que, unindo os espaços do Atlântico e do Índico, abriu, no plano económico, caminho à identificação e controlo das rotas comerciais do Índico, e conduziu, no plano do conhecimento geográfico, à progressiva classificação toponímica do Oriente. Depois de dobrado o cabo da Boa Esperança, o encontro com a China teve lugar por intermédio da porcelana encontrada em Calecute. Este porto na costa do Malabar, para onde tinha sido conduzida a armada do Gama a partir de Melinde na costa oriental africana, era um importante centro de comércio ao qual chegavam especiarias e bens de sumptuária provenientes do Índico.
I – Malaca e a aproximação dos portugueses à China (1509-1513) Os primeiros contactos entre portugueses e chineses deram-se, no entanto, mais a oriente, no sultanato de Malaca, grande empório comercial da Ásia do Sueste, em direção ao qual os portugueses rumaram em 1509. A península de Malaca, e o seu estreito, uniam o mundo do Índico e o mundo do Pacífico, constituindo então o ponto de encontro entre os mercadores que escoavam produtos vindos do oceano Índico e do golfo de Bengala e os mercadores provenientes da Insulíndia e dos mares da China. Dando seguimento à estratégia imperial de controlo dos principais centros do comércio interasiático, impunha-se localizar e tomar Malaca. No regimento entregue a Diogo Lopes de Sequeira, o fidalgo da Casa Real incumbido pelo rei D. Manuel I de conduzir a armada destacada para o efeito, o interesse pela China perfilava-se já no horizonte, pois nele ordenava-se: “perguntarees pelos chys, e de que partes vêem, e de cuam longe, e de quanto em quanto vem a mallaca, ou aos lugares em que trautam, e as mercadorias que trazem (…) e se sam mercadores riquos, e se sam homeens fracos, se guerreiros, e se teem armas ou artelharia, e que vestidos trazem,
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e se sam grandes homees de corpos”1. Os portugueses conquistaram Malaca em 1511, e foi, precisamente, a partir do recém-conquistado entreposto mercantil que o mundo chinês se abriu a Portugal e à Europa no período moderno, em termos cada vez mais concretos2. Contando-se entre os estados tributários do Império do Meio desde o século XV, Malaca atraía mercadores oriundos do Guangdong e do Fujian, que além de desempenharem o papel de agentes comerciais dos produtos que os portugueses cobiçavam, passaram também a servir de mediadores culturais, constituindo fontes privilegiadas de conhecimento sobre a China. Este primeiro encontro com a China ficou registado na Suma Oriental que trata do Mar Roxo até os Chins, obra assinada por Tomé Pires, oficial da Coroa portuguesa desempenhando funções de feitor das drogas na feitoria entretanto instalada em Malaca3. Redigida entre 1512 e 1515, esta obra, compilando a informação mais precisa sobre a China conseguida ao tempo por um europeu, reflete os interesses estratégicos da monarquia de Portugal para a região, sistematizando assim um conjunto de informações sobre as redes do trato e as comunidades locais nele envolvidas, e facultando dados atualizados sobre a dinâmica da vida comercial da Ásia marítima.
Tomé Pires, Suma Oriental que trata do Mar Roxo até aos Chins, cópia manuscrita do século XVI (1535?-1536?). Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, Portugal, cota: COD-299-2.
_________________ 1
“Regimento dado a Diogo Lopes de Sequeira, Fidalgo da Casa Real e Capitão-mor dos Navios que Iam Descobrir Terras na Ásia” in Cartas de Afonso de Albuquerque seguidas de Documentos que as Elucidam, Vol. II, Lisboa, Academia Real de Ciências, 1898, p. 416.
2
Sobre Malaca e a presença portuguesa vd. Rui Manuel Loureiro, Fidalgos, Missionários e Mandarins: Portugal e a China no Século XVI, Lisboa, Fundação Oriente, 2000, pp. 117-139; Paulo Sousa Pinto, “A China pelos Olhos de Malaca. A Suma Oriental e o Conhecimento Europeu do Extremo Oriente”, in China e Portugal. Cinco Centúrias de Relacionamento: uma Leitura Académica (coord. Roberto Carneiro e Guilherme d’Oliveira Martins), Lisboa, Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa/ Universidade Católica Portuguesa, 2014, pp. 13-22; Luís Filipe Barreto, Macau: Poder e Saber – Séculos XVI e XVII, Lisboa, Editorial Presença, 2006, pp. 35-52.
3
Sobre Tomé Pires veja-se Rui Manuel Loureiro, “Introdução” in Tomé Pires, Suma Oriental (ed. Rui Manuel Loureiro), Lisboa, CCCM-IP/Fundação Jorge Álvares/Fundação Macau, 2017, pp. 17-39.
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No que respeita ao povo chinês, Tomé Pires descreve a sua aparência física (“Há jemte da China branqua, da nosa alvura”)4, o modo de vestir dos homens, que aproxima ao dos alemães (“trazem na Chyna nos Invernos feltros nas pernas a maneira de peuguas, he em cima botas bem obradas que nom cheguã do giolho pêra cima, e trazem suas roupas forradas de pelles cordeiras e doutras pelitarias”)5, bem como das mulheres, que compara às castelhanas (“As molheres parecem castelhanas, tem sayas de refeguos e coses, e sainhos mais compridos que em nosa terra, os cabellos compridos emrrodilhados por gemtill maneira em cima da cabeça”)6. Pires dá também conta dos seus hábitos alimentares (“Comem todollos chiis porquos, vaquas e de todas outras alimariãs”)7, e da forma como comem recorrendo a pauzinhos (“Comem com dous paaos e altamia ou porcelana na maão esquerda, jumto com a boqua, e com os dous paõs sorvir”)8. A propósito dos produtos que mais procuram, o autor destaca a pimenta, o incenso, marfim, e o aloés9. Já dos que são exportados sublinha a importância dos têxteis, nomeadamente da seda branca crua e dos damascos, do aljôfar, do almíscar, do ruibarbo, e, obviamente, da porcelana, da qual “nom se fala no
numero”10 por ser exportada em grandes quantidades. Apesar de não estar em condições de traduzir a complexidade da organização política e administrativa da China Ming, Tomé Pires dá conta da existência de oficiais imperiais, os “mandarins”, e descreve o sistema tributário através do qual o Império do Meio regula as suas relações externas, nomeando então os vários potentados locais tributários, até então desconhecidos11. Nesta obra encontram-se as primeiras referências concretas à cidade de Cantão, que Tomé Pires descreve como “a chave do reino de Chyna”, prontamente identificando o papel estratégico que desempenha o seu porto na entrada e saída de mercadorias do Império do Meio12. Além de Cantão, fazem-se menção aos pequenos ancoradouros litorais onde têm lugar trocas comerciais mediante o pagamento de direitos alfandegários às autoridades, entre os quais a ilha de Lintim, designada Tumon, a partir da palavra em cantonês “T’Ougn-Men”13, e Oquem, a partir do cantonês “Haocheng”, que, ao que tudo indica, se transformaria mais tarde no entreposto de Macau14. Malaca será assim a plataforma a partir da qual os portugueses darão
início ao processo de aproximação ao Império do Meio, colocando a bom uso tanto o saber ali acumulado como a experiência da comunidade marítima chinesa que ali afluía periodicamente. A chegada dos portugueses à zona costeira de Cantão ocorreu no ano de 1513 quando o fidalgo Jorge Álvares, então escrivão da feitoria de Malaca, acompanhando mercadores chineses na sua torna-viagem, pisa as areias de Lintim, aí negociando com sucesso o carregamento de pimenta que trazia, e fazendo erguer um padrão assinalando a chegada dos portugueses à China15. O local voltaria a ser visitado por um outro português ao serviço da Coroa, Rafael Perestrelo, dois anos passados. Com estas viagens procurava-se experimentar a viabilidade de uma ligação Malaca-Cantão, e assim de se encetarem relações comerciais diretas com a China sem recurso a intermediários. II – Na senda do Império do Meio A primeira Embaixada portuguesa à China: 1517 Uma vez que os portugueses se estavam a afirmar como uma nova força comercial e bélica na região, e os proveitos até então obtidos na
_________________ 4
Tomé Pires, Suma Oriental (ed. Rui Manuel Loureiro), Lisboa, CCCM-IP/Fundação Jorge Álvares/Fundação Macau, 2017, p. 150.
5
Ibidem, p. 150.
6
Ibidem, p. 151.
7
Ibidem, p. 150.
8
Ibidem, p. 155.
9
Ibidem, p. 157.
10
Ibidem, p. 157.
11
Ibidem, pp. 151 e 152.
12
Ibidem, p. 158.
13
Ibidem, p. 154, nota 755.
14
Ibidem, p. 158, nota 782.
15
Sobre a viagem de Jorge Álvares vd. Rui Manuel Loureiro, Fidalgos, Missionários e Mandarins: Portugal e a China no Século XVI, Lisboa, Fundação Oriente, 2000, pp. 149-157; Luís Filipe Barreto, Macau: Poder e Saber – Séculos XVI e XVII, Lisboa, Editorial Presença, 2006, pp. 54-55.
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atividade mercantil faziam adivinhar um futuro auspicioso, o rei D. Manuel I decidiu formalizar as relações entre Portugal e a China, dando instruções para que fosse enviada uma embaixada ao imperador Zhengde. O objetivo era obter vantagens no lucrativo comércio marítimo chinês, pelo que se pretendia a isenção do pagamento de direitos alfandegários às autoridades de Cantão, e o reconhecimento da posição dos folangji como os intermediários privilegiados no escoamento e fornecimento dos produtos mais cobiçados pela China. Tomé Pires foi o escolhido para encabeçar a representação portuguesa, não só por ser um homem da confiança do rei, com longos anos de serviço, mas também por deter um bom conhecimento das redes de comércio que cruzavam os mares da China, e que os portugueses pretendiam passar a controlar. A embaixada arribou a Cantão em 1517, a bordo de uma armada comandada por Fernão Peres de Andrade 16 . Apesar do bom acolhimento por parte das autoridades provinciais, a embaixada acabou por ficar retida na capital do Guangdong por quase três anos, tomando contacto, pela primeira vez, com a complexa máquina burocrática da China Ming. Finalmente, no início de 1520, e após avanços e recuos das autoridades chinesas, as cerca de duas dezenas de pessoas que integravam a missão foram autorizadas a prosseguir viagem. Um encontro preliminar com o imperador teve lugar em Nanquim, e atendendo aos termos cordiais em
que o mesmo se desenrolou, estes estrangeiros continuaram o seu caminho em direção à capital imperial, onde esperariam ser recebidos em audiência pelo soberano chinês. Todavia, um conjunto de circunstâncias conduzirá a que este primeiro esforço diplomático se traduza num grande fracasso. Uma vez em Pequim, o desencontro entre as expectativas do imperador e a conduta da embaixada não tardou em manifestar-se. Apesar da carta de apresentação da missão, que havia sido redigida em Cantão, obedecer aos preceitos locais, deixando manifesta a posição de subserviência esperada dos representantes de qualquer reino tributário da China, a carta que o monarca português havia escrito ao imperador, não se pautava pelos mesmos princípios de cortesia. Tratado por D. Manuel I como um monarca homólogo, Zhengde considerou-se profundamente ofendido na sua condição de soberano todopoderoso. Simultaneamente, as dúvidas dos oficiais de Pequim no que respeitava à verdadeira proveniência da embaixada começaram a adensar-se. O nome destes estrangeiros não integrava a lista de reinos tributários da China, e as notícias trazidas pelo representante do sultão de Malaca entretanto exilado, de que os mesmos haviam capturado a metrópole comercial pela força das armas, deixaram as autoridades chinesas alarmadas relativamente aos verdadeiros propósitos da visita. Frustrada nos seus intentos, a missão acabou por ficar confinada aos seus aposentos, acabando por ser expulsa de Pequim na sequência da
morte do imperador. O protocolo exigia que os membros da embaixada regressassem a Cantão e aí aguardassem a nomeação do novo imperador, todavia, chegados à capital do Guangdong, a comitiva portuguesa foi aprisionada. O trágico desfecho que esta conheceu resultou da pouca preparação dos portugueses para negociarem com o poder central chinês, deixando manifesta a insuficiência de informação de que dispunham para traçar um quadro mental a respeito da dimensão geográfica, da organização político-administrativa e do poder bélico da China Ming. Tentativas de instalação na China (1519-1522) Ao tomar Malaca para aí instalar uma feitoria/fortaleza, a Coroa portuguesa dava continuidade à política de domínio ensaiada nas costas do Índico, garante da sua hegemonia no comércio asiático. Através da imposição da sua presença em zonas costeiras, preferencialmente de forma pacífica, mas com recurso às armas sempre que a sua autoridade não fosse reconhecida pelas populações locais, os portugueses procuraram estender a sua influência penetrando, e depois dominando, as redes de comércio regional, organizado em torno de mercados e rotas há muito normalizadas. Dada a descontinuidade territorial do império português, a feitoria/fortaleza permitia a articulação e integração de diferentes áreas geográficas num mesmo complexo económico, estabelecido pelas viagens de carácter oficial concedidas pela Coroa de Portugal.
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Sobre a embaixada encabeçada por Tomé Pires vd. Fidalgos, Missionários e Mandarins: Portugal e a China no Século XVI, Lisboa, Fundação Oriente, 2000, pp. 265-288; Luís Filipe Barreto, Macau: Poder e Saber – Séculos XVI e XVII, Lisboa, Editorial Presença, 2006, pp. 57-66.
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Esta estratégia de ocupação foi também ensaiada nas costas do Guangdong, todavia, não podia ser mais desadequada à realidade política e cultural da China: um vasto império territorial dominado por uma máquina burocrática complexa, posta em marcha por uma hierarquia de oficiais, ligando o centro, Pequim, e a periferia, as várias províncias que compunham o império, nomeadamente as longínquas províncias marítimas. Acrescia ainda a profunda desconfiança que os estrangeiros suscitavam nas autoridades chinesas dada a política de isolacionismo vigente no Império do Meio. A prática de assentamento foi experimentada, pela primeira vez, pelo capitão Simão Peres de Andrade, em 1519, quando aportou a Cantão para recolher Tomé Pires e os membros da embaixada17. Encontrandoos ainda retidos na cidade, não hesitou em erguer um pequeno posto de defesa na ilha de Lintim, anexando assim parte do território chinês para exercício do seu poder. Decidido a impor a sua vontade, recusou o pagamento de direitos alfandegários e mostrou-se hostil à presença de outros navios para não ter concorrência. Mesmo tendo abandonado as águas do Guangdong em conflito com as autoridades locais, Simão Peres de Andrade, confiando, por um lado, no bom desenlace da missão de Tomé Pires, que sempre partira para Pequim, e subestimando, por outro, a capacidade de mobilização das autoridades chinesas, envia notícias
encorajadoras para o reino a respeito da viabilidade da fixação dos portugueses em solo chinês. Logo, apostado na continuação do plano de expansão do império ultramarino, agora a incluir as costas da Ásia Oriental, o rei D. Manuel I destaca Martim Afonso de Melo para a China, nomeando-o capitão da fortaleza. Todavia, chegada ao litoral do Guangdong, carregada de pimenta, a armada de Martim Afonso de Melo foi não só impedida de aportar em Cantão, como surpreendida pela violenta investida de vários juncos chineses18. Face a um cenário de aberta hostilidade, os portugueses viram-se obrigados a retirar, com perda de vidas, embarcações e mercadoria. A eminência de um ataque por parte de um contingente chinês fez, na ocasião, estremecer o entreposto de Malaca. Em 1522, em resposta à desordem instaurada com a vinda dos forasteiros, à qual se juntava a presença de grupos de piratas japoneses (wokou) que fustigavam os litorais da China, sobretudo as costas do Guangdong e do Fujian, em atividades de comércio ilegal, foi promulgado um édito oficial proibindo o comércio com estrangeiros. III – De Liampó a Macau (1522-1550) Com o encerramento do porto de Cantão aos portugueses, pelo menos pelas vias oficiais, e mediante a impossibilidade do estabelecimento de relações diplomáticas, a iniciativa da Coroa dá lugar à inicia-
tiva privada. Não obstante as contrariedades, o comércio privado luso-chinês não parou de crescer. Nos dez anos que mediaram entre a chegada dos portugueses à Ásia do Sueste e os gorados esforços dos agentes da Coroa na admissão no comércio tributário com o Império do Meio, estabeleceu-se uma parceria estratégica entre os portugueses e luso-asiáticos envolvidos no trato e os grupos de mercadores chineses ultramarinos. As transações envolviam não só marinheiros e aventureiros, homens que por sua conta e risco buscavam fortuna rápida, como também oficiais da coroa com experiência do Oriente, que, paralelamente à missão de que haviam sido incumbidos, ou depois de se desvincularem dos laços com o Estado, usavam o seu estatuto e conhecimento das redes de comércio, para estabelecer parcerias com poderosos mercadores locais e multiplicar o seu património19. Destas relações privilegiadas entre portugueses e a comunidade mercantil chinesa são hoje testemunho vários exemplares de porcelana chinesa que nos chegaram. A porcelana constituía um dos produtos oriundos da China mais cobiçados na Europa de então, usufruindo do estatuto de produto de sumptuária. Uma vez nos mares de China, os portugueses puderam, finalmente, ter acesso aos centros de produção cerâmica, localizados em Jingdezhen e no sudoeste da China, tornando-se assim nos principais
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Luís Filipe Barreto, Macau: Poder e Saber – Séculos XVI e XVII, Lisboa, Editorial Presença, 2006, pp. 66-67.
18
Vd. Rui Manuel Loureiro, Fidalgos, Missionários e Mandarins: Portugal e a China no Século XVI, Lisboa, Fundação Oriente, 2000, pp. 289-293 e pp. 307-309; João Paulo Oliveira e Costa, “A Coroa Portuguesa e a China (1508-1531). Do Sonho Manuelino ao Realismo Joanino”, in Estudos de História do Relacionamento Luso-Chinês, Séculos XVI-XIX, (coord. António Vasconcelos Saldanha, Jorge Manuel dos Santos Alves), Macau, IPOR, 1996, pp. 13-84.
19
Vd. Jorge Santos Alves, “Parcerias Luso-asiáticas nos Mares do Sul”, in Macau: o Primeiro Século de um Porto Internacional, Lisboa, CCCM-IP, 2007, pp. 13-23.
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agentes na difusão da porcelana para o mundo ocidental20. As peças que sabemos terem sido realizadas no cumprimento de pedidos específicos são exemplares de porcelana azul e branca, na mais das vezes de feitura fruste, que exibem inscrições em Português ou Latim, ou heráldica pessoal, isto é, opções decorativas excêntricas à tradição chinesa. Uma das mais antigas peças de porcelana chinesa de encomenda portuguesa que ainda hoje subsiste é um gomil de inspiração islâmica,
Gomil, Porcelana branca decorada a azul sob o vidrado, China (Jingdezhen, província de Jiangxi), Dinastia Ming, Período Zhengde, ca. 1519-1521, alt. 26,4 cm. Casa-Museu Medeiros e Almeida (Lisboa, Portugal), n.º inv. FMA 824, fotografia: Arquivo fotográfico da CasaMuseu Medeiros e Almeida/ Pedro Mora.
com asa e bico alto e estreito, pertencente ao reinado Zhengde (15061521), que se encontra na Casa-Mu-
Prato covo, Porcelana branca decorada a azul sob o vidrado, China (Jingdezhen, província de Jiangxi), Dinastia Ming, Período Zhengde, ca. 1520, alt. 7,5 cm, diâm. 30,5 cm. CasaMuseu Medeiros e Almeida (Lisboa, Portugal), n.º inv. FMA 809, fotografia: Arquivo fotográfico da Casa-Museu Medeiros e Almeida/ Márcia Lessa.
Prato covo (verso), Casa-Museu Medeiros e Almeida (Lisboa, Portugal), nº inv. FMA 809, fotografia: Arquivo fotográfico da CasaMuseu Medeiros e Almeida/ Márcia Lessa.
seu da Fundação Medeiros e Almeida (Lisboa). A par de elementos decorativos chineses, como as flores de lótus, a peça ostenta, de ambos os lados, a esfera armilar com a inscrição, mal grafada, “IN DEO SPERO” (“Espera em Deus”), associada ao rei D. Manuel I21. Apresentando também heráldica ligada ao monarca português, mas desta feita, articulada com gramática decorativa chinesa, chegou-nos um prato covo, pertencente à mesma instituição. Enquanto o interior apresenta o fundo decorado com duas fénix entre flores de lótus, o tardoz apresenta cinco medalhões: dois consistindo na esfera armilar, desta feita com a inscrição ilegível, um com as armas reais portuguesas invertidas, e outros dois decorados com motivos zoomórficos22. Pêro de Faria, capitão de Malaca (1537-1543), terá sido o encomendador da escudela circular, executada na dinastia Ming, período de Jiajing (1522-1566), atualmente no Museu Rainha Dona Leonor (Beja), e que constitui hoje a mais antiga peça com uma inscrição datada: “EM TEMPO DE PERO DE FARIA DE 1541”23. Já a garrafa com bojo piriforme da dinastia Ming, período Jiajing (1522-1566), em exposição no Museu do Centro Científico e Cultural de Macau, I.P. (Lisboa), terá sido encomendada por Jorge Álvares, escrivão da feitoria de Malaca e o primeiro português a pisar solo chinês em 1513. No ombro da peça pode ler-se em posição invertida:
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Sobre a porcelana chinesa azul e branca e as primeiras encomendas por portugueses vd. Pedro Dias, História da Arte Portuguesa no Mundo (1415-1822), Vol. I – Espaço do Índico, s.l., Círculo de Leitores, 1998, pp. 434-441; Maria Antónia Pinto de Matos, “A Porcelana Chinesa: de Presente Régio a Produto Comercial”, in Caminhos da Porcelana: Dinastias Ming e Qing (coord. João Calvão), 2.ª ed., Lisboa, Fundação Oriente, 1999, pp. 93-108; Christiaan J. A. Jörg, “Os Portugueses e o Comércio de Porcelana Chinesa. Do Início ao Fim da Dinastia Ming”, in Portugal na Porcelana da China: 500 anos de Comércio (ed. A. Varela Santos), Vol. I, Lisboa, Artemágica, 2007, pp. 47-71.
21
Vd. Lourenço Correia de Matos e Margaret Kaelin Gristina, “Gomil”, in Portugal na Porcelana da China…, Op. cit., Vol. I, Lisboa, Artemágica, 2007, entrada de catálogo n.º 01, pp. 94-99.
22
Vd. Maria Antónia Pinto Matos, “Prato Covo”, Caminhos da Porcelana…, Op. cit., entrada de catálogo n.º 2, pp. 136-137.
23
Vd. Margaret Kaelin Gristina, “Escudela”, in Portugal na Porcelana da China…, Op. cit., entrada de catálogo n.º 10, pp. 128-129.
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sembarcados os produtos destinados aos mercados da China.
Taça, Porcelana revestida de esmalte amarelo sobre o vidrado, China (Jingdezhen, província de Jiangxi), Dinastia Ming, marca do período de Jiajing (1522-1566), alt. 9,8 cm, diâm. 18 cm. Mosteiro de Santa Clara-a-Velha (Coimbra, Portugal), n.º inv. MSCV PP198, fotografia: Direção Regional de Cultura do Centro/MSCV.
Garrafa dita de Jorge Álvares, Porcelana branca decorada a azul-cobalto sob o vidrado, China (Jingdezhen, província de Jiangxi), Dinastia Ming, Período Jiajing (1552-1566), datada de 1552, alt. 23,7 cm, diâm. (base) 8,3 cm. Coleção Fundação Jorge Álvares em depósito no Museu do Centro Científico e Cultural de Macau, IP (Lisboa, Portugal), n.º inv. 3818 DEP, fotografia: Centro Científico e Cultural de Macau.
“ISTO MANDOU EAZER. JORGE ALVRZ [ALVARES] N// A ERA DE 1552. REINA.”24 A Portugal chegaram também peças de porcelana raras na Europa de então, documentando o acesso dos mercadores lusos a uma grande variedade de produtos chineses, mesmo aos que não se destinavam, à partida, a circular fora das fronteiras do Império do Meio. Trata-se de espécimes de fabrico refinado produzidas não para exportação, mas para satisfazer o exi-
gente mercado interno, cujos fragmentos foram desenterrados no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra. Destacam-se uma taça da dinastia Ming, período de Jiajing (1522-1566), de pasta fina revestida de esmalte amarelo, dito “amarelo imperial”, indicando que era peça reservada ao uso do imperador25. Este comércio privado, e clandestino, disseminou-se, até à década de 50, por uma faixa marítima que se dilatava desde a ilha de Sanchoão (Guangdong) até Liampó (Zhejiang). A oscilação da localização das zonas onde as trocas tinham lugar dependeu, por um lado, da área de influência dos homens de negócios chineses com quem os portugueses se associavam e, por outro, da política de tolerância adoptada pelos oficiais chineses das províncias marítimas, em cujos portos eram de-
Nos primeiros anos da década de 20, os negócios centrar-se-ão nos portos da província do Fujian, fronteira à Formosa, e conhecida nas fontes portuguesas pela designação “Chinchéu”. Uma década depois, e dada a importância da cidade de Cantão, vão sendo vários os pontos de escala frequentados pelos portugueses nas áreas próximas do delta do rio da Pérola – o Mar de Lintin – com o objetivo de estreitar, de forma gradual, a distância que os separava da grande metrópole. A partir de 1542-43, e na sequência da descoberta da ligação ao Japão, os portugueses passarão a assegurar as trocas sino-nipónicas, afirmandose como parceiros privilegiados num circuito comercial estratégico para ambos os mercados, que o corte de relações da China com o arquipélago havia posto termo. Assim, além da frequência dos litorais do Guangdong intensifica-se também a presença nos ancoradouros do Zhejiang, já demandados desde os anos trinta, geograficamente mais próximos do Japão. Nesta última província ganha crescente relevância Liampó. Apesar da designação “Liampó” constituir uma adaptação portuguesa da palavra “Ningbo”, cidade situada na foz do rio Yong, a realidade a que a mesma se reporta coincidirá com a região de Ningbo, de forma mais genérica, e com a ilha de Shuangyugang, fronteira à cidade, de forma particular26.
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Vd. Maria Antónia Pinto de Matos, “Garrafas ditas de Jorge Alvares”, in Comunicações: Newsletter da Fundação Jorge Álvares, n.º 20, Fundação Jorge Álvares, janeiro de 2013, pp. 1-2 e p. 6, disponível em http://www.jorgealvares.com, consultado pela última vez a 16 de julho de 2018.
25
Vd. Maria Antónia Pinto de Matos, “Taça”, in Jorge Manuel dos Santos Alves, Macau: o Primeiro Século de um Porto Internacional, Lisboa, CCCM-IP, 2007, entrada de catálogo n.º 6, p. 24 e p. 118.
26
Jin Gouping, Zhang Zhengchun, “Liampó Reexaminado à luz das Fontes Chinesas”, in Estudos de História do Relacionamento Luso-Chinês, Séculos XVI-XIX, (coord. António Vasconcelos Saldanha, Jorge Manuel dos Santos Alves), Macau, IPOR, 1996, pp. 90-101.
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Com a abertura de um circuito que ligava Malaca, China e Japão, Liampó aparecerá como o ponto de escala obrigatório nesta rota comercial, passando de zona portuária onde, ocasionalmente, os portugueses invernavam, a povoado lusochinês. Dada a informalidade das movimentações de portugueses e luso-asiáticos para lá do estreito de Malaca em direção aos mares do sul da China, é hoje difícil de reconstituir o modo de vida destes mercadores aventureiros. Todavia, a tomar pela exposição de Fernão Mendes Pinto na Peregrinação, a presença lusa em Liampó, ao longo da década de 40, parece ter ganho raízes, desafiando a precariedade inerente à sua condição clandestina. Segundo o aventureiro português, “tinha esta povoação três mil vezinhos, de que os mil e duzentos erão Portugueses, e os mais gente Christam de diversas nações”27, consistindo ainda “em mais de mil casas, com governança de vereadores, e ouvidor e alcaides, e outras seis ou sete varas de justiça e officiais da Republica”28. Não obstante a imagem fantasiosa de Liampó oferecida por Fernão Mendes Pinto, enquanto estabelecimento oficial, plenamente institucionalizado, na província do Zhejiang, a presença portuguesa naquela região foi certamente uma realidade, resultado de uma solução de compromisso encontrada junto das autoridades locais, que também tirariam proveito dos negócios dos portugueses e dos seus parceiros privados chineses e japoneses. Na origem do abandono desta região por parte dos portugueses, que
Fernão Mendes Pinto, Peregrinaçam de Fernam Mendez Pinto, frontispício, Lisboa: Pedro Crasbeeck, 1614, Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, Portugal, cota: RES-4409-V.
terá ocorrido antes de 1549, muito provavelmente, no quadro de um conflito aberto, terá estado, preci-
samente, o fim da tolerância do mandarinato provincial, à presença de mercadores estrangeiros.
_________________ 27
Fernão Mendes Pinto, Peregrinação, in Fernão Mendes Pinto and the Peregrinação: Studies, Restored Portuguese Text, Notes and Indexes (ed. Jorge Santos Alves), Vol. II, Lisboa, Fundação Oriente/INCM, 2010, p. 776.
28
Ibidem, p. 221.
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Leonel de Sousa, Carta para o infante D. Luís, Cochim, 15 de janeiro de 1556, Manuscrito, Tinta sobre papel, 33,3 x 44,1 cm. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa, Portugal, cota: Gavetas, Gav. 2, mç. 10, n.º 15. Imagem cedida pelo ANTT.
IV – Macau: a emergência de um entreposto comercial luso-chinês (1550-1600) A partir do início da década de 50, as disputas que, no passado, haviam oposto os mercadores portugueses e os oficiais chineses do Guangdong pareciam estar já ultrapassadas, pelo que novas oportunidades de negócio se abriram.
O primeiro poiso foi a ilha de Sanchoão (Shangchuan Dao), seguindo-se Lampacau (Langbaigang) e Macau, a partir de 1555. É precisamente neste ano que se colhem as primeiras referências portuguesas a Macau, então identificada como “Amacau”, a partir da designação toponímica em fujianense “Má Kó Cau”, encontradas na correspondência assinada pelo merca-
dor Fernão Mendes Pinto, então irmão jesuíta, que dali escreveu a caminho do Japão em missão diplomática29. Após o acordo informal firmado por volta de 1554 entre o intendente da Defesa Marítima (haidao fushi) Wang Bo e o fidalgo português Leonel de Sousa, os portugueses obtiveram autorização para visitar Cantão30.
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Vd. “Carta de Fernão Mendes Pinto ao Pe. Baltasar Dias (Macau, 20 de novembro de 1555)”, in Rui Manuel Loureiro, Em Busca das Origens de Macau, Lisboa, Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1996, pp. 67-75.
30
Vd. “Carta de Leonel de Sousa ao Infante D. Luís (Cochim, 15 de janeiro de 1556)”, in Rui Loureiro, Ibidem, pp. 91-99; Jorge Santos Alves, “Carta para o Infante D. Luís”, in Macau: o Primeiro Século de um Porto Internacional, Lisboa, CCCM, 2007, entrada de catálogo n.º 4, p. 117. Sobre o processo de instalação dos mercadores portugueses no ancoradouro de Macau, vd. Rui Manuel Loureiro, Fidalgos, Missionários e Mandarins: Portugal e a China no Século XVI, Lisboa, Fundação Oriente, 2000, pp. 543-561; Luís Filipe Barreto, Macau: Poder e Saber – Séculos XVI e XVII, Lisboa, Editorial Presença, 2006, p. 96 e ss.
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Este “assentamento”, de que temos hoje conhecimento através de uma carta datada de 15 de janeiro de 1556 que o mesmo enviou, de Cochim, ao infante D. Luís, irmão de D. João III, rei de Portugal, configurava uma situação irregular no âmbito da política externa chinesa. Todavia, as vantagens que a província, e o seu mandarinato em particular, retirariam do sancionamento da atividade comercial destes estrangeiros eram inquestionáveis. Ao franquearem as portas de Cantão aos que outrora carregavam a nefasta designação de folangji, as autoridades locais contavam passar a vigiar de forma mais eficiente a movimentação dos portugueses na região e pelo controlo das entradas e saídas dos barcos do trato previam um aumento das receitas graças à imposição do pagamento de direitos alfandegários. Por fim, indo ao encontro dos interesses destes forasteiros, neutralizava-se a ameaça à segurança interna que a hipotética associação a grupos de insurretos ou piratas representava. Aos interesses das autoridades locais juntava-se também as exigências do imperador Jiajing (1522-1566), que necessitava de âmbar-gris, produto que os portugueses estavam em condições de fornecer. Muito embora a passagem de Macau de ponto de escala a porto privilegiado para o comércio luso-chinês tivesse sido gradual, veio a verificar-se que as vantagens que este poiso sazonal oferecia eram consideráveis, uma vez que se localizava nas proximidades de Can-
tão, mas distante o suficiente para não representar uma ameaça à soberania das autoridades provinciais. O pequeno aglomerado, concentrando negócios, mercadores privados portugueses, chineses, japoneses e de demais partes participantes na complexa rede de circuitos comerciais que ali passou a convergir, com mais regularidade, a partir de 1557, acabou por dar lugar a uma próspera cidade mercantil do sudeste asiático.
guês da Índia, quatro anos depois, no momento em que a povoação era também elevada a cidade, chamava a si a incumbência de representar os legítimos interesses do município (que se identificavam com os interesses dos mercadores mais ricos que, invariavelmente, ocupavam os lugares da vereação), perante o rei, as autoridades de Cantão e ainda os potentados vizinhos com quem mantivesse relações comercias.
Conscientes da precariedade do seu estabelecimento, marginal a qualquer formalidade e desabrigado de qualquer garantia (o pagamento anual do foro do chão, cobrado, pelo menos, desde a década de sessenta não dava margem para equívocos), os portugueses mantiveram sempre uma posição de subserviência face às exigências chinesas, ao mesmo tempo que iam percebendo os mecanismos de funcionamento do poder provincial. A habilidade negocial, entretanto afinada, traduziu-se, não poucas vezes, na oferta de prendas e entrega de avultadas somas em dinheiro aos oficiais, de forma a estimular simpatias e ganhar apoios à causa de Macau.
Atendendo a que o estabelecimento dos portugueses em Macau resultou de um acordo informal com as autoridades chinesas locais, ficando assim à margem do conhecimento do Estado português, as representações gráficas do território, de natureza oficial, que nos chegaram são muito posteriores ao período da sua fundação. Estas devem-se não a cartógrafos sedeados em Lisboa, a capital do reino, mas sim a cartógrafos luso-asiáticos estabelecidos em Goa. O conhecimento geográfico da Ásia e do Extremo Oriente que as suas cartas, mapas e plantas patenteiam resulta de articulação de um corpus de informação construído ao longo de décadas, através de redes de contactos que incluíam pilotos, mercadores experimentados nos mares da Ásia, e cartógrafos asiáticos.
Em 1583, os moradores tomaram a iniciativa de se organizar para assumir a condução dos destinos de Macau criando, para o efeito, um Senado31. A instituição, que viria a ser validada por Goa, o centro político e religioso do Estado portu-
As primeiras referências cartográficas ao entreposto de Macau podem ser encontradas nas cartas marítimas que compõem os atlas universais elaborados pelo cartógrafo luso-indiano Fernão Vaz Dourado (c.1524-c.1581), a partir de
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24
Sobre a transição de Macau de estabelecimento informal a povoado organizado institucionalmente vd. Susana Münch Miranda e Cristina Seuanes Serafim, “Organização Política e Administrativa”, in História dos Portugueses no Extremo Oriente, (dir. A H. de Oliveira Marques), Vol. I, Tomo 1 - Em Torno de Macau, Lisboa, Fundação Oriente, 1998, pp. 273-282, notas pp. 290-291; Luís Filipe Barreto, Macau: Poder e Saber – Séculos XVI e XVII, Lisboa, Editorial Presença, 2006, pp. 151-167.
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Rumo à China: os portugueses nos mares da China...
Fernão Vaz Dourado, “Carta geográfica do Cabo Comorim, Japão, Moluco e Norte” in Atlas Universal com 15 Cartas e 3 folhas com elementos cosmográficos, 1571, fólio 7. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa, Portugal, cota: Coleção Cartográfica, n.º 165, mf. 738. Imagem cedida pelo ANTT.
1570. Destaca-se uma carta, cobrindo a Ásia, Ceilão e Japão, de 1571, que integra o atlas de 18 folhas que se guarda no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, no qual surgem representados os litorais e mares compreendidos entre a
costa do Coromandel e o Japão. O topónimo “Macao” surge inscrito na área identificada em maiúsculas, entre pagodes budistas, como “Cantan”, na margem esquerda do delta do rio do Oeste 32 .
Quanto à primeira representação pormenorizada do território de Macau, esta remontará, aproximadamente, a 1622, e corresponde a uma planta atribuída a Manuel Godinho de Erédia (1563-1622), hoje em parte incerta 33 .
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Vd. Armando Cortesão e Avelino Teixeira da Mota, Portugaliae Monumenta Cartographica, Lisboa, INCM, 1987, Vol. III, pp. 17-22; Francisco Roque de Oliveira, A Construção do Conhecimento Europeu sobre a China, c. 1500-c-1630 (Impressos a Manuscritos que Revelaram o Mundo Chinês à Europa), Tese apresentada ao Departamento de Geografia da Universitat Autònoma de Barcelona para obtenção do Grau de Doutor em Geografia Humana, 2003, pp. 841-842, disponível em https://www.tdx.cat/handle/10803/4951, consultado pela última vez a 16 de julho de 2018.
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Vd. Armando Cortesão e Avelino Teixeira da Mota, Portugaliae Monumenta Cartographica, Op. cit., pp. 39-46; Luís Filipe Barreto, Cartografia de Macau: Séculos XVI e XVII, [Lisboa, Missão de Macau em Lisboa, 1997], p. 15; Francisco Roque Oliveira, “Mapas de Macau dos Séculos XVI e XVII. Inventário, Descrição e Análise Comparativa de Espécimes Cartográficos Europeus e Chineses”, in Review of Culture, n.º 17, Macau, Instituto Cultural de Macau, 2006, pp. 133-169.
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rios baluartes da defesa do território. Remontando ao século XVII, esta planta espelha já a normalização da vida no entreposto, onde coabitam comunidades diversas, mas que consistem essencialmente de portugueses e luso-asiáticos e chineses. Conclusão O aparecimento de Macau como um entreposto luso-asiático no litoral da China constitui o culminar de quase trinta anos de presença portuguesa nos mares de China. A acomodação de portugueses, mais ou menos asiatisados, e sobretudo de chineses, que negociavam ilegalmente nos portos das províncias costeiras do Império do Meio, na pequena península posicionada junto da foz do rio da Pérola resultou de um encontro de vontades potenciado pela perspetiva do grande lucro.
Anónimo (Manuel Godinho de Erédia), “Planta de Macau” in Atlas-miscelânea com 137 folhas com Cartas, Plantas e Desenhos Cartográficos, c. 1615-1622. Localização desconhecida.
A informação reunida para a elaboração da mesma terá sido obtida de forma indireta, como pode ser inferido pelo pouco detalhe da linha de costa, e pela forma esquemática como os vários elementos assinalados no desenho foram distribuídos pelo espaço. Identificada como “Macao: Sidade de China”, a identidade luso-chi-
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nesa da cidade é assinalada pela representação da “caza do mandarim” e do povoado chinês localizado a norte, que aparecem juntamente com vários marcos da presença portuguesa no território, a saber, igrejas (a Sé Catedral, a igreja do Colégio de S. Paulo, a igreja de Santo António e a ermida de Nossa Senhora da Guia), e vá-
A partir de Malaca, tomada em 1511, os portugueses deram início a um conjunto de viagens de exploração da orla costeira chinesa que vieram a possibilitar o acesso a novas rotas comerciais. Mediante as dificuldades em formalizar relações diplomáticas com o Império do Meio, a iniciativa estatal recuou perante o dinamismo do comércio informal na região, deixando espaço ao avanço da iniciativa privada. Depois de percorrerem as províncias marítimas chinesas em busca das melhores oportunidades de negócio, os portugueses, com a cumplicidade de alguns oficiais chineses, e o apoio de parceiros asiáticos, puderam estabelecer-se a partir de 1554, num porto do Guangdong, que veio a tomar o nome de Macau.
Rumo à China: os portugueses nos mares da China...
Bibliografia Fontes “Regimento dado a Diogo Lopes de Sequeira, Fidalgo da Casa Real e Capitão-mor dos Navios que Iam Descobrir Terras na Ásia”, in Cartas de Afonso de Albuquerque Seguidas de Documentos que as Elucidam, vol. II, Lisboa, Academia Real de Ciências, 1898, pp. 403-419. Fernão Mendes Pinto and the Peregrinação: Studies, Restored Portuguese Text, Notes and Indexes (ed. Jorge Santos Alves), Vol. II, Lisboa, Fundação Oriente/INCM, 2010. PIRES, Tomé, Suma Oriental (ed. Rui Manuel Loureiro), Lisboa, CCCM-IP/Fundação Jorge Álvares/Fundação Macau, 2017. Estudos ALVES, Jorge Manuel dos Santos, Macau: o Primeiro Século de um Porto Internacional, Lisboa, CCCM-IP, 2007. BARRETO, Luís Filipe, Macau: Poder e Saber – Séculos XVI e XVII, Lisboa, Editorial Presença, 2006. BARRETO, Luís Filipe, Cartografia de Macau: Séculos XVI e XVII, [Lisboa, Missão de Macau em Lisboa], 1997. Caminhos da Porcelana: Dinastias Ming e Qing, (coord. João Calvão), 2.ª ed., Lisboa, Fundação Oriente, 1999. CORTESÃO, Armando, MOTA, Avelino Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartographica, Vols. III e IV, Lisboa, INCM, 1987. COSTA, João Paulo Oliveira e, “A Coroa Portuguesa e a China (1508-1531). Do Sonho Manuelino ao Realismo Joanino”, in Estudos de História do Relacionamento Luso-Chinês, séculos XVI-XIX, (coord. António Vasconcelos Saldanha, Jorge Manuel dos Santos Alves), Macau, IPOR, 1996, pp. 13-84. DIAS, Pedro, História da Arte Portuguesa no Mundo (1415-1822), Vol. I – Espaço do Índico, s.l., Círculo de Leitores, 1998. JIN, Guoping, ZHANG, Zhengchun, “Liampó Reexaminado à luz das Fontes Chinesas”, in Estudos de História do Relacionamento Luso-Chinês, séculos XVI-XIX, (coord. António Vasconcelos Saldanha, Jorge Manuel dos Santos Alves), Macau, IPOR, 1996, pp. 90-101. LOUREIRO, Rui Manuel, Fidalgos, Missionários e Mandarins: Portugal e a China no Século XVI, Lisboa, Fundação Oriente, 2000. LOUREIRO, Rui Manuel, Em Busca das Origens de Macau, Lisboa, Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1996. MATOS, Maria Antónia Pinto de, “Garrafas ditas de Jorge Álvares”, in Comunicações: Newsletter da Fundação Jorge Álvares, n.º 20, Fundação Jorge Álvares, janeiro de 2013, pp. 1-2 e p. 6, disponível em http://www.jorgealvares.com MIRANDA, Susana Münch, SERAFIM, Cristina Seuanes, “Organização Política e Administrativa”, in História dos Portugueses no Extremo Oriente, (dir. A H. de Oliveira Marques), Vol. I, Tomo 1 - Em Torno de Macau, Lisboa, Fundação Oriente, 1998, pp. 273-282, notas pp. 290-291. OLIVEIRA, Francisco Roque de, JIN Guo Ping, “Mapas de Macau dos Séculos XVI e XVII. Inventário, Descrição, e Análise Chineses”, in Review of Culture, n.º 17, Macau, Instituto Cultural de Macau, 2006, pp. 133-169. OLIVEIRA, Francisco Roque de, A Construção do Conhecimento Europeu sobre a China, c. 1500-c-1630 (Impressos a Manuscritos que Revelaram o Mundo Chinês à Europa), Tese apresentada ao Departamento de Geografia da Universitat Autònoma de Barcelona para obtenção do Grau de Doutor em Geografia Humana, 2003, disponível em https://www.tdx.cat/handle/10803/4951. PINTO, Paulo Sousa, “A China pelos Olhos de Malaca. A Suma Oriental e o Conhecimento Europeu do Extremo Oriente”, in China e Portugal. Cinco Centúrias de Relacionamento: uma Leitura Académica (coord. Roberto Carneiro e Guilherme d’Oliveira Martins), Lisboa, Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa/Universidade Católica Portuguesa, 2014, pp. 13-22. Portugal na Porcelana da China: 500 anos de Comércio (ed. A. Varela Santos), Vol. I, Lisboa, Artemágica, 2007.
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À Procura do Oriente. Notas para uma definição do conceito António Leite da Costa Professor e Investigador
Mapa de Cantino
Para quase todos nós a primeira imagem que temos do Oriente foi-nos dada pelos Reis Magos. Conforme o relato do Evangelho de S. Mateus (2, 1-12): «Tendo nascido Jesus na cidade de Belém, na Judeia, no tempo do rei Herodes, alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém e perguntaram: ‘Onde está o Rei dos Judeus recém-nascido? Nós vimos a Sua estrela no Oriente e viemos prestar-lhe homenagem.’» Mas Herodes, nas palavras do evangelista, ficou alarmado e chamou secretamente os Magos pedindo-lhes que no regresso de Belém o informassem também sobre o nascimento de Jesus para ele lhe prestar a sua homenagem. E continua S. Mateus: «Depois de terem ouvido o rei, partiram. E a estrela, que tinham
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visto no Oriente, ia adiante deles, até que parou sobre o lugar onde estava o Menino. Ao verem de novo a estrela, os Magos ficaram radiantes de alegria.» Conclui o Evangelho de S. Mateus, referindo a homenagem prestada e as ofertas de que eram portadores. «Quando entraram na casa, viram o Menino com Maria Sua Mãe. Ajoelharam-se diante d’Ele e prestaram-lhe homenagem. Depois, abriram os seus cofres e ofereceram presentes ao Menino: ouro, incenso e mirra. Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, regressaram à sua terra, seguindo outro caminho.» Tivemos, assim, desde a infância, uma imagem poética e misteriosa do Oriente de onde vinham esses extraordinários Reis que traziam
fabulosas riquezas (ouro, incenso e mirra) para oferecer a um Menino nascido na pobreza total de uma gruta, iluminada por uma luz resplandecente que os atraía de Oriente ao Ocidente. Não nos podemos esquecer que é do Oriente que vem o Cristianismo: Belém, Nazaré, Jerusalém. Começa a difundir-se na Ásia Menor, percorre o Mediterrâneo Oriental e, através de Roma, penetra no vasto Império Romano. Mas sempre sem perder a luz que vinha do Oriente. E é por isso que o altar das igrejas cristãs está voltado para esse ponto cardeal: Ex Oriente lux. Nas primeiras igrejas cristãs do Ocidente a colocação do altar dependia da posição do sacerdote durante o
À Procura do Oriente. Notas para uma definição do conceito
o fiel desde a entrada na igreja até ao altar, centro sagrado do mundo situado no sol levante, isto é, o Oriente, e o obriga a subir os degraus do altar como montanha sagrada, centro axial do mundo, em direcção ao Polar, até ao Céu onde está Deus.
Versão alemã da carta de D. Manuel a Leão X, de 6 de Junho de 1513, impressa em Nuremberga, 1513.
acto litúrgico. Havia então dois sistemas: o sírio e o romano. No rito sírio e oriental quer o celebrante quer a assembleia estavam virados para Oriente. No modelo romano vigorava o sentido Oeste-Este, obrigando o sacerdote, durante a celebração da cerimónia religiosa, a manter-se com a face direccionada para Oriente, de modo a ficar face a face com Deus, pois, numa imagem amplamente difundida pela tradição patrística, o sol nascente era o símbolo do próprio Cristo. Mas a orientação da igreja romana revela também uma concepção antropológica. O homem é um ser espiritual orientado. É sujeito a um duplo tropismo: fototropismo que fisicamente o atira para a luz, especialmente para a região do sol levante (heliotropismo); tropismo ascendente que, espiritualmente, o eleva para o espaço celeste. Duas orientações complementares, com uma dupla finalidade como animal religioso: um teotropismo que o faz subir para Deus, a Luz e a Transcendência. A via salutis da liturgia é aquela que conduz simbolicamente
Uma das primeiras imagens do Oriente está assim ligada ao Cristianismo que, ao mesmo tempo que se expandia por mar e terra (o Mediterrâneo, o Norte de África e a Europa), sacralizava os locais do nascimento, pregação e morte de Jesus, convertendo-os, para todos os crentes, em Terra Santa. Foi esse o primeiro nome que foi dado à zona que mais próxima ficava do território europeu em direcção ao Oriente e que, mais tarde, como veremos, receberá a designação de Próximo Oriente. Em plena Idade Média, a Europa viu nascer as Cruzadas, nome dado pelos historiadores a uma série de expedições militares organizadas pela Igreja para libertar a Terra Santa do domínio dos muçulmanos e que decorreram desde finais do século XI a finais do século XIII, num total de oito Cruzadas. Não nos interessa, aqui e agora, analisar as causas e as consequências político-militares de estas expedições que reflectem a mentalidade medieval e estavam de acordo com a visão cristã do seu tempo. O que importa é salientar que elas contribuíram para ultrapassar os horizontes tradicionais e abrir caminho para um melhor conhecimento da Ásia Ocidental. De facto, a disputa pelos Lugares Sagrados da Palestina permitiu vislumbrar in loco o até então quase desconhecido Oriente que, embora próximo, se abria para outros espaços não sonhados até aí, e de onde chegavam comerciantes com produtos de luxo e apreciadas especiarias.
Por outro lado, o idealismo da cruzada levou a uma preocupação europeia, quase obsessiva, pela Ásia Ocidental e o Mediterrâneo Oriental que não teria ocorrido se não fosse a própria mentalidade e tradição da cruzada. E embora a irrupção dos mongóis nada tivesse a ver com as Cruzadas, a reacção europeia está, de certo modo, ligada a esse facto, pois várias missões foram enviadas, no século XIII, a governantes mongóis na perspectiva de uma aliança anti muçulmana. Além disso, a presença latina no Mediterrâneo Oriental, bem como a necessidade de informação dos cruzados ocidentais, estimularam aquilo a que podemos chamar uma pequena indústria de dados escritos sobre a Ásia e o Norte de África, também a partir do século XIII. É precisamente no período do Império Mongol (séculos XIII e XIV) que se sucedem viagens de exploradores em direcção ao Oriente, sobretudo missionários, muitos deles enviados pelo próprio Pontífice Romano, para entrar em contacto com povos de outras culturas e de outras
Versão italiana da carta de D. Manuel a Leão X, de 6 de Junho de 1513.
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1342 e aí permanecido quatro anos. É também curiosa a afirmação de Odorico de Pordenone que confessou ter omitido muitas informações que considerava verdadeiras com medo que os seus contemporâneos nele não acreditassem, tal o peso de muitas lendas e fantasias que na Idade Média corriam sobre o longínquo Oriente.
religiões. De facto, a maioria dos viajantes é constituída por missionários, a saber, sete dominicanos (Julião da Hungria, André de Longumeau, Simão de Saint-Quentin, David d’Ashby, Ricoldo de Montecroce, Jourdain Cathala de Séverac e João de Cori) e dez franciscanos (João Pian del Carpine e Bento da Polónia, Guilherme de Rubruck, João de Montecorvino, André de Pérousse, Peregrino de Castello, Odorico de Pordenone, Pascal de Vitoria, João de Marignolli e o Anónimo Espanhol). Estes missionários papais para as partes orientais dãonos, cada um a seu modo, uma ideia do distante Oriente, tornando a viagem uma peregrinatio propter Christum, dado o seu carácter apostólico. Dos vários textos que chegaram até nós o mais importante é, muito provavelmente, o relato da viagem de João de Marignolli, inserido nas Crónicas da Boémia, redigido em latim, cerca de 1360, pois este autor é talvez o único que tem um conhecimento directo do Oriente mais distante, tendo chegado à China em
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Mas de todas as obras que relatam as viagens para Oriente a mais famosa e que teve, sem dúvida, maior difusão e assinalável influência no imaginário medieval foi a do comerciante veneziano Marco Polo (c. 1254-1324) que com seu pai Niccolo e seu tio Matteo realizou um longo périplo pela China, onde permaneceu dezasseis anos. Regressado a Veneza, foi aprisionado, numa batalha naval, pelos genoveses em 1296, genoveses que estavam então em guerra com a cidade dos doges, tendo, na prisão, ditado o fabuloso texto a Rusticiano de Pisa que pôs em letra de forma o livro conhecido como O Milhão, Livro das Maravilhas ou Livro de Marco Polo. Deve ter sido o Infante D. Pedro, o das Sete Partidas, quem trouxe esta obra de Veneza. A edição portuguesa
saiu da oficina do tipógrafo e humanista alemão radicado em Lisboa, Valentim Fernandes, com o título de Livro de Marco Paulo. Esta obra foi escrita em francês, em 1298, e posteriormente traduzida em latim por Fr. Francisco Pipino, cerca de 1320. Teve larga difusão manuscrita e, mais tarde, sucessivas edições impressas: em alemão (1477 e 1481), em latim (1485), em italiano (1446 e 1500), em português (1502), em castelhano (1503), em francês (1556) e em inglês (1579). A versão de Valentim Fernandes teve como base a edição latina de Antuérpia (1485, sob tradução de 1320). Foi a sexta a sair dos prelos tipográficos. Esta edição inclui ainda dois relatos de mercadores: o de Nicolau de Conti e o de Jerónimo de Santo Estevão. Convém lembrar, a propósito, que em 1498 chegou Vasco da Gama, por mar, à Índia e em 1500 Pedro Álvares Cabral cruza o Atlântico e descobre a Terra de Vera Cruz, o futuro Brasil. Se a descoberta do caminho marítimo para a Índia (1497-1498), e a consequente chegada dos portugueses ao Oriente, teve repercussões quase imediatas na cúria romana, não nos podemos esquecer que o Rei Venturoso enviou a Roma, logo no início do século XVI, o doutor Diogo Pacheco que a 4 de Junho de 1505 proferiu uma Oratio em louvor do Pontífice Romano, o Papa Júlio II, em que dava conta da excepcional proeza lusitana e fazia o inevitável elogio do monarca português, D. Manuel I. Transmitia também a obediência religiosa do Rei de Portugal e de todo o Reino. E logo acrescentava: «e não apenas de Portugal, mas também grande parte de África. Recebei a Etiópia e a imensa vastidão da Índia.» E dizia ainda mais: «Recebei o mesmo oceano, embora indignado, ferido e domado pelos nossos
À Procura do Oriente. Notas para uma definição do conceito
portugueses e espanhóis, publicação amplamente divulgada e que serviu, de forma insofismável, para aumentar a projecção europeia da acção dos portugueses no Oriente. É justo também citar a colectânea de Valentim Fernandes, dos anos 1506-1507, que este impressor e humanista da Morávia ia enviando, de Lisboa, ao banqueiro alemão Conrado Peutinger, de Augsburgo. O Manuscrito de Valentim Fernandes reforçava, uma vez mais, a presença de Portugal no longínquo Oriente.
Nova victoria del Re de Portugallo (tomada de Malaca), impressa, talvez como a anterior, em Roma, 1514.
remos. Recebei tantos golfos, promontórios, litorais, portos, ilhas, vilas, cidades, reis, numerosíssimas nações como que encerradas numa só mão e que nem sequer pela fama eram de nós antes conhecidas.» E, solenemente, rematava: «Recebei a obediência oriental, desconhecida de vossos antecessores mas reservada para vós, e que, sendo já agora enorme, há-de ser por Deus cada vez maior.» Terminando, num gesto largo de grande oratória: «Recebei, enfim, o próprio Mundo.» A 25 de Setembro de 1507 enviou uma missiva ao Papa Júlio II dandolhe conta dos feitos portugueses na Índia, ou seja no Oriente, informando-o igualmente de que o comércio se estendia a Ceilão, Bengala e outros portos da Malásia. E logo no ano seguinte, nova epístola é dirigida ao Sumo Pontífice, com a data de 12 de Junho de 1508. As notícias de que essa carta dava testemunho foram aproveitadas pelo italiano Francesco de Montalbolddo para a obra Paesi novamente retrovati, com os relatos dos descobrimentos
Mas foi, sem qualquer dúvida, a famosa embaixada a Roma, corria o ano de 1514, para depor aos pés do Papa Leão X a obediência do monarca português, que melhor deu a conhecer, desde já directamente e, diríamos, urbi et orbi (à cidade e ao mundo), o Mundo Novo descoberto pelos portugueses e, sobretudo, o Oriente que entrava agora, com toda a sua grandeza e para fascínio de todos os presentes, nas ruas da cidade eterna. Esta sumptuosa embaixada, à frente da qual ia o fidalgo Tristão da Cunha, que fora comandante da armada que em 1506 demandara o Oriente e descobrira a ilha que veio a ter o seu nome, ti-
nha como oradores oficiais o doutor Diogo Pacheco – doutor in utriusque juris, isto é, em direito canónico e em direito civil –, antigo aluno e mestre de Humanidades em Siena, e que, como vimos, tinha sido o orador da missão enviada ao Papa Júlio II, em 1505, e o doutor João de Faria que, entre diversos cargos que ocupara, tinha sido embaixador em Castela e em Roma. Como secretário foi o poeta e artista Garcia de Resende que de essa luzida embaixada deixou importante registo. Também o humanista e cronista do Reino Damião de Góis, fez uma completa narração de tão singular e significativo evento. A entrada solene da embaixada de Tristão da Cunha não deixou ninguém indiferente. Para além da beleza e do aparato dos trajes, da gravidade do cortejo e da própria ostentação dos nobres e criados, é de salientar a riqueza dos presentes que iam ser oferecidos ao Papa Leão X e a novidade dos animais exóticos que vinham de paragens distantes, nunca vistas e, para quase todos, mal sonhadas, como um elefante do Malabar e uma onça de caça, para além de um cavalo persa enviado pelo rei de Ormuz e montado por um caçador nativo. Era o Oriente que, levado por mãos portuguesas, assim entrava na capital simbólica de todo o Ocidente: a Roma eterna. E não nos esqueçamos também que a cidade de Goa, cidade portuguesa por excelência, vai passar a ser conhecida como a Roma do Oriente. É claro que, para além de esta embaixada que tão fortemente divulgou na Europa o distante Oriente, descoberto nos tempos modernos pelos portugueses, deve-se também a muitos escritores e humanistas de várias nacionalidades a divulgação dos descobrimentos lusos e, consequentemente, a imagem do Oriente mais próxima da realidade. São de
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lembrar, a propósito, as cartas de Andrea Corsali, um italiano que viajou nas armadas portuguesas do Oriente, datadas de 1515 e 1516, enviadas da Ásia, e que chegaram à Europa no ano seguinte à sua redacção. Foram publicadas em 1517 na cidade de Florença e reeditadas posteriormente por G. B. Ramusio (Navigationi et Viaggi, Veneza, 1550). Nelas são transmitidas ao leitor importantes informações sobre a geografia do Oriente, nomeadamente a ilha de Ceilão, Malaca, a China e as Molucas. Os cronistas portugueses dos Descobrimentos viram também a sua obra amplamente difundida no estrangeiro e traduzida em diversas línguas, de modo a chegar com facilidade a todo o mundo culto de então. A História do Descobrimento e Conquista da Índia, de Fernão Lopes de Castanheda, editada em Lisboa, em 1551, foi traduzida em francês (Paris, 1553), em alemão (1565), em inglês (Londres, 1582 e 1587) e em italiano (1557 e 1578). Há ainda uma tradução em castelhano publicada em Antuérpia (1544). As duas primeiras Décadas da Ásia, de João de Barros, saíram dos prelos em Lisboa em 1552 e 1553. Há uma tradução italiana (Veneza, 1562) e existe na Biblioteca Nacional de Paris uma tradução manuscrita. A obra de Jerónimo Osório, De Rebus Emmanuelis (Lisboa, 1571) tem menor valor que as Décadas. Mas, por ter sido redigida em latim, assume ampla divulgação na Europa: seis reedições em Colónia – entre 1574 e 1597 – e uma em Roma (1592). Além disso, doze dos seus vinte livros – capítulos – foram traduzidos em francês e reeditados três vezes em Paris (1580, 1581 e 1597) e uma vez em Genebra (1610). O primeiro contacto directo entre portugueses e chineses deu-se em
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Malaca, Java e Samatra são verdadeiramente notáveis. E é Tomé Pires quem pela primeira vez dá o nome a terras que ainda hoje são assim conhecidas como Singapura e Japão.
Frontespício do Tratado em que se Contam Muito por Extenso as Coisas da China, de Fr. Gaspar da Cruz, Évora, 1569-1570.
Malaca em 1509. Foram também os marinheiros lusos os primeiros europeus a atingir por via marítima o Celeste Império, tendo desembarcado em 1513 na ilha de Tamão (Tunmen), percorrendo o litoral chinês, sobretudo determinadas zonas costeiras como Fuquiém (Fujian) e Chequião (Zhejiang), acabando por se estabelecer em Macau em 1557. Mais tarde, o descobrimento do Japão, em 1542 ou 1543, intensificou o tráfico luso-chinês, dando-lhe continuidade e segurança. Mas desde cedo que vários autores nos deixaram cuidados e notáveis registos da milenar civilização do Império do Meio. A Suma Oriental (1515), de Tomé Pires, e o Livro (1516), de Duarte Barbosa, são as primeiras geografias do Oriente que já nos transmitem também dados sobre a civilização chinesa. Recolhe a Suma Oriental uma rica e abundante informação, quer de ordem histórica e geográfica, quer de carácter económico, comercial, botânico, etnográfico e até mesmo numismático, dando-nos a conhecer ainda pesos e medidas e usos e costumes locais. A descrição que faz de
A visão da China, visão quase sempre favorável e, por vezes até, laudatória, é-nos revelada por obras diversas desde Algumas coisas sabidas da China (c. 1553), redigidas por Galiote Pereira – que sofreu um curto cativeiro nas prisões chinesas – aos cronistas Fernão Lopes de Castanheda e João de Barros, ao Tratado dos Descobrimentos (Lisboa, 1563), de António Galvão, aos Colóquios dos Simples e Drogas da Índia (Goa, 1563), de Garcia de Orta, à Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel (Lisboa, 1566-1567), de Damião de Góis e aos Comentários (Lisboa, 1557 e, sobretudo, a segunda e ampliada edição de 1576), de Afonso Brás de Albuquerque. A obra de Galiote Pereira pretende ser uma visão geral do Celeste Império, do qual, aliás, faz convictamente a apologia. Teve ampla
Frontespício de uma das numerosas edições da Historia de las Cosas mas Notables, Ritos y Costumbres del Gran Reyno de la China, de Fr. Juan González de Mendoza, Antuérpia, 1596.
À Procura do Oriente. Notas para uma definição do conceito
o seu livro – reflecte admiração pelos usos e costumes chineses, não se inibindo, no entanto, de criticar também, com grande vigor, a corrupção e a decadência da sociedade chinesa dos últimos anos da dinastia Ming.
Desenho de Akbar (1605). (Benjamim Videira Pires, Portugal no Tecto do Mundo, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1988).
divulgação na Europa do século XVI, sobretudo a partir de uma edição italiana e de uma edição londrina (1577), que foi o primeiro texto moderno sobre a China em língua inglesa. Mas a interpretação talvez mais completa e apologética é o Tratado em que se contam muito por extenso as coisas da China (Évora,15691570), de Fr. Gaspar da Cruz, O. P. Este texto do frade dominicano é justamente considerado a primeira obra exclusivamente dedicada à China e que foi impresso na Europa. É fonte da maioria dos livros então redigidos sobre o Império do Meio, tendo sido abundantemente aproveitado, infelizmente sem disso nos dar directamente conhecimento, pelo espanhol González de Mendoza, autor da Historia de las Cosas Mas Notables, Ritos y Costumbres del Gran Reyno de la China (Roma, 1585). Ora Fr. Gaspar da Cruz, apesar da acção missionária que realizou em Cantão não ter alcançado grande impacto, deixou-nos uma imagem altamente positiva da sociedade que bem conheceu pessoalmente, ao contrário de González de Mendoza que nunca visitou o Celeste Império. No Tratado das Cousas da China – título abreviado por que também é conhecido
Em 1502 é desenhado em Lisboa o Planisfério anónimo português, dito de Cantino, que nos transmite, cartograficamente falando, grande parte do mundo oriental, sobretudo o Golfo de Bengala e a orla marítima da «terra dos chins», que existia para além de Malaca, terra de sedas, de laca, de almíscar, de porcelanas, etc. Cantino foi um emissário do duque de Ferrara, Hércules d’Este, que adquiriu o planisfério em Lisboa e o levou para Módena, na Itália, acabando assim por dar o nome ao mapa português, que, embora com representação ainda imprecisa, já nos dá uma noção de áreas de grande interesse marítimo e mercantil. E, mais do que isso, vai inspirar outros planisférios e mapas-múndi que fogem à velha cosmografia ptolomaica, a partir de agora completamente ultrapassada. Cerca de 1512 compõe Francisco Rodrigues, navegador e geógrafo, um Livro de geografia oriental que inclui regimentos, roteiros, esboços de cartas hidrográficas e desenhos panorâmicos de Banda e Malaca. E a partir de contactos com cartógrafos e pilotos de essas áreas (indianos, malaios, javaneses e chineses), de quem obtém informações precisas, traça cartas do litoral da China, desde o Golfo de Tonquim ao litoral da Coreia. São mapas que denotam influência chinesa mas não esquecem a rosa-dosventos, bem portuguesa. E o roteiro Caminho da China é o primeiro roteiro português e, consequentemente europeu, sobre a navegação de Malaca a Cantão. No século XVI, a Índia dividia-se em duas zonas: a Índia, propriamente
dita, região litoral onde predominava a influência portuguesa, e o Mogor, a área governada pelos Mogóis, povo invasor proveniente do Afeganistão e da Ásia Central, chefiado por um turco, Babur, que fundou a dinastia conhecida por Mogóis. A conquista mogol consolidouse com o célebre Acbar (1556-1605). Ora foi através de Mogor que os jesuítas tomaram contacto com o Tibete, região inteiramente desconhecida pelos europeus e, desde a Idade Média, vagamente associada ao Cataio de que nos falam vários autores como João Pian del Carpine, que usou a palavra pela primeira vez, Guilherme de Rubruck ou Marco Polo. Na ausência de informações precisas, os geógrafos ocidentais começaram por considerar o Cataio – Khitay ou Cathay – como uma região misteriosa e inacessível, situada a Oriente ou no centro da Ásia. Mas quem mais contribui para a imagem mítica do Cataio foi, sem dúvida, Sir John Mandeville, no século XIV, nas suas Viagens. Mandeville, que nunca esteve no Oriente, deixou-nos um manuscrito escrito em francês, mais tarde traduzido em inglês e latim, e que foi impresso nesta última língua em 1484. Teve larga difusão, e aceitação, na Europa do seu tempo, não obstante o carácter fabuloso e mítico. O primeiro conhecimento do Tibete deve-se ao Padre António de Andrade, natural de Oleiros, onde nasceu em 1580. Em 1600 embarcou para a Índia, tendo ocupado diversos cargos, entre os quais o de reitor do Colégio de Goa, e sido nomeado superior da missão de Mogor em 1621. Saiu de Agra, acompanhado pelo irmão leigo Manuel Marques, a 30 de Março de 1624, em direcção à Cachemira. Mas ao chegar a Deli soube de um grupo de peregrinos hindus que partiam para o Himalaia e decidiu acompanhá-los. É essa
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e os missionários tentavam encontrálos para os animar e com eles estabelecer novas pontes evangélicas. Bento de Góis, o irmão jesuíta Bento de Góis, que ia vestido à oriental e usava o nome de Banda Abdulá, seguiu para Cabul e percorreu depois, numa aventura extraordinária e com peripécias inenarráveis, grande parte da China que identificou com o mítico Cataio. Faleceu a 11 de Abril de 1607 em Suchow, junto à muralha da China. Um dos seus companheiros escreveu: «Andando à procura do Cataio, encontrou o Céu.» E assim se desfez mais um velho mito medieval em relação ao Oriente.
atribulada viagem que relata na carta que enviou ao provincial de Goa, a dar conta da sua missão, com a data de 8 de Novembro de 1624. Dois anos volvidos é esta missiva impressa em Lisboa: P.e António de Andrade, S. J., Novo descobrimento do Gran Cathayo, ou reino do Tibet, Lisboa, 1626. Este pequeno livro alcançou assinalável êxito na Europa, associando definitivamente o nome do missionário português ao «Tecto do Mundo», pois foi traduzido em muitas línguas e reeditado em espanhol, francês, italiano, flamengo e até em polaco. Mas a localização do Cataio tem também outro nome envolto na sua capa de mistério: Bento de Góis, natural dos Açores (Vila Franca do Campo), e um dos mais ousados aventureiros que o mundo conheceu. Embarcado muito novo para a Índia como soldado, converteu-se e foi admitido como noviço da Companhia de Jesus, que abandonou dois anos após, para emigrar para Ormuz. De novo aceite pelos Inacianos é, em 1602, enviado em demanda do fabuloso Cataio. Julgava-se ainda então que havia no Oriente cristãos nestorianos
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Quem esteve atento aos Descobrimentos e à Expansão Portuguesa compreendeu a realidade do Oriente e, mais tarde, do Extremo Oriente. Com uma pequena ressalva: é que nem sempre se distinguia estas duas realidades geográficas. O Oriente podia, e muitas vezes assim sucedia, englobar o Oriente asiático. De facto, a relação ao longo do tempo entre Goa, Macau e o próprio Japão foi uma constante. Cruzava-se, deste modo, o Oriente com o Oriente mais extremo, a Índia, a China e o Japão,
englobados num Oriente mais vasto, mas sempre apelativo e sedutor. E à Europa continuava a chegar a visão de civilizações milenares que, para muitos, são ainda um Mundo Novo, calcorreado pelos portugueses por terra e por mar, criando laços imorredoiros de aliança entre povos e culturas. Se foi Portugal que levou o Ocidente ao Oriente, foi através da Europa que melhor ficou a conhecer toda a riqueza e diversidade cultural de esse mesmo Oriente que desde a Idade Média a fascinava e seduzia. Nos séculos XVI, XVII e XVIII recebia Lisboa jóias de Ceilão, tapetes da Pérsia, móveis, tecidos e bordados de Goa, Bengala, Malaca e Cambaia, lacas e porcelanas da China e biombos e objectos lacados do Japão. E desde meados do século XVI, e ainda mais nos séculos seguintes até ao século passado, inúmeras imagens sacras provenientes de essas terras distantes e feitas, quase sempre, por artistas locais, reflectindo, assim, a dupla influência cultural. Além disso, foi Portugal um dos países mais ricos do mundo em imaginária de marfim, sobretudo nos
(Benjamim Videira Pires, Portugal no Tecto do Mundo, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1988).
À Procura do Oriente. Notas para uma definição do conceito
séculos XVII e XVIII. Ainda hoje é valorizada e estimada toda a imaginária luso-oriental, seja qual for a escola regional a que pertença: a indo-portuguesa (Indostão continental), a cíngalo-portuguesa (Ceilão), a sino-portuguesa (China) e a nipoportuguesa (Japão). Portugal foi, desde o desembarque de Vasco da Gama na velha Índia, o traço de união, a ponte de ligação humana e permanente, que o continente europeu estendeu a todo o Oriente, dando-o a conhecer a todos, de forma clara, nítida e insofismável.
em 1780 que levaram G. Grotefend ao estudo da chamada escrita cuneiforme que abriu as portas à assiriologia. E se até 1840 os exploradores interessados, pois ainda não lhe podemos chamar em boa verdade arqueólogos, se contentavam em examinar apenas a superfície dos tells, ou seja, colinas artificiais formadas pela acumulação de objectos diversos provenientes de ruínas antigas, cedo suscitaram um interesse mais acrescido, dando origem a missões melhor organizadas que trouxeram novas revelações, sobretudo no período de 1842 a 1855, com as escavações em Nínive, dirigidas por P. E. Botta, a que se seguiram as de A. H. Layard, H. Rassam e W. K. Loftus que descobriram os grandes baixosrelevos da biblioteca de Assurbanipal. Associa-se, desde então – e até aos dias de hoje –, a linguística com a arqueologia, sem esquecer a arquitectura e a história da arte, o que permitiu um conhecimento mais completo dos povos que habitaram o chamado Crescente Fértil. Aos especialistas deu-se então o nome de orientalistas, pois estudavam a Antiguidade Oriental, antes de cada um se dedicar a uma civilização de per si. E esses orientalistas, como foram conhecidos no século XIX, debruçaram-se sobre o Oriente mais próximo do velho continente: o Próximo Oriente asiático.
A Europa continental, virada para si mesma, como que esquece o Oriente. E é no século XVIII que se volta de novo para o Oriente, mas agora o que fica mais próximo, junto ao Mediterrâneo. De facto, a partir de 1760, alguns viajantes mais curiosos, como K. Niebuhr, A. Michaux e J. de Beauchamp interessam-se por lugares referidos desde a Antiguidade (Nínive, Babilónia e Persépolis), de onde trazem alguns objectos epigráficos e cópias de inscrições. Foram essas inscrições que K. Niebuhr trouxe de Persépolis
Mas curiosamente a expressão Próximo Oriente, que arqueólogos e historiadores começaram por usar, englobava também o antigo Egipto. O antigo Egipto que até ao século XVIII só era conhecido através de autores como Estrabão, Diodoro da Sicília ou Heródoto, cujo valor era desigual e não ultrapassava o século V a. C. E se bem que tivesse havido, ainda no século XVII, uma tentativa, com Kircher, de decifrar a escrita egípcia, foi só com Jean-François Champollion (1790-1832), após a descoberta da Pedra de Roseta,
Fabrico de porcelana, in Cruz, Gaspar, Tratado em que se Contam Muito por Extenso as Coisas da China, Macau. Museu Marítimo, Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento, 1996.
com a expedição de Napoleão em 1799, e os trabalhos que sobre este assunto publicou em 1822 e 1824, que surgiu a egiptologia. É, pois, já no século XIX que o Egipto se junta ao conceito de orientalismo, no sentido de Próximo Oriente, que abrangia agora também um país do Norte de África. A sua influência nos usos e costumes europeus, extensiva à moda e às artes menores, é bem conhecida e o Oriente passa a ser para muitos sinónimo de egiptomania. Mas para quase todos os europeus a noção de Oriente é ainda bastante nebulosa. O Mediterrâneo continua a ser o mare nostrum que separa um Ocidente cheio de dinamismo de um Oriente quase inerte porque desconhecido. A criação do espaço oriental é, realmente, lenta e prenhe de contradições. Na Enciclopédia, de Diderot, o termo só aparece como referência astronómica ou ligado a Bizâncio e a determinadas correntes de pensamento, mais ou menos esotéricas, como os gnósticos ou a doutrina de Zoroastro. A primeira referência ao Oriente parece ser a Voyage en Orient, de 1772, tradução da obra
Caça do almíscar. Gravura espanhola do século XVII, in CORTES, Adriano de Ias, Viaje de la China, edição de Beatriz Moncó, Madrid, Alianza, 1991, p. 294.
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de R. Pococke, A Description of the East (1743-1745). A palavra vem a tornar-se clássica com o livro de Lamartine, Voyage en Orient (1835), e, com os guias de viagem que surgem na segunda metade do século, tornase vulgar, nomeadamente após a publicação do guia de Joanne, Orient, em 1861. Mas a Enciclopédia Larousse (Tomo IX, 1874), que lhe dedica um verbete, considera este termo ainda pouco preciso, embora seja uma palavra que se venha já a casar com Próximo Oriente, Oriente e Extremo Oriente. Quanto à palavra orientalismo, que estava associada à linguística e à arqueologia, entra, a partir de 1838, na linguagem corrente, desta vez também com fortes ligações à literatura e à arte, sobretudo à pintura e às artes menores e decorativas. Exerce ainda influência no imaginário europeu a abertura do Canal do Suez, em 1869 – «o leito nupcial do Ocidente e do Oriente», para usar uma expressão da época –, e a criação da linha ferroviária que vai ligar a Europa à Ásia, o famoso comboio conhecido como Expresso do Oriente (1890). O romantismo, com toda a sua carga de exotismo, ora nos dá uma visão mítica do Oriente, ora tenta aproximar-se da realidade que ainda não é bem conhecida e estimada no Ocidente. Nomes como Byron (17881824), ancorado no helenismo, ou seja, na Europa Oriental, Schelling (1775-1854), que redescobre a Índia, esta, sim, a Oriente, ou Gérard de Nerval (1808-1851), Voyage en Orient, pretendem dar-nos uma visão interiorizada do seu Oriente. Mas é talvez Victor Hugo (1802-1885), com Les Orientales (1829), em cujo prefácio inclui a Espanha, porque, como diz, «a Espanha é ainda Oriente; a Espanha é meia africana, a África é meia asiática…», que abre, literariamente falando, as portas ao Oriente, embora através de uma curiosa definição romântica da palavra.
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No século XIX, a expressão Próximo Oriente é de uso corrente na tradição geográfica francesa, pelo menos até aos anos trinta do século vinte. Designava o Egipto e os países do Crescente Fértil que corresponde hoje ao Líbano, Israel, Territórios palestinianos, Síria e Iraque. Cobria já então, não apenas um mero espaço geográfico, mas aquilo a que se vai chamar, com toda a propriedade, um espaço geopolítico. Foram precisamente os analistas das relações internacionais que com o avolumar dos desafios e conflitos no Golfo Pérsico substituíram esta designação pela de Médio Oriente, de inspiração anglo-saxónica, que integrava todos os países que se estendem da Líbia ao Afeganistão e do Irão à Península Arábica. Mas o papel central do conflito israelo-palestiniano e a decomposição violenta dos Estados iraquiano e sírio tem levado muitos observadores do permanente jogo da geopolítica a defender a existência dos dois termos que melhor definem e caracterizam estas áreas do Oriente: o Próximo Oriente e o Médio Oriente, este último já às portas da Índia que se mantém assim como o Oriente por excelência. Ou quase. Pois a distinção entre Oriente e Extremo Oriente também não é bem clara e rigorosa, nem nunca foi. É que, se a Índia é o Oriente, a China e o Japão também já o foram. O Oriente mais longínquo, é certo, mas o Oriente. Sobretudo no século vinte, com as guerras do Pacífico, da Coreia, do Vietname, etc.. Em 1978 é publicado nos Estados Unidos o ensaio de Edward W. Said (19352003) – Orientalism –, palestiniano professor da Universidade de Columbia, que recupera o conceito oitocentista de orientalismo, centrando-se no Oriente árabe islâmico, tal como foi visto e, de certo modo, criado pela França e a Inglaterra nos finais do século XVIII e depois aceite pelos Esta-
dos Unidos, fundamentalmente após a 2ª Grande Guerra. A tese que defende este autor, seguindo os passos de Marx, Nietzche e Foucault, é que saber é poder, ou seja, o orientalismo é sinónimo de imperialismo. O Oriente surge nesta perspectiva como uma categoria ideológica de dominação, baseada na negação do Outro, reduzido apenas a tópicos meramente parciais e, mais do que isso, interessados. Este Oriente islamizado de Edward W. Said nada tem, no fundo, a ver com o verdadeiro Oriente, quedando-se apenas, no campo geográfico, pelo Próximo e Médio Oriente. A distinção entre os múltiplos orientes (Próximo Oriente, Médio Oriente, Oriente e Extremo Oriente), se bem que didacticamente seja de grande utilidade pela clareza e rigor geográfico e geopolítico e, por vezes, até histórico, perde, contudo, esvaziamento da carga simbólica que tem a palavra Oriente e a riqueza que, ao longo dos séculos, tem trazido para o nosso imaginário. O Oriente é a palavra-chave. E é, por isso, que a China e, naturalmente, Macau ficam, na poética expressão de António Manuel Couto Viana, a Oriente do Oriente.
À Procura do Oriente. Notas para uma definição do conceito
Bibliografia ANDRADE, A. A. Banha de, Mundos Novos do Mundo, 2 vols., Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1972 BARRETO, Luís Filipe, «O orientalismo conquista Portugal» in Adauto Novais (organizador), A Descoberta do Homem e do Mundo, São Paulo, Companhia das Letras, 1998 BRAZÃO, Eduardo, Em Demanda do Cataio, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1989 CAHEN, Claude, Oriente et Occident au temps des Croisades, Paris Aubier, 1983 Catálogo Caminhos da Porcelana. Dinastia Ming e Qing, Lisboa, Fundação Oriente, 1998 Catálogo De Goa a Lisboa, Lisboa, Instituto Português dos Museus, 1992 Catálogo Do Tejo aos Mares da China. Uma epopeia portuguesa, Palácio Nacional de Queluz – Musée des Arts asiatiques – Guimet, Poitiers, Aubin, 1992 CHANDEIGNE, Michel (dirigé par), Lisbonne hors les murs. 1415-1580: l’invention du monde par les navigateurs portugais, Paris, Éditions Autrement, 1990 CHAUPRADE, Aymeric et THUAL, François, Dictionnaire de géopolitique, Paris, Ellipses, 2007 CORTESÃO, Armando, Primeira embaixada europeia à China. O boticário e embaixador Tomé Pires e a sua «Suma Oriental», Macau, Instituto Cultural de Macau, 1990 DEFAY, Alexandre, Géopolitique du Proche-Orient, Paris, P.U.F., 2016 D’INTIMO, Raffaella (introdução e notas de), Enformação das Cousas da China. Textos do Século XVI, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989 GARELLI, Paul, El Próximo Oriente asiático desde los orígenes hasta las invasiones de los pueblos del mar, Barcelona, Editorial Labor, 1978 GUÉRET-LAFERTÉ, Michèle, Sur les routes de l’Empire Mongol. Ordre et rhétorique des relations de voyage aux XIIIe et XIVe siècles, Paris, Honoré Champion Éditeur, 1994 GRAÇA, Luís, A visão do Oriente na Literatura Portuguesa de viagens: os viajantes portugueses e os itinerários terrestres (1560-1670), Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1983 LACOSTE, Yves (sous la direction de), Dictionnaire de Géopolitique, Paris, Flamarion, 1993 LOUREIRO, Rui (coordenação antológica de), Visões da China na literatura ibérica dos séculos XVI e XVII. Antologia documental, Revista de Cultura, nº 31 (IIª Série), Abril/Junho, 1997, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1997 MACHADO, Álvaro Manuel, O mito do Oriente na literatura portuguesa, Lisboa, Biblioteca Breve, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1983 MACLAGAN, Sir Edward, Os Jesuítas e o Grão-Mogol, Porto, Livraria Civilização Editora, 1946 PIRES, S. J., Benjamim Videira, Os extremos conciliam-se, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1988 PIRES, S. J., Benjamim Videira, Portugal no Tecto do Mundo, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1988 ROQUE, Maria Isabel Rocha, Altar Cristão. Evolução até à Reforma Católica, Lisboa, Universidade Lusíada Editora, 2004 SAID, Edward N., Orientalismo, Lisboa, Edições Cotovia, 2013 SERRÃO, Joaquim Veríssimo, Portugal e o Mundo nos Séculos XII a XVI, Lisboa Verbo, 1994 TÁVORA, Bernardo Ferrão de Tavares e, Imaginária Luso-Oriental, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1983 TYERMAN, Christopher, A Guerra de Deus. Uma nova história das Cruzadas, Lisboa, Aletheia, 2009
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Do chinês ao português que distância vai Xu Yixing Directora do Departamento de Português, Universidade de Estudos Internacionais de Xangai
De acordo com os dados a que temos acesso, devido aos esforços dos colegas chineses, de Macau e da China Continental, e obviamente, também à grande força da Internet, conseguimos, há pouco tempo, saber a situação atual do ensino de PLE na parte continental da China.
áreas, o ensino também entra numa fase de cooperação, entre instituições nacionais, e/ou entre a China e o estrangeiro. Além disso, com a popularização dos recursos online, é cada vez mais fácil ter acesso à Internet para aprender. Cooperação com Outras Instituições
Segundo resultado de um inquérito lançado no WeChat pelo ex-docente do IPM, Prof. Liu Gang, na China Continental, em setembro de 2016, contamos com 34 instituições de ensino superior onde se ensina PLE, ou no curso de licenciatura (4 anos), ou no curso de bacharelato (3 anos), ou como disciplina opcional, com mais de 1.600 alunos de PLE (de todos os níveis), dos quais 782 são do primeiro ano, com 93 professores chineses, entre os quais cerca de 70% são docentes jovens, com menos de 35 anos de idade. E agora, em 2018, contamos com 40 instituições onde se ensina PLE, embora algumas ainda não tenham começado a admitir alunos. No presente trabalho, vamos referirnos ao que a Universidade de Estudos Internacionais tem feito em relação à divulgação da língua e cultura portuguesas em Xangai, e na China. Novas Reflexões de Formação Hoje em dia, com a globalização e a cooperação de e entre diferentes
A cooperação constitui, sem dúvida nenhuma, uma das melhores formas para estimular o ensino e a aprendizagem de Português como Língua Estrangeira. Neste momento, as cooperações da SISU são de dois tipos: 1) Cooperações com instituições de Portugal e do Brasil O apoio por parte do governo chinês ao ensino/aprendizagem das línguas minoritárias, concretizado na
atribuição de bolsas de estudo aos alunos para ida aos países onde se falam as línguas, iniciou, no caso do curso de Português da SISU, em 2010, ano em que foram dadas 10 bolsas de estudo pelo Conselho da Fundação Nacional de Estudo no Estrangeiro da China1 aos alunos do terceiro ano de licenciatura em Língua e Literatura Portuguesas da SISU. Nesse ano, a SISU conseguiu 103 bolsas de estudo de uma totalidade de 1.350 de toda a China, sendo 10% destinadas ao curso de Português, um dos vinte e seis cursos de línguas de toda a instituição. Nos anos seguintes, continuamos a contar com o apoio financeiro do Conselho da Fundação Nacional de Estudo no Estrangeiro no que diz respeito à candidatura às bolsas de estudo.
Ano
Número total de alunos
Número de bolsas de estudo conseguidos
2010
20
10
2011
19
10
2012
26+1(mestrado)
10
2013
19
5
2014
24+2(mestrado)
11+2 (bolsas da SISU)
2015
23+1 docente (doutoramento)
22
2016
22+2(mestrado)
20
2017
18+2(mestrado)
18
_________________ 1
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Conselho de administração não lucrativo da China, fundado em 1996, pertencente e sob tutela do Ministério da Educação.
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Do chinês ao português que distância vai
É de acrescentar que no ano 2014, quando o Conselho da Fundação Nacional de Estudo no Estrangeiro ainda não começou a dar apoio em termos de envio dos alunos chineses para o Brasil, a SISU ficou consciencializada pela importância estratégica da América Latina, que abrange também o único país de língua oficial portuguesa nesse vasto território – o Brasil, e iniciou o processo de apoio financeiro institucional a duas alunas do curso de Português, com a finalidade de estas poderem frequentar o curso semestral (ou anual) na Universidade de São Paulo, sendo as viagens pagas pela SISU e as outras despesas pagas pelas mesmas. 2) Cooperações com instituições nacionais A. Protocolo com Universidade de Estudos Internacionais de Zhejiang (Hangzhou) Com o protocolo assinado entre as duas instituições, a SISU ajuda o ensino da ZISU em termos de uma disciplina que os docentes desta instituição consideram mais difícil, por exemplo, tradução e interpretação. Ao mesmo tempo, os docentes da SISU orientam, ou melhor, assistem às aulas dadas pelos jovens docentes da ZISU a fim de dar sugestões a estes em relação aos métodos didáticos. Além disso, os docentes participam conjuntamente em investigações ou publicações relacionadas com a língua e cultura portuguesas e já saiu um artigo sobre Hangzhou e o G20. B. Visitas mútuas de docentes e alunos A SISU recebe visitas de outras instituições onde há curso de Português, de docentes e alunos, que vêm, como por exemplo, da Universidade de Macau, da Universidade Normal de Fujian, da Universidade de Estudos Internacionais de Xian, entre outras.
C. Apoio por parte da CPCLP a) Foi em março de 2014 que o Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa (CPCLP) do Instituto Politécnico de Macau começou o contacto oficial com a SISU. Seguiram-se várias visitas oficiais do CPCLP à SISU, e 2 cursos de formação de professores de PLE por ano, que reuniram os docentes chineses e portugueses e mestrandas da SISU, da ZISU e da Universidade de Línguas Estrangeiras Yuexiu de Zhejiang, realizados alternativamente na SISU, ZISU ou Yuexiu. b) Em de julho de 2015, com o apoio financeiro do CPCLP e a orientação e as sugestões levantadas pelos colegas do CPCLP, realizou-se com sucesso o 3.º Fórum Internacional do Ensino da Língua Portuguesa na China na SISU, com participação de cerca de 50 docentes e especialistas da língua portuguesa, vindos de Portugal, Macau e China Continental. c) Logo depois da realização do Fórum, realizou-se o curso de formação de professores de PLE “Verão em Português”, organizado pelo CPCLP, com participação de cerca de 20 docentes e mestrandas da China. Tentativas de Atividades 1) Portal da SISU em Português Em 19 de dezembro de 2014, a SISU lançou uma série de portais em línguas estrangeiras, com o português incluído. Assim, traduzimos as notícias relacionadas com a nossa Universidade e com o nosso Departamento de chinês para português, ou às vezes, escrevemos mesmo em português, os docentes e os alunos, com o apoio do nosso leitor português. Esta maneira fornece aos de português oportunidades de praticar português assim como as técnicas de tradução, fazendo com que se cruzem o português e o chinês.
Até este momento, colocamos no portal 57 notícias em português e 9 redações dos alunos, além das informações acerca das palestras realizadas no campus. 2) Conta Pública de WeChat em Português Criada em 2013 por um grupo de alunos chineses do 2.º ano de Licenciatura em Língua e Literatura Portuguesas da SISU, a Vida em Xangai é a primeira conta pública no WeChat para a divulgação de informações relacionadas com o dia-a-dia desta grande cidade da China, simultaneamente em três línguas – chinês, português e inglês. De acordo com a apresentação da própria conta, a Vida em Xangai destina-se a um público que inclui tanto estrangeiros que vivem em Xangai como alunos de português e de inglês. Pode ser usada como guia da cidade com foco na gastronomia, além de outras informações e sugestões práticas sobre o lazer, o turismo, eventos culturais, etc. Do ponto de vista dos alunos, que são também os tradutores dos conteúdos de chinês para português e inglês, a Vida em Xangai pretende ser um meio pelo qual eles podem combinar o estudo com o passatempo, assim como com outros assuntos de interesse, praticando os conhecimentos linguísticos adquiridos na busca do incentivo à leitura e à escrita. Tendo em consideração o uso muito reduzido de português nas redes sociais na China em comparação com outras línguas estrangeiras, nomeadamente o inglês, a versão portuguesa desta conta pública tem sido a sua característica mais importante, como foi salientado pelos criadores. Licenciados do Curso de Licenciatura Como uma instituição chinesa de ensino superior que tem o curso de
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18 em 2013 e 26 em 2014, 30 (47% do total) foram contratados pelas empresas, nomeadamente companhias de responsabilidade limitada, que têm tido relações de cooperação com os países de língua oficial portuguesa, tais como Companhia de Tecnologia Huawei, Ltda., a Companhia de Telecomunicação ZTE, Ltda., a Companhia de Tecnologia de Internet Baidu (Beijing), Ltda., a Companhia de Alta Tecnologia FOSUN (Grupo), Ltda., a Corporação Três Gargantas da China, a Companhia de Construção de Estradas e Pontes da China, Ltda., a Companhia de Materiais de Construção da China, Ltda., a Companhia da Secretaria SINOHIDRO da China, Ltda., entre outras.
licenciatura em língua e literatura portuguesas desde a década 70 do século XX, a Universidade de Estudos Internacionais de Xangai tem admitido alunos anualmente desde 2003. Como se sabe, a entrada dos novos alunos no curso e a saída dos alunos da universidade depois da graduação formam uma circulação que se afetam uma à outra. Portanto, é importante analisar os dados relacionados com as principais saídas dos alunos e neste caso, fizemos uma recolha de dados de 2012 a 2014, para nos informar das necessidades do mercado de trabalho e nos preparar melhor, desta maneira, para formar uma nova geração de falantes de português. Principais Saídas dos Graduados entre 2012 e 2014 O esquema na página seguinte mostra bem as percentagens em relação às principais saídas dos nossos graduados: 1) Empresas Dentre os 64 alunos graduados entre 2012 e 2014, sendo 20 em 2012,
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É de destacar que dessas empresas, os que começaram mais cedo a instalar escritórios nos países de língua portuguesa escolheram geralmente o Brasil como destino, e depois os países africanos de língua oficial portuguesa como Angola e Moçambique, e mais tarde, Portugal. 2) Órgãos públicos Dos 64 alunos graduados analisados, 4 foram trabalhar como funcionários públicos, no Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, ou na Secretaria de Inspeção de Saída e Entrada no Território Chinês, ocupando 6% do número total dos graduados. 3) Entidades de serviço público Como Shanghai é uma cidade cosmopolita, o desenvolvimento económico e financeiro acompanha o aumento da procura dos que falam português em diversos ramos, tais como o banco, o mercado de bolsas e valores, entre outros. Ao mesmo tempo, os alunos de português também apreciam este tipo de trabalhos porque de um modo geral, ganha-se
melhor nesses ramos intimamente ligados à economia e finança. Portanto, 8 dos 64 graduados escolheram essas entidades de serviço público, ocupando 13% do número total dos graduados, com o principal destino ao Banco da China, à Companhia de Serviços Exteriores de Shanghai, Ltda., à Companhia de Bolsas e Valores Everbright, Ltda., e ao Escritório de Fiscalizadores de Deloitte. Vale muita pena referir que o Escritório de Fiscalizadores de Deloitte, único emprego que não exige o domínio de português, mas sim, conhecimentos de contabilidade e bom domínio de inglês, é apreciado pelos alunos de português também, porque os alunos de português da SISU dominam bem a língua inglesa e o trabalho é muito bem pago. Nota-se também que a Companhia de Serviços Exteriores de Shanghai, Ltda. é uma saída preferida dos alunos, porque é através dessa companhia que os alunos podem ser
Do chinês ao português que distância vai
graduados que estão no chat em grupo participaram no inquérito. O inquérito começa com a divisão dos informantes em 2 grupos, os que trabalham com português e os que não. 60 informantes (59%) responderam que sim e 41 (41%) responderam que não. Dos 41 que não trabalham com português, 20 (49%) querem encontrar um emprego que tenha a ver com o português enquanto que 1 (2%) não quer e 20 (49%) não mostram grande vontade.
(Fonte: Secratariado de Apoio aos Estudantes, Faculdade de Estudos Europeus e LatinoAmericanos, Universidade de Estudos Internacionais de Xangai, 2014)
contratados pelos consulados, neste caso nosso, pelo Consulado-Geral de Portugal em Xangai e pelo Consulado-Geral do Brasil em Xangai.
paração para o futuro emprego. Assim, 23% dos 64 alunos em análise continuaram com o estudo, ou em português, ou em inglês.
4) Mestrado e ida ao estrangeiro
5) Emprego livre
Há sempre quem quer continuar a estudar, por exemplo, o português e também o inglês, ou outros cursos como a arte, a economia, entre outros.
Não é de estranhar que 7 (11%) dos alunos analisados optaram pelo emprego livre se estivermos cientes da grande procura do mercado de trabalho em relação aos intérpretes de português-chinês. Por exemplo, a Feira de Cantão, realizada todos os anos em abril e outubro; a Feira de Alimento de Xangai, realizada anualmente em abril e novembro; e as visitas regulares e irregulares dos brasileiros, angolanos e portugueses a Xangai.
Como a SISU tem o curso de mestrado em português e oferece uma vaga de entrada com um exame especial destinado exclusivamente aos alunos do quarto ano da Universidade e de outras universidades chinesas, todos os anos admite 1 aluno para o mestrado. Além disso, apetece aos alunos de português escolher Portugal ou Macau como destino para frequentar o curso de mestrado, nomeadamente a Universidade Nova de Lisboa, a Universidade de Coimbra e a Universidade de Macau. No entanto, há um pequeno número de alunos que opta pelos Estados Unidos, visto que consideram o país um bom local de pre-
Inquérito com Licenciados Em novembro de 2016, fez-se um inquérito com os licenciados em Português da SISU, que se encontram no chat em grupo dos alunos de Português da SISU, o qual conta com cerca de 200 alunos, 110 já graduados e cerca de 90 que ainda estão a tirar o curso. 101 licenciados entregaram o inquérito, quer dizer, quase 92% dos
Dos 60 que trabalham com português, 41 (68%) acham que o português aprendido na SISU ajuda muito o trabalho ao mesmo tempo que 19 (32%) acham que ajuda. Em comparação com os graduados de português de outras instituições, 26 (43%) acham que os próprios são muito melhores e 32 (53%) acham que são um pouco melhores. No entanto, 1 (2%) acha que não é nada melhor e 1 (2%) acha que não há possibilidade de comparação. Em consideração com as experiências de trabalho, 69 (68%) consideram que o curso de português da SISU deve dar mais atenção ao ensino de expressão oral, 51 (51%) escolheram o ensino de compreensão oral, 34 (34%) escolheram o ensino de cultura e uma pequena parte dos informantes escolheu o ensino de leitura, de língua, comércio exterior, etc. Um informante especificou que durante os 4 anos de estudo na universidade, os professores deveriam dar mais trabalhos aos alunos e ensinar mais, porque depois de começar a trabalhar, descobriu que não tinha aprendido muito na universidade. Em relação à disciplina de tradução, 11 informantes acham que os pro-
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fessores deveriam tornar as aulas palestras, com as próprias experiências, 40 acham que os alunos deveriam ter mais oportunidades de prática, e 14 acham que os alunos deveriam obter mais conhecimentos de todas as áreas. E se conseguissem ir ao estrangeiro para escolher um curso durante a licenciatura, 66 (65%) escolheram o curso de economia, 59 (58%) escolheram a gestão, apenas 17 (17%) escolheram a língua e a cultura e uma pequena parte dos informantes escolheu a arte, o cinema e o design. Curso opcional em 4 escolas secundárias e primárias de Xangai Começo Em setembro de 2014, abrimos o curso opcional em português em 3 escolas secundárias e 1 primária de Xangai, ao abrigo de um protocolo assinado entre a SISU e a Secretaria da Educação de Xangai, para promover a língua portuguesa e outras línguas minoritárias como italiano, grego, hebraico. Neste momento, contamos com 4 escolas secundárias e 1 primária que organizam o curso opcional com o nosso apoio. De facto, essas escolas servem como base de estágio dos nossos alunos de mestrado. Material Didático
Futuro
Considerações Finais
Os alunos secundários e primários têm as próprias características, diferentes dos universitários. Além disso, a carga horária das escolas secundárias e primárias também é muito menos do que a universidade. Por isso, é necessário preparar o material didático destinado a esse grupo de alunos e a Secretaria da Educação de Xangai apoia plenamente a publicação do material didático. Eis uma unidade que estamos a preparar:
A ideia era formar um grupo de alunos que comecem a aprender português a partir do 5o ou 6o ano. Com cerca de 10 anos de aprendizagem, embora com uma carga horária reduzida, esse grupo de alunos poderia entrar na SISU com um nível razoável de português, o que possibilitaria a colocação dos mesmos num curso avançado de tradução, como por exemplo.
Resumindo, a distância existe, e vai existir, porque depende de muitos fatores, dos alunos, dos docentes, dos organizadores de curso, das autoridades institucionais, até dos governos. Estamos a enfrentar dificuldades, desafios e mesmo frustrações. No entanto, creio que, com os nossos esforços conjuntos, devagar, vamos fazer o que devemos fazer e temos de fazer, para diminuir essa distância, para que as duas línguas se aproximem, que se encontrem.
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A China em Português Keila Cândido Mestranda em Relações Internacionais na Universidade Fudan, em Shanghai. Trabalhou durante três anos como editora no departamento de Português da Agência Xinhua, e antes foi repórter de diversas revistas no Brasil incluindo as revistas Isto É Dinheiro e ÉPOCA. Não apenas a posição geográfica no mapa separa a China dos países lusófonos. A cultura e a língua tão diferentes também os distanciam. Há anos, aproximar esses povos tem sido a missão de quem usa a língua e a informação diariamente para contar histórias e desmistificar o que há em cada um dos lados. Na China, quem faz o trabalho de reportar o gigante asiático em língua portuguesa para a lusofonia são os principais veículos de comunicação estatais: a Agência de Notícias Xinhua (ou Nova China), porta-voz do governo chinês; a Rádio Internacional da China (China Radio International, ou CRI, na sigla em inglês), e o jornal do Partido Comunista da China, o Diário do Povo. No departamento de Português da Xinhua (新华社), todos os dias, doze pessoas fazem o trabalho de tradução, revisão e publicação de reportagens escritas pelos jornalistas chineses em Mandarim. Além do Português, a Xinhua oferece o serviço em Inglês, Espanhol, Árabe, Russo e Francês. O serviço de notícias no idioma existe desde 1995, quando a equipe de jornalistas ainda era baseada no México. Nos anos 2000, foi transferido para a cidade do Rio de Janeiro, no Brasil, e apenas em 2005, foi levado para a sede da Xinhua, em Beijing. Desde então, cerca de 20 chineses fluentes no idioma trabalharam no departamento. Cada novo integrante da equipe passa por um treinamento para aperfeiçoar a língua e também para saber sobre quais assuntos podem ser escritos, além de aprender sobre as
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políticas do governo e como deve ser a abordagem das reportagens. Desde o ano passado, a tarefa da equipe é de não somente traduzir, mas também produzir conteúdo para novas mídias. Essa é uma tentativa de aumentar o alcance de sua audiência ao diversificar a cobertura com vídeos e fotos. Rafael Lima, brasileiro que trabalha há dois anos na agência, foi o primeiro a participar de um evento organizado pelo governo chinês que permitiu que especialistas estrangeiros que trabalham para os veículos do governo chinês fossem ao evento. A ocasião era o Fórum Cinturão e Rota, evento que apresentaria oficialmente ao mundo o projeto chinês de integração com a Ásia, África e Europa. Para Lima, “a participação de estrangeiros no Fórum do Cinturão e Rota mostra que a China está aberta e que busca se comunicar com os países de forma mais adequada e
personalizada”. “Ainda existe uma dificuldade muito grande de comunicação entre a China e o mundo, e vice-versa”, disse Lima. Todas as manhãs, os editores de cada departamento da empresa se reúnem para receber orientações enviadas pelo governo sobre quais notícias devem ser obrigatoriamente publicadas. Como porta-voz dos discursos do presidente Xi Jinping e do governo, o desafio é garantir que a tradução do Inglês ou Mandarim para o Português seja a mais fiel possível para que não haja má interpretação da mensagem passada. Cada texto traduzido passa pelo olhar de vários editores e de pelo menos um especialista brasileiro. Mas, na tentativa de manter a fidelidade ao texto original, a tradução algumas vezes sai literal demais. Em 2016, a Xinhua passou a fazer vídeos em Inglês sobre os avanços
Print screen da versão online em português do jornal “Diário do Povo”, em 27-02-2018 (www.portuguese.people.com.cn).
A China em Português
da China. Projetos como Cinturão e Rota, combate à pobreza, coberturas especiais de eventos importantes como a Cúpula do BRICS (grupo que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) chegaram até os leitores por meio de novas plataformas. A página online em Português da Xinhua, inaugurada em 2016, ainda tem conteúdo limitado, mas também tem a ambição de oferecer reportagens diversificadas. O departamento de Português é pequeno em relação ao dos outros idiomas, o que explica a produção reduzida de matérias autorais. A equipe, que conta com dois profissionais brasileiros, receberá mais dois integrantes para fazer o trabalho de revisão. As páginas nas redes sociais são administradas no Brasil. Quem ouve o noticiário da Rádio Internacional da China (ou CRI, na sigla em inglês) percebe que o sotaque dos locutores é bem brasileiro. Isso porque a equipe é formada por três brasileiros que atuam como editores e locutores e 24 chineses falantes de Português. A escolha da língua do Brasil não tem uma razão específica, e, no passado já houve até mistura de sotaques. Desde 1960, a CRI transmite informações em 65 idiomas. A rádio é uma grande disseminadora de informações e é tanto portavoz do governo como do Partido Comunista, e ainda abre espaço para conteúdo sobre lusófonos que moram na China. Há vídeos de culinária brasileira, eventos internacionais como feira de negócios e cobertura de eventos internacionais. Há também entrevistas com sinólogos e embaixadores. O programa Sala de Visitas traz entrevistas com brasileiros e portugueses que moram no gigante asiático, que contam suas histórias e interesse em morar no país. “A China e o mundo lusó-
Print screen da versão online em português da agência de notícias “Xinhua”, em 27-02-2018 (www.portuguese.xinhuanet.com).
fono têm culturas bem diferentes. O principal desafio é apresentar as realidades e publicar as notícias de forma que os lusófonos possam compreender”, disse a chefe do departamento, 吴一尘, ou Catarina. A rádio produz conteúdo em vídeo, áudio, foto e texto, que são publicados no site, Facebook e Wechat. O jornal do Partido Comunista, o Diário do Povo (人民日服), existe desde antes mesmo da fundação da República Pública Popular da China. Fundado em 1948, hoje noticia em 16 idiomas. A versão em Português online foi lançada em janeiro 2015. O Diário do Povo não se restringe a informações sobre política e relacionadas ao Partido. A publicação também produz reportagens sobre negócios, turismo, esportes, sociedade, educação, cultura e ciência. A equipe é relativamente pequena: são dois portugueses e quatro chineses. De acordo com o editorchefe Lu Yang, a empresa tem um plano de aumentar a quantidade de chineses na equipe. Andreia Carvalho, portuguesa de Braga, que estudou mandarim em Macau, não
apenas edita as matérias, mas também faz vídeos sobre eventos que acontecem na China que são publicados em redes sociais como Weibo, Facebook, Twitter, Wechat, Youtube. “É preciso produzir mais e conteúdo para a lusofonia, fatos da China que sejam parecidos com os nossos ou até mesmo estar com as comunidades lusófonas e ver o seu ponto de vista sobre a China”, disse Andreia. Outra forma de conhecer a China em Português é pela leitura da revista China Hoje, a versão da China Today, que desde junho de 2015 passou a ser vendida no Brasil. A edição brasileira tem 10 mil exemplares e é produzida para o público leitor brasileiro em parceria com a Editora Segmento e a Go East Brasil. A China Today tem versão em chinês, inglês, francês, árabe, espanhol, alemão, turco, e é uma publicação do China International Publishing Group (CIPG), fundado em 1949, com sede em Beijing. Por se tratarem de veículos de comunicação do governo chinês, é possível
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verno que os ministérios colaborem e aceitem conversar com os jornalistas. “É muito difícil tentar escrever sobre um assunto, mas o outro lado não quer falar”, disse. “Eles acham que falar com a imprensa é sempre ruim. E, na verdade, não é.”
Print screen da versão online em português da “Rádio Internacional da China”, em 27-02-2018 (http://portuguese.cri.cn).
notar que a abordagem nas reportagens é sempre positiva em relação à China e à estratégia de governança do país, liderado por Xi Jinping. Em 2016, o presidente fez uma visita às empresas de comunicação do país e pediu aos jornalistas que fossem “fieis às ideias do Partido”. No último ano, a liderança da China da “nova era” percebeu que o país precisa se comunicar melhor com o mundo, mostrar os avanços alcançados nos últimos anos, de uma grande nação que se mostrou capaz de avançar saindo da dura realidade de um país pobre e rural há quase quarenta anos, para a chegar à posição de segunda maior economia do mundo. Na tentativa de melhorar a forma como a China é vista, a agência Xinhua tem aumentado seu serviço de notícias internacional, com a expansão das equipes de especialistas estrangeiros, e diversificado a produção de conteúdo com a publicação de vídeos e cobertura em eventos importantes organizados pelo governo, como o Fórum Cinturão e Rota, a Cúpula do BRICS em Xiamen e o Congresso Nacional do Partido Comunista. Para entender o que precisa ser mudado e melhorado na oferta de conteúdo, a agância Xinhua convi-
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dou, em janeiro desde ano, correspondentes estrangeiros que trabalham no país para dar sugestões sobre como a agência poderia melhorar seus serviços. “A China tem tomado ações pró-ativas, levando seus funcionários estrangeiros para divulgar a voz da China de forma que o mundo entenda melhor o caminho chinês”, disse Lima, que trabalha na Xinhua. Os correspondentes estrangeiros, que também traduzem a China para o Português, vêem a necessidade de o país colaborar para que ele mesmo seja entendido de forma mais clara. Porta-vozes do governo deveriam aceitar pedidos de entrevista, por exemplo. Vivian Oswald que está no país há dois anos como correspondente brasileira para o Grupo Globo, que inclui a Rádio CBN, o jornal O Globo, o jornal Valor Econômico, a revista ÉPOCA, é crítica à forma como a China se comunica com o mundo. De acordo com a jornalista, os correspondentes estrangeiros têm muita dificuldade para alcançar membros do governo para saber o “outro lado da história”. Essa é uma crítica comum entre repórteres na China. O que a jornalista tem feito de maneira constante é pedir aos representantes do go-
Vivian é a única jornalista brasileira credenciada no país para realizar o trabalho. A falta de maior presença da mídia do país sul-americano na China, mesmo as duas nações sendo tão importantes do ponto de vista commercial uma para a outra, e também tendo uma boa relação diplomática, se deve, na opinião da jornalista, à falta de verba das empresas no Brasil. “Manter um correspondente na China é muito caro”, diz. Além da jornalista brasileira, que manda notícias para o Brasil, João Pimenta que está na China há oito anos, representa a agência Lusa, de Portugal, presente no país desde 1987. Antes de ser correspondente na agência portuguesa, trabalhou como editor e locutor na Rádio Internacional da China. “Eu aprendi muito sobre como a China funciona por dentro, em um ambiente mais politizado, e como as mensagens são transmitidas”, conta. Como correspondente internacional, “ele tem uma vida difícil”, apesar de nunca ter sido perseguido mesmo tendo feito trabalhos considerados sensíveis, como contar a história de católicos no país, e ter feito uma reportagem na fronteira com a Coreia do Norte. O acesso às pessoas, em geral, é algo mencionado por Pimenta como um fator que dificulta seu trabalho em mostrar a China. Ele atribui isso ao fato de que há um aspecto cultural forte ligado à maneira como as pessoas vêem a imprensa, e por isso não há a abertura para conceder entrevistas, mesmo quando o assunto é leve, ou seja, que não há qualquer crítica ou ponto negativo.
A China em Português
A mídia chinesa, focada em falar sobre os projetos do governo, avanços alcançados, metas e planos, deixa de falar sobre temas relevantes para a sociedade. Muitas vezes, assuntos que surgem nas redes sociais e que poderiam ser explorados nos jornais chineses, ficam restritos a opiniões nas plataformas. O debate nas redes é uma evidência de que a população quer discutir sobre esses temas. Mas Pimenta reconhece que há uma parte da imprensa chinesa que faz um bom trabalho jornalístico. “Não dá para dizer que na China não há um bom trabalho jornalístico ou que a imprensa só fala de temas relacionados ao governo”, disse, acrescentando que muitas vezes ele pega referências para seu trabalho em textos produzidos por colegas chineses.
Print screen da versão online em português da revista “China Hoje”, em 17-05-2018 (www.chinahoje.net).
Por um lado, existe a mídia chinesa que quer aproximar a China dos países lusófonos e, de outro, os correspondentes que desejam traduzir para os seus países os acontecimen-
tos, a cultura e a beleza desse gigante asiático. Para diminuir a distância entre a lusofonia e a China é necessário que os dois lados cooperem, e há muito o que explorar.
A arte como uma metáfora para o auto-cultivo: Uma perspectiva intercultural da relação do artista com a matéria Caroline Pires Ting 丁小雨 Pesquisadora-Júnior do Real Gabinete Português de Leitura Bolsista do Instituto Internacional de Macau Doutoranda em História e Crítica da Arte (Instituto de Artes, Uerj) Mestre em Artes, Estética e Literaturas Comparadas – Paris 7 – Cité-Sorbonne
No slogan de Confúcio “mas éticas evidenciam-se nas formas estéticas? Confúcio aborda a questão do desenvolvimento artístico (especialmente poesia e música), enfatizando sua importância no processo de cultivo moral ou tornar-se junzi 君 子 (jūnzǐ), uma pessoa exemplar Eric C. Mullis, em seu artigo intitulado The ethics of Confucian artistry (A ética da arte confucionista), observa: practicing an art is necessarily a moral affair as it entails transforming the self, finding a place within a tradition, and otherwise entering into significant relationships with others. (praticar uma arte é necessariamente um assunto moral, pois implica transformar o eu, encontrar um lugar dentro de uma tradição e, de outra forma, entrar em relações significativas com os demais1). Que impacto, na China, a filosofia exerceu sobre a prática artística? Uma vez que Confúcio adota a noção de humanismo a ser emulado através da observância de
códigos sociais, interessa-nos uma abordagem de como esses mesmos códigos dão origem a valores estéticos. Muitos estudos já exploraram esta questão sobre a ontologia da música e da poesia. No campo das artes visuais, a caligrafia e a pintura também foram usadas para ilustrar os ideais confucionistas de humanidade. Nós aqui buscamos prosseguir o tema utilizando o processo escultural como um meio de expandir a discussão entre artes e rituais, que permeia tanto aspectos morais quanto religiosos da sociedade. Em seguida, abordaremos a visão estética Ocidental, discutindo alguns paralelos importantes que ainda não receberam apreciação. Embora não tratando das artes, Daniel Blakeley (1996). mostrou analogias entre “duas figuras principais nas tradições neoplatônicas e neoconfucionistas: Plotino (205-270) e Chu Hsi (Zhu Xi, 11301200)”. Ele nota que, nesses dois “leading contributors to their respective traditions […] a concern about self-cultivation is common and central to both thinkers” (“prin-
cipais contribuintes para suas respectivas tradições [...], uma preocupação com o auto-cultivo é comum e central para ambos pensadores2”). Blakeley também observa que esse assunto abriu possibilidades para uma maior exploração acadêmica: Since the connections between the Neoplatonic position of Plotinus and the Neo-Confucian position of Chu Hsi have received little attention, evidence and similarities should encourage a more extensive “dialogical interchange and exploration” between these two world philosophies. Such an exercise in comparative philosophy between traditions whose opportunities to meet have only recently been realized can perhaps serve to liven up the interpretive, conceptual, and systematic appreciation of these past philosophical achievements in ways that have not occurred within either tradition. (Uma vez que as conexões entre a posição neoplatônica de Plotino
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Em artigo disponível em http://www.queens.edu/Documents/Ethics%20and%20Religion/CalligRev.pdf.
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BLAKELEY, Daniel. Cultivation of Self in Chu Hsi and Plotinus. Journal of Chinese Philosophy 23 (1996) 385-413.
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e a posição neoconfucionista de Chu Hsi receberam pouca atenção, evidências e semelhanças devem encorajar “intercâmbio e exploração dialógica” mais extensos entre essas duas filosofias. Tal exercício de filosofia comparativa entre tradições, cujas oportunidades de encontro apenas recentemente se realizou, talvez possa servir para animar a apreciação interpretativa, conceitual e sistemática dessas conquistas filosóficas passadas de formas que não ocorreram em nenhuma das tradições). (BLAKELEY, 1996: 385413) Podemos comparar as implicações dos significados entre as artes ocidentais e orientais, construindo uma ponte entre a dinâmica inter-histórica? Lo Ping-Cheung afirma: “muitas vezes diz-se que a Grécia antiga, o período Clássico em particular (aproximadamente o quinto e o quarto século AEC), era o berço da civilização ocidental. O mesmo pode ser dito a respeito do período dos Reinos Combatentes (475-221 AEC) para a civilização chinesa3”. Este artigo chama atenção para um tipo particular de arte, que ainda não foi estudado conjuntamente: imagens esculpidas em jade ou em mármore a partir de uma perspectiva transcultural. Como as qualidades materiais da substância tornam-se semanticamente carregadas ao longo do processo de criação artística? Uma metáfora para o processo de auto-aprimoramento como gesto análogo ao ato de polimento é en-
contrada no ensinamento de Confúcio: “Como uma coisa é cortada e preenchida” (Analetos, 論語ou 论语 LúnYǔ, 1:15) refere-se à busca da aprendizagem. Ou, “Como uma coisa é esculpida e polida” refere-se ao auto-cultivo4. Em outra obra confucionista, a Doutrina do Meio, o Mestre afirma: “Não há nada mais visível do que o secreto e nada mais manifesto do que o pequeno. Portanto, o homem superior é vigilante de si mesmo quando está sozinho5”. (中庸 Zhōngyōng, 1: 3) Também Xunzi 荀子 compara o extenso polimento exigido por “pérolas e jades” para brilhar no exterior com a necessidade humana de refinamento, a fim de revelar sua beleza interior. Assim, o “brilho” das pedras é usado como metáfora para qualidades humanas, como “decência” e “justiça”: “Pois, se o sol e a lua não fossem altos, seu brilho não seria glorioso. Se a água ou o fogo não forem reunidos em grande quantidade, seu brilho não será extensivo. Se as pérolas e o jade não brilhassem no exterior, os reis e os duques não os considerariam preciosos. Se a decência e a justiça não forem aplicadas no país, suas realizações e fama não brilhariam6”. (Apud. CHAN, 1963: 121-122) José Vicente Jorge, sinólogo macaense e autor de Notas sobre a arte chinesa, o primeiro livro sobre este assunto escrito em língua portuguesa, explica que “Os objectos destinados ao culto religioso eram
também feitos de jade e as suas formas determinadas pela ideia que se fazia da astronomia e geometria. O quadrado e o círculo, com as suas variações, a esfera celeste e o mundo quadrado eram a base dos primitivos desenhos em jade”. (JORGE, 1995: 107) Adicionalmente, Jorge lembra que, “A letra chinesa designativa do jade é 玉 (Yü), que é uma letra pictórica. Os três traços horizontais representam três barretas de jade e o vertical o cordel que as liga”. (JORGE, 1995: 106) Um bom artesão de mármore ou de jade sabe esculpir a pedra bruta trabalhando em sulcos naturais. Essas linhas internas tornaram-se um paralelo da organização social, no sentido que as pessoas encontrariam harmonia 和 (hé) procedendo de acordo com a lei natural e a observância aos ritos. Isso se relaciona com a concepção central confucionista de 仁 (rén), virtude humana, como Huang Yong reporta-nos ao contexto em que o termo 儒 (rú) aparece pela primeira vez: “Confúcio instruia seus alunos a serem superiores 儒 (rú): 君子 儒 (jūnzǐrú) em vez de inferior 儒 (rú): 小 人 儒 (xiǎorénrú)” (Analetos 6,13). Por isso, em outro artigo intitulado Carrying the Jade Tablet: A Consideration of Confucian Artistry (Levando a tábua de jade: uma análise sobre arte confucionista), Mullis explica como as ações tornam-se “cada vez mais significativas quando crescem e expressam o rico contexto social fornecido pelo 礼 (lǐ) [ritual]7”:
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Capítulo 1: “Varieties of statecraft and warfare ethics in early China: an overview”. In: LO Ping-Cheung, TWISS, Sumner B. Chinese Just War Ethics: Origin, Development, and Dissent. [S.l.]: ROUTLEDGE, 2017, p. 3.
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CHAN, Wing-Tsit (Ed.). A Sourcebook in Chinese Philosophy. Princeton: PUP, 1963, p. 88.
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Disponpivel em http://nothingistic.org/library/confucius/mean/mean01.html. Acesso em 9 de setembro de 2017.
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CHAN, Wing-Tsit (ed.). A Sourcebook in Chinese Philosophy. Princeton: PUP, 1963, pp. 121-122.
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“increasingly significant when it grows out of and expresses the rich social context provided by the 礼 (lǐ) [ritual]”. (MULLIS, 2005)
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The jade tablet carried by Confucius, because of its long history of religious and political usage, was already a culturally significant artifact, as jade had been used in rituals as early as the Neolithic age and had been exchanged by rulers and officials as early as the early Shang. A tabuleta de jade de Confúcio, devido à sua longa história de uso religioso e político, já era um artefato culturalmente significante, já que jade era usada em rituais já na era Neolítica e trocada por governantes e autoridades desde o início da dinastia Shang. (MULLIS, 2005) Além disso, prof. Huang Yong explica, é “nas dinastias Song e Ming (e também na dinastia Qing) que, como um todo, a aprendizagem de 理 (lǐ), ou princípio [...] torna-se a ideia central8“. ( YONG, 2008: 42): it is with the Chengs that it [li] not only obtains, for the first time, the central place in a philosophical system; it is also regarded as the ultimate reality in the universe. Thus, Cheng Hao claimed that “ten thousand things all have li, and it is easy to follow it but difficult to go against it” (Cheng and Cheng 1988, 123). Cheng Yi stated more clearly about the ontological primacy of li: “Only because there actually is li can there actually be a thing; only because there actually is a thing, can actually be a function”.
É com os Chengs que [li] não somente obtém, pela primeira vez, o lugar central em um sistema filosófico, mas também é considerado a realidade definitiva no universo. Assim, Cheng Hao afirmou que “dez mil coisas têm li, e é fácil segui-lo, mas é difícil ir contra ele” (Cheng e Cheng 1988, 123). Cheng Yi afirmou mais claramente sobre a primazia ontológica de li: “Somente porque li existe, pode realmente haver uma coisa; somente porque existe uma coisa, pode haver uma função.” (CHENG e CHENG 1988, 1160) Ambas civilizações antigas, Grécia e China sustentavam a crença comum de que o princípio de algo já estava contida na matéria, desejando ser liberado. Como o diamante ou a madeira, o jade e o mármore só podem ser cortados de acordo com o grão da pedra, caso contrário, serão perdidos. Devemos ver como esse pensamento foi cristalizado em algumas das mais representativas obras de arte que seguem tais tradições. Por exemplo, encontramos, em textos filosóficos chineses, várias imagens que pertencem a uma gama de ferramentas artesanais, afirma o prof. Wim De Reu. Essas imagens incluem “a bússola 规 (guī), o quadrado 矩 (jǔ), a balança 埻 (zhǔn) e a corda 绳 (sheng)”. De Reu explica usando uma passagem de Mozi (7.1 44 1-4) que “o julgamento é compreendido e falado em termos de artesanato” (“judging is understood
and spoken in terms of the crafts9”). Embora referindo-se a Mozi, essas imagens nos permitem entender como o modo de pensamento chinês opera. Wim De Reu também explica a filosofia de Zhuangzi analisando a metáfora do torno do oleiro. Ele demonstra que esta é uma das imagens centrais nos principais capítulos de Zhuangzi, texto “famoso por suas imagens e filosofia narrativa10”. Junto a duas imagens cognatas, a roda do oleiro “não aparece apenas em algumas passagens cruciais, mas também nos permite integrar uma variedade de tópicos aparentemente independentes” (“not only appears in some crucial passages, but also allows us to integrate a variety of seemingly independent topics11 ”). De Reu argumenta que imagens concretas, como ferramentas artesanais, podem fornecer pistas importantes para a interpretação de textos filosóficos. Aproveitando a análise de De Reu sobre a metáfora de Zhuangzi, compreendemos como imagens poéticas permeiam a estrutura do pensamento chinês em um sentido mais amplo. As metáforas fornecem um quadro fundamental no qual operam os conceitos: “a análise da metáfora constitui, pois, um método chave para acessar escritos filosóficos “Metaphor analysis thus constitutes a key method to gain access to philosophical writings12. (DE REU, 2010:43) Por essas qualidades, esta escrita filosófica permite acessar o pensa-
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In the Song and Ming dynasties (and sometimes the Qing dynasty is added) as a whole is often called the learning of li, or principle […] that 理 (lǐ) “becomes the central idea”. In: Confucius: Eternal Sage, Chapter 1: Confucius in Historical Perspective, Publisher: Long River Press, Editors: Zu-yan Che, p.43. Huang, Yong. (2008). Editor’s Word. Dao-a Journal of Comparative Philosophy. 7. 1-3. 10.1007/s11712-008-9033-5.
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Id., p. 44, paragraph 2.
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Id. Introduction.
11
DE REU, Wim. How to Throw a Pot: The Centrality of the Potter’s Wheel in the Zhuangzi. Asian Philosophy. Vol. 20, No. 1, March 2010, p. 43.
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Id. Introduction.
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mento chinês. Centrado em torno de uma concepção muito singular do universo, este modo de refletir o mundo exerce influência desde tempos imemoriais, como escreve o professor André Bueno (2004). Esta concepção, ele remarca, está presente em todos os campos do conhecimento. Pessoas de diferentes classes sociais, como eruditos e camponeses, compartilham uma visão de mundo semelhante. No entanto, as nuances de como essas idéias operam merecem um maior escrutínio. Para entender como essa visão de mundo está incorporada na maneira particular que um artista chinês produz sua arte, precisamos compreender sua relação com seu objeto de trabalho: a matéria. (BUENO, 2004) Como relatou prof. Bueno (2004), “houve um grande trabalho filosófico no final da Dinastia Zhou e durante a época Han (um período extenso, que vai do século VI a.C. ao III d.C.) para resgatar e traduzir as concepções cosmológicas dos antigos chineses, que seriam a base pela qual o artista compreenderia seu trabalho – de um ordenador da matéria, um agente transformador da essência que está contida em toda substância bruta. Esta cosmologia afirmava que tudo no universo possuía um princípio: 理 (lǐ), também traduzido como “forma” ou “estrutura”. Podemos considerá-lo o arquétipo gerador (BUENO, 2014). Feng Youlang define que “este é o significado da palavra Supremo, tal como usado na seguinte passagem dos Analetos (94.11): Para cada coisa ou objeto, existe um Supremo, que é o Princípio normativo (dessa coisa ou objeto) e é a sua forma máxima
(YOULAN, 1953, v. 2: 53713”). Youlang considera 理 lǐ equivalente à platônica Idéia das formas: The Supreme Ultimate is very much like what Plato called the Idea of the Good, or what Aristotle called God. That the Supreme Ultimate is thus made up of the Principles for all things in the universe, as brought together into a single whole, means that all Principles are complete within it. O Supremo é muito parecido com o que Platão chamou de Ideia do Bom, ou o que Aristóteles chamou de Deus. Que o Supremo seja assim constituído pelos Princípios para todas as coisas no universo, como reunidos em um único todo, significa que todos os Princípios estão inteiramente nele contidos. (Ibid. YOULAN, 1953, v. 2: 537) Ziporyn escreve sobre as dificuldades em traduzir o termo “Li” em um único conceito, devido à multiplicidade de significados que esta palavra abrange. No entanto, ele nos lembra que o primeiro dicionário chinês, o Shuōwén Jiězì 說文解字, define o termo simplesmente como “tratar jade”: 治 玉 也 (zhìyùyě) (ZIPORYN, 2008: 8) . Ele enfatiza os significados desta terminologia: The implication is that Li here means “to cut and divide in a way which is consistent with a particular human value.” One cuts away pieces from a raw piece of jade in order to make it serve as a ritual implement or to attract a human buyer. Thus the raw jade material must be reorganized to form a whole that also necessarily cohe-
res with some human desires or purposes. A implicação é que Li aqui significa “cortar e dividir de uma maneira que seja consistente com um valor humano particular”. Alguém corta peças de um pedaço de jade bruta para que esta sirva como um instrumento ritual ou para atrair um comprador. Assim, o material de jade bruta deve ser reorganizado para formar um todo que também seja necessariamente coerente com desejos ou propósitos humanos. (ZIPORYN, 2008: 8) Como já mencionado, neste estudo, prestaremos atenção aos pensadores neoconfucionistas, especialmente a chamada Escola do Princípio (理学 lǐxué). Foi justamente de uma escola de pensamento neoconfucionista rival a esta, a Escola da Mente 心 学 (xīnxué), que o poeta simbolista português Camilo Pessanha recolhe versos a traduzir, sendo o mais conhecido poeta, dentre aqueles por Pessanha traduzidos em suas Oito Elegias Chinesas, é Wang YangMing – famoso principalmente por seus escritos filosóficos. Cheng Chung-yi explica a principal preocupação da filosofia neoconfucionista Song-Ming: “uma investigação existencial humana, ou seja, o problema do auto-cultivo” (CHENG, 2010: 337). Sobre esse termo, Brook Ziporyn afirma: [The term Li] came into prominence as the central metaphysical category [...] taking its decisive role on only in Cheng Yi’s thought, and further developed by Zhu Xi [...]. It is one of the handful of terms – along with Dao 道, De 德, Ming 命, Tian 天, Qi 氣,
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YOULAN, Feng. A History of Chinese Philosophy, trans. Derk Bodde (Princeton: Princeton University Press, 1953), vol. 2, p. 537.
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Assim, os antigos chineses acreditavam que o princípio de algo já estava contido na matéria, esper ando ser li berto. C omo o diamante, o jade só pode ser lapidado de acordo com os veios da pedra, senão será perdido. (BUENO, 2004)
翠玉白菜; pinyin: Cuìyù Báicài, Jadeite Cabbage with Insect in a cloisonné flowerpot, Unknown artist, 18.7 cm × 9.1 cm (7.4 in × 3.6 in), Qing dynasty (1644-1911). The National Palace Museum, Taipei. Image credit: photography by the authors.
Xing 性 and so forth – which must unquestionably be dealt with in some detail in any attempt to write a history of Chinese thought, and it is usually the one that presents the most problems. [O termo Li] entrou em proeminência como a categoria metafísica central [...] assumindo seu papel decisivo apenas no pensamento de Cheng Yi, e desenvolvido por Zhu Xi [...]. É um dos poucos termos – juntamente com Dao 道, De 德, Ming 命, Tian 天, Qi 氣, Xing 性 e assim por diante – o que certamente deve ser tratado em detalhes em qualquer tentativa de escrever uma história do pensamento chinês, e geralmente é o que apresenta maiores problemas. (ZIPORYN, 2008: 3) Bueno (2004) informa que o ideograma 理 (lǐ) é formado pela palavra “Jade” (玉 yù) unida à palavra “padrão” (里 lǐ). Padrão, mais tarde,
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para os neoconfucionistas, associaria-se a “Campo”, “Lugar”. O caractere epônimo 里 (lǐ), é representado por um campo arado, uma lavoura. A junção dos dois caracteres 玉 (yù) e 里 (lǐ) indica que o princípio 理 (lǐ) pode ser percebido pela imagem gerada pela pedra de jade 玉 (yù). (BUENO, 2004. Apud. WILDER & INGRAM, 1974: 114)
Léon Vandermeersch analisou comparativamente a forma como os pensamentos grego e chinês operam. De acordo com o sinólogo francês, a mente grega foi influenciada pelo espírito do oleiro, que modifica a massa amorfa de argila, moldada inteiramente de acordo com a ideia do artesão (embora observemos que outro curso também importante da estética grega aproxima-se do pensamento chinês). Vandermeerch explica que a mente chinesa foi marcada pelo espírito do lapidário, que testa a resistência do jade e usa sua habilidade para aproveitar as veias da pedra para extrair o que já existia dentro da matériaprima. Nenhuma forma escultural pode ser imaginada antes de ser “descoberta” ou “liberada” (VANDERMEERSCH, 1980: 285, t. II). Assim, a escultura de jade chinesa deve estar em consonância com as restrições de seus próprios materiais e acidentes naturais.
Da esquerda para a direita: o “Escravo que desperta”, o “Escravo jovem”, o “Escravo barbudo” e “Atlas”, de Michelangelo. “Michelangelo é famoso por dizer que ele trabalhou para libertar as formas presas no mármore. Ele viu seu trabalho simplesmente removendo o que era supérfluo”. Fonte: http://www.accademia.org/explore-museum/artworks/michelangelos-prisoners-slaves/
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Esse processo pode parecer trivial, mas há alguns aspectos que merecem ser explorados: a pedra bruta tem grande potencial transformativo. No entanto, precisa obedecer às condições dadas pela Natureza: o bloco não pode ser cinzelado de forma aleatória. Assim, a figura que será “liberada” terá limitações inerentes às veias do bloco. A escultura em pedra, como um processo subtrativo, faz necessária uma esquematização do que será esculpido pelo artista. Portanto, a abordagem estética de um artesão que cinzela um jade encontra um paralelo na arte de mármore. Não é por acaso que encontramos as famosas afirmações atribuídas a Michelangelo: “todo bloco de pedra possui uma estátua em seu interior e é tarefa do escultor descobri-la”, ou ainda “Eu vi o anjo no mármore e o esculpi até libertá-lo”. O artista visualiza uma escultura que certamente se encontra dentro do mármore. A historiadora italiana de arte, Cristina Luchinat, escreve sobre as alegorias do artista renascentista italiano: ‘If we bear in mind the poetic and incisive metaphors Michelangelo used to describe the figure that emerged from the marble like a body from water, and the superfluous material that flew away under the skilled hacking of the point and hammer, when we look at the drawings preserved in the Archive in the Casa Buonarroti showing the heaps of marble lying on the Tyrrhenian sandstone – little more than the dry recording of bureaucracy – by making the sculptor’s inner vision our own, we can picture in those simple contours of shapeless masses the figures described above, each one encapsulated in its own prison yet visible like
“straw in glass” or a “genie trapped inside a bottle”. “Se considerarmos as metáforas poéticas e incisivas que Michelangelo usou para descrever a figura que emerge do mármore como um corpo da água, e o material supérfluo extraído sob o hábil corte do cinzel e do martelo, quando olhamos os desenhos preservados nos arquivos da Casa Buonarroti mostrando os montes de mármore sobre o arenito Tirreno (...) ao fazer nossa a visão interna do escultor, podemos imaginar naqueles contornos simples de massas disformes das figuras acima apresentadas, cada uma encapsulada em sua própria prisão ainda visível como “canudo dentro de um vidro” ou um “gênio preso dentro de uma garrafa”. (LUCHINAT, 2010: 7-8) O trabalho criativo de Michelangelo recebe fortes influências do escola neoplatônica. Observemos as seguintes sentenças de Plotinus (c. 204/5 - 270): “Devemos fechar os olhos e invocar uma nova maneira de ver, uma vigília que é o direito de nascimento de todos nós, embora poucos o usem. Qual é, então, essa visão interior? Como qualquer um que acabou de acordar, a alma não pode olhar objetos brilhantes. Deve ser persuadida a olhar primeiro hábitos bonitos, e então as obras de beleza produzidas, não pela habilidade do artesão, mas pela virtude dos homens conhecidos pela sua bondade. Depois as almas daqueles que conseguem belas obras. “Como pode-se ver a beleza de uma alma boa?” Volte a si mesmo e olhe. Se você ainda não vê a beleza dentro de você,
faça o mesmo que o escultor de uma estátua a ser embelezada: ele corta aqui, ele a suaviza lá, ele torna esta linha mais clara, aquela mais pura, até que ele desengate belos lineamentos no mármore. Você, também, corte tudo o que é excessivo, endireite tudo o que é torto, traga luz para tudo o que está nublado, trabalhe para trazer todo o brilho da beleza. Nunca deixe de “trabalhar a estátua” até que sua luz brilhe sobre ela o brilho divino da virtude, até que você veja a “bondade perfeita” firmemente estabelecida no santuário inoxidável.” (Πλωτῖνος, Ennead, 1, 6, 9) (PLOTINUS; O’BRIEN, 1964: 42) A definição de Plotinus no caminho da criação pode ser comparada à de Pseudo-Dionísio (o Areopagita, 5º6º século EC): “Rezamos para que possamos chegar a esta Escuridão que está além da luz e, sem ver e sem saber, ver e conhecer o que está acima da visão e do conhecimento através da percepção de que, ao não ver e ao desconhecer, alcançamos a verdadeira visão e o conhecimento; e, portanto, louvar, essencialmente, isso que é essencial, pela transcendência de todas as coisas; mesmo como aqueles que, esculpindo uma estátua em mármore, abstraem ou removem todo o material circundante que dificulta a visão que o mármore esconde e, por essa abstração, traga à luz a beleza oculta. Διονύσιος ὁ Ἀρεωπαγίτης, A Teologia Mística e as Hierarquias Celestiais de Dionísio, o Areopagita, capítulo II: “A necessidade de unir-se e de louvar isso é a Causa de todos e acima de tudo.” (PSEUDO-DIONYSIUS, 1965: 12)
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Como é para a relação do artista ocidental com o mármore, o trabalho do artesão de jade chinês é orientado pelo tipo de material, possuindo energias 阴 yīn (etéreas) ou 阳 yáng (terrestres). Wu Weishan analisa as características e os estilos de oito principais tipos de escultura chinesa: ‘We can conclude that the spiritual feature of Chinese sculpture is the unification of the spirit, charm and energy. The spirit, as it is termed, should include three aspects: firstly, the essence of the subject’s inner spirit; secondly, the spirit of the sculptor, his mental activities and concentration in the course of creation; thirdly, the realm attained by the sculpture.’ “Podemos concluir que a característica espiritual da escultura chinesa é a unificação do espírito, do charme e da energia. O espírito, como se denomina, deve incluir três aspectos: em primeiro lugar, a essência do do sujeito; em segundo lugar, o espírito do escultor, suas atividades mentais e sua concentração no curso da criação; em terceiro lugar, o reino alcançado pela escultura.” (WU, 2008. p. 242) Como prof. Bueno (2004) explica, as veias indicam o princípio que existe no interior da matéria: Os veios mostram o princípio: ele está contido na pedra, é necessário manifestá-lo. Mas o que são os veios? Os veios são espaços vazios 空 (kōng) na pedra. É o nada que dá origem à forma. É o vazio que gera a matéria, é o nada que ordena o que existe. Como disse Laozi: “trinta raios unem um eixo, mas a utilidade da roda vem do vazio; queima-se barro para fazer um pote, mas a utilidade do pote vem do vazio; fazemse janelas e portas num quarto, mas a utilidade de um quarto vem do vazio” (DDJ, 11). Este vazio aparecerá, depois, em muitas pinturas chinesas; ele será o gerador da imagem presente no rolo de papel ou de seda. (Cheng, 2001)
Artista: Bi Chang, dinastia Qing (1644-1911). Data: fim do século 18, início do século 19. Álbum com dez folhas (oito pinturas e duas folhas de título); nanquim preto e colorido sobre papel. Álbum: 18 7/8 x 17 13/16 pol. (47,9 x 45,2 cm) Pintura (s): 15 5/8 x 6 pol. (39,7 x 15,2 cm). The Metropolitan Museum of Art, Nova York. Fonte: http://www.metmuseum.org/art/collection/search/51776?sortBy= Relevance&deptids=6&ft=China+painting+paper& offset=0&rpp=50&pos=9
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A arte como uma metáfora para o auto-cultivo: Uma perspectiva...
(demonstrar, revelar, manifestar). Wang Guowei explica que (豊) “se parece com a forma de dois pedaços de jade (_) em uma vasilha com pernas ou um tambor (_), e nos tempos antigos as pessoas usavam jades para executar ritos.” (Zang, 2016, p.4). Assim, é concedido à jade uma importância primordial em rituais, explica o autor. “No antigo pensamento chinês, jade poderia ser usada para comunicar-se com os espíritos. As jades eram colocadas dentro dos vasos rituais, e também penduradas nos xamãs, como ilustra o caracter para xamã, 巫 (wū), que retrata dois pedaços de jade verticalmente cruzados.” (ZANG, 2016: 4)
Jin Nong (1687–1763) Figuras e paisagens, 1759 Álbum de 12 folhas; nanquim preto e colorido sobre papel; 9 9/16 x 12 1/16 in. (24,3 x 30,7 cm) Museu do Palácio, Pequim
Em outras palavras, o vazio surge da utilidade do vazio (o que seria, então, no caso de o espaço vazio ser preenchido)? Existe vazio dentro e fora do recipiente; Existe matéria no vazio, e não o contrário; É o vazio que determina as formas e os contornos, porque sem o contraste (a oposição complementar) a forma não pode ser revelada. (BUENO, 2007) Este vazio aparecerá mais tarde novamente em muitas pinturas chinesas. Será o gerador da imagem presente em papel ou rolo de seda (CHENG, 2001). Portanto, o que François Cheng escreve sobre pintura vale para a escultura: “O vazio – a plenitude não aparece aqui meramente como uma opção de forma ou como técnica para criar profundi-
dade dentro do espaço. Vis-à-vis plenitude, o vazio é uma entidade viva. A força motriz de todas as coisas, é encontrada no cerne da plenitude, que infunde com respirações vitais. As conseqüências de sua ação são perturbar o desenvolvimento unidimensional, despertar a transformação interna e provocar movimentos circulares. Seria preciso uma concepção organicista original do universo para nos permitir apreender a realidade desse vazio. (CHENG, 1994: 65) Em 甲 骨 文 (jiǎgǔwén), escrita sobre ossos oráculos, outra forma do ideograma “jade” aparece como na parte superior do pictograma (mais tarde 豊), que é a forma original de Lǐ 禮 ou 礼 (etiqueta, cerimônia, ritual). A parte esquerda é o radical 礻 (shì) (culto), variação semântica de 示 (shì)
Shi Jiao explica que (_) foi simplificado como 曲 (no chinês moderno, literalmente, significa música 曲 (qǔ) ou curvado曲 (qū) e (_) foi simplificado como 豆 (dòu) (no chinês moderno significa literalmente grão14). Assim, podemos ver que o 豊 original era um “ideograma composto” ou “associativo”, que, como o próprio nome indica, são constituídos por caracteres simples reunidos. A saber, jade (曲 ), um importante material cerimonial e um tambor (豆), um instrumento cerimonial. Na época, o conceito de “ritual” incluía o próprio ritual e a música envolvida no evento. Junto com o desenvolvimento da sociedade e a padronização da língua chinesa e do seu sistema logográfico, cerca do período dos Reinos Combatentes (475-221 AEC), o radical 示 (shì), denotando “culto”, foi adicionado e depois a escrita clerical adotou a forma muito mais simples, 礼 (lǐ), que é usada hoje. André Bueno (2004) explica que a analogia da pedra de jade tem sido
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By Shi Jiao, Translated by Nick Angiers (CAN). Source: http://www.chinascenic.com/magazine/l-etiquette-300.html.
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utilizada pelos chineses para demonstrar que o vazio 空 (kōng) é o criador do princípio na matéria: “Houve a mutação suprema, houve a partida suprema, houve a gênese suprema, houve a suprema simplicidade; no momento da mutação suprema não se via a energia, o impulso supremo é a gênese da energia; esta gênese suprema foi o início da forma corporal, a simplicidade suprema foi a gênese da matéria” (LZ, 1). Assim, vazio e matéria (Qi, também chamado de energia, vapor) são oposições básicas e complementares, geradoras da dualidade universal que se estrutura pelo binômio taiji, composto por yang e yin. “O Grande Começo produziu o vazio, o cosmo, o Qi, o Yin e o Yang, e, finalmente, a forma material” (HNZ, 3). Estes dois termos representam idéias de oposição, sendo respectivamente: luminoso e obscuro, macho e fêmea, alto e baixo, fogo e água, etc. Tudo no universo tem seu oposto. Se não o tiver, não existe. Por yang e yin tudo se manifesta. Só existe matéria por causa do vazio e viceversa. O taiji nos mostra, porém, que um recria o outro. Um possui a semente do outro, e no movimento cíclico de mutação universal, eles se alternam constantemente no poder. Somente da cópula destes dois é que pode haver a geração da natureza: da junção de macho e fêmea é que nasce o filho; “o um gera o dois, o dois gera o três e o três gera as dez mil coisas – e todas as coisas possuem yin, possuem yang e a mistura do Qi gera a harmonia”. (DDJ, 42). Ou seja, o princípio se manifesta pela dualidade e se concretiza na geração. “Houve um Começo, um começo anterior a Este Começo, e um começo anterior a ambos”. (HNZ, 2). (BUENO, 2004)
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Por esta razão, de acordo com o pensamento chinês, a matéria 汽 (qì) é o meio pelo qual o princípio 理 (lǐ) concretiza-se. Huang Yong (2008: 43) lembra como os Chengs estabeleceram a relação entre 理 (lǐ) e 气 (qì): “everything that has shape is 汽 (qì); while 理 (lǐ) does not have shape” (“tudo o que tem forma é 汽 (qì); enquanto 理 (lǐ) não tem forma”). (CHENG e CHENG, 1988, 195) Prof. Yong prossegue: to explain the relationship between one principle and many different principles, Cheng Yi developed the important idea of one principle with many manifestations (理一分殊 lǐyìfēnshū): Ten thousand principles share one principle” (“para explicar a relação entre um princípio e muitos princípios diferentes, Cheng Yi desenvolveu a importante ideia de um princípio com muitas manifestações (理 一 分 殊 lǐyìfēnshū): Dez mil princípios compartilham um princípio”). (CHENG e CHENG, 1988, 195) De acordo com André Bueno (2004), a concepção de 汽 (qì) “é representada em seu ideograma pela idéia do vapor d’água saindo de uma panela de arroz em cozimento”. Este vapor, Bueno explica, “pode se condensar e virar novamente água, ou, no frio, se congelar e virar uma pedrinha de gelo; ou ainda, o vapor simplesmente escapa, continuando em seu estado gasoso”. Como Huang Yong afirma (2008: 43): it is in this sense that the Chengs used 理 (lǐ) interchangeably with many other terms that have been traditionally used to refer to the ultimate reality. For example, Cheng Hao claimed that the ultimate reality “is called change (易 (yì)) with respect to its reality; is called 道 (dào) with respect to its
principle; is called divinity (神 (shén)) with respect to its function; and is called human nature (性 (xìng)) with respect to it’s being the destiny in a person” (Cheng and Cheng 1988, 204); again, “with respect to 里 (lǐ) it is called heaven (天 (tiān)); with respect to endowment, it is called human nature, and with respect to its being in a person, it is called heartmind” (Cheng and Cheng 1988, 296). In these passages the Chengs regard principle as identical to dao, (human) nature, heart mind, divinity, change, and heaven, among others. É nesse sentido que os Chengs usavam 理 (lǐ) de forma intercambiável com muitos outros termos tradicionalmente usados para se referir à realidade suprema. Por exemplo, Cheng Hao afirma que a realidade suprema “é chamada de mudança (易 yì) em relação à sua realidade; é chamada de 道 (dào) em relação ao seu princípio; é chamada de divindade 神 (shén) em relação à sua função; e é chamada de natureza humana 性 (xìng) em relação a ser o destino em uma pessoa “(Cheng e Cheng 1988, 204); novamente, “em relação a 里 (lǐ) é chamada de céu 天 (tiān); no que diz respeito à doação, é chamada de natureza humana, e no que diz respeito ao seu ser em uma pessoa, é chamada de coração-mente” (Cheng e Cheng, 1988, 296). Nessas passagens, os Chengs consideram o princípio como idêntico ao Dao, Natureza (humana), Mente-Coração, Divindade, Mudança, Céu, entre outros. Portanto, todo objeto ou ser neste mundo é composto de uma maneira única, possuindo assim uma tendência específica (Shì 势) para manifestar-se. A beleza de uma obra de arte resulta da habilidade do artesão de
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tornar 势 tão visível quanto possível para o público. Para entender a propensão de cada 理 (lǐ), as artes da China acabaram definindo um conjunto de seis regras 六法 (liùfǎ) de expressão, estabelecidas pelo pintor 謝赫 (XièHè), (479-502 AD15) em seu livro 古畫品錄 (gǔhuàpǐnlù) (Biografias de antigos pintores). Embora referindo-se à pintura, podemos dizer que essas normas servem como um guia para entender como uma obra de arte chinesa é criada e identificada (BUENO, 2004), pois tornaram-se a base da estética chinesa. Su Dongpo (1036-1101) fez um comentário sobre o assunto, falando categoricamente: “quem julga uma pintura apenas por sua fidelidade à semelhança dos objetos fala como um ignorante imaturo”. (LIN, 1961, p. 297) A obra de 謝赫 (XièHè), escrita durante a dinastia Liang, avalia 27 pintores em três classes de mérito, cada classe com três subdivisões. As “seis normas” adquiriram novas interpretações ao longo dos tempos. Porém, geralmente são parafraseadas da seguinte maneira: criatividade; manuseio do pincel; similaridade; colorido; composição e transmissão dos antigos mestres através da cópia. José Vicente Jorge coloca essas mesmas normas da seguinte maneira em suas Notas sobre a arte chinesa (1995, p. 111): 1. Vitalidade rítmica 2. Estrutura anatómica 3. Conformidade com a natureza 4. Colorido harmónico 5. Composição artística 6. Acabamento Nota-se uma grande diferença, pois, na interpretação da última regra.
Jorge remarca ainda: “Como se vê, colocou acima de todas a primeira lei – a vitalidade – no que não fez mais do que reeditar os processos já empregados na arte pelos três pintores acima referidos (JORGE, 1995: 111). Os pintores em referência são Gu Kaizhi or Ku-K’ai-Chih 顾 恺 之 (346-407): Zhang Sengyou or Chang-Seng-Yu 张僧繇; Lù Tànwēi ou Lu-T’an-Wei 陆探微 (ativo c. 450490). Para ilustrar este assunto, Jorge transcreve uma anedota a respeito de uma pintura: Conta-se que, quando se abriu ao público o pagode de WaKuan-Ssü, no reinado de HsingHing (365-368 d.C.), milhares de pessoas foram ver o quadro de Vimalaktri, pintado por este célebre artista, quadro que tornou o pagode conhecido e que fez render ao tesouro um milhão de sapecas. Ku-K’ai-Chih tinha posto o seu nome na lista de subscrição, e, quando os bonzos se lhe dirigiram para cobrar o dinheiro, disse-lhes: “Preparem uma parede, fechem a porta por um mês e esperem.” Ele tinha anteriormente atraído a atenção do povo com um retrato de uma donzela, de quem se enamorara, pintado num muro da aldeia. Dizem que o artista, que conhecia muito bem o folclore, espetou um espinho, no quadro, na região cardíaca. A donzela imediatamente sentiu dores no coração que cessaram, apenas o pintor retirou o espinho. Depois disto, a donzela aceitou-lhe a corte. (JORGE, 1995, p. 112)
Com esta anedota, vemos que Jorge procurou incorporar objetos individuais em imbricações textuais. Jorge explica que Chan-Yen-Yuan (张 彦 远 ; ping ying: Zhāng YànYuǎn), em seu livro intitulado L’i-Tai-Ming-Hua-Chi (registro dos pintores famosos), comparando os seguintes três grandes pintores, diz “Chang-Seng-Yu pinta a carne, Lu-T’an-Wei pinta os ossos, mas só Ku-K’ai-Chih é capaz de pintar o espírito”. (JORGE, 1995, p. 112) José Vicente Jorge lembra-nos ainda que o importante crítico japonês, Kakasu Okakura, em seu livro Ideals of the West16 (“Ideais do Ocidente”), afirma: “Nas seis leis da arte pictural do século V, a idéia de representar a natureza está em terceiro lugar, subordinada aos outros dois princípios mais importantes. O primeiro destes é ‘o movimento do espírito através do ritmo das cousas’. A arte está em o universo mover-se dum lado para o outro, entre aquelas leis harmónicas da matéria, que é o ritmo. A segunda lei refere-se à composição e linhas, e chama-se a “lei de ossos e trabalho do pincel”. O espírito criador, segundo esta lei, ao descer para uma concepção pictorial, precisa de tomar uma estrutura orgânica” (Citado por JORGE, 1995, p. 112). Compreendendo essas leis, podemos finalmente começar a traduzir a arte chinesa além de sua aparência externa, ou seja, acessar o 理 (lǐ), princípio subjacente da matéria. Uma obra de arte que atinge esse nível de perfeição não só adquire a “imortalidade” de sua beleza: ela sempre servirá de guia. (BUENO, 2004)
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De acordo com José Vicente Jorge, 475AD. In JORGE, 1995: 111.
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OKAKURA, Kazuko. Ideals of the East. North Clarendon, Vermont: Tuttle Publishing, 2012.
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Viagem ao Centro da Terra: a oportunidade sino-europeia no quadro da Faixa e Rota Paulo Duarte Doutor em Ciência Política, Universidade Católica de Lovaina
Notas Introdutórias Escrever sobre a Faixa e Rota chinesa é quase sempre um processo unidirecional, movido pela aspiração de dar a conhecer ao leitor o que a China faz ou pretende fazer com vista à realização dos seus objetivos no plano regional e/ou mundial. Contudo, falta muitas vezes percorrer o caminho inverso, de forma a tornar a via bidirecional. Ou seja, importa explicar, analisar ou refletir sobre o que o mundo, ou pelo menos, certas partes do mundo, podem empreender para ir ao encontro do projeto chinês. Decidi, por conseguinte, inverter o processo tradicional, ousando analisar o que um ator-chave no quadro da Faixa e Rota chinesa, a União Europeia (UE), pode fazer para cumprir os seus imperativos energéticos, políticos, económicos e sociais. A UE é literalmente o fim da linha (ferroviária) para os produtos que a China exporta em comboios, que partem praticamente cheios, mas regressam frequentemente vazios. No futuro, a ligação quer-se célere, em algumas horas apenas. O impacto será, naturalmente, incomensurável mas previsivelmente benigno para o comércio de bens, pessoas e capitais, para a China, para a UE e, por extensão, para o próprio mundo cuja geoeconomia e geopolítica terão como centro de gravidade a Ásia Central. É aí precisamente que se interlaçam as sinergias europeias e chinesas, uma porque
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se orientaliza, a outra porque marcha rumo ao Ocidente. Ambas se reencontram com o passado, ao revisitarem a História do frutífero comércio de seda que outrora percorria, em caravanas de camelos, a Ásia Central. Os tempos mudam, assim como as formas de transporte, mas a Ásia Central, o heartland de Mackinder, permanece de atualidade. Faz, pois, sentido revisitarmos as particularidades da região no quadro da Faixa e Rota, para melhor se compeender a convergência geopolítica e geoestratégica de interesses de uma China e de uma UE que se reencontram ambas com o eixo do mundo. Através de uma análise hermenêutica, com recurso às lentes concetuais da Escola de Copenhaga, investigarei os contornos, desafios, vantagens e/ou inconvenientes que poderão resultar da parceria sino-europeia. Como principais conclusões, é expetável que ao abraçar a proposta chinesa, a UE tenha mais facilidade em ser um player na Ásia-Pacífico. Por outro lado, A Faixa e Rota chinesa é suscetível de diminuir a assimetria de poder entre a Europa e os Estados Unidos, fazendo do continente europeu um polo (mais) forte nas relações transatlânticas e na esfera eurasiática. As incursões europeias no centro do mundo Nos primórdios das suas incursões na Ásia Central, a UE manifestava
uma compreensão insuficiente a propósito da natureza das sociedades centro-asiáticas e dos seus líderes. Para tal terá contribuído o facto de “a UE ser um dos atores mais recentes a incluir a região da Ásia Central na sua agenda” (Şahin e Dugen, 2015: 54). Os Estados-membro da UE pretendiam salvaguardar a independência das novas Repúblicas, eliminar as armas nucleares existentes no Cazaquistão, manter a estabilidade, conter a emergência de regimes fundamentalistas e promover o desenvolvimento de políticas pró-ocidentais nas recém-independentes Repúblicas da região (Nichol, 2001). Por outro lado, os decisores políticos europeus passariam a preocupar-se com o aparecimento de regimes islâmicos radicais, quer anticomunistas, quer anti-Ocidente. Neste contexto, durante a última década, a política da UE face à Ásia Central tem vindo a evoluir “de uma atitude de ‘indiferença’ para uma postura de envolvimento ativo” (Wunderlich e Bailey, 2011: 10). No começo dos anos 90, os responsáveis políticos europeus questionavam-se acerca da real importância da Ásia Central. Efetivamente, desde 1991 até meados da década de 90, esta revestia uma importância marginal para a UE, tendência que se manteve até 1995/1996. A partir de
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então Bruxelas acabaria por reconhecer o potencial energético da região, ao desenvolver uma política centrada nas questões energéticas relativamente às Repúblicas centro-asiáticas (Hunter, 1996). Por outro lado, os ataques terroristas do 11 de setembro de 2001 viriam a contribuir para que a UE prestasse mais atenção à Ásia Central (Şahin e Dugen, 2015). Embora o então chefe de política externa da UE, Javier Solana, referisse que a prioridade europeia eram os Balcãs, e não a Ásia Central, na prática, Solana viria a enfatizar a importância de uma reavaliação da política de Bruxelas face à Ásia Central, como ilustra bem a frase por si proferida: “temos de começar a repensar a nossa política face aos ‘Stans’ [aos estões]” (cit. por Ulyanovsky, 2001: 1). Até porque, de acordo com o Cônsul Fernando Melo Antunes, a Ásia Central é, do ponto de vista geoestratégico, importante para a UE na medida em que representa “uma fonte alternativa à energia russa” (entrevista pessoal, Lisboa, 2012).1 Dito isto, a grande viragem na política da UE face à Ásia Central surgiu quando os altos decisores europeus consideraram importante apoiar os países da região a nível económico, e envolvê-los numa cooperação com as instituições europeias. De 1991 a 2001, Bruxelas concedeu 944,4 milhões de euros às Repúblicas centro-asiáticas, as quais viriam a tornar-se membros da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) em 1992 (Strategy
Paper 2002-2006 & Indicative Programme 2002-2004 for Central Asia, 2002). Neste mesmo ano, a UE viria a concluir Acordos de Parceria e Cooperação com o Cazaquistão e o Quirguistão e, mais tarde, também com o Uzbequistão. Estes acordos vieram formalizar as relações bilaterais entre a UE e cada Estado parceiro, além de fornecerem uma plataforma comum para as Repúblicas recém-independentes tratarem de questões económicas, políticas e outros assuntos de interesse coletivo (Koutrakos, 2015). Apesar de ser um ator tardio na Ásia Central, a UE tem vindo, no entanto, a intensificar, de forma substancial, a sua cooperação com as Repúblicas centro-asiáticas, desde que formalizou a sua estratégia regional, em 2007, com vista ao reforço da ajuda e das relações para o período de 2007-2013 (European Commission, 2007). No programa indicativo da estratégia da UE para o período de 2011-2013, é mais fácil distinguir programas regionais de programas bilaterais. Os fundos afetos aos programas nacionais são, sobretudo, utilizados para projetos e, também, para auxílio financeiro no caso do Tajiquistão e do Quirguistão. Este apoio contribui para reforçar a capacidade das administrações centro-asiáticas e para fomentar relações institucionais entre estas e a UE (Central Asia Indicative Programme 2011-2013). De acordo com Markus Kaiser, convidado do Departamento de Estudos Europeus da American Univer-
sity of Central Asia (AUCA), “a UE dispõe, hoje, de uma estratégia para a Ásia Central”, na qual “a questão da cooperação regional merece especial destaque, bem como a da educação” (entrevista pessoal, Bishkek, 2012). Para Gorkem Atsungur, docente convidado do mesmo departamento, que também entrevistei no Quirguistão, “importa clarificar o que se entende em termos de estratégia […]; visto que não se pode falar de qualquer estratégia até 2003. O 11 de setembro de 2001, e a dinâmica a ele associada contribuiu significativamente para a construção de uma ‘estratégia’ oficial face à região, sendo que anteriormente, o enfoque concentrava-se sobretudo na assistência técnica” (entrevista pessoal, Bishkek, 2012). No entendimento de um especialista centro-asiático, Roman Mogilevski, a UE tem procurado contribuir para o desenvolvimento das relações entre as várias Repúblicas centro-asiáticas, através do mecanismo de mediação. Contudo, a capacidade de a UE se revelar um interlocutor eficaz face a assuntos mais sensíveis (de que são exemplo as tensões regionais em torno da gestão dos recursos hídricos) tem permanecido aquém das expetativas iniciais (Mogilevski, entrevista pessoal, Bishkek, 2012). Não é, pois em vão, que Armando Marques Guedes considera que “a Europa está muito pouco presente, coletivamente, na Ásia Central” (entrevista pessoal, Lisboa, 2011). Até porque, segundo o especialista, “a UE não é um ator
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Por outro lado, é do interesse do continente europeu que a Ásia Central siga o rumo do progresso tanto em termos económicos, como institucionais. No caso particular da energia, e pensando aqui a longo prazo, os diferentes produtos energéticos serão commodities cada vez mais difíceis de obter. Por outro lado, a Ásia Central é fulcral até por causa da distância a que se encontra da Europa: recorde-se, por exemplo, que uma parte do Cazaquistão se situa no continente europeu (Antunes, entrevista pessoal, Lisboa, 2012). As possibilidades de transporte relativamente fácil por via terrestre – basta dizer que há diversos projetos de oleodutos e/ou gasodutos envolvendo vários países da Ásia Central, os quais, inclusive, procuram evitar a Rússia – tornam desnecessária, ou limitam em boa parte, o recurso às linhas marítimas, e, por conseguinte, a passagem pelos estreitos sensíveis, tais como o estreito de Malaca (Antunes, entrevista pessoal, Lisboa, 2012).
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político internacional tão forte como desejaríamos que fosse: não o é no interior do território europeu, e fora ainda menos” (Guedes, entrevista pessoal, Lisboa, 2011). Para Bruxelas, a Ásia Central não é uma região prioritária já que, por um lado, não integra a sua vizinhança do leste, nem do sul, nem faz parte dos interesses históricos coloniais de nenhuma potência europeia (European Parliament’s Committee on Foreign Affairs, 2016). Note-se, igualmente, que a UE é um não-competidor se a compararmos a uma China e Rússia, envolvidas de facto na região (Peyrouse, 2015). Na verdade, comparativamente a Pequim e a Moscovo, a UE não possui experiência histórica significativa em termos de interação direta e/ou indireta com a Ásia Central. Por outro lado, os interesses da UE na região revelam-se, atualmente, muito menos acentuados e estáveis quando comparados aos da Rússia e da China (Peyrouse, 2015). Nos últimos anos, a instabilidade no Médio Oriente, o aumento dos preços da energia e os esforços em reduzir o impacto ambiental na produção e consumo energético contribuíram para que a securitização do aprovisionamento energético se tenha convertido numa prioridade política essencial da Comissão Juncker (Hinde, 2016). De acordo com os dados disponibilizados pelo Eurostat (2016), a dependência energética da UE em 2014 manteve-se nos 53,4%, o que significa que a UE teve necessidade de importar um pouco mais de metade da energia que consumiu em 2014. A figura 1 ilustra bem esta dependência energética. Reconhecendo os elevados níveis dependência energética face a fon-
Figura 1. A dependência energética dos países europeus
tes de abastecimento externas, a Comissão Europeia anunciou, a 16 de fevereiro de 2016, um conjunto de medidas na esfera da segurança energética sustentável, com vista a minimizar possíveis interrupções no fornecimento de gás natural aos países da UE (European Commission, 2016). Mas, apesar dos vários esforços de securitização energética levados a cabo por Bruxelas nos últimos anos, os resultados permanecem modestos2 (European Parliament’s Committee on Foreign Affairs, 2016). Sublinhe-se, porém, o contributo excecional (relativamente aos demais países da região) que o Cazaquistão presta no quadro dos esforços de securitização económica, política e de soft power da UE na Ásia Central. Refira-se, como prova do vigor das relações entre Astana e Bruxelas, que janeiro de 2015 marcou o início
Fonte: Eurostat, 2016
do ‘Acordo de Parceria e Cooperação Reforçada entre a UE e o Cazaquistão’, o qual visa “aumentar o fluxo de comércio, serviços e investimentos entre as partes [...] e contribuir para o desenvolvimento político e social do Cazaquistão” (European External Action Service, 2015: para. 1-2). A UE é o principal parceiro comercial do Cazaquistão, o seu principal mercado de exportação e terceiro parceiro de importação (Kazinform International News Agency, 2016). Por outro lado, o Cazaquistão tem vindo a emergir como um fornecedor cada vez mais importante de petróleo e gás natural para os mercados europeus. Por sua vez, as empresas europeias estão envolvidas na exploração do campo petrolífero de Kashagan (figura 2) e apoiam os esforços que o Cazaquistão tem realizado com vista à adoção de políticas amigas do ambiente (Umbach e Raszewski, 2016).
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No que respeita à concretização de acordos e/ou projetos energéticos celebrados entre a UE e os países da Ásia Central.
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pela sigla TRACECA4), que, no entanto, não chegaria a aumentar os fluxos comerciais entre a Ásia Central e o Cáucaso (Patnaik, 2016). Num contexto em que a UE procura (re)dinamizar o seu projeto TRACECA, é de mencionar a importância da iniciativa ‘Silk Wind’, dado o seu potencial altamente promissor, ao nível da securitização logística e económica entre Oriente e Ocidente. Tal empreendimento tem como objetivo ligar a fronteira sinocazaque à Ásia Central, bem como o espaço centro-asiático à Turquia, através de um ferry entre Aktau (no Cazaquistão) e o porto de Alat (no Azerbaijão), reduzindo assim o custo e o tempo de transporte entre a China e a Europa (Sárvári e Szeidovitz, 2016). O programa TRACECA Silk Wind (figura 3) é importante, por um lado, porque é a única iniciativa institucionalizada no âmbito da revitalização da antiga Rota da Seda (Özyanık, 2015). Por outro lado, ele constitui o símbolo de convergência logística e comercial resultante de uma de uma Europa que se orientaliza, ao mesmo tempo em que a China marcha para Ocidente. A Faixa e Rota chinesa: desafios e oportunidades para a União Europeia Figura 2. Campos de petróleo e gás natural no Cazaquistão (offshore) Fonte: www.theoilandgasyear.com/market/kazakhstan/
Embora, ao nível da logística dos corredores Oriente-Ocidente, Bruxelas não disponha de uma visão tão desenvolvida e ambiciosa como a da Faixa e Rota chinesa, curiosamente foi a UE o primeiro ator a apresentar uma proposta de desen-
volvimento do comércio e dos transportes em toda a Eurásia (Starr et al, 2015). Com efeito, foi em 1993, no quadro do programa TACIS3, que a UE concebeu a iniciativa do Corredor de Transporte Europa-Cáucaso-Ásia Central (mais conhecido
Perante este contexto, é imperativo analisar-se como pode a UE beneficiar da, e simultaneamente interessar, à Faixa e Rota chinesa. Uma matéria, desde logo pertinente, tem que ver com o Fundo Europeu para o investimento estratégico, chamado Plano Juncker. Como pode o esforço de securitização económica subjacente à Faixa e Rota chinesa
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TACIS – Programa de Assistência Técnica à Comunidade de Estados Independentes.
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Este visa promover o desenvolvimento económico e político da região do Mar Negro, Cáucaso e Ásia Central, melhorando o transporte internacional.
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Figura 3. O programa TRACECA Silk Win Fonte: www.traceca-org.org/ro/countries/azerbaijan/publications/2014/
ir, neste caso concreto, ao encontro de uma Europa que necessita de investimentos? Afinal de contas, o Plano Juncker5 é, para todos os efeitos, um plano concebido para relançar a economia e a criação de emprego em setores que vão desde a inovação à investigação, educação e logística/transportes (European Commission, 2015a). Comportando três grandes dimensões – financiamento (315 mil milhões de euros durante um período de três anos), fonte de projetos e ambiente propício ao investimento – o Plano Juncker, é, no entendimento de Marty, “o vetor de uma renovada ambição europeia” (2015: 1). Ora, a motivação da China6 em participar no Plano Juncker, suscita, por sua vez, em Bruxelas o reconhecimento
de oportunidades promissoras que o investimento chinês pode gerar nos Estados-membro da UE (European Parliament Report, 2015). Com efeito, o facto de a China dispor de extraordinárias reservas financeiras (acumuladas ao longo dos anos graças aos seus excedentes comerciais), juntamente com a notória expansão dos bancos chineses (que se tornaram atores de peso a nível mundial), apontam, segundo Etwareea (2015), para uma simbiose de interesses económicos. Sublinhe-se, como prova do vigor da securitização económica chinesa na UE, os principais resultados de um estudo de Hanemann e Huotari (2016), segundo o qual a Europa se converteu num destino importante
para o Investimento Direto Estrangeiro (IDE) chinês. Esta tendência ocorre em paralelo com a deslocação do enfoque tradicional dos investimentos chineses nas economias em desenvolvimento e emergentes para as economias de elevado rendimento. De entre outras conclusões de Hanemann e Huotari (2016), destaque-se que: em 2015, o IDE da China na UE registou outro recorde (20 mil milhões de euros contra 14 mil milhões em 2014); os investidores chineses mostram-se agora interessados em setores como a tecnologia, a energia, a indústria automóvel e até mesmo a imobiliária (ao invés do enfoque tradicional e quase exclusivo nas matérias-primas); os investidores de origem governamental continuam a representar a maioria do IDE chinês na UE; os investimentos chineses estendem-se cada vez mais para além das economias da Alemanha, da França, do Reino Unido, alimentando a competição intraeuropeia pelo capital chinês. Um outro elemento fundamental, no âmbito das sinergias económicas entre a China e a UE, consiste na criação do Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas (BAII)7. Dito de outra forma, falar do impacto da Faixa e Rota chinesa na Europa implica aludir necessariamente à extraordinária recetividade que a fundação deste banco mereceu por parte de vários Estados-membro da UE. Recetividade essa que se materializou no facto de 14 Estados-membro da UE terem assinado a adesão ao dito banco (European Commission, 2015b). Tal facto permite várias lei-
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O Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos, conhecido como Plano Juncker, visa colmatar o importante déficit de investimento acumulado pela União Europeia desde o início da crise financeira em 2008 (European Commission, 2015a).
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Que se torna, assim, o primeiro país não-membro da UE a expressar o seu desejo em contribuir para tal fundo.
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Do inglês, Asian Infrastructure Investment Bank, ou abreviado, na sigla AIIB.
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turas e/ou comentários. Uma delas, diz respeito à eficácia da diplomacia económica da China no quadro da sua Faixa e Rota, uma diplomacia que alia, de forma hábil, capital financeiro e soft power. Neste sentido, vários especialistas internacionais, entre os quais Okano-Heijmans e Lanting (2015) ou Corr (2016) salientam a ‘urgência’ e simultânea ‘descoordenação’ 8 que caraterizaram o processo de adesão de vários Estados-membro da UE ao BAII. De facto, após o Reino Unido – o primeiro principal país ocidental a fazê-lo9 – ter tornado público, em março de 2015, o seu pedido de adesão ao BAII, seria a vez de outros Estados-membro da UE o fazerem (China Daily, 2015). Ver, a esse respeito, a figura 4. Além de o episódio ter suscitado críticas da parte de Washington (que se opõe à criação de um tal organismo financeiro de iniciativa chinesa), curiosamente, também Pequim reagiu com alguma surpresa, face à recetividade do Reino Unido e de vários parceiros da aliança transatlântica ao BAII (Watt et al., 2015). Por outro lado, como salienta Anderlini, “a pressa dos países europeus em se juntarem ao BAII mostrou quão sofisticada se tornou a diplomacia da China quando procura fazer corresponder a sua força económica à busca de uma maior influência no estrangeiro” (2015: para. 4).
Figura 4. Membros fundadores do BAII Fonte: www.weforum.org/agenda/2016/01/how-will-the-new-asian-infrastructure-investmentbank-boost-development
Dito isto, a análise que faço é que além de a componente económica ser, inegavelmente, parte integrante da Faixa e Rota chinesa (por exemplo, o caso da participação chinesa no Plano Juncker, como explicado), existe também uma lógica de soft power subjacente a tais iniciativas. Se atentarmos na constatação de Anderlini, verificamos que o soft power chinês, apesar de todos os seus handicaps (e críticas10 de que possa ser alvo), começa a produzir resultados eventualmente tardios, mas, de certa forma, significativos. É disso exemplo o caso acima analisado da
recetividade da UE ao BAII, para surpresa quer de Washington, quer da própria China (Anderlini, 2015). A recetividade de vários paísesmembro da UE ao BAII não é uma questão de menor importância se verificarmos que até há relativamente poucos anos, não existia um debate/reflexão nos círculos académicos e políticos chineses face ao conceito de soft power (e sua aplicação, em concreto, ao caso chinês, ou seja, como concebe a China o seu poder suave?). O soft power chinês é essencialmente reativo e de-
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Já que a adesão de grande parte dos Estados-membro da União Europeia ao Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas se processou na ausência de uma resposta supranacional da UE relativamente à Faixa e Rota chinesa. Ou seja, foram os países europeus que entenderam ser do seu interesse nacional aderir ao dito organismo financeiro, lidando bilateralmente com este, sem que a Comissão Europeia ou outro órgão supranacional europeu interviesse. Tal episódio chegou, por conseguinte, a despoletar sérias críticas por parte de vários observadores a respeito da ausência de uma visão (e respetiva resposta) comum da UE face a um projeto de envergadura, como é o desafio de adesão ao Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas, e, em sentido lato, a própria dinâmica da Faixa e Rota chinesa (Verlare e van der Putten, 2015; Verlare, 2016).
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Se não contarmos com o facto de antes do Reino Unido, a Nova Zelândia ter anunciado publicamente o seu interesse em ser membrofundador do BAII, em janeiro de 2015 (China Daily, 2015). Por outro lado, importa clarificar o que se entende por ‘país ocidental’, já que embora do ponto de vista da geografia a Nova Zelândia não o seja, todavia, ao nível dos padrões políticos e culturais (a colonização, entre outros fatores), a Nova Zelândia é, em geral, considerada como parte do chamado ‘Mundo Ocidental’.
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Se tivermos em conta os reparos ou as comparações que autores como Nye (2015) ou Shambaugh (2016) tecem a respeito do soft power americano (mundialmente reconhecido e estabelecido) e/versus a busca de um soft power chinês, incipiente e gravemente deficitário.
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fensivo, espécie de ferramenta que pode contribuir para atenuar, a longo prazo, a tese da ‘ameaça chinesa’ (Wang, 2016). Contudo, a avaliar pela resposta relativamente satisfatória com que a Comunidade Internacional tem acolhido a dinâmica inerente à Faixa e Rota chinesa, não é de especular que a médio, ou longo prazo, a essência do soft power chinês possa evoluir de uma postura defensiva para uma outra, de facto apelativa. Como pode a Faixa e Rota chinesa contribuir para securitizar, ao nível da geopolítica, os interesses da UE à escala regional e global? Ao nível regional, especialistas como Zhao Minghao (2015) estimam que a Faixa e Rota chinesa é suscetível de constituir uma plataforma complementar para ajudar a UE a estabilizar a sua relação quer com a Rússia, quer com os Estados eurasiáticos. A conjuntura não poderia ser, de facto, mais pertinente, em resultado das crises de insegurança múltiplas (refugiados, terrorismo, instabilidade económica em países como a Grécia, por exemplo) que, no seu todo, ameaçam a coesão e sobrevivência da UE (World Economic Forum, 2016). Posto isto, e considerando que “isolar Moscovo não ajudará a UE”, e que “a rivalidade entre os Estados Unidos e a Rússia não deve prejudicar a segurança e a prosperidade da UE”, Minghao propõe que a UE se apoie no potencial estabilizador da Faixa e Rota chinesa, que lhe permitirá inclusive “conseguir mais influência para reformular as regras internacionais relativas ao comércio e ao investimento” (2015: 10). A um nível ‘mais macro’ (não confinado apenas à esfera regional), a Faixa e Rota chinesa poderá desempenhar um papel preponderante ao ajudar a (re)direcionar o centro de gravidade geopolítica para longe dos Estados Unidos e de
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volta à Eurásia (Economy, 2016). Este é, quiçá, o maior contributo (ao nível da securitização geopolítica) que a Faixa e Rota chinesa é suscetível de oferecer ao continente europeu, proporcionando-lhe um reencontro histórico e geoestratégico com o que Brzezinski (1998) havia outrora denominado de Heartland (ou ‘eixo do mundo’), que proporciona influência à potência que dele se apropriar. A este respeito, Wang (2015) estima que ao abraçar a iniciativa da Faixa e Rota chinesa, a UE terá mais facilidade em ser um ser um player nos assuntos da Ásia-Pacífico (inclusive ao nível da securitização económica). Este autor revisita a História, em concreto, a ligação/união civilizacional entre Ocidente e Oriente até ao momento em que a ascensão do Império Otomano interrompeu a antiga Rota da Seda, ou ainda, a considerável dependência da Europa face às relações transatlânticas desde a Segunda Guerra Mundial (e a inerente assimetria de poder em relação aos EUA) para melhor sustentar o seu argumento. Ora, o que Wang (2015) defende é que a Faixa e Rota chinesa é suscetível de diminuir a dita assimetria de poder entre a Europa e os EUA, fazendo do continente europeu um polo (mais) forte (em termos geopolíticos) nas relações transatlânticas e, simultaneamente, na esfera eurasiática. Wang (2015) considera que a Europa não pode prescindir da Rússia, realçando o potencial da Faixa e Rota enquanto plataforma de cooperação entre Bruxelas e Moscovo, ao permitir inclusive à UE interagir no Extremo-Oriente com atores como a Organização de Cooperação de Xangai e a União Económica Eurasiática. É, naturalmente, possível questionar onde termina a fronteira altruísta e
win-win da Faixa e Rota chinesa, ou os seus intentos geopolíticos (de devolver a Eurásia ao seu lugar histórico no centro da civilização humana, ou promover uma globalização mais inclusiva). É igualmente possível argumentar que Pequim espera uma reciprocidade, da parte da UE, ao nível da securitização dos interesses chineses na arena política internacional. Com efeito, autores como Valero argumentam que “[a China] procura aumentar a sua influência na Europa e obter o apoio desta em questões como a reforma do FMI e do Banco Mundial” (2015: para. 11). Contudo, a dialética entre altruísmo vs promoção dos próprios interesses não comporta em si qualquer novidade e/ou anormalidade no comportamento dos Estados. Na prática, a postura da China no âmbito da sua Faixa e Rota, espelha a própria interação dinâmica entre realismo e construtivismo, o que nos impede de afirmar que o projeto chinês, ou a forma como a China securitiza os seus interesses é necessariamente prejudicial (ou, ao invés, totalmente benéfica) aos interesses europeus. Existe, com efeito, um receio por parte da UE, como explica Zhao Minghao, relativamente a, por exemplo, “saber se as regras e normas internacionais serão (ou não) respeitadas pelo BAII e outras novas instituições dirigidas pela China” (2015: 8). Ou, ainda, como nota Verlare “a nível nacional, os Estadosmembro competem com entusiasmo uns contra os outros para atrair os investidores chineses, embora alguns líderes europeus se sintam apreensivos no que diz respeito à retoma e participação chinesa em empresas europeias. […] E, para além dos potenciais benefícios do investimento chinês que os Estados-membro reconhecem, a Rota da Seda chinesa tam-
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bém engloba grandes riscos para a União” (2016: 11). Não obstante tais receios (legítimos, já que o projeto chinês é relativamente recente) e a necessidade de uma maior compreensão mútua sobre como Bruxelas e Pequim poderão fazer convergir sinergias, acredito que o impacto da Faixa e Rota na UE se traduz numa perspetiva mais construtivista que propriamente realista. Ou seja, considero que o eixo Bruxelas-Pequim não tenderá a gerar uma soma nula, nem a pautar-se por uma racionalidade mecânica. De facto, se partirmos do pressuposto de que os Estados, sendo atores racionais, não aceitam participar em entidades (sejam elas multilaterais, bilaterais, vinculativas ou não) que possam ser suscetíveis de ferir os seus interesses nacionais, então a adesão de vários países-membro da UE ao BAII não é insignificante. Ou seja, ela pode querer dizer muito do ponto de vista do posicionamento geopolítico da UE face à Faixa e Rota chinesa, bem como da alavanca que esta pode proporcionar à UE no xadrez do poder regional (se concebermos a Ásia Central como uma periferia relativamente próxima da Europa11) e mundial. Um dos domínios onde a cooperação entre Bruxelas e Pequim pode ser particularmente frutuosa é o da securitização física/militar, como nota Zhao Minghao: “[a Faixa e Rota chinesa] terá um potencial impacto em regiões como a zona oriental da UE, o Mediterrâneo, o Corno de África e o Médio Oriente/Golfo, que são cruciais para a UE. Além disso, [a Faixa e Rota chinesa] é útil para facilitar as rotas comerciais UE-
China, salvaguardando as linhas marítimas de comunicação, financiando infraestruturas na UE e abrindo mercados há muito esquecidos. Estes objetivos são consistentes com os interesses da UE enquanto potência comercial mundial” (2015: 8-9). Notas finais Perante uma União Europeia que se orientaliza e uma China que caminha para Ocidente, a Ásia Central, região remota e privada de acesso ao Oceano, é o espaço onde a geopolítica, a geoeconomia e a geoestratégia são alvo de uma revolução pacífica e silenciosa. Paulatinamente, o conceito de integração regional ganha novas formas, adaptando-se aos imperativos e caraterísticas de uma aldeia global que se sinifica. Tradicionalmente tem sido a China que toma a iniciativa, que empreende, investe e convida. Mas o processo é, ou pode ser, diferente. A União Europeia tem muito a ganhar em diversificar parceiros, em não depender exclusivamente de fontes de aprovisionamento russas nem de uma imprevisível relação transatlântica. A chanceler alemã reconhece que, mais que nunca, é tempo de a Europa começar a ser senhora do seu destino. Isso significa o bater-se pela sobrevivência de uma identidade própria, e pela vontade de não estar refém dos interesses voláteis de uma superpotência que ambiciona ser Great again. A doutrina Trump é exatamente a do pragmatismo, a do reconhecer que os Estados Unidos devem privilegiar o plano doméstico, olhando para os aliados (nos quais a UE se inclui, naturalmente) apenas se pos-
sível. Por conseguinte, a UE tem todo o interesse em maximizar os seus objetivos, um pouco à semelhança do que faz a Ásia Central vis-à-vis as incursões de várias potências externas. Ser de todos, sem ser de ninguém a não ser de si própria, pode bem ser a nova alavanca ideológica de uma União Europeia cuja essência é supranacional, embora heterogénea e complexa na sua idiossincrasia. O grande desafio parece ser o de admitir a coexistência da China num espaço tradicionalmente próamericano e que, portanto, pensa Ocidente. Ultrapassada a barreira essencialmente psicológica, de admitir que o caminho pode privilegiar Ocidente e Oriente, negociando com chineses e americanos, sem abdicar da sua essência, então a UE pode ser muito mais que um poder meramente normativo. Os tempos requerem pragmatismo porque já nada é como outrora. Os Estados Unidos atravessam um período de declínio relativo, enquanto a China lentamente reemerge. Cabe à UE retirar o melhor proveito possível desta transição de hegemonia, revisitando simultaneamente o eixo do mundo, a Ásia Central, por onde passavam outrora as caravanas de camelos que traziam a seda proveniente da China para o Ocidente. A História é cíclica, os Impérios ascendem, permanecem um tempo no auge e caem. Não há aí nada de inédito. Apenas a necessidade da UE se adaptar a uma realidade em mutação, que pode ser promissora se a Europa, o velho continente marchar rumo a Oriente, numa valsa lenta mas harmoniosa, na qual o parceiro de dança caminha no sentido oposto.
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Convém ter presente, a este respeito, que uma parte do território do Cazaquistão (o maior país centro-asiático e o nono maior do mundo, em termos de área) se localiza, para todos os efeitos, no continente europeu (CIS Countries Legislation, 2016).
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Portugal - China: sob um olhar intercultural Álvaro Rosa Professor Universitário
Apesar de vivermos num mundo globalizado, onde a tecnologia faz maravilhas, capaz de encurtar distâncias entre pessoas e, fazer ligar outras tantas em rede que muitas vezes até mal se conhecem, a verdade é que o contato físico entre povos de diferentes nacionalidades reveste-se ainda de um caráter distante e complicado. As pessoas para se entenderem necessitam de um denominador comum, um entendimento partilhado da linguagem, dos símbolos e dos factos. Um exemplo simples desta necessidade está no âmago da seguinte questão: o que falam dois estranhos numa paragem de autocarro? A resposta é, inevitavelmente, do tempo ou do trânsito, pois estes “tópicos” constituem evidências facilmente comungáveis (e.g. o dia está frio!) entre indivíduos que não se conhecem, mas que lhes permitem apoiar-se para partir para a exploração de uma possível conversa. Este pequeno exemplo diznos também, em contatos internacionais, como é difícil falar ou comunicar com outra pessoa de uma outra cultura da qual nada sabemos. Falta-nos, pois, esse tal denominador comum, para compreendermos e sermos compreendidos. Esse denominador comum é o conhecimento da cultura base da outra pessoa. Em 2013 pudemos comemorar os 500 anos de relações luso-chinesas, recordando que foi Jorge Álvares o primeiro português a abordar um
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teressantes ou únicos, mas que ao mesmo tempo dificulta a compreensão e o diálogo entre eles. Neste pequeno ensaio, procuramos extrair algum conhecimento a partir das diferenças culturais entre Portugal e a China. Este conhecimento é essencial para mitigar estereótipos, que em regra, são imagens menos abonatórias e frequentemente falsas sobre a outra parte. porto chinês na zona do rio das Pérolas, no sul da China, em 1513. A história das relações luso-chinesas é uma história riquíssima ao nível das relações comerciais, da divulgação do saber ocidental por terras orientais, sobretudo aquele trabalho meritório levado a cabo por padres jesuítas, e ainda, da sã convivência entre povos – portugueses e chineses, largamente demonstrada na deliciosa história de Macau. Contudo, ainda hoje conhecemos mal a pessoa chinesa assim como o chinês conhece mal o português. Pouco se tem feito para explicar as diferenças culturais de parte a parte. Cada povo, cada nação ou sociedade possui a sua própria cultura, definida como programação mental partilhada – conforme explica Hofstede, um dos maiores investigadores em estudos interculturais – que determina a atuação de cada indivíduo em relação à sua envolvente. É esta diferença cultural que torna os povos de sociedades diferentes in-
Sociedades modernas e coletivistas Sabemos que Portugal e China pertencem, ambos os países, ao grupo de países de perfil coletivista na teoria de perfis culturais de Hofstede e isso significa que as pessoas são integradas, desde o nascimento, em grupos fortes e coesos e que as protegem para toda a vida em troca de uma lealdade demonstrada. Hofstede adianta ainda que o coletivismo português e chinês é sobretudo de ordem familiar. Por outras palavras, pertencemos ao grupo de países que dá imensa importância à família. Prezamos, de facto, as nossas relações familiares sobre as relações de amizade ou outras quaisquer. Falamos com os nossos pais e irmãos com muita regularidade mesmo quando vivemos longe uns dos outros. Também é verdade que quando os filhos compram casa, estes tendem a comprar casa na área ou localidade próxima do sítio onde vivem os pais. Por outro lado, os
Portugal - China: sob um olhar intercultural
portugueses estimam imenso o seu grupo de amigos, criam associações para tudo e, mais forte do que isso, toda a gente tem um clube de futebol de coração mesmo que nunca o tenha visto a jogar ao vivo… O povo chinês patenteia as mesmas características que acabámos de referir. No entanto, o seu coletivismo é mais profundo. Para o chinês, há um ingrediente fundamental no contexto das suas relações que é a harmonia. Porém, essa preocupação com a harmonia não é exclusiva dos chineses, mas sim de quase todo o povo asiático e ainda do árabe. A noção da preservação da harmonia começa na linguagem. Habitualmente o chinês é muito reservado em expressões que exprimem negação ou negatividade. Considerase de falta de polidez quando se usa expressões do género «está mal», «está errado» ou mesmo «não vou» ou «não faz sentido» ou simplesmente dizer que não porque todas elas carregam em si uma certa carga ofensiva. Para se manter a harmonia no grupo é preciso que ninguém se sinta ofendido, portanto, numa conversação, os chineses fazem-se entender de forma indireta sobretudo quando têm de manifestar uma opinião contrária. Quando assim não acontece, a situação pode descambar em atos de violência física entre as partes, como de quando em vez surgem nos noticiários de Hong Kong ou de Taiwan que deputados das respetivas câmaras parlamentares se envolvem em cenas de pugilato. A língua chinesa é, por si, uma língua extremamente dependente do contexto. Por exemplo, não existem conjugações verbais no tempo passado nem no tempo futuro, como também não existem conjugações verbais no modo condicional nem no imperativo. Adicionalmente, a
língua chinesa está repleta de expressões de uso cerimonioso e de frases idiomáticas complicadas que a torna perfeita para uma comunicação que se quer indireta. Ao invés, a língua portuguesa, apesar da sua inquestionável beleza, é direta, sem cerimónia e muito pouco dependente do contexto. O falante da língua portuguesa quando comunica, fá-lo, em regra, pão, pão; queijo, queijo. Naturalmente que com o recurso à linguagem indireta em detrimento da linguagem direta e transparente onde cada palavra significa literalmente o que é, sacrifica-se a clareza e exige tempo para as partes se entenderem. O sentido de coletivismo chinês levanta ainda outra questão curiosa que é a noção da sinceridade. Em Portugal, ou em qualquer sociedade ocidental, a sinceridade denota franqueza e honestidade, ou seja, sermos sinceros para com alguém é apresentarmos a verdade tal qual a conhecemos mesmo que ela não seja agradável. Para o chinês, ser sincero é ser útil ao seu interlocutor ou aos seus pares no sentido de contribuir para a preservação da harmonia. A verdade para o chinês é uma questão absolutamente relativa. Uma evidência deste facto vem de um exercício que fazemos insistentemente com os alunos na formação em gestão intercultural: viaja num carro de um amigo seu numa via pública em obras e assinalada com o sinal de limite de velocidade a 30 km/h. O seu amigo acelera e comete um acidente atropelando um peão. Como há feridos, o caso vai para tribunal e é intimado a testemunhar. Confessará em tribunal que o seu amigo excedeu o limite de velocidade ou vai mentir a fim de evitar uma pena grave ao seu amigo?
Da nossa experiência, todos os chineses mentem para defender o condutor e, os portugueses, quase metade diz que em tribunal “confessaria a verdade”. Quando inquirimos os chineses porque razão mentiriam em tribunal, respondemnos mais ou menos da seguinte maneira: “se não mentisse, no dia seguinte deixaria de ter amigos”. Esta pequena nota dá-nos a entender quão relativa é a noção da verdade no mundo chinês e é ainda prova de que o sentido de grupo – a necessidade de pertença – é bem mais profundo para os chineses do que para a generalidade dos portugueses. Obviamente, sendo um país coletivista, o sentimento de pertença é uma questão relevante para a generalidade dos indivíduos da sociedade portuguesa. Ainda assim, a pressão para o alargamento das redes de conhecimentos pessoais é baixa e o ritmo de crescimento é entregue ao natural evoluir dos acontecimentos. Uma demonstração deste argumento é vermos o número médio de contatos existentes nos nossos telemóveis que em poucos casos excedem uma centena – considerado um valor baixo em sociedades coletivistas – e, registamos essencialmente os contatos dos nossos amigos e pessoas das nossas relações de trabalho. Para o chinês, a sua rede de conhecimentos pessoais é um ativo valioso, e é tão mais valioso quanto maior é essa rede. Por ser essencial e transversal a toda a sociedade, a rede de conhecimentos pessoais tem uma designação própria: guanxi. Não obstante, na Rússia, a designação “blat” e no mundo árabe, a palavra “wasta” também se referem às conexões pessoais que permitem o acesso a recursos.
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Todo o chinês preocupa-se em estimular o seu guanxi sobretudo aqueles que estão ligados ao mundo empresarial e dos negócios. O facto é que o chinês acredita que o sucesso na carreira e nos negócios carece do concurso dos pares do seu grupo (no sentido de rede) e quanto maior é o seu grupo (rede), mais facilidades encontrará no desenvolvimento dos seus negócios e projetos. Este pensamento contrasta de modo gritante com a lógica individualista do americano que acredita no seu American dream e que todo o indivíduo pode ser herói – bemsucedido – apenas apostando em si próprio e apoiado no lema selfmade man. A faceta cultural de guanxi nem sempre é bem compreendida pelos estrangeiros e, portugueses incluídos, sobretudo quando se trata de visitas de negócios. A criação ou aprofundamento da rede de conexões que em chinês se diz gao guanxi obriga a que as partes se conheçam. Por isso mesmo, quando visitamos a China, somos convidados a visitar os nossos interlocutores e frequentemente somos levados a almoçar e a jantar repetidamente. E, oferecem-nos prendas, mas também, num espírito de reciprocidade, estão à espera que retribuímos com refeição e presentes. Nisso, há detalhes que não podemos ignorar. Na retribuição de refeição, é importante que convidemos os nossos parceiros chineses para um restaurante do mesmo nível e oferecermos uma ementa de qualidade equivalente à que fomos agraciados. Como é evidente, se oferecêssemos uma refeição muito superior à que fomos presenteados é como se desse um sinal que não fomos bem tratados e isso criaria um problema de perda de face aos parceiros chineses. Por outro lado, se oferecêssemos uma refeição num ambiente inferior àquele
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que fomos recebidos, seríamos entendidos por rudes, por não observação do princípio de reciprocidade. A questão de face é um aspeto crucial na relação social muito próprio dos orientais e sobretudo dos chineses que tem a ver com dignidade ou honra. A perda de face é sinónimo de desonra. No que respeita a presentes, existe uma panóplia de artigos que não podem fazer parte da lista de prendas para o chinês, ou por soar mal e daí constituir mau augúrio ou por razões de simbologia. Por exemplo, não se oferecem flores brancas a ninguém na China, pois a cor branca é cor de luto. Outrossim, na China, é necessário estabelecer guanxi com as autoridades, quer sejam locais, regionais ou centrais. Como país culturalmente orientado para relações e onde todos os aspetos da vida económica dependem das estruturas estatais, torna-se fundamental conhecer e relacionar-se com as pessoas que estão à frente dos organismos públicos. É necessário, através de intermediários locais, conseguir chegar às pessoas certas e conviver com elas sobretudo na forma de repasto. A impetuosa inclinação do chinês para o guanxi, na ótica do ocidental, exprime uma preocupação grave que é a não confiança no sistema e nas instituições vigentes. Porém, o guanxi não é um fenómeno social moderno. É, antes, milenar. O chinês nunca bebera da fonte de justiça e do bem comum de Aristóteles. O chinês sempre acreditou que são as relações entre os homens que determinam o valor da justiça, do bem comum e da riqueza pessoal; as instituições, estas têm um papel menor na vida das pessoas. E, as relações
precisam de ser acarinhadas e fortalecidas pelo que trocam-se favores e consequentemente trocam-se presentes e oferendas entre as partes, sobretudo dentro da rede de conexões. Incompreensivelmente, nos nossos dias, esta prática tende a ser interpretada como corrupção. Na própria China de hoje, a palavra guanxi é de certa forma conotada com corrupção e em alguns sectores tentam até evitar a todo o custo reconhecer o fenómeno como uma evidência social. Nós, portugueses, também acreditamos que as relações pessoais são essenciais para o sucesso individual apesar de defendermos afincadamente a meritocracia. Por outro lado, também não confiamos totalmente nas instituições, por isso, andamos sempre à procura das chamadas «cunhas» quando aspiramos algo mais e desejamos no nosso íntimo que os nossos amigos bem colocados na hierarquia social não se esqueçam de nós… Não existe entre nós o conceito de guanxi mas o fomento de boas relações pessoais é na realidade uma característica do coletivismo português. Masculinidade Sínica vs. Feminidade Lusa Apoiando-se uma vez mais nas dimensões culturais de Hofstede, uma das duas dimensões que mais se opõem a sociedade portuguesa da chinesa é a dimensão «masculinidade/feminidade». Esta designação, segundo Hofstede, foi escolhida tendo em referência os estereótipos universais dos papéis do homem e da mulher na sociedade. Em modo muito simplificado, uma sociedade masculina é aquela em que a competição, o sucesso, os valores materiais e a aspiração por um
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estatuto social superior são preponderantes ao passo que numa sociedade feminina prevalece a modéstia, a preocupação com as pessoas e a qualidade de vida. Portugal é um país muito feminino quando comparado com a China. Em primeiro lugar, os portugueses trabalham para viver e os chineses vivem para trabalhar. Os chineses que vivem em Portugal referem frequentemente que fazemos demasiadas pausas no trabalho para o café, trabalhamos de uma forma relaxada (no sentido de lentidão) e nos preocupamos demais com os nossos direitos. O facto é que na China, as pessoas pouco se importam com direitos individuais (existem estudos que indicam exatamente este facto), importam-se sim, é com o trabalho. O tempo de trabalho é bem mais longo do que o nosso e as condições laborais são em regra muito piores do que as nossas. Mas, eles não se importam. Querem é trabalhar e, ao mesmo tempo, procurar um emprego melhor para poder melhorar a sua vida. Nos anos mais recentes, tem dado que falar um novo fenómeno social conhecido por ant tribes, designação cunhada pelo sociólogo chinês Lian Si, que é a movimentação em massa de jovens licenciados para as grandes cidades à procura de uma vida melhor. São na ordem de vários milhões os jovens oriundos de cidades pequenas ou de zonas rurais do hinternland chinês que se aventuram para Beijing, Shanghai, Chongqing ou Shenzhen à procura de oportunidades. Dada a sua vulnerabilidade socioeconómica, esses jovens são frequentemente explorados e são forçados a viver em condições tristes e muitas vezes miseráveis.
Como nota de rodapé, às ant tribes contrapõem-se as rat tribes, os migrantes sem formação superior, a força braçal bruta proveniente das zonas rurais remotas que se transformou em operário das indústrias de manufatura e que se constituiu no grosso da mão-deobra barata que fez crescer economicamente a China dos últimos 30 anos.
Como em tudo, a competição dos pais é, por sua vez, transmitida aos filhos. Os tiger parents consideram que um A- (equivalente a um 4 no sistema de avaliação do 2º e 3º ciclos do ensino básico em Portugal) é sinónimo de um mau desempenho escolar. Na China, os bebés de dois anos são obrigados a aprender música e inglês para poderem concorrer a um lugar numa boa escola
Relações
Deng Xiaoping, o pai da China moderna e mentor da reforma de abertura da China à economia de mercado justificou a bondade da sua reforma com a seguinte mui celebrada frase: “ser rico é glorioso”. Com efeito, todo o chinês faz tudo para ser mais rico. A necessidade de sucesso material é essencial na sua filosofia de vida e isso torna-o competitivo. Em Hong Kong, por exemplo, a competição e a pressão para a entrada nas melhores universidades locais é tanta que os alunos nos anos terminais do secundário chegam a estudar mais de 70 horas por semana a fim de se prepararem para o exame de acesso à universidade («gao kao»).
de jardim de infância. Depois, aos três ou quatro anos de idade começam a ter aulas extracurriculares de dança, caligrafia e outras competências para se prepararem para a candidatura a uma boa escola primária. E, por aí fora. Mesmo ao nível político, sentimos o mesmo espírito de competição que acabámos de descrever. Para isso, basta recordarmos as metas fixadas pelo Presidente Xi Jinping no seu discurso de encerramento do 19º congresso do partido comunista em outubro do ano passado, como sejam a aspiração à maior superpotência do mundo no ano 2050 ou, a ambição de ser o número um em várias áreas tecnoló-
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gicas já no ano 2030, e ainda, a forma hegemónica como tem lidado com o direito internacional no Mar da China. Por este lado do Atlântico, as notícias são outras. Os líderes portugueses, em cenários internacionais, falam de inclusão (nomeadamente de refugiados) e de cooperação, trabalham e apelam para a paz entre nações. No âmbito interno, o povo, per si, é reconhecido como sendo um ativo valioso para a continuação do desenvolvimento da brilhante indústria de turismo português porque ele é recetivo, simpático, atencioso e dedicado às pessoas, incluindo as desconhecidas, como são os turistas. No entanto, apesar desta enorme diferença cultural nada significa que Portugal e China não possam cooperar. A boa reputação de Portugal nos anos mais recentes permitiu constituir-se um destino cada vez mais importante não só para os turistas chineses, como também para os nacionais chineses que procuram uma formação superior europeia. O ser competitivo exige competências distintivas e possuir uma formação diferente daquela que é oferecida no seu país é um caminho para a aquisição dessa capacidade diferenciadora pelo que se calcula existirem mais de dois milhões de chineses a estudarem em universidades fora da China. As grandes instituições de ensino superior portuguesas quase todas elas possuem protocolos com universidades chinesas para efeitos de intercâmbio de alunos e, inclusivamente, oferta de programas conjuntos de dupla titularização. Por sua vez, escolas de renome de todo o mundo procuram estabelecer-se na China oferecendo programas internacionais e Portugal não é exceção. O ISCTE
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Instituto Universitário de Lisboa oferece na China, através de duas universidades locais, uma em Chengdu e outra em Guangzhou, programas doutorais em gestão aplicada, ambos os dois oficialmente reconhecidos pelas autoridades chinesas.
o grau de inquietude dos membros de uma determinada comunidade face a situações desconhecidas ou incertas. E exprime-se pelo stress ou ansiedade, pela necessidade de assegurar a previsibilidade das situações bem como de requerer regras escritas ou não.
Do mesmo modo, a apetência por bens materiais abre portas à exportação de produtos portugueses, nomeadamente, produtos que na perceção chinesa relevam o estatuto social. Presentemente, Portugal está a entrar no mercado chinês
Nas sociedades onde o nível de controlo é elevado, como é o caso de Portugal, Grécia, França, Japão e, em certa medida, a Alemanha, há uma tendência de profusão de leis e regulamentos, de fomento de um maior controlo sobre os proces-
Comunicação
com bons resultados e exporta com regularidade artigos de alta costura, pedras nobres (mármores e granitos), produtos alimentícios de elevado valor comercial (e.g. medusas e ouriço do mar), entre outros. O controlo da incerteza A outra dimensão no quadro da teoria de Hofstede que mais afasta culturalmente a sociedade portuguesa da chinesa é a que diz respeito ao controlo da incerteza. Entende-se por controlo da incerteza
sos e uma maior regulação nas relações de trabalho. Nas sociedades onde o nível de controlo é baixo, a regulamentação é relativamente simplificada e versa apenas no que é essencial. São exemplos deste tipo de sociedades, os Estados Unidos da América, o Reino Unido e a China. Como curiosidade, a Constituição da República Portuguesa contém 296 artigos, ao passo que a Constituição da República Popular da
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China contém 138 artigos, menos de metade do que a nossa. A Constituição dos Estados Unidos da América tem sete artigos e 27 adendas (amendments). Em termos comportamentais, em países de elevado controlo da incerteza, as pessoas toleram apenas os riscos conhecidos e evitam situações ambíguas ou incertas. Consequentemente, os comportamentos desviantes são mal-aceites e, de um modo geral, as pessoas são fortemente resistentes à mudança. Tendem a ser conservadoras e preferem a lei e a ordem. Estudos científicos dos últimos vintes anos mostram que nestas sociedades, os jovens (e a população em geral) preferem empregar-se a criar o seu próprio emprego. É preferível a segurança do salário mensal em detrimento de receitas que até podem ser avultadas, mas porventura, incertas. Outra descoberta relevante é, nos hospitais, a proporção de médico/ enfermeiro é bem superior quando comparado com os de países de baixo controlo de incerteza. No primeiro caso, o médico representa a certeza da qualidade de tratamento e a segurança no controlo da doença. No segundo, os doentes são relaxados no controlo da doença e confiantes neles próprios. Uma medida associada à questão da incerteza é a capacidade de assunção do risco. Os portugueses são um povo com uma elevada dose de aversão ao risco ao passo que o chinês é, por natureza, propenso ao risco. Quem já viajou por Macau percebe que o chinês é afoito ao jogo. Ele acredita na sua sorte e aceita arriscar, por vezes até exageradamente, a sua fortuna em busca de maior pecúlio. Este com-
portamento de risco manifesta-se com muita evidência nos negócios. Em inquéritos realizados em projetos de investigação académica em Portugal, seis em cada dez alunos chineses declaram que querem ter o seu próprio negócio num futuro próximo e, três em dez dizem que muito provavelmente. O mesmo inquérito aplicado aos alunos portugueses, apenas três em dez dizem que sim ao empreendedorismo. Ao contrário do Japão onde o crescimento económico e a internacionalização da sua economia foram um projeto conjunto dos sucessivos governos pós segunda Grande Guerra e das grandes associações de empresas – as chamadas keiretsu, o desenvolvimento da economia chinesa nos últimos 30 anos foi feito com base no empreendedorismo do povo chinês e, muitas vezes em concorrência direta contra as grandes e poderosas empresas estatais – as SOE, State Owned Enterprises. Algumas das maiores empresas chinesas a nível mundial nasceram das mãos de alguns que arriscaram tudo o que tinham como é o caso do Jack Ma, da Alibaba, um professor de inglês de qualidade duvidosa e que foi várias vezes à falência por causa dos negócios até descobrir o segredo das compras online. A empresa de telemóveis Huawei que nascera nos finais dos anos 80 na cidade de Shenzhen, era uma empresa que inicialmente tinha apenas nove trabalhadores e dormiam todos no andar onde laboravam. Com exceção do Japão e da Coreia do Sul, o desenvolvimento económico de todo o sudeste asiático no último quartel do século XX foi fruto do empreendedorismo do chamado chinês ultramarino, começando por Macau, Hong Kong, Taiwan e Sin-
gapura. Nos países como a Malásia, a Indonésia e a Tailândia onde a população chinesa ronda os cinco e os oito por cento, o produto interno bruto gerado por essa comunidade ronda os 75%. Por cá, preferimos o controlo do nosso dia-a-dia, um quotidiano sem muita variação, mas seguro no que é essencial para a vida. Ainda assim, nos anos recentes, tem havido um movimento muito positivo de criação de start-up em Portugal mormente em projetos de base tecnológica e uma espiral vertiginosa de inovação de tal modo que já se realizaram por duas vezes a web summit em Lisboa, o maior evento mundial de inovação e empreendedorismo. Podemos afirmar, pois, que a sociedade portuguesa, não sendo ela muito propensa ao risco, é feliz em qualidade de vida porque a usufrui, é inovadora q.b. e sabe aproveitar dos múltiplos resultados da inovação. Por fim, para concluir, queremos reafirmar que é através do conhecimento das diferenças culturais entre povos que vamos conseguir ultrapassar a barreira de incompreensão comunicacional. É percebendo como o chinês pensa e se relaciona com a sua envolvente que vamos conseguir moldar o nosso comportamento e a nossa linguagem a fim de fazermo-nos entender o que nós queremos deles e atingir os nossos objetivos. Como vimos atrás, as diferenças culturais geram oportunidades de cooperação. Por outro lado, há um conjunto de variáveis onde o português é próximo do chinês, como sejam, a importância da família e o respeito pela hierarquia, pela ordem e pela senioridade. Ambos os povos são orgulhosos da sua gastronomia e mais… têm uma conceção do tempo muito similar.
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O Prémio Identidade do Instituto Internacional de Macau: propósitos e entidades contempladas Alexandra Sofia Rangel Investigadora do IIM, autora do livro “Filhos da Terra – A Comunidade Macaense, Ontem e Hoje”
A valorização da identidade macaense tem constituído preocupação prioritária do Instituto Internacional de Macau (IIM) desde a elaboração do seu primeiro programa de actividades, em 1999/ 2000. Na reunião anual da sua assembleia geral, em 2002, foi aprovada a criação do “Prémio Identidade”, bem como o respectivo regulamento, estabelecendo como propósito do mesmo distinguir entidades que, “pela sua acção, obra e exemplo, contribuam, activa e significativamente, para a identidade de Macau”, procurando-se “homenagear publicamente e apontar como exemplo a figura a distinguir”. O Prémio “corporiza o mais nuclear espírito do IIM, consagrado na sua vocação e finalidades estatutárias, e contempla aquelas personalidades individuais ou colectivas que, nos campos da Cultura em geral, nas Artes, no Pensamento, na Antropologia, nas Ciências Jurídicas e na Educação e Ensino venham contribuindo relevantemente para a substanciação dos factores da identidade de Macau.” Em 2016, o IIM publicou o livro “Valorizar a Identidade – Entidades Distinguidas com o Prémio Identidade” sobre os propósitos deste Prémio e os contemplados desde 2003 a 2016. Neste artigo faz-se um resumo dos premiados, acrescentando-se o Professor Henrique d’Assumpção, a
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quem foi atribuído o Prémio em 2017. Segue-se a lista das entidades: 2003 – Monsenhor Manuel Teixeira
Manuel Teixeira nasceu a 15 de Abril de 1912 em Freixo-de-Espada-àCinta, localidade transmontana famosa pelo número significativo de missionários que de lá saíram em direcção ao Oriente. Após terminar o ensino primário, Manuel Teixeira partiu para Macau com apenas doze anos, ingressando no Seminário de S. José onde mais tarde se tornou padre. Como missionário fez trabalho muito importante e diversificado em Macau e também foi superior e vigário-geral das Missões Portuguesas de Singapura e Malaca. Foi director e colaborador de várias publicações e exerceu a docência no Seminário de S. José, no Liceu de Macau e na Escola Comercial Pedro Nolasco. Esteve activamente ligado a relevantes organismos académicos e culturais e o seu interesse pela investiga-
ção histórica levou-o a conhecer profundamente a história e a sociedade de Macau, o que lhe permitiu representar Macau e Portugal em congressos internacionais e publicar uma vastíssima bibliografia: a sua obra compreende mais de cem livros e centenas de artigos, além de apontamentos e crónicas publicados na imprensa de Macau. Recebeu altas distinções, entre as quais o oficialato da Ordem do Império Colonial, a comenda da Ordem do Infante D. Henrique, a medalha de Valor de Macau, a comenda da Ordem Militar de Santiago da Espada, Figura do Ano em Macau (1982) e Cidadão Benemérito de Macau. No ano em que celebrou o jubileu de ouro sacerdotal (1984), a Santa Sé atribuiu-lhe o título de monsenhor. Manuel Teixeira faleceu em Chaves (Portugal) a 15 de Setembro de 2003, com 91 anos, meses após ter sido a primeira pessoa galardoada com o Prémio Identidade. 2004 – Dr. Henrique de Senna Fernandes
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Henrique Rodrigues de Senna Fernandes nasceu em Macau a 15 de Outubro de 1923, oriundo de uma das mais antigas famílias do território, e faleceu a 4 de Outubro de 2010. Fez os ensinos básico e secundário em Macau. Terminou, em 1952, o curso de Direito na Universidade de Coimbra e regressou a Macau dois anos depois para exercer advocacia. Foi também professor na Escola Primária Oficial, no Liceu Nacional Infante D. Henrique, na Escola do Magistério Primário e na Escola Comercial Pedro Nolasco, de que foi director durante doze anos, sendo recordado como um dos melhores mestres de gerações de jovens de Macau. Desempenhou cargos em organismos públicos e associativos e foi colaborador em vários jornais e revistas de Macau, além de crítico de cinema na Emissora de Radiodifusão de Macau e membro activo de diversas organizações macaenses.
Macau, o grau de grande oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada, o título de Cidadão Emérito de Macau e a medalha de Mérito Cultural da Região Administrativa Especial de Macau. Em 2003, foi eleito académico correspondente da Academia Internacional da Cultura Portuguesa e, em 2004, recebeu o Prémio Identidade do Instituto Internacional de Macau pela sua notável intervenção cívica e cultural.
Publicou duas compilações de contos, Nam Van – Contos de Macau (1978) e Mong Há (1998), e dois romances, Amor e Dedinhos de Pé (1985) e A Trança Feiticeira (1993), este último com uma tradução em língua inglesa, The Bewitching Braid. Os dois romances foram levados ao cinema: Amor e Dedinhos de Pé em 1993 e A Trança Feiticeira em 1996. O seu conto “A-Chan, a Tancareira” foi vencedor do Prémio Fialho de Almeida dos Jogos Florais da Queima das Fitas de 1950 da Universidade de Coimbra. Recentemente o Instituto Cultural publicou o romance inédito Os Dores como parte de uma colecção da obra completa deste escritor macaense.
Arnaldo de Oliveira Sales nasceu em Cantão (China) em 1921 e é um dos mais destacados membros da comunidade portuguesa de Hong Kong, onde foi presidente do Urban Council (1957-1981), Housing Authority (1957-1980) e Hong Kong Chamber of Commerce (19371981), além de ter feito parte de várias outras importantes instituições. Personalidade influente também na área do desporto, presidiu ao Comité Olímpico de Hong Kong, ao Conselho Olímpico da Ásia e à Federação dos Jogos da Commonwealth.
Foi condecorado com o grau de oficial da Ordem de Instrução Pública, a comenda da Ordem do Infante D. Henrique, as medalhas de Mérito Cultural e de Valor do Governo de
2005 – Comendador Arnaldo de Oliveira Sales
Em 1967, Arnaldo de Oliveira Sales tornou-se presidente do Club Lusitano, contribuindo para uma nova era de prestígio desta instituição. Também presidiu ao Club de Recreio e a outras agremiações portuguesas de Hong Kong, território onde a comunidade portuguesa
exerceu muito significativa influência desde os primórdios da administração britânica. Recebeu altas condecorações nacionais e estrangeiras (Oficial da Ordem do Império Britânico, Comendador da Ordem do Império Britânico, Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique e a Grand Bauhinia Medal) e elevadas distinções de organismos da sociedade civil. Em 2016 foi apresentado no Centro Científico e Cultural de Macau, em Lisboa, um documentário da jornalista da TDM Ana Isabel Dias intitulado “A Voz de Sales”, onde Arnaldo de Oliveira Sales fala sobre a sua vida e os momentos mais marcantes da sua carreira. A Federação do Desporto e o Comité Olímpico de Hong Kong publicaram também uma biografia comemorativa como agradecimento e homenagem a todo o seu imenso trabalho em prol do desporto. Com o título “A. de O. Sales – Trailblazer for Hong Kong’s Road to the Olympics”, é ali realçada a contribuição do seu presidente honorário vitalício nas diferentes áreas da sociedade civil onde se destacou. 2006 – Prof. Eng.º Luís de Guimarães Lobato
Luís Maria Nolasco de Guimarães Lobato nasceu em Macau a 13 de Maio de 1915 e faleceu em Lisboa a 4 de Janeiro de 2009, com quase 94 anos. Formou-se em engenharia no Instituto Superior Técnico em Lis-
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boa, onde também exerceu a docência. Como engenheiro esteve ligado, entre outras, às seguintes obras: a construção do Aeroporto Internacional de Lisboa, as intervenções urbanísticas da Praça do Areeiro (agora Praça Francisco Sá Carneiro), da Avenida Gago Coutinho e dos bairros do Restelo e de Alvalade, a criação do Parque Florestal de Monsanto, a barragem do Castelo de Bode, o metropolitano de Lisboa, a Ponte Salazar (agora Ponte 25 de Abril), a Universidade Católica Portuguesa e a sede e museus da Fundação Calouste Gulbenkian.
pela Universidade Católica Portuguesa. 2006 – Universidade de Macau
Foi um dos instituidores e o presidente honorário da Fundação Casa de Macau e sócio honorário (além de sócio número um) da Casa de Macau em Portugal, assim como administrador da Fundação Calouste Gulbenkian durante quase 30 anos. Ali foram realizadas importantes iniciativas relacionadas com Macau e o Oriente, podendo-se destacar a exposição “Macau – 400 anos de Oriente”. Desempenhou elevados cargos, entre os quais se destacam os de vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, director e director-geral do Metropolitano de Lisboa, conselheiro científico da Universidade Técnica de Lisboa e consultor da UNESCO.
A história da Universidade de Macau (UM) começa em 1981, quando foi fundada a Universidade da Ásia Oriental, estabelecimento de ensino privado que marcou o início do ensino superior moderno em Macau. Após a assinatura da Declaração Conjunta em 1987, o Governo de Macau preparou a transformação da Universidade da Ásia Oriental em universidade pública para corresponder às necessidades de recursos humanos durante o período de transição, pelo que, em 1988, através da Fundação Macau, a Universidade foi adquirida pelo Governo. A partir daí, a reestruturação da Universidade foi sendo feita, dando-se especial importância aos cursos das áreas da Educação, do Direito, de Administração Pública e das Ciências e Tecnologia.
Pelos serviços que prestou foi agraciado com as seguintes distinções: grã-cruz e grande oficial da Ordem do Infante D. Henrique, comendador da Ordem de Santiago da Espada, comendador da Ordem Real de Marrocos, medalha Vasco da Gama de Mérito Naval, cavaleiro das Ordens do Santo Sepulcro e de S. Lázaro de Jerusalém, membro honorário do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, membro emérito da Academia de Marinha e doutor honoris causa
Em 1991 a Universidade passou a ser pública e mudou o seu nome para Universidade de Macau. Em 1994 existiam já cinco faculdades e em 1997 os cursos de licenciatura e mestrado foram oficialmente reconhecidos pelo Ministério da Educação de Portugal. O campus da UM encontra-se agora na ilha chinesa de Hengqin, num moderno e vasto complexo, e foi introduzida uma nova área de estudos denominada “Macaulogia”, que a UM espera poder desenvolver como uma impor-
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tante e internacionalmente reconhecida área académica que promova a compreensão da cultura e da sociedade de Macau. A UM continua a ser a única universidade pública em Macau e são reconhecidos os seus progressos nas áreas da educação, investigação e serviço em prol da comunidade. A Universidade de Macau recebeu em 2006 (ex-aequo) o Prémio Identidade como reconhecimento de anos de trabalho a formar jovens de Macau, a preparar quadros superiores qualificados para o período de transição e para apoio ao funcionamento futuro da Região de Macau, e a produzir investigação académica de qualidade, particularmente na área da Ciência e Tecnologia. 2007 – Associação Promotora da Instrução dos Macaenses
Fundada em 1871, a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM) foi criada por um grupo de macaenses influentes (incluindo Pedro Nolasco da Silva) num tempo em que se sentiu a necessidade de a comunidade macaense tomar medidas para que a juventude de Macau não ficasse prejudicada com a falta de apoios oficiais neste domínio. Tendo começado por subsidiar o funcionamento de escolas existentes no território para impulsionar a educação, em 1878 a APIM fundou a Escola Comercial (denominada Escola Comercial Pedro Nolasco em 1919) para dar resposta à necessidade de preparação profis-
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sional para os jovens macaenses arranjarem emprego na função pública e nos escritórios comerciais, não só em Macau mas também noutras paragens do Oriente como Hong Kong, Xangai e Singapura. Esta escola foi extinta 120 anos depois, em 1998, ano em que a Escola Portuguesa de Macau foi instalada nesse complexo escolar. Além de membro da Fundação Escola Portuguesa de Macau, APIM é também responsável pela gestão e funcionamento do Jardim de Infância D. José da Costa Nunes, igualmente em língua portuguesa. Os seus estatutos estabelecem como principais objectivos os seguintes: promover a educação integral da juventude de Macau, difundir as línguas e culturas portuguesa e chinesa, promover a realização de cursos extracurriculares e de formação artística e técnico-profissional, conceder bolsas de estudo e prémios escolares, e facultar material escolar e desportivo a alunos carenciados. A APIM mantém uma biblioteca com livros maioritariamente em português, participa na organização dos Encontros das Comunidades Macaenses e publica livros sobre Macau e a comunidade macaense, além de ser também membro associado da Associação das Universidades de Língua Portuguesa.
A Diocese de Macau foi estabelecida em 1576 por bula do Papa Gregório XIII. Originalmente cobria as vastas regiões da China, Japão, Vietname e o arquipélago da Malásia e estava subordinada à Arquidiocese de Goa, na então Índia Portuguesa. Com o passar dos tempos outras dioceses foram fundadas e a de Macau foi perdendo a maior parte do seu território, acabando por administrar apenas a cidade de Macau. A Diocese de Macau encontra-se dividida em seis paróquias (Sé, São Lázaro, Santo António, São Lourenço, Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora de Carmel), duas quase-paróquias (São Francisco Xavier e São José) e uma missão em Coloane (São Francisco Xavier). Os santos padroeiros são São Francisco Xavier e Santa Catarina de Siena e o lema é “Scientia et Virtus” (Sabedoria e Virtude). O Seminário de S. José desempenhou uma missão importantíssima na formação de missionários e as escolas católicas do território, pelo seu número e qualidade, exerceram uma influência decisiva na educação da juventude. Já no fim do período de transição, a Diocese colaborou com a Universidade Católica Portuguesa na criação de uma nova instituição de ensino superior local, inicialmente denominado Instituto InterUniversitário de Macau (agora Universidade de S. José).
2008 – Diocese de Macau A fé católica tornou-se parte da cultura e do legado de Macau. Comunidade ligada aos valores cristãos desde os primórdios, os macaenses identificaram-se largamente com a acção missionária e envolveram-se, ao longo da história, no funcionamento desses organismos, participando nas actividades religiosas e colaborando na sua obra social. Várias igrejas fazem parte do centro histórico da cidade, consagrado pa-
trimónio mundial pela UNESCO, e as Ruínas de São Paulo são o ex-libris da cidade. Foi de Macau que partiram missionários para todo o Oriente ao longo de séculos. A Igreja continua a ter um papel da maior relevância na sociedade de Macau, com uma intervenção muito relevante no ensino e através de organismos de solidariedade social. Por estas razões recebeu o Prémio Identidade em 2008. 2009 – Santa Casa da Misericórdia
Algumas instituições macaenses, pela sua antiguidade, reportam-se quase ao início de Macau, tendo sobrevivido, pela sua capacidade de afirmação, até aos nossos dias, como é o caso da Santa Casa da Misericórdia de Macau, fundada em 1569 pelo bispo D. Melchior Carneiro e ainda agora em funcionamento, cumprindo a missão de apoio social que presidiu à sua criação. Esta foi a segunda mais antiga misericórdia ultramarina, estabelecida logo a seguir à de Goa. Ao longo da sua história a Santa Casa criou o Hospital dos Pobres (mais tarde Hospital de S. Rafael, em cujo edifício funciona presentemente o Consulado-Geral de Portugal em Macau), um estabelecimento para cuidar dos leprosos, vários asilos para órfãos e viúvas e casas para acolher os pobres. Em 1937, com fundos da Santa Casa, ficaram concluídas 612 casas
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no novo bairro “Tamagnini Barbosa” para famílias desfavorecidas. A obra de benemerência da Santa Casa não se estendeu apenas a Macau, pois a sua ajuda foi ofe recida a todas as Missões dos Jesuítas Portuguesas no Extremo Oriente: China, Hainão, Japão, Tonquim, Cochinchina, Camboja e Sião. Foi pelo seu meritório trabalho filantrópico e de assistência social que a Santa Casa da Misericórdia de Macau recebeu o Prémio Identidade em 2009. 2010 – União Macaense Americana
Tendo comemorado 50 anos de funcionamento em 2009, a União Macaense Americana (UMA) foi galardoada com o Prémio Identidade em 2010, durante o Encontro das Comunidades Macaenses, numa cerimónia que decorreu no Teatro D. Pedro V, sendo a primeira Casa de Macau a receber o prémio. O júri deste prémio teve em consideração esta importante iniciativa de macaenses num tempo em que os subsídios eram inexistentes e os apoios muito escassos. Foi graças à persistência e à determinação dos seus fundadores que a UMA se constituiu como a primeira agremiação macaense fora de Macau e de Hong Kong. Com mais de 600 membros, a UMA é uma organização de natu-
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reza social e cultural sem fins lucrativos e tem como missão preservar e valorizar a cultura, o legado, as tradições e a história da comunidade macaense. Para isso, mantém protocolos de cooperação com as outras Casas e associações similares, em Macau e noutros países, e com organismos como o Instituto Internacional de Macau e o Conselho das Comunidades Macaenses. A sua sede encontra-se no Macau Cultural Center em Fremont, Califórnia, num edifício histórico que foi adquirido com apoios do Governo de Macau e que a direcção do Centro recuperou e mantém. Ali funcionam também o Lusitano Club da Califórnia e a Casa de Macau (USA). Uma sede partilhada permitiu a estas três agremiações macaenses a realização de mais actividades conjuntas, estreitando as relações entre todos os seus membros e contribuindo para uma maior e mais eficaz divulgação de Macau. 2011 – Macanese Families e Projecto Memória Macaense
Estas duas páginas na Internet receberam ex-aequo o Prémio Identidade em 2011 pelo seu papel inovador no trabalho de preservação da memória de Macau através da recolha e divulgação de informação e materiais relativos à história de Macau e da comunidade macaense.
Disponível em inglês e português, o site “Macanese Families” foi criado pelo Professor Henrique d’Assumpção (personalidade destacada na Austrália, para onde emigrou ainda jovem) com os objectivos de promover e divulgar a cultura macaense e preservar registos culturais e históricos, através de árvores genealógicas e materiais diversos tais como receitas, fotografias, lista de publicações relevantes, mapas, artigos, uma introdução ao Patuá e uma lista de macaenses condecorados. Antes da recente remodelação para o actual “Macanese Library”, o site “Macanese Families” contava com cerca de 1.500 membros espalhados pelo mundo, havendo 50.000 nomes na base de dados disponível para consulta. O “Projecto Memória Macaense” foi criado em 2003 por Rogério P. D. Luz, macaense residente no Brasil desde 1967 e membro muito activo da Casa de Macau de São Paulo, com carácter não-comercial e totalmente subsidiado pelo autor. Rogério Luz pretendeu abrir uma base de dados onde macaenses de todo o mundo pudessem ter acesso a material como fotografias, vídeos, música (destacando muitos músicos macaenses do passado e presente), notícias, excertos de publicações sobre Macau e fontes históricas (incluindo bandeiras e mapas). O site encontra-se neste endereço: http://rpdluz.tripod.com/projectomemoriamacaense/index.html. Dedicado a preservar e a divulgar a memória da comunidade, Rogério Luz criou também um blog intitulado “Crónicas Macaenses” para servir de complemento ao “Projecto Memória Macaense”, podendo ser visualizado no seguinte endereço: https://cronicasmacaenses.com/
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2012 – Club Lusitano, Hong Kong
Fundado em 1866 como clube recreativo para a comunidade portuguesa residente em Hong Kong, o Club Lusitano situa-se na Ice House Street, mesmo no centro da cidade. Este é o local da sua segunda e actual sede, tendo a primeira sido estabelecida em Shelley Street, onde nos finais do século XIX viviam muitos portugueses. Os seus fundadores foram Delfino Noronha, J.A. Barreto, Eusébio Honorato d’Aquino, João Luís Salavisa Alves e Filomeno Francisco d’Azevedo e, ao longo de mais de um século, todas as mais destacadas personalidades da comunidade portuguesa ficaram activamente ligadas a esta instituição. Ao longo da sua história, o Club Lusitano foi um recanto de Portugal naquela colónia britânica, sabendo manter viva a sua ligação à Pátria. Governantes e outras altas entidades do Estado Português foram sempre muito bem recebidas nas suas excelentes instalações, onde estão expostos bandeiras, condecorações, estatuetas e quadros ligados a Portugal. As relações com as autoridades e instituições de matriz portuguesa de Macau foram também permanentes e sempre positivas. O Club Lusitano é das mais sólidas e prestigiadas agremiações nesta cidade devido à sua exemplar gestão, além da importância histórica e das acções de solidariedade so-
cial que promoveu, e tem procurado manter vivas a sua acção e a sua missão como uma verdadeira Casa de Portugal no Extremo Oriente. Nas suas modelares instalações existe um restaurante de comida portuguesa, bem como salas de reuniões e recintos para actividades recreativas e de convívio. 2013 – Grupo Dóci Papiaçám di Macau
Em 1993 foi criado um grupo de teatro macaense chamado Dóci Papiaçám di Macau (“A doce língua de Macau”). O nome foi escolhido em homenagem ao poeta macaense José dos Santos Ferreira, mais conhecido por Adé, que usou “Dóci Papiaçám di Macau” como título de uma das suas obras em patuá e que foi também actor em diversas récitas no Teatro D. Pedro V. As peças, escritas e encenadas por Miguel de Senna Fernandes, advogado e um dos co-fundadores do grupo, são em patuá, com alguns momentos falados em português, cantonense e até inglês, dependendo das personagens da peça e também da capacidade linguística dos actores. A primeira peça chamou-se Olâ Pisidente (Ver o Presidente), criada especialmente para a visita a Macau do Presidente da República Mário Soares e apresentada com sucesso no Teatro D. Pedro V. Em 1994 seguiram-se as peças Mano Beto Vai Saiong (Mano Beto vai a Portugal) e Unga Sonho di Na-
tal (Um Sonho de Natal). Em 1995 o grupo fez uma digressão a São Francisco (EUA), São Paulo (Brasil) e Lisboa com a peça Chacha Querê Festa! (A Avó Quer Festa!). No ano seguinte, o Dóci Papiaçám di Macau marcou presença no Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica e, em 1997, participou, pela primeira vez, no Festival de Artes de Macau. Desde então tem levado ao palco uma peça por ano, integrada no programa deste Festival. Excluindo velhas famílias que ainda usam o dialecto, este é quase o único contexto onde actualmente se fala o patuá, sendo uma óptima oportunidade para os mais jovens entrarem em contacto com o dialecto. O Prémio Identidade foi entregue a este grupo numa sessão cultural organizada e coordenada pelo Instituto Internacional de Macau, a qual foi integrada no programa do Encontro das Comunidades Macaenses de 2013. 2014 – Escola Portuguesa de Macau
Em 1966 foi inaugurado o novo complexo escolar da Escola Comercial Pedro Nolasco na Avenida Infante D. Henrique, zona privilegiada no centro da cidade de Macau. Esta escola funcionou até 1998, quando foi extinta (juntamente com o Liceu de Macau e a Escola Primária Oficial) para dar lugar à Escola Portuguesa de Macau (EPM), estabelecimento de ensino criado para garantir a existência de uma escola com língua vei-
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cular portuguesa após a transferência do exercício da soberania. Para providenciar as condições necessárias à sua gestão, funcionamento e desenvolvimento foi criada a Fundação Escola Portuguesa de Macau, instituição de direito privado e utilidade pública. Na cerimónia de lançamento marcaram presença o Primeiro-Ministro de Portugal, António Guterres, o Ministro da Educação de Portugal, Eduardo Marçal Grilo, o Governador Vasco Rocha Vieira e o presidente do Conselho de Administração da Fundação Escola Portuguesa de Macau, Roberto Carneiro. A primeira presidente da direcção da escola foi Maria Edith da Silva, ex-directora dos Serviços de Educação e Juventude e deputada à Assembleia Legislativa de Macau, sendo actualmente presidente da direcção Manuel Machado. Maria Edith da Silva preside agora ao Conselho de Curadores, novo órgão desta Fundação, que deixou de contar, desde 2017, com a participação da Fundação Oriente, ao mesmo tempo que passou a receber apoios maiores da Fundação Macau. Neste estabelecimento de ensino, com turmas do 1.º ciclo ao fim do secundário, segue-se o sistema de ensino português e está garantido o acesso ao ensino superior em Portugal. Para incentivar o empenhamento dos alunos na sua formação, todos os anos são atribuídos diversos prémios escolares e menções de excelência. Aliás, a busca da qualidade tem sido uma preocupação constante dos seus responsáveis. Além do jornal escolar “Tempus & Modus”, feito por alunos com a colaboração de professores, a EPM tem, nos últimos anos, investido na publicação das suas próprias edições, resultantes do trabalho individual ou conjunto de professores e
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alunos, para promover a leitura e a escrita. 2015 – Jardim de Infância D. José da Costa Nunes
veicular continua a ser a portuguesa mas as crianças aprendem também o mandarim e o inglês como línguas estrangeiras, para estimular desde cedo o gosto pela aprendizagem de línguas e também para se integrarem melhor no ambiente multicultural de Macau. 2016 – Casa de Macau em Portugal
Ao longo dos seus 80 anos de existência, o Jardim de Infância D. José da Costa Nunes recebeu várias gerações de macaenses, preparandoos para uma escolaridade em língua portuguesa. Foi assim denominado em homenagem ao bispo de Macau (1920-1940), personalidade marcante pela sua acção missionária e pela importância e impulso que deu à educação no território. O cardeal D. José da Costa Nunes foi Patriarca das Índias Orientais e Vice-Camerlengo da Santa Sé. Quando regressou a Macau em 1964 foi proclamado Cidadão Benemérito da Cidade do Santo Nome de Deus. Este estabelecimento de educação para crianças dos 2 aos 6 anos tem como principal objectivo a salvaguarda e a promoção da língua e cultura portuguesas em Macau e tem um papel activo na manutenção de um sistema educativo de matriz portuguesa, que contribui para a preservação da identidade macaense. A Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM) é responsável pela gestão e funcionamento do Jardim de Infância, dando-lhe as condições e o apoio necessário para que continue a ser uma instituição educativa de qualidade. A língua
Em 2016, a Casa de Macau em Portugal recebeu o Prémio Identidade ao comemorar 50 anos de existência, que foram celebrados com uma sessão solene, uma festa de convívio e o lançamento dum livro contendo a história da Casa e depoimentos de personalidades a ela ligadas. O certificado do Prémio Identidade foi entregue à sua presidente, Maria de Lurdes Vaz Albino, numa sessão onde foram também recordados os fundadores da Casa, com destaque para Armando de Oliveira Hagatong e Laura Lobato Majer. A Casa de Macau em Portugal foi criada oficialmente em Junho de 1966 como associação de carácter privado e sem fins lucrativos por um grupo dedicado de macaenses, tendo como objectivo principal promover e divulgar Macau e as comunidades portuguesas no Extremo Oriente. Quando se aproximava o fim do período de transição de Macau, houve a preocupação de garantir meios para o funcionamento da Casa depois de 1999. O apoio do último Governador de Macau,
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General Vasco Rocha Vieira, foi indispensável para a criação da Fundação Casa de Macau em 1996, com vista a gerir o património e proceder à compra e manutenção de uma moradia na Avenida Gago Coutinho, em Lisboa, para aí se desenvolverem as actividades associativas. As novas instalações foram inauguradas em Outubro de 1999 pelo Presidente da República Portuguesa. No jardim da moradia encontra-se uma réplica da estátua da deusa Kun Iam da arquitecta Cristina Leiria. Entre as actividades organizadas pela Casa de Macau são de referir os típicos “chás gordos” em ocasiões especiais, convívios, exposições de pintura e fotografia, workshops e concursos de culinária macaense, viagens culturais, cursos de chinês, cursos de fotografia e conferências sobre Macau e o Extremo Oriente, além da publicação regular do boletim informativo “Qui Nova?!...” 2017 – Prof. Henrique (Henry) d’Assumpção
O Prémio Identidade de 2017 foi atribuído ao Professor Henrique An-
tónio d’Assumpção, já atrás referido como criador do website “Macanese Families”. Nascido em Macau a 9 de Agosto de 1934, emigrou ainda jovem para a Austrália, onde fez a licenciatura e o mestrado em Engenharia (Universidade de Adelaide) e prosseguiu a sua carreira científica e académica, ocupando vários cargos em centros de investigação até chegar a Chief Defense Scientist entre 1987 e 1990. Foi co-inventor do “Barra Sonobuoy System” e efectuou estudos importantes sobre a propagação do som no mar e sistemas de radares. Após deixar o Departamento de Defesa em 1990, tornou-se professor na Universidade do Sul da Austrália e director do Cooperative Research Centre for Sensor Signal and Information Processing. Não obstante a sua intensa actividade académica e no seio de entidades públicas australianas, não deixou nunca de se manter activamente ligado à comunidade macaense e às suas origens. Em reconhecimento do seu trabalho na área da ciência e tecnologia, recebeu a condecoração de Oficial da Ordem da Austrália em 1992. Aposentado desde 2000, Henrique d’Assumpção dedicou-se à criação e difusão do website vencedor exaequo do Prémio Identidade de 2011. “Macanese Families” foi sendo ampliado e renovado ao longo dos
anos, tendo sido recentemente relançado como “Macanese Library” (http://www.macaneselibrary.org/Pu blicP-o/index.htm), um novo portal englobando quatro websites: um em inglês e outro em português de acesso público, e mais dois nessas mesmas línguas mas de acesso privado. Pede-se a ajuda de voluntários para que o material disponível continue a aumentar, nomeadamente nas áreas da introdução de dados biográficos com base na obra “Famílias Macaenses” do Dr. Jorge Forjaz, envio de fotografias e identificação de pessoas nas fotografias já recolhidas, e tradução para que tudo esteja apresentado em português e inglês, de modo a facilitar a consulta pelos membros da comunidade, dispersos pelo mundo. Terminamos este artigo com um excerto do apelo do Prof. Henrique d’Assumpção à comunidade aquando da apresentação do novo site “Macanese Library”: “Se ama a sua herança macaense e quer dar o seu contributo (...) é importante que faça o que pode para preservar os registos da história da sua família. Fale com os seus familiares, faça cópias das suas fotos e escreva os factos de que se recordam. Faça filmes e grave as vozes e distribua cópias dessa recolha aos membros da sua família. Cada um de nós pode fazer algo para ajudar a preservar a nossa herança cultural.”
Bibliografia RANGEL, Alexandra Sofia (2012). Filhos da Terra – A Comunidade Macaense, ontem e hoje. Macau: Instituto Internacional de Macau. RANGEL, Alexandra Sofia (2016). Valorizar a Identidade – Entidades Distinguidas com o Prémio Identidade. Macau: Instituto Internacional de Macau. “The Barra Sonobuoy System: Engineers’ Profiles”. Engineering Icons. http://www.engineeringicons.org.au/engineering-icons/australian/barra-sonobuoy-system/profile.html WALKER, Rosanne (2001, 2006). “d’Assumpcao, Henrique Antonio (Henry) (1934–)”. Encyclopedia of Australian Science. http://www.eoas.info/biogs/P003478b.htm
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O “Tsunami”, o Homo Floresiensis e remanescências portuguesas no Sri Lanka e na Indonésia – os Silvas de lá – um brasileiro de Cametá, governador do Timor Carlos Francisco Moura Historiador Fatos ocorridos há séculos em regiões remotas, e que às vezes têm relações diretas ou indiretas com nossa história, permanecem muitas vezes adstritos ao conhecimento de reduzido número de estudiosos. E alguns lampejos só chegam ao grande público quando trazidos no bojo de notícias de acontecimentos de grande repercussão, como ocorreu recentemente com um trágico desastre natural e com uma auspiciosa descoberta arqueológica.
Os Silvas do Sri Lanka O fato trágico foi o maremoto, designado agora na imprensa em geral pelo termo japonês Tsunami, que em 26 de dezembro de 2004 atingiu a Indonésia, o Sri Lanka (antigo Ceilão), a Índia e a costa oriental da África. Poucos dias depois a TV Globo transmitiu, diretamente do Sri Lanka, entrevista com uma brasileira que, de férias no país, ao ser destruído pelas ondas o hotel onde se hospedara, foi socorrida por uma família cingalesa que, para seu espanto, tinha o sobrenome da Silva. Também no rescaldo da tragédia, a Rádio Televisão Portuguesa transmitiu reportagem diretamente de Gale, onde a população inteira da cidade conseguiu pôr-se a salvo refugiandose dentro das muralhas da fortaleza fundada pelos portugueses no século XVI. Historiador cingalês entrevistado in loco informou que, apesar de, em geral, acreditar-se que a fortificação desde o início era holandesa, na realidade era de fundação portuguesa.
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A primeira fortaleza construída pelos portugueses no século XVI em Colombo, capital do Sri Lanka (Gaspar Corrêa, Lendas da Índia, vol. 2)
Propaganda veiculada na época pela internet informava continuar funcionando a pousada instalada na fortaleza, e até anunciava uma promoção. Os portugueses chegaram ao Ceilão pouco depois do descobrimento do Brasil: em 1505/1506 com D. Lourenço de Almeida. O capitão
João Ribeiro, que viveu dezoito anos no Ceilão, escreveu em 1685 a obra Fatalidade Histórica da Ilha de Ceilão, em que descreve a ilha, suas riquezas, costumes dos naturais e as guerras com os holandeses, nas quais tomou parte. Os estabelecimentos portugueses são descritos nos capítulos IV “Das fortalezas que
O “Tsunami”, o Homo Floresiensis...
tínhamos naquela ilha” e XII “Em que se mostra o assento e fortificação de Colombo e mais fortalezas da ilha”.1 Portugal tinha várias fortalezas no Ceilão: Manar, Negumbo, Colombo, Gale, Caliture, Tanavaré, Beligão, Batecalou, Triquinimale, Jafanapatão (e Cais dos Elefantes), Sofragão. Abordaremos apenas Gale e Colombo. “A fortaleza de Gale está posta em uma ponta de terra e tinha pelos dois lados o mar; o da parte do norte é rochedo áspero e assim não tem mais defesa; o da parte do sul é a baía que se cobre com uma estacada de paupique e pela parte da terra a corta de um mar a outro um lanço de muralha com seu fosso e três baluartes; no meio está a porta e uma ponte levadiça; com esta fortificação era defensável. Os moradores lhe davam nome de cidade, porém somente era fortaleza”. (pp.31/2) Gale tinha uma paróquia, um convento franciscano, Santa Casa, hospital e alfândega; sua população orçava por 860 famílias, 260 das quais, de portugueses. “Tinha duzentas e sessenta famílias de portugueses, seiscentas de vários ofícios, todos cristãos; havia nela capitão da praça, um ajudante, uma paróquia, o Convento de S. Francisco, Casa da Santa Misericórdia, hospital, alfândega, feitor e seu escrivão”. (p.32) O manuscrito seiscentista Forma de todas as fortalezas de Ceilão, de
Constantino de Sá e Miranda, informa: “É Gale uma das povoações que Vossa Majestade tem no Ceilão (...). Neste sítio fez a Vossa Majestade Constantino de Sá da primeira vez que foi a Ceilão uma fortaleza, desfazendo o nome de outra que posto que o tinha de tal, o não era mais que umas casas sucintas onde hoje vivem os capitães”. (Jorge Manuel Flores, Os olhos do rei, p.129). A fortaleza de Gale foi tomada em 1641 pelos holandeses que reconstruíram as partes destruídas no ataque. Atualmente ostenta o título de patrimônio cultural da humanidade, conferido pela UNESCO. Quanto a Colombo, atualmente capital do Sri Lanka, a primeira fortificação foi devida a Lopo Soares de Albergaria, governador da Índia que, segundo João Ribeiro, obteve do imperador Aboenegabo Pandar autorização para construir uma tranqueira de madeira para segurança de uma casa em que os portugueses estocassem gêneros e artigos de comércio. Essa construção foi executada em 1518, e, ainda segundo Ribeiro, o governador “nela deixou por capitão daquela praça João da Silva com duzentos soldados, feitor e escrivão e um sacerdote para lhes administrar os sacramentos e bem provido de todo o necessário e quatro fustas para o amparo daquele posto” (p.14).
Fortalezas construídas pelos portugueses no Ceilão nos séculos XVI e XVII
Acrescenta o mesmo autor que “em 1520 se ordenou irem àquela praça alguns navios que levaram gente e materiais com que deram princípio a fazê-la de pedra e cal.” (p.14) João Ribeiro é sucinto na descrição dos primeiros tempos dos portugueses no Ceilão, e, como é natural, mais abundante na das duas décadas em que ali residiu. Sabe-se que a primeira fortificação de Colombo (a de Lopo Soares) foi abandonada em 1524, e reconstruída em 1554. É evidente que ele já se refere à segunda, a da sua época, quando diz que “Columbo, de uma limitada tranqueira composta de madeira, se veio a fazer uma galharda cidade fortificada”. (p.30) “Tinha duzentas e trinta e sete peças de artilharia cavalgada dos
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João Ribeiro, (1622-1693) foi para a Índia em 640, e logo a seguir para o Ceilão, onde ficou até a perda de Jafanapatão, quando ficou prisioneiro dos holandeses. Voltou depois a Portugal e tomou parte nas guerras contra a Espanha. Seu livro foi traduzido para o francês e publicado em 1701 em Paris, Trevoux e Amsterdam. A primeira edição portuguesa só saiu em 1836, no volume V da Coleção de notícias para a história e geografia das nações ultramarinas, da Academia das Ciências de Lisboa. Em 1847 foi publicada no Ceilão a tradução inglesa, que teve várias reedições. Neste trabalho nos baseamos na edição da Fatalidade Histórica da Ilha de Ceilão, transcrita em português atual por Maria da Graça Pericão, Biblioteca da Expansão Portuguesa, Publicações Alfa, Lisboa, 1989.
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gêneros de dez até trinta e oito libras. Estava assentada em uma baía capaz de recolher muitos navios pequenos e ficava lavada do norte. Ocupava a circunvalação mil e trezentos passos”. (p.30) A fortificação é descrita minuciosamente. “Em a ponta do recife que fica ao sul,” uma couraça grande com a mais grossa artilharia, chamada Santa Cruz, que “lavava e defendia toda a baía”, o baluarte chamado Mapané, “onde está uma porta com ponte levadiça”, e mais os baluartes de S. Gregório, S. Jerônimo, Madre de Deus, “a porta que chamam da Rainha”, os Baluartes de S. Sebastião e Santo Estevão, a porta e Baluarte de S. João com outra ponte levadiça. Voltada para a baía, “uma formosa couraça defronte do Colégio da Companhia”. Mais adiante o Baluarte da Alfândega, e daí corria a muralha, até fechar com a couraça de Santa Cruz. (pp.30/31) Ribeiro enumera as instituições religiosas, as hospitalares e as de ensino existentes em Colombo, bem como o número de habitantes: 2.400 famílias. “Havia nesta cidade novecentas famílias de moradores nobres e passante de mil e quinhentos de vários oficiais e mercadores, tudo de muros adentro, duas freguesias, a matriz e S. Lourenço, cinco conventos religiosos – o de S. Francisco, S. Domingos, Santo Agostinho, os Capuchos, e o Colégio dos Padres da Companhia, com classes de latim e Moral, a Casa da Santa Misericórdia, um hospital real e, de muros afora, sete freguesias.” (p.31) A organização das forças de defesa também é descrita.
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“Todos os moradores estavam alistados em companhias, os portugueses em umas e os naturais em outras; todos faziam suas guardas em os baluartes e postos com suas armas em que andavam destros e bem amocionados [sic]. Quando entrava de guarda uma companhia de portugueses, se tinha oitenta ou noventa homens, a faziam duzentos, todos armados, porquanto os criados e domésticos acompanhavam nestas ocasiões seus amos e senhores”. (p.31) O armazenamento da pólvora para a defesa merecia cuidados especiais. Em “uma grandiosa casa feita de abóbada”, situada na cerca do convento de Santo Agostinho, se guardavam “cento e vinte jarras grandes de pólvora”, que “nelas se conservavam maravilhosamente, sem necessitar de reforma”. Outras duas casas menores, também de abóbada, cheias de jarras de pólvora, ficavam, uma na casa de S. Francisco, e outra na dos Capuchos. (p.31) Os portugueses só perderam Colombo para os holandeses em 1656, depois de um apertado cerco de vários meses. As outras posições também foram perdidas, mas muitos portugueses permaneceram no Ceilão, e seus descendentes mantiveram costumes e tradições, e até um dialeto próprio. Os ministros protestantes holandeses enviados ao Ceilão para substituir a influência dos missionários católicos tiveram que aprender o dialeto português para se entenderem com essa população. E publicaram nesse dialeto livros e orações e até um jornal no século XIX. É vasta a bibliografia sobre a história dos portugueses no Ceilão, e curiosamente, vários autores cingale-
ses e indianos ostentam o sobrenome Silva, a atestar a ascendência portuguesa: Chandra Richard de Silva, K. M. Silva, Daya de Silva, Manik de Silva. Chandra Richard de Silva publicou as seguintes obras: - Sri Lanka: A history, 1ª ed. 1987, 2ª Nova Dehli, Vikas Publishing House, 1989; The First Portuguese Revenue Register of the Kingdom of Kotte 1599 (1975); Portuguese in Ceylon 16171638, Colombo, 1972; Portuguese Policy Towards the Muslins in Ceylon, 1966; K. M. Silva é autor de A history of Sri Lanka, Nova Dehli, Oxford University Press,1981; History of Sri Lanka, vol. II: from 1500 to c.1800, Peradeniya, University of Peradeniya, 1955; Daya de Silva escreveu: The Portuguese in Asia. An annotated bibliography of studies on Portuguese Colonial history in Asia 1498-c.1800, Zug. Documentation Company, 1987; A Bibliography of Manuscripts Relating to Ceylon in the Archives and Libraries of Portugal, in Boletim Internacional de Bibliografia LusoBrasileira (1967, 1968); R. K. Silva e W. G. M. Beumer publicaram - Illustrations and Views of Dutch Ceylon 1602-1796, Londres/ Leiden, Serendib Publications, E. J. Brill, 1988; Manik de Silva publicou – The Dutch connection of Burghers and Broeders, Far Eastern Economic Review, 1981. Trata-se de estudo da comunidade Burgher portuguesa de Batticaloa, que constitui “um dos maiores grupos de famílias que preservam a língua e a música crioulas nesta isolada cidade portuária, como remanescência de uma cultura que dominou a sociedade
O “Tsunami”, o Homo Floresiensis...
da ilha por centenas de anos”. 2 Constantino de Sá de Miranda dá notícia deste estabelecimento no citado manuscrito Forma de todas as fortalezas do Ceilão. “Nela tem Vossa Majestade uma fortaleza obrada pelo estilo que se vê em sua planta; fê-la Constantino de Saa de Noronha em uma ilha do mesmo porto, sítio forte à diferença dos mais que se consideram, e a quem com corrupção chamam Betacalou”. (p.128) Entre outras obras pioneiras nesses estudos, cabe lembrar Ceylon: the Portuguese era being a history of the island for the period 15051658, de P.E. Pieris, em 2 volumes, publicada em Colombo em 1913 e 1914.
Localização da Ilha das Flores (pormenor do Territorium Provinciae Indiae, 1514)
Lembramos também Kenneth David Jackson, autor de: – A Presença Oculta 500 anos de Cultura Portuguesa na Índia e no Sri Lanka, A Hidden Presence of Portuguese Culture in Índia and Sri Lanka, Fundação Macau, Macau, 1995; e Cantha sen Vargonya Tradições Orais em Verso Crioulo Indo-Português com transcrição e análise de um manuscrito em português cingalês, tradução de Isabel de Sena, Fundação Macau, 1981.
O outro acontecimento a que nos referimos, este auspicioso, constitui uma das mais importantes descobertas arqueológicas do século, “numa caverna de uma remota ilha da Indonésia”.
E, dentre a numerosa bibliografia portuguesa, além da célebre obra já citada, Fatalidade Histórica da Ilha de Ceilão, escrita em 1685 pelo capitão João Ribeiro, lembramos os livros recentes de Jorge Manuel Flores: Os Portugueses e o Mar do Ceilão: Trato, diplomacia e guerra (1498-1543), Cosmos, Lisboa, 1998; e Os olhos do Rei – Desenhos e Descrições Portuguesas da Ilha de Ceilão (1624-1638), Comissão Na-
cional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 2004. O Homo Floresiensis
Trata-se da ilha das Flores, ou de Flores, do arquipélago da pequena Sunda, situada entre o mar de Flores e o mar de Savu, a noroeste do Timor. A revista Science listou as maiores descobertas científicas de 2004, e colocou em primeiro lugar a verificação, através das sondas Opportunity e Spirit, que Marte teve água no passado, e possivelmente formas de vida. Logo a seguir, a descoberta, numa caverna da ilha das Flores, por uma equipe de arqueólogos australianos e indonésios, de esqueletos de uma nova espécie humana, logo batizada com o nome de Homo floresiensis.
Esse hominídeo tinha menos de um metro de altura e teria vivido na ilha há 18.000 anos. Peter Brown, um dos arqueólogos da equipe lembrou que lendas da região referem-se a um povo pequeno, peludo, que não sabia falar, chamado Ebu Gogo, que habitava as florestas de Flores. Esse povo, acrescenta, “teria desaparecido por volta de 1500 quando os conquistadores holandeses chegaram à ilha”.3 Desde logo desperta a atenção o nome da ilha: por que Flores e não um termo de uma das línguas da região? Ou então Flores em holandês, ou mesmo em inglês Flowers? Porque o nome foi dado pelos portugueses, primeiros europeus que chegaram à ilha, no início do século XVI (1511 ou 1515). Os holandeses só chegaram àqueles mares nos fins do século XVI, e os portugueses permaneceram na ilha até 1851, quando, inopinadamente, o comissário régio Joaquim Lopes de Lima, governador do Timor, negociou com as autoridades holandesas na
_________________ 2
Kennet David Jackson, Cantha Sen Vargonya, p.63. As grafias dos topônimos mencionados neste trabalho variam de acordo com as fontes: Sica, Sicca, Sika, Sikka, Colombo, Columbo, Baticalou, Batticalou, Larantuca, Larantuka, etc.
3
O Globo, 29/10/04.
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região um tratado pelo qual entregava a ilha das Flores em troca do território de Maubara no Timor e de uma indenização de 200.000 florins. Feito sem consulta prévia, o governo português desaprovou o acordo e ordenou o regresso de Lopes de Lima preso, para Lisboa. Ele acabou morrendo durante a viagem em Batávia, e o tratado não chegou a ser anulado. Mas os descendentes de portugueses permaneceram na ilha com seus costumes, tradições e dialeto. E tal como ocorrera no Sri Lanka, os missionários protestantes holandeses enviados para a ilha tiveram que aprender o dialeto português e publicaram nele seus livros de orações e ofícios religiosos. A Dinastia dos Silvas em Sicca Em Flores e em outras ilhas, os chefes locais eram chamados de “reis” pelos portugueses. A coroação desses reis lembra a cerimônia de aclamação dos reis de Portugal. O costume perdurou durante o domínio holandês, era prestigiado pelas autoridades, e chegou aos nossos dias. O cardeal Costa Nunes dá notícia, em 1924, desse cerimonial, e não podemos deixar de transcrever na íntegra a descrição. “Outro dia, em Batávia, ouvi da boca de Magr. A. Verstraelen, Bispo de Flores e Solor, um facto que me comoveu. No dia 21 de
novembro do ano findo foi ele a Sicca, na ilha das Flores, fazer um Pontifical. Tratava-se da cerimónia da coroação do rei nativo, por nome D. Tomás da Silva. Ao Evangelho subiu ao púlpito e discorreu sobre o acto, que se ia realizar. Findo o sermão, a autoridade holandesa leu o Decreto de Sua Majestade, a rainha Guilhermina, nomeando D. Tomás da Silva rei de Sicca. Em seguida, o Prelado benzeu as insignias reais: coroa, ceptro e colar. Terminada a bênção, um dos principais do reino, de idade veneranda, falou em português (Mgr. Verstraelen não me soube explicar o que ele dizia) e concluiu pondo a coroa na cabeça do rei ao mesmo tempo que proferia três vezes estas textuais palavras, correspondidas, também três vezes, pelo povo, que enchia literalmente o templo: Viva El-Rei Nosso Senhor, D. Tomas da Silva! Viva! E feita a cerimonia da Coroação, continuou o Pontifical...”.4 Esse relato é repetido noutro livro de textos do Cardeal Costa Nunes Entre Chineses e Entre Malaios.5 Algum tempo depois, o cardeal encontrou-se com o próprio rei Dom Tomás da Silva, e com ele conversou durante horas. O bispo Vestraelen informou ainda que na ilha das Flores existiam 55 mil cristãos, e que muitos deles, sobretudo os velhos de Larantuca rezavam em português. E mostrou-lhe um caderno manuscrito de meados do século XVIII, de um João Rebelo, no
_________________ 4
Cardeal Costa Nunes, Viagens, pp.166/7.
5
Cardeal Costa Nunes, Entre Chineses e Entre Malaios, p.113
6
Cardeal Costa Nunes, Viagens, p.194.
7
Cardeal Costa Nunes, Entre Chineses e Entre Malaios, p.149.
8
Antonio Pinto da França, Portuguese Influence in Indonesia, p.54.
9
Idem, ibidem, p.48.
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qual, além de notícias pessoais, havia várias orações em português. E nele o cardeal encontrou uma referência de 1752 a outro rei “da Silva”: “Depois de ter feito viuvo ha 20 annos hummes sinco dias; e logo tomei outravez a sega. Molher q. he filha do Sr. Rey Coronel Dom Pedro da Silva anno de 1752.” 6 Em Larantuca, povoação que havia sido a capital dos portugueses na ilha das Flores, o cardeal Costa Nunes encontrou-se com o rei local Dias Vieira Godinho, ainda sob a tutela do regente, D. Antônio Belantran de Rosário.7 Cerca de meio século depois das notícias recolhidas por Costa Nunes, outro autor atesta a permanência das influências portuguesas. O embaixador Antonio Pinto da França, no livro Portuguese Influence in Indonesia (Djacarta, 1970) publicou as pesquisas realizadas durante os cinco anos em que exerceu o cargo de Cônsul de Portugal no país. Ele informa que em Larantuca e em Sicca, “the kings continue to use the title Dom”.8 Em Maumere, no centro da ilha das Flores, ele visitou o então rei de Sicca, Dom Sentis Aleixu da Silva, que lhe mostrou os símbolos da autoridade oferecidos aos seus antecessores no século XVII pelos portugueses: um elmo, dois colares com grandes contas e um cetro. Tudo de ouro. No elmo estava gravada a data 1607.9
O “Tsunami”, o Homo Floresiensis...
Transcreve a proclamação dos novos reis de Sicca, que crê ser de algum parágrafo de uma carta do rei de Portugal, conservado oralmente.
Na obra Suma de Árvores e Plantas da Índia Intra Ganges, terminada em Goa em 1612, ele reproduz a cores plantas do Brasil que foram levadas para o Oriente: o ananás, a goiaba, a papaia, o caju. E também plantas trazidas do Oriente para o Brasil: carambola, jambo, jaca, coco, tamarindo.12 A data em que foi escrito e ilustrado o trabalho comprova que os responsáveis pelo intercâmbio foram os portugueses.
“Viva Altissimo Senjhor Don Alexius Aelx Ximenes da Silva El-Rei sei boa saudi El quam Deos nosa Senjhor dê longa vida permanosa El-Rei reinjho de Sikka. De blaixo de Lisboa”.10 Pinto da França publicou fotos do rei Dom Sentis Aleixu da Silva com os símbolos do poder referidos. Publicou também fotos de uma procissão em outra ilha, Ambon, em que vários participantes desfilam com elmos do tempo dos portugueses. E o Brasil com Esses Assuntos? Paradoxalmente, tem a ver mais do que se poderia supor. Não só pelo “parentesco” com os Silvas do Sri Lanka e da ilha das Flores, porque Silva é talvez o sobrenome mais comum no Brasil. Pinto da França pesquisou grande quantidade de palavras portuguesas incorporadas às línguas faladas nas ilhas, e também os sobrenomes portugueses conservados até ao presente: Silva e muitos outros comuns em Portugal e no Brasil. Tanto os sobrenomes, como os dialetos portugueses, as palavras portuguesas incorporadas às línguas locais, como várias tradições são explicadas pela miscigenação entre portugueses e mulheres malaias, ocorrido nos séculos XVI e XVII. Seus descendentes, tanto na Indonésia como na Índia, Malaca e Bir-
Autorretrato de Manuel Godinho de Erédia (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira)
mânia (Pegu) eram chamados de topazes, palavra derivada de termo dravidiano que significa “intérprete”. A propósito vale lembrar um topaz famoso, escritor, desenhista, pintor e cartógrafo, Manuel Godinho de Erédia (1563-1632), filho de um soldado português e de uma princesa malaia, nascido em Malaca, cidade da península malaia conquistada por Afonso de Albuquerque em 1511. Diz Pinto da França que parece terem sido os portugueses os introdutores de plantas do Brasil na Indonésia, como a mandioca, o abacaxi, a batata doce, o mamão papaia e outras.11 Godinho de Erédia documenta iconograficamente plantas que foram objeto desse intercâmbio.
Pinto da França revela também uma prova concreta da presença histórica brasileira na ilha das Flores. Ele dá notícia e publica foto do famoso sino de Vure, povoação situada numa pequena ilha em frente a Larantuca. Esse sino, informa, esteve primeiramente nessa povoação, mas os habitantes de Vure sempre o reclamavam como seu. Não sendo atendidos nas suas constantes reclamações, eles foram um dia ao anoitecer a Larantuca e o roubaram. Depois de terem o sino a bordo do barco que usavam na operação, eles o fizeram soar em regozijo pela façanha. Atualmente ele é mantido suspenso fora da igreja de Vure, e há nele a seguinte inscrição: “Antonio de Albuquerque Coelho Fidalgo da casa de sua majestade mandou fazer este sino em o 1º de Dezembro de 1714”. Esse Antônio de Albuquerque Coelho era brasileiro, natural de Santa Cruz de Camutá, que na época pertencia ao Estado do Maranhão e Grão-Pará, e atualmente é a cidade de Cametá, no Pará. Nasceu por volta de 1682, filho de Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho, governador do Maranhão e de uma mestiça de Gurupá.
_________________ 10
Idem, ibidem, p.50.
11
Antonio Pinto da França o. c., p.27.
12
Manuel Godinho de Erédia, Suma de Árvores e Plantas da Índia Intra Ganges, Edição de J. G. Everaert, J. E. Mendes Ferrão e M. Cândida Liberato, Comissão Nacional para as Comemorações das Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 2001.
13
Antonio Pinto da França, o. c., p.58. (????) ORIENTEOCIDENTE
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Foi para Portugal ainda criança, e em 1700 embarcou como soldado para a Índia onde teve uma vida aventurosa. De Goa passou para a cidade de Macau, na China, onde foi vereador e depois presidente do Leal Senado. Ali apaixonou-se por uma rica herdeira, o que despertou a ira de outro pretendente, e motivou um atentado no qual foi atingido por tiros de bacamarte e teve que amputar o braço direito. Mesmo assim o casamento efetuou-se. Anos depois voltou para Goa, e em breve era despachado governador de Macau. Tendo perdido a nau da carreira da China, para não se atrasar resolveu empreender viagem por terra atra-
vés da India, e, ao chegar à contracosta, comprou uma pequena embarcação, e depois de ultrapassar mais uma série de perigos, chegou finalmente a Macau, e tomou posse do governo. Essa aventurosa e perigosíssima viagem por terra e por mar foi descrita por João Tavares de Vellez Guerreiro, oficial de sua comitiva, no livro Jornada Que o Senhor Antonio de Albuquerque Coelho Governador e Capitam Geral da Cidade do Nome de Deus de Macau na China Fes de Goa athe chegar a ditta Cide. Tratase de preciosidade bibliográfica em letra manuscrita, impressa em 1718 em Macau (ou em Heunghsan, segundo Boxer), em xilografia, pelo processo chinês em folhas dobradas.
Ao fim de um ano de feliz governo, Albuquerque Coelho regressou a Goa, e depois foi nomeado governador de Timor e de Solor. A ilha das Flores estava dentro de sua jurisdição, o que explica a presença do sino de Vure, mandado fundir por ele. Seu período de governo no Timor foi muito agitado, Mas o nome do brasileiro de Santa Cruz de Camutá ficou gravado no sino de Vure e na história da ilha do Homo floresiensis. Regressando a Goa, ele ainda foi nomeado governador do reino de Pate na África oriental, missão espinhosa numa região conflagrada. Em 1746 Antônio de Albuquerque Coelho ainda vivia em Goa, recolhido no convento dos franciscanos.
Bibliografia BOXER, C. R. Fidalgos no Extremo Oriente, Fundação Oriente, Museu e Centro de Estudos Marítimos de Macau, Macau, 1990. CORREIA, Gaspar, Lendas da Índia, vol. II, Introdução e Revisão de M. Lopes de Almeida, Porto, 1975. EREDIA, Manuel Godinho de. Suma de Árvores e Plantas da Índia Intra Ganges, Edição de J. G. Everaett, J. E. Mendes Ferrão e M. Cândida Liberato, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 2001. FLORES, Jorge Manuel. Os olhos do Rei - Desenhos e Descrições Portuguesas da Ilha de Ceilão (1624-1638), Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 2001. FRANÇA, Antonio Pinto da. Portuguese Influence in Indonesia, Gunung Agung, Djakarta, 1970. JACKSON, Kennet David. A Presença Oculta 500 anos de Cultura Portuguesa na India e no Sri Lanka, Fundação Macau, Macau, 1995. JACKSON, Kennet David. Cantha Sen Vargonya, tradução de Isabel de Sena, Fundação Macau, 1981. MOURA, Carlos Francisco. Antonio de Albuquerque Coelho: mestiço de Camutá, no Grão-Pará, governador de Macau, do Timor e de Pate – Jornada de Goa a Macau em 1717-1718 (fac-símile). Rio de Janeiro: Real Gabinete Português de Leitura / Macau: Instituto Internacional de Macau, 124p., il., 2009. MOURA, Carlos Francisco. Brasileiros nos Extremos Orientais do Império – Séculos XV a XIX. Coleção Suma Oriental. Lisboa: Instituto Internacional de Macau / Rio de Janeiro: Real Gabinete Português de Leitura, 2014. MOURA, Carlos Francisco. “A Jornada do Paraense Antonio de Albuquerque Coelho, de Goa a Macau em 1717-1718”. In: Literatura e Lusofonia, Natal, 2011. Anais do II Encontro de Escritores de Língua Portuguesa. Coordenação de Rui Lourido. Lisboa: UCCLA, pp.141-146, 2013. NUNES, Costa, Cardeal. Entre Chineses e Entre Malaios (Textos, vol. IX), Fundação Macau, Macau, 1999. NUNES, Costa, Cardeal. Viagens (Textos, vol. VII), Fundação Macau, Macau, 1999. RIBEIRO, João. Fatalidade Histórica da Ilha de Ceilão, transcrição em português atual por Maria da Graça Pericão, Biblioteca da Expansão Portuguesa, Publicações Alfa, Lisboa, 1989. SILVA, Chandra Richard de. Portuguese in Ceylon 1617-1638, Colombo, 1972.
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Macau in the Goa Archives Part II Maria de Lourdes Bravo da Costa Rodrigues Historiadora / Investigadora Antiga Bibliotecária da Biblioteca Central de Goa Introduction The Goa Archives has a number of documents under the title MACAU which includes Contas do Colégio de Macau, only one volume from 16931736, Contas da Real Fazenda de Macau in seven volumes from 1792 to 1811. Although the first volume is mentioned as 1792, the income and expenses shown in these volumes cover the period from the year 1783. The Correspondencia de Macau has 65 volumes and covers from the period 1677-1861. Ten volumes of Provisões which cover orders sent by the Real Fazenda de Goa for a period from 1769 to 1846, and a single volume of Legados da Procuratura, from 1738-1761 are also a part of the collection. The volumes of Provisões and the one on Legados da Procuratura have already being discussed in the earlier issue of the Revista of Instituto Internacional de Macau, 2017. The present article will discuss the books of the Contas da Real Fazenda de Macau. Contas da Real Fazenda de Macau Contas da Real Fazenda de Macau, a collection that comprises of 7 volumes, covers financial situation of the colony during the period from 1783. It shows the income and expenditure of Macau. Details of the expenditure can be obtained from the
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data given. Unfortunately the pages of the volumes are not numbered and all the books are not in good physical condition. This series besides throwing light on the budget of Macau gives an interesting insight on different types of loans that were acquired by the borrowers. Names of all those who acquired the loans, the collateral security which many a times were the boats/ships as well as the surety’s name is given. From this listing we can also come to know the maritime thorough fare from Macau to other ports like Bengal, Surat, Manila, Goa, etc. Sometimes, houses were also used as collateral security. It is observed that quite a good percentage of the income of the city came from the interest on loans advanced by the treasury to different individuals. The interest on the loans varied with minimum at 5% and the maximum as high as 25%. If the recovery was not made within the stipulated time, the government ordered the Adjunto of the Senado to take necessary measures to recover the loans and the interest due on it. In fact the recovery of loans was given so much importance that going through the books of Provisões one can read number of orders/instructions to the Adjunto to recover the loans. Under expenditure, it is found that the treasury spent money on maintenance
of the institutions like forts, religious institutions, government buildings, etc. Various feasts were celebrated in the churches and chapels of Macau. The expenses towards the celebrations were borne by the treasury. These included payments of the priest for saying Mass; separate amount was shown for the payment of the sermon as well as music bands, during the novenas and the feast. Expenses towards decoration of the church and the route of procession are also shown. Livro No 3024 The book shows the Statement of Expenditure of the Administration of the Royal Revenue Office of the city of Macau for the year 1792. It gives detailed income, expenses and the balance in the treasury. The expenditure is shown under different heading like Military, Ecclesiastic, and Civil. For example, under the latter expenditure on Law, Revenue, Customs, Prisons, Literary Subsidy and any Extraordinary expenses is shown. Under Military expenses the salaries of the Governor, Sargento-mor, Commander of forts, and other service staff is included in the statement. Interestingly recoveries of loans from the borrower or witness are given in detail, with the names of the person
Macau in the Goa Archives - Part II
made according to the interest to be paid by the borrower. Many a times records show that the loans were applied for by the applicant, while sailing on the ships during a journey. Under Military expenditure the following is recorded: Expenditure incurred in the month of January towards the staff salary, shows the names of the individuals and their ranks with respective emoluments paid for those working in the Infantry and Artillery units. There is the monthly expenditure of the Military Hospital, which shows details of the expenses on purchase of commodities for the hospital. For example in the month of December 1791, the Hospital had spent 70.460 patacas to buy butter, rice, sugar, vinegar, oil, fish, meat, cloth, washing linen, vegetables, pork, chicken, wines, though in limited quantity and on sundry utensils. There is one table showing the debts of the Real Fazenda for the year 1793, which in fact shows the statement from 1767-1793. The table is titled ‘Mapas das dívidas da Real Fazenda da Cidade de Macau do ano de 1793’. Actually, this table shows the amount advanced and that which is recovered. The following are the columns under which entries are made:
who borrowed alongwith that of the witness. If there is a collateral security for the mortgage for the money loaned, it is mentioned. Deeds were executed when the money was borrowed, which mentions the date when the agreement was executed and the other details. Ships of the borrowers acted as security or the cargo they
carried. Some of the loans advanced were at risk at sea in the ship (Conta de risco no Navio). The money paid of the loan was shown against the names of the borrower and the interest paid by them. The interest could be from five percent to as high as twenty five percent. Therefore, the lists were
1. Capitães a risco, 2. Prémios dos riscos, 3. Capitães a juros, 4. Prémios dos juros and 5. Total. The income is from the interest accrued. Interestingly there is another source of income which is derived from loans advanced by institutions and individuals to the treasury. Apparently these loans were given to the
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government interest free, even though the government itself charged interest, sometimes exorbitant, on the loans disbursed to the individuals. The following are the individuals besides the Santa Casa de Misericórdia who advanced a loan to the government: Loan given without interest by Santa Casa de Misericórdia Manoel Pereira Felis da Conceição Agostinho de Sá José Vieira Ribeiro Another source of income mentioned in the book is the income accrued from Chinese merchants’ fleets of ships (comboios das embarcações). One more income is that accrued on the sale of goods. Book No. 3010 of Income and expenses This particular book has records of the income and expenses of the Real Fazenda of the City of Macao. The treasurer at the time was Jose Joaquim Barros and the year 1806. The record is for the period from 1784 onwards. The expenses are shown under different headings, which include ecclesiastical, civil and ordinary and extraordinary expenses. Under civil expenses those incurred for the ships and the naval fleet at war and other ordinary and extraordinary expenses are shown. There is an appendix, which is numbered as 8, which shows the money advanced at risk. (capitães a risco),
Under the military head, the expenses made on individual salaries, supply and stock purchased for the staff is given. Likewise, under this head expenses borne on repairs to the house of the Governor are also shown.
In this book there is an analysis of the income and expenses for the period covered in the book.
Under ecclesiastical expenses, those born on the payments to the nuns of Sta. Clara convent and the money
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paid to the Misericórdia is shown. It also shows that the government spent money from the Revenue department to celebrate different feasts including that of the feast of Saint Francis Xavier. Also details of the expenditure on the works undertaken at the Episcopal Palace and the Saint Paul’s College are given under the ecclesiastical expenses.
Macau in the Goa Archives - Part II
In the civil expenditure expenses for the Judiciary, works undertaken by the Revenue office, salaries of the staff, those at the Notary’s office and the amount of money sent to Goa is recorded. The latter includes money spent on the orders for the supply to be sent to the Arsenal, Hospital and the pharmacy of the hospital, according to the list which is included. The expenditure also shows that the Municipality (Casa do Senado) spent on payments of labourers. Further, expenses incurred in the Custom office, in the prison and the various Forts of Macau, namely that of Monte, S. Francisco Xavier, Guia, Bom Parto and the Cazas fortes (strong rooms) are shown. Also, expenses incurred on the purchase of material of war, extraordinary expenses and that on the war ships is shown under the civil expenses. Under the Military expenses we have the list of the staff with their names and rank and the salary they are paid. Expenses incurred in the supply to the barracks, Military Hospital, and the amount paid to the suppliers of goods to the Military Hospital is shown. Since the food supplied to the hospitals is shown in detail, it can help to know the diet of the patients. The supplier of the Military Hospital was paid for chicken, pork, polished rice, sugar, barley, salt, noodles. Also for the coal, dry grass, oil for lamp, and vessels. Expenditure also includes on opening a grave and to the Boticårio (pharmacist) Joaquim Jose dos Santos for the medicines he had supplied from July to December 1805. Expenses incurred from the spending revealed in this book shows that the money was paid on supply of food, which includes
salted food and fresh ones. Study of lists of the food carried in the ship will throw light on the diet on board the ship. Expenditure on the objects and things required on board, material of war and the expenses of the administration of the city is also listed. Payments on the objects and things required on board are show
in the expenses. For example, expenses on the war ship included those to make a ship named Ulisses and the making charge worked to 991,015 taes. Also, money was spent in building a Brigue Princesa Carlota There are also lists which show expenditure of a particular institution.
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separate expenses for the sermon, and for the choir. Expenses are also shown for the wax supplied to the Hermitage of Guia, and the Mass said at the hermitage. The tradition of dressing up the roads with flags as in Portugal was also followed in Macau. This is shown as expenditure for dressing up the roads of the route for procession. Among other festivals includes that of the feast of Vizitação of Our Lady, for which the religious of the order of St. Francis Xavier were paid to defray the expenses. Money was also spent on the Feast of Corpus Christi, Guardian Angel and that of St. Francis Xavier.
The salary paid to the staff of the hospital is listed at p.57. The ecclesiastical expenses shows the expenditure incurred with the priests and the rector It was traditional in Macau to celebrate various Catholic religious festivals and the expenses were born by the government. From the expenditure shown under Festivities
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(Festividades) p.63, the festivals celebrated in the churches at Macau are shown. The priest at the Se Cathedral is paid for the celebrations that the Municipality annually asks the priest to observe. In case of the feast of Saint John the Baptist the expenditure incurred includes the High Mass and novenas, and
Under the Judiciary, is shown the expenditure of the salaries of the staff. It shows the names of the existing staff to administer justice alongwith the Chief Magistrate, Desembargador Minguel de Arriago Brum de Silveira, Notary public (Tabelião) and various other clerks. From this record the then existing hierarchy of the Judicial system in Macau can be known. For example, there was one Dezembargador Ouvidor who was at the helm of the judiciary, one tabelião (notary public) and various escrivães (clerks). The Dezembargador Ouvidor (judge at the court of appeal) at the time was Minguel de Arriago Brum da Silveira. The title of various escrivães were: Escrivam de Ouvidoria, Escrivam dos Orfãos, Escrivam Judicial, e Escrivam de Execuções. One Contador dos Juizes, one Alcaide, one Meirinho de Ouvidoria, and one Porteiro dos Leiloens. It is interesting to note that the names of the staff in the cadre are given on the expenses details. p.65. The expenditure under the Alfandega shows that the Desembargador, Juiz
Macau in the Goa Archives - Part II
e Administrador, Minguel de Arriago Brum da Silveira also has a salary in this office. He earns another 800.000 taes in the Alfandega. The budget made provision for expenses on war material and arrangement for a literary subsidy, under which the salary of the teacher of Latin grammar is shown as being paid 500,000 and the mestre of minor school (Escola menor) 110,000 taes. When the Queen gave birth to a daughter, Princess Sra. Infanta, this happening was celebrated in Macau with a Thanksgiving mass (Ação de Graçãs). Under extraordinary expenses shows that the priest preacher who said the Sermon on the occasion was paid 18,000 taes. p.73. Also, in this particular year expenses were incurred in the presentation of new Governor. It is recorded that on the first three days of his arrival 99,000 taes were spent and for a get together (copo de agoa) on the day he took charge 39,750 taes. Some other expenses under this head show the payment of Alferes Francisco de Figueiredo who was paid for having served in the Islands of Solor and Timor in the months of January to March, and Capt. Lieutenant Diogo de Mendonça from 25 April, 1806 to March 1807 at the rate of 15 taes per day. Total amount paid was 168.00 taes. The salary paid to the Surgeon, who started to work in Solor and Timor Islands, Jose Lourenco de Souza from 2 April, 1806 to March 1807 at the rate of 15 taes per month. Once again we find that individuals loaned to the government money without any liability. For example we find that Feliz Jose Coimbra was refunded the amount he loaned to
the Government. The people of Macau sent a donation offered to the Royal Highness. Loans advanced show that high ranking individuals like the Governor of Timor, Antonio de Mendonca also availed of one. The book also shows the money advanced at risk, at the rate of 20% and 15% interest. Names of the various persons who acquired a loan at risk, the name of the surety and the deed under which it was executed is mentioned. opp. p.79. For example, the loan advanced to Mr. Joaquim Barros at risk on his way to Bengal in the ship Indiano, with surety of Francisco Jose de Paiva by deed of 27 October 1806. The list is dated 30.12.1807. A separate list of money loaned (capitães emprestados) is given at p.95. A list of what has been recovered in the year 1806 is also given. It enlists entries from the year 1784 and only of loans given at 5% interest. Expenses incurred in the purchase of war fare material is available at p.113. The book also shows the loans disbursed by the Real Fazenda of the city of Macao from the years 1767 to 1806 and a list of what needs to be recovered from the revenue of the Real Fazenda of the City of Macao in the year 1807. On the left side of the book an explanation is given about the loans. The name of the individual who took the loan, the balance of the amount to be paid by him, is in the record as well as the date of the deed (example: deed of 17 March 1769) showing the house as mortgage instrument. This particular borrower had some financial difficulties and made a representation to the
Governor and obtained from the Municipality a solution to the problem on 26 March 1798 to annually disburse 200 taes as payment of his loans without interest, taking into consideration the circumstances in which he was. The letter of his Excellency dated 5 May 1795, which allows such waiting times is also included. However, after death, his properties were now under the administration of public revenue office (Administração do fisco) p.25. A list of names of those who expired, and those living and the amount each one of them owes is given. The following is an example of the entry: the total of the said deed of 6 December of this year, having as surety Antonio Pereira d’Araujo who is now dead. This debtor obtained from the Municipality in the meeting of 16 December 1800 permission to pay in installments of 200 taeis, both the capital as well as the interest thereon, which the borrower has not followed for the last 5 years, as he was unable to fulfill because of the problems he suffered in his business, and is well known to all. There is another example in which the total of a deed of 16 December of the current year was given at risk to Goa, to the borrower in his ship Palla N. Senhora do Deus. The ship was lost at Aguada on its way to Macau, but as some parts were salvaged, which should be accounted for, the debt was not closed as the salvaged material could give enough money to pay the debt. These are some examples of how the debts were handled and administered by the government. Using the lists of names of the persons who acquired the debts and the sureties mentioned thereon, gives an idea of who acquired the
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loans. The designation of the person and the names of the ships used as collateral are mentioned. Another interesting information is the port to which the ship will travel. This can help to know the movement of ships from Macau and which were the ports of destination. There is another example in which the loan was given at risk on the way to Manilla, Olo and Palimbao and the name of the owner’s ship was Peróla, and the surety João de Deus de Castro. The collateral used was goods held in the Customs office to settle the debt. The remaining 2000 taes of the deed of 2 January of the current year are at risk of the ship Peróla going to Manilla, Olo and Palimbao with surety of Rafael Bolado de Almeida. There were goods in the customs to settle the balance. In this particular example we see that there are two different sureties, one is for the loan at the time of disbursal and the second for the balance amount. Book No. 1584. Livro nº 1, Book of registration of Governmental instructions or orders. (Two instead of one is written on the book) Head Treasurer of the Junta de Fazenda Real numbers and initials. The book will be used for registering the orders and instructions in the office of the same Junta. Book No. 1585. Livro nº 2 of Governmental instructions or orders of Damão e Diu, 1781-1787. Although no number is written on this book, it should be Livro 2. Book of registo of Provizões 17811787. The pages are numbered and initialed by the Head Treasurer of
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the Junta de Fazenda Real, Jose Joaquim da Silveira Rangel. The book will be used for registering the orders and instructions in the Contadoria Geral de Governo. 20 February, 1781. Book No. 1586. Livro nº 3, is about the Governmental instructions or orders of Damão, etc. (1791-1808). The pages are numbered and initialed by the Head Treasurer, Manuel Correia da Silva e Gama. This book will also be used to register the orders and instructions. Goa, 12 November, 1790. Book No.1587. Livro nº 4, Contains Governmental instructions or orders of Damão, Diu, Macau e Timor (1808-1817). This book no.4 is divided in two parts as it is too voluminous, and there the second which is a part of this book, and which can be known from the pagination, and to overcome any problem a note regarding the two parts is made on the book. Signed by Chief Judge of the High Court of the Crown, who also numbers and initials all the pages of the book that can be used to register the governmental instructions or orders. Goa, 12 January, 1808. Book No. 1588. Livro nº 4 (I) Contains Governmental instructions or orders on Damão, Diu, Solor and Timor (1813-1818). Book No. 1588. Livro nº 4. This book is also no.4, as the previous no. 4 is voluminous and therefore was divided into two, and can be verified by the numbering of the pages. Book No. 1589. Livro nº 5 Contains Governmental instructions or orders of Mozambique. (1818 -1822). The
Chief Judge of High Court numbers and initials this book, which will be used for registering the governmental instructions or orders. Goa, 6 September 1817. Book No. 1591. Livro nº 6 Contains Governmental instructions or orders of Damão, Diu and Mozambique 1818-1822. Book No. 2987. Balance sheet of income and expenses of Fazenda Real da Cidade de Macao, year 1797. Book No. 2988. Contains the balance sheet of income and expenses of Real Fazenda, which is administered by the Senado da Câmara da Cidade de Macao. The treasurer is Gonçalo Pereira da Silveira, year 1798. Book No. 2989 The book is in very bad physical shape and has brittle pages and therefore cannot be referred to. Probably it covers the period between Book No. 2988 and 2990. Book No. 2990. List of recoveries of income of earnings of Real Fazenda da Cidade de Macao of the years 1802/1809. Book No. 3010. Balance sheet of income and expenses of Real Fazenda da Cidade de Macao. The treasurer was Jose Joaquim Barros. Year 1806. Book No. 3011. Balance sheet of income and expenses of Real Fazenda da Cidade de Macao. The treasurer was Goncalo Pereira e Silveira in the year 1802. Book No. 3024. General balance sheet of income and expenses of the treasury of the Administração da Fazenda Real da Cidade de Macao from the year 1792 to 1796.
Foi mais rápido que um olá! Paulo Rodrigues Professor de Língua Portuguesa na Universidade de Estudos Internacionais de Zhejiang
Voam alto como sonhos alados os seus chapéus de formatura, lançados em uníssono num gesto simples, mas tão simbólico. De cabeças erguidas, como quem nada teme, veem-nos a pairar no ar e, nesse fragmento de segundo, revivem-se os últimos quatro anos… Foi tudo tão rápido, mais rápido do que um OLÁ dito à pressa, timidamente. Setembro de 2013 foi apenas ontem. Foi, também, ontem que eu vi pela primeira vez 22 rostos sorridentes, simpáticos, tímidos, curiosos, surpresos e ávidos de novos conhecimentos. E hoje, aí estão eles, finalistas, prontos para novas viagens, transportando na bagagem a lusofonia.
Este pequeno texto foi escrito há poucos meses, por ocasião da cerimónia de formatura dos primeiros alunos da Licenciatura em Estudos Portugueses da Universidade de Estudos Internacionais de Zhejiang. Tal como eles, eu também iniciava, há 4 anos, essa viagem de descobrimentos, ora com bravura ora com receios, ora com certezas épicas ora com dúvidas ondulantes. É que isto de descobrir novos mundos numa era em que tudo já parece ter sido descoberto não é uma tarefa simples, o que a torna ainda mais glorificante e recompensadora. E foi isso que fizemos ao longo dos 4 anos: descobrimos e demos a descobrir tanta coisa, cada um de nós um pequeno mundo a revelar-se aos outros, numa viagem longa, ainda que fugaz, cansativa por vezes, mas feita
quase sempre num ambiente de bonança que nos permitiu aportar calmamente em cais firme com um sentimento merecido de missão cumprida. E assim tem sido esta minha missão aqui na China, a de ensinar esta língua de afetos que é o português, permitir aos alunos sorrir com os novos sons, afagar cada sílaba, aconchegar-se a cada nova palavra, abraçar amplamente todo o universo luso e sentir que esse é um abraço mútuo, amigo e duradouro. Ainda que nem todos venham a manter uma ligação direta com o português no futuro, estou certo de que esse abraço perdurará ao longo de todas as suas vidas e os ajudará a encarar novos desafios com uma alegria que só a língua de Camões é capaz de ensinar. Resumindo, se eu tivesse de escolher uma expressão que ilustrasse na perfeição esta minha experiência de ensino na China, seria, com certeza, o provérbio latino “TEMPUS FUGIT”. E, de facto, quando olho para trás no tempo, apercebo-me de que este deslizou tão velozmente como uma caravela. Sem dúvida, o tempo foge quando nos sentimos bem. E de ontem a hoje, fugiram 4 anos. Significa, pois, que tudo o que se passou foi, em geral, perfeito. Sim, o tempo foge e não volta. Ainda bem que as memórias permanecem. E essas trá-las-ei sempre comigo.
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A língua como elemento de identidade cultural: a propósito de um manual trilingue relativo ao Crioulo Português de Malaca Silvio Moreira de Sousa Professor Universitário
Introdução O elo de ligação da comunidade residente no Bairro Português de Malaca a Portugal é evidente a qualquer visitante, mas também é demonstrado nos intentos abalizados por várias figuras de proa da mesma comunidade, ou seja, a procura constante por uma maior correspondência externa às vontades da comunidade. Tudo o que diz respeito à identidade e cultura dos autodesignados ‘Portugueses de Malaca’ assume especial importância, se se tiver em conta o contexto regional e nacional em que esta comunidade está inserida. Malaca e a Korsang di Melaka Em pleno declínio de fluência no crioulo português de Malaca, atestado cabalmente pelo estatuto de ‘severamente em risco de extinção’ dado pela UNESCO no Atlas of the World’s Languages in Danger (Atlas Mundial das Línguas em Perigo), o crioulo português de Malaca enfrenta sérios desafios. É necessário explicar, neste momento, o seguinte facto, por forma a permitir uma melhor compreensão do valor ou significado da língua em causa: O crioulo português de Malaca (designado intra-muros de Pa-
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piah Kristang, ou segundo uma outra variante ortográfica Papiá Cristang) combina, em traços mínimos e gerais, várias línguas. À imagem do que acontece com outras línguas crioulas, existe uma língua fornecedora da maior parte do léxico e outra contribuidora com a maior parte das regras gramaticais. No caso do crioulo português de Malaca, as duas línguas principais são o Português (em uma fase arcaica) e o Malaio. Ao mesmo tempo, denota-se também um forte contacto do Português com o Malaio, deduzindo dos vários empréstimos ou adaptações oriundas do léxico lusitano. To-
davia, este contacto linguístico não é suficiente para a manutenção da língua crioula. A comunidade exibe um forte bilinguísmo, senão mesmo um plurilinguismo (Inglês, Crioulo português, Malaio, Mandarim, Tamil). A comunidade está a reagir no sentido de preservar a língua, enquanto busca auxílio externo para atrair jovens e transmitir a estes a maior parte das tradições culturais. É neste contexto que a ONGD Coração em Malaca/Korsang di Melaka entra em cena. A par de algumas iniciativas realizadas por pessoas anónimas, os con-
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adquiridos e como meio de aprofundamento ulterior da mestria linguística. De outro modo, para os iniciados ao estudo da língua crioula sem qualquer noção prévia da mesma, este manual almeja também cumprir a função de manual introdutório, embora – há que reconhecê-lo – a atenção dispensada ao exercício das noções basilares da língua seja um pouco limitada. Todavia, para quem tem o intuito de aprender a língua e colocá-la imediatamente em prática por meio do contacto com os falantes da comunidade, este manual realiza tal determinado propósito. Conclusão tactos e a ajuda externa recebida pelas várias associações ou agrupamentos culturais formam ou compõem grande parte das ações da ONGD. A atividade desta ONGD assumiu traços científicos através da parceria com o Instituto Camões: A criação de duas bolsas de estudo (Bolsa Fernão Mendes Pinto) possibilitou a estadia de investigadores ou ativistas culturais no Padri sa Chang (outra designação para o Bairro Português; literalmente, ‘padre seu chão’, isto é, chão do padre). Este foi o enquadramento presente na elaboração de um manual trilingue (Português, Inglês e Crioulo). Objetivos do manual trilingue O cariz escolar de tal manual tem por base duas diretivas: 1) possibilitar a aprendizagem do Português de Malaca por parte de quem não está familiarizado com a língua e a deseja aprender; 2) permitir um desenvolvimento posterior da fluência linguística a quem já detém várias bases de conhecimento da língua. Uma condicionante adicional na edição do mesmo manual prende-se
(ou prendeu-se) com a conjugação propositada ou inadvertida de esforços perpetrados pelas outras agremiações locais. Isto é, em vez de colocar em redundância o trabalho realizado pela Malacca Portuguese Eurasian Association (Associação dos Portugueses Euro-asiáticos de Malaca), a Korsang di Melaka fez questão de complementar o conteúdo do seu manual ao de um manual publicado recentemente. Trata-se aqui de um manual monolingue de introdução à língua, realizado e publicado em conjunto com a Universidade Malaya, de Kuala Lumpur. Por outras palavras, o manual trilingue da ONGD visa fortalecer as relações entre as várias partes envolvidas na manutenção da língua e cultura, pavimentando simultaneamente o caminho diplomático entre a embaixada portuguesa responsável pela representação do país na Malásia e as demais autoridades locais.
Para o caso de ser estabelecida uma escola portuguesa em Malaca ou para a eventualidade do Crioulo Português de Malaca ser introduzido no plano de lecionação do ensino secundário em Malaca, o manual trilingue servirá exemplarmente como referência bibliográfica. De qualquer forma, o intento de preservar uma língua em vias de extinção passa forçosamente pelo criação e fortalecimento de meios institucionalizados de transmissão da língua e pelo fornecimento de materiais científicos e escolares para essa mesma manutenção.
Assim, o manual trilingue assume duas funções: para os aprendizes dotados de bases, o manual apresenta-se como uma ferramenta de recapitulação de conhecimentos já
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A Biblioteca de Marcello Caetano e o Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro Francisco Gomes da Costa Presidente do Real Gabinete Português de Leitura
Marcello José das Neves Alves Caetano, ou simplesmente Marcello Caetano, licenciou-se muito jovem em Direito e, com menos de trinta anos, obteve o título de Doutor. Sendo assim, desde cedo, expôs o seu talento para a carreira acadêmico-jurídica, publicando em 1937 o seu Manual de Direito Administrativo, que rendeu mais dez edições, além de outras numerosas e significativas obras, escritas em Portugal e no exílio. Dois anos depois, foi ministrar a cátedra de Ciências Jurídico-Políticas, na Universidade de Lisboa, instituição na qual obteve sua formação.
Durante seu mandato como Presidente do Conselho de Ministros de Portugal, Marcello Caetano visitou oficialmente o Rio de Janeiro, em 1969. No Aeroporto Santos Dumont, foi recepcionado por Negrão de Lima, governador do então Estado da Guanabara, hoje Rio de Janeiro, e outras autoridades, sendo homenageado por populares. Em seguida, o ilustre visitante, acompanhado de Negrão de Lima, desfilou em carro aberto pelas ruas do centro da cidade, sendo aclamado por populares. O carro dirigiu-se para a estátua de Pedro Álvares Cabral, onde foi preparada uma homenagem perante o monumento do descobridor
Vista parcial do espólio do Prof. Marcelo Caetano.
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do Brasil, em seguida, foi-lhe oferecido um almoço com a imprensa. Marcello Caetano foi homenageado no Monumento aos Pracinhas, no Aterro do Flamengo, onde proferiu grandiosa palestra, sendo entusiasticamente ovacionado. Recebeu o título Doutor Honoris Causa na presença de Pedro Calmon e Negrão de Lima. Lançou a pedra fundamental de um monumento no Aterro do Flamengo (Avenida Infante Dom Henrique). E nesta sua visita, como não poderia deixar de ser, visitou o Real Gabinete Português de Leitura, quando foi recebido pela diretoria e uma multidão de admiradores. Em sua histórica passagem por esta centenária instituição, Marcelo Caetano deixou registrado de seu próprio punho, no livro de visitantes ilustres, no dia 12 de julho daquele ano, as seguintes palavras: “É sempre com sentimento de admiração, júbilo e respeito que visito a sede deste venerado Gabinete Português de Leitura, a quem deve a presença lusitana cultural no Brasil. Faço votos para que este Gabinete continue a contar com devoções abnegadas e com recursos para exercer a sua acção à altura das necessidades dos tempos correntes”. A revolução de 25 de Abril de 1974 determina a sua partida para o exílio no Brasil, depois de ter estado detido em prisão domiciliar na Ilha da
A Biblioteca de Marcello Caetano e o Real Gabinete Português de Leitura...
Madeira. Aterrou no aeroporto de Viracopos, em São Paulo. Como era um catedrático de renome internacional, recebeu um convite para lecionar na Universidade de São Paulo, mas optou viver no Rio de Janeiro, porque tinha mais contatos no meio acadêmico e intelectual, recolhendo-se no Mosteiro de São Bento, sendo, alguns dias depois, convidado por Luís da Gama Filho para lecionar em sua universidade, no bairro da Piedade, subúrbio carioca. Apresentou-se na Universidade Gama Filho no dia 1º de junho daquele ano onde lecionou e orientou nos cursos de mestrado e doutorado, obviamente, sentindo falta de sua biblioteca, um dos seus instrumentos de trabalho.
Vista parcial do espólio do Prof. Marcelo Caetano.
É importante lembrarmos que em seu exílio no Brasil, continuou exercendo sua carreira acadêmica em diversas universidades, tendo uma vida cultural e intelectual ativa até o seu falecimento em 1980, cujo corpo foi velado no Real Gabinete Português de Leitura, Instituição, pela qual, mostrou tanto afeto e respeito.
É importante destacarmos que a instituição para a qual ele doou o seu rico acervo de livros foi a Universidade Gama Filho, livros estes que chegaram ao Rio de Janeiro em junho de 1977, e, como não tinha dinheiro para pagar o frete marítimo, doou à Universidade, cujo instrumento de doação foi
Vista parcial do espólio do Prof. Marcelo Caetano.
assinado no dia 8 de abril de 1976. Com o encerramento das atividades da tão renomada instituição académica e o incerto destino do citado acervo, por uma feliz decisão, a pedido do Estado Português, o Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro promoveu a cessão de direitos sobre o acervo literário ao Governo de Portugal, para a guarda e conservação nas instalações do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, sendo este ato de grande valor para o Brasil, pois é incontestável que o professor Marcello Caetano não foi um grande intelectual português, mas um ícone da cultura em língua portuguesa. Sendo assim, o Real Gabinete Português de Leitura após as etapas de tratamento técnico como a sua higienização, a colocação de topográfico e a digitalização das páginas de rosto que deu origem à biblioteca virtual, tornou disponível no site da instituição este valioso acervo com mais de 40 mil obras.
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Gabinete Português de Leitura de Salvador – Bahia António Pinho da Cunha / Abel Travassos
Temos a honra e o privilégio de sermos parte integrante de uma entidade com 155 anos de história que, tanto serve a língua portuguesa, como contribui para a evolução cultural na Bahia. Como somos uma Organização Não Governamental, e sem fins económicos, é graças ao esforço, visão e altruísmo de todos os seus dirigentes, associados e amigos, que o Gabinete Português de Leitura de Salvador continua a ser uma referência cultural importante para a Bahia e o nosso edifício – que completou o seu primeiro século a 3 de fevereiro de 2018 – um ex-libris para Salvador. Mas um prestigio desta envergadura não se constrói num dia, num ano ou numa geração. Foi e continua a ser, um esforço diário constante, seja no cuidado constante com a realização de eventos, seja na manutenção natural do seu edifício. Como começou A segunda metade do século XIX encontrou em Salvador da Bahia, um considerável número de emigrantes portugueses. Uns, tinham chegado
ali à procura de melhores condições de vida; outros, fugidos de perseguições políticas.
garem mais precisas, assim como os principais jornais publicados em Portugal e no Brasil”.
Os mais ativos, agruparam-se e fundaram associações com caráter beneficente, cultural ou lúdico.
Até se posicionar definitivamente na atual sede, o Gabinete foi mudando de endereço em virtude das suas necessidades. No início do Século XX surgiu a oportunidade de construir uma sede nova, e optou-se pela contratação do arquiteto italiano Alberto Borelli, que projetou entre 1912 e 1915 o atual edifício sede do Gabinete Português de Leitura de Salvador, de estilo arquitetônico Neomanuelino (estilo arquitetônico com origens à época dos Descobrimentos).
Foi assim que um grupo deles, sob a iniciativa de dois irmãos – Manoel Joaquim Rodrigues e Francisco José Rodrigues Pedreira – se reuniu a 02 de março de 1863, na sala de sessões da Sociedade Portuguesa de Beneficência Dezesseis de Setembro, e resolveu “unanimente” instalar na cidade uma sociedade literária com o nome de “Gabinete de Português de Leitura”. Consta da sua primeira ata, que a dita entidade foi criada com a finalidade de adquirir “obras de reconhecida utilidade, escritas nos idiomas português e francês, e mais aquelas que posteriormente se jul-
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Construído pelo mestre de obras português José Pinto Parente, o edifício foi inaugurado a 3 de fevereiro de 1918. O edifício apresenta uma fachada com elementos alusivos a glórias in-
Os nossos parceiros
temporais, representadas por um lado pela figura do Infante D. Henrique, personagem fundamental na investigação científica e arranque dos Descobrimentos, e por outro, pelo expoente máximo da literatura e língua portuguesa, Luiz de Camões. Compõem também a fachada escudos e brasões que completam o estilo arquitetônico e evidenciam o estilo neomanuelino.
Salvador, nos dias de hoje Vivemos numa cidade com um legado único, reconhecido no mundo. O conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico do centro histórico da cidade, por exemplo, é reconhecido, desde 1985, patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura, e a Unesco. Temos um tesouro: o complexo formado pela Igreja e Convento de São Francisco, uma das 7 Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo. Erguido entre os séculos XVII e XVIII, é considerado uma das mais espetaculares expressões do Barroco no Brasil.
Pelo nosso edifício já passaram pessoas e eventos que ajudaram a edificar o prestigio da nossa instituição. O trabalho desenvolvido por gerações culminaram em diversas homenagens de mérito, tanto nacionais, como internacionais. Durante a sua trajetória, o Gabinete recebeu visitantes notáveis da cultura global portuguesa, incluindo de regiões tão longínquas quanto Macau. Alguns deles foram (ou são) destaques públicos, como por exemplo, o filósofo Agostinho da Silva, o diretor cinematográfico Glauber Rocha, o pintor Carybé, o Diretor da Biblioteca de Coimbra (José Bernardes) e três Presidentes da República Portuguesa (Craveiro Lopes, Mário Soares, Jorge Sampaio) e Marcelo Rebelo de Sousa quando acompanhou uma das comitivas. A 9 de junho de 1922, os aviadores portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral – que estavam a completar a primeira ligação aérea Portugal-Brasil, ou se preferir, Europa-América – foram recebidos, solenemente, deixando escrito no Livro de Honra a passagem pela Instituição e pela primeira cidade do Brasil: “Nunca poderemos esquecer que passamos no Gabinete Português de Leitura uma das noites mais felizes da nossa vida” 9-VI-22 (Livro de Honra, 1922).
Nesta data foi inaugurada a luz elétrica no GPL e a instalação do vitral produzido em 1921, na cidade de Paris, oferecido por um imigrante anônimo português. O vitral retrata a primeira missa celebrada no Brasil, então Terras de Santa Cruz, em 26 de abril de 1500, pelo Frei Henrique de Coimbra, próximo ao local da chegada da Armada de Pedro Álvares Cabral, hoje Santa Cruz de Cabrália. Ao se observar a história da Instituição, percebe-se que, assim como seus congêneres nas cidades do Rio de Janeiro e Recife, o Gabinete Português de Leitura de Salvador foi inteiramente concebido, tanto cultural quanto arquitetonicamente, como um lugar de reverência à cultura universal da língua portuguesa, um lugar de memória, sendo o livro utilizado como um dos instrumentos no resgate da memória construída pela língua portuguesa.
Mas há outras joias presentes na nossa cultura que simbolizam e parecem reunir todos os costumes e tradições do mundo lusófono. A hospitalidade do povo, a culinária, a forma de vestir e de ser, é uma cultura sui generis. Atualmente Hoje, o Gabinete Português de Leitura promove ou ajuda a promover eventos, de âmbito exclusivamente cultural.
Talvez seja por isso, que o Gabinete Português de Leitura de Salvador já foi condecorado por 3 vezes pela Presidência da República Portuguesa.
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Temos contado com presenças de acadêmicos de prestigio em diversas aéreas, com especial incidência nas letras. Nos últimos meses, contámos inclusive, com Professores Catedráticos das Universidades do Porto, Coimbra e Lisboa. Por ocasião das comemorações dos 500 anos do Auto da Barca do Inferno, tivemos o privilégio de contar com a presença de um dos maiores especialistas mundiais em Gil Vicente: Dr. José Camões. Esse tipo de eventos abrange essencialmente cursos, oficinas, palestras, debates, exposições amostras, leituras (etc.), na nossa sede, ou fora dela, e têm a finalidade de promover ações culturais, destinadas a fomentar o desenvolvimento cultural da cidade. No campo virtual, contamos com uma presença com uma penetração relevante e consolidada, através de 5 sítios na internet: O site oficial, onde constam as mais relevantes (http://www.gplsalvador.org) O blog, onde se publicam deambulações contemporâneas (http://gabineteportuguesdeleituraem salvador.blogspot.com.br) O Instagram, com algumas apresentações gráficas
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(https://www.instagram.com/ gabineteleiturassa) O Facebook, com uma vertente de informação massificada (https://www.facebook.com/ gabineteportugues) O Youtube, onde procuramos divulgar alguns ensaios cênicos (https://www.youtube.com/channel/ UCpRGGMYxSrwBmSTafZHVanw)
Projeções Cultura tem muitos significados, tais como um conjunto de ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais, aprendidos de geração em ge-
ração através da vida em sociedade. Também podemos afirmar que, a cultura, é sobretudo um conceito que está sempre em constante mutação. Como consequência, já temos agendado para este ano diversas iniciativas, e grande parte delas centradas neste primeiro centenário do edifício. O Gabinete Português de Leitura, como agente cultural em movimento, tem noção de que um dos seus maiores valores, são as muitas ideias que por aqui pululam, sempre pensando em frente, continuando a fazer história como uma entidade de referência na cultura baiana.
IIM – 2017: principais actividades Seminários e Encontros CONFERÊNCIA “MACAU - UMA PONTE NA RELAÇÃO ECONÓMICA ENTRE A CHINA E OS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA”
ção Jorge Álvares, General Garcia Leandro, entre outros ilustres convidados e oradores, alguns dos quais escolhidos pelo IIM, como a Prof.ª Fernanda Ilhéu e o Prof. Severino Cabral, do Brasil, nossos colaboradores em múltiplas actividades.
O relacionamento bilateral ou trilateral entre a China e os países de língua portuguesa foi tema de uma conferência internacional realizada em Lisboa, a 21 de Fevereiro, em que o papel de Macau enquanto plataforma de contacto foi discutido. A conferência, que teve por título “Macau - Uma ponte na relação económica entre a China e os países de língua portuguesa”, organizada pela Fundação Jorge Álvares e pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, contou com a colaboração do IIM e mereceu a presença do Presidente da República Portuguesa, Prof. M a rc e l o R e b e l o d e Sousa, do Presidente do ISCSP, Prof. Manuel Meirinho Martins, do Presidente da Funda-
CONGRESSO INTERNACIONAL DE FILOSOFIA E LITERATURA ENTRE PORTUGAL E MACAU A sessão de boas-vindas do Congresso Internacional de Filosofia e Literatura entre Portugal e Macau realizouse no Instituto Internacional de Macau (IIM), a 27 de Março, tendo sido moderado por Jorge Rangel, presidente do IIM. O primeiro painel contou com apresentações de Renato Epifânio, presidente do Movimento
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CONFERÊNCIA SOBRE A LUSOFONIA E LANÇAMENTO DE “CHINA E PAÍSES LUSÓFONOS - PATRIMÓNIO CONSTRUÍDO” NO CONSULADO-GERAL DE PORTUGAL EM MACAU
Internacional Lusófono (MIL), Gonçalo Cordeiro, representante da Universidade de Macau, Lola Xavier, do Instituto Politécnico de Macau, e Maria Antónia Espadinha, da Universidade de São José. Um segundo painel contou com comunicações de Paulo Ferreira da Cunha, Paulo Borges e António de Abreu Freire e apresentações de obras relacionadas com a literatura e filosofia. A sessão terminou com a divulgação das últimas edições do IIM. O Congresso teve um intenso programa, com intervenções de especialistas nas áreas da litera-
“A importância de Macau para o Movimento Internacional Lusófono e para a Revista Nova Águia” foi o tema da conferência que teve lugar a 31 de Março, no auditório do Consulado-Geral de Portugal em Macau e Hong-Kong. A sessão foi moderada por Jorge Rangel e contou com a apresentação do convidado Renato Epifânio, presidente do Movimento Internacional Lusófono, director da Nova Águia, professor e investigador, com dezenas de estudos publicados sobre os valores inerentes à lusofonia. Renato Epifânio partilhou a sua visão e pensamento numa comunicação sobre o mundo lusófono e a importância de Macau neste contexto. Durante a sessão, foi ainda lançado o livro “China e Países Lusófonos - Património Construído”, editado pelo IIM, que contou com a colaboração de 12 especialistas de vários países. É seguramente, uma obra que dignifica o acervo editorial do IIM.
10.ª EDIÇÃO DA “INTERNATIONAL CONVENTION OF ASIAN SCHOLARS (ICAS)” tura e da filosofia, de Portugal e de Macau, tendo decorrido até ao dia 30 de Março, nas instalações do Instituto Politécnico de Macau, Universidade de Macau e Universidade de São José. O encerramento do Congresso teve lugar nesta Universidade, com uma palestra sobre “Uma interpretação do legado luso em Macau”, feita pelo presidente do IIM.
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Decorreu entre 20 e 23 de Julho a décima edição do evento “International Convention of Asian Scholars” (ICAS 10), em Chiang Mai, na Tailândia. Este evento, que é organizado de dois em dois anos, desde 1998, é uma plataforma que integra vários e ilustres representantes da sociedade civil e da área académica, vocacionada para os estudos asiáticos. A ICAS teve um encontro em Macau no ano de 2013. No encontro de Chiang Mai, a representação de Macau foi assegurada pela Fundação Macau, pela Universidade de Macau, pelo Instituto Internacional de Macau (IIM), pelo Insti-
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tuto de Estudos Europeus de Macau e pela Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau. Em representação do IIM, Mariana Pereira apresentou uma comunicação sobre “Beyond the theatricalities of the Dóci Papiaçám di Macau: The social role of the community theatre as intangible heritage” e presidiu a painéis sobre os temas “Developments in heritage conservation”, “Developments in intangible heritage” e “Heritage, postcolonialism and cities”.
A sessão foi organizada pela Associação para a Reinvenção de Estudos do Património Cultural de Macau, com o apoio institucional do IIM, e contou com a presença de representantes da Universidade de Ciência e Tecnologia de Yunlin, de Taiwan, do Lago Oeste de Hangzhou, da China Continental e do presidente do IIM. O IIM lançou ainda o seu último álbum fotográfico intitulado “O Legado Cultural de Macau”, com uma boa selecção de fotografias sobre o património arquitectónico e cultural do território.
IIM ACOLHEU SEMINÁRIO SOBRE PATRIMÓNIO DE MACAU E LANÇOU O LIVRO “LEGADO CULTURAL EM MACAU” ENCONTRO INTERNACIONAL DE JOVENS MACAENSES EM SÃO FRANCISCO, E.U.A.
A 5 de Agosto realizou-se no auditório do Instituto Internacional de Macau uma sessão aberta ao público e destinado aos jovens, para um debate sobre o turismo e o património cultural de Macau, da China Continental e de Taiwan, sob o título “Mainland China, Taiwan and Macau Cultural Tourism Youth Forum and Workshop”.
Um Encontro Internacional de Jovens Macaenses foi realizado, de 13 a 20 de Agosto, em São Francisco, Estados Unidos da América. António Monteiro e Hugo Gaspar, representantes do IIM estiveram presentes na cerimónia de inauguração do evento, tendo participado em todas as actividades, desde visitas culturais a sessões de convívio
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com outros jovens macaenses da diáspora. A oportunidade deste encontro, organizado pelo Clube Lusitano de Califórnia, pretendeu reunir jovens macaenses para a continuada preservação e promoção da sua identidade. Foram estabelecidos contactos com muitos dos jovens macaenses da diáspora, visando o estabelecimento de novas cooperações entre esses elementos das comunidades macaenses.
CONFERÊNCIA ANUAL DE ESTUDOS CONJUNTOS DOS PAÍSES LÍNGUA PORTUGUESA E IX SEMINÁRIO INTERNACIONAL “MACAU E O INTERCÂMBIO SINO-LUSO-BRASILEIRO”
DE
O IIM co-organizou em Pequim no dia 27 de Novembro, a Conferência Anual de Estudos Conjuntos dos Países de Língua Portuguesa 2017, uma iniciativa do Centro Chinês de Estudos dos Países de Língua Portuguesa (CCEPLE) da Universidade de Economia e Negócios Internacionais (UIBE) em parceria com o IBECAP Instituto Brasileiro de Estudos da China e Ásia-Pacífico. O tema da conferência deste ano foi o diálogo e a cooperação entre a China e os países de língua portuguesa no século XXI. Com uma numerosa participação de professores, investigadores, estudantes, diplomatas, jornalistas, empresários e profissionais de diversas áreas, as
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línguas utilizadas, em todos os documentos e nas comunicações e intervenções feitas, foram o chinês e o português, com recurso à tradução simultânea. Estiveram em representação do IIM o presidente e vicepresidente, Jorge Rangel e José Lobo do Amaral, e o investigador Paulo Duarte. Do IBECAP, associou-se o seu primeiro responsável, Severino Cabral, colaborador do IIM em muitas iniciativas no Brasil e na organização das séries de seminários sobre “O papel de Macau no intercâmbio sino-luso-brasileiro”, que tem sido anualmente realizado em sete cidades de três continentes. Este seminário teve ainda lugar nas Universidades de Hangzhou e de Ningpó.
Antes de Pequim, realizou-se nos dias 26 e 27 de Outubro o IX Seminário Internacional – Macau e o Intercâmbio Sino-Luso-Brasileiro, no auditório do Centro Cultural do Liceu Literário Português, no Rio de Janeiro. Com intervenções do presidente do IBECAP, Severino Cabral, do representante do Real Gabinete Português de Leitura e do vice-presidente do Instituto Internacional de Macau, José Amaral, foram enfatizadas as potencialidades e formas de aumentar os intercâmbios culturais e académicos entre a China, o Brasil e os outros países de língua portuguesa, e também Macau como plataforma para contactos entre os referidos países. Igual evento teve lugar na Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro, com uma numerosa presença de oficiais superiores do Brasil.
IIM – 2017: principais actividades
FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL
Realizada em Ipojuca, em Pernambuco do Recife, de 21 a 24 de Setembro, teve a presença do Prof. António de Abreu Freire, em representação do IIM, o qual apresentou uma comunicação sobre a Literatura de Cordel e as obras do poeta de Macau, J.J. Monteiro. Abreu Freire tem projectado o nome e a obra deste poeta popular de Macau nos círculos académicos do Brasil e de Portugal, com base em livros que o IIM editou.
terísticas e transformações (físicas, culturais, sociais, económicas, religiosas, etc.), enquanto cidade aberta ao Mundo. Este projecto obteve a aaprovação do IIM sendo uma edição que enriquece, inquestionavelmente, o seu acervo. A apresentação foi realizada pelo Dr. Guilherme d’Oliveira Martins e contou com a presença da directora da Delegação, Dra. O Tin Lin.
CERIMÓNIA DE EVOCAÇÃO DO PE. CÉSAR BRIANZA NO COLÉGIO D. BOSCO (YUET WAH)
Apresentação de livros APRESENTAÇÃO DO LIVRO “MACAU - ROTEIROS DE UMA CIDADE ABERTA” EM LISBOA Decorreu, no dia 22 de Fevereiro, na Delegação Económica e Comercial de Macau, em Lisboa, o lançamento da edição do IIM, ”Macau - Roteiros de uma Cidade Aberta“. Da autoria de Jorge Santos Alves e Rui Simões, esta edição ilustrada destina-se a todos quantos queiram visitar Macau e melhor compreender a sua história e seus grandes ciclos, as suas principais carac-
Decorreu com grande participação a cerimónia da evocação do Pe. César Brianza no dia 17 de Março, no auditório do Colégio D. Bosco (Yuet Wah). Durante a sessão, foi realizado o lançamento de uma das mais recentes edições do IIM, “César Brianza, a Missão, o Coro e o Sonho da China“, obra do jornalista João Guedes. O momento em destaque da sessão centrou-se numa belíssima actuação do grupo dos Pequenos Cantores, que foi uma colaboração dos Amigos do Oratório Salesiano e Antigos Alunos do Colégio D. Bosco. A cerimónia foi coordenada por Jorge Rangel, presidente do IIM. Um especial agradecimento foi dirigido ao Pe. Francis
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tém 12 contos encadeados no tempo, revelando o espaço físico e o enquadramento conjuntural de Macau em períodos marcantes da sua História. Acompanham a evolução da orgânica administrativa do território, o progresso económico, as condições sociais, e as grandes transformações na última década do século XX.
Hung e ao Dr. Manuel Silvério, que tornaram possível reviver as actuações memoráveis dos Pequenos Cantores da Cruz de Madeira e as suas harmoniosas canções. Foi também lançado um CD editado pelo IIM, com apoio da Fundação Macau, contendo muitas antigas canções originais dos Pequenos Cantores.
LANÇAMENTO DE “ESTÓRIAS DE AMOR EM MACAU” EM MACAU E NA FEIRA DO LIVRO EM LISBOA
Este livro foi depois apresentado em Lisboa, no dia 14 de Junho, pela historiadora e professora Celina Veiga de Oliveira e José Lobo do Amaral, vice-presidente do Instituto Internacional de Macau. A sessão foi incluída no programa da 87ª Feira do Livro de Lisboa, com o apoio da Livraria do Turismo de Macau.
LANÇAMENTO DO LIVRO “A FAIXA E ROTA CHINESA: TERRA E MAR”
A CONVERGÊNCIA ENTRE
A Livraria Portuguesa de Macau acolheu a 1 de Dezembro o lançamento do livro do IIM “A Faixa e Rota Chinesa: a Convergência entre Terra e Mar”, de Paulo Duarte. O autor, presente em Macau para o acto, explorou com uma visão crítica a política externa chinesa não só pelo seu potencial económico, como também pela sua natureza de segurança energética. Este é o pri-
No dia 18 de Abril, o auditório do IIM acolheu o lançamento do livro “Estórias de Amor em Macau”, de Maria Helena do Carmo, ex-locutura da rádio, professora de História e Português e autora de trabalhos e de romances históricos de Macau. As apresentações foram realizadas por Celina Veiga de Oliveira e Jorge Rangel, presidente do IIM. Focado no papel da mulher, de diferentes etnias e nacionalidades, de qualquer condição social, que por amor lutaram contra os preconceitos da época e conquistaram lugar de destaque, o livro con-
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IIM – 2017: principais actividades
meiro livro do género em língua portuguesa a analisar a iniciativa “Uma Faixa Uma Rota”. A apresentação contou com apresentações do Prof. Francisco Leandro, da Universidade de São José, e do Prof. Severino Cabral, presidente do Instituto Brasileiro de Estudos da China e Ásia-Pacífico (IBECAP).
LANÇAMENTO DO LIVRO “MACAENSE CUISINE”
LANÇAMENTO DO LIVRO SOBRE A ESTADA EM MACAU DO DR. SUN YAT-SEN E PROTOCOLO DE COOPERAÇÃO ENTRE A ACADEMIA DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA CHINA, O INSTITUTO MILÉNIO E O IIM
Realizou-se em San Mateo Beresford Park, California, esta acção, da iniciativa do IIM, com a presença do autor do livro, António Pacheco Jorge da Silva, no dia 8 de Abril, aproveitando um piquenique que o Clube Lusitano dos EUA organiza anualmente com os seus associados e amigos.
LANÇAMENTO DO LIVRO “WESTERN PIONEERS”
Decorreu no dia 10 de Dezembro uma palestra com o tema “Significado da estadia do Dr. Sun Yat-Sen em Macau”, no auditório do IIM. Aproveitando a presença em Macau de uma delegação da Academia de Ciências Sociais da China, estrutura que serve de “think-tank” ao Governo Central, a palestra foi uma iniciativa conjunta do Instituto Milénio de Macau e o IIM. Estas três instituições firmaram ainda um protocolo de cooperação para fomentar o intercâmbio cultural e académico com instituições de Portugal e da União Europeia. Entre os oradores, estiveram Fok Kai Cheong, autor do livro, Ambrose So, chanceler do Instituto Milénio, professor Huang Ping, da referida Academia, e Rufino Ramos, secretário-geral do IIM. Foi também apresentado um livro que já resulta da cooperação havida entre as referidas instituições, sobre a interpretação do pensamento revolucionário do Dr. Sun Yat-Sen, durante sua estada em Macau, publicado recentemente pela referida Academia de Pequim, numa edição bilingue, em português e chinês. O IIM realizou os respectivos trabalhos de tradução, e fez publicar o livro em português, chinês e em inglês.
Teve lugar no Creekside Clubhouse, em Rossmoor, Walnut Creek, na California a apresentação do livro “Western Pioneers and their Discovery of Macau”, de José M. Braga, no dia 15 de Outubro. Serviu de apresentador e de palestrante o Prof. Ming K. Chan, da Universidade de Stanford, numa organização conjunta do IIM e do Centro Cultural de Macau na California. O Prof. Ming K. Chan tem proporcionado ao IIM e às associações macaenses dos Estados Unidos uma valiosa colaboração.
Outras Publicações Além das edições indicadas nesta revista, continua também a ser semanalmente publicada no Jornal Tribuna de Macau uma página de Jorge Rangel, cujos textos são anualmente reunidos em livro, na colecção “Falar de Nós”. Em 2017, foram ainda publicados quatro números trimestrais do Boletim de Notícias do IIM, em língua portuguesa.
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Exposições EXPOSIÇÃO DE CALIGRAFIA DE AMBROSE SO EM LISBOA
Museu de Aveiro, onde foi inaugurada no dia 18 seguinte, no Dia Internacional dos Museus. Ao mesmo tempo, foram estudadas formas de cooperação com a Universidade de Aveiro/Instituto Confúcio no sentido de serem oferecidos alguns programas sobre a China Contemporânea, com a participação da Academia de Ciências Sociais. A actividade foi co-organizada pelo IIM e pelo Instituto Milénio que efectuaram a tradução do catálogo da exposição e a respectiva divulgação, e apoiada pela Fundação Jorge Álvares e pelo Centro Científico e Cultural de Macau, que disponibilizou as instalações.
INAUGURAÇÃO DA EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIAS “PATRIMÓNIO CULTURAL DE MACAU” EM GOA “Um Janus Cultural: A Complexidade de Macau num Desfile Caligráfico” foi a exposição inaugurada durante o mês de Outubro, numa cerimónia que contou com a presença do Embaixador chinês em Portugal, Cai Run, e de dois antigos Governadores de Macau, os generais Garcia Leandro e Vasco Rocha Vieira, além do ex-Ministro da Presidência, José Luís Arnaut, do presidente do Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), Luís Filipe Barreto, e do presidente do IIM, Jorge Rangel. A convite do CCCM e do IIM, Ambrose So inaugurou a sua exposição individual de caligrafia em Lisboa, para promover esta arte tradicional chinesa, com o objectivo de ajudar a aprofundar a compreensão do papel de Macau como ponte no intercâmbio histórico e cultural A terceira edição do “Festival da Lusofonia – Goa 2017”, da iniciativa da Sociedade Lusófona de Goa, contou com a representação de Macau, que apresentou a exposição de fotografias “Património Cultural de Macau” no dia 7 de Março. Em representação do Instituto
entre o Oriente e Ocidente, assim como para facilitar uma mais forte cooperação com Portugal e outros países da União Europeia. A exposição esteve patente até ao dia 13 de Maio de 2018 no Centro Científico e Cultural de Macau, em Lisboa, seguindo depois para o
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IIM – 2017: principais actividades
Internacional de Macau (IIM) esteve António Monteiro, na cerimónia de inauguração da mostra que esteve patente até ao dia 9 de Março, na Galeria de Artes de Goa, do “Central State Library” em Panjim. Constituída por retratos do legado patrimonial do território e suas tradições culturais, é o resultado do concurso de fotografias realizado pelo IIM em 2016, com o apoio da Fundação Macau. No dia da inauguração foram ainda apresentadas algumas das mais recentes edições do IIM e exibido o último vídeo promocional da Direcção dos Serviços de Turismo
EXPOSIÇÃO “ÁRVORES E ARBUSTOS”
Entre 29 de Dezembro de 2016 a 13 de Janeiro de 2017, estiveram em mostra, no auditório do Instituto Internacional de Macau, desenhos da flora de Macau da autoria das ilustradoras Catarina França e Mafalda Paiva. As gravuras expostas vão ilustrar um livro apresentando a história da arborização em Macau. Intitulada “Árvores e Arbustos de Macau”, é da autoria de António Paula Saraiva, engenheiro agrónomo que trabalha em Macau desde 1985 e que se tem dedicado ao estudo dos jardins, botânica e ambiente. Com o apoio da Fundação Macau, esta iniciativa pretende introduzir esta temática junto do público que pouco se apercebe do grande esforço que tem sido feito para preservar as zonas verdes da cidade.
“Momentos do Intercâmbio Comercial e Cultural com o Oriente”, do Prof. Abreu Freire, a mostra foi apresentada no Gabinete Português de Leitura de Recife, no dia 10 de Junho, e em Dezembro na Murtosa, no Museu Comur. O Gabinete Português de Leitura do Recife firmou uma parceria eficaz com o IIM, sendo um dos nossos melhores parceiros no Brasil.
Concursos e Distinções GENERAL ROCHA VIEIRA HOMENAGEADO NO INSTITUTO INTERNACIONAL DE MACAU (IIM)
O General Vasco Rocha Vieira, último Governador de Macau (1991-1999), foi homenageado pelo IIM, quando esteve em Macau para participar na primeira reunião do Conselho de Curadores da Fundação Escola Portuguesa de Macau. Numa cerimónia que decorreu a 24 de Março, em resultado de uma deliberação dos órgãos sociais do IIM, foi-lhe atribuído um certificado de reco-
EXPOSIÇÃO “PORTUGAL NO ORIENTE” Composta por cerca de 40 peças desenhadas pelo Mestre Sérgio Carvalho, que variam de 3x2 metros a 60x40 cm, e que ilustraram o livro editado pelo IIM
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nhecimento “pelos relevantes apoios concedidos ao IIM desde o início do seu funcionamento e pelo acompanhamento permanente e interessado das suas actividades”. Assistiram à sessão responsáveis, associados e colaboradores do IIM, assim como amigos do homenageado, entre os quais os presidentes de algumas instituições académicas, associativas e culturais locais. O General Rocha Vieira é membro honorário do IIM desde 2004, conforme decisão aprovada em Assembleia Geral nesse ano realizada, que abrangeu também o Comendador Joaquim Morais Alves, primeiro presidente da Mesa da Assembleia Geral do IIM, já falecido. As fotografias destes dois membros honorários do IIM foram também descerradas nessa data no IIM.
CONCURSO DE FOTOGRAFIAS “A MACAU QUE EU MAIS AMO!”
Decorreu no dia 25 de Novembro, na Galeria da Fundação Rui Cunha, a cerimónia de abertura da exposi-
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ção de fotografias “A Macau que eu mais amo!”. As fotografias premiadas encontravam-se em mostra conjuntamente com uma selecção das melhores fotografias do respectivo concurso, que ficaram patentes até ao dia 8 de Dezembro. Esta iniciativa conjunta do Instituto Internacional de Macau, da Associação de Fotografia Digital de Macau e do Clube Leo Macau Central, que contou com o patrocínio da Fundação Macau, teve uma participação significativa de jovens estudantes e do público. Cerca de 500 fotografias foram apresentadas a concurso que visava estimular a população, especialmente os mais jovens, para um melhor conhecimento das riquezas patrimoniais e das tradições que enformam a cultura de Macau. O júri deste concurso foi constituído por Leong Chan Kong, Tam Keng e Si Wun Cheng, membros da referida Associação, António R. J. Monteiro e Chan Ka Hou, respectivamente em representação do IIM e do Clube Leo de Macau Central. O júri decidiu premiar, na categoria de estudantes, Ao Hou Fai, Chio Song Hin e Chao Chi Hun, enquanto que, na categoria geral, foram premiados Lei Heong Ieong, Li Man Lok e Chan U Long, além de uma vintena de obras classificadas com menção honrosa. No final da sessão, realizou-se uma cerimónia de assinatura de um protocolo de cooperação entre o Instituto Internacional de Macau e a Fundação Rui Cunha, para futuras colaborações e cooperações.
IIM – 2017: principais actividades
PRÉMIO IDENTIDADE
As premiadas foram Xu Chang, com o trabalho “A identidade dos Macaenses – foco na gastronomia macaense”, na área de Património, Cultura e Identidade de Macau, e Ieong Lok Tong, sob o tema “Percepção da geração Y e dos trabalhadores no recrutamento e retenção na indústria de serviços em Macau”, na área de Economia e Gestão, selecionados de um conjunto de uma vintena de trabalhos. O painel de júri foi constituído pelas professoras do Instituto de Formação Turística, Io Man U, e da Universidade de Macau, Rose Neng Lai, diretora adjunta da sua Faculdade de Gestão de Empresas. Este ano, foi atribuída a distinção ao Prof. Henrique d´Assumpção, ilustre macaense residente na Austrália, que tem contribuído para a preservação do património e da identidade macaense, empenhando-se, durante mais de 20 anos e sem almejar benefícios pessoais, na criação de um repositório permanente para a preservação dos registos culturais e históricos da Comunidade Macaense, que divulga no espaço cibernético, a sua genealogia.
PRÉMIO JOVEM INVESTIGADOR 2017 O Prémio Jovem Investigador 2017 foi atribuído a duas jovens por trabalhos de investigação realizados em áreas de interesse para a RAEM. O Prémio Jovem Investigador, iniciativa apoiada pela Fundação Macau desde 2001, tem como objectivo incentivar jovens estudantes, professores, recém-licenciados e criativos para a investigação e o aprofundamento dos estudos visando o desenvolvimento da Região Administrativa Especial de Macau, essencialmente nos sectores estratégicos da economia e da diversificação, do património e da identidade, das ciências aplicadas e da História de Macau.
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IIM AGRACIADO EM PERNAMBUCO
Para comemorar os 167 anos do seu estabelecimento, o Gabinete Português de Leitura de Pernambuco, no Brasil, organizou uma cerimónia solene, no dia 6 de Novembro, que contou com a presença dos Cônsules de Portugal no Recife e em Maceió, ViceCônsules da República Popular da China e do Japão, Presidente do Gabinete Português de Leitura de Salvador e centenas de outros representantes, entre os quais autoridades diplomáticas, instituições portuguesas do Recife, instituições culturais e académicas, bem como dirigentes e membros daquele Gabinete.
mento mútuo das comunidades portuguesas de Macau e do Brasil, especialmente do Estado de Pernambuco, assim como para estímulo de promoção de acções que visem a divulgação da realidade de Macau no Brasil e vice-versa, e ainda apoiar instituições e particulares de Macau, de Pernambuco e da República Popular da China, que queiram desenvolver projectos de investigação ou outros relacionados com estes países, nomeadamente em áreas académicas e científicas. Durante a cerimónia, o IIM foi agraciado com o Colar do Mérito Luís Vaz de Camões, a mais alta distinção do Gabinete, tendo ao vice-presidente do IIM sido entregue a Medalha de Mérito Luís Vaz de Camões.
PRÉMIO PERSONALIDADE LUSÓFONA DE 2016
O IIM patrocinou, como nos anos anteriores, este prémio criado pelo Movimento Internacional Lusófono, que foi atribuído a Ruy Mingas, músico angolano, numa cerimónia realizada no dia 18 de Abril, na Sociedade de Geografia de Lisboa. Fundado em 1851, o Gabinete tem por objectivo enaltecer e manter viva a História e a memória de Portugal, sendo o centro de acontecimentos e de intercâmbio cultural pulsante entre Brasil e Portugal e outros países lusófonos. O Instituto Internacional de Macau (IIM), na qualidade de instituição cultural e académica, fez-se representar pelo seu vice-presidente, José Lobo do Amaral. O IIM e o Gabinete de Pernambuco têm desenvolvido um trabalho intenso e alargado de actividades, possuindo um protocolo de cooperação assinado, para promover e apoiar acções e iniciativas que contribuam para o conheci-
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IIM – 2017: principais actividades Promoção com Recurso a Meios Digitais NOVA PÁGINA ELECTRÓNICA O IIM lançou em 2016 uma nova página electrónica (www.iimacau.org.mo), com visual mais moderno e prático para os visitantes internautas. Disponível em chinês, português e inglês, a página encontra-se concebida para melhor distribuir os conteúdos das notícias, nomeadamente o seu boletim informativo, que se encontra na plataforma “Issuu”. Com acesso à página do Facebook, facilita assim o acompanhamento das actividades do IIM. Para melhor promover Macau, encontrase disponível na sua galeria, fotografias e vídeos sobre as mais recentes actividades, podendo ser utilizadas versões em língua chinesa e inglesa, com leitores diferenciados.
FACEBOOK Mais recentemente, o IIM tem recorrido a esta plataforma electrónica para divulgar a realização de eventos, dar notícias, bem como promover as suas publicações. O recurso a este meio de publicidade está na fase experimental, tendo-se verificado que não só os custos são menores do que outros meios mediáticos mas também o segmento de mercado a alcançar é mais focado e económico.
PLATAFORMA PARA VENDA DE LIVROS O IIM Bookshop nasceu em 2016 e encontra-se em funcionamento dentro da nova página electrónica (www. iimacau.org.mo/bookshop), onde estão centrados os conteúdos das publicações do IIM num só sítio digital, facilitando a visualização dos conteúdos das antigas e novas publicações do Instituto e dispensando a existência de um catálogo impresso, face ao contínuo acréscimo de novas edições. A página do IIM Bookshop possui também uma página no Facebook, para melhor acompanhar as últimas publicações lançadas pelo Instituto. Recentemente, negociou-se com a Caixa Económica Postal um acordo mediante o qual podem ser adquiridos livros nesta plataforma mediante o uso de cartões de crédito aceites pela CEP, o que viabiliza o processo e reduz os custos para ambas as partes. Em breve se incluirão publicações de outras editoras locais privadas que não tenham possibilidades nem circuitos e as queiram distribuir no exterior.
PLATAFORMA DA COZINHA MACAENSE Tendo Macau sido designada “cidade criativa da UNESCO em Gastronomia”, o IIM criou uma página electrónica da cozinha macaense, promovendo a história e as receitas da culinária única de Macau. A plataforma servirá ainda para interagir junto de utilizadores registados, que permitirá partilhar e introduzir receitas tradicionais de pratos macaenses, através de ilustração e textos em blogue, criando uma interacção dinâmica no mundo virtual. A plataforma, inicialmente criada em língua inglesa e com o objectivo de chegar a toda comunidade da diáspora macaense, estará igualmente disponível nas línguas chinesa e portuguesa e com capacidade para visualização de vídeos promocionais sobre a cozinha macaense.
VIDEO SOBRE A DIÁSPORA MACAENSE Baseado nas entrevistas conduzidas pelo jornalista Joaquim Magalhães de Castro, numa viagem que fez à América, com o apoio do IIM e da FM, num guião concebido por Mariana Pereira e em imagens editadas por António Pinto Marques, está a ser ultimado um vídeo de cerca de 30 minutos sobre a diáspora macaense, no período pós-Guerra do Pacífico. Este vídeo será ulteriormente visionado nas Casas de Macau e nas comunidades macaenses, e eventualmente nos meios de comunicação cibernética, devendo ser legendado em português e em língua chinesa.
Outras Actividades BOLSAS A INVESTIGADORES JUNIORES Em colaboração com o Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, o IIM voltou a oferecer três bolsas de investigação a pesquisadores juniores, com a duração de 12 meses, para realizarem trabalhos em áreas do relacionamento entre o Brasil, a China e Macau.
ARRAIAL DE SÃO JOÃO 2017 O Arraial de São João teve lugar nos dias 24 e 25 de Junho na Calçada da Igreja de São Lázaro. O evento foi organizado pelas associações de matriz portuguesa de Macau, entre as quais a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM), a Associação dos Macaenses, a Casa de Portugal de Macau, o Instituto
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Macau”, com sede em Toronto, fez uma digressão musical por várias cidades de Portugal, no que foi apoiada pela Fundação Jorge Álvares e por diversas outras instituições e câmaras municipais portuguesas, com o intuito de promover a singularidade de Macau, onde a cultura ocidental se cruza com a oriental, conforme um comunicado da organização. O grupo inclui uma orquestra de instrumentos chineses, que interpreta um repertório extenso e variado, não só de música clássica chinesa, como também portuguesa e macaense, sem esquecer o patuá, crioulo português de Macau e ele-
Internacional de Macau (IIM), a Associação de Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC) e a Associação dos Jovens Macaenses, tendo contado com a presença, na cerimónia de inauguração, de um dos subdiretores da Direcção dos Serviços de Turismo de Macau, entidade governamental que apoiou finan-
ceiramente o evento. Foi possível assistir este ano a um variado programa de concertos, juntamente com actuações tradicionais de folclore, entre comida tradicional portuguesa e macaense, trabalhos de artesanato e ainda publicações e um concurso de fotografias promovido pelo IIM.
CLUB AMIGU DI MACAU EM PORTUGAL Durante uma digressão musical a Portugal, feita entre os dias 21 a 27 de Maio, a delegação do Club Amigu di Macau foi recebida por representantes do IIM, na sua delegação em Lisboa, no Palácio da Independência, onde lhes foi oferecido um almoço. O “Clube Amigu di
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mento caracterizador da identidade macaense. As actuações musicais integraram ainda canções em patuá da autoria de Armando Santos e interpretadas pelo próprio. O grupo actuou ao longo de uma semana no Fórum Cidade da Maia, no programa matinal “A Praça”, da Rádio e Televisão de Portugal (RTP), na Academia de Música do Espinho, na Praça Martim Moniz e no Largo do Intendente, em Lisboa, assim como na Ericeira e em Mafra, onde tocou no auditório da Casa da Cultura Jaime Lobo da Silva, tendo terminado a digressão com um concerto no Museu do Oriente.
IIM – 2017: principais actividades
PROTOCOLO COM O INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICAS
No dia 23 de Janeiro, o Instituto Internacional de Macau (IIM) e o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP-ULisboa) celebraram um protocolo de cooperação. Esta parceria tem como objectivo promover a cooperação entre as duas instituições para a realização de actividades de natureza académica, científica, técnica, pedagógica e cultural em áreas de interesse comum. A sessão de assinatura do protocolo contou com a presença do presidente do ISCSP-ULisboa, Manuel Meirinho, e do presidente e vice-presidente do IIM, Jorge Rangel e José Lobo do Amaral.
NOVOS MEMBROS ASSOCIADOS
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DIA 10 DE JUNHO, DIA DE PORTUGAL, DE CAMÕES E DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS
Entre várias instituições de matriz portuguesa, o IIM voltou a associar-se à romagem à Gruta de Camões, no dia 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas uma actividade simbólica para Macau, onde a marca portuguesa continua a ser uma diferença para a história e a cultura do território.
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Uma sessão de convívio de boas-vindas realizou-se no dia 21 de Novembro no Instituto Internacional de Macau, com os novos membros associados, a quem foram entregues certificados pelo presidente do IIM, que lhes deu as boas vindas, ficando formalizada a sua colaboração permanente em projectos e realizações do IIM.
COOPERAÇÃO COM O MUSEU DE ZHOUSHAN Durante o Seminário que se realizou em Ningpó, a delegação de Macau do IIM foi convidada a visitar o Museu da Ilha de Zhoushan onde existe uma secção sobre a presença de portugueses nos princípios do séc. XVI, anterior portanto ao seu estabelecimento em Macau. Foi-nos pedida colaboração para investigar e traduzir alguns trabalhos sobre este tema.
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PROTOCOLO ASSINADO COM A ASSOCIAÇÃO ROTA MARÍTIMA DA SEDA (MACAU) Foi assinado um protocolo entre o IIM e a Associação da Rota Marítima da Seda (Macau). As duas instituições trabalharão na produção de livros, revistas, filmes e trabalhos relacionados com o tema, em conjugação com as oportunidades criadas para Macau, como plataforma entre a China e os países de língua portuguesa.
Linda Rika Naito, editou o livro com o apoio do IIM, no que respeita a cedência de direitos de autor, de textos e de fotografias antigas, e ultimou o respectivo trabalho de tradução para a língua japonesa. Lembra-se que Linda Naito já tinha sido galardoada com o 19º Prémio Literário “Rodrigues, o Intérprete” em 2016, pelo seu primeiro livro “Os Macaenses – Herança e Memórias de Portugal em Macau” pela Embaixada de Portugal em Tóquio.
VISITA DA ASSOCIAÇÃO DOS JOVENS MACAENSES AO IIM
BOLSEIROS DO ISCSP EM MACAU
O IIM recebeu, na manhã do dia 13 de Abril, a Associação dos Jovens Macaenses (AJM). Foi uma visita de cortesia em que se trocaram impressões sobre a colaboração entre as duas instituições, na preservação e promoção da cultura, da memória e da identidade de Macau e dos macaenses. É intenção da AJM fortalecer os laços entre as gerações mais jovens de Macau e comunidade em geral, dentro e fora de Macau.
PRÉMIOS PARA A EPM Por verbas próprias, continua o IIM a atribuir prémios pecuniários a alunos da EPM, nas disciplinas de Inglês e de História, para os melhores classificados do 10º e do 12º anos. Foram contemplados este ano Pedro Serrano Gomes Porto, Lourenço Maria Marrama de Marcos de Sousa Marques, Mónica Viegas, Jan Noah Rolf Dantas e Kénia Graziela P. Freire de S. Nunes.
LIVRO DE LITERATURA MACAENSE EM JAPONÊS A Sophia University Press de Tóquio publicou um livro intitulado “Convite à Literatura Macaense”, uma antologia de dezoito escritos de Henrique de Senna Fernandes, Deolinda da Conceição, Luís Gonzaga Gomes e Adé dos Santos Ferreira. A professora da mesma Universidade,
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Entre 12 de Junho a 12 de Julho, o Instituto Internacional de Macau prestou apoio ao bolseiro Dr. Bruno Alencar do Instituto do Oriente (unidade de investigação do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas), durante a sua estadia em Macau. Para além de apoios logísticos, a assistência foi para a realização de entrevistas e recolha de informações necessárias para o tema da sua investigação (Comércio, Negócios, Economia e Gestão e Macau como plataforma de cooperação entre a China e os países de língua portuguesa), essencialmente junto dos departamentos governamentais, entre os quais, o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) e a Direcção dos Serviços de Economia e ainda o Banco Nacional Ultramarino (BNU Macau). De 1 a 19 de Outubro, o IIM prestou igualmente assistência à Dra. Helena da Cruz, também bolseira da mesma entidade académica, para a recolha de informação sobre a identidade do território, em relação à comunidade filipina em Macau. Foi-lhe prestada assistência para visitas ao Consulado-Geral das Filipinas em Macau, à Diocese em Macau e ainda à Casa de Portugal em Macau.
Edições IIM – 2017 REVISTA
COLECÇÃO “MOSAICO”
Oriente / Ocidente (Nº 34)
Turismo Cultural e a Gastronomia Macaense
EDITOR: Instituto Internacional de Macau Nº de páginas: 128 Com ilustrações
Revista de publicação anual, de abrangência universal, os artigos vertidos na ORIENTE/OCIDENTE, de reputados académicos e investigadores, constituem apoios relevantes aos leitores que pretendem aprofundar os conhecimentos do papel e da importância que Macau tem tido, ao longo da história, como plataforma de ligação de universos tão distintos que os que aqui se cruzam. A revista dá conta ainda das acções que o Instituto Internacional de Macau desenvolve nas várias áreas em que intervém e das edições que promove.
AUTOR: Maria João dos Santos Ferreira Nº de páginas: 52 ISBN: 978-99965-59-07-5 Sem ilustrações
Usufruindo da sua projecção internacional, Macau inicia o século XXI com uma mudança de paradigma do seu turismo. Macau passa a valorizar não só os seus monumentos e obras de arte; como todos os elementos constitutivos do seu património imaterial: os saberes e sabores populares, a música, as danças e as crenças. Observa-se assim uma crescente vontade de partilha de conhecimentos herdados e uma acrescida preocupação em preservá-los, com o intuito de os transmitir às gerações vindouras. A autora faz a interligação entre o turismo cultural de Macau e a variada oferta gastronómica, destacando a gastronomia macaense de influência portuguesa.
O Cantar de Macau AUTOR: António Aresta Nº de páginas: 76 ISBN: 978-989-99457-9-1 Com ilustrações
Manuel da Silva Mendes, na visão de António Aresta, ocupa um lugar de destaque nos estudos sobre a Sinologia. O autor escolhe um artigo de Silva Mendes, “A questão da China”, publicado em Julho de 1900 no “Regenerador”, e um outro artigo que aborda o misterioso desaparecimento dum manuscrito de Silva Mendes, “Macau Antigo”, referido por Luís Gonzaga Gomes e pelo Monsenhor Manuel Teixeira, para clarificar algumas facetas de Silva Mendes, designadamente no que respeita à sua proximidade com o bispo de Macau, José da Costa Nunes, uma amizade sofrida pela divergência de ideiais religiosos.
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COLECÇÃO “MISSIONÁRIOS PARA O SÉCULO XXI”
Padre Lancelote Rodrigues (edição chinesa)
D. Arquimínio Rodrigues da Costa (edição chinesa)
Padre Mário Acquistapace (edição chinesa)
AUTOR: Leonor Diaz de Seabra Nº de páginas: 76 ISBN: 978-99965-59-08-2 Com ilustrações
AUTOR: António Aresta Nº de páginas: 112 ISBN: 978-99965-59-09-9 Com ilustrações
AUTOR: António Rodrigues Baptista Nº de páginas: 88 ISBN: 978-99965-59-10-5 Com ilustrações
Não se pode cabalmente explicar a identidade de Macau sem considerar o papel primordial que na sua formação teve a Diocese de Macau. A colecção “Missionários para o Século XXI” do IIM tem o propósito de divulgar a vida e a obra de padres e missionários que ao longo de séculos nela desenvolveram o seu magistério, tendo já editado em português onze biografias. Agora apresentam-se as primeiras traduções em chinês de algumas das biografias editadas em português.
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Edições IIM – 2017
COLECÇÃO “SUMA ORIENTAL”
The Western Pioneers and Their Discovery of Macao AUTOR: J. M. Braga Nº de páginas: 324 ISBN: 978-99965-59-01-3 Sem ilustrações
Nova edição desta importante obra – a primeira foi em 1949 –, que divulga a história dos primeiros contactos dos portugueses com a China e as relações entre a China e o resto do mundo que começaram através da presença dos navegadores portugueses na China no século XVI. A obra remete também para as origens da cidade de Macau e conta com o contributo de Stuart Braga, sobrinho do autor Jack Braga, que fez uma pesquisa cuidada sobre a vida e tempo do autor.
Da Estada em Macau do Dr. Sun Yat Sen – Interpretação do seu Pensamento Revolucionário AUTOR: Fok Kai Cheong Nº de páginas: 136 ISBN: 978-99965-59-03-7 Com ilustrações
Na comemoração do 150º aniversário do nascimento de Sun Yat Sen, esta edição recorda a figura, a vida, o pensamento e a sua acção política e também reflecte sobre a sua ligação a Macau e sobre o seu ideário, explicando as razões da escolha desta cidade para base das suas actividades revolucionárias e a influência que aí recebeu.
Before the first Guangzhou Uprising in 1895 – The Macau Experience Deciphering the Revolutionary Thoughts of Dr. Sun Yat Sen (edição inglesa) AUTOR: Fok Kai Cheong Nº de páginas: 126 ISBN: 978-99965-59-04-4 Com ilustrações
Disponível também em versão portuguesa.
A tradução para a língua portuguesa é de Alberto Botelho dos Santos, numa edição conjunta do IIM, da Academia de Ciências Sociais da China e do Instituto Milénio de Macau, com o apoio da Fundação Macau. Disponível também em versão inglesa.
ORIENTEOCIDENTE
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COLECÇÃO “SUMA ORIENTAL”
Instrumentos Musicais Chinesas – Coleção do Museu do Centro Científico e Cultural de Macau / Lisboa AUTOR: Enio de Souza Nº de páginas: 200 ISBN: 978-989-99457-6-0 Com ilustrações
O autor – hoje um reconhecido especialista nesta área – procede ao levantamento, caracterização e estudo dos instrumentos musicais chineses que integram a colecção do Museu do Centro Científico e Cultural de Macau, em Lisboa. Trata-se de uma colecção datada da segunda metade do século XX (197080), relevante em termos museológicos e considerada uma mais-valia para o acervo do Museu do CCCM, sendo uma das mais completas colecções de instrumentos musicais chineses existentes em Portugal, constituída na sua maioria pelas principais espécies que integram a milenar organologia chinesa. O livro é editado ao abrigo de Protocolo de Cooperação com a Universidade Católica de Lisboa e teve o apoio da Fundação Jorge Álvares.
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ORIENTEOCIDENTE
FORA DE COLECÇÃO
A Faixa e Rota chinesa – a convergência entre Terra e Mar AUTOR: Paulo Duarte N. de páginas: 200 ISBN: 978-989-99457-8-4 Com ilustrações
O autor apresenta um estudo sobre a Nova Rota da Seda, um poderoso instrumento que a China esboçou para combater, em soft power, os receios que a comunidade internacional manifesta face às intenções chinesas no plano internacional, aproveitando, em paralelo, para desenvolver as suas províncias mais remotas, colocando-as logisticamente no coração das grandes rotas que visam ligar a China ao Ocidente. O Mar e a Terra são, para esse efeito, duas plataformas geopolíticas e geoestratégicas de extrema importância para que a China se realize não só como poder marítimo, mas também como potência terrestre, timoneira de uma ligação mais eficaz entre Oriente e Ocidente.
Estórias de Amor em Macau AAUTOR: Maria Helena do Carmo Nº de páginas: 196 ISBN: 978-989-99457-5-3 Com ilustrações
A autora, que leccionou em Macau entre 1995 e 1999, publicou já vários títulos que têm Macau como cenário. Este livro foca-se no papel da mulher, de diferentes etnias e nacionalidades e de qualquer condição social, que por amor lutaram contra os preconceitos da época e conquistaram um lugar de destaque na sociedade. Um fio condutor procura ligar personagens, embora em períodos distintos, surgindo os 12 contos da obra encadeados no tempo, revelando o espaço físico e o enquadramento conjuntural da cidade em períodos marcantes da sua História, acompanhando a evolução da orgânica administrativa do território, o progresso económico, as condições sociais e as grandes transformações na última década do século XX.
Edições IIM – 2017
FORA DE COLECÇÃO
O Legado Cultural de Macau COORDENAÇÃO: Gonçalo César de Sá Nº de páginas: 112 ISBN: 978-99965-59-06-8 Com ilustrações
Lendas de Macau (edição chinesa) China’s Belt and Road Initiative – The role of Macao and the Portuguese-speaking countries (edição inglesa) AUTORES: Thomas Chan, Paul Mooney, Paulo G. Figueiredo, José Luís Sales Marques Nº de páginas: 136 ISBN: 978-99965-59-14-3 Com ilustrações
AUTOR: Luís Gonzaga Gomes Nº de páginas: 116 ISBN: 978-99965-59-15-0 Com ilustrações
Um clássico da literatura macaense, “conta” a cidade através de lendas e estórias que lhe são associadas e que fazem dela a cidade que é. Reedição revista e com novas ilustrações da edição chinesa publicada em 2004.
Selecção das melhores imagens do Concurso de Fotografias do Instituto Internacional de Macau, entre os anos 2014 e 2016. As melhores imagens foram exibidas em exposições no Centro de Ciência de Macau, na Caixa Escolar de Macau e no Edf. Ritz, no Largo do Senado, entre 2014 a 2016, com os apoios institucionais do Centro de Ciência de Macau, da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude e da Direcção dos Serviços de Turismo.
A Faixa e a Rota da China é um dos mais importantes projectos económicos e diplomáticos da China na actualidade. O livro propõe uma compreensão fácil do tema, sendo um guia essencial para o entendimento do papel de Macau e dos países de língua portuguesa neste âmbito, abordando também um outro grande projecto chinês de desenvolvimento no Delta do Rio das Pérolas – o da Granda Baía. Publicado em parceria com a Associação da Rota Marítima da Seda (Macau).
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Número 35/II Série - 2018
ORIENTE OCIDENTE