Número 37/II Série - 2020
ORIENTE OCIDENTE
Índice 03 | Editorial Jorge H. Rangel 04 | Economia Azul – Evolução do conceito e da consciência internacional Mário Rui Martinho 28 | Macau e Hong Kong - Terá futuro o “elevado grau de autonomia”? Fernando Lima 41 | Carta de Camilo Pessanha para ler nos cem anos da “CLEPSIDRA” (1920-2020) José Valle de Figueiredo 42 | O Ocidente profundo e o Oriente (re)emergente na Era da confrontação geopolítica. Ronaldo G. Carmona 48 | As iniciativas de diplomacia desportiva na (re)entrada da China no sistema internacional Jorge Tavares da Silva 57 | Um traço por Magalhães Luisa Timóteo 58 | Quando os extremos se tocam: Portugal na Faixa e Rota chinesa Paulo Duarte
98 | Ensinar na China – uma forma de viajar diferente Álvaro Rosa 102 | A arte e a alma Marianna Cerini
70 | Chimerica – Resistirá este casamento feito no céu às guerras comerciais e do COVID-19? Fernanda Ilhéu
107 | Colecções museológicas curiosas Rafelle Marie Allego
80 | Macau nas Memórias de Joaquim Paço d’Arcos António Aresta
115 | Os nossos parceiros: O Centro Chinês de Estudos dos Países de Língua Portuguesa
84 | A Comunidade Macaense e a RAEM – Contributos para uma reflexão sobre o seu papel, vinte anos depois Alexandra Sofia Rangel
118 | IIM – 2019: principais actividades 136 | Edições IIM – 2019
Ficha técnica
ORIENTEOCIDENTE – N.º 37/II Série - 2020 (publicação anual) Director: Jorge H. Rangel | Coordenação: José Lobo do Amaral | Editor e proprietário: Instituto Internacional de Macau Sede: Rua de Berlim, Edifício Magnificent Court, 240, 2º (NAPE) – Macau – Tel: (+853) 2875 1727 / 2875 1767 | Fax: (+853) 2875 1797 Site: www.iimacau.org.mo | Email: iim@iimacau.org.mo | Delegação em Lisboa: Palácio da Independência, Largo de São Domingos, 11, 1150-320 Lisboa | Tel: (+351) 21 324 1020 | Fax: (+351) 21 324 1029 | E-mail: iimlisboa@iim.com.pt | Tiragem deste número: 1.000 exemplares | Ilustrações: Lio Man Cheong - verso de capa: Largo do Lilau; verso de contracapa: Ruínas da Antiga Catedral de São Paulo | Design e produção gráfica: Maisimagem II | Impressão e acabamento: ACD Print | Depósito legal: 377103/14 – Os números anteriores ao n.º 31 foram produzidos e distribuídos na RAEM.
O Acordo Ortográfico é usado ou não pelos Autores segundo o seu próprio critério. Com o apoio da
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Editorial
As limitações impostas pela terrível pandemia que afectou o mundo todo, alterando comportamentos, procedimentos e perspectivas de futuro, com consequências ainda não completamente previsíveis, dificultaram a elaboração deste número da nossa revista, porquanto as habituais reuniões de trabalho tiveram de ser canceladas e mesmo os contactos pessoais necessários só puderam realizar-se à distância, com recurso aos novos instrumentos e sistemas de comunicação que os avanços tecnológicos vão pondo mais e mais ao nosso alcance. Mesmo assim, foi possível respeitar os prazos fixados para a sua conclusão e distribuição, graças à sempre empenhada e qualificada coordenação assegurada pelo vicepresidente do IIM, José Lobo do Amaral, e à compreensão e capacidade de resposta dos nossos colaboradores, alguns dos quais têm mantido uma continuada presença que nos apraz louvar. A qualidade e a diversidade têm constituído preocupação constante nossa, sempre que um número é fechado e damos os primeiros passos para outro arrancar. Foi assim desde que este projecto foi lançado, ganhando de imediato a desejada receptividade e um generalizado reco-
nhecimento, o que nos estimulou a ir sempre mais longe e a querer fazer melhor. Quem folhear a revista e passar os olhos sobre o seu conteúdo voltará a encontrar variados trabalhos que versam temática identificada com os objectivos assumidos estatutariamente pelo IIM. Assim, continuam a ser prioritários os artigos sobre Macau, a sua memória e o seu futuro; a comunidade macaense e a sua diáspora; a inserção da RAEM nas ambiciosas iniciativas chinesas, algumas das quais de dimensão universal; as relações lusochinesas, na história e no presente; o desenvolvimento da China nas suas variadas vertentes; as formas de expressão artística e cultural da população de Macau; e o ensino e uso das línguas oficiais da RAEM. Também temos incluído, em cada novo número, uma resenha ilustrada das principais actividades levadas a efeito pelo IIM e uma apresentação das nossas novas edições, cuja produção tem constituído motivo de justificado orgulho. Aos autores e a quantos intervêm na sua concretização e divulgação deixamos aqui o nosso agradecimento. Aproveitamos, igualmente, para divulgar um dos muitos parceiros que nos permitem ampliar a
nossa intervenção, especialmente no exterior. Cabe agora a vez ao Centro Chinês de Estudos dos Países de Língua Portuguesa, que tem sede em Pequim, no campus da prestigiada Universidade de Economia e Negócios Internacionais. Ainda antes de termos um protocolo firmado, o que foi formalmente assumido em 2019, já mantínhamos uma útil cooperação na realização de seminários e encontros e na permuta de publicações. A RAEM comemorou, jubilosamente, o seu 20.o aniversário em Dezembro passado. O IIM tem a mesma idade. Parafraseando um propósito que resume a missão que abraçámos, podemos reafirmar, com convicção e frontalidade, que, comprometidos com Macau e as suas comunidades, pulsando solidariamente com as suas aspirações de desenvolvimento e de sucesso, abrimo-nos ao mundo para melhor servirmos esta terra e as suas gentes. Foi este o propósito que deu corpo e sentido ao nosso trabalho. É ainda este o propósito que nos fará prosseguir.
Jorge A. H. Rangel
Presidente do Instituto Internacional de Macau
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ECONOMIA AZUL: Evolução do conceito e da consciência internacional Mário Rui Martinho Economista, Administrador e Consultor de Empresas A importância do mar na economia e na política das civilizações Desde tempos ancestrais que o mar representava o limite da humanidade, o inalcançável, quiçá um dos grandes fatores de terror pelos perigos nele contidos, tremendo pavor da queda no vazio por embarcações que, num avanço destemido, mas inglório, olvidavam que “o mundo era plano”. Havia, portanto, dois tipos de mar: o mar explorável, suscetível de ser desafiado, o mar costeiro, o mar da pesca e da navegação à vista; e o outro, o mar inóspito, mítico, gerador de sonhos, mas também de receios profundos. Quem ousasse desafiar este mar ou era um louco, um caso perdido de insanidade, um suicida em potencial, ou era um herói, com novas histórias para contar sobre as tempestades vencidas, os enjoos ultrapassados, as batalhas havidas, as terras avistadas. Com sorte, uns artigos inovadores, uns escravos de cara nunca vista, atestariam a condição de triunfador. O mar determinava muito a vantagem competitiva de alguns povos ou Estados. Aqueles que aprendessem novas rotas de navegação, com o domínio das técnicas de construção naval e o conhecimento de ventos e marés, teriam uma vantagem competitiva, militar e comercial, que lhes permitiria a acumulação de riqueza, sustentar exércitos mais po-
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derosos, crescer os seus Estados e áreas de influência. Neste contexto, podemos relembrar a importância que o mar teve para a afirmação de muitas civilizações e impérios, tais como a civilização fenícia e o seu comércio em todo o Mar Mediterrâneo; os gregos, com as suas colónias pelo Mar Mediterrâneo; os cartagineses que, com a sua grande capacidade na construção naval, o conhecimento dos mares e a tradição comercial fenícia, dominaram o Mar Mediterrâneo, controlaram o Estreito de Gibraltar e fizeram périplos para terras longínquas; o império romano que, após o declínio de Cartago, apropriou muito do know-how desta para dominar o Mar Mediterrâneo; a civilização dos povos vikings, séculos depois da queda do império romano do ocidente, com os seus dracares que os levaram a Constantinopla, ao território continental da atual Rússia, à Islândia, Groelândia, Ilhas britânicas, Normandia e outros destinos; e, séculos depois, os chineses, os portugueses e os espanhóis, mais tarde seguidos por franceses, ingleses e holandeses. O mar era a garantia de comunicação rápida com outros impérios longínquos e de trocas comerciais, em que cada parte trocava o que valorizava pouco, por ter em abundância, por algo que valorizava muito, por ser um bem escasso ou, até, exótico.
As investidas dos marinheiros temerários iam deixando de ser fruto do impulso louco e aventureiro para, com as recompensas materiais e as experiências (e know-how) obtidas em cada viagem, passarem a ser campanhas organizadas e rigorosamente planeadas. À medida do sucesso obtido e da caminhada na curva de experiência, a qual permitia que com riscos e custos decrescentes se fossem obtendo resultados ampliados, estas aventuras coletivas foram passando de ações privadas ou promovidas por senhores feudais em interesse exclusivo para rotinas periódicas enquadradas em verdadeiros planos estratégicos nacionais. O amiúde cruzamento de determinadas águas por uma civilização, nação ou Estado parecia conceder-lhe a propriedade desse mar, a qual seria assegurada pela via militar ou por uma espécie de “usucapião em estado líquido”. Os gregos foram dos primeiros a ter a noção de “mar territorial”, embora sem legislar diretamente sobre o assunto. Essa noção estava subjacente nas relações entre os membros das anfictionias (uma espécie de confederação de povos ou cidades), os quais se comprometiam a não se atacar e respeitar as respetivas águas. Os romanos, sem preocupação de legislar, consideravam o Mediterrâneo como o “Mare Nostrum” (o nosso mar). No tempo dos descobrimentos portu-
ECONOMIA AZUL: Evolução do conceito e da consciência internacional
gueses, os portugueses e castelhanos disputavam o trono de Castela e territórios e rotas marítimas. Em 1479, foi assinado o Tratado das Alcáçovas-Toledo, o qual consubstanciou a desistência do rei português D. Afonso V ao trono de Castela, bem como definiu territórios marítimos para portugueses e espanhóis, entre outros ditames. Foi reconhecido a Portugal o domínio sobre a ilha da Madeira, os Açores e o arquipélago de Cabo Verde, deixando as Canárias para Castela e definindo-lhe um limite (o paralelo 27) para as suas incursões marítimas no Atlântico. Existiu, então, pioneirismo na regulamentação de terras ainda não descobertas e na partição dos mares. 15 anos depois, em 1494, após a viagem de Cristóvão Colombo ao “Novo Mundo”, foi assinado o Tratado de Tordesilhas, o qual, na época, dividia o mundo desconhecido em duas partes. Passavam a ser propriedade de Portugal as terras descobertas a leste do meridiano traçado a 370 léguas do arquipélago de Cabo Verde. Idem para terras conquistadas a povos não cristãos. 115 anos depois, em 1609, este conceito de Mare Clausum que assegurava aos portugueses o monopólio do comércio naval no Oriente é questionado pelo Mare Liberum (tratado do jurista holandês Hugo Grotius), o qual arrogava a livre circulação marítima como aspeto fundamental da comunicação entre povos e nações, portanto, “um direito natural”. O Mar Liberum foi uma fórmula de os holandeses quebrarem os monopólios comerciais existentes e de, com base no seu poderio naval exercido através da Companhia Holandesa das Índias Orientais, estabelecerem o seu próprio monopólio e a colónia das Índias Orientais Neerlandesas, hoje, o país Indonésia. Negócios do ouro, especiarias, tecidos, madeira e escravos tiveram
como palco o Mar Mediterrâneo, o Mar do Norte, os oceanos Atlântico, Índico e Pacífico, bem como importantes rios como o Volga (o mais extenso da Europa, com 3.688 km). Os mares e oceanos eram, desde a antiga Grécia, até à era moderna, os salvo-condutos para a riqueza e crescimento de grandes impérios militares e comerciais. Mas, eram, igualmente, a “fibra ótica” e os “satélites” por onde a informação, o intercâmbio cultural e o conhecimento fluíam a velocidades muito superiores às das grandes viagens terrestres (e.g. a rota da seda). Os “novos mundos”, países como o Canadá, os EUA, o Brasil, países da América Latina, os países africanos de língua portuguesa, só são hoje a realidade política que encaramos porque os oceanos permitiram a aventura. Os fenómenos comerciais, culturais e de aculturação, bem como as iniciativas diplomáticas e militares (estas maioritariamente dramáticas) levaram a que, em grande parte de África e nas Américas, nações pacíficas ou guerreiras, amigas ou inimigas entre si, etnias com línguas, expressões culturais e organizações políticas, religiosas e sociais diferen-
tes, se tenham em grande parte unificado e sejam hoje países de enorme importância e potencial global ou regional. O que distingue, então, esta economia que existe há, pelo menos, dois mil anos, potenciada pelo domínio de rotas marítimas, daquilo que hoje se denomina de Economia do Mar ou dos Oceanos? Dantes, o mar era uma via de transporte. Rotas oceânicas, marítimas e cursos de alguns rios correspondiam às redes internacionais de autoestradas de hoje. O mar permitia que uma grande quantidade de pessoas e grandes volumes de mercadorias chegassem a um determinado local. Tirando o fenómeno da pesca costeira, o mar não oferecia muito mais que meios de transporte e de comunicação. A Economia do Mar acrescenta novos mundos ao Mundo: a profundidade dos oceanos é acrescentada, em todas as suas virtudes e potencial, à superfície marítima. Quando comparada com a economia do mar das eras anteriores, emerge uma nova perspetiva sobre o mar e o oceano, dos quais brota um elevado potencial para novas indústrias e atividades económicas.
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A Economia dos Oceanos em 2030 Em finais de 2016, a OCDE publicou um relatório abrangente sobre a economia dos oceanos, denominado A Economia dos Oceanos em 2030. Com este relatório, a OCDE forneceu uma antevisão do que poderá ser a economia dos oceanos em 2030; de como poderão evoluir as indústrias oceânicas estabelecidas e as indústrias emergentes; e abordou as questões ambientais e de gestão dos oceanos. Segundo a OCDE, estima-se que, em 2010, a economia dos oceanos representasse 2,5% do valor acrescentado bruto (VAB) mundial, ou seja, 1.535 mil milhões de USD. Extrapolando este peso da economia do mar para 2018, chega-se a um valor para o seu VAB de 1.837 mil milhões de USD1. As atividades com maior peso eram as atividades offshore do Petróleo e gás (Offshore Oil & Gas), o Turismo costeiro e marítimo e a Atividade portuária, respetivamente com 33,6%, 26,0% e 12,9% do VAB da economia dos oceanos. As atividades relativas a Equipamento marítimo, Transporte de mercadorias e Indústria do pescado representavam, respetivamente, 11,2%, 5,5% e 5,2%. Estima-se que, em 2010, a economia dos oceanos contribuísse para cerca de 1% a 1,5% do emprego mundial. O emprego direto a tempo inteiro na economia do mar era de cerca de 31 milhões de postos de trabalho, sendo que os maiores empregadores eram as empresas de pesca marítima industrial, com 31,5% do total do emprego e o turismo marítimo e costeiro, com 22,3%. A Europa e a Ásia são as regiões com maior peso nesta economia, re-
presentando, em conjunto, cerca de dois terços do VAB mundial da Economia dos Oceanos (a Europa representava cerca de 32,5%; já a União Europeia representava 14,2%). Se, nas atividades de Offshore Oil & Gas, as principais regiões são a Europa, a América do Norte/NAFTA e a América Latina, respetivamente com 28,1%, 18,6% e 17,2% do VAB do setor, já nas atividades de Turismo costeiro e marítimo e Atividade portuária a Ásia é um ator importante, conjuntamente com a Europa. No VAB mundial da atividade de Turismo costeiro e marítimo, o peso da Europa e da Ásia estima-se, respetivamente, em 35,4% e 30,0%, enquanto que, na Atividade portuária, a Europa e a Ásia representam 23,0% e 53,0% do VAB deste setor, respetivamente (vd. Fig. 1). O peso da Ásia na economia do mar tem vindo a aumentar, nos últimos anos, principalmente nos setores tradicionais e “estabelecidos”. De facto, os 10 maiores portos de contentores estão na Ásia, dos quais 7 se encontram na China. Em 2014, a China representava 14% das pescas mundiais e 61,7% da aquicultura mundial, sendo que, neste caso,
muitas das unidades produtivas se encontram no interior do território continental chinês (o peso da Ásia na atividade de aquicultura era de 84% da atividade mundial do setor). No transporte marítimo de carga, é ainda mais evidente a deslocação do peso das economias desenvolvidas para as economias em desenvolvimento. Em 2006, o peso das economias desenvolvidas naquele setor era de 53%, enquanto que, em 2015, 62% do valor da atividade advinha de economias em desenvolvimento. Segundo a UNCTAD ( United Nations Conference on Trade and Development), em 2016, os países que lideravam a propriedade de navios eram Grécia, Japão, China e Alemanha, sendo que a Grécia representava a maior tonelagem peso-morto (293.087 DWT) e a China o maior número de navios (4.960). Segundo o relatório SEA Market Monitoring and Trade da associação Sea Europe, a qual congrega associações de Portugal e de outros países europeus, em 2016, China, Coreia do Sul e o Japão dominavam as encomendas mundiais de novos navios, respetivamente com 35,6%, 23,0% e 21,6%.
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Extrapolação do autor. Segundo o Banco Mundial, o VAB mundial, em 2018, foi de 73.495 mil milhões de USD.
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ECONOMIA AZUL: Evolução do conceito e da consciência internacional
B – Setores emergentes • Bio economia azul e biotecnologia; • Dessalinização; • Energia dos oceanos; • Energia eólica offshore; • Proteção costeira e ambiental.
Igualmente naquele ano, aqueles três países dominaram a produção completa de novos navios com, respetivamente, 32,1%, 33,1% e 19,6% do total da produção mundial. Atendendo ao elevado número de atos de pirataria no mar, com ataques a navios mercantes, a presença de frotas de marinha de guerra no patrulhamento e segurança dos oceanos é muito necessária. Em 2017, considerando os navios de grande porte, nomeadamente portaaviões, fragatas, destroyers, corvetas e submarinos, a China liderava com 190 unidades, seguida da Rússia com 166 navios e dos EUA com 160. A presença de frotas de guerra têm tido um efeito positivo na redução do número de ataques de pirataria, os quais desceram de 445, em 2010, para 191, em 2016.
Os segundos são setores que demonstram um elevado potencial para o futuro da economia. Segundo a União Europeia, tem-se, para a economia dos oceanos: A – Setores estabelecidos • Aquicultura; • Pescas; • Indústria de processamento de pescado; • Portos, armazenamento e projetos de água; • Construção e reparação naval; • Turismo costeiro; • Offshore (extração marinha) de petróleo e gás; • Transporte marítimo.
Embora a Ásia esteja a aumentar o seu peso nas atividades estabelecidas da economia dos oceanos, a Europa tem a liderança de projetos nas atividades emergentes. Por exemplo, Reino Unido, Alemanha, Dinamarca e Holanda representam, conjuntamente, 81% da capacidade mundial das energias renováveis offshore. Por sua vez, no turismo, as Caraíbas são o destino com maior quota de mercado dos Cruzeiros, seguida do Mediterrâneo e de outros destinos na Europa não mediterrânicos, sendo que os principais consumidores daquela atividade turística são a América do Norte, a Alemanha e o Reino Unido. Quanto a desportos náuticos, marinas e navegação de recreio, o peso maior advém dos EUA, Austrália, Nova Zelândia, França, Itália e Reino Unido. A escassez de recursos e a economia sustentável leva a que se perspetive um aumento da importância relativa da Economia Azul (é a economia dos
Importa, também, distinguir, na economia dos oceanos , os setores quanto ao seu contributo histórico e potencial para a economia. É comum distinguir-se os setores estabelecidos dos setores emergentes (nestes muitas indústrias e atividades estão já na esfera da “Economia Azul”). Os primeiros são setores com contributo importante e de há muito tempo para a economia mundial.
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oceanos sustentável) na economia mundial. A OCDE estima que haja um forte crescimento da economia dos oceanos, em termos de emprego e de VAB, projetando um valor mínimo para o VAB de 3.000 mil milhões de USD em 2030. Prevê-se um aumento forte na aquicultura, uma vez que a atividade de pesca está ameaçada com a enorme pressão da pesca excessiva e insustentável (“sobrepesca”) nos stocks de peixe. De igual modo, se antecipa um aumento forte das atividades de produção de energia eólica offshore, de transformação e processamento de pescado e da construção e reparação navais. Prevê-se, também, que o turismo possa ser uma área de grande crescimento. Por outro lado, antecipa-se que, em 2030, possam estar empregadas na Economia Azul, em atividades a tempo integral, cerca de 40 milhões de pessoas.
Azul. Esta tem implícito um equilíbrio entre a economia e o ambiente, entre o desenvolvimento e a sustentabilidade. Não pode haver dicotomia entre crescimento e sustentabilidade. Pelo contrário, o que se procura é o crescimento sustentável. Esta consciência na exploração dos novos recursos implica investimentos elevados e apostas estratégicas que apenas grandes corporações multinacionais e os estados estão em condições de assegurar. A criação de condições de atratividade para que as empresas e empreendedores apostem na Economia Azul sustentável é uma tendência deste século, com muitos governos a explicitarem políticas para a economia do mar, por vezes, acompanhadas do simbolismo desta opção estratégica com a criação de um “Ministério do Mar” ou “Azul”.
A Economia Azul e os seus desafios
• Os oceanos são o pulmão azul. Cobrindo mais de 70% da superfície terrestre, é dos oceanos que vem a maior parte do oxigénio que respiramos (produzido pelas algas marinhas);
Com nova consciência, a consciência sobre o valor económico do mar e dos oceanos, passámos do impacto do mar na economia para uma “Economia do Mar” . Contudo, novas questões se colocam. Se, por um lado, a economia dos oceanos é fundamental para o crescimento futuro da economia mundial, por outro, qualquer vetor de crescimento económico terá forçosamente de passar pelo respeito pelo ambiente e sustentabilidade das atividades económicas. E, assim, “nasce” a Economia
profundas e ser absorvido pelos plânctons2, através da fotossíntese. Cerca de ¼ do CO23 que emitimos é absorvido pelo oceano; • Espera-se que a população mundial seja de 9.700 milhões de pessoas, em 2050, o que significará muitas pessoas para alimentar. Atualmente, o oceano apenas contribui para 3% da alimentação mundial. A pressão do aumento populacional sobre as outras espécies, na cadeia alimentar, obrigará a retirar do oceano todo o seu potencial alimentar; • O solo do fundo marinho constitui uma fonte alternativa e, pratica-
A importância dos oceanos decorre de fatores diversos:
• Os oceanos transportam energia. O seu papel é também absorver energia (calor) atenuando as oscilações de temperatura e mantendo a estabilidade da composição da atmosfera; • O oceano absorve dióxido de carbono da atmosfera sempre que o ar encontra a água. O CO2 acaba por ir penetrando em águas mais
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Os plânctons, cujo nome deriva do grego “planktos” que significa “vaguear”, constituem um grupo de organismos aquáticos flutuantes, animais e vegetais, que se deslocam ao sabor dos ventos, ondas e marés. Os seus sistemas permitem-lhe flutuabilidade, mas não têm força para vencer as correntezas. A absorção do CO2 faz-se pelos plânctons vegetais. Para além desta função, os plânctons são importantes porque estão na base da cadeia alimentar, sendo um componente fundamental para o equilíbrio dos ecossistemas aquáticos.
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O CO2 é responsável por 55% do agravamento do efeito de estufa na atmosfera. O efeito de estuda é fundamental para a humanidade, até certos limites, na medida em que modera a variabilidade das temperaturas na Terra (entre -50ºC e + 50ºC), permitindo a vida tal como hoje a vemos, do ser humano e dos milhões de espécies de outros seres vivos. Mas, o seu agravamento provoca a retenção de calor em excesso na atmosfera e o aquecimento global, estrutural, com consequências graves ao nível da extinção de muitas espécies, nível das águas do mar, degelo glaciar e mortalidade de milhões de seres humanos que vivem nas zonas mais quentes do globo.
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ECONOMIA AZUL: Evolução do conceito e da consciência internacional
mente, inexplorada de minerais necessários à Humanidade. Até para o progresso tecnológico, são necessários minerais e metais. Os recursos minerais marinhos serão uma fonte para suprir as necessidades mundiais4; • Para além do transporte e absorção de energia (calor), o oceano também é fonte de produção de energia, seja pela atividade tradicional de exploração de Petróleo e Gás Offshore, mas sobretudo pelo enorme potencial de produção energética a partir da Energia Renovável Marinha (ERM)5; • É do oceano que provém, indiretamente através das chuvas, a maior parte da água doce. Em suma, os oceanos são importantes porque regulam a temperatura na terra, fornecem alimentos e medicamentos, provêm energia e a maior parte da água doce e do oxigénio, são fonte de recursos minerais, apoiam a economia e dão emprego a milhões de pessoas, são vias de transporte de mercadorias e fazem parte da vivência da grande maioria da população humana, pois a maioria desta vive em zonas costeiras. Os oceanos fazem a história e transportam a herança de muitas culturas.
ignorância, destrói os ecossistemas e equilíbrios ambientais marinhos, colocando em causa a sustentabilidade da própria espécie. A sobrepesca, a destruição de habitats, a poluição e lixo marinho e o impacto das alterações climáticas colocam em causa a “saúde” dos rios, mares e oceanos. Havendo a necessidade de equilibrar a atividade económica, atual e futura, com o equilíbrio ambiental, apenas uma “Consciência Azul” permitirá aos Estados, empresas, instituições e pessoas adotar as leis, regulamentações, ações, investimentos, atitudes e comportamentos que garantam esse equilíbrio e a sustentabilidade económica, biológica, social e ambiental.
Assim, o Oceano tem de ser defendido dos excessos da atividade humana, a qual, em exercícios de “autofagia”, fruto do egoísmo ou da
A “industrialização” do oceano deve fomentar processos que apoiem a transformação e adaptação das indústrias marinhas tradicionais, bem
como o desenvolvimento sustentável das indústrias emergentes (e.g. as energias renováveis offshore; a aquicultura; a extração mineira do fundo do oceano; a biotecnologia marinha6). Para tal, há que pesquisar o oceano e todos os seus recursos, para o que é fundamental uma aposta em pessoas, tecnologia e séries temporais de dados e informação marinha. Estas atividades sustentáveis têm impacto positivo noutras atividades da economia do oceano como o turismo costeiro e a reabilitação das infraestruturas costeiras. Tudo isto requer muito investimento, o qual apenas será possível através do envolvimento dos Estados, acompanhado de um quadro regulatório e de previsibilidade que potencie a atração de stakeholders privados com capacidade financeira e objetivos de investimento. As opor-
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No entanto, a extração de recursos minerais marinhos, no fundo do oceano, levanta enormes preocupações ambientais, pois ainda é pouco o que se sabe sobre o impacto das atividades extrativas na biodiversidade e ecossistemas marinhos. A Autoridade Internacional do Fundo Marinho (International Seabed Authority - ISA), estabelecida sob a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) e organicamente autónoma desde 1996, é a instituição que organiza e controla as atividades relacionadas com os recursos minerais existentes no fundo dos mares e oceanos e no subsolo destes, em águas marinhas fora das jurisdições nacionais. Os estados subscritores da UNCLOS são, por inerência, membros da ISA. Atualmente, a ISA tem como membros 167 estados e a UE.
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A Energia Renovável Marinha (ERM) abrange as energias eólicas (geradores eólicos flutuantes, tanto longe como perto da costa), das ondas, das correntes de maré, do gradiente de salinidade e a energia gerada pelas diferenças de temperatura.
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Há atividades que poderão contribuir para restaurar a saúde dos oceanos, como as pescas sustentáveis, as atividades de Inovação, Pesquisa & Desenvolvimento, o “carbono azul” (construção de habitats com vegetação costeira), as atividades de proteção e restauração de habitats e a da assimilação de nutrientes e de desperdícios sólidos.
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tunidades de investimento na Economia Azul são de três tipos: • Investimentos relacionados com a gestão de riscos económicos, ambientais, sociais e de governação no sentido da criação de sustentabilidade ambiental e de negócios rentáveis; • Investimentos que, tendo um forte “business case”, têm externalidades positivas para o ambiente do oceano; • Investimentos exclusivamente focados no bom estado dos oceanos e dos seus ecossistemas7. Tem-se assistido a um aumento da consciência empresarial e dos investidores privados com a Economia Azul, impelidos por razões regulató-
rias, visão de sustentabilidade e reputacionais. As indústrias estabelecidas, os fundos de private equity as associações empresariais e muitos gestores de topo e homens de negócio têm liderado esse processo, apostando em soluções económicas que respondam à necessidade de outputs sustentáveis, em financiamentos de negócios tecnológicos para a gestão dos oceanos, em definição das melhores práticas de cada atividade e em regulação setorial. Por sua vez, os Estados e a comunidade internacional (e.g. ONU e UNESCO), conscientes do problema da sustentabilidade, da necessidade de governação dos oceanos e da exploração sustentável dos seus recursos e do
impacto da economia do Oceano no crescimento da economia global e do emprego, têm atuado crescentemente em defesa da Economia Azul. No entanto, ainda se está numa fase de progresso do enquadramento regulatório que leve cada Estado com zonas costeiras a fazer uma gestão integrada da sua zona económica exclusiva (ZEE)8. De facto, mesmo os Estados “bem-intencionados”, tendo a consciência da necessidade de sustentabilidade da economia do oceano e de um oceano saudável, apresentam algumas dificuldades de implementação intersectorial de políticas e medidas “sustentáveis”. Em suma, a cooperação internacional é muito importante para uma
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São exemplos os investimentos em atividades de vigilância e monitorização dos oceanos; gestão da poluição dos nutrientes no Oceano e das águas residuais; infraestruturas e serviços de proteção marinha; e em mitigação dos efeitos das alterações climáticas.
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Zona Económica Exclusiva (ZEE) é a área do mar ou oceano, na qual um país tem direito a explorar (e o dever de proteger) os recursos marinhos. A ZEE ultrapassa as 12 milhas náuticas a partir da costa, faixa que corresponde a “águas territoriais”, indo até 200 milhas náuticas. Esta área é garantida pela Convenção sobre a Lei do Mar das Nações Unidas (UN Convention on the Law of the Sea - UNCLOS). A ZEE confere o direito a explorar os recursos marinhos, mas as águas da superfície são “águas internacionais”.
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ECONOMIA AZUL: Evolução do conceito e da consciência internacional
gestão efetiva sustentável do oceano e o progresso da Economia Azul. A ONU, através das suas Metas de Desenvolvimento Sustentável 2030, nomeadamente a meta 14 relativa aos oceanos, bem como pela convenção UNCLOS, tem indicado o caminho e contribuído para um espírito de governação e de cooperação internacional. Os Estados têm, em muitos casos, concebido planos para a exploração sustentável das suas ZEE’s, fomentado fóruns de debate e parcerias internacionais, regulamentado, bem como investido e financiado atividades sustentáveis e de recuperação de áreas costeiras. Importantes instituições financeiras internacionais, como o Banco Mundial (BM), o Banco Europeu de Investimento (BEI) e o Bando Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD), têm financiado atividades da Economia Azul e assumido políticas de reorientação dos seus financiamentos para atividades da economia do oceano sustentáveis. Têm sido criados internacionalmente institutos e observatórios de pesquisa e inovação para a Economia Azul, a par das atividades “azuis” de inúmeras ONG’s e de think tanks com vista ao intercâmbio de ideias, dados, informações e aumento da “literacia azul”. Dados, Ciência, Inovação, Tecnologia, Investimento, Financiamento, Qualificações “Azuis”, Governação, Regulamentação e Sustentabilidade, tudo isto faz parte do contexto da Economia Azul. Com a certeza de que o futuro terá de passar por um “mundo azul e sustentável”, realça-se a importância da cooperação entre empresas privadas, institutos públicos, Estados, investigadores e cientistas, bem como a aposta de investidores nacionais e
estrangeiros. É este movimento “azul”, lento mas inabalável, que se irá abordar de seguida. A economia do mar e a Consciência Azul Os principais blocos económicos têm prestado crescente atenção à economia dos oceanos e ao desenvolvimento sustentável dessa economia. Os EUA e uma responsabilidade global De acordo com a National Oceanic and Atmospheric Administration – NOAA9, em 2018, a economia do oceano nos EUA contribuiu para o PIB com USD 373 mil milhões, tendo registado um crescimento económico superior à média da economia como um todo. A maior economia do mundo apresenta valores impactantes no que respeita à economia do oceano: um volume de negócios de USD 617 mil milhões10, que representou um crescimento anual de 7,5%; e 2,3 milhões de empregados. Os EUA, sendo a maior economia global é também um forte poluidor. Tem, por isso, uma dupla responsabilidade mundial perante a sustentabilidade da economia do oceano. Em Outubro de 1970, foi criada nos EUA uma agência para a gestão oceânica e atmosférica, a NOAA. Começava a visão governamental americana sobre o impacto do ambiente na qualidade de vida das pessoas e no futuro da humanidade. O Presidente Nixon diria, então, “(…) Nós também enfrentamos uma necessidade de pesquisa e desenvolvimento que leve ao uso inteligente dos nossos recursos marinhos. De-
vemos entender a natureza desses recursos e garantir o seu desenvolvimento sem contaminar o meio marinho ou prejudicar o seu equilíbrio.” Em 1999, foi inaugurado o National Ocean Economics Program – NOEP, por iniciativa da Drª Judith T. Kildow (à época era Professora no MIT) e com o suporte do Presidente Clinton e da NOAA. Aquela iniciativa visava fornecer dados fiáveis e consistentes sobre o valor dos oceanos e das áreas costeiras dos EUA. Hoje, a NOEP está acolhida no centro de pesquisa para a economia azul (Center for the Blue Economy – CBE) do Instituto de Middlebury para os Estudos Internacionais. O CBE tem um âmbito mais vasto que o NOEP, assumindo como missão promover uma economia dos oceanos e costeira sustentável, através da liderança nas atividades de pesquisa, análise e ensino. A Economia Azul é, para o CBE, o conjunto de “atividades económicas que criam riqueza sustentável a partir dos oceanos e das áreas costeiras do planeta”. Em 2019, o CBE promoveu a iniciativa de juntar especialistas, cientistas e académicos para produzir um conjunto de recomendações aos políticos americanos para a década de 2021 a 2030. Muitas das recomendações têm tido acolhimento por parte dos dois principais partidos americanos. O plano de ação para os oceanos e o clima está sintetizado num relatório de Julho de 2020 (The Ocean Climate Action Plan – OCAP). Partindo dos objetivos finais de usar os recursos oceânicos e costeiros para mitigar as emissões de gases de efeito estufa e de apoiar as comunidades costeiras a se adaptarem equitativa-
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A NOAA é uma agência governamental dos EUA, pertencente ao Departamento do Comércio do governo central. Foi criada em 1970.
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Em 2018, os três setores da economia do oceano dos EUA que apresentaram vendas maiores foram o do Turismo e Recreio, Defesa e Petróleo e Gás Offshore, respetivamente com USD 227 mil milhões, USD 190 mil milhões e USD 80 mil milhões.
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mente aos impactos das mudanças climáticas, o OCAP emana recomendações para os seguintes domínios: • Financiamento e adaptação costeira, num contexto de justiça social; • Energias renováveis offshore; • Setores dos portos e das indústrias marítimas; • Pescas, aquicultura e conservação da biodiversidade marinha (soluções adaptativas com impacto no clima). Sendo a economia americana a maior do mundo, com todo o potencial construtivo para o presente da humanidade, mas destrutivo para o planeta e, portanto, comprometendo o futuro daquela, a administração americana tem dado passos no sentido da economia dos oceanos sustentável. Segundo a NOAA, a Economia Azul pesava, em 2016, 1,6% do PIB dos EUA, ou seja, o equivalente a USD 304 mil milhões11. Conforme já referido, em 2018, o seu contributo para o PIB americano foi de USD 373 mil milhões, o que representa um crescimento de 22,7% em dois anos. O simples facto de a NOOA produzir um relatório sobre a economia americana dos oceanos é revelador da importância crescente que os dados rigorosos sobre a economia do mar e os recursos marinhos suscitam ao governo americano, acompanhando o interesse e iniciativas de inúmeras ONG’s. Os
dados são processados por um departamento da NOOA (Economics: National Ocean Watch – ENOW) e cruzam dados estatísticos do emprego e VAB de outras fontes. O ENOW fornece, para a economia americana do oceano e dos Grandes Lagos12, séries temporais de dados para 6 setores de atividade “estabelecidos” e são essencialmente dados de mercado13, ou seja, relativos a bens e serviços cuja valorização se faz a partir de preços apurados pela dinâmica entre a procura e a oferta. Para a resposta aos desafios lançados no plano OCAP, tem a palavra o governo Americano. Em 2014, os EUA lançaram a conferência internacional Our Ocean Conference14, destinada a encontros de alto nível, envolvendo representantes de governos e stakeholders privados para identificarem soluções para melhorar a produtividade, a prosperidade e a segurança dos oceanos. Em Outubro de 2019, na sexta edição daquela conferência anual, realizada na Noruega, o governo americano anunciou os 23 novos compromissos dos EUA, os quais irão sendo implementados até 2030, para promover a pesca sustentável; combater o lixo marinho; e apoiar a ciência, observação e exploração marinha, os quais são avaliados em USD 1,21 mil milhões15. O Dragão Azul Por sua vez, o governo Chinês tem evoluído na forma como encara a
importância da economia dos oceanos e, mais recentemente, a Economia Azul. Em 1964, criou uma agência para administração e supervisão dos oceanos, a State Oceanic Administration (SOA). Hoje, esta é a agência chinesa para a política de desenvolvimento da Economia Azul. Em 1987, a SOA criou um think-tank para funcionar como um centro de pesquisa e promoção de estratégias de desenvolvimento dos oceanos, o China Institute for Marine Affairs (CIMA), como prenúncio da maior atenção política à economia dos oceanos que passaria a ser dada a partir dos anos 90. Em 1991, a SOA emitiu o “Plano Nacional para o Desenvolvimento dos Oceanos”, processo que envolveu dezenas de entidades ligadas ao governo central, aos governos e cidades das províncias costeiras e especialistas na temática dos oceanos. Em 1996, a China ratificou o tratado das Nações Unidas para o direito sobre os Oceanos que havia entrado em vigor dois anos antes (The United Nations Convention on the Law of the Sea - UNCLOS). No mesmo ano, a SOA desenhou para o século XXI a agenda da China para o ambiente e o desenvolvimento sustentável, incluindo os oceanos, a Ocean Agenda 21. Em Maio de 2003, o Conselho de Estado emitiu um plano nacional para o desenvolvimento económico dos oceanos, no qual se refere o potencial económico dos oceanos (e.g. recursos minerais, hidrocarbonetos)
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Vd. NOAA Report on the U.S. Ocean and Great Lakes Economy – 2019.
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Os Grandes Lagos são cinco lagos que se encontram entre o território dos EUA e do Canadá, os quais totalizam cerca de 244 km2 de extensão.
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Para a correta valorização dos oceanos, há que adicionar o valor das atividades não pagas diretamente pelo consumidor mas que ele valoriza e até estaria disponível para pagar alguma coisa pelos benefícios associados (Non-Market value). Praias, pesca recreativa, observação da vida selvagem costeira e marítima, mergulho e snorkeling e serviços ambientais são exemplos que contemplam atividades que as pessoas consumidoras/utilizadoras valorizam, mas em que, geralmente, nada pagam diretamente para delas usufruir. A valorização destas atividades é mais complexa, havendo várias metodologias aplicáveis (e.g. https://www.oceaneconomics.org/nonmarket/methodologies.asp).
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De 2014 a 2019, realizaram-se 6 conferências internacionais O Nosso Oceano, sucessivamente nos EUA, Chile, EUA, UE, Indonésia e Noruega.
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Um dos compromissos dos EUA é investir, até 2030, USD 1.000 milhões no esforço global de mapeamento do solo de todos os mares e oceanos, para contribuir para o objetivo do projeto Seabed 2030. Este projeto visa o mapeamento de todo o solo marinho do planeta até 2030 e resulta de uma parceria entre The Nippon Foundation (fundação do Japão) e a General Bathymetric Chart of the Oceans (GEBCO), uma organização que trabalha sob o patrocínio da International Hydrographic Organization e da Intergovernmental Oceanographic Commission (UNESCO).
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• As três décadas iniciadas por Xi, que serão a da marca do “poder e influência da China no palco internacional”.
e a importância daquele para um rápido crescimento económico da China. A atenção política dada à economia dos oceanos galopou, desde então. Desde 2006, o CIMA tem emitido um relatório anual para o desenvolvimento do oceano, o qual detalha a estratégia de desenvolvimento chinesa quanto aos aspetos legais, económicos, comerciais, científicos e tecnológicos relativos aos oceanos. Em 2007, a SOA realçava a importância dos seguintes recursos naturais, nomeadamente atendendo às necessidades do país: energia; organismos vivos e segurança alimentar; recursos minerais; e água de nascente. Em Outubro mesmo ano, foi consagrado no relatório do 17º congresso nacional do Partido Comunista Chinês (PCC) o objetivo nacional de “desenvolver a indústria marinha”. Em Novembro de 2012, no 18º Congresso do PCC, houve a assunção do objetivo nacional de tornar a China um “país marítimo forte”, com o Presidente Hu Jintao (cessante) a declarar “Nós
deveríamos melhorar a nossa capacidade de exploração dos recursos marinhos, desenvolver a economia marinha, proteger o ambiente ecológico marinho, salvaguardar resolutamente os direitos e interesses marítimos da China e tornar a China numa potência marítima”. Por sua vez, no 19º Congresso, em 2017, o Presidente Xi declarou que, em 2050, a China “será líder global no compósito poder nacional e influência internacional”, sendo que o congresso reportou que “as políticas marítimas são parte das ambições de liderança global da China”. Os meios académicos e intelectuais chineses têm afirmado a existência dos ciclos de três décadas na China comunista, cada um com a sua marca: • As três décadas de Mao, identificadas com a “recuperação da soberania”; • As três décadas de Deng e dos seus seguidores, marcadas pelo “aumento de riqueza”;
Há, pois, na China, um enquadramento político de topo em que a economia do oceano é uma prioridade da estratégia de desenvolvimento. A SOA refere que “o século XXI é o século do oceano” e essa ambição tem sido um paradigma das agências governamentais e dos seus planos quinquenais. O 11º plano quinquenal, de 2006, tem um capítulo importante dedicado à proteção e desenvolvimento dos recursos marinhos, no qual apela ao aumento do conhecimento sobre o oceano, à sua proteção ecológica, ao desenvolvimento económico dos seus recursos, através de medidas abrangentes de gestão do oceano. O 12º plano quinquenal, de 2011, contém um capítulo denominado “Promoção do Desenvolvimento Económico do Oceano”, com mais detalhe face aos planos quinquenais anteriores, muito assente na economia do mar, mas já com aspetos específicos da Economia Azul, como a gestão, pesquisa e investigação científica dos oceanos. Dois anos depois, o Conselho de Estado emitiu um plano nacional marítimo, quinquenal, para implementação conjunta pela SOA, o Ministério do Território e Recursos e a Comissão nacional para a reforma e desenvolvimento16 (NDRC). A Estratégia “Uma Faixa Uma Rota” – Um impulso para a economia do oceano Se a economia do oceano já estava como prioridade nacional para o topo da estrutura política em 2012, depois, com o início da governação
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National Development and Reform Commission (NDRC).
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do Presidente Xi e do Primeiro-Ministro Li, ela ganha um aliado estratégico: – a Estratégia “Uma Faixa Uma Rota” 17 , hoje denominada como “Iniciativa Faixa e Rota” (BRI), na sua componente marítima: a Rota da Seda Marítima do século 21 (ou século XXI), anunciada em Outubro de 2013, na Indonésia, pelo Presidente Xi (vd. Fig. 3). Já em Julho de 2013, numa reunião do Politburo, o Presidente Xi anunciara a sua visão, reconhecendo a importância do oceano para a salvaguarda da soberania, da segurança e dos interesses nacionais, bem como a crescente atenção da humanidade para esta temática. E realçou que o caminho teria de passar pelo desenvolvimento dos recursos marinhos, a proteção do ambiente marinho, a promoção da ciência e tecnologia marinha e a proteção dos direitos marinhos da China. Há, pois, na subsequente Rota da Seda Marítima do século 21 (RSMS21), uma comunhão de interesses entre a estratégia de desenvolvimento de uma economia do oceano e uma estratégia de desenvolvimento mais global. Muito se tem escrito e analisado sobre a BRI e sobre a sua componente marítima, nomeadamente sobre as reais intenções da China com esta estratégia. A BRI tem uma componente de poder geoestratégico da
China, de segurança no acesso a recursos (e.g. energia e alimentares) e tem uma razão de ser económica. Quanto a esta última, o modelo de desenvolvimento da China estava totalmente vocacionado para a exportação, sendo que, já no século XXI, essa aposta se fez muito através de grandes empresas estatais chinesas, subsidiadas pelo Estado e financiadas pela banca chinesa. A produção em grande escala e virada para os mercados externos foi a estratégia seguida após a entrada na Organização Mundial do Comércio (OMC), em Dezembro de 2001. A mesma permitiu a acumulação espetacular de reservas cambiais que foram sendo reinvestidas em mais financiamentos a empresas estatais e a outros estados (e.g. fortes investimentos e financiamentos a países africanos). Já antes de 2012, a China tinha concluído que a rentabilidade da maioria dos investimentos em Africa era reduzida ou mesmo negativa, bem como que os financiamentos concedidos a países africanos eram de difícil cobrança. Este facto, levou a forte abrandamento desta aposta, mantendo-se a aposta na exportação para os EUA e a Europa. A crise financeira mundial que se iniciou em 2008, estendeu-se para a Europa e, nesta, gerou posteriormente uma crise económica e uma crise de endividamento público por alguns anos. Tal facto, levou a um abrandamento das importações europeias à
China. Igualmente, a política económica e monetária americana levou a uma valorização do Renminbi face ao USD, o que também passou a dificultar as exportações para os EUA. O modelo de crescimento chinês estava suportado em forte crescimento da produção e do emprego, bem como em empresas de grande escala produtiva (para obtenção de economias de escala). Taxas de crescimento do PIB mínimas de 10% eram uma necessidade para absorver o desemprego e sustentar um modelo de desenvolvimento baseado em estratégias de forte endividamento das empresas, principalmente das estatais e dos grandes grupos económicos privados, bem como para compensar as assimetrias socioeconómicas internas18. A crise económica e financeira que atingiu a Europa, a par da política monetária expansionista dos EUA, veio pôr em causa o modelo de desenvolvimento económico da China, fazendo com que muitas grandes empresas chinesas se encontrassem simultaneamente com excesso de capacidade produtiva e sobre-endividamento. Esta realidade levou o Presidente Hu Jintao, primeiro, e o Presidente Xi, depois, a reverem o modelo de crescimento, até então baseado apenas nas exportações, para um modelo que desse muito maior importância ao consumo interno. Com esta consciência e objetivo estratégico, mas
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One Belt One Road Strategy (OBOR), mais tarde redenominada por Belt and Road Initiative (BRI). A BRI é uma estratégia de desenvolvimento de infraestruturas, promovida pelo governo do Presidente Xi Jinping e lançada no final de 2013, envolvendo muitos países da Ásia, Africa e Europa. A China é o seu grande impulsionador e maior financiador. Tem uma componente terrestre, denominada de Faixa Económica da Rota da Seda, e uma componente marítima e portuária, identificada como a Rota da Seda Marítima do Século XXI. A primeira prevê a criação de um corredor económico terrestre que ligará a China à Europa ocidental, através da Ásia Ocidental (províncias do Tibete e de Xinjiang) e Ásia Central e mediante um conjunto de investimentos rodoviários e ferroviários. A segunda consistirá na criação de um corredor económico marítimo que ligará a China a países do Sudoeste Asiático, da África oriental e da Europa, através de investimentos, essencialmente, em portos e infraestruturas conexas.
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A industrialização da China deu-se muito nas províncias costeiras, de Xangai a Cantão, com enorme concentração de emprego, indústrias e riqueza nessas zonas, por contraponto a outras províncias com paupérrimos indicadores de desenvolvimento económico e forte pobreza, levando a grandes migrações internas à procura de emprego nas províncias mais desenvolvidas. Por decisão do governo central e de forma a fixar as populações nas províncias mais pobres, cada uma das províncias mais desenvolvidas tem de “adotar” uma província pobre e apoiála em investimento infraestrutural (e.g. estradas; hospitais).
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com a necessidade de evitar uma mudança disruptiva de paradigma do seu modelo de crescimento, a qual levaria no curto prazo a um forte abrandamento da produção e a um acentuado aumento do desemprego, o governo do Presidente Xi lançou a BRI, a qual permitiria continuar a absorver o excesso de capacidade que a Europa não estava em condições de consumir e, também, ganhar tempo para preparar uma oferta produtiva igualmente virada para as necessidades do consumo interno. A RSMS21, componente marítima da BRI, tem, pois, também a ver com
um sustentáculo a uma mudança a longo prazo de paradigma para o crescimento económico chinês, menos dependente do consumo externo, sendo que, igualmente, potencia, a afirmação internacional do Renminbi como moeda de referência internacional, a par do USD e do Euro, bem como o comércio marítimo e a Economia Azul. A par destes objetivos económicos, a BRI tem igualmente como objetivos de longo prazo dotar o país de um forte poder naval e de uma grande influência internacional (“o poder do discurso” e o soft power 19). É fácil intuir esses objetivos, conjugando os objetivos
expressos pelo Presidente Xi para 2050, com as ações de diplomacia económica e de presença naval no palco internacional. Em 2017, o CIMA20 indicava as características que um país marítimo forte deve ter: a) Uma Economia Azul desenvolvida; b) Forte capacidade de inovação na ciência e tecnologia marítimas; c) Sucesso na proteção do ambiente marítimo; d) E uma marinha poderosa. O impacto da RSMS21 e do forte crescimento da economia do oceano
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Soft Power significa “a capacidade de um Estado de conseguir o que ele quer pela atratividade da sua cultura, das suas ideias, da sua política interna e da diplomacia”. Foi um termo desenvolvido por Joseph Nye, o qual defende que um Estado internacionalmente bem-sucedido necessita deter em simultâneo hard power (poder coercivo sobre outros estados) e uma capacidade de formatar a longo prazo as atitudes e preferências daqueles estados (soft power). Por exemplo, a China consegue exercer soft power nos países do Sudoeste Asiático, fruto da residência de muitos chineses naqueles países.
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China Institute for Marine Affairs.
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chinesa, a par da crescente presença naval nos oceanos Pacífico e Índico, tem gerado resistências e críticas por parte de alguns países do sudoeste asiático, da União Europeia, dos EUA e de outros países ocidentais. De facto, o investimento e financiamento da construção de cinco importantes portos noutros países21-22, com subsequente concessão de exploração, a par de algumas importantes aquisições de capital23, o forte crescimento das encomendas de navios e da construção naval chinesa, a crescente frota militar naval (mais moderna e tecnológica), com presença mais marcante em águas internacionais24 e os acentuados investimentos com parceiros internacionais europeus para o desenvolvimento de navios de cruzeiro e outros produtos de grande componente de inovação e de tecnologia, levam a enormes receios e medidas estratégicas reativas por
parte de outras potências regionais e internacionais. São exemplos de reações o Diálogo de Segurança Quadrilateral (QUAD25), um fórum informal que promove o diálogo estratégico e exercícios militares conjuntos entre os EUA, Japão, Austrália e Índia; a recusa da França e do Reino Unido em assinarem com a China MoU’s relativos à BRI, aquando das suas visitas ao país asiático, em 201826 e a resposta da UE ao BRI, com a sua Estratégia de Conectividade para a Europa e Ásia27, em Setembro do mesmo ano; o acordo entre a UE e o Japão para iniciarem uma “parceria em conetividade sustentável e infraestrutura de qualidade”, em Setembro de 201928; e a parceria Índia-Japão para a construção, no Bangladesh, do porto de Matarbari e de uma fábrica termoelétrica a carvão, com financiamento concedido pela Agência
de Cooperação Internacional do Japão. A China tem desenvolvido a sua economia do oceano com recurso a muita análise e discussão interna. Neste contexto, a SOA e o NDRC identificam as indústrias e setores estratégicos com os objetivos de fazer o upgrade das indústrias marinhas tradicionais, de apoiar as indústrias emergentes29 e de desenvolver uma indústria de serviços marinhos30. Tem consciência do seu peso internacional na economia do mar, em todas as suas componentes, incluindo a da exploração dos recursos minerais no fundo mar, onde tem cerca de 163 mil km2 de áreas de exploração atribuídas pela autoridade internacional do fundo marinho (ISA31), mas também do impacto fortemente negativo no ambiente marinho e costeiro de fenómenos como a sobrepesca, a poluição marinha de plásticos, a
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No âmbito da RSMS21, a China acordou até ao presente o investimento e financiamento de construção e/ou ampliação e modernização de um conjunto de portos marítimos: Piraeus (Grécia); Hambantota e Colombo (Sri Lanka); Gwadar (Paquistão); e porto de Doraleh, uma extensão do porto de Djibuti (Djibouti). Para além destes investimentos em infraestruturas portuárias, prevêem-se investimentos adicionais no setor dos transportes (e.g. ferrovias, aeroportos, estradas).
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A China acredita que, a longo prazo, o negócio da gestão portuária é mais rentável que o do transporte marítimo, podendo proporcionar taxas fixas de rentabilidade mínimas de 8% a 10% e dependendo menos das flutuações dos preços dos combustíveis.
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A chinesa COSCO fez, em 2016 e 2017, quatro aquisições de participações importantes em empresas gestoras de infraestruturas portuárias/terminal de contentores, em Espanha, Holanda, Abu Dhabi e Itália.
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A par da maior presença naval nos oceanos Índico e pacífico, a China estabeleceu a sua primeira base militar em África no Djibouti, através de um acordo assinado em meados de 2017 que permitirá à China estabelecer naquela base até 10 mil militares.
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Em 2007, os Estados Unidos promoveram uma iniciativa de segurança naval entre os Estados Unidos, a Índia, o Japão e a Austrália («Quad»), focada em assegurar as linhas de comunicação entre o mar do Japão e o golfo Pérsico, cruciais para a segurança energética regional. Este fórum foi reiterado em 2017 pelos signatários originais, como resposta à China e aos interesses das partes no Mar do Sul da China.
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A Alemanha também publicamente criticou o BRI, através do seu ministro dos negócios estrangeiros Sigmar Gabriel, no mesmo ano.
27
A Estratégia de Conetividade da EU para a Europa e Ásia (“Connecting Europe and Asia - Building blocks for an EU Strategy”) foi uma comunicação conjunta dos Altos Representantes da EU para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, de 19 de Setembro de 2018, visando responder ao BRI com uma estratégia alternativa à chinesa. O documento refere a China, como potencial parceiro da UE em projetos de infraestruturas e de conetividade na Ásia, mas não refere o BRI. Segundo o documento, a abordagem da UE deve ser sustentável (sustentabilidade económica, fiscal, ambiental e social no longo prazo), abrangente (contemplar ligações de transporte aéreo, terrestre e marítimo; redes digitais; e redes de energia, tradicional e renovável) e regulamentada (obedecer às regras e regulamentações internacionais). A estratégia prevê o estabelecimento de corredores de transporte, ligações digitais e cooperação no setor da energia com os parceiros asiáticos da UE, fomentando parcerias e prevendo um importante contributo da União no financiamento dos projetos.
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Na sequência da sua Estratégia de Conetividade da EU para a Europa e Ásia, a UE promoveu o 1º Fórum de Conetividade da Europa, em 27 de Setembro de 2019, uma conferência internacional que visou promover o diálogo e fortalecer os laços entre governos, instituições financeiras e atores do setor privado, na Europa e junto dos seus parceiros da Ásia-Pacífico. À margem do evento, a UE assinou um importante acordo com o Japão.
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Por exemplo, engenharia marítima; biologia farmacêutica marítima; energias renováveis, dessalinização.
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Entre outras atividades, o turismo de mar e costeiro; transportes públicos; financiamento de projetos marítimos.
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International Seabed Authority.
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aquicultura não sustentável e a destruição de recifes de coral no Mar do Sul da China. Igualmente, a construção de ilhas artificiais na zona das Ilhas Spratly tem destruído o ecossistema marinho. Contudo, o que aqui importa relevar é a dinâmica no crescimento da Economia Azul na China e as zonas de cooperação que esta abre entre a China, a UE, os EUA e alguns países africanos. Com a consciência da importância da sustentabilidade da economia do oceano, a China tem dados passos importantes na Economia Azul, com reflexos na cooperação internacional: • Em 2017, a SOA e a NDRC emitiram um documento (“Visão para a Cooperação Marítima sob a BRI”), no qual descreve como áreas-chave para a cooperação internacional a conservação ecológica marinha, o carbono azul, a cooperação alfandegária e a infraestrutura de pesquisa marinha; • Os navios de alta tecnologia do futuro deverão incorporar novas tecnologias de informação e um sistema de propulsão que emitirá menos carbono; • Embora a Europa lidere neste campo, a China também está a intensificar o desenvolvimento de novas tecnologias mais amigas do ambiente para a exploração offshore de petróleo e gás, bem como
de energias renováveis e limpas a partir do oceano; • A China tem promovido conferências internacionais e está a promover a disseminação interna de uma “cultura de economia do oceano” com preocupações de sustentabilidade; • A China pretende implementar medidas para atingir em 2030 a 14ª meta das Nações Unidas para um desenvolvimento sustentável (“Life Below Water”); • Assinatura com a UE, em meados de 2018, de uma Parceria para o Oceano. A União Europeia – Economia do Oceano e a Consciência Azul Para além da estratégia de conetividade da UE para a Europa e Ásia já referida (vd. nota 27), pela qual a União dá uma resposta alternativa à BRI da China, outras iniciativas e planos de cooperação têm sido tomadas com este país asiático com impacto na economia do oceano e na Economia Azul. Fruto de iniciativas bilaterais para um diálogo de alto nível sobre a governação do oceano e o crescimento azul, os dois blocos económicos denominaram 2017 como o ano azul32. Acordaram, então, a realização nesse ano de um conjunto de eventos bilaterais ligados aos temas “Governação do Oceano”, “Economia Azul”, “Conservação Marinha” e “Monitorização Marinha”. Assim, realizaram-se sim-
pósios, conferências, exposições, encontros de alto nível e planos de partilha de dados sobre pesquisas sobre o oceano. No decurso deste clima de cooperação, a UE e a China assinaram, em 16 de Julho de 2018, uma Parceria Azul para os Oceanos33 que visava melhorar a governação dos oceanos e a coordenação política entre os dois blocos económicos, nomeadamente definindo áreas futuras de cooperação34: • Conservação e o uso sustentável da biodiversidade marinha em alto mar; • Poluição marinha, incluindo lixo plástico marinho e microplásticos; • Mitigação e adaptação aos impactos das mudanças climáticas nos oceanos, incluindo o oceano Ártico; • Conservação dos recursos marinhos vivos na Antártica; • Governação das pescas e prevenção da pesca ilegal, não declarada e não regulamentada; • Progressão no trabalho da Organização Marítima Internacional35 (OMI) para a implementação da estratégia da OMI para a redução dos gases de efeito estufa (GEE) dos navios. Em Abril de 2019, líderes políticos da UE e da China reafirmaram o seu compromisso para uma implementação eficaz da Parceria Azul para os Oceanos e, em 5 de Setembro do mesmo ano, realizou-se o 1º Fórum
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“2017 EU-China Blue Year”.
33
A parceria “Blue Partnership for the Oceans: towards better ocean governance, sustainable fisheries and a thriving maritime economy” foi assinada em Beijing, na 20ª Cimeira UE-China.
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No âmbito da Parceria Azul para os Oceanos, a UE e a China também acordaram cooperar no sentido de uma melhor governação dos oceanos, visando a sua conservação e sustentabilidade. Comprometeram-se, ainda, em implementar os compromissos assumidos no Acordo de Paris; elaborar o texto para um instrumento internacional juridicamente vinculativo, previsto na convenção das Nações Unidas para a lei dos mares (UNCLOS) sobre a conservação e uso sustentável da biodiversidade marinha em áreas fora das jurisdições nacionais; promover a economia circular na economia azul; bem como em melhorar a literacia sobre o oceano, a sua observação científica e a partilha da ciência e dos dados recolhidos.
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Criada em 1948, a Organização Marítima Internacional é a agência da ONU responsável por criar uma estrutura regulatória para a indústria naval que seja universalmente adotada e implementada, no que concerne à segurança e proteção dos navios, bem como ao desempenho ambiental do transporte marítimo internacional.
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Parceria Azul para os Oceanos, um evento em que as partes juntaram cerca de 150 stakeholders europeus e chineses (e.g. representantes dos estados membros; setor empresarial; académicos; think tanks e ONG’s) para discutir e identificar possíveis áreas de atuação conjunta na Economia Azul. Nesse evento, os stakeholders acordaram direcionar mais investimento direto para os setores sustentáveis da economia do oceano e para a restauração dos ecossistemas, reconhecendo a importância das instituições financeiras no suporte a esse investimento e aceitando os Princípios Financeiros para a Economia Azul36 da UE, para além de acordarem numa cooperação internacional para pesca sustentável e para o combate à pesca ilegal. É objetivo que estas cimeiras bilaterais e os fóruns congregadores de stakeholders em redor da Economia Azul se realizem anualmente. Com a maior zona económica exclusiva do mundo, cobrindo mais de 20 milhões de km2 e uma presença na economia do oceano, em 2018, que se manifesta em mais de 5 milhões de trabalhadores a full-time, um volume de negócios de € 749,7 mil milhões, um valor acrescentado bruto (VAB) de € 218,3 mil milhões e uma margem bruta operacional de € 94,5 mil milhões37, a UE representa um bloco político e económico demasiado importante (e complexo) na economia do oceano e na sua sustentabilidade para se poder eximir às suas responsabilidades internas e
globais no âmbito da Economia Azul. A necessidade de coordenar o uso dos oceanos e do mar na sua ZEE, para melhor gestão dos conflitos de interesses entre EstadosMembros e maior eficácia das atividades económicas sustentáveis, a par do objetivo de afirmação à escala global, levaram a UE a prosseguir uma série de iniciativas institucionais, neste milénio, cujas principais aqui se abordarão. Em 2007, a UE estabeleceu um enquadramento para uma “Política Marítima Integrada” (PMI) com o objetivo do desenvolvimento de políticas transparentes e integradas entre os seus Estados-Membros no que concerne aos oceanos, mares, ilhas, regiões costeiras e ultraperiféricas e aos setores marítimos. A PMI visava gerir eventuais conflitos de uso do oceano e seus recursos, bem como encarar o problema das alterações climáticas. Segundo a Comissão Europeia, uma PMI melhoraria “a capacidade de a Europa encarar os desafios da globalização e competitividade, alterações climáticas, degradação do ambiente marinho, segurança e proteção, segurança energética e sustentabilidade”. Com a PMI, a UE reconheceu a necessidade de ferramentas de planeamento horizontal das diversas políticas setoriais relacionadas com o mar e destacou a importância de três: a vigilância marítima, o planeamento espacial marítimo e uma fonte de dados abrangente e acessível.
Em 2012, a Comissão Europeia lançou a Estratégia de Crescimento Azul38, que é hoje o enquadramento de longo prazo para o crescimento da Economia Azul na UE. Seguiu-selhe uma comunicação em 2014 (“Plano de Inovação para a Economia Azul”39) e um documento de trabalho em 201740. A estratégia sublinha a importância do oceano e da sua economia para a economia como um todo, mas que a economia do oceano tem de ser sustentável e respeitar o ambiente. Foca, essencialmente, em 5 setores que denotam potencial para crescimento económico e emprego sustentáveis: • Aquicultura; • Turismo costeiro; • Biotecnologia marinha; • Energia dos oceanos (energia azul ou energia renovável marinha); e • Exploração mineira dos fundos marinhos. A Estratégia de Crescimento Azul apoia-se mais em “ativadores de mercado” do que em regulamentação, nomeadamente em ordenamento do espacial marítimo, recolha de dados, pesquisa e inovação, vigilância marítima e na melhoria das competências dos trabalhadores para a economia do oceano sustentável. Pretende-se eliminar barreiras e criar incentivos para que os stakeholders invistam e a inovação aconteça na Economia Azul. Neste contexto, realça-se o papel do programa “Horizon 2020” para a inovação e de alguns fundos estruturais para
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Em 2017, uma parceria entre a Comissão Europeia, o Fundo Mundial para a Natureza (ONG), a Unidade para Sustentabilidade Internacional (Príncipe de Gales) e o Banco Europeu de Investimento (BEI) desenvolveu um conjunto de Princípios Financeiros da Economia Azul Sustentável, os quais visam promover a implementação das metas da ONU para o desenvolvimento sustentável, responder à especificidade do oceano e estar conforme os princípios ambientais e sociais do BEI e da IFC (instituição do Grupo Banco Mundial).
37
Fonte: The EU Blue Economy Report 2020.
38
The Blue Growth.
39
Em Maio de 2014, a Comissão Europeia fez a comunicação “Innovation in the Blue Economy: realising the potential of our seas and oceans for jobs and growth”, reforçando o tema da inovação na Economia Azul.
40
“Report on the Blue Growth Strategy Towards more sustainable growth and jobs in the blue economy”, de Março de 2017.
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ORIENTEOCIDENTE
ECONOMIA AZUL: Evolução do conceito e da consciência internacional
“pilotar” o investimento na economia do oceano sustentável. A estratégia reforça, ainda, o papel das parcerias nalgumas bacias marítimas, entre Estados-Membros e também com partes terceiras e a iniciativa privada. Como complemento a esta “estratégia económica sustentável para o oceano”, a UE lançou, em Maio de 2020, a sua estratégia ambiental para 2030, a Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030. Tendo um âmbito mais alargado que a Economia Azul, importa realçar o que esta estratégia traz de sustentabilidade para os rios, mares e oceanos. Assim, são estes os principais compromissos com a biodiversidade marinha, até 2030: • Na UE, 30% dos mares deverão ser protegidos41; • Um Plano da UE de Restauração da Natureza, o qual contemplará também a recuperação dos ecossistemas no mar; • A UE dará prioridade a soluções de Energia Azul, como a energia oceânica e a energia eólica marítima, que também favorece a regeneração de unidades populacionais de peixes; • Restabelecer o bom estado ambiental dos ecossistemas marinhos, nomeadamente a restauração de ecossistemas ricos em carbono. As capturas de recursos
marinhos devem ser sustentáveis e não haverá tolerância para práticas ilegais42-43; • Restauração dos ecossistemas de água doce, a fim de alcançar os objetivos da Diretiva-Quadro da Água. Para tornar isto uma realidade, será restabelecido o curso natural de rios, numa extensão de, pelo menos, 25 mil km44. Para facilitar a concretização destas metas, a UE propõe-se promover programas de financiamento e outros apoios, para além de incentivos fiscais às indústrias e empresas que adotem as práticas defensoras da biodiversidade e do ambiente marinho. Igualmente, suportará a formação necessária à requalificação dos trabalhadores para a reconversão dos métodos de trabalho e para as indústrias emergentes sustentáveis. A UE assume-se como líder nesta área e pretende contribuir, no quadro internacional, para a implementação de medidas de desenvolvimento sustentável com metas globais para 2050, visando a biodiversidade, a governação do oceano, o combate à pesca ilegal e o ordenamento da atividade da exploração mineira no fundo do oceano. Não pretendendo ser exaustivos quanto aos aspetos de desenvolvimento da Economia Azul na UE, sublinha-se os esforços da União no que concerne a:
• Regulamentação; • Pesquisa, Inovação e Dados; • Formação e requalificação de trabalhadores da economia do oceano; • Financiamento; • Cooperação internacional. Quanto à regulamentação, após os fundamentos para o ordenamento espacial marítimo constantes da Política Marítima Integrada de 2007 e o Roteiro para o Ordenamento do Espacial Marítimo, de 2008, seguiram-se discussões e debates que levaram à Diretiva para o Ordenamento do Espaço Marítimo (DOEM), em 2014. A diretiva visa reduzir os conflitos intersectoriais, encorajar o investimento através da previsibilidade e transparência das regras, aumentar a cooperação entre os Estados-Membros (a cooperação permitirá desenvolver redes coerentes de “áreas protegidas”, redes de energia, rotas marítimas, pipelines, cabos submarinos e outras atividades transfronteiriças) e proteger o ambiente marinho. Os Estados-Membros têm 2021 como prazo limite para o estabelecimento dos planos de ordenamento do seu espaço marítimo (OEM). Em complemento desta diretiva, a UE tem promovido conferências, o financiamento de projetos transnacionais e contribuído para o ordenamento do espaço marítimo internacional45.
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O alargamento das áreas protegidas é também um imperativo económico. Os estudos sobre os sistemas marinhos estimam que cada euro investido em áreas marinhas protegidas geraria um retorno de, pelo menos, € 3. Vd. Brander et al., «The global costs and benefits of expanding Marine Protected Areas», Marine Policy, vol. 116, junho de 2015, art. 103953.
42
Segundo a Comissão Europeia, é essencial a plena aplicação da política comum das pescas da UE, a Diretiva-Quadro Estratégia Marinha.
43
A Comissão irá propor, até 2021, um plano de ação para a conservação dos recursos pesqueiros e a proteção dos ecossistemas marinhos, introduzindo medidas para limitar a utilização das artes de pesca mais nocivas para a biodiversidade, incluindo no fundo do mar. O Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas deve igualmente apoiar a transição para técnicas de pesca mais seletivas e menos prejudiciais.
44
A restauração de rios e planícies aluviais pode, igualmente, dar um impulso económico importante ao setor da regeneração ambiental e às atividades socioeconómicas locais, como o turismo e o lazer. Para isto, serão incentivados os investimentos necessários.
45
Em cooperação com a Comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO (IOC-UNESCO), a UE tem contribuído para o estudo e desenvolvimento das melhores práticas no OEM internacional. Igualmente tem participado nas conferências internacionais para o OEM e nos Fóruns Internacionais sobre o OEM, realizados a partir de 2018, os quais visam o intercâmbio de boas práticas, com o objetivo da elaboração de orientações internacionais sobre o OEM transnacional.
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Para além da DOEM, que é o pilar económico da política marítima da UE, há o pilar ambiental: a DiretivaQuadro Estratégia Marinha (DQEM), de 2008, revista em 2017 no sentido de aumentar a componente de sustentabilidade. O objetivo da diretiva é proteger de forma mais eficaz o ambiente marinho em toda a Europa e visava, na génese, atingir bons estados ambientais46 para 2020, nas águas marinhas da UE, de forma a proteger os recursos bases de que dependem muitas atividades económicas e sociais. As diretivas DQEM e a DOEM, acabam por estar interligadas, na medida em que, se uma visa desenvolver atividades que geram emprego num quadro de sustentabilidade, a outra visa proteger os recursos marinhos base para o desenvolvimento da economia do oceano.
O problema ambiental da UE não é de regulamentação, a qual é robusta, mas sim de implementação dessa regulamentação nos Estados-Membros, a qual se encontra com assinalável atraso. Várias outras diretivas importantes existem com impacto horizontal na Economia Azul, como, por exemplo, a diretiva 2019/904, de 5 de junho de 2019, relativa à redução do impacto de determinados produtos de plástico no ambiente (a Single-use Plastics Directive), promovendo a economia circular. A nível de pesquisa, inovação e dados, a UE lançou, em 2008, a sua estratégia para a pesquisa e inovação, no quadro da Política Marítima Integrada (PMI), a qual visava harmonizar linguagem, partilhar práticas e potenciar sinergias entre os Estados-Mem-
bros, através de integração de políticas e recursos. Desde então, muitos projetos de ambiente marinho têm beneficiado de financiamento de programas da UE, embora maioritariamente o financiamento se continue a fazer no quadro de iniciativas individuais dos Estados-Membros. A UE tem, também, apoiado a pesquisa e inovação em áreas de mares regionais, como o Mediterrâneo (iniciativa Bluemed), o Báltico (iniciativa BONUS) e o Mar Negro, para alem de promover estas atividades sobre o Atlântico, através de outras parcerias internacionais. Cabe ao Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (IEIT47) um papel importante no reforço da capacidade inovadora dos Estados-Membros, através de parcerias pan-europeias entre as grandes empresas e os centros e institutos de investigação48.
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Good Environmental Status (GES).
47
O IEIT é um organismo da União Europeia criado em 2008 para reforçar a capacidade de inovação da Europa. Faz parte do Horizon 2020, programa-quadro de investigação e inovação da UE. Os resultados atingidos, desde o seu estabelecimento, permitiram criar diversas parcerias, polos de inovação e milhares de postos de trabalho, centenas de produtos e serviços, bem como mobilizar € 1,5 mil milhões para a pesquisa e inovação e apoiar milhares de mestrados e doutoramentos.
48
Estas parcerias são designadas por “Comunidades de Investigação e Inovação”.
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ECONOMIA AZUL: Evolução do conceito e da consciência internacional
Por sua vez, a Economia Azul necessita da recolha e integração de dados marinhos. Os dados marinhos são cruciais para avaliar o estado dos recursos e do ambiente marinho, contribuindo para desenvolver novos serviços relacionados e alimentando o processo de inovação. Existem três iniciativas de relevo, no âmbito da estratégia da UE «Conhecimento do meio marinho 202049», a qual pretende reunir dados sobre o meio marinho provenientes de diferentes fontes com o objetivo de suportar as atividades de stakeholders, públicos e privados, tendo em vista o desenvolvimento de novos produtos e serviços e a uma melhor compreensão dos mares e oceanos: • 10 Estados-Membros recolhem, gerem e disponibilizam uma vasta gama de dados sobre pesca e aquicultura50. Após serem analisados, os dados permitirão mais cabalmente à UE regular a atividade das pescas e promover a Economia Azul; • Recorrendo ao programa Copernicus51, há um serviço de monitorização do ambiente marinho, que fornece informações sobre o estado físico e a dinâmica dos oceanos e dos ecossistemas marinhos. • Rede Europeia de Observação e de Dados do Meio Marinho (EMODnet). Criado em 2009, o EMODnet é um observatório marinho europeu (sobe a forma de um portal Web) que recolhe, processa e disponibiliza abertamente todo o tipo de da-
dos marinhos. Os dados são agrupados por 7 disciplinas marinhas: batimetria52; geologia; física; química; biologia; habitats do fundo do mar; e atividades humanas. Quanto à Formação e requalificação de trabalhadores, ela é muito necessária para a renovação de alguns setores tradicionais, como as pescas, bem como para a atividade profissional em tecnologias inovadoras (e.g. biotecnologia marinha). Neste contexto, realçam-se dois projetos que recebem fundos comunitários: o consórcio “MATES53”, direcionado para a qualificação de trabalhadores para as indústrias da construção naval e da energia renovável offshore; e o projeto “SKILLSEA”, o qual visa dotar a Europa de profissionais, num mercado marítimo em mudança, capacitados com competências digitais, ambientais e socio-emocionais, com vista à mobilidade e empregabilidade numa economia do oceano sustentável. No que concerne a financiamento de projetos de Economia Azul, a UE tem um dos seus 5 fundos estruturais direcionados para apoiar a política marítima e das pescas: – o Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP). O FEAMP visa, essencialmente, apoiar os pescadores na transição para uma pesca sustentável e ajudar as comunidades costeiras a diversificarem as
suas economias, através de cofinanciamentos com os Estados-Membros. A dotação do atual FEAMP (20142020) é de € 6,4 mil milhões. Para o período 2021-2027, a Comissão Europeia está a propor um novo FEAMP com a mesma dotação nominal do anterior, o que, tendo em conta a inflação, representará uma redução real de cerca de 13%. O novo fundo focará no financiamento dos pequenos pescadores e de atividades azuis com impacto nas comunidades costeiras, bem como visará fortalecer a governação internacional dos oceanos, proteger os ecossistemas marinhos e mitigar os efeitos das alterações climáticas, conforme os compromissos do Acordo de Paris. Em termos de concretização, os fundos estruturais têm sido importantes no financiamento da Economia Azul (e.g. até 2019, tinham contribuído com € 1,4 mil milhões para o financiamento de projetos de energia eólica offshore, cujo investimento global ascendeu a cerca de € 8 mil milhões), nomeadamente alavancando o acesso de PME’s a financiamento de projetos sustentáveis. Por sua vez, o Banco Europeu de Investimento54 (BEI) tem financiado o setor privado em projetos importantes em setores da Economia Azul, capital-intensivos (e.g. projetos de reabilitação de infraestruturas portuárias e de energia eólica offshore)55. O seu compromisso com a Economia Azul tem sido ampliado
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A marine knowledge 2020 strategy.9.
50
Os dados incluem dados biológicos, estatísticas das pescas, dados económicos e sociais. São compilados pelo Centro de Pesquisa Conjunta, para depois serem analisados e reportados pela UE.
51
Copernicus é como se denomina o programa da EU de observação da Terra por satélite.
52
Batimetria ou batometria é a medição da profundidade dos oceanos, lagos e rios. A batimetria expressa-se cartograficamente por curvas batimétricas que unem pontos da mesma profundidade com equidistâncias verticais, tal como as curvas de nível topográficas. A palavra batimetria é originada do grego, onde “Bathus” significa profundo e “Metron” medida.
53
O MATES é um consórcio com 17 parceiros de 8 países europeus: – Portugal; Espanha; Grécia, Itália, Bélgica, Países Baixos, Escócia e República da Irlanda.
54
O Banco Europeu de Investimento (BEI) é detido conjuntamente pelos países da UE.
55
Os níveis de investimento privado na Economia Azul são ainda baixos, atendendo ao elevado risco e longos períodos de payback que lhes são associados.
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acentuadamente desde 2018. O seu Programa Oceano Limpo e Sustentável (Clean and Sustainable Ocean Programme) visa aumentar a atratividade dos projetos oceânicos limpos e sustentáveis para investimento e tem duas componentes: • A Iniciativa Oceanos Limpos (The Clean Oceans Initiative56), de Outubro de 2018, a qual apoia a implementação de projetos sustentáveis que reduzam a poluição nos rios, mares e oceanos (principalmente a poluição por plásticos). O objetivo é financiar projetos dos setores público e privado, num montante que poderá ascender a € 2 mil milhões até 2023; • A Estratégia do Oceano Azul Sustentável (The Blue Sustainable Ocean Strategy - Blue SOS), de Outubro de 2019, visa financiar projetos que contribuam para a “saúde” dos oceanos, ambientes costeiros mais fortes e sustentabilidade das atividades económicas marinhas. Pretende financiar € 2,5 mil milhões, até 2024, em projetos de desenvolvimento costeiro sustentável; produção sustentável de alimentos marinhos; navegação “verde”; e biotecnologia marinha. A par do financiamento direto, o BEI apoia a Economia Azul através de outras instituições do seu grupo. O Fundo Europeu de Investimento (FEI), detido maioritariamente pelo BEI e com participação importante da UE57, é o veículo da União para o apoio às
PME’s, microempresas e empresas sociais. Em Fevereiro de 2020, o FEI lançou o BlueInvest Fund58, com € 75 milhões, para indiretamente investir em PME’s com projetos na Economia Azul. Em 14 de Novembro de 2019, o BEI deliberou e comunicou uma nova estratégia climática e nova política de financiamento ao setor energético. Esta nova ambição de sustentabilidade ambiental afetará também a economia do oceano, nomeadamente: • O BEI deixará de financiar projetos de energia de combustíveis fósseis a partir do final de 2021; • O financiamento futuro irá acelerar a inovação em energia limpa, a eficiência energética e as energias renováveis; • Na década de 2021 até 2030, o Grupo BEI disponibilizará financiamentos até um bilião de Euros59 em ações climáticas e investimentos ambientais sustentáveis. O objetivo do banco é que o financiamento dedicado à ação climática e à sustentabilidade ambiental atinja 50% das suas operações, em 202560; • O Grupo BEI alinhará todas as atividades de financiamento com os objetivos do Acordo de Paris, a partir do final de 2020. A nível de financiamento da Economia Azul na Europa, importa assinalar o contributo do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BERD61). O BERD tem um compromisso com a sustentabili-
dade ambiental, pelo que os seus financiamentos visam suportar regiões e economias a atingir os compromissos da agenda global de sustentabilidade. São exemplos de apoios o financiamento do novo terminal do porto de Gdansk, na Polónia; o projeto de reabilitação e construção nova de cerca de 100 km de tubagens de transporte de água, na Bulgária; e a tomada de uma participação minoritária no capital da empresa que gere o porto de Talin, na Estónia, para suporte financeiro. A nível da cooperação internacional, para além da Parceria Azul para os Oceanos, assinada em Julho de 2018 com a China, a UE tem manifestado esforços de cooperação internacional ao nível do estudo dos recursos, da segurança, da governação e da sustentabilidade económica e ambiental dos oceanos. A UE tem promovido o desenvolvimento dos Princípios Financeiros de Economia Azul Sustentável, cujo objetivo é a adoção voluntária dos mesmos por uma rede importante de instituições financeiras internacionais, e tem reforçado o seu compromisso com as Metas de Desenvolvimento Sustentável para 203062 estabelecidas pelas Nações Unidas. Neste sentido, em Novembro de 2016, a UE lançou a Agenda para a Governação Internacional dos Oceanos63. O Oceano Atlântico, o segundo maior do planeta, assume uma importância acrescida para a UE, em
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A iniciativa é uma parceria entre o BEI, a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e o banco alemão KfW.
57
Após a última subscrição de capital, em Março de 2020, as participações do BEI e da UE no FEI ficaram, respetivamente, em 59,1% e 29,7%.
58
É um fundo para participar noutros fundos de investimento cujos alvos de investimento se insiram na Economia Azul.
59
€ 1.000.000.000.000.
60
Vd. Relatório da Economia Azul da UE 2020.
61
O BERD foi fundado em 1991 para ajudar a transição para economias de mercado e democracias em 27 países da Europa Central à Ásia Central, após o colapso do comunismo soviético. A UE e o BEI são dois dos seus principais doadores.
62
A meta 14 “Life Below Water” diz respeito aos oceanos.
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Comunicação conjunta da Comissão Europeia e dos Altos Representantes dos Negócios Estrangeiros e da Política de Segurança, denominada International ocean governance: an agenda for the future of our oceans.
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ORIENTEOCIDENTE
ECONOMIA AZUL: Evolução do conceito e da consciência internacional
virtude de 5 países da União terem costa Atlântica, bem como pela responsabilidade global pela situação ambiental deste importante recurso natural. Neste contexto, em 2011, a UE lançou a sua “Estratégia Atlântica”, com o objetivo de partilhar entre os Estados-Membros oportunidades e responsabilidades. Lançada esta base, a UE promoveu e comprometeu-se com algumas iniciativas importantes a nível de cooperação internacional no Oceano Atlântico: • Em 2013, em cooperação com os referidos 5 Estados-Membros64, lançou o Plano de Ação da UE para uma Estratégia Marítima na Área do Atlântico, através do qual pretendeu uma cooperação efetiva dos Estados-Membros no sentido de um Atlântico sustentável. Três ativadores importantes foram identificados: 1) Investimento em inovação e capacidades tecnológicas; 2) Pesquisa, pois os dados, o conhecimento sobre o oceano e a capacidade para modelar e prever são muito importantes para uma boa governação do oceano; e 3) melhoria da qualificação da força de trabalho; • Também em 2013, a UE, os EUA e o Canadá assinaram a Declaração de Galway sobre a Cooperação no Oceano Atlântico, que levou ao estabelecimento, em 2015, da Atlantic Ocean Research Alliance (AORA). A aliança AORA desenvolve pesquisa nas seguintes áreas: Mapeamento do fundo do oceano; Observação do oceano (importante para prever a evolução das alterações climáticas e o seu impacto no ambiente); Investigação para fornecer “alimentação para o
mundo” a partir do oceano65; Estudo dos ecossistemas marinhos para se poder avaliar a “saúde” do Atlântico; e Melhoramento da “literacia oceânica”, sensibilizando os cidadãos para a importância do oceano para o presente e o futuro da Humanidade; • Em 2017, a UE, o Brasil e a África do Sul assinaram, em Lisboa, a Declaração de Belém sobre a Cooperação Atlântica em Pesquisa e Inovação, a qual visa o intercâmbio de dados e a cooperação científica e tecnológica, com especial impacto no Oceano Atlântico Sul e Tropical e Austral. Para implementar estas intenções, as partes criaram, em 2018, a All Atlantic Ocean Initiative66, que visa criar uma comunidade de atores relevantes em redor do Atântico para identificar e colaborar em pesquisas concretas e atividades de inovação; • Em 2018, a UE e a Argentina rubricaram um acordo de cooperação em pesquisa, ciência e inovação marinha, com o qual visam, tendo o Atlântico como base, colher benefícios conjuntos aos níveis da abordagem alteração climática / ecossistemas marinhos, observação oceânica, segurança alimentar – pescas sustentáveis – aquicultura e biodiversidade, tecnologia oceânica e pesquisa polar; • Também em 2018, em 22 de Novembro, a UE e Cabo Verde rubricaram o Acordo de Mindelo de Cooperação em Pesquisa Marinha e Inovação, o qual tem um objeto muito semelhante ao acordo rubricado com a Argentina.
As Nações Unidas, os líderes mundiais, o Banco Mundial e a Economia Azul Aquando da realização, no Rio de Janeiro, em Junho de 2012, da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (UNCSD)67, o foco era o desenvolvimento sustentável e a Economia Verde. Enfatizava-se o papel desta economia na irradicação da pobreza e no desenvolvimento sustentável. Muitos países costeiros pressionaram, então, para que uma maior atenção fosse dada aos oceanos, no sentido de se verem mais identificados com a temática do desenvolvimento sustentável. E, assim, desta conferência e da atenção que se lhe seguiu, nasceu o conceito de Economia Azul. Para a ONU, a Economia Azul é uma economia do oceano que visa “a melhoria do bem-estar e a igualdade social, enquanto reduz significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica”. Por sua vez, o Banco Mundial definiu, em 2017, a Economia Azul como “o uso sustentável dos recursos oceânicos para o crescimento económico, a melhoria do nível de vida e o emprego, preservando a saúde do ecossistema do Oceano”. Mais que fazer, o papel da ONU é o de “fazer acontecer”, através de ações de sensibilização dos EstadosMembros e da comunidade internacional. Na sequência da conferência de 2012, no Rio de Janeiro, e de um movimento crescente para compatibilizar o crescimento económico com o ambiente e a igualdade social (o desenvolvimento sustentável), a ONU lançou, em 2015, 17 Metas
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Portugal, Espanha, França, Irlanda e Reino Unido.
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Na alimentação humana, apenas 3% vem do mar e, em 2050, estima-se uma população mundial de 9.700 milhões de pessoas, o que pressiona para se encontrarem alternativas sustentáveis de alimentação do mundo.
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https://www.allatlanticocean.org/main
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Rio+20 – a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável – realizada em junho de 2012, no Rio de Janeiro, Brasil.
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para o Desenvolvimento Sustentável 2030. Estas metas, subscritas por todos os Estados-Membros, resultaram de discussões múltiplas entre os Estados e a sociedade civil (larga gama de stakeholders). Das 17 metas, a meta 14 é a que assume maior importância para a Economia Azul: “14. VIDA NA ÁGUA”68. Esta meta visa a “a conservação e o uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável” e estabelece resultados parcelares para serem atingidos de 2020 a 2030. Os mesmos têm a ver, entre outros aspetos, com a redução da poluição marinha; a proteção dos ecossistemas marinhos e costeiros; a mitigação dos efeitos da acidificação dos oceanos; o fim da sobrepesca, pesca ilegal e práticas de pesca lesivas e destrutivas; a conservação de zonas marinhas e costeiras; o apoio ao desenvolvimento económico dos pequenos Estados insulares; o aumento do conhecimento científico e das capacidades de pesquisa, visando a transferência de tecnologia; o apoio aos pescadores artesanais no acesso aos recursos marinhos e mercados; e a governação dos oceanos de acordo com a UNCLOS. No final de 2015, foi produzido o 1º relatório de avaliação do estado dos oceanos (World Ocean Assessment I), com o intuito de aferir os aspetos ambientais, económicos e sociais
dos oceanos69. O relatório concluiu que a capacidade de o oceano continuar a suportar os impactos destrutivos da atividade humana estava no limite e que se impunha, com urgência, inverter a situação e proteger o que de bom ainda existia. Atendendo às falhas de integração da pesquisa oceanográfica e dos dados científicos marinhos na gestão das atividades marinhas e costeiras, em todo o mundo, a Assembleia Geral da ONU declarou, em 5 de Dezembro de 2017, a década de 2021 a 2030 como sendo a Década da Ciência do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável (“Towards The Ocean We Need For The Future We Want”) e encarregou a Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI) da UNESCO de desenvolver o seu plano de implementação (A / RES / 72/73). O objetivo principal dessa iniciativa é estabelecer um quadro de coordenação internacional das atividades científicas e de pesquisa sobre o oceano e de integração dos seus resultados na gestão das atividades marinhas70, com vista a se atingir os alvos da meta 14 das Metas de Desenvolvimento Sustentável 2030 (MDS2030). A década do oceano deverá, também, apoiar a educação e criar a sensibilidade para o desenvolvimento sustentável. A ONU, através das suas agências e iniciativas, tem apoiado ou promovido conferências internacionais sobre a economia azul ou sobre o
oceano. Em 2017, a ONU promoveu a 1ª Conferência dos Oceanos, em Nova Iorque, a qual celebrou igualmente o Dia Mundial dos Oceanos71 (8 de Junho). O evento contou com a presença dos principais chefes de Estado e de Governo do mundo, bem como representantes de organizações relevantes, para apoiar a implementação da Meta de Desenvolvimento Sustentável 14, tendo resultado em mais de 1.400 compromissos. A 2ª Conferência 72 dos Oceanos das Nações Unidas estava aprazada para 2020, mas foi, entretanto, adiada para 2021, devido à pandemia da Covid-19. Estes movimentos de líderes mundiais em prol do oceano e da Economia Azul têm corporizado novas parcerias e associações, bem como conferências internacionais em países ou regiões menos desenvolvidas. Neste contexto, regista-se o envolvimento da ONU, em conjunto com 12 chefes de Estado e de Governo, no lançamento em 2018 do Painel do Oceano73, um painel de alto nível para uma Economia do Oceano Sustentável. O Painel do Oceano (PO), composto por decisores com poder político, tem cooperado com governos, empresas, instituições financeiras, a comunidade científica e a sociedade civil com vista a promover a implementação de novas soluções em políticas, governação, tecnologia e financiamento para uma economia oceânica sustentável. Os Estados representados no
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United Nations’ “SDG nº 14: LIFE BELOW WATER”.
69
Segundo a ONU, o processo de elaboração envolveu o contributo de centenas de relatórios nacionais e regionais, bem como mais de 600 especialistas indicados pelos seus Estados-Membros.
70
A ciência marinha pode apoiar as indústrias estabelecidas (e.g. indústria naval, pesca e aquicultura), bem como atividades de conservação e gestão ou comunidades costeiras, prevendo perigos oceânicos ou prevenindo riscos de desastres.
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Em 5 de dezembro de 2008, foi proclamado o Dia Mundial dos Oceanos através da Resolução 63/111 adotada na Assembleia Geral das Nações Unidas.
72
A conferência será realizada em Lisboa, tendo como coorganizadores Portugal e o Quénia, sob o tema “Ampliando a ação do oceano com base na ciência e inovação para a implementação da Meta 14: balanço, parcerias e soluções”.
73
O Painel de Alto Nível para a Economia do Oceano Sustentável (High-level Panel for a Sustainable Ocean Economy) é uma iniciativa de 14 líderes mundiais que visa trabalhar com os diversos stakeholders políticos, económicos e sociais, bem como com a comunidade científica, em prol da Economia Azul.
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ECONOMIA AZUL: Evolução do conceito e da consciência internacional
PO74 (Portugal é um dos membros) correspondem a cerca de um terço das áreas costeiras e a um terço das ZEE mundiais, bem como a 20% da pesca e 20% da frota marítima mundial. Outro acordo internacional importante é a Carta Azul (CA), assinado na Reunião dos Chefes de Governo da Commonwealth em Londres, em abril de 2018. Na CA, os países daquela Comunidade comprometem-se a cooperar no âmbito da Economia Azul, para o cumprimento da MDS203075 nº 14 da ONU, estabelecendo “grupos de ação” para o aprofundamento e medidas concretas em 10 temas76. Em 2019, a Commonwealth e a ONU assinaram um MoU77, em Londres, pelo qual se comprometem a cooperar para o cumprimento das metas MDS2030, ligando os objetivos da Carta Azul às referidas metas de desenvolvimento sustentável. Por fim, realça-se a primeira Conferência sobre a Economia Azul Sustentável Global, realizada em Novembro de 2018, em Nairobi, sob o tema “A Economia Azul e a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, coorganizada pelo Quénia, Canadá e Japão, a qual contou ainda com 34 sponsors, dos quais destacamos Portugal, Noruega, Reino Unido,
China, União Europeia, União Africana, África do Sul, FAO78, PNUD79 e Banco Mundial. Cerca de 16.300 participantes de 184 países, entre os quais 7 Chefes de Estado e 84 ministros80, discutiram 9 subtemas sob dois pilares: a) crescimento económico, criação de emprego e redução da pobreza; b) sustentabilidade, alterações climáticas e controlo da poluição. Os trabalhos resultaram em compromissos voluntários, não monetários e monetários, nos vários setores da Economia Azul, num valor de cerca de USD 172 mil milhões, bem como na Declaração de Nairobi para o Avanço de uma Política Sustentável81. Igualmente, menção de relevo merece o Grupo Banco Mundial pela sua ação no desenvolvimento da Economia Azul, com um portfólio de projetos ativos de cerca de USD 5 mil milhões e USD 1,65 mil milhões de projetos em avaliação de candidatura, à data de 22 de Junho de 2020. O Grupo Banco Mundial tem na sua estratégia corporativa a defesa da sustentabilidade, procurando que o desenvolvimento se faça de acordo com as MDS2030 da ONU, através de projetos que consigam o triplo “Bottom line” (resultados):
resultados económicos, ambientais e sociais positivos. Em 2018, lançou um fundo fiduciário multi doadores82, o PROBLUE, o qual atualmente está dotado de USD 150 milhões, cujo objeto é apoiar a Economia Azul, através de apoio a países em projetos sustentáveis nas áreas das pescas, aquicultura e outros setores da economia do oceano, no combate à poluição marinha, na gestão integrada dos recursos marinhos e costeiros, etc. Em 2017, o Grupo Banco Mundial elaborou, conjuntamente com o Departamento de Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas (UN DESA), um relatório sobre a Economia Azul, “The Potential of the Blue Economy Increasing Long-term Benefits of the Sustainable Use of Marine Resources for Small Island Developing States and Coastal Least Developed Countries”. O relatório apresenta recomendações para a ação, gerais e dirigidas aos pequenos países insulares em desenvolvimento (SIDS) e aos países costeiros menos desenvolvidos (CLDC): • Recomendações aplicáveis a todos os países: devem levar em conta nas suas tomadas de decisão a contribuição do capital oceânico natural83
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Os membros do Painel do Oceano são a Austrália, Canada, Chile, Fiji, Gana, Indonésia, Jamaica, Japão, Quénia, México, Namíbia, Noruega, Palau e Portugal, para além do enviado especial do secretário-geral da ONU para os Oceanos. Metas de Desenvolvimento Sustentável 2030. Os temas são: Commonwealth Clean Ocean Alliance (aliança lançada em Abril de 2018 por 5 países desta comunidade para combater a poluição marinha, fundamentalmente a derivada dos plásticos); Proteção e restauração de recifes de coral; Meios de subsistência e ecossistemas de manguezais; Áreas marinhas protegidas; Acidificação dos oceanos; Mudanças climáticas e oceânicas; Observação do oceano; Aquicultura sustentável; Economia azul sustentável; e Pesca costeira sustentável. Memorandum of Understanding (Memo de Entendimento). Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, agência que visa combater a fome e erradicar a pobreza no mundo. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), da ONU, o qual visa o desenvolvimento e a erradicação da pobreza no mundo. Vd. “Report On The Global Sustainable Blue Economy Conference, 26Th – 28th November 2018, Nairobi, Kenya”. A Nairobi Statement of Intent on Advancing a Sustainable Blue Economy contém declarações políticas visando: promover estratégias globais viradas para a ação; parcerias em projetos sustentáveis nos setores da Economia Azul; financiamento, acesso a tecnologias, inovação, partilha das melhores práticas e qualificação de recursos humanos; integração da pesquisa e inovação na tomada de decisão política; e cooperação interministerial e internacional na área da governação dos oceanos e da Economia Azul. Atualmente, os doadores são o Canada, a Dinamarca, a União Europeia, a França, a Alemanha, Islândia, Noruega, Suécia e EUA. O capital oceânico natural ou capital natural azul é o stock de todos os ativos naturais marinhos e costeiros (praias, mares e oceanos) que proporcionam uma série de benefícios, denominados serviços dos ecossistemas marinhos e costeiros. Exemplos de serviços de ecossistemas marinhos e costeiros menos percetíveis são a produção de oxigénio, a moderação da temperatura e o sequestro de dióxido de carbono da atmosfera e a sua absorção pelos plânctons. Exemplos de benefícios mais percebidos são os alimentos marinhos, os recursos naturais renováveis para produção de energia, os combustíveis fósseis, os recursos farmacológicos, a possibilidade de realizar as atividades desportivas, turísticas ou de aventura (e.g. surf, vela, mergulho, jet sky, snorkeling, observação de aves marinhas) ou uma vista para o bater das ondas à beira-mar.
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para o bem-estar; devem estabelecer prioridades nos investimentos em cada setor da Economia Azul, bem como investir em e fazer uso da ciência, dos dados e da tecnologia; a cooperação internacional, global e regional, é muito importante para a antecipação das alterações climáticas, da governação dos oceanos e para a aplicação da UNCLOS; e o setor privado deve estar envolvido na Economia Azul, a par de novos instrumentos financeiros especialmente vocacionados para apoiar projetos estruturantes de elevados montantes de investimento (e.g. as “obrigações azuis84”); • Recomendações mais estritamente dirigidas aos países SIDS e CLDC, os quais devem ainda: desenvolver um ordenamento espacial marinho e costeiro, para guiar a decisão política no que concerne à Economia Azul; prover a inclusão e participação ativa de todos os grupos sociais e aprender com as tradições e cultura das comunidades locais e povos indígenas; e desenvolver parcerias para apoiar os esforços nas indústrias emergentes. Muitos países, nomeadamente os SIDS e CLDC, não sabem como atacar o problema de transformar uma economia do oceano insustentável numa Economia Azul inclusiva e participada. No início de 2019, a UE e o Banco Mundial lançaram o Quadro de Desenvolvimento da Economia Azul (BEDF85), o qual visa fornecer ferramentas e assistência técnica aos países em desenvolvimento, com vista a um diagnóstico ambiental, económico e social da Economia Azul que permita elaborar roteiros
nacionais para o estabelecimento de economias do oceano sustentáveis. O BEDF começou com três projetospiloto, na Índia, Vietnam e Quiribati. Conclusão Em suma, uma economia do oceano que representa um VAB mundial de 1.837 mil milhões de USD86, a par de práticas e atividades humanas que deixam um lastro insustentável através de poluição marítima, destruição de ecossistemas, extinção potencial de espécies, destruição de recifes de coral, sobrepesca e pesca ilegal e não registada, do excesso de produção de gazes para a atmosfera que exacerbam o necessário efeito de estufa, levaram a consciência universal neste milénio para três realidades: 1. a importância da economia do oceano no crescimento económico e no emprego, hoje e no futuro; 2. a destruição do oceano e a necessidade de inverter ou acabar com as práticas insustentáveis; 3. a necessidade de compatibilizar economia e crescimento com o ambiente, praticando a Economia Azul. A ONU, UE, EUA, China, Canadá, Japão, Austrália, Noruega, Portugal e tantos outros países têm, na última década, promovido debates, encetado políticas e desencadeado a governação internacional dos oceanos. Com a sabedoria que não nos deixa adormecer, inúmeras ONG’s, associações, instituições, empresas e homens de negócio, cientistas, jornalistas e estudiosos têm continuamente alertado para a necessidade de fazer mais
e no concreto pela Economia Azul. Na Década do Oceano que irá até 2030, a partilha da ciência e a sua integração nas atividades económicas será um must para a concretização da meta 14 das Metas de Desenvolvimento Sustentável 2030. Aos Estados cabe a responsabilidade de gerir as suas zonas económicas exclusivas (ZEE) com afinco e responsabilidade, retirando delas todo o potencial sustentável, criando emprego e fomentando o crescimento. Às instituições financeiras incumbe assumir e cumprir os Princípios Financeiros de Economia Azul Sustentável, financiando os megaprojetos infraestruturais mais sustentáveis e eficientes, mas, também, os projetos na área da ciência e inovação, as start-ups das indústrias marinhas emergentes e as PME’s das indústrias tradicionais, no seu esforço de reconversão. Aos municípios e entidades públicas responsáveis pela gestão das áreas costeiras cabe reconstruir, zelar e proteger as áreas costeiras, fomentando a pequena pesca e a atividade recreativa e turística sustentável, sensibilizando as populações para o esforço coletivo necessário, com a convicção de que o que se der ao oceano, ele retribuirá em dobro. Às empresas dos setores da economia do oceano cabe introduzir no seu sistema de gestão e nos seus processos internos procedimentos e tecnologias condizentes com a sustentabilidade do oceano e das zonas costeiras. Às ONG’s, universidades, institutos, comunicação social, influenciadores nas redes sociais e a todas as pessoas em geral cabe atuar com a consciência de que “Desenvolver a Economia Azul é cuidar da sobrevivência da Humanidade”.
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The Blue Bonds.
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Blue Economy Development Framework (BEDF).
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Extrapolação do autor para 2018, atendendo ao peso da economia do oceano no total do VAB da economia, em 2010, que foi de 2,5%, segundo a OCDE.
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Macau e Hong Kong
– Terá futuro o “elevado grau de autonomia”? Fernando Lima Autor de “Macau – Um Diálogo de Sucesso” – Edição do Instituto Internacional de Macau
O ritual da passagem de testemunho em Macau em 20 de Dezembro de 2019 manteve-se igual à solenidade que caracteriza estes momentos. O que poderia ser diferente eram as palavras. No discurso que pronunciou na ocasião, o Presidente Xi Jinping considerou Macau um
exemplo de sucesso da aplicação do princípio “Um País, Dois Sistemas” mas, ao mesmo tempo, lembrou que “Um País” era a premissa e pré-condição para os “Dois Sistemas”. O Presidente chinês não queria que existissem dúvidas sobre o que “Um País” é e o que os “Dois
Sistemas” deverão ser. Ao longo do seu discurso, percebeu-se que Macau não era o principal destinatário de algumas mensagens subliminares que tinha para transmitir. Xi destacou especialmente que nos últimos 20 anos Macau tem conse-
O novo Chefe do Executivo de Macau, Ho Iat Seng, faz o juramento de posse perante o Presidente Xi Jinping. Foto: Gabinete de Comunicação Social de Macau.
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Macau e Hong Kong – Terá futuro o “elevado grau de autonomia”?
guido estabelecer uma ordem constitucional sólida, baseada na Constituição da República e na Lei Básica, bem como um sistema de governação cada vez mais aperfeiçoado. Do mesmo modo, assinalou que o desenvolvimento da economia de Macau deu um enorme salto e a vida dos residentes registou melhorias sucessivas; a sociedade em Macau tem mantido a estabilidade e a harmonia como, também, as diferentes culturas se inspiram mutuamente. Incentivou assim o território a seguir na direcção correcta, a defender “esclarecidamente” a ordem constitucional e a garantir que a prática não seja adulterada ou desviada. Advertiu, porém, que o princípio vigente nos dois territórios “apenas pode ser duradouro quando garantimos que não é distorcido”. Uma vez que a China sustenta que os protestos em Hong Kong eram fomentados por potências estrangeiras, Xi Jinping foi categórico ao afirmar que o tratamento dos assuntos das duas regiões administrativas especiais é de carácter interno da China. Por isso, disse ser intolerável qualquer interferência nos seus assuntos. E vincou de seguida: “O Governo e o Povo chineses estão firmes como uma rocha na sua determinação em defender a soberania, a segurança e os interesses do desenvolvimento do País”. Recorde-se que Pequim acusa os manifestantes de Hong Kong de questionarem a soberania chinesa no território. Outra tecla que o Presidente chinês quis tocar foi a do patriotismo. Com efeito, muito preocupa a hierarquia chinesa o desapego de parte da população de Hong Kong em relação à Mãe-Pátria e, por isso, Macau foi apontado como exemplo. “Os compatriotas de Macau têm uma tradição de patriotismo. Têm considerado os temas na base do interesse
da Nação e de Macau. As autoridades têm sido constituídas apenas por patriotas. A educação patriótica tem sido implementada nos vários tipos de escolas e o sentido de identidade nacional tem criado raízes nos corações dos jovens”, enfatizou Xi Jinping. Na véspera, num banquete com personalidades do território, já tinha sublinhado que “a unidade faz prosperar a família e a harmonia traz boa sorte”. Novo Chefe do Executivo em Macau A designação do novo Chefe do Executivo de Macau foi um processo que correu em paralelo com a crise de Hong Kong. O calendário político estava estabelecido e havia apenas que cumpri-lo, como veio a acontecer, sem o receio de contaminação provocada pela forte efervescência da região vizinha. Sem perda de tempo, as etapas seguintes de Ho Iat Seng, o líder escolhido, decorreram em Pequim, não só para oficialização da sua nomeação pelo poder central mas, também, para as audiências
protocolares com o Presidente da República e o Primeiro-Ministro. O Presidente Xi Jinping exortou Ho Iat Seng a liderar o Governo de Macau e a população da RAEM num esforço conjunto para, pensando no futuro, reformar e inovar a economia local. Simultaneamente, pediu-lhe que continue a pôr em prática, “de forma bem sucedida”, o princípio “Um País, Dois Sistemas”. Nesse sentido, afirmou que o sucesso do princípio “Um País, Dois Sistemas” em Macau tem mostrado que é exequível e popular junto da sociedade. De igual modo, o Primeiro-Ministro Li Keqiang destacou a harmonia social e a estabilidade em Macau, assim como o sentimento de confiança e de cooperação com o interior da China. Prometeu ainda que as pessoas de Macau e o respectivo Governo continuariam a beneficiar de todo o apoio das autoridades centrais e do País. Das afirmações dos dois altos responsáveis chineses podia deduzir-se que, nos elogios a Macau, estava im-
Ho Iat Seng é cumprimentado por Xi Jinping, cumprida a formalidade da posse. Foto: Gabinete de Comunicação Social de Macau.
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plícita a comparação com Hong Kong, onde a sociedade, no que considera ser a defesa da sua autonomia, tem resistido a tentativas de alteração orientadas por Pequim em áreas sensíveis, nomeadamente em matérias relacionadas com a segurança nacional e o ensino. Para acentuar o contraste entre as duas regiões, a agência noticiosa China News Service publicou, na ocasião, um artigo em que explicava as razões do sucesso da RAEM e o facto de se manter ali a tranquilidade. No mesmo texto, eram ainda recordadas declarações de um académico da Universidade de Macau, Eilo W. Y. Yu, em que sustentava que um forte sentimento pró-Pequim na RAEM tem contribuído para a harmonia das relações entre as duas partes. Em idêntico contexto, Gao Zhikai, que serviu como intérprete de Deng Xiaoping e é actualmente um dos mais conhecidos comentadores da televisão chinesa, realçou à agência Lusa que, “para o Governo Central e para as 1,4 mil milhões de pessoas no continente chinês, Macau tem sido um exemplo de grande sucesso da fórmula ‘Um País, Dois Sistemas’”. Acrescentou ainda que a China vê como “positiva” a manutenção da herança portuguesa em Macau e recordou a diferença em relação à política da Índia para com a região de Goa, “onde a influência portuguesa foi eliminada após a integração”. “A China e o povo chinês não têm qualquer problema em manter a herança portuguesa em Macau”, sublinhou Gao Zhikai. Tendo como base a nomeação do novo Chefe do Executivo Ho Iat Seng, esta avaliação da situação em Macau, justificada também por se iniciar um novo ciclo de dez anos sob a soberania chinesa, acabou por coincidir com os efeitos da crise de Hong Kong. Nessa medida, as notí-
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Ho Iat Seng profere o seu primeiro discurso como Chefe do Executivo de Macau. Foto: Gabinete de Comunicação Social de Macau.
cias sobre Macau levaram inevitavelmente os analistas de Hong Kong a comparações. Na sua opinião, a boa vontade de Macau para se integrar na Mãe-Pátria tem obviamente mais valor para a China do que a desordem social e política que nessa altura afectava Hong Kong e desafiava a autoridade de Pequim. Macau constituía, pois, o modelo que Pequim gostaria que fosse seguido em Hong Kong. Podemos encontrar uma explicação na demografia. Em 2016, 43,6% da população de Macau nasceu no continente, pelo que a relação com a China é um acto normal nas suas vidas. Com Hong Kong, a situação é bem diferente: cerca de 80% dos habitantes nasceu no território e a sua atitude para com a China tem sido pautada pelo imenso défice de identidade nacional. O solo é chinês mas o sentimento local é de grande apego ao que Hong Kong para eles sempre representou, valorizando assim o que o segundo sistema lhes tem proporcionado desde 1997: elevado grau de autonomia, em con-
sonância com as regras definidas na Declaração Conjunta Sino-Britânica. O impacto da crise de Hong Kong No entanto, a crise em Hong Kong fez pensar que 2047, ano em que cessa o período de vigência da Declaração Conjunta Sino-Britânica, já não está tão distante como podia parecer. O que aconteceu com tão prolongada turbulência levou a que se colocassem imediatamente tantas interrogações sobre o futuro do território e da autonomia política, judicial e administrativa consagrada naquele compromisso entre a China e a Grã-Bretanha. Passaram praticamente 36 anos da sua assinatura em Pequim, mas têm perdurado questões que o tempo que resta para 2047 ajudará certamente a clarificar. O comportamento da China em relação às regiões administrativas especiais de Hong Kong e Macau, duas realidades distintas, continuará sempre a ser a grande questão nesta equação. Como assimilar plena-
Macau e Hong Kong – Terá futuro o “elevado grau de autonomia”?
mental pode efectuar-se. Eram as regras chinesas e, assim sendo, era preciso construir uma nova ordem política com a marca da China. Como a transferência da administração em Hong Kong ocorreu dois anos antes de Macau, obviamente a prioridade foi dada à antiga colónia britânica. No entanto, outras razões fortes justificavam que os dirigentes chineses se apressassem em relação a Hong Kong. Discordavam de reformas introduzidas pelo último governador Chris Patten, especialmente a democratização do processo eleitoral e a valorização das leis do Estado de Direito. O Presidente da República Popular da China, Xi Jinping, elogia Macau como exemplo de sucesso da aplicação do princípio “Um País, Dois Sistemas”. Foto: Gabinete de Comunicação Social de Macau.
mente no seu seio dois “corpos” que estiveram sob influência de administrações estrangeiras com valores, culturas e hábitos distintos tem constituído, objectivamente, um desafio permanente para a liderança chinesa em Pequim. Por isso, é caso para perguntar: o espírito “Um País, Dois Sistemas” sobreviverá aos cinquenta anos de vigência da Declaração Conjunta? Quando a China iniciou negociações para a transferência dos dois territórios, primeiro, com a Grã-Bretanha e, depois, com Portugal, estava ciente que deveria transmitir confiança às gentes de Hong Kong e Macau. Recorde-se que, naquela altura, a colónia britânica representava à volta de 50% do PIB chinês. Assim, ficou estabelecido que gozariam de um alto grau de autonomia política, judicial e administrativa; seriam governados por habitantes locais e os sistemas social e económico permaneceriam inalterados, em conformidade com o princípio “Um País, Dois Sistemas”, bem como a respectiva maneira de viver. As leis em vigor
manter-se-iam basicamente inalteradas. Todavia, chegado o momento de se consumar a transferência de administração e cabendo à autoridade máxima do Estado chinês recebê-la, a partir daí ninguém ficou com dúvidas sobre onde residiria o poder. Ditas as palavras de circunstância com a pompa habitual, ficava para a posteridade a expectativa quanto ao modo como Pequim iria lidar com duas novas realidades moldadas em grande medida por leis que não eram as suas. Conforme estava estipulado na Declaração Conjunta, as relações externas e a defesa eram da competência do Governo central mas ninguém acreditaria que o principal foco da sua atenção não fosse a situação interna nas duas regiões administrativas especiais. A verdade é que, sem a aprovação da liderança em Pequim, nenhuma importante decisão política pode ali ser tomada, nenhum chefe do Executivo pode ser escolhido, nenhuma mudança no dispositivo governa-
Os trágicos acontecimentos de 4 de Junho de 1989 na Praça de Tiananmen tiveram um grande impacto em Hong Kong, desencadeando a mobilização no território de um milhão de pessoas em solidariedade com as vítimas da intervenção militar. Com efeito, atónitas com o que se passara em Pequim, fez-lhes despertar o receio sobre o futuro. Tudo o que acontecera em Tiananmen era demasiado contundente para não deixar de lhes causar viva impressão. Na altura, os líderes em Pequim não disfarçaram inclusivamente a sua irritação com a reacção dos habitantes de Hong Kong e endureceram a sua posição nas negociações com o Governo britânico do território para conter as suas intenções, ao arrepio da vontade chinesa. A oito anos do regresso de Hong Kong à soberania chinesa, ambas as partes tiveram, porém, de fazer um esforço de entendimento para que o período de transição pudesse readquirir a necessária normalidade. Num gesto de apaziguamento, o conselheiro político do Governo de Hong Kong, William Ehrman, escreveu em Outubro de 1989 uma carta à Agência Xinhua a dizer que “o Governo de Hong Kong não permitirá
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que o território de Hong Kong seja utilizado como base para actividades subversivas contra a República Popular da China”. A causa próxima para o gesto daquele conselheiro fora o comportamento de um grupo radical trotskista anti-Pequim que acabou detido. Em Fevereiro de 1990, a China conseguia, sem a oposição do Governo britânico, que fossem introduzidas duas novas cláusulas na Lei Básica da futura Região Administrativa Especial de Hong Kong relativamente à subversão e internacionalização. Uma das cláusulas (Artigo 23) requeria que se aprovasse legislação que proibisse actividades subversivas contra o Governo central. A par dessa, a outra estipulava a proibição de actividades políticas de organizações internacionais e grupos no território, bem como de grupos políticos locais de estabelecer ligações com organizações políticas internacionais ou grupos.
Seis anos após a passagem da administração, ou seja em 2003, o novo Governo chinês de Hong Kong propunha uma lei anti-subversão intitulada “Artigo 23 da Lei Básica de Hong Kong”. A reacção no território não se fez esperar. Muitos recearam que a proposta limitasse a liberdade de imprensa, religião e associação e, como a iniciativa surgiu num momento de impopularidade do Chefe do Executivo Tung Chee-Hwa, devido à insatisfação motivada pela fortíssima recessão económica, um milhão de manifestantes mobilizouse no dia 1 de Julho de 2003 em protesto contra o Governo. A proposta viria a cair, depois de vários deputados pró-Governo terem retirado o seu apoio. Em 10 de Março de 2005, Tung Chee-Hwa resignava. Voltaram os receios Sabemos que na China, perante obstáculos ocasionais, nunca se desiste dos assuntos que são estrutu-
rantes na vida do país e, nesse sentido, a preservação da segurança nacional é um dos objectivos permanentes que, de acordo com o funcionamento do regime chinês, requer leis apropriadas e concentração de meios adequados. Por isso, dezasseis anos após a tentativa falhada de impor a lei anti-subversão, a Chefe do Executivo Carrie Lam avançou em Maio de 2019 com um projecto de lei de extradição para a China aplicável não apenas a fugitivos chineses do Continente, mas também a todos os cidadãos normais de Hong Kong, e ainda a estrangeiros residindo temporariamente na cidade ou que a visitem. Voltaram os receios que fazem com que os cidadãos de Hong Kong se sintam vulneráveis em períodos críticos. Como habitualmente, a resposta foi ocupar o espaço público com gigantescas mobilizações. Assim sucedeu com um milhão de pes-
Cerimónia de posse do V Governo da Região Administrativa Especial de Macau e do renovado Conselho Executivo. Foto: Gabinete de Comunicação Social de Macau.
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soas a 9 de Junho e dois milhões uma semana mais tarde. No auge da crise, não faltaram enfrentamentos violentos entre as forças policiais e manifestantes. Uma vez que a situação chegou a parecer estar fora de controlo, temeu-se que Pequim ordenasse a intervenção dos militares. Vários sinais foram emitidos nesse sentido, nomeadamente através de vídeos intimidantes com imagens de tropas em exercícios na zona de Shenzhen, mas tal nunca se concretizou. A pressão popular adquirira dimensões tão inquietantes que a 15 de Junho Carrie Lam comunicava, depois de apresentar um pedido de desculpas, que o projecto de lei estava suspenso para, pouco depois, reiterar que “a lei estava morta” e que “todo o trabalho legislativo tinha parado completamente”. O recuo oficial não desmobilizou os que contestavam a medida. Pelo contrário, os manifestantes exigiam um cancelamento formal desta legislação, dado que temiam que o projeto de lei voltasse a ser recuperado e, como esse cancelamento não aconteceu, multiplicaram-se os confrontos com as forças policiais. A inopinada ocupação do aeroporto internacional de Chek Lap Kok deu azo a cenas caóticas como nunca se tinha visto. A situação tornara-se muito perigosa e não havia volta a dar. Em 4 de Setembro, Carrie Lam anunciava que cancelara formalmente o projecto de lei de extradição, cedendo assim a uma das principais exigências dos manifestantes pró-democracia. Obviamente, só o fez após receber luz verde do poder central. O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, declarou depois que Pequim apoiava os esforços do Governo de Hong Kong para pôr fim à violência e ao caos, de acordo com a lei.
Quando os observadores procuraram tirar ilações, em cima dos acontecimentos, sobre os efeitos da crise no futuro de Hong Kong, uma questão destacava-se: com a erosão que estava a sofrer, como resistirá no tempo o princípio “Um País, Dois Sistemas”, tido por garante do “elevado grau de autonomia”? Muito provavelmente, em Pequim não se pensa o mesmo que em Hong Kong e daí os perceptíveis choques entre o modo de vida no território, que se identifica com os valores ocidentais, em que contam essencialmente os direitos, liberdades e garantias, e um sistema cujo poder é exercido de forma vertical, protegendo-se com a rigidez que se lhe conhece contra quem dele desconfia. Ainda faltam mais de duas décadas para o fim do período de vigência da Declaração Conjunta Sino-Britânica, pelo que é impossível antecipar o que acontecerá até 2047. Além do mais, os decisores em Pequim serão certamente outros nessa altura, o que não é despiciendo em relação às opções que vierem a ser tomadas. Veremos se a China saberá esperar pacientemente por 2047. Por agora, a sociedade de Hong Kong está fracturada e, neste contexto, importa referir que era jovem a grande maioria dos opositores ao projecto de lei. “São eles os mais preocupados com o que será do futuro de Hong Kong sob maior influência e poder da China”, comentava Alexandre Uehara, académico e colunista da imprensa asiática. O problema das lideranças Nas crises vividas por Hong Kong desde a sua passagem para a China, a actuação das lideranças do território tem estado sempre em causa. Começou com o primeiro Chefe do
Executivo, Tung Chee-Hwa, um empresário da indústria naval. A incapacidade política para lidar com a recessão económica e a epidemia da chamada gripe das aves tornou-o uma figura impopular, situação ainda agravada pela tentativa falhada de implementação de uma lei anti-subversão. Demitiu-se dois anos antes de completar o segundo mandato. Sucedeu-lhe Donald Tsang, um burocrata da administração pública, que foi depois reconfirmado em 2007 para o mandato seguinte. Prometeu empenhar-se para que Hong Kong tivesse uma democracia plena mas Pequim não lhe permitiu a concretização desse intento. Saiu chamuscado por um processo movido pela Comissão Independente Contra a Corrupção (ICAC). Leung Chun-Ying, quem lhe sucedeu, cumpriu o seu primeiro mandato de 2012-2017 mas não se recandidatou. Era visto como demasiado próximo de Pequim. As manifestações pró-democracia em 2014, maioritariamente de jovens e conhecidas por “Occupy Central” ou “Revolução dos Guarda-chuvas”, causaram a Leung CY enorme desgaste. Na origem da contestação esteve a decisão de limitar a um colégio eleitoral a escolha para o chefe do Executivo em 2017, em detrimento do sufrágio universal. Como Pequim não cedeu, deixou de ter condições para se manter no cargo. Alegou razões familiares para se afastar. Na altura, o colunista do South China Morning Post, Alex Lo, escreveu: “A luta pela democracia converteu-se num desafio directo à autoridade do Governo central. Isto coloca-nos ao mesmo tempo numa rota de colisão e perante uma situação de que resulta difícil adivinhar um final feliz”. Carrie Lam, a Chefe do Executivo escolhida em 2017, também um alto
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quadro da administração pública, não deu, por seu lado, qualquer sinal de estar receptiva aos anseios dos cidadãos de Hong Kong. Por isso, seria acusada de inépcia política na gestão da crise quando, em vez de seguir os procedimentos habituais, tentou apressar no órgão legislativo a aprovação do projecto de lei da extradição. Isso foi o suficiente para despoletar o sentido de urgência dos que queriam travar a sua concretização. Possivelmente, esperaria que, com uma resposta musculada das forças policiais, conseguiria controlar a situação e levar por diante os seus intentos. Assim não aconteceu e, com o endurecimento das acções dos que a contestavam, teve, no limite, de ceder e retirar formalmente a legislação. O académico Steve Tsang escreveu, a propósito da crise, que “a China deveria reconhecer que o seu processo para a selecção do chefe do Executivo de Hong Kong é profundamente deficiente”. É uma interpretação plausível, quando se olha para os desfechos das prestações dos chefes do Executivo. A opção seguida tem sido a de privilegiar na escolha a fidelidade ao regime chinês para facilitar uma mais eficaz integração do território na Mãe-Pátria, dentro de um quadro bem definido e rígido. Mas as várias lutas da sociedade de Hong Kong já mostraram que é também necessária aptidão política para gerir as crises e restabelecer a confiança. “Desafios e riscos” Não obstante ter-se remetido a alguma contenção em plena crise da antiga colónia britânica, a liderança chinesa não evitou pronunciar-se sobre os “desafios e riscos” que a China terá de enfrentar. Nos primeiros dias de Setembro, Xi Jinping falou na Escola Central do Partido
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para futuros dirigentes. Depois de afirmar que “não faltarão grandes lutas”, apontou, entre muitas outras, “os assuntos de Macau, Hong Kong e Taiwan”. Ressaltando que “a luta é um tipo de arte” e que os dirigentes devem “saber como dominar bem a arte da luta”, Xi deixou a seguinte mensagem: “Em todas as grandes lutas devemos persistir no reforço da nossa preparação para os acontecimentos inesperados, mantendo um foco estratégico, a concentração e a união à volta das decisões tácticas e dos julgamentos estratégicos”.
nifestantes, utilizadas com a dupla função de se protegerem do gás lacrimogéneo lançado pela polícia e de evitarem ser identificados pelas autoridades. Em desobediência à decisão do Governo, horas depois a violência recrudesceu, gerando o caos no território. O elevado nível de desafectação local em relação ao regime chinês, sobretudo na camada jovem, foi determinante nas mobilizações. Apelo ao reforço das “forças patrióticas”
Na verdade, nesta crise de Hong Kong a paciência de Pequim foi testada até ao limite. Porém, para que a sua atitude de contenção fosse entendida, avisou que a sua tolerância em relação aos protestos não devia ser vista como um sinal de fraqueza. Confiava, pois, que o governo local e a polícia fossem capazes de controlar a situação. Apesar de pressionada, Carrie Lam alegou, num primeiro momento, que evitou invocar os poderes de emergência não só para não causar mais estragos à reputação de Hong Kong mas, também, para não lançar mais achas para a fogueira. Havia que esperar que a intensidade da conflitualidade fosse diminuindo, mas tal não significava rendição.
Daí o Presidente Xi Jinping ter reconhecido, dez dias antes das comemorações do 70º aniversário, ser necessário o reforço das “forças patrióticas” nas regiões administrativas especiais no apoio aos seus Governos. Numa reunião da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC), apelou aos representantes de Hong Kong e Macau nesse órgão para desenvolverem e intensificarem “as forças de amor à Pátria”. Assumindo de imediato que o impacto da questão de Hong Kong colocava grandes desafios à prática do princípio “Um País, Dois Sistemas”, Edmund Ho seguiu o apelo do Presidente chinês e considerou que era preciso fazer bem os trabalhos de sensibilização dos jovens para o patriotismo.
Entretanto, ao regressar de Pequim, onde assistira no dia 1 de Outubro às cerimónias comemorativas do 70º aniversário da fundação da República Popular, deparou-se-lhe em Hong Kong uma conflitualidade agravada. Imediatamente cresceram as pressões dos elementos pró-Pequim para que declarasse o estado de emergência. Porém, apoiandose numa lei do tempo colonial britânico não aplicada há mais de 50 anos, Carrie Lam anunciou a proibição do uso de máscaras pelos ma-
Se houve algo que a crise de Hong Kong também tornou evidente foi a falta de ligação entre governantes e a população, queixosa da lentidão na resposta às suas necessidades. À cabeça das dificuldades está a falta de habitação a preços acessíveis, sobretudo para os jovens. Curiosamente, na imprensa oficial de Pequim, chegou-se a admitir que a crise de habitação em Hong Kong podia constituir o principal motivo dos violentos protestos anti-governamentais. De qualquer modo, com
Macau e Hong Kong – Terá futuro o “elevado grau de autonomia”?
Foi uma cerimónia muito concorrida a posse do novo Governo de Macau e Conselho Executivo. Foto: Gabinete de Comunicação Social de Macau.
a situação social bloqueada, pela persistência das manifestações, restou a Carrie Lam, num aparente atitude de boa vontade, abrir o diálogo com a população para tentar acabar com a conflitualidade. As suas explicações não conseguiram demover os que a contestavam. Depois de ter acedido a eliminar a lei da extradição, não estava em condições de ceder às outras quatro exigências dos contestatários, a saber: a instauração de um inquérito independente à acção policial nas manifestações, a libertação de activistas detidos, mais liberdades democráticas para Hong Kong e a demissão da própria Chefe do Executivo. Nos dias seguintes ao seu primeiro encontro com cidadãos, os tumultos continuaram e tudo se mantinha igual. O prometido diálogo não se repetiu. O que começou como um protesto contra a proposta de lei da extradi-
ção transformou-se num movimento pela democracia contra o que tem sido encarado como o aumento da influência de Pequim em Hong Kong, com vista ao controlo de todas as actividades, à semelhança do que sucede no resto do território chinês. Os manifestantes sustentavam que o princípio “Um País, Dois Sistemas” não é cumprido e exigem liberdade de manifestação e eleições democráticas. O Governo de Pequim respondia dizendo que as acusações eram infundadas, ao mesmo tempo que acusava governos estrangeiros de estarem a alimentar o protesto e os sentimentos anti-China no território. Mais uma vez, a China nunca se desvia do que considera essencial no funcionamento do regime. Sequelas que deixam marcas A prolongada crise em Hong Kong deixou sequelas que não se repercutiram apenas no território. A leitura política em Taiwan relacionada
com os acontecimentos de Hong Kong não foi certamente aquela que mais convinha a Pequim. A Presidente Tsai-Ing-wen foi taxativa na sua análise: “Taiwan não teria espaço para sobreviver se aceitasse a fórmula ‘Um País, Dois Sistemas’. Rejeitar a fórmula é o maior consenso entre os 23 milhões de habitantes de Taiwan, independentemente da filiação partidária ou posição política”. Enquanto a memória perdurar, vão manter-se as diferenças e as desconfianças. Em Macau, assumiu-se logo uma atitude de precaução para prevenir qualquer contágio. Não foi por acaso que, no seguimento de uma deslocação a Pequim, o novo Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, divulgou no território uma nota oficial em que se afirmava que “Macau tem de ficar imune a perturbações por ser uma cidade turística e, como tem por principal fonte de receitas o sector do turismo e do jogo, é necessário
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salvaguardar o bem-estar dos cidadãos”. Nesse sentido, agiu-se de imediato face a actos que as autoridades percepcionaram como ameaça. Houve quem visse nesse modo de agir uma “reacção exagerada”, contrária ao que estabelece a Lei Básica quanto a direitos, liberdades e garantias. No entanto, para os novos responsáveis, Macau deve iniciar a nova década numa linha de continuidade de manutenção da estabilidade social no território. Esta era também a garantia que davam ao Governo central. As sequelas em Hong Kong são profundas e, possivelmente, irreparáveis. Os protestos continuados devoraram os seus jovens, como escreveu Yonden Lhatoo, colunista do South China Morning Post. “É o fim da inocência da nossa juventude”, ressaltou, acrescentando: “O que observamos é uma geração com o coração cheio de ódio, mente radicalizada e sangue nas mãos.“ Segundo foi revelado pelo Governo de Hong Kong, um terço dos manifestantes detidos em Junho de 2019 tinha menos de 18 anos. Na altura, estes dados foram considerados “chocantes” pelo porta-voz do Governo que pediu aos pais e professores que apelassem aos jovens “para que não participassem em nenhum acto ilegal ou violento”. Contudo, o apelo não foi seguido. Em declarações no início de Dezembro, o novo chefe da Polícia de Hong Kong, Chris Tang, dava a conhecer que, no total do número de manifestantes detidos desde Setembro do mesmo ano, 43% eram estudantes, comparado com os 25% entre Junho e Agosto. A par disso, acentuou-se, e de que maneira, a animosidade dos “Hongkongers” para com os “Mainlanders” que se fixaram em Hong Kong. Ela já era latente com o crescente fluxo, após 1997, de cidadãos chineses continentais, a quem res-
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O Presidente Xi Jinping cumprimenta os membros empossados do Governo de Macau e do Conselho Executivo. Foto: Gabinete de Comunicação Social de Macau.
ponsabilizam pelo aumento do custo de vida, nomeadamente dos preços da habitação, que se tornaram proibitivos. Na crise gerada pela proposta de lei da extradição, o sentimento anti-China manifestou-se especialmente nas acções contra cidadãos que se exprimiam em mandarim, por suspeita da sua ligação à Mãe-Pátria. Também nos actos violentos ocorridos foram atacadas lojas de chineses supostamente originários da China Continental. A explicação para estas situações de confronto continuava a ser encontrada no insolúvel problema de identidade nacional de grande parte da população de Hong Kong desde longa data. Resultado eleitoral histórico O fim da crise tem sido o mais difícil de conseguir. E uma crise mal resolvida deixa sempre feridas. Na véspera de Carrie Lam fazer o discurso anual no Conselho Legislativo, em Outubro de 2019, o diário South China Morning Post alertou em editorial que, “sem uma solução política, é difícil ver como e quando as perturbações que afectam Hong Kong
chegarão ao fim”. Boicotada pelos deputados pró-democracia, Carrie Lam viu-se forçada a abandonar o hemiciclo. Dirigiu-se depois àquele órgão por intermédio de um vídeo. Ignorando as reivindicações da rua, procurou impressionar a população prometendo a construção de 10 mil habitações sociais em três anos com o apoio de um novo fundo de 5 mil milhões dólares de Hong Kong. Ceder às exigências dos manifestantes seria impensável para ela quando se sabe que Pequim não abdica do controlo do território à sua maneira. Tudo o que então disse Carrie Lam desapareceu rapidamente na voragem das manifestações que se mantiveram ainda mais violentas. Pensando que contribuía para uma qualquer solução da crise, assim não sucedeu. Optou por se apagar, assim como o Governo do território, deixando que as forças de segurança, com uma intervenção plenamente musculada, tomassem conta da situação. Ao chegar-se a este ponto, Pequim fez saber que não podia haver lugar a qualquer compromisso com os contestatários, como avisou em 18 de Novembro o Diário do Povo .
Macau e Hong Kong – Terá futuro o “elevado grau de autonomia”?
“O que estamos a assistir em Hong Kong é uma luta entre a preservação de “Um País, Dois Sistemas” e a tentativa de o destruir”, escreveu o jornal. A mensagem estava dada.
de Hong Kong quer democracia, em última instância, e não lha vai dar”.
No entanto, a maior surpresa surgiria a seguir: a vitória arrebatadora do campo pró-democracia nas eleições de 24 de Novembro para os conselhos distritais de Hong Kong. Foi uma clara derrota de Carrie Lam, depois de ter reclamado que tinha o apoio de uma “maioria silenciosa”, por oposição à contestação social então ao rubro no território. Na maior participação eleitoral de sempre (71%), o campo pró-democracia conquistou 87% dos votos – 389 eleitos em 452, passando assim a dominar 17 dos 18 órgãos locais. Segundo fonte do Governo central citada pelo South China Morning Post, em Pequim não se esperava tão severa derrota. Também o embaraço de Carrie Lam não podia ser maior, restando-lhe apenas aceitar os resultados. “O Governo de Hong Kong vai ouvir as opiniões dos membros do público com humildade e seriedade”, afirmou em comunicado.
De facto, Carrie Lam remeteu-se ao silêncio, não obstante os apelos na imprensa do território para dar um passo em frente no sentido da distensão política e social. Assim não sucedeu e o seu antecessor, CY Leung, confirmava a desconfiança dos observadores, ao referir que os protestos em massa não moveriam a China sobre as liberdades de Hong Kong. Oito dias após o sufrágio eleitoral, a que se seguira uma semana de relativa acalmia, assistia-se ao regresso em força das manifestações, com milhares nas ruas. A insatisfação mantinha-se e, aparentemente, tudo continuava na mesma.
Ao sublinhar que a eleição tinha sido realizada de “maneira pacífica, segura e ordenada”, Carrie Lam quis dizer também que acreditava que a grande maioria dos cidadãos compartilhava o seu desejo de que “a situação pacífica, segura e ordenada continue”. A questão, porém, estava em saber se seria capaz de entender a verdadeira mensagem do acto eleitoral: os cidadãos de Hong Kong queriam reformas políticas. Ora, duvidava-se que isso viesse a acontecer. Na opinião de Joseph Cheng, professor de Ciência Política da Universidade de Hong Kong, em comentário para o jornal inglês The Guardian, “Pequim vai continuar a adoptar uma linha dura e não vai fazer concessões – sabe que o povo
Pequim nomeia figuras de primeira linha
No entanto, a reacção de Pequim não tardou. Dois dias depois dessas manifestações, o número três da hierarquia do Partido Comunista, Li Zhanshu, a pretexto da comemoração dos 20 anos da RAEM, que enalteceu como um exemplo de sucesso do princípio “Um País, Dois Sistemas”, avisou Hong Kong que os resultados eleitorais não alterariam os planos de Pequim para as duas regiões administrativas especiais. Por isso, conforme vincou, o melhor seria dar atenção às políticas do Governo central e à Constituição da China. “As exigências do Governo central são as mesmas para Hong Kong e Macau”, acrescentou. A ausência de gestos por parte de Carrie Lam tinha justificação. A sua atitude estava em consonância com as autoridades centrais. Antes de empossar em Macau o novo Chefe do Executivo, Xi Jinping fez questão de receber Carrie Lam em Pequim para lhe reiterar apoio pela sua firmeza na defesa de “Um
País, Dois Sistemas”. Voltou a recebê-la em Macau, quando aqui esteve para as comemorações do 20º aniversário da RAEM. Não obstante os vários elogios da hierarquia chinesa a Macau pela sua exemplaridade, elogios esses mal acolhidos em Hong Kong, o Presidente chinês, ao encontrar-se com Carrie Lam em duas ocasiões, conferindo-lhe desse modo destaque, quis transmitir a ideia de tratamento igual para as duas regiões administrativas especiais, ainda que, por razões do calendário de Macau, as circunstâncias fossem diferentes naquele momento para cada uma. Se a Carrie Lam já fora pedido em Pequim para fazer muito mais para resolver a complexa crise em Hong Kong, alguma coisa mais teria de acontecer e a iniciativa só poderia partir da hierarquia chinesa. Assim, poucos dias após o regresso do Presidente Xi, Pequim surpreendia com a inesperada designação de Luo Huining para a sua representação em Hong Kong. Com provas dadas em gestão de crises, como sucedeu em Qinghai e Shanxi, a escolha do seu nome significava o reconhecimento de que a degradada situação no território requeria um alto responsável com perfil político, cortando deste modo com a tradição de escolher burocratas especializados nos assuntos das duas regiões administrativas especiais. Luo cedo mostrou que estava incumbido de uma missão política para intervir quando fosse necessário. Em Fevereiro, Pequim voltava a surpreender com a nomeação de Xia Baolong, um aliado de longa data de Xi Jinping e conhecido por ser um hardliner, para director do Gabinete dos Assuntos de Hong Kong e Macau junto do Conselho de Estado. Dadas as suas características políticas, a nomeação foi conside-
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As autoridades de Pequim reconhecem que a situação em Hong Kong comporta “desafios e riscos” para a China.
rada pelos analistas como uma indicação clara de que o poder em Pequim tencionava exercer maior escrutínio e controlo sobre todos os aspectos da vida de Hong Kong. Antigo secretário do Partido Comunista na província de Zhejiang, tornou-se em 2018 secretário-geral da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, o principal órgão consultivo do PCC, cargo que deixou em Maio de 2020. Sob os efeitos do Coronavírus Macau e Hong Kong não escaparam ao impacto do Coronavírus e cada administração teve de adoptar as medidas de prevenção que julgou mais adequadas às circunstâncias de cada território. Para Ho Iat Seng, acabado de iniciar funções, permitiu-lhe uma afirmação de liderança e, segundo a imprensa de Macau, fez-lhe granjear popularidade a forma efi-
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ciente como, com a sua equipa, procurou combater a epidemia. Em Hong Kong, após meses de encarniçada luta política contra o Governo local, colocava-se uma nova situação que obrigava a medidas de rigor das autoridades para travar a propagação do vírus com origem em Wuhan. Os problemas políticos ficavam suspensos e seguia-se outro desafio à população, o de acatar decisões de protecção à sua saúde. A tensão entre Hong Kong e o Continente reacendeu-se quando Carrie Lam, perante os temores de contágio dos Hongkongers, se viu na contingência de não só fechar a maior parte dos checkpoints fronteiriços com a China mas, também, de impor um período de quarentena de 14 dias a quem daí chegasse. Seriam apenas deixados abertos os pontos que asseguravam a passagem de alimentos e outras mercadorias indis-
pensáveis para abastecer o território. A dependência de Macau e Hong Kong dos abastecimentos chineses ainda é um elemento determinante na relação com a Mãe-Pátria. Nas suas constantes dificuldades para lidar com a situação em Hong Kong, a avaliar pela imprensa local, Carrie Lam alimentava a esperança de que o aparecimento do vírus e as implicações locais a ajudassem a melhorar politicamente a sua posição junto do poder central. No entanto, a mesma imprensa deu também indicações de que Pequim não estava contente com o seu trabalho no combate à epidemia, nem no resto. Tammy Tam, uma prestigiada colunista do South China Morning Post, insistia, num texto publicado em 3 de Maio, que Hong Kong precisava, mais do que nunca, de uma liderança forte, quando a China já exerce, sem rodeios, um papel activo de supervi-
Macau e Hong Kong – Terá futuro o “elevado grau de autonomia”?
Com a introdução na região da lei de segurança nacional, aprovada pelo Congresso Nacional do Povo, Hong Kong entra numa nova fase da sua vida.
são sobre o território. Provavelmente, nas actuais circunstâncias, é a situação que mais lhe convém para afirmar o seu poder de intervenção. Na verdade, Pequim não deixou passar a oportunidade de se ter gerado um sentimento de intranquilidade no território, devido à preocupação com o vírus, para retomar a questão da lei anti-subversão constante do Artigo 23 da Lei Básica. Aproveitando o Dia da Educação para a Segurança Nacional, a 15 de Abril, Luo Huining, seu alto representante em Hong Kong, manifestava numa comunicação pública o desejo de que aqueles que “amam a China e Hong Kong” sejam capazes de chegar a um consenso para que a referida legislação venha a ser aprovada e cumprida. “Se o formigueiro que corrói o papel do Estado de direito não for removido, o dique da segurança nacional será destruído e o bem-estar de todos os residentes de Hong Kong ficará danificado”, sublinhou ainda Luo Huining. Embora em menor escala, durante as restrições impostas pelo vírus, a agitação manteve-se com acções que desafiaram as au-
toridades. As palavras de Luo Huining não foram, porém, em vão. Três dias depois, ou seja, a 18 de Abril, a polícia detinha 15 proeminentes activistas pró-democracia, sob a acusação de terem organizado e participado em assembleias consideradas ilegais em 18 de Agosto e em 1 e 20 de Outubro de 2019. Foi uma operação sem precedentes. Lei de segurança aprovada em Pequim Na linha do endurecimento prometido, a liderança chinesa chegou à conclusão que o que não se consegue resolver em Hong Kong, resolve-se em Pequim. Contornando o Conselho Legislativo do território, praticamente paralisado, a China aprovou no Congresso Nacional do Povo, reunido em Maio na capital chinesa, uma resolução que impõe a Hong Kong uma nova lei de segurança nacional. Assim, proíbe-se “qualquer acto de traição, secessão, sedição, subversão dos poderes do Estado, terrorismo ou interferência estrangeira contra o Governo central”. Também se estipula que órgãos relevantes da segurança nacional do Governo central podem estabelecer
bases em Hong Kong. A resolução aprovada será incluída no Anexo III da Lei Básica, sem necessidade de ser acompanhada de legislação local. Segundo explicou o primeiro-ministro Li Keqiang, é intenção da China estabelecer um sistema legal sólido e mecanismos de aplicação para salvaguardar a segurança nacional em Hong Kong e, por igual, em Macau, embora este território não constitua motivo de preocupação para as autoridades centrais. Perante as reacções de grande preocupação em Hong Kong e na comunidade internacional, Carrie Lam afirmou que a imposição da nova lei não irá afectar a independência judicial ou as entidades legais de Hong Kong, acrescentando ainda que o propósito da China é resolver questões relacionadas com actividades ilegais que o Governo acredita estarem a interferir na segurança nacional. Continua, no entanto, a ser uma questão muito sensível o exercício das liberdades e direitos dos cidadãos. Para tranquilizar receios generalizados, a China, por intermédio do ministro dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, sentiu o dever de esclarecer que a legislação em causa “não teria impacto no elevado grau de autonomia de Hong
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Kong, nem nos direitos e liberdades dos residentes em Hong Kong, nem nos legítimos direitos e interesses dos investidores estrangeiros em Hong Kong”. Obviamente, nem tudo ficará igual.
rias as razões para admitir que cada qual procurará seguir o seu caminho com a vantagem das características em que se distinguem. Sendo avesso a riscos, Macau é único e não se deve pedir-lhe o que não pode dar.
Antes desta decisão drástica, constituía outro motivo de especial atenção do Governo central as eleições para o Conselho Legislativo, previstas para 6 de Setembro e adiadas por um ano, quase em cima do acto eleitoral, por decisão do Governo de Hong Kong. Certamente, não estavam esquecidos os resultados desfavoráveis das eleições para os conselhos distritais em Novembro de 2019. Para justificar a decisão, Carrie Lam, invocando poderes de emergência, alegou os riscos do coronavírus que o território ainda enfrentava. Disse ter recebido o apoio do Conselho de Estado. No entanto, os seus argumentos não convenceram meios ligados à oposição. O impacto em Hong Kong da aplicação rápida da nova lei de segurança nacional gerou tais tensões que a decisão de adiamento das eleições tem sido interpretada como mais um passo no reforço do poder de Pequim em Hong Kong.
O projecto integrador da Grande Baía constitui a aposta de grande fôlego da China para a criação de uma metrópole mundial com base nos territórios de Hong Kong e Macau e nove cidades da província de Guangdong. Até 2035, o Governo central pretende concretizar a integração por intermédio de políticas de educação, saúde, emprego, segurança social e facilidades de mobilidade fronteiriças. Conforme foi definido por Pequim, a cada qual, com as suas características e vocação, está atribuída uma tarefa no plano de desenvolvimento do projecto, mas, na sua condução, caberá a Shenzhen o papel de locomotiva, ao ser-lhe concedido pelo Presidente Xi, em Julho de 2019, o estatuto especial de modelo de reformas ousadas com “características chinesas”.
O que esperar do futuro? Enfim, a coincidência, no tempo, da crise política de Hong Kong com a designação do novo Chefe do Executivo de Macau acabou por proporcionar um debate sobre os anos já vividos sob a soberania chinesa e o futuro que se perspectiva. Duas regiões diferentes pela dimensão territorial e populacional, pelo passado histórico, pelas matrizes culturais, pelo potencial económico e financeiro, pelo entendimento sobre o seu posicionamento na realidade chinesa, pela interpretação que em cada uma se faz da aplicação de “Um País, Dois Sistemas”, pelo modo como cada sociedade encara a relação com a Mãe-Pátria – são vá-
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Macau ficará responsável por se posicionar enquanto centro mundial de turismo e lazer, bem como enquanto plataforma de serviços para a cooperação comercial entre a China e os países de língua portuguesa. Ao nível oficial e empresarial, é grande a esperança que o projecto dê um importante impulso ao desenvolvimento da economia local. E o que pode não correr bem? Durante a realização do primeiro Congresso dos Advogados de Macau, em Setembro de 2019, o seu presidente, Jorge Neto Valente, deixou o alerta: “A cooperação não pode significar a diluição de Macau e do seu sistema jurídico na Grande Baía. Só faz sentido a cooperação se Macau mantiver a sua identidade”. O que se promete, o que pode acontecer e o que se deseja que não acon-
teça fazem parte das dinâmicas da vida. O futuro de Macau, após 2049, tal como o de Hong Kong após 2047, não escapará a essa lógica, sabendose que o interesse nacional chinês suplanta o princípio “Um País, Dois Sistemas”, como se viu com a aplicação da nova lei de segurança às duas regiões. Até lá, ainda falta muito tempo mas a crise de Hong Kong permitiu tirar várias e importantes conclusões. A principal é que, antes que seja tarde, esta liderança em Pequim procura já contribuir com decisões e acções que tornem irreversível o cumprimento do objectivo final: a total absorção das duas regiões, de maneira a que a supremacia da China seja exercida segundo a sua plena vontade política. Daí a pergunta óbvia: em cada uma das regiões terá futuro o “elevado grau de autonomia”? Os cidadãos de Macau, Hong Kong e da Mãe-Pátria têm modos de vida bem diferenciados e, por isso, tem sido reafirmado pela hierarquia chinesa que o princípio “Um País, Dois Sistemas” foi instituído para honrar e proteger essas diferenças. Olhando para o que aconteceu em Hong Kong desde Maio de 2019, há outra pergunta que, obedecendo à mesma lógica, deve ser feita: podem os dois sistemas coincidir pacificamente quando a China está na ofensiva em relação à antiga colónia britânica? Pequim já respondeu dizendo que “elevado grau de autonomia”, como estipula a Lei Básica, nunca significou “total autonomia”. Em relação a Macau, ninguém duvida que dependerá sempre do interesse do Governo central querer ou não manter o território com identidade própria. Nota do editor: Este trabalho, produzido por um qualificado e conceituado analista, é um contributo sereno e sério para uma continuada reflexão e uma melhor compreensão duma questão muito relevante para o futuro das regiões administrativas especiais, em conformidade com o princípio “Um país, dois sistemas”.
Carta de Camilo Pessanha para ler nos cem anos da “CLEPSIDRA” (1920-2020) A música andou por mim, Fiz-me poema, também, O violoncelo trouxe versos Que deram vida a quanto escrevi, Fui além do que senti. Ao Oriente chegaram as palavras Por onde viajei, Naus e aves Foram canto e encanto Por quanto andei. Fiz-me poema, sim, À poesia sempre me dei, Sempre me dei sem fim. Do que vivi, Do que escrevi, Fica a viagem que o tempo me deu Para dizer que valeu a pena A poesia que em mim viveu. José Valle de Figueiredo
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O Ocidente profundo e o Oriente (re)emergente na Era da confrontação geopolítica Ronaldo G. Carmona Professor de Geopolítica da Escola Superior de Guerra (ESG – Brasil)
Dois entre os gigantes do mundo, China e Brasil poderão, através de diálogo multifacético em torno de grandes temas mundiais, dar uma contribuição relevante para a construção de uma nova ordem internacional, que atualmente passa por rápidas e enormes transformações. Apenas três decádas após um grande ponto de inflexão no sistema internacional – o desfecho da guerra fria, com a vitória do ocidente anglosaxão –, a promessa de um mundo regido por instituições e valores liberais, que supostamente se perpetuaria, se esvaiu, está esgotada. A em-
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polgação dos vitoriosos da guerra fria não resistiu à realidade marcada pela resiliência e centralidade dos Estados nacionais neste periodo que corresponde a nossa era histórica.
para abrigar este grande diálogo que a atual época histórica exige.
O presente artigo buscará apresentar um panorama destas grandes mudanças ocorridas na ordem internacional nas últimas três décadas, a partir de uma leitura geopolítica. Concluirá observando a necessidade, apoiada na história sino-lusobrasílica, de promover um reencontro das duas grandes civilizações do Ocidente e do Oriente, na qual Macau poderá ter seu papel renovado
Nas três décadas que vão dos episódios de 1989-1991 até este 2020 – marcado pela grave pandemia em escala mundial –, assisitimos inicialmente, sua inauguração com a euforia liberal que inaugurou a breve pax americana com força sem igual na última década do século XX.
Três décadas de transformações no cenário geopolítico mundial
Foi o periodo em que que os Estados Unidos e seus aliados promo-
O Ocidente profundo e o Oriente (re)emergente na Era da confrontação geopolítica
veram um processo de globalização sem freios, objetivando derrubar barreiras ao comércio de bens e serviços e a propagar a ideologia da redução do papel indutor do Estado no desenvolvimento nacional – sem reduzir, contudo, ao contrário, ampliando, seu próprio Poder nacional. No plano do poder duro, as eras Bush e Clinton trataram de consolidar posições preparatórias ao que alguns denominariam como novo século americano, ou seja, ao prolongamento, por um novo periodo histórico, da hegemonia sistêmica norte-americana emergida ainda ao final da primeira guerra mundial, com o declínio inglês e a troca de guarda no sistema internacional. A primeira Guerra do Golfo, em 1990-1991, a inaugurar o pós guerra fria, marcaria também o início da desestabilização de regimes laicos e seculares no Oriente Médio, em linha com o idealismo cosmopolita-liberal que embalava o Ocidente anglo-saxão e seus aliados europeus por impor cópia de seus sistemas políticos e econômico a todo o globo. Os genocidios de Ruanda em 1994 e em Srebrenica em 1995, intensificaram essa cruzada, caracterizando uma espécie de imperialismo humanitário durante o periodo de Bill Clinton. Contudo, o periodo expansivo da pax americana, podemos dizer, após seu auge na última década do século XX, sofreu duas contestações de vulto em episódios ocorridos em 2001 e em 2007-2008. A virada de século, assim, trouxe as primeiras consequências de vulto à “eternização” pretendida na vitória anglo-saxã na guerra fria. Os atentados de 11 de setembro de 2001 no coração dos EUA acabaram por
marcar uma reorientação da geoestratégia da superpotência para o combate ao terrorismo, intensificando assim, sua campanha de desestabilização de governos no vasto cinturão geográfico que vai do Norte da África às bordas da China a Oeste. A crise financeira de 2007-2008, eclodida ao final da presidência de George W. Bush impactaria fortemente o início do periodo de Barack Obama, cuja eleição, aliás, teria dado novo alento à narrativa cosmopolita-liberal. Contudo, a gravíssima crise financeira, produto da financeirização sistêmica representada pelo crescente hiato entre riqueza fictícia e produção material, demonstrou-se como uma segunda grande contestação à euforia liberal inaugurada ao terminio da guerra fria. Nesse mesmo periodo, mais precisamente em 2008, outro episódio de vulto, a chamada guerra da Georgia, marca o início da reação da Rússia à tentativa de cerco e aniquilamento que seguiu ao fim da URSS. Como se lê em Brzezinski e é sugerida por outros estrategistas norteamericanos, a balcanização do território russo e de sua área geográfica de influência seria o golpe final na grande Rússia. Aqui é preciso compreender uma questão tão profunda quanto perene no pensamento geoestratégico estadunidense. Desde Mackinder, passando por Spykman e seu discipulo Kennan, até Bzezinski, o receio de expurgo da presença estadunidense na Eurásia por uma coalizão de potências hostis e o consequente isolamento insular dos Estados Unidos1 constitui o núcleo da preocupação do pensamento geopolítico clássico anglo-saxão.
Não por acaso, imediatamente ao final da guerra fria, em 1992, o documento Defense Guidance Planning anuncia ser o impedimento à conformação de grandes potências potencialmente hostis, objeto geoestratégico prioritário no periodo que se abria após a vitória na guerra fria. Não por acaso: desde os inssucessos das invasões holandesas e francesas no Brasil colônia ainda no século XVII, passando por Napoleão e depois de Hitler no assédio à grande Rússia, e depois na impossibilidade do agressor japonês efetivamente ocupar a China na segunda guerra, a experiência geoestratégica demonstra que grandes massas territoriais, com grande população, não possibilitam domínio e ocupação colonial convencional. Por isso, dividir e fraturar grandes massas territoriais foi objetivo de grandes potencias rivais ontem, hoje e também o será amanhã. A segunda década do século XX Efetivamente, as duas grandes contestações à pax americana na primeira década do novo século (2001 e 2007/2008), prenunciariam as mudanças de vulto que seguiriam na segunda década do século XXI. Desde 2006, o surgimento de um fórum de dialogo entre quatro “países-monstro” (monster countries) – para utilizar de consagrada expressão de George Kennan –, os BRICs, inicialmente de uma forma (relativamente) discreta à margem da Assembléia Geral da ONU, soaria um sinal de alerta ao dito acima quanto a prioridade geoestratégica da grande superpotência vitoriosa na guerra fria.
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E antes, da Inglaterra em relação ao continente europeu.
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O início da segunda década do século XXI acentuaria o perfil revisionista (contestador) dos BRICS2 em relação à ordem liderada pelos Estados Unidos. A reunião de Cúpula dos BRICS em Fortaleza em 2014, em especial, é o auge desta orientação revisionista dos BRICS em relação à ordem internacional vigente3. Destaca-se naquela reunião, que o fórum transmuta-se de um espaço político – fundamentalmente voltado a declarações e pronunciamentos políticos – para a construção efetiva de instrumentos de contestação à ordem internacional, sobretudo por meio das decisões de criação, em Fortaleza, do Banco dos BRICS e do fundo de reserva, com potencial transformador da ordem global. O sinal de alerta no status quo do poder mundial já tinha sido ativado. Antes, em 2013, iniciou-se, aparentemente por razões endógenas – e certamente por razões exógenas que ainda estão por serem melhor identificadas –, um forte movimento de desestabilização do então governo brasileiro, em eventos ocorridos em junho de 2013 e que, de fato, deflagrariam um periodo de crise e divi-
são nacional no gigante da América do Sul, que rigorosamente, persiste até o momento atual. O resultado é conhecido: a neutralização temporária do ativismo geopolítico do Brasil. Contudo, as manobras não lograram deter as mudanças no cenário geopolítico global. Da re-emergência da China ao mal estar com a globalização A segunda década do século XXI marcaria a notável e irreparável (re)ascensão chinesa, deflagrada pelas decisões tomadas inicialmente na histórica Terceira Sessão Plenária do 11º Comitê Central do Partido Comunista da China, reunido em dezembro de 1978. Não se deve subestimar, ao contrário, o contexto internacional que viabilizou espaço (margem de manobra) para as decisões chinesas relativas ao início da política de reforma e abertura. Refiro-me à monobra geopolítica, proposta por Kissinger e executada sob a presidência de Nixon, quando no início dos anos 1970, os Estados Unidos, aproveitando-se do contencioso ideológico sino-soviético, distencionou suas relações com Pequim, no simbólico campeonato de pingue-pongue entre as
equipes da China e dos Estados Unidos em 1971, e no ano seguinte, na visita do presidente Nixon ao presidente Mao. Os anos 1970, pois, em eventos ocorridos em seu início (1971-1972) e no seu final (1978), um de natureza exógena, outro endógeno à China – este, derivado de maior margem de manobra possibilitado pelo primeiro –, marcaram o arranque exponencial da República Popular da China ao posto de maior economia do mundo, resultado iminente que estamos por observar. Cabe ressaltar que antes, ainda que em menor escala, o Brasil já havia experimentado este salto exponencial. No século XX, a partir da Revolução de 1930, o Brasil tinha percorrido trajetória que, em escala aproximada, também resultou por alterar substancialmente as bases de seu Poder nacional. A política de reforma e abertura chinesa, por quatro décadas, aproveitou-se de movimento sistêmico que incluiu as esferas geopolítica – a manobra por cindir os dois gigantes eurasiaticos no início dos anos 1970 – e outra geoeconomica – o deslocamento produtivo das fábricas do ocidente em relação à própria China –,
_________________ 2
Já com o “S” de South Africa, em representação ao continente africano.
3
Ver CARMONA (2014).
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O Ocidente profundo e o Oriente (re)emergente na Era da confrontação geopolítica
O BREXIT – a saída da Grã-Bretanha da União Europeia –, aprovado por pequena margem em junho de 2016 (51,8% a 48,2%), é a manifestação mais forte de um fenomeno mais amplo: a profunda crise da globalização liberal – cuja primeira manifestação de peso ocorrera na citada crise de 2007-2008 – com a reafirmação dos velhos e atualissímos princípios westphalianos quanto ao primado do Estado nacional, que a ilusão liberal do pós guerra fria ousou contestar. O BREXIT também é o maior golpe já desferido à União Europeia, antiga aspiração liberalinstitucionalista de construção de uma governança supranacional no velho continente. para promover uma notável (re)ascensão, provavelmente sem igual na história mundial. Ressalte-se que o “re” acoplado à palavra ascensão não é mero acessório, uma vez que a China retorna ao posto de grandeza que caracterizou-a até as agressões externas na Guerra do Ópio, que iniciou um século e meio de assédio estrangeiro, interrompido de fato com a Revolução de 1949. O fato é que condições sitêmicas – isto é, margem de manobra permitidas por razões exógenas –, combinadas com decisões autonomas da liderança chinesa, derivada de decisões endógenas – corrigem o periodo de caos interno anterior – Grande Salto Adiante e depois, a Grande Revolução Cultural Proletária –, e permitem à China apropriar-se da globalização para fortalecer sem igual as bases de seu Poder nacional.
parte dos países em desenvolvimento, desconstrução de suas economias nacionais. Estas assimetrias da globalização não tardariam pois a materializar-se em efeitos político de vulto. Assim, do ponto de vista da evolução recente do cenário geopolítico global, dois efeitos políticos de grande peso ocorrem ao iniciar a segunda metade da segunda década: o chamado BREXIT na Grâ-Bretanha e a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos.
A eleição de Donald Trump, em novembro de 2016, sob o slogan AMERICA FIRST, consolidaria a primazia de uma nova tendencia na situação internacional, da centralidade dos projetos nacionais em oposição ao idealismo liberal surgido, como dissemos acima, ao final da guerra fria. Contudo, a eleição de Trump eleva qualitativamente a opção pela confrontação com a China – tomada originalmente por seu antecessor, Barack Obama ainda nos primeiros anos de sua presidencia, no que fi-
Contudo, os efeitos da globalização foram absolutamente assimétricos em termos globais. Nos países desenvolvidos, em especial em antigas áreas industriais, alguns de seus efeitos mais perversos derivaram em desemprego e desesperança. Em boa
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cou conhecido na literatura com a política do “pivot to Asia”. Com Trump, há portanto esta elevação exponencial da opção pela confrontação, em especial a partir da deflagração da chamada guerra comercial em março de 2018. A rigor, trata-se de uma guerra voltada a contenção da ascensão do poder nacional chinês em multiplas esferas. De fato, resulta numa atualização, desta vez com foco na China, da velha estratégia do containment concebida ao início da guerra fria por George Kennan para o enfrentamento da União Soviética. O quadro de confronto sistêmico entre as duas grandes potências mundial, não obstante, exigem reflexão sistemática quanto às suas causas, visando medidas mitigadoras de seu agravamento, tendo em vista ajustes que permitam a convivência relativamente harmonica de opções nacionais distintas. Não consta que a China busque um expansão ideológica mundo a fora. Isso difere, essencialmente, a atual confrontação daquela observada no periodo da guerra fria. Na busca de uma cooperação pragmática, que busque ao mesmo tempo permitir que as nações conservem seus valores, identidades e aspirações ao desenvolvimento, e por outro lado instituam um ambiente harmonico no plano internacional, é que duas grandes civilizações podem desenvolver diálogo profícuo visando estes grandes objetivos. O Ocidente profundo e o Oriente emergente no novo cenário geopolítico Localizados nas duas extremidades geograficas do globo terrestre, um ao sul do hemisfério ocidental e o
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outro ao norte do hemisfério oriental, Brasil e China possuem, por óbvio, diferenças significativas, mas também surprendentes identidades históricas e contemporâneas. O Brasil é o herdeiro direto da tradição e do legado de pensamento estratégico que inaugurou a era moderna, quando as Caravelas partiram ainda no século XV rumo ao Oceano desconhecido, numa ousadia até então sem precedentes. Motivou Dom Afonso Henrique e seus sucessores, primeiro, o idealismo – a fé católica –, a partir da qual – no contexto do espírito da época – se transbordaria civilização
aos povos do mundo. Mas também a aspiração da prosperidade material para o povo português, confinado na extremidade geografica da peninsula europeia e com o acesso ao Oriente dificultado à leste. Destaca-se a apurada visão geoestratégica do português, que na construção do primeiro Império de dimensões realmente mundial, buscou ocupar os pontos de estrangulamente ou de passagem pelas mais importantes rotas de navegação, dentre eles o até hoje fundamental Estreito de Malaca. Mas é em Macau onde o Império Português, teria o ponto de contato
O Ocidente profundo e o Oriente (re)emergente na Era da confrontação geopolítica
Para o Brasil, no âmbito da atualização da reflexão sobre seus desafios geopolíticos no século XXI, destacase o resgate de suas origens profundas, cuja localização mais remota localiza-se no projeto da escola de Sagres. Projeto que hoje poderá se renovar a atualizar no Brasil como representante do Ocidente profundo, aquele que precedeu, na cultura e na estratégia, os anglo-saxões.
de civilizações: a chinesa, com seu largo desenvolvimento percorrido, já à altura, por milhares de anos e a portuguesa, produto por sua vez da mestiçagem na extremidade da península europeia. Civilização mais recente que se realizaria inicialmente por um presença territorial ao largo do mundo e enfim, na contemporaneidade, no colosso sul-americano herdeiro desta tradição mais profunda. O intercambio sino-luso-brasileiro ao longo dos séculos, deixou marcas profundas nestes povos. Não por acaso, os escritos daquele que é o
principal interprete da formação social brasileira, Gilberto Freyre, foram reunidos numa antologia denominada China Tropical – e outros escritos sobre a influência do Oriente na cultura luso-brasileira, em 1997, por ocasião do centenário do nascimento do escritor brasileiro. É vasta a contribuição da milenar civilização chinesa à cultura brasileira contemporanea, tão bem descrita por Freyre. Macau, por sua vez, em seus cinco séculos de existência deixou marcas profundas e inapagável deste intercambio civilizatório para o povo chinês.
Inspira os brasileiros a visão do Padre Vieira, que na sua História do Futuro, antevia o destino-manifesto brasílico do Vº Império. Na atual quadra geopolítica, marcada pela ascensão – re-ascensão, como dissemos –, do Império do Meio, cabe os dois colossos, Brasil e China, que laços profundos cultivam desde séculos, e na contemporaneidade possuem fortes laços economicos, desenvolverem ativo dialogo em torno da organização de uma outra globalização. Macau, espaço desse encontro das duas grandes civilizações, é espaço sem igual para a necessidade de nossa época histórica.
Referências bibliográficas BREU FREIRA, Antonio de. O Padre Antonio Vieira no Maranhão e o messianismo do Quinto Império. Junho de 2017. BRZEZINSKI, Zbigniew. El gran tablero mundial – La supremacia estadunidense y sus imperativos geoestratégicos. Paidós. Barcelona, 1998. CARMONA, Ronaldo. “Geopolítica clássica e Geopolítica brasileira contemporânea: Mahan, Mackinder e a “grande estratégia” do Brasil para o século XXI”. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo (USP), 2012. CARMONA, Ronaldo. O retorno da Geopolítica: a ascensão dos BRICS. Revista Austral. Porto Alegre, EdUFRGS, 2014. KENNEDY, Paul. Ascensão e Queda das Grandes Potencias: transformação econômica e conflito militar de 1500 a 2000. 2ª ed, Rio de Janeiro: Campus, 1989. NERY DA FONSECA, Edson (org.). Gilberto Freyre. China Tropical. Imprensa Oficial / Editora UnB. São Paulo, 2003. RANGEL, Alexandra Sofia. Filhos da Terra. A comunidade macaense, ontem e hoje . Coleção Suma Oriental, Instituto Internacional de Macau. SPYKMAN, Nicholas J. Estados Unidos frente al mundo. Fondo de Cultura Econômica, Ciudad de México, 1944.
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As iniciativas de diplomacia desportiva na (re)entrada da China no sistema internacional Jorge Tavares da Silva Docente convidado na Universidade de Aveiro/Mestrado em Estudos Chineses e Mestrado em Ciência Política Investigador associado na Unidade de Investigação em Governança, Competitividade e Políticas Públicas (GOVCOPP)
“Ganhar ou perder é temporário; a amizade é eterna” Ditado chinês moderno
Introdução Muitos autores têm olhado para o desporto como um importante meio para a compreensão entre os povos e mesmo um instrumento de paz. No entanto, não deixam de existir também múltiplos exemplos de eventos desportivos como manifestação de poder das nações, instrumentos de propagação política ao serviço de poderosas ditaduras. Os Jogos Olímpicos de Berlim em 1936 são o exemplo desta realidade. Entre os críticos, encontramos George Orwell, não tendo contemplações ao afirmar a competição desportiva como estando ligada ao “ódio, ciúme, vaidade”, testemunho de violência, uma “guerra sem tiros”1. A verdade é que múltiplos são os exemplos que nos mostram como o desporto pode abrir barreiras políticas entre governos, levando a que povos desavindos interajam pacificamente entre si. Já na antiguidade clássica os eventos desportivos, par-
A visita da equipa de Ténis de Mesa (PinguePongue) americana à Grande muralha, capa da revista Time (26 de abril de 1971, Vol. 97 No. 17).
ticularmente os Jogos Olímpicos, serviram como fator de socialização e “transcenderam” as divisões políticas entre as cidades-estado. Muitas vezes foram usados como instrumentos diplomáticos na tentativa de aproximação de povos. Estamos aqui perante o que se considera de diplomacia informal, não governamental (embora, por vezes, gerido
indiretamente por governos), também designada de track two2, peopleto-people, citizens diplomacy, etc. Dificuldades de conceptualização levaram Louise Diamond e John W. McDonald a alargar as dinâmicas diplomáticas a um sistema multitrack (multinível)3 onde naturalmente se enquadram as dinâmicas desportivas, cujos objetivos vão muito “para além do jogo”4. A desconfiança, a falta de comunicação, a hostilidade das opiniões públicas e as barreiras criadas são muitas vezes quase intransponíveis5. Os governos não conseguem diretamente superar estas dificuldades, recorrendo a formas alternativas (informais) para estabelecer contactos. Neste sentido, a cultura ou o desporto podem dar um importante contributo. Assim aconteceu na República Popular da China (RPC), quando o desporto serviu para abrir diálogos com o mundo do “bloco ocidental”, no contexto da guerra fria. Após a implantação da RPC, em 1949, os Estados Unidos abriram uma frente de não reconhecimento deste país, ficando os seus 800 milhões de habi-
_________________ 1
ORWELL, George (1945), “The Sporting Spirit”, Tribune, 14 de dezembro, p. 10.
2
Expressão inspirada nas primeiras conferências de Citizen Diplomacy (1981-1987), organizadas por James Hickman e Jim Garrison Cf. GARRISON, Jim et al (1989), The New Diplomats – Citizens as Ambassadors for Peace. Devon: Green Books.
3.
Cf. DIAMOND, Louise; MCDONALD, John W. (1996), Multi-Track Diplomacy: A Systems Approach to Peace. West Hartford: Kumarian Press.
4.
MURRAY, Stuart (2018), Sports Diplomacy, p. 1.
5.
BERRIDGE, G. R. (1994), Talking to the Enemy, p. 13.
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As iniciativas de diplomacia desportiva na (re)entrada da China no sistema internacional
de terceiros (mediadores) – contactos ditos informais entre partes que não se reconhecem. Foi o que aconteceu entre a RPC e os Estados Unidos, iniciados secretamente em Genebra, em 1954, depois em Varsóvia, em 1958, e finalmente em Paris, em 19718. A embaixada de Varsóvia vai servir para os contactos entre as partes, interessadas em estabelecer diálogos concretos entre os dois governos9.
Capa da revista The American Legion (outubro de 1971), numa análise à diplomacia de pingue-pongue, motivações e consequências.
tantes fora do sistema das Nações Unidas. A China comunista não tinha relações diplomáticas formais com a maior parte dos países aliados dos EUA, incluindo Portugal. Por outras palavras, em termos reais, a RPC não existia como entidade política para uma maioria de sujeitos do sistema internacional. Embora possuindo basilarmente um território, um povo e um governo soberano, faltava-lhe o reconhecimento formal6. Os Estados Unidos tinham apenas um consulado em Hong Kong mais para assegurar interesses económicos7. Ainda assim, são possíveis de estabelecer – por vezes com a ajuda
Do ponto de vista governamental, até ao início da década de 1970 a China estava isolada do resto do mundo, incluindo a União Soviética. Estava fisicamente cercada por inimigos e muitos dos seus parceiros comunistas não tomam partido na cisão que se tinha aberto com Moscovo (conflito sino-soviético). O isolacionismo deveu-se, por um lado, ao contexto ideológico e revolucionário alimentado por Mao no seu território; por outro, ao ostracismo votado pelas potências ditas ocidentais ao gigante comunista10. A década de setenta do século passado vai trazer um novo contexto de aproximação da China aos Estados Unidos e, por sequência, aos seus aliados. Inicia-se uma vaga de iniciativas informais de reaproximação aos “velhos inimigos”, particularmente através de diplomacia desportiva. Por outras palavras, a China procurou criar um ambiente harmonioso que facilitasse os processos políticos. Na linguagem de Joseph Nye, estas não foram mais do que dinâmicas de soft power11, a capa-
cidade em conseguir o que deseja – perspetiva tradicional de poder – pela via da atração, em vez da coerção. O desporto facilita os processos de socialização, eliminação de barreiras psicológicas e ajuda na representação da ideia si no outro de forma positiva. O presente texto visa demostrar como o desporto foi um dos instrumentos utilizados informalmente pelo governo chinês para uma entrada progressiva no sistema internacional. Destacamos três casos representativos de diplomacia desportiva usados pela China, ocorridas na década de 1970. Trata-se de uma ilustração de como o desporto serviu para abrir o caminho da comunicação e contribuiu para o apaziguamento de tensões. A Diplomacia Ping-Pong nas Relações Sino-Americanas Um dos exemplos de diplomacia track two mais conhecidos é precisamente a “diplomacia de pingpong”, que visou uma melhoria nas relações de Pequim com Washington. No início da década de 1970 estava em andamento a fase do desanuviamento (1962-1975), que trouxe medidas de apaziguamento pelas duas partes. Em outubro de 1967, Richard M. Nixon já tinha dado também um sinal de abertura quando escreveu na revista Foreign Affairs que a China não poderia ficar de fora da família das nações para sempre, nem a sua população ficar sujeita a um “isolamento de raiva”12.
_________________ 6.
MACHADO, Jónatas E.M. (2013), Direito Internacional, pp. 248-254.
7
.
8.
BERRIGE, G.R. (1994), Talking to the Enemy, pp. 79-94
9
.
10.
MACMILLAN, Nixon and Mao, p. 105. MACMILLAN, Nixon and Mao, pp. 162-174. VAISSE, Maurice (1997), As Relações Internacionais desde 1945, p. 117.
11
NYE, Joseph (2004), Soft Power, p. x.
12
NIXON, Richard (1967), “Asia after Viet Nam”, p. 121.
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Os jogadores Glenn Cowan (à direita) e Zhuang Zedong (à esquerda) à saída do autocarro da equipa chinesa, em Nagoya, Japão, em 6 de abril de 1971. O jogador americano tinha entrado por engano na comitiva estrangeira, incidente que se reverteu numa oportunidade para o estabelecimento de laços de amizade, que se estendeu à troca de presentes. Fonte: Xinhua.
Estava empenhado, juntamente com Kissinger, a terminar a guerra do Vietname, conflito que era considerado “uma espinha na garganta da nação”13. Assim, em 1969 dá-se uma retirada significativa de tropas americanas do Vietname e a 7ª esquadra abandona o estreito de Taiwan. Do lado chinês, os discursos de Mao Tsé-tung travam nas investidas contra os Estados Unidos, tirando proveito de entrevistas com o jornalista Edgar Snow para promover a sua imagem e pensamento nos Estados Unidos14. Em 1969, Mao convida este jornalista para assistir ao seu lado à grande parada militar do 1 de outubro, em Pequim, mais um importante sinal dado aos americanos. A política de intransigência no contacto com americanos seria alte-
rada. Ambos os lados pretendiam elevar os diálogos para um patamar mais elevado, mas a falta de relações políticas diretas e a insegurança face ao contexto de guerra fria dificultava as ações. O desbloqueio teria de ser dado de forma gradual, com pequenos sinais e iniciativas oferecidas ao outro interlocutor. O risco era elevado, qualquer mal-entendido poderia reverter o processo e ter custos políticos. É neste quadro que surge a diplomacia desportiva chinesa, um “passo de desbloqueio” capaz de dar engrenagem de comunicação informal e sinais de confiança ao outro interlocutor. Assim, em 6 de abril de 1971, surge o convite de uma equipa de pingue-pongue chinesa à seleção de pingue-pongue
_________________
50
13
HERRING, George C. (2010), A Guerra do Vietname, pp. 305-310.
14
SNOW, Edgar (1971), “A Conversation with Mao Tse-Tung”, pp. 48-49.
15
TUCKER, Nancy Bernkopf (2009), Strait Talk. p. 39.
16
CHEN, Jian (2001), Maos s China and Cold War, pp. 259.
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americana para fazer uma visita à China. O cenário foi o World Table Championship, que decorreu em Nagoya, no Japão, e onde as equipas dos dois países tiveram oportunidade de se conhecerem, trocar impressões e presentes15. No início daquele ano, Koji Goto, presidente da Associação de Ténis de Mesa japonesa tinha estado na China a convidar os chineses a participar no campeonato de Nagoya. A participação da equipa chinesa tinha efeitos políticos e tinha de ser avaliado, tendo em conta que nenhuma equipa desportiva chinesa até ao momento tinha participado num grande evento internacional. Embora não houvesse unanimidade interna no PCC, Mao e Zhou decidiram que a equipa deveria participar. O pingue-pongue era o desporto mais popular no país e não tinha ainda havido a possibilidade de integrar grandes eventos internacionais. Esta participação provocou uma euforia nacional, raro de assistir quando o país vivia ainda no tempo da Revolução Cultural16. O treinador da equipa americana, Graham Steenhoven, perguntou a um delegado da equipa chinesa, Song Zhong, se era possível visitar a China para aprender com os jogadores chineses. Esta informação foi reportada à China que analisou aquela possibilidade. Entretanto, a entrada por engano de um jogador americano, Glenn Cowen, no autocarro da equipa chinesa, seria de feliz consequência. A imagem do americano a ser transportado com a equipa chinesa passou para a imprensa,
As iniciativas de diplomacia desportiva na (re)entrada da China no sistema internacional
criando um impacto positivo na opinião pública. Os sinais positivos vindos de Nagoya talvez tenham ajudado Mao a decidir pelo consentimento para a visita da equipa americana à China, sendo a mensagem enviada para o Japão. A Casa Branca informada do sucedido, deu imediatamente aprovação para se fazer a visita, que recebeu forte cobertura mediática. O governo americano aceitou e a 14 de abril o primeiro ministro Zhou Enlai dava as boas vindas à equipa americana, amplamente noticiado nos meios de comunicação social internacionais. Segundo Zhou, a visita abriu uma “nova página” nas relações sinoamericanas. Esta iniciativa contribui quase imediatamente para o derrube de barreiras políticas entre a China e Washington, incluindo o fim do embargo comercial que tinha durado vinte e dois anos. Este novo contexto abriu as portas para a visita de Nixon à China em 1972, preparada com todo o cuidado por Henry Kissinger. O responsável pela segurança americana faz uma visita secreta em outubro de 1971 para preparar os contactos com os responsáveis políticos chineses. Neste mesmo ano a Assembleia Geral da ONU aprova o reconhecimento da RPC, em detrimento da República da China (Taiwan), que terá de “ser expulsa” da organização, segundo uma proposta da Albânia. No final da década os EUA e a RPC estabelecem relações formais, tendo a China consolidado a sua participação na comunidade internacional.
A equipa de futebol do Cosmos de Nova Iorque realiza um jogo amigável em Pequim, em 1977. Faziam parte da equipa americana Pelé, Carlos Alberto e Beckenbauer.
A visita do Cosmos à China em 1977 Depois do sucesso da “diplomacia de pingue-pongue”, a China desenvolve intercâmbio desportivo com maior intensidade com muitos países. Em 1972, equipas de pinguepongue da Tailândia, malásia e Filipinas visitaram o país, abrindo novas relações diplomáticas com o sudeste asiático. Em 1973, uma equipa de futebol do Líbano competiu na China e em 1974 uma equipa do Uganda, incluindo uma gestão cuidada de resultados para não ofender a equipa visitante. A China inicia também nesta altura um conjunto de apoios à construção de infraestruturas desportivas em países pobres, particularmente em África17. Entre os convites a equipas estrangeiras para visitar a China, destacase a equipa americana do Cosmos, em 1977. Fazia parte do plantel o mais famoso jogador de futebol de todos os tempos, Edson do Nasci-
mento, conhecido por Pelé. A visita serviu de despedida do jogador da atividade profissional, sendo acompanhado por outras lendas do futebol, tais como Carlos Alberto e Franz Beckenbauer. Foram organizados jogos amigáveis com uma equipa de Xangai e de Pequim18. A China estava a dar os primeiros passos nas competições internacionais. A China tinha sido retirada da FIFA e do COI na década de 1950, ficando a atividade desportiva limitada ao “bloco soviético”. A nova conjuntura trouxe integração da China na Confederação Asiática de Futebol (AFC), em inglês Asian Football Confederation. Em 1976, participa pela primeira vez na Taça AFC, o primeiro torneio internacional desde 1949. Há uma clara transformação da política externa chinesa, frutos de todas as dinâmicas de aproximação do país ao mundo não soviético. Contribuíram também o aparecimento de novas lideranças políticas.
_________________ 17
WANG, Guanghua (2003), “Frindship First”, pp. 147-148.
18
ROSS, Daniel (2017a), “The first western club to tour China”.
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Desde o início de 1977 que os Estados Unidos eram governados pelo Presidente Jimmy Carter, empenhado no reforço da cooperação com a RPC19.Os destinos políticos da China passariam em pouco tempo para as mãos de Deng Xiaoping, igualmente empenhado no bom relacionamento com os americanos. Deng era também um apreciador de futebol, desde que assistira à final de futebol nos Jogos Olímpicos de Paris, em 1924, quando residiu em França20. Para os jogadores do Cosmos, a entrada na China criou um forte impacto, revestia-se de mistério e surpresa. Era, na altura, o “país das bicicletas”, com as pessoas todas vestidas de igual, sem luxos para oferecer aos jogadores da elite mundial. As bancadas do Estádio dos Trabalhadores (Gongti), em Pequim, repletas, com 80 000 pessoas, no mais absoluto silêncio, foi um dos aspetos que mais impressionou os jogadores. Quando o altifalante dava a “ordem”, soltava-se um aplauso efusivo e sincronizado. Ainda imperava o ambiente herdado da Revolução Cultural, e do culto do desporto de massas, uma importante estratégia do governo de promoção da cultura nacional21. Do ponto de vista desportivo, o futebol chinês era amador, composto por operários, imbuído ainda no espírito revolucionário. Num modelo que lembraria a Roma Imperial, a mulher de Mao, Jiang Qing mobilizava batalhões de jovens para encher o Estádio dos Operários como se fosse um circus maximus.
De forma a preservar o misticismo da sua imagem, não era Mao mas era Jiang que aparecia nas sessões de massas. Era frequentemente acompanhada por convidados estrangeiros, normalmente diplomatas22. O desporto de massas ganharia ainda maior expressão após a morte de Mao e a prisão do “gangue dos quatro”23. O jogo acabaria num empate, visto por alguns críticos da altura como um “empate diplomático”, embora Beckenbauer tenha feitos rasgados elogios à condição física e entrega do adversário. Em Xangai, a equipa americana perderia o encontro por 2-1. Esta fase de “degelo”, das relações políticas internacionais, após a turné do Cosmos, equipas da Itália (Inter de Milão) França e Inglaterra, como, por exemplo, West Bromwich Albion, deslocaram-se a este país do oriental24. Neste quadro de diplomacia desportiva, inclui-se também uma deslocação de uma equipa portuguesa, concretamente o Sporting Clube de Portugal (SCP). O Sporting na China em 1978 Mao Tsé-tung terá dito um dia que Portugal “foi o único país da Europa que permaneceu na China sem lhe ter feito guerra”25. Pese as relações relativamente cordiais entre os dois países, o governo português não reconheceria a RPC até ao final da década de 1970. O advento da Revolução dos Cravos trouxe um novo clima para o estabelecimento de cooperação, motivado por múltiplos
fatores internacionais, particularmente a aproximação entre Pequim e Washington. Em 27 de março de 1975 encerra a embaixada da ROC em Portugal, um elemento decisivo para o avançar dos diálogos. Seguindo a lógica da “diplomacia de Ping-Pong”, também a reaproximação sino-portuguesa passou por um conjunto de iniciativas simultâneas. A Organização das Nações Unidas (ONU) foi uma das vias utilizadas nesta fase inicial, particularmente através de Veiga Simão, o embaixador de Portugal naquela organização (maio de 1974 a junho de 1975). Após contactos com o homólogo chinês Huanh Hua em 6 janeiro de 1975, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) emite uma nota diplomática onde consta que o governo da República Popular da China (RPC) é “o único representante legítimo do povo chinês”, Taiwan é “parte integral” do território chinês, e “Macau poderia ser objeto de negociações quando ambos os governos considerassem apropriado”26. Os contactos que Pequim tinham com Portugal eram através da única estrutura comunista que reconheciam em Portugal (não ligada ao comunismo soviético): Portuguese Comunist Party, Marxist-Leninist (PCP-ml). Os poucos portugueses que residiam nesta altura na China eram membros do PCP-ml, que davam apoio as edições da Foreign Language Press em língua portu-
_________________
52
19
ROSS, Daniel (2017b), “China’s historic 1977 tour to the USA remembered”.
20
BARTRAM, David (2012), “The Paper Tiger”, p. 119.
21
Idem, ibidem.
22
WITKE, Roxane (1977), Comrade Chiang Ch’ing, p. 451.
23
HWANG, Dong-Jhy e Chang, Li-Ke (2008), “Sport, Maoism and the Beijing Olympics”, pp. 4-17.
24
ROSS, Daniel (2017a), ibidem.
25
LIMA, Fernando (2018), Macau, Um Diálogo de Sucesso, p. 77.
26
FERNANDES, Moisés Silva (2000), “Portugal, Macau e a China”, pp. 371-372.
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As iniciativas de diplomacia desportiva na (re)entrada da China no sistema internacional
de Lisboa para um intercâmbio desportivo”29. Esta informação foi enviada para Lisboa, concretamente para o general Ramalho Eanes30, em 7 de dezembro de 1976. Algum tempo depois, Heduíno Gomes foi contactado por um camarada do PCP-ml que colaborava com o Jornal do clube desportivo Sporting Clube de Portugal (SCP)31. Informou o líder do PCP-ml que o presidente do clube, João Rocha, pretendia falar com ele. O objetivo era preparar uma viagem do SCP à China.
A equipa de futebol do Cosmos em visita à Cidade Proibida, durante a digressão de 1977.
guesa27. O contacto de maior relevância que a China tinha em Portugal era o secretário-geral do PCP-ml Heduíno Gomes (também conhecido pelo pseudónimo de “Vilar”). Heduíno, adepto do radicalismo chinês, era o facilitador nos contactos com a estrutura superior do PCC. Foi por intermédio deste “facilitador” de contactos com membros do poder político português, informal, que a China procurou o reatamento de relações diplomáticas. A embaixada chinesa em França era uma das bases para os contactos com a estrutura do PCP-ml, da mesma forma que a embaixada de Varsóvia serviu para contactos informais entre americanos e chineses. Foi por seu intermédio que se vai abrir a possibilidade de um intercâmbio de na-
tureza desportiva. Tinha sido criada uma associação da sociedade civil destinada a estabelecer contactos informais entre os dois lados: a Associação Democrática de Amizade Portugal-China (ADAPC). Esta associação foi discretamente criada pelo PCP-ml, sob orientação de Pequim. Carlos Ricardo, primeiro dirigente da ADAPC, deslocou-se mais do que uma vez à China e terá sido nesses contactos, discretos, que terá nascido uma proposta inicial da deslocação de uma equipa de futebol portuguesa ao país.28 Ainda em 1976, o governador de Macau, Garcia Leandro, tinha sido informado por um “intermediário” da RPC que “Pequim estaria eventualmente recetivo a uma proposta
Ainda em 1977, Heduíno Gomes leva a mensagem a Hua Guofeng, que seria de confirmação face às propostas iniciais. Estava declarada a vontade das autoridades portuguesas em avançar para o estabelecimento de relações diplomáticas. Sendo o “Vilar” um conhecido adepto sportinguista, o processo ainda ficou mais facilitado. Importa notar que desde 1976 estavam a ser encetados trabalhos para a criação de uma Câmara de Comércio e Indústria Luso Chinesa (CCILC), formalizada em abril de 1978. A CCILC estabelecia contactos com a China através da ADAPC. Várias empresas portuguesas estavam interessadas nesta abertura e muitos empresários participavam nos eventos da CCILC. Entre eles estava João Rocha, igualmente presidente do SCP32. Esta ligação foi determinante para se estabelecer um quadro de contactos empresariais, desportivos e políticos. Assim, em 25 de junho de 1978 dáse a partida da equipa portuguesa
_________________ 27
CAEIRO, António (2016), Peregrinação Vermelha, pp. 111-120.
28
FERNANDES, Moisés da Silva (2000), “Portugal, Macau e a China”, pp. 410-411.
29
Idem, ibidem.
30
Presidente do Conselho da Revolução entre 14 de julho de 1976 e 30 de setembro de 1982 e Presidente da República entre 14 de julho de 1976 e 9 de março de 1986.
31
Clube multidesportivo, fundado a 1 de julho de 1906, em Lisboa. Em Macau existia uma sede deste clube desde 1926.
32
CCILC - Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, “35 anos a promover as relações Económicas entre Portugal e a República Popular da China”, p. 4.
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«A digressão do Sporting tinha um significado muito mais amplo do que aquele que se circunscrevia ao campo desportivo e constituía o passo mais decisivo empreendido até aquela altura nas relações entre os dois povos»33 O presidente da Associação Chinesa de Amizade com os Países Estrangeiros, Wang Bingnan, faz a seguinte declaração:
«A bola de pingue-pongue é muito pequena e é por isso que abrimos apenas uma janela para os Estados Unidos. Mas o futebol usa uma bola muito grande, portanto vamos abrir bem a porta »34
A equipa de futebol do Sporting Clube de Portugal (SCP) no Estádio dos Trabalhadores, em Pequim, onde realizou um jogo amigável com uma seleção de jogadores chineses. Da equipa portuguesa faziam parte Inácio, Mota, Laranjeira (capitão), Manoel, Jordão e Manuel Fernandes. O clube português era presidido na altura por João Rocha.
para a China. Estiveram presentes José Faleiro Baltazar, do ministério dos Negócios Estrangeiros, Hang Chang-kang, funcionário da delegação da agência Xinhua em Portugal e vários dirigentes do PCP-ml. Seguiram na comitiva Veiga Simão, João Rocha e Carlos Ricardo.
A delegação do SCP foi recebida destacados dirigentes dos aparelhos do partido e do Estado chinês, incluindo o vice-primeiro-ministro da China e o governador militar da província de Pequim, marechal Ten Xie Lie. No discurso do tenente-general Chen Xilian [Ch’en Hsi-lien], foi salientado que:
A digressão do SCP, ocorrida entre os dias 27 de junho e 10 de julho de 1978, foi um dos “sinais políticos” mais evidentes estabelecidos entre os dois países para o estabelecimento de relações diplomáticas. Estava implícito também que a situação de Macau estava implicitamente acordada, tal como revelam as declarações dos membros do PCC. De acordo com notícias da altura, nesta viagem, o presidente João Rocha entregou uma mensagem do primeiro-mistro Mário Soares e transmitiu uma saudação do então presidente Ramalho Eanes35. Por sua vez, Veiga Simão, numa missão semissecreta, também levou uma carta de Ramalho Eanes para os líderes Hua Guofeng ou Deng Xiaoping, abrindo as portas para um restabelecimento de relações diplomáticas36. A digressão revelou-se um sucesso, mas com a queda em Portugal do 2º governo constitucional acaba por ser exonerado a 27 de
_________________
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33
Hong Kong Standard, “But Opens Door to Portugal”, 4 de julho, p. 1, apud FERNANDES, Moisés da Silva “Contextualização das Negociações de Paris”, p. 100.
34
CAEIRO, António (2016), Peregrinação Vermelha, p. 135.
35
Diário de Notícias (1978) nº 40088, 3 de julho, p. 2 apud FERNANDES, Moisés da Silva “Contextualização das Negociações de Paris”, p. 101.
36
ABREU, António Graça de (2016), “Diário (secreto) de Pequim, 1977-1983”, p. 15.
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As iniciativas de diplomacia desportiva na (re)entrada da China no sistema internacional
Julho e o que fora alcançado por via da diplomacia informal e do desporto teve de ser adiado por mais alguns meses. Numa entrevista ao jornal Expresso37, o então jogador do Sporting, Augusto Inácio, recorda o mítico jogo entre a sua equipa e a seleção chinesa, realizado no Estádio dos Trabalhadores. Menos de uma hora antes da partida o recinto, com capacidade para 80 000 espetadores, estava completamente vazio. “Quando entrámos em campo, o estádio estava completamente cheio. Não sei como é que eles fizeram aquilo?!”, recordaria Inácio. O Sporting venceu a seleção chinesa por 2-0, mas como recorda um slogan político da altura: “amizade primeiro, competição em segundo”. Os jogadores chineses ficaram na memória dos jogadores portugueses. Embora com falta de rigor técnico, corriam muito e eram muito silenciosos. “Tínhamos por vezes a sensação de estar a jogar contra uma equipa de mudos”, refere Augusto Inácio38. António Graça de Abreu, que assistiu ao importante jogo em Pequim39, tem escrito nas páginas do seu diário: «No estádio dos operários toda a equipa do Sporting foi recebida e cumprimentada pelo general Chen Xilian (1915-1999), um velho combatente da guerra contra o Guomindang [Kuomintang] de Chiang Kai-shek (participou na Longa Marcha!) e contra os japoneses, hoje membro do Politburo do Partido Comunista da China, comandante militar de Pequim e
um dos vice-primeiros ministros. Tudo isto é sinal da importância que os chineses deram à visita do Sporting, alargando a via que conduzirá em breve ao estabelecimento das relações diplomáticas». A China é particularmente hábil na utilização de dinâmicas informais no processo de aproximação a Portugal, dando mais um sinal de cortesia. Tratou-se do convite informal ao governador de Macau, Garcia Leandro, para fazer uma “visita particular”, realizada entre 21 de abril e 8 de maio de 197840. Esta iniciativa, embora informal, revestiu-se de enorme importância política, pois tratou-se da primeira visita de um Governador de Macau ao país desde 1949 41 . As instituições informais que serviram de ligação para a iniciativa foram a Agência Noticiosa Portuguesa (ANOP) e a já tradicional agência Xinhua (Nova China). O jornalista Gonçalo César de Sá acompanhou a viagem e relatou mais tarde: «Quando em novembro de 1978, como convidado da agência noticiosa Nova China, fui recebido em Pequim pelo vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Yu Zhan, era-me dado o primeiro sinal público de que o estabelecimento das relações diplomáticas com Portugal estava iminente»42. Numa lógica alargada de interações e contactos informais entre portugueses e chineses, este evento desportivo foi mais um fator que acelerou a formalização das relações
bilaterais. Assim aconteceu em 1979. Considerações finais A China na década de 1970 teve no desporto uma das suas vias de propagação de soft power, um canal relevante no desbloqueio político que pretendeu empreender com o mundo não soviético. A progressiva entrada no sistema internacional de nações estava em curso, era preciso criar condições de socialização para a sua consolidação. Os eventos desportivos – pingue-pongue ou de futebol, entre outros, tiveram aqui um papel fundamental no aproximar da China aos outros povos, particularmente os Estados Unidos. Os exemplos atrás mencionados testemunham o esforço do governo chinês na criação de laços de amizade, importantes no apaziguamento de tensões, mas também profícuos na obtenção de resultados políticos. Verificou-se que, de uma forma geral, os encontros desportivos realizados na China serviram de facilitadores para a passagem aos contactos formais entre a China e os respetivos países. Foi assim com os Estados Unidos e com Portugal. Seriam levantadas barreiras, estabeleceram-se diálogos políticos recorrentes, reduziram-se as perceções negativas do “outro”, particularmente na opinião pública. Não sendo universal, julgamos que ficou expresso que o desporto pode funcionar como um construtor de paz, eficiente em levar os países ao diálogo e não ao conflito.
_________________ 37
EXPRESSO (2010), “Sporting venceu seleção chinesa em Pequim há 32 anos”.
38
CAEIRO, António (2016), Idem.
39
Seriam disputados mais jogos, mas não com a importância do primeiro. As partidas seguintes realizaram-se em Xangai, Cantão, Macau e Hong Kong.
40
LEANDRO, Garcia (2011), Macau nos Anos da Revolução Portuguesa, pp. 246-247.
41
FERNANDES, Moisés da Silva (2000), “Portugal, Macau e a China – confluência de interesses”, pp. 435-436.
42
Entrevista publicada na revista Nam Van, n.º 13, 1 de junho de 1985.
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Um traço por Magalhães Luisa Timóteo Presidente da Associação Cultural Coração em Malaca
com a comunidade pesqueira do bairro, traduzida na forma de peixe, a interpretação das naus em forma geométrica como se fosse de um ponto de vista superior, dando a noção quase de uma flor. – as formas arredondadas em certos locais do mural que fazem uma ligação das diferentes formas servem como uma conexão com a forma do mundo e circunvalam a navegação.
Os artistas Ricardo Miranda e Joana Brito ladeiam um elemento da comunidade portuguesa de Malaca.
No contexto do 5º centenário da circum-navegação de Fernão de Magalhães, a Associação A CASA AO LADO, com sede em Requião – Vila Nova de Famalição – Portugal, realizou uma intervenção artista no Bairro Português de Malaca em Fevereiro de 2020, inserida no projeto “Um Traço por Magalhães”, com o acolhimento e participação calorosa da comunidade portugueses de Malaca.
bolseiros no terreno, Joana Bastos e Bruno Rego, inseridos no programa Fernão Mendes Pinto, em parceria com a Associação Coração em Malaca e com o Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, uma parceria estabelecida desde 12 de Junho de 2009, em prol da causa de Malaca, património da Humanidade, nomeada pela UNESCO em Julho do mesmo ano. A ação envolveu o apoio do MIL e do Delta Cafés.
Esta iniciativa teve o apoio logístico da ONGD Korsang Di Melaka, na sensibilização dos líderes e da comunidade, bem como a escolha do local da sua execução, palco da praça do Bairro Português em Malaca, contribuindo para o sucesso da intervenção, o acolhimento prestado pelos
Os artistas Joana Brito e Ricardo Miranda, da Associação A CASA AO LADO, promotores da iniciativa, deixaram uma pegada de Fernão de Magalhães e dos azulejos portugueses, que identificaram: – os símbolos marcados no mural, têm formas que tentaram conectar
– que a intervenção participada com jovens artistas, a quem foi dada a oportunidade de adquirir competência e conhecimento praticando a experiência artística em seus diferentes campos, bem como adquirir conhecimentos sobre Azulejos Portugueses e a interpretação dos mesmos em termos de intervenção artística.
Jovens artistas locais colaboram na iniciativa.
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Quando os extremos se tocam: Portugal na Faixa e Rota chinesa Paulo Duarte1 Professor Auxiliar na Universidade Lusófona do Porto e Professor Auxiliar Convidado na Universidade do Minho. Especialista na Belt and Road Initiative (Faixa e Rota chinesa)
Fonte: https://jtm.com.mo/local/acentuar-de-uma-logica-comercial/
Introdução Falar da China em Portugal deixou de ser exceção à regra para se converter, cada vez mais, numa regra sem exceção. Na verdade, longe vão os tempos em que os jornalistas estrangeiros me surpreendiam com os seus telefonemas ou e-mails, desejosos de saber o que pretende a China em Estremoz, ou em qualquer
outro ponto relativamente recôndito de Portugal (pelo menos no entendimento de um português). Por um lado, procurei habituar-me a olhar para Portugal como um chinês. Com efeito, na perspetiva de um chinês, não existem lugares remotos num pequeno país como o nosso, considerando que uma cidade chinesa, como Wuhan, possui mais habitantes que
Portugal inteiro. Tudo é perto em Portugal para um chinês, de tal modo que investir em Sines, em Bragança, em Alcoutim, Lisboa, Porto ou em muitos outros locais, é mera questão de ângulo porque, ao fim ao cabo, se trata de um território minúsculo quando comparado a uma China demográfica, territorial, económica, cultural e socialmente incomensurável
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O autor agradece ao Centro de Investigação em Ciência Política da Universidade do Minho e à Professora Doutora Laura Ferreira-Pereira o apoio no seu percurso académico.
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(se não nos resignarmos apenas à classificação de gigantesca). Voltando ainda às razões do não me surpreender mais com os telefonemas de jornalistas estrangeiros sobre o que quer a China em Portugal, tal devese ao novo normal a que nos habituaram, afinal, os chineses. Dito de outra maneira, inusitado seria a China manifestar indiferença face a Portugal. Nos próximos anos e décadas, Portugal será parte integral da Pax Sinica, ao nível logístico, económico (onde o turismo está incluído), cultural e linguístico, mas também social, geopolítico e geoestratégico. Não há vazios na natureza, tãopouco na Pax Sinica. A disciplina de Relações Internacionais (durante muito tempo ora eurocêntrica, ora focada nos Estados Unidos) tem, desde os seus primórdios, colocado a ênfase nas instituições do pós-Segunda Guerra Mundial, o chamado sistema de Bretton Woods. No entanto, este está obsoleto, na medida em que já não reflete a existência de uma superpotência intocável. A este respeito, o 11 de setembro, as revelações de Edward Snowden e de Julian Assange, bem como os milhares de mortes causadas pelo COVID19, demonstram que não há sistemas perfeitos, seja do ponto de vista da segurança física, cibernética ou de saúde pública, entre outros. Pese embora permaneçam a primeira economia mundial, o país mais forte ao nível militar, e liderem ainda (a par com a União Europeia) em termos de soft power, a História é cíclica. Por conseguinte, não existem poderes ou impérios que permaneçam eternamente no topo. Esta é uma tese defendida por Paul Kennedy (1989), segundo o qual o destino dos Estados Unidos não é muito dife-
Fonte: https://www.washingtonpost.com/pbox.php?url=http://www.washingtonpost.com/news/world/wpcontent/uploads/sites/7/2017/12/71128_2380.jpg&w=1484&op=resize&opt=1&filter=antialias&t=20170517
rente daquele que foi o dos impérios português, espanhol, francês ou inglês. A questão não é, pois, a de se os Estados Unidos vão declinar, mas antes a de quem os vai substituir e em quanto tempo tal ocorrerá. O debate sobre o candidato a hegemon não é consensual, pese embora eu acredite que a China é a potencial superpotência em gestação. Mera questão de tempo até a Pax Americana ser substituída pela Pax Sinica em construção. Não arrisco nem ouso estimar se serão necessárias duas décadas ou mais, até a China ultrapassar económica e militarmente os Estados Unidos. Não obstante, a componente em que me parece ser mais difícil (se não impossível) a China igualar ou superar os Estados Unidos é a do soft power. Inspirado no conceito de soft power americano (cujo mentor é Joseph Nye 1990), a verdade é que o soft power chinês (sobretudo desde a presidência de Hu Jintao) é, contrariamente ao que sucede nos Estados Unidos e na Europa, desenvolvido de forma top-down. Ou seja, a capacidade de seduzir (no fundo, a essência do soft power) é imposta literalmente pelos responsáveis polí-
ticos chineses aos meios de comunicação e aos Institutos Confúcio. Assim sendo, contrariamente ao soft power americano (que nasce do talento e do sonho de cada indivíduo que, em conjunto com outros indivíduos, formam o Sonho Americano), o Sonho Chinês é, por sua vez, ditado pela propaganda do Governo que, qual Grande Olho Orwelliano, tudo vê. Ora, a comunidade internacional suspeita de uma China que preconiza a globalização, bem como a criação de uma Comunidade de Destino Comum, quando, na prática, essa mesma China constrói ilhas artificiais e fecha o seu mercado doméstico a empresas ocidentais. Na Pax Sinica nada existe de novo (Duarte, 2017). Apenas um atraso substancial. Com efeito, a China está a fazer, na prática, o que os Estados Unidos realizaram há várias décadas: consolidar uma moeda e uma economia, abrir mercados, inaugurar bases militares gradualmente um pouco por todo o mundo, comprar o que a comunidade internacional aceita vender. A disputa por influência também é notória, assim como a ação-reação pavloviana2 que rege
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Como exemplos de ação-reação que se faz sentir hoje nas relações internacionais, mencionemos o interesse da China na Gronelândia e a consequente reação de Donald Trump em anunciar a intenção de os Estados Unidos comprarem a ilha. Ou, ainda, algo mais recente, como o telefonema de Donald Trump a Marcelo Rebelo de Sousa, ao qual se seguiu (alguns dias depois) um telefonema de Xi Jinping também a Marcelo Rebelo de Sousa.
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Fonte: https://www.mundolusiada.com.br/box2/presidente-visita-a-china-em-abril-e-anuncia-memorando-sobre-uma-faixa-uma-rota/
o comportamento do ainda hegemon e aquele da superpotência em devir. A armadilha de Tucídides não é quimera, pois a guerra comercial sinoamericana atesta tudo menos uma transição pacífica para a nova ordem que lentamente se produz. O que parece complicar ainda mais a equação é o facto de a questão não se confinar apenas à economia. O Choque de Civilizações de Samuel Huntington (1993) não poderia ser mais atual: o Islão e a China versus o Ocidente. Se, quanto ao Islão, tem sobretudo sido uma fação terrorista deste a causar o terror no Ocidente, já quanto à China, a guerra comercial oculta um je ne sais quoi de ideológico: os valores do Ocidente versus o novo paradigma da sociedade orwelliana de caraterísticas chinesas suscetível de colidir, como de facto antevia Huntington (1993), com a visão ocidental dos direitos humanos e, em sentido lato, das relações internacionais. Ferida pelo século de humilhações e mais pragmática que nunca, a China já não quer ser relegada a ator secundário da política internacional. Ela constrói
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lenta e subtilmente novas instituições, de que é exemplo o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas (BAII), que acaba por desempenhar, na prática, um papel assaz semelhante ao do Banco Mundial. O risco de o Ocidente continuar a marginalizar a China, negando-lhe um maior estatuto e reconhecimento na cena e instituições ocidentais, culminou no nascimento do BAII. Contudo, tal marginalização pode, ainda, pressagiar a construção de mais instituições made-in-China, redundantes e perigosas eventualmente, por inaugurarem uma ordem paralela e alternativa das relações internacionais, na medida em que as existentes se revelam arcaicas. Face a esta conjuntura de desocidentalização da política internacional (cara a Huntington) analisarei, em específico neste artigo, o caso da China em Portugal. Procurarei dar a conhecer ao leitor os contornos da Faixa e Rota chinesa (do inglês Belt and Road Initiative) num pequeno país do ponto de vista territorial, mas que já deu, outrora, novos mundos ao mundo.
O fruto proibido: a ‘excessiva’ abertura de Portugal face à China? Portugal e China celebraram 40 anos de laços diplomáticos em 2019 (Duarte, 2019). Muitos argumentam que as relações entre os dois países estão hoje no seu auge. A 9 de dezembro de 2005 foi estabelecida uma Parceria Estratégica Global entre Portugal e China, com vista ao reforço da cooperação em áreas fundamentais, de entre as quais merecem destaque a cultura e educação, a ciência, a tecnologia, a língua, a saúde, a justiça além, naturalmente, do diálogo político. Este foi um passo importante no upgrade das relações entre os dois estados. Além da geografia terrestre e marítima de Portugal, a China interessase também pela dupla costela europeia e lusófona do nosso país, que é suscetível de ajudar as empresas chinesas a melhor aceder aos mercados falantes do português. A este respeito, o presidente da Liga dos Chineses em Portugal, Y Ping Chow,
Quando os extremos se tocam: Portugal na Faixa e Rota chinesa
reconheceu em tempos que, de facto, “as empresas chinesas olham não apenas para o território português, mas também para a capacidade de influência que Portugal tem nos países africanos de língua portuguesa”. Mas tão ou mais pragmática foi a constatação de Y Ping Chow de que “Portugal é importante, mas a CPLP é ainda mais" (Aicep Portugal Global, 2019: para.7). Outra ocasião digna de registo nas relações entre Pequim e Lisboa, consistiu na visita do anterior Presidente Cavaco Silva, em 2014, à China, no âmbito da qual a parceria estratégica Portugal-China foi elevada ao estatuto de Parceria Estratégica Global. Aquando do 10.º aniversário da parceria estratégica luso-chinesa, o então embaixador da China em Portugal, Huang Songfu declarara perante a Assembleia da República portuguesa que “Acreditamos que Portugal, posicionado no Centro da Rota Marítima do Atlântico, poderá ter um papel imprescindível na realização da Faixa e Rota na Europa” (cit. por ANRS, 2017: 4). Esta posição foi, por sua vez, reiterada pelo atual embaixador chinês em Portugal, Cai Run, em junho de 2019, segundo o qual “sendo um ponto de encontro importante das rotas da seda terrestre e marítima, Portugal é um parceiro natural na construção da Faixa e Rota” (cit. por Diário de Notícias, 2019a: para.7). Por ocasião da visita do Presidente chinês Xi Jinping a Portugal, em dezembro de 2018, os dois países assinaram um memorando de entendimento no sentido de promover a cooperação logística, aérea, terrestre e marítima no âmbito da Faixa e Rota chinesa. Ao todo, foram assinados 17 acordos bilaterais que abarcam diversos setores, como cita o Jornal Económico (2018).
1. Memorando de entendimento para cooperação no quadro da nova rota da seda marítima – Uma Faixa, uma Rota; 2. Memorando de entendimento de cooperação em matéria de comércio e serviços (como transportes, turismo e tecnologia); 3. Memorando de entendimento para a partilha de programação de festivais culturais; 4. Memorando de entendimento para a implementação da parceria em matéria de Ciência e Tecnologia; 5. Memorando de entendimento para a implementação do STARLAB, um programa que visa o estabelecimento, em Portugal, de um Laboratório de Pesquisa de Tecnologia Avançada nos domínios do Mar e do Espaço; 6. Memorando de entendimento para a cooperação no domínio da água; 7. Memorando de entendimento entre a COFCO International e a AICEP para a criação de um serviço global da COFCO em Matosinhos, com a criação de 150 postos de trabalho;
de uva de mesa portuguesa para a China; 12.Carta de intenções sobre cooperação entre as câmaras municipais de Tianjin e Setúbal; 13.Acordo entre o BCP e a Union Pay, para a emissão de cartões de crédito da empresa chinesa de serviços financeiros que lidera os pagamentos eletrónicos na China; 14.Acordo entre o Grupo Media da China e a RTP para a produção conjunta de documentários; 15.Acordo para o estabelecimento do Instituto Confúcio na Universidade do Porto; 16.Acordo para a criação de um centro de estudos chineses na Universidade de Coimbra; 17.Protocolo para a implementação do memorando de entendimento entre a CGD e o Bank of China para a emissão de Panda Bonds, referente à emissão da dívida pública em Renminbi (a moeda chinesa). De entre os tópicos mais sensíveis abrangidos pelos acordos, vale a
8. Memorando de entendimento entre a EDP e a China Three Gorges para a cooperação ao nível da responsabilidade social das empresas, designadamente no domínio da cultura, desenvolvimento sustentável, inovação e R&D; 9. Memorando de entendimento entre a State Grid e a REN, para reforço da cooperação entre ambos; 10.Memorando entre a MEO e a Huawei, sobre o desenvolvimento da tecnologia 5G; 11.Protocolo relativo aos requisitos fitossanitários para a exportação
Fonte: https://twitter.com/Thom_astro/status/85676 6586820153344/photo/1
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pena prestar atenção aos pontos 5, 10 e 17 acima mencionados. A ser implementado o STARLAB possibilitará a cooperação entre Portugal e a China em matéria de lançamento de microssatélites e de monitorização dos oceanos. Importa ter presente, a este respeito, que um dos motivos apontados pela UE para a suspensão da cooperação com a China no quadro do desenvolvimento do Programa Galileo (o sistema de navegação por satélite da UE) é justamente o receio de alegada espionagem e paridade estratégica (partilhado, aliás, pela americana NASA, que também se recusa a cooperar com a China em matéria espacial) que tal cooperação é suscetível de proporcionar a Pequim. Por conseguinte, Portugal será o primeiro país da UE a abrir um precedente numa matéria tão sensível, que, a juntar a outros aspetos a seguir mencionados, faz com ele seja visto com um case study no âmbito da Faixa e Rota na UE. A monitorização dos Oceanos é, igualmente, sensível na cooperação Portugal-China perante o escrutínio dos parceiros europeus. Convém notar que Portugal possui a terceira maior Zona Económica Exclusiva (ZEE) da UE, podendo, inclusive, vir a duplicar o seu território marítimo caso as Nações Unidas considerem legítima a proposta de alargamento do fundo marítimo, apresentada por Lisboa em 2009 (Diário de Notícias, 2019). Ora, em caso de aprovação, uma maior área marítima pressupõe que haja, igualmente, uma maior alocação de meios navais e aéreos para vigiar uma vasta parte do Atlântico (tendo em conta que a dimensão da atual ZEE é já significativa para um país que dispõe de apenas dois submarinos). Uma maior área marítima significa também maior probabilidade de encontrar e extrair riquezas do fundo do oceano, algo
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que interessa à China no âmbito da sua Faixa e Rota. Conseguirá Portugal manter o difícil equilíbrio entre os seus interesses e soberania nacional, os compromissos estratégicos com a UE, a OTAN e, ao mesmo tempo colaborar com a China na monitorização do Atlântico Norte (espaço privilegiado da OTAN)? Esta interrogação retórica não pode ser dissociada do ponto 10 dos acordos bilaterais (que prevê o Memorando entre a MEO e a Huawei no que respeita ao desenvolvimento da tecnologia 5G), em resultado das tensões que se fazem sentir atualmente quer nos EUA, quer na UE e noutros países. Em suma, Oceanos, Espaço e tecnologia 5G são precisamente o fruto proibido tal como a UE e os EUA (metaforicamente) o concebem. O que sucederá a quem dele comer? Será expulso do paraíso ou, no mínimo, terá de acarretar outro tipo de consequências por ser ousado? Mais uma vez, perguntas possíveis, respostas incertas, porque é tudo muito recente. Pese embora não diretamente contemplados nos acordos acima mencionados, os vistos Gold são, igualmente, um outro tema alvo de grande controvérsia e escrutínio pelos parceiros europeus, na medida em que abriram um precedente em matéria de segurança na UE, ao permitir a autorização de residência a estrangeiros que invistam 500 mil €, ou mais, no país. Ora, considerando que o passaporte português permite viajar para 186 países (além de ser um documento europeu), vários atores estatais e não-estatais têm vindo a solicitar ao governo português o cancelamento dos vistos Gold, invocando, para o efeito, razões securitárias. Por fim, algumas notas relativamente ao ponto 17 da cooperação bilateral Portugal-China, acima mencionado. Desde 29 de maio de 2019
que Portugal contribui ativamente para a internacionalização da moeda chinesa (o Renminbi), convertendo-se, na prática, no primeiro país da zona euro a emitir dívida pública em Renminbi (os chamados Panda Bonds ). De acordo com o Secretário de Estado das Finanças, Ricardo Félix, “o objetivo da emissão é estar num mercado de grande dimensão, com muita liquidez, com poupanças elevadas e alargar, assim, a base de investidores” (cit. por Jornal de Negócios, 2019: para.4). No entanto, trata-se de um otimismo que não agrada, uma vez mais, nem a Bruxelas nem a Washington. Vale a pena referir aqui o ponto 13 acima mencionado, na medida em que também ele é revelador da celeridade com que Portugal e a China têm coligido esforços com vista ao cumprimento das metas financeiras a que se propuseram. De facto, como vimos, não só Portugal é pioneiro na emissão de dívida pública em renminbi, como também, desde abril de 2019, o Millennium BCP se converteu no primeiro banco europeu a emitir cartões de crédito Union Pay (que é a empresa chinesa de serviços financeiros que lidera os pagamentos eletrónicos na China). O potencial terrestre, marítimo e aéreo O porto de Sines tem tudo para se converter, à semelhança do porto do Pireu na Grécia, num outro polo marítimo, por excelência, da Rota da Seda Marítima do Século XXI. Se o Pireu é o porto europeu mais próximo do Canal do Suez, Sines é o porto europeu de águas profundas que menos dista do Canal do Panamá. Por outro lado, é interessante o paralelismo geoestratégico entre os dois portos. Enquanto o Pireu está geograficamente situado na convergência entre Europa, África e
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Ásia, por sua vez a localização de Sines coloca-o no cruzamento das principais artérias marítimas, acrescentando à Europa e a África as Américas (figura 1). Apesar de não dispor de uma zona de influência estratégica (o chamado hinterland) como Roterdão, Sines tem potencial para desempenhar um papel importante no âmbito da redistribuição das cargas europeias (o denominado fenómeno de transhipment). Acresce que Sines possui terminais adequados a qualquer tipo de carga, além de ser um porto mundial de referência. Sines proporciona atualmente uma rota mais curta aos navios (em trânsito entre Oriente e Ocidente) que antes do fim dos trabalhos de expansão do Canal do Panamá eram obrigados a cruzar o Suez (implicando maior tempo e custos de frete). Contudo, por muito que Sines seja relevante em resultado da sua posição geoestratégica, importa notar que ele não está só. Com efeito, existem outros competidores de peso, quer, por exemplo na vizinha Espanha, quer no Norte de África. Em consequência da melhoria da economia de escala, proporcionada pela nova geração de navios porta-contentores, é perfeitamente exequível percorrer hoje escassas dezenas de milhas náuticas e atracar em portos vizinhos que ofereçam melhor conetividade, maior eficácia nas operações de carga e descarga e, tão ou mais importante, melhores incentivos fiscais. São estes fatores que os governantes portugueses devem ter em conta na hora de enumerar as mais-valias de Sines a um qualquer investidor (não necessariamente chinês), sabendo que na Aldeia Global todos estamos a competir por algo, direta ou indiretamente. Caso contrário, adotar a postura de esperar para ver, apenas porque a geografia é aliciante, pode ser um erro.
Figura 1. A localização geoestratégica do porto de Sines Fonte: https://diariodigitalcastelobranco.pt/noticia/5285/
Encontrar mais-valias não é um processo fácil porque qualquer país quer rentabilizar ganhos, estando disposto a sacrificar o mínimo possível na hora de negociar com potenciais investidores. Não obstante, aproveitando o facto de Portugal se ter lançado pragmaticamente na Faixa e Rota, acredito ser interessante, no quadro da projeção de Sines, este esforçarse por oferecer o que outros portos competidores não oferecem (por enquanto). Dito isto, por que não permitir aos produtos chineses que chegassem a Sines, numa forma ainda inacabada, ser terminados in loco, ou seja em solo português, o que lhes possibilitaria ter, por conseguinte, uma marca europeia? Tal é, eventualmente, suscetível de trazer benefícios à indústria de transformação portuguesa, na medida que empregaria trabalhadores e maquinaria portugueses, proporcionando, assim, um argumento apelativo na tentativa de angariar investidores para Sines. Sines tenderá a beneficiar a médio / longo prazo do alargamento da linha férrea Yiwu-Madrid, (figura 2),
no âmbito da conetividade subjacente à Faixa e Rota. Aliás, a reestruturação em curso da rede ferroviária portuguesa para tal aponta. A este respeito, importa esclarecer que os comboios que ligam atualmente Sines a Badajoz não dispõem de outra alternativa ferroviária que não seja a de subir até Vendas Novas e Entroncamento e descer, posteriormente, por Abrantes e Portalegre até Badajoz. Porém, a construção do corredor ferroviário entre os portos de SinesSetúbal-Lisboa até à fronteira de Caia-Badajoz, tenderá a reduzir a distância percorrida em 140 Km, bem como o tempo despendido, em cerca de 3h-4h (face às atuais 8h). Ao eliminar em 30% o custo do transporte, os ganhos de competitividade serão promissores para a economia, tanto mais que a futura linha Évora-Elvas-Badajoz é suscetível de permitir a circulação de 12 comboios por dia, o que significa menos 660 camiões nas estradas nacionais. Este objetivo serve um
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Figura 2. A atual linha férrea Yiwu-Madrid Fonte: https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/28535/3/ProjetoNovaRota.pdf
outro: criar a logística indispensável para que no futuro seja Sines, e não Madrid, literalmente o fim da linha férrea, tal como projetado no Corredor Internacional Sul (figura 3). Dito isto, Portugal reforçará a sua posição privilegiada no âmbito da conetividade da Faixa e Rota, já que a partir do porto de Sines, os contentores de mercadorias oriundos da China por via férrea, são suscetíveis de prosseguir viagem, desta vez por mar, até às Américas. O inverso é igualmente possível na medida em que a Sines poderão chegar, por via marítima, mercadorias provenientes das Américas e de África, as quais tomarão posteriormente a via férrea até Madrid, a partir de onde prosseguirão quer rumo a outros destinos europeus, quer, eventualmente, até à China. Na prática, o porto de Sines será o responsável por complementar a longa faixa terrestre eurasiática com a Rota da Seda Marítima do Século XXI, conferindo a Portugal o papel de gateway simultaneamente para o Oceano e para a Eurásia (Duarte, 2018). Consequentemente, Portugal será o grande carrefour para onde convergirão os dois
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grandes componentes (a essência diga-se) do projeto chinês: terra e mar (Duarte & Leandro, 2020).
Sines tem um outro potencial de peso, que reside no facto de estar relativamente próximo (a cerca de 100 Km) do Aeroporto Internacional de Beja. Atualmente subaproveitado, o aeroporto de Beja parece ser o elo que falta para maximizar o potencial de Sines, convertendo-o numa verdadeira plataforma multimodal, assente numa conetividade tripla: marítima, terrestre e aérea. O contexto não poderia ser mais favorável já que em 2011 o aeroporto de Beja se tornou num aeroporto de uso simultaneamente civil e militar (à semelhança da base das Lajes). Dispondo de pista suficiente para a aterragem quer do maior avião de passageiros (o Airbus A380), quer da maior aeronave de carga do mundo (o Antonov An-225 Mriya), o aeroporto Beja pode prestar dois grandes contributos. Um deles diz respeito ao potencial que o
Figura 3. O Corredor Internacional Sul. Fonte: shorturl.at/fyzJW
Quando os extremos se tocam: Portugal na Faixa e Rota chinesa
aeroporto pode oferecer à indústria de transformação, se, de facto, vierem um dia produtos inacabados da China para ser concluídos em solo português. Por outro lado, o aeroporto de Beja pode facultar um transporte mais célere a mercadorias sensíveis (por exemplo, bens perecíveis, ou software) que não podem esperar demasiado nos portos sob pena de perderem valor. O outro grande contributo do aeroporto de Beja consiste na promoção do interior do país (fundamentalmente o Baixo e o Alto Alentejo), considerando que o aeroporto pode receber voos charter de curto, médio, além de longo curso (sem necessidade de escalas via Lisboa ou Faro), suscetíveis de reforçar o turismo. A costa vicentina, bem como Évora (património da UNESCO), são alguns dos destinos que poderão fazer as delícias do turista estrangeiro. Contudo, importa que haja um reforço na ligação ao terminal de passageiros do aeroporto de Beja, criando, para o efeito, infraestruturas de base (o que é, aliás, prática nos aeroportos internacionais), como linhas ferroviárias e reforço de autocarros (com ligações a destinos turísticos concretos). Não basta ter pistas para acolher aviões. É preciso, pois, facultar todo um conjunto de serviços ao turista, que, neste momento, apenas os aeroportos de Lisboa e, de certa forma o do Porto, oferecem (ao de Faro falta, por exemplo, a componente ferroviária). Caso contrário, de pouco ou nada serve (como tem demonstrado a relutância das lowcost e companhias de bandeira em voar para Beja) ter um aeroporto que custou avultadas somas, se não existirem, na prática, as condições logísticas indispensáveis para satisfazer necessidades evidentes.
Turismo e Lusofonia O voo Hangzhou-Pequim-Lisboa, inaugurado pela Capital Airlines a 26 de julho de 2017 – entretanto suspenso e posteriormente retomado a 30 de agosto de 2019 – teve um impacto muito positivo na economia portuguesa. A este respeito, é de referir que no primeiro ano em que voou para Portugal, a Capital Airlines transportou mais de 80 mil passageiros, com uma taxa média de ocupação do voo superior a 95% na época alta, enquanto que nos restantes meses se ficou pelos cerca de 80%. Tal ponte aérea veio alterar o panorama do turismo em Portugal, na medida em que o turista chinês ultrapassa atualmente, em termos de despesa, o turista norte-americano (506€) e o angolano (252€), despendendo uma média diária de 642€. Eu próprio presenciei, em outubro de 2017, a bordo do voo direto Pequim-Lisboa algo que me surpreendeu. De facto, na altura, constatei que um senhor chinês segurava, sorridente, um volumoso maço de notas não de 5€, mas 500€, antes de aterrar em Lisboa. Não sei se ele tinha noção de quantas vezes lhe cabia na mão o salário mínimo de vários portugueses, mas estou convicto de que Portugal agradece certamente. Ouso indagar o quão benéfico seria para a economia insular se mais voos diretos provenientes da China, aterrassem também na Madeira e nos Açores, em vez de apenas em Lisboa. Importa relembrar que, durante muito tempo, Madeira e Açores estiveram praticamente reféns de um monopólio aéreo, que privava uma grande fatia de portugueses de conhecer estes lindíssimos arquipélagos, a não ser que pagasse caro. Hoje, porém, as low-
cost trazem milhares de turistas às ilhas, algo que beneficia a indústria hoteleira, estimula o comércio local e dá vida aos arquipélagos, sobretudo aos Açores, já que a Madeira sempre foi alvo de uma maior procura turística. Dito isto, não posso, todavia, deixar de lamentar (depois de eu próprio ter feito a experiência), que os voos interilhas nos Açores chegam a ser mais caros que a passagem aérea cobrada pelas low-cost entre Portugal continental e Angra do Heroísmo, ou entre Portugal continental e Ponta Delgada, o que, de facto, não torna o turismo insular acessível a um maior número de turistas (pelo menos portugueses). O voo da Capital Airlines (figura 4) pode contribuir (era esse, aliás, o desejo expresso, em 2017, por Wang Yinjun, diretor de marketing da companhia aérea) para fazer de Lisboa uma plataforma aérea para África e América Latina, tendo por base a ligação direta Lisboa-Pequim (Diário de Notícias, 2017). Este é um aspeto crucial, já que além de ter Sines como plataforma de convergência marítima e ferroviária entre a Rota da Seda Marítima e a futura ferrovia Yiwu-Madrid-Sines, Portugal contaria ainda com o Aeroporto de Beja para amparo logístico de Sines, e, por fim, com Lisboa como plataforma aérea de contato entre a China, África e as Américas. Mas qual é o perfil do turista chinês, responsável por 415 882 dormidas em Portugal em 2017? São, geralmente, pessoas na faixa etária entre os 30 e os 50 e poucos anos que gostam de viajar em grupo, de preferência acompanhados por um guia local que fale o mandarim. Sucede que o turista chinês aproveita para conhecer Portugal, mas também outros países da Europa, regressando depois no mesmo voo. Importa su-
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Figura 4. A ponte aérea direta China-Portugal. Fonte: shorturl.at/isvKR
blinhar – a par da classe média jovem que tem vindo a aumentar, como sublinha Y Ping Chow, Presidente da Liga dos Chineses em Portugal – um crescimento do número de reformados na China, que procuram Portugal para fazer turismo (Aicep Portugal Global, 2019). Isto é, por sua vez, benéfico para o setor dos serviços, pese embora como nota Y Ping Chow, Portugal tenha trabalho de casa a fazer, nomeadamente em convencer esses turistas a passar mais tempo no país. Mas, para que tal seja possível, é necessário que as agências de viagem, a indústria hoteleira e o governo manifestem a preocupação de oferecer pacotes e serviços atrativos que justifiquem uma estadia prolongada. Daí o exemplo que dei acima a respeito dos Açores e da Madeira poder não ser descabido, mas complementar na hora de acolher o turista e de lhe explicar que Portugal não se limita a uma faixa continental, porque, por incrível que pareça, muitos não sabem que temos dois arquipélagos extraordinários, mas que podiam (so-
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bretudo os Açores) ser melhor rentabilizados do ponto de vista turístico. Voltando ao setor dos serviços, que muito tem beneficiado da procura turística, as observações do Presidente da Liga dos chineses em Portugal têm razão de ser. Quando, em tempos, um jornalista estrangeiro me telefonou a pedir informações sobre o interesse chinês em Estremoz (figura 5), onde uma empresa chinesa investe 64 milhões de euros na construção de um complexo residencial (que combina saúde e lazer, sendo o maior do género na história do concelho), confesso que fui tomado de surpresa. Em verdade, a China investe em vários locais do país, alguns menos óbvios que outros, mas após uma leitura mais atenta – olhando para Portugal não através da perspetiva de um português, mas de um chinês – o país é demasiado pequeno. Por conseguinte, percorrer 400 ou 500 Km por cá é algo relativamente banal numa China onde a população e as distâncias são substancialmente maiores.
Convém ter presente que os desafios e oportunidades da Faixa e Rota para Portugal não se esgotam em questões de logística ou de turismo. A conetividade pressupõe, com efeito, uma outra dimensão quiçá menos óbvia à primeira vista, mas tão ou mais importante: a projeção cultural. Por outro lado, Portugal não deve sobrevalorizar nem subestimar a sua posição face à China. Somos um pequeno estado que beneficia de um poder funcional, mas que, para todos os efeitos, está a lidar com uma grande potência, a caminho do estatuto de superpotência. Para a China, o mercado português é insignificante. Dez milhões de pessoas (que é aproximadamente a população do nosso país) cabem perfeitamente numa das muitas cidades chinesas. O que verdadeiramente interessa à Faixa e Rota é a posição geográfica ímpar de Portugal na Europa, bem como o seu papel de facilitador da penetração chinesa nos mercados falantes do português. Convém, também, estar ciente de
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que por muito que Portugal beneficie de um estatuto de interlocutor privilegiado face aos restantes países de língua portuguesa (ou regiões, como é o caso de Macau), o multilateralismo em que assentam as cimeiras, conferências, e outros fora internacionais, é interessante para a China, mas não determinante por si só. Na verdade, e aproveitando para recordar o que atrás expliquei acerca do papel do multilateralismo na política externa chinesa, quando se trata de interesses estratégicos, o bilateralismo continua a ser o instrumento por excelência no trato da China com outros países ou regiões do mundo. Indo direto ao ponto, para não criar falsas expetativas no leitor, Macau e Portugal são interlocutores privilegiados pela China no quadro da sua relação com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). No entanto, a sobreposição de estruturas, agravada pela inexistência de visão comum e convincente (entre outros, no seio da CPLP) para lidar com os desafios e oportunidades da Faixa Rota, pode trazer disfuncionalidade e desmotivação mútuas. A este respeito, vale a pena recordar o exemplo, pela negativa, da parceria estratégica UE-China, que de verdadeiramente estratégica possui apenas o nome, porque, na prática, se tem revelado ineficaz. Ora, aproveitando a analogia, bem como a lição do que não deve ser feito, Portugal beneficiaria em usar de pragmatismo no trato com a China.
Figura 5. A localização de Estremoz. Fonte: https://discoverportugal2day.com/estremoz/
Não é por acaso que a China se tem mostrado ativa na organização de toda uma série de iniciativas com vista ao fomento dos laços com os países lusófonos. É porque Pequim reconhece potencial na cooperação entre o mercado chinês e os países e/ou regiões falantes do português. Macau tem aí um papel notável.
Contudo, a China pode perfeitamente prescindir de Macau no seu trato com os países de língua portuguesa (até porque, como vimos, o bilateralismo tem pautado, desde sempre, a política externa chinesa), mas Macau não pode nem deve prescindir do apoio da China conti-
nental. Que o digam, por exemplo, as pequenas e médias empresas de Macau, cuja internacionalização torna premente que estas se aliem a outras empresas de maior dimensão e com experiência internacional, mas que estão localizadas no sul da China. Macau dispõe de uma impor-
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tante vantagem competitiva face a Hong Kong: o trilinguismo presente em várias empresas (português, mandarim e inglês) vs o bilinguismo de Hong Kong (inglês e mandarim). Tendo em conta o magnífico potencial dos países/regiões falantes do português, os esforços devem ser mútuos, o que pressupõe ir ativamente ao encontro da China, ao invés de ficar à espera desta. Caso contrário, Pequim tenderá a ignorar o que de promissor Macau e Portugal podem representar do ponto de vista diplomático no trato com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e, lato sensu, com a CPLP, privilegiando, ao invés, o reforço de uma relação bilateral com países como o Brasil, Angola ou Moçambique, porque são os que verdadeiramente contam em termos de matérias-primas e dimensão de mercado. Por conseguinte, Portugal deve adotar uma postura ativa, que é, em muito, dificultada pelos compromissos face à OTAN e à UE, assumindo-se como o timoneiro, dinamizador e porta-voz dos interesses dos países falantes do português na sua relação com a Faixa e Rota. O português é a quinta língua mais falada no mundo, algo altamente promissor do ponto de vista académico e científico, embora largamente inexplorado, por ora, ao invés do que sucede noutros países não-falantes do português, mas que estão cientes do potencial da Faixa e Rota. Um outro aspeto a que não podemos ficar indiferentes é o facto de nenhum país falante do português (nem mesmo região, como Macau) possuir, por ora, um único instituto inteiramente focado na produção académica quer sobre a China, ou, ainda mais especificamente, sobre a sua Faixa e Rota. Não devemos confundir ligas de amizade ou associações que visam promover a Faixa e Rota, com algo completamente dis-
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tinto que é ter centros de pesquisa credíveis e independentes acerca da China e da sua grande estratégia global de que a Faixa e Rota é, simultaneamente, meta e instrumento. Como pude constatar em 2017, por ocasião do lançamento do Centro de Estudos Chinês dos Países de Língua Portuguesa, Pequim demonstra interesse em aprofundar o seu conhecimento acerca dos países de língua portuguesa. Porém, à exceção da Universidade de Coimbra (que acordou recentemente com a Beijing Foreign Studies University criar um Centro de Estudos sobre a China e os Países de Língua Portuguesa), a CPLP tem negligenciado esta reciprocidade em mostrar à China que também está interessada em aprender mais sobre o país, a sua cultura, além da Faixa e Rota. Existe, igualmente, um enorme potencial a explorar no que respeita aos serviços de tradução. Até hoje, falando eu na primeira pessoa porque sou disso simultaneamente testemunha e interveniente, sempre que sou convidado para discursar em cerimónias oficiais e noutras, noto não só que os tradutores chineses me pedem para ter antecipadamente acesso ao meu discurso e, em segundo lugar, que a tradução realizada apresenta, com frequência, graves erros. Ora falhar na comunicação é arriscar-se a ser mal compreendido, falhando também nas metas. Em finais de 2018, quando, a convite da embaixada da China, fui apresentar o livro A Governança da China (de Xi Jinping) no Palácio da Ajuda, perante uma ilustre plateia, notei que tinha de fazer acrescentos no discurso no momento em que falava, o que me criou um grande dilema. Comecei, então, por pedir desculpa à minha tradutora chinesa, explicando-lhe que o que iria dizer não constava no papel que lhe fizera chegar na véspera. Ora, se o tradutor não for suficientemente experiente e fluente, re-
ceio que se perca muito nas traduções simultâneas, até porque nem sempre o palestrante consegue manter-se inteiramente fiel ao guião, ou nem sempre está de acordo em ter um guião. Resolvi partilhar este episódio com o leitor para melhor o elucidar acerca do enorme potencial subjacente aos serviços de tradução português-mandarim, num contexto em que o inglês e outras línguas estrangeiras parecem cativar, por enquanto, o interesse da esmagadora maioria dos aprendizes de tradutor. Notas finais Portugal deve ter presente que está a lidar com uma cultura muito diferente, onde o fator tempo não possui a mesma relevância que no Ocidente. Na hora de fechar negócio, a confiança, a relação com o outro, o facea-face, têm preponderância sobre o impulso, o stress, ou a imediatez. Portugal deve ainda estar ciente de que tratar com a China é construir as bases para o futuro dos filhos dos nossos filhos. Não obstante, é ainda muito cedo para se vislumbrar resultados concretos face à Faixa e Rota, embora demasiado tarde para se voltar atrás. Por outras palavras, atingiuse o ponto de não-retorno. Ou seja, os parceiros europeus estão expetantes para ver o que de bom ou mau virá daquilo que consideram ser a excessiva abertura de Portugal relativamente à Faixa e Rota. Não é, portanto, do interesse nem de Lisboa, nem de Pequim, que tal postura seja mal-sucedida. A correr bem, o caso português (que já é um case study na UE) pode ser um modelo a seguir por outros países europeus. Porém, se correr mal, a UE terá razões acrescidas para responsabilizar moralmente (pelo menos) Portugal por não ter mostrado solidariedade perante uma UE altamente reticente face à Faixa e Rota.
Quando os extremos se tocam: Portugal na Faixa e Rota chinesa
Portugal será, então, usado por Bruxelas como exemplo suscetível de mostrar a terceiros o que não deveria ter sido feito. Perante este cenário, é fundamental coligir esforços mútuos para levar a bom porto a Faixa e Rota. E, acima de tudo, importa ser-se consistente e coerente. Os sentimentos de receio ou, ao invés, as alegrias, se disso for caso, devem ser ora comemorados, ora debatidos de forma realista e minuciosa no final, de forma a não interferir ou bloquear o que está em devir. Finalizo argumentando que, neste momento, o grande obstáculo da Faixa e Rota em Portugal (e na UE) não
é logístico, mas psicológico/ identitário. Poderemos nós, que somos do Ocidente, da OTAN, da UE, e parceiros dos EUA, servir dois senhores ao mesmo tempo? A meu ver, não devemos estar reféns de nenhum monopólio ou de nenhum senhor, mas procurar retirar o máximo proveito da nossa costela simultaneamente atlântica e europeia, através da identificação de sinergias concretas a explorar no âmbito da atlantização da Faixa e Rota. O caminho a seguir não tem necessariamente de se pautar por um binómio redutor: escolher entre este ou aquele. Sem deixar de sermos quem somos e permanecendo fiéis aos nossos par-
ceiros de sempre, podemos, todavia, forjar uma relação (mais) promissora com a China. A postura de Portugal face às Lajes e ao porto de águas profundas na Praia da Vitória (Ilha Terceira) testarão não para já, porque é demasiado cedo, mas a médio e longo prazo até que ponto o Atlântico Norte será a última fronteira a ser superada pela China. Se fechamos a porta ou se a deixamos entreaberta pode fazer a diferença em tempos marcados pela incerteza nas relações transatlânticas, na busca de uma autonomia e identidade próprias por parte de um pequeno estado, outrora império, que nunca perdeu, para todos os efeitos, a sua essência marítima.
Bibliografia Aicep Portugal Global (2019). “Chineses querem Portugal como porta de entrada de investimento em África”. http://www.portugalglobal.pt/PT/PortugalNews/Paginas/NewDetail.aspx?newId=%7B4397E86E-AAEC-4F9A-8480141989D21773%7D ANRS (Amigos da Nova Rota da Seda) 2017. http://www.anrs.pt/documentation/Relat%C3%B3rio_ANRS_2017.pdf Diário de Notícias (2017). “Voo entre China e Portugal é também plataforma para África e América Latina - Capital Airlines”. https://www.dn.pt/lusa/interior/voo-entre-china-e-portugal-e-tambem-plataforma-para-africa-e-america-latina—— capital-airlines-8486325.html Diário de Notícias (2019a). https://www.dn.pt/edicao-do-dia/15-jun-2019/interior/resultados-frutiferos-da-cooperacaoeconomico-comercial-e-de-investimento-china-portugal-11011654.html Diário de Notícias (2019b). “ONU analisou esta semana proposta de alargar fundo do mar português”. https://www.dn.pt/poder/interior/onu-analisou-esta-semana-proposta-de-alargar-fundo-do-mar-portugues-11186 620.html Duarte, P. (2017). Pax Sinica. Lisboa: Chiado Editora. Duarte, P. (2018). Entrevista concedida à China Global Television Network, a 4-12-2018, “China-Portugal Ties: Port of Sines looks for role in Belt and Road Initiative”, https://news.cgtn.com/news/3445444e7a494464776c6d636a4e6e62684a4856/share_p.html Duarte, P. (2019). Entrevista concedida no âmbito do documentário “China-Portugal: 40 anos de relações diplomáticas”. https://www.youtube.com/watch?v=woNgaY7oYFM&feature=youtu.be Duarte, P. and Leandro, F. (2020). “The Ultimate European Border: The Belt and Road Initiative Discovers Portugal”. In Duarte, Paulo and Leandro, Francisco (eds). The Belt and Road Initiative - International Perspectives on an Old Archetype of a New Development Model. Palgrave Macmillan. Huntington, S. (1993). “The Clash of Civilizations?” Foreign Affairs. 72(3): 22-49. Jornal Económico (2018). “Do comércio à educação: conheça os 17 acordos de cooperação assinados entre Portugal e China”. https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/do-comercio-a-educacao-conheca-os-17-acordos-de-cooperacaoassinados-entre-portugal-e-china-385631 Jornal de Negócios (2019). “Portugal vai emitir dívida em moeda chinesa na próxima semana”. https://www.jornaldenego cios.pt/mercados/obrigacoes/detalhe/portugal-vai-colocar-divida-em-moeda-chinesa-na-proxima-semana. Kennedy, P. (1989). Naissance et déclin des grandes puissances: transformations économiques et conflits militaires entre 1500 et 2000. Paris: Payot. Nye, J. (1990). “Soft Power”. Foreign Policy. (80): 153-171.
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Resistirá este casamento feito no céu às guerras comerciais e do COVID-19? Fernanda Ilhéu Professora do ISEG/Universidade de Lisboa Administradora da Fundação Jorge Álvares e Presidente da Associação Amigos da Nova Rota da Seda
“A relação entre os EUA e a China ajudará a definir o século XXI” (Obama 27 de julho 2009) A visita à China do presidente americano Nixon em 1972, marcou o começo do diálogo de cooperação entre a China e os EUA e teve uma importância muito positiva entre a cooperação dos países ocidentais de influência americana no processo de desenvolvimento da China. Em dezembro 1978, Deng Xiaoping anunciou a Política de Reforma e Abertura (gaige kaifang). Esta importante reforma teve um impacto significativo em todos os setores da economia chinesa, mas duas medidas em particular foram determinantes no seu processo de crescimento económico subsequente, a abertura do país ao investimento estrangeiro e a autorização para que os cidadãos chineses iniciassem uma atividade económica privada. Embora estas medidas fossem implementadas de uma forma muito controlada mitigada e regulada, elas não tardaram a ter os seus efeitos e a jogarem no sentido de um crescimento económico baseado na indústria ligeira e no pequeno retalho. Após a normalização das relações diplomáticas, da China com os EUA em janeiro 1979, conduzidas pelo lado americano por Jimmy Carter, os investidores americanos e europeus foram os primeiros a apro-
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Visita de Nixon à Grande Muralha em 1972. Fonte: National Archives – Richard Nixon Presidential Library and Museum.
Chimerica – Resistirá este casamento feito no céu às guerras comerciais e do COVID-19?
veitar as facilidades oferecidas pelas Zonas Económicas Especiais, criadas a partir dos anos 80, para serem os locais preferenciais desses investimentos em regime de Joint-Venture de empresas estrangeiras com as empresas estatais chinesas, mas também com os pioneiros do empresariado privado da República Popular da China, onde tudo tinha sido nacionalizado em 1949. Os chineses ultramarinos, nomeadamente nos EUA e na Europa, mas também em Hong Kong e Macau, tiveram um papel muito importante no arranjo destes casamentos empresariais que deram um enorme contributo na transferência da tecnologia e capital necessários à integração das cadeias de valor global americanas e europeias na China. Esses investimentos, de uma maneira geral, eram todos em indústria ligeira e pelo menos 80% dessa produção tinha de ser exportada. Nos anos 90 e no início do milénio, mais de 60% do comércio externo da China era feito por empresas com capital estrangeiro, ainda em 2008, cerca de 56% das exportações e 55% das importações da China o era e a maioria dessas empresas realizava operações de processing trade, importando cerca de 50 a 80% do valor exportado em bens intermédios e produtos semiacabados. Com a adesão da China à Organização Mundial de Comércio em 2001, a China tornou-se o estádio final das cadeias de valor global na Ásia, mas muitas dessas cadeias de valor eram e muitas ainda são, lideradas por empresas estrangeiras, nomeadamente americanas e de países da UE. Em 2008, o grau de internacionalização das empresas chinesas não era tão elevado como podia parecer à primeira vista, embora os produtos “made in China”
e não “made by China”, invadissem já os mercados mundiais, cerca de 70 a 80% do valor acrescentado desses produtos transacionados nos países desenvolvidos, não ficava na China, mas era apropriado pelas multinacionais destes países que detinham as marcas e as redes de distribuição. Com este modelo a China, em 2008, ultrapassou a Alemanha como terceira economia do mundo, com uma percentagem de 6,8% do PIB mundial, logo a seguir ao Japão com 7%, embora, ainda ambos distantes dos EUA que produziam 23% da riqueza mundial. Distante era também em 2009 o rendimento per capita da população chinesa com US$3700 por ano do da população americana com US$46900. Nessa situação ninguém nos EUA parecia muito preocupado com a participação da China na economia global. Niall Ferguson, conhecido historiador e jornalista, defensor do liberalismo económico mundial referia na Harvard Business Review de julho de 2009, pág. 49, que a Chimerica (relacionamento entre e China e a América), era segundo ele, um casamento feito no céu, e fulcral para a globalização “Os chineses fizeram a exportação, os americanos a importação. Os chineses fizeram a poupança, os americanos a despesa. Os chineses fizeram o superavit comercial, os americanos o deficit da conta corrente. Os chineses intervieram para impedir que o Yuan se valorizasse, os americanos venderam-lhes um trilião de dólares em títulos do tesouro” e concluía dizendo que não podemos culpar os chineses se os americanos não fizeram uma boa utilização desta gigantesca aplicação financeira, que poderia ter sido um estímulo à economia americana e não o suporte de movimentos especulativos, baseados em bai-
Abraço de Jimmy Carter a Deng Xiaoping, 1979. Fonte: https://www.chinausfocus.com/societyculture/why-president-carter-is-popular-in-china
xas taxas de juro, como realmente aconteceu. Na altura da crise financeira de 2008, a dependência do comércio externo chinês das estratégias das empresas multinacionais estrangeiras constituía uma ameaça elevada para a economia chinesa, visto que as exportações eram o principal motor do seu crescimento económico (cerca de 20% do crescimento do PIB). O perigo de desvalorização dos títulos de tesouro americano com a crise 2008 e de uma enorme perda para a China devido à enorme interdependência económica e financeira entre a China e os EUA, levou o então primeiro-ministro chinês Wen Jiabao, a publicamente anunciar no New York Times de 13 março 2019, a preocupação de que os títulos de tesouro americano desvalorizassem e a sua orientação no sentido de colaborar com os EUA para o evitar. Como afirmou Hillary Clinton na sua deslocação à China em fevereiro de 2009 “nós vamos realmente crescer ou cair juntos”. Algum tempo depois da declaração
ORIENTEOCIDENTE
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Hu Jintao com Obama. Fonte: https://www.csmonitor.com/USA/Foreign-Policy/2010/0412/US-Chinarelations-warm-as-Obama-and-Hu-Jintao-meet
do primeiro-ministro chinês, o governador do People’s Bank of China, Zhou Xiaochuan, avançou com sugestões para reformar o sistema monetário internacional, nomeadamente lançou a ideia de utilizar os Direitos de Saque Especiais do Fundo Monetário Internacional para criar uma nova moeda internacional, para ser uma alternativa ao dólar na constituição das reservas oficiais dos países e propôs que a mesma fosse gerida por uma instituição global que assegurasse, quer a criação, quer o controlo da liquidez global, reduzindo os riscos e futuras crises. Esta proposta entrou na ordem do dia dos fóruns financeiros internacionais, tendo o Fundo Monetário Internacional admitido essa possibilidade embora a longo prazo e classificado essa decisão como revolucionária. A China viu nessa crise uma oportunidade para começar a desalojar o dólar como a moeda de troca internacional mais utilizada, cerca de 88% das transações em moeda
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ORIENTEOCIDENTE
estrangeira no mundo envolvem o USD e, levar os EUA a perderem a vantagem de obterem empréstimos externos na sua própria moeda, na altura cerca de 69% do total de reservas globais em moeda estrangeira eram feitas em USD (presentemente 60,8%). No entanto, neste aspeto, o resultado dos seus esforços não foram tão positivos como a China aspirava, porque depois de 2008 as transações de moeda estrangeira em US dólares aumentaram em termos relativos e absolutos e ainda hoje de acordo com o Fundo Monetário Internacional, apenas 4% das transações mundiais em moeda estrangeira envolvem o RMB e, nas reservas financeiras globais o RMB tem o modesto peso de 1,96%, embora a China detenha a maior reserva financeira no mundo em US dólares, cerca de 3 triliões*, praticamente 27% do total global. Mas já no que diz respeito à face económica desta situação financeira, a China aproveitou bem a crise de 2008 para se posicionar para o de-
safio da liderança económica mundial do século XXI, relançou a sua economia primeiro que os EUA e os países da UE. Os estímulos financeiros à economia decididos pelo Conselho de Estado do governo chinês, logo em 2008, foram fundamentalmente a redução das taxas de juro, o aumento dos empréstimos bancários e a injeção de estímulos pecuniários no valor de US$586 biliões, valor correspondente a 4 triliões de Yuan (equivalente a 13,3% do PIB da China em 2008), com o objetivo de reestruturar e subsidiar a indústria, realizar infraestruturas, aumentar o consumo interno e aumentar o rendimento dos agricultores e camponeses pobres. Com estes estímulos a economia chinesa começou logo a recuperar no 1º trimestre de 2009 a um ritmo de 8% e a partir do 3º trimestre esse crescimento passou a ser de 10%. Esta medida teve também um forte impacto no suporte à economia global – a China passou a ser responsável por 30% do crescimento da economia mundial. A partir de 2010 a China começou a apoiar a zona euro com a compra de títulos da divida soberana dos países da zona euro e a partir de 2011 começou a entrar no capital de importantes empresas desses países e realizou também significativas compras a empresas europeias, como 62 aviões A320 à Airbus no valor de €10,6 biliões. Em Portugal, recordamos a partir de 2011 a compra de capital de empresas como a EDP, a REN, a Fidelidade, o BES Investimento, a ES Saúde hoje Luz Saúde e o BCP entre outros. Os americanos mostraram-se mais receosos que os europeus no aumento de participação da China na sua economia, quer com o reforço de títulos de tesouro americano, o que acabou por acontecer, quer da entrada de capital de empresas chinesas no capital de empresas ame-
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ricanas, mas de qualquer forma na reunião do G20 em Londres a 1 de abril de 2009, sobre a crise global financeira, o Presidente Obama e o Presidente Hu Jintao concordaram “em trabalhar em conjunto para resolutamente suportarem os fluxos de comércio e investimento global” e “para resistir ao protecionismo”. Na cimeira EUA – China em Washington DC em 27 de julho de 2009 para lançar um novo diálogo estratégico e económico entre os dois países, o Presidente Obama no seu discurso de abertura declarou “A relação entre os EUA e a China ajudará a definir o século XXI”. Em 2012 a China era já a segunda economia do mundo depois de o seu PIB ter ultrapassado o PIB japonês em 2010 e o seu rendimento per capita anual ter crescido 60% face a 2009, situando-se em cerca de US$6000 enquanto o per capita americano tinha nesse período crescido 10,2% para um valor de US$51700. Apesar dos progressos registados pela economia chinesa, o seu PIB per capita como vimos continuava baixo e, com uma distribuição muito desigual entre as suas províncias, a população urbana e rural, entre jovens e velhos e um grande diferença entre os mais pobres e os mais ricos, apresentava também necessidades de investimento cada vez maior para o mesmo nível de produção, estagnação das exportações, uma percentagem ainda diminuta do consumo interno no total do PIB. A economia dava sinais de capacidade produtiva excedentária, a oferta de mãode-obra estava já a decrescer, créditos mal parados, ao mesmo tempo a corrupção minava muitas empresas estatais e membros do governo.
Hu Jintao com Hilary Clinton. Fonte: https://editorials.voa.gov/a/clinton-on-north-korea-114598599/1482289.html
Em 2012 a nova liderança chinesa liderada por Xi Jinping e com o primeiro-ministro Li Keqiang introduziu mudanças substanciais para efetuar uma reestruturação estrutural da economia, com o objetivo de combater os problemas acima enunciados e a “Armadilha do Rendimento-Médio”, uma série ameaça ao crescimento sustentável da China que começava a registar um ritmo de crescimento do PIB de taxas de 7% ao ano, longe dos 10% a que estivera habituada nos últimos 35 anos e com tendência decrescente. Alguns reputados economistas começaram a colocar em dúvida o futuro da economia chinesa. Paul Krugman em 2013 afirmou que a China estava “about to hit its Great Wall”, para ele a questão, não era se existiria um crash na economia chinesa, mas quando. O 12º Plano Quinquenal (20112015) previa um “crescimento inclusivo” orientado pela sustentabili-
dade e pela qualidade com dois importantes vetores, a mudança de dependência do crescimento baseado nas exportações e no investimento para o crescimento baseado no consumo interno, e a proteção do ambiente com a redução das taxas de emissão de carbono 40 a 45% até 2020. Mas as duas grandes iniciativas desta liderança para restruturação económica foram a “Faixa e Rota e a Rota Marítima da Seda do Século XXI ” e a “ Made in China 2025 ” a primeira foi iniciada em 2013 e a segunda em 2015. A Faixa e Rota atualmente internacionalmente conhecida por Belt and Road Iniciative (BRI) é internamente considerada uma estratégia para o desenvolvimento das províncias mais pobres do norte e a ocidente e para uma maior globalização das províncias mais desenvolvidas a sul e a oriente e externamente é uma visão de uma nova forma dos países interconectarem as suas estratégias
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A Guerra entre os EUA e a China aquece. Fonte: https://news24online.com/world/coronavirus-effect-usa-alleges-chinese-cyber-attacks-on-covid-19-research/11025/
de desenvolvimento, complementando as suas vantagens competitivas, uma dinâmica de globalização que permitirá à China aprofundar a sua abertura e fortalecer a sua cooperação sobretudo com países da Ásia e Europa, mas também com a África e o Resto do Mundo. Em 2015 cerca de 65 países tinham declarado o seu interesse em cooperar com a China nesta iniciativa e, de acordo com o Banco Mundial, este conjunto de países em conjunto com a China, representavam 62% da população e 30% do PIB mundial e detinham 75% das reservas de energia globais. De acordo com o portal oficial da BRI em julho
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2019, 30 organizações internacionais e 136 países, incluindo países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, estavam já a cooperar com a China na BRI e o número de projetos de desenvolvimento acordados entre governos era de 195, com uma cobertura geográfica que ía da Eurásia à África, à América Latina, ao Sul do Pacífico e a países da Europa Ocidental. De 2013 a 2018 o valor de comércio em bens transacionados com esses países foi de US$6 triliões, cerca de 27,4% do total de comércio externo da China e o Investimento Direto da China nesses países foi de US$90 biliões a que se deverão acrescentar mais de US$410 biliões em con-
tratos de construção de infraestruturas. Só para referir o aumento de redes ferroviárias entre a Europa e a China, referimos que presentemente 17 000 comboios expresso circulam de 62 cidades chinesas para 53 cidades europeias em 16 países e que a carga transportada da China para a Europa ocupa 99% da capacidade desses comboios e da Europa para a China 88%. Lamentavelmente esses comboios ainda não chegam a nenhuma cidade portuguesa. Os objetivos da iniciativa “Made in China 2025” visam colocar a China na vanguarda da ciência e tecnologia para transformar a China no país
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Quadro 1. Dependência das Empresas com Capital Estrangeiro no Comércio Externo da China Número de Empresas com Capital Estrangeiro
2006
2017
560 000
599 878
% no Total Exportado pela China
58%
43,1%
% no Total Importado pela China
60%
45,7%
% de Exportações realizado por Unidades de Processamento de Exportações
60%
32%
50 a 80%
22%
Número
% de valor importado de bens intermediários e semiacabados nos produtos exportados Fonte: Chinese Statistical Yearbook (2007-2018)
mais inovador do Mundo até 2050. Com metas concretas de a curto e médio prazo reduzir a sua dependência da tecnologia estrangeira e aumentar a incorporação doméstica na sua cadeia de valor, com produtos intermediários e semiacabados feitos na China para 40% em 2020 e para 70% em 2025. O Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais do governo chinês descreve esta iniciativa, diretamente inspirada pelo Plano Indústria 4.0 da Alemanha, como um projeto para mover a cadeia de valor da indústria na China para níveis de mais elevada integração e valor por forma a torná-la competitiva com a cadeia de valor industrial dos EUA. Pretende que a China deixe de ser um país dos produtos baratos e da mão de obra a baixo custo, para passar a ser terra de engenheiros e trocar a etiqueta de ‘Feito na China’ para ‘Inventado na China’. As indústrias mais visadas são a farmacêutica e de equipamentos médicos, a automóvel, o transporte ferroviário, a aeroespacial, a de semicondutores, a robótica, a tecnologia de informação, a IoT, o big data, a inteligência artificial, os ser-
viços financeiros tecnológicos. A China sabe que no atual cenário de competitividade internacional dominar a inovação é essencial para se ter uma voz no xadrez económico e político mundial. A China está já na vanguarda de dossiers como inteligência artificial, robótica, veículos autónomos, tecnologia de telecomunicações 5G, biotecnologia, produtos farmacêuticos, fintechs entre outros. A China tem conseguido progressivamente diminuir a dependência na sua produção e comércio externo das empresas estrangeiras nas cadeias de valor global integradas na China. Como se pode ver pelo Quadro 1, a percentagem das exportações chinesas feitas pelas empresas com capital estrangeiro era em 2017 de 43,1% no total de exportações da China, longe dos 58% registados em 2006 e com apenas 32% a ser produzido por unidades de processamento de exportação quando em 2006 essa percentagem era de 60%. Também o valor de importações registado em 2017 por empresas com capital estrangeiro era de 45,7% e em 2006 esse valor era de 60%. De referir ainda que a incorporação de
bens intermediários e semiacabados importados reduziu-se de 50 a 80% em 2006 para 22% o que quer dizer uma incorporação de cerca de 78% feita na China. Possivelmente devido ao crescimento do peso da economia chinesa na maioria dos mercados mundiais, em janeiro 2017, no World Economic Fórum em Davos, o Presidente dos Estados Unidos anunciou a sua visão protecionista e uma guerra comercial com a China. De 2017 até agora, o mundo tem vindo a assistir a essa guerra com ameaças, aumentos de tarifas alfandegárias e algumas cedências de parte a parte. Para compreendemos a interdependência entre a China e o mercado mundial devemos ver também o peso dos produtos produzidos na China e consumidos na China em percentagem da produção mundial e do consumo mundial (Quadro 2) e nesse contexto a China, se é um grande produtor, é também um grande consumidor e os grandes produtores mundiais, nomeadamente as empresas americanas, não podem retirar-se do mercado chinês,
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Quadro 2. Peso da Produção e Consumo da China na Produção e Consumo Mundial Produtos
Produção da China
Consumo da China
Computadores
49%
38%
Equipamentos Elétricos
59%
54%
Máquinas
47%
44%
Automóveis
33%
33%
Têxteis
58%
46%
Química
42%
40%
Fonte: Mckinsey Global Institute 2020
onde o modo de entrada é fundamentalmente através do investimento direto e não da exportação, sob pena de perderem significativas quotas do mercado global. Assim convém analisar o impacto desta guerra comercial nas cadeias de fornecimento das empresas americanas na China e pela leitura do inquérito sobre este tema realizado pela American Chamber of Commerce na China (AMCHAM) entre setembro e outubro de 2019 a 70 grandes empresas associadas, 96% das quais ativas na China há mais de 10 anos e 63% com operações em mais de 10 províncias na China podemos concluir o seguinte: 1. 90% das empresas inquiridas sofreram um impacto negativo nas operações das cadeias de fornecimento das suas operações o que as obrigou a diversificar a sua base de fornecimento, e a adotar uma gestão de riscos adicional e medidas de controlo de custos. 2. Metade das empresas declararam que os seus custos tinham aumentado 10% devido às tarifas alfandegárias e 30% tiveram aumento de custos em 16%. 3. Cerca de 20% das empresas declararam que nos últimos 2 anos estavam a deslocalizar a produção para fora da China para minimizar o custo dessas tarifas.
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4. Muitas empresas estão a utilizar a estratégia de cadeia de fornecimentos “In China, for China” no que diz respeito à produção e fornecimentos para responder à procura do mercado chinês. Para melhorar a sua competitividade no mercado a maioria dos inquiridos está a investir em inovação e em transformação digital para ser competitivo na China. 5. Cerca de um terço destas empresas está a considerar ou já a planear uma estratégia completa de transformação das suas cadeias de fornecimento. 6. Cerca de 63% das empresas estão já a investir em novas tecnologias para produção automática e melhoria de competitividade. 7. A maioria das empresas americanas continua esperançada que a relação entre a China e os EUA seja saudável e que o meio ambiente legal chinês as encoraje a investir mais na China. Nomeadamente pretende uma maior proteção dos direitos de propriedade intelectual, políticas preferenciais para atividades industriais por empresas estrangeiras e um maior acesso aos mercados. 8. As principais preocupações de 60% das empresas são um arrefecimento da economia global e a deterioração das relações dos
EUA com a China e os seus efeitos na sua cadeia de fornecimentos nos próximos 3 anos. 9. 93% das empresas americanas inquiridas sentem que as economias chinesa e americana são demasiado grandes e interconectadas para se separarem. Essa separação irá impor danos e maior incerteza a ambas as economias. A perda de competitividade da China em custos era já uma realidade em 2009, se analisarmos o custo de mão-de-obra por hora de trabalho nessa altura o custo na China era de US$2,03 e para citar alguns países mais competitivos para onde a cadeia de fornecimentos das empresas americanas se podiam deslocar, comparamos esse custo com praticado na altura no Vietnam US$0,44, na Indonésia US$0,7, na Índia US$0,92 e no México US$2,1. Não entanto as empresas americanas não abandonaram as suas operações na China por causa desse aumento de custos, um estudo feito pela AMCHAM Shanghai em 2008 concluía que 90% dos seus associados não tencionava abandonar as suas operações de produção na China nos próximos 5 anos, e apontavam várias razões para isso, como um largo network de fornecedores e infraestruturas que não se encontravam em outros países, mas também o mercado interno da China. Presentemente o fenómeno do aumento de custos na China está a ser contornado pelo novo foco da China em inovação. De 2015 a 2019 a China subiu 15 lugares no Índice Global de Inovação passando a ocupar o 14º lugar. Em 2017 a China era já o segundo país do mundo com maior despesa
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em inovação no setor público e no privado com US$452 biliões logo a seguir aos EUA com $511 biliões. Só para referir a já liderança chinesa em termos de publicação de patentes no setor de saúde podemos ver o Quadro 3. A China é já o maior mercado de empresas financeiras tecnológicas (fintechs) no mundo. O relatório de outubro de 2018 da H2 e KPMG referia que 4 das 10 maiores fintechs do mundo são chinesas. De acordo com a Accenture o valor das fintechs chinesas em termos de investimento foi em 2018 de US$25,5 biliões, 46% do total mundial. Em 2018 só a empresa sediada em Hangzhou, a Ant Financial ligada ao Grupo Alibaba, conhecida pelo seu serviço de pagamentos online a Alipay, conseguiu recolher US$14 biliões de investimento, a maior operação de fintech no mundo. A segunda maior operação de fintechs foi também chinesa, a Xiaoman Finantial, uma spin-off do motor de busca Baidu que obteve US$4,3 biliões em 2 operações. Esta liderança chinesa não é surpreen-
dente porque por um lado as necessidades de capital para desenvolver os negócios à escala do mercado chinês são enormes e por outro os serviços financeiros na China, nomeadamente bancários não estão bem desenvolvidos e as fintechs têm na China um sistema regulatório menos constrangedor que no Ocidente e permitem a empresas como a Alibaba (Alipay) e a Tencent (Wechat) oferecerem serviços financeiros. Agora a maioria das transações financeiras na China fazem-se pelo telefone móvel, praticamente o dinheiro deixou de ser utilizado até para pagar um café se usa o telemóvel. Os principais centros de transação das fintechs são Nova Iorque, Londres, Pequim, Xangai, Singapura, Hong Kong e Mumbai, os valores transacionados crescem cerca de 18,4% ao ano e em 2022 deverão alcançar globalmente os US$8,4 triliões. Em outubro de 2019, Xi Jinping afirmou que o desenvolvimento da tecnologia blockchain é uma das prioridades do governo chinês para
acelerar o crescimento da indústria. Em 25 de abril 2020, tivemos conhecimento que a China ia lançar a sua cripto-moeda que estava a ser desenvolvida desde 2014. A China irá lançar a sua plataforma nacional blockchain a BSN (Blockchain Service Network) para o setor financeiro, o que será o primeiro passo fundamental antes de lançar o seu projeto financeiro global – a cripto-yuan, a moeda digital garantida pelo governo chinês. A China encara esta iniciativa como uma forma de competir com o dólar no mercado de pagamentos digitais. Em abril os primeiros screenshots do yuan digital apareceram online e o teste começou em 4 regiões piloto, Shenzhen, Hong Kong, Chengdu e Suzhou com uma lista de clientes do Agricultural Bank of China o 7º do mundo em termos de lucro líquido. Em abril as empresas de Suzhou tinham intenção de pagar 50% dos subsídios de transporte aos trabalhadores locais na nova moeda digital. Esta iniciativa não é inédita no mundo, os governos de países da EU, da Coreia do Sul, Rússia e Sué-
Quadro 3. Os 10 Mais em Publicação de Patentes no Setor da Saúde Países
Biotecnologia
Países
Produtos Farmacêuticos
Países
Tecnologia Médica
EUA
126 581
China
214 992
EUA
284 223
China
92 107
EUA
204 057
Japão
116 745
Japão
33 818
Japão
45 850
China
115 805
Alemanha
24 094
Alemanha
38 279
Alemanha
62 050
R. da Coreia
20 451
Suíça
33 694
R. da Coreia
43 533
Suíça
15750
R. da Coreia
28 036
Holanda
21 984
França
15 292
França
25 814
Suíça
21 909
Reino Unido
12 697
Reino Unido
21 697
França
20 643
Holanda
9 237
Rússia
11 566
Reino Unido
19 643
Dinamarca
7 942
Itália
10 286
Rússia
16 171
Fonte: Índice Global de Inovação 2019, Cornell SC Johnson College of Business, INSEAD, WIPO
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O COVID-19 acrescentou pressão às já tensas relações entre os EUA e a China. Fonte: https://www.npr.org/sections/goatsandsoda/2020/02/14/806096040/for-u-s-and-china-coronavirus-adds-pressure-to-relationship-already-understrain?t=1592232665425
cia entre outros já anunciaram a sua intenção de criar cripto-moedas estatais e bancos centrais de moedas digitais. Alguns analistas consideram que estamos a entrar numa nova era do fim do dinheiro físico para a nova forma de pagamento a digital e que nesta nova forma de pagamento o yuan concorrerá em pé de igualdade com o dólar americano. De acordo com a Hurum Global Unicorn List 2019, a China reúne já o maior número de unicórnios (Startups com valor superior a US$1 bilião). Dos 494 unicórnios existentes, cerca de 206 são empresas chinesas, 203 americanas e 21 indianas. Pequim é a capital de unicórnios com 82 à frente de São Francisco com 55.
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Se em 2017 a preocupação expressa em Davos pelo presidente americano Donald Trump eram as trocas comerciais desfavoráveis aos EUA, o que justificava as medidas protecionistas que implementou a seguir, mas que prejudicaram também as empresas americanas, em 2020 a sua preocupação será também o elevado progresso da inovação ciência e tecnologia chinesas e, talvez por isso esteja a aproveitar o vírus COVID-19, que apareceu pela primeira vez na China em dezembro 2019, para promover uma guerra de opinião pública mundial contra a China, acusando-a de intencionalmente o estar a utilizar para criar vantagem económica e politica, mas como referia o Embaixador Fran-
cisco Seixas da Costa na revista Visão de 7 maio 2020 “Já se percebeu que os EUA optarão por alimentar cada vez mais teorias conspiratórias contra a China, que deem a Trump um inimigo externo que o ajude a renovar o seu poder externo”. Para compreender o impacto do COVID-19 nas operações das cadeias de fornecimento das empresas americanas a operar na China e o impacto nas relações comerciais bilaterais às tensões entre o governo americano e o governo chinês, podemos analisar as conclusões do inquérito realizado pela AMCHAM de 6 a 13 março de 2020 em suplemento ao realizado em 2019 e já referido acima. O inquérito tinha por
Chimerica – Resistirá este casamento feito no céu às guerras comerciais e do COVID-19?
alvo executivos seniores de grandes empresas americanas (definidas como as que tinham uma receita global superior a US$500 milhões) na China, no negócio de produtos industriais, bens de consumo, saúde e indústrias do setor de tecnologias de informação. Responderam a este inquérito 25 empresas todas com mais de 10 anos de experiência de gestão de operações na China e a maioria estava na China há mais de 20 anos. De acordo com as conclusões deste inquérito, 68% dos inquiridos esperava o retorno à normalidade das suas atividades em 3 meses e 96% esperavam que isso acontecesse entre 3 e 6 meses. Cerca de 84% dos inquiridos a curto-prazo não tem planos para relocalizar a sua produção ou a sua cadeia de fornecimentos na China, 12% estava a considerar ajustar a sua produção e/ou cadeia de fornecimentos para outros locais na China e 4% tencionava fazê-lo para fora da China, em relação às operações de sourcing 72% das empresas americanas inquiridas não considera efetuar quaisquer alterações e 24% pensa que poderá efetuar ajustes para outras regiões da China ou fora da China e apenas 4% afirma a sua intenção de cessar a sua operação de sourcing na China. Quanto ao longo-prazo, cerca de 40% afirmaram que a sua estratégia da cadeia de fornecimentos para a China continuará a mesma independentemente do COVID-19, mas 52% consideram que é muito cedo para saber. No entanto os entrevistados indicaram que existe agora um maior potencial de dissociação económica entre os EUA e a China em comparação com o inquérito de 2019, no entanto 36% afirmou que não existirão mudanças, 44% considera essa dissociação impossível e apenas
20% afirma que COVID-19 irá acelerar a separação. Em 15 abril 2020, a Newsweek noticiava declarações de Jimmy Carter em que ele afirmava que Trump tinha medo da força do crescimento chinês e que os modelos de previsão indicavam que a economia chinesa ultrapassaria a americana em 2030 e que muitos falavam já no “século chinês”, ele disse que não tinha esse receio, mas adiantava que o crescimento chinês tinha sido facilitado por um investimento sensato e pela paz e afirmou “desde 1979 sabem quantas vezes a China tem estado em guerra com alguém? Nenhuma e nós temos estado em guerra” ele afirmou que os EUA apenas tiveram 16 anos de paz em 242 anos de história, tornando-o “na nação mais bélica na história do mundo” isto porque a América tem a tendência de forçar as outras nações a “adotar os nossos princípios americanos”. Ele questionava a audiência sobre quantas milhas de caminho-de-ferro de alta velocidade tinham sido construídas nos EUA enquanto a China construía 18 000 milhas, os EUA gastavam US$3 triliões em despesas militares e acrescentava “se tivéssemos
investido US$3 triliões nas infraestruturas americanas possivelmente sobrariam US$2 triliões e teríamos caminhos-de-ferro de alta velocidade, as pontes não estavam a colapsar, as estradas estariam a ser bem preservadas. O nosso sistema educativo seria tão bom como o da Coreia do Sul ou Hong Kong”. O presidente Trump tem de facto razões para recear o crescimento da China, mas deverá considerar se a melhor estratégia será a cooperação e ajustamento como fazem as empresas americanas na China, com ganhos para ambas as partes ou o conflito e a criação de um cenário de guerra fria com uma permanente tensão militar e económica com perdas para todos. Porque passada a pandemia, a China, que já está a criar estímulos à sua recuperação económica e é o primeiro país do mundo a iniciar esse processo, vai emergir como o grande mercado e a grande fonte de capital que poderá sustentar a recuperação da economia mundial e como tal de enorme importância para as empresas americanas e para a economia americana. * Utilizamos neste artigo a nomenclatura americana para referir os valores em US dólares.
Fonte: https://big5.ftchinese.com/story/001079497?archive
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Macau nas Memórias de Joaquim Paço d’Arcos António Aresta Professor e Investigador
Joaquim Belford Correia da Silva (1908-1979), que assinava como Joaquim Paço d’Arcos, romancista, poeta, dramaturgo e ensaísta, viveu em Macau entre Agosto de 1919 e Junho de 1922, período em que o seu Pai, o Comandante Henrique Correia da Silva [que também usava o nome de Henrique Paço d’Arcos] desempenhou as funções de Governador dessa Província Ultramarina situada na zona meridional da China. Joaquim Paço d’Arcos tinha apenas onze anos de idade, mas os curtos anos em que viveu em Macau revelaram-se culturalmente muito intensos e existencialmente marcantes, de tal forma que a sua futura obra irá reflectir intermitentemente essas vivências, sobretudo nos “Amores e Viagens de Pedro Manuel” (1935), no “O Navio dos Mortos e Outros Contos” (1952), nos “Encontros da Vida e da Literatura” (1955) e nas “Pedras à Beira da Estrada” (1962). Talvez aí se encontrem umas das melhores e mais singulares marcas da estética orientalista da fase imperial da nossa história literária contemporânea. Sem esquecer, naturalmente, as “Memórias da Minha Vida e do Meu Tempo”, em três volumes, 1973/1979. Um dos últimos actos do então governador cessante, Artur Tamagnini Barbosa, em 23 de Abril de 1919, foi o de mandar reforçar alguns orçamentos sectoriais, nomeadamente a “dotação do Museu Luís de Camões com 129,000” e a “alimenta-
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ção dos cavalos do Palácio com 200,000”. Uma questão de prioridades, como bem se nota. Em Agosto de 1919, um tufão ameaçava paralisar Hongkong, Macau e toda a zona a sul de Cantão. O Governador de Hongkong, Sir Reginald Stubbs oferece a Government House, mas o Comandante Henrique Correia da Silva tinha pressa para chegar a Macau. A canhoneira “Pátria”, comandada por Mariano de Carvalho, transportará o novo Governador, a Família e a sua comitiva, de Hongkong para Macau, debaixo de uma intensa tempestade tropical, “novidade não houve além do balanço ininterrupto durante nove horas, mais do dobro do tempo normal da travessia”. Chegam a Macau com a cidade totalmente às escuras, porque houve uma falha geral de energia. O tufão trouxe muitos prejuízos, mas também um novo Governador. Era o prenúncio de uma atribulada governação. Em Macau reencontraram familiares, como Carlos d’Assumpção, filho do barão d’Assumpção, que usualmente residia em Kowloon, e o médico José Caetano Soares. De assinalar a curiosidade de o Comandante Henrique Correia da Silva ter nascido em Macau, no ano de 1878, quando o seu Pai, Carlos Eugénio Correia da Silva, o Conde de Paço d’Arcos, era Governador do Território, entre 1876 e 1879.
No seu afectuoso e vibrante livro de memórias, “Memórias da Minha Vida e do Meu Tempo”, que se estende por três volumes, publicados entre 1973 e 1979 [reeditados num só volume em 2014], encontramos uma soberba descrição de Macau e de alguns meandros diplomáticos e políticos da sua difícil governabilidade. Joaquim Paço d’Arcos recorda que se defrontavam “nesse tempo em Macau, dois tipos de civilização opostos, conciliados só pelo poder de adaptação e arte de convívio dos portugueses. Muitas das casas em que habitavam as famílias lusíadas, nativas ou idas da Metrópole, fossem antigos palacetes ou modestas habitações, tinham a traça das nossas construções provincianas. Havia calçadas do burgo que nos lembrariam artérias de Leiria ou de Vila Real. A mentalidade reinante era também a duma cidade portuguesa de província. O calor que se prolongava por grande parte do ano convidava à indolência. Mas paralelamente ao burgo um pouco amadorrado, debatia-se no espaço acanhado da península e transbordava para o mar em centenas de embarcações uma outra cidade, verdadeiro formigueiro humano onde não se escutava uma palavra de português. Em prodígio da arte da governação, mantínhamos porém ali, naquele tempo, toda a nossa autoridade e o prestígio intactos. Por ordem interna velava, com a mestria
Macau nas Memórias de Joaquim Paço d’Arcos
e experiência que adquirira em África, mas facilmente adaptado ao meio tão diferente, o nosso companheiro Vieira Branco, comissário da Polícia. Tinha este como principal auxiliar um chinês, que era o chefe da Polícia Secreta, o Lau-Sin”. Um dos maiores problemas sentidos pelo Comandante Henrique Correia da Silva, no governo de Macau, foi o relacionamento com a China sobretudo essa velha e crónica questão da indefinição de fronteiras e de limites nas águas territoriais, que ficava sempre no limbo dos tratados entre os dois estados: “Disputava a China ao nosso país o direito a possuir águas territoriais. Ora nessas águas pretendia o governo português construir um porto moderno, que atraísse a Macau a navegação e restituísse à colónia o papel antigo de interposto do tráfego do hinterland. Seria a maneira de libertar Macau da dependência vexatória do comércio do ópio, sua principal fonte de rendimento”.
rante a resistência do nosso pai a suspender as obras do porto, a atitude chinesa foi-se tornando mais firme e mais hostil. Em Janeiro de 1920 a concentração de tropas em volta de Macau tomava já um aspecto ameaçador. As informações da Polícia e do comando militar da Taipa e de Coloane revelavam a entrada na cidade e nas ilhas vizinhas de bandos numerosos de piratas
que no momento oportuno agiriam sob as ordens de três centenas de militares chineses, de várias graduações, que disfarçadamente se tinham introduzido em Macau, e as tropas acampadas em redor da península subiam a alguns milhares de homens, ao mesmo tempo que os navios de guerra da esquadra de Cantão cruzavam ao largo, mas à vista dos pacíficos habitantes da ci-
O planeamento do governo de Macau não agradava ao governo regional de Cantão, que suspeitava da ameaça de um expansionismo militar português, mas nunca explicou as razões objectivas da sua oposição: “Do projecto fazia parte a construção dum vasto aterro junto à Ilha Verde, pequeno ilhéu lusíada na parte norte e mais larga desse porto. Puseram os chineses, com a sua persistência bem conhecida, todos os entraves a tal construção. Desde as campanhas da imprensa do sul da China, à agitação orquestrada das associações, aos permanentes atritos locais, às intimidações feitas por embarcações armadas, todos os processos foram utilizados para amedrontar os portugueses”. Avizinhava-se pois um conflito em larga escala contra Macau, com uma magnitude raramente observada: “Pe-
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dade cercada”. A cedência portuguesa era inevitável porque a desproporção de meios e de forças no terreno era notória e óbvia: “E ante a destruição geral que tudo lhe sugeria e o acatamento do instante conselho do representante da Inglaterra na China, Paço d’Arcos, num doloroso desfibrar de toda a sua alma de patriota, decidiu-se expedir a ordem para a suspensão dos trabalhos”. Com o fim das obras portuárias, o conflito terminou de imediato e esvaziou-se a tensão bilateral. Para o acerto da negociação final deste imbróglio político, seguiram para Cantão em representação do governador, José Vicente Jorge e Jaime Cunha Gomes. Era a consabida fórmula diplomática do Buda sorridente que permitia salvar a face, para não haver cabisbaixos perdedores de um lado e vencedores soberbos na outra banda. A vida regressou à normalidade, incluindo a reposição das garantias constitucionais entretanto suspensas e o usual abastecimento de géneros alimentares provenientes da China. Melhor sorte não tiveram as 68 “associações de classe” compulsivamente encerradas pelo Comando Militar de Macau em 7 de Junho de 1922, por evidentes e fundadas suspeitas de agitação subversiva antiportuguesa. Esta página da história contemporânea de Macau, a partir do testemunho de quem a viveu angustiadamente por dentro vêm demonstrar, uma vez mais, que a ausência de conflitos visíveis ou patentes, não significava que eles não tivessem existido, existiram e não foram poucos, por vezes associados a um profundo desgaste psicológico e emocional. Joaquim Paço d’Arcos deixa-nos ainda o depoimento de Luís Gonzaga Gomes, amigo e condiscípulo no Liceu, então instalado no edifício do Hotel Boa Vista, actual
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residência consular, “Volta e meia não tínhamos aulas, porque uma canhoneira chinesa ia fundear nas nossas águas. Macau entrava em estado de sítio e lá íamos nós ajudar os soldados a puxar as peças de artilharia, ali perto, na encosta da colina da Penha”. Em 1921 a boa notícia foi a criação da “Escola Henrique Correia da Silva” em Kobe, no Japão, juntamente com a “Biblioteca Fernão Botto Machado”, que atestavam a vitalidade da comunidade portuguesa aí radicada. Com consternação foi recebida a informação sobre o assassinato de Carlos da Maia, em Lisboa, antigo governador de Macau no período de 1914 a 1916. Este livro de memórias revela-se igualmente muito importante pela minuciosa descrição da vida escolar de Macau e dos seus principais protagonistas: “nos três anos em que frequentamos o liceu, os meus irmãos até ao fim do curso, eu até ao final do quarto ano, foram meus principais professores o Padre Nunes, José da Costa Nunes, em Por-
tuguês; o dr. Borges Delgado, que sucedeu a Humberto de Avelar no reitorado, em Matemática; o dr. Telo de Azevedo Gomes, em Ciências Naturais; Lara Reis em Desenho; o dr. Silva Mendes, também em Português e Latim; Camilo Pessanha, em História e Geografia; Humberto de Avelar, em Latim; José Vicente Jorge em Inglês; e finalmente, em Francês, um jovem goês, Eugénio Aníbal Dias que, por desconhecer praticamente a língua que lhe competia ensinar, recorria ao compêndio do ‘Francês sem Mestre’ para suprir junto de nós a sua pasmosa ignorância”. Todos esses professores foram muito importantes na sua formação escolar, cultural e moral, com a excepção do último. A história do jornal “A Academia – órgão do Liceu Central de Macau”, mereceu um capítulo autónomo nas suas memórias, tal a sua importância no amanhecer da sua carreira literária. Dizia, “escrevíamos sobre muita coisa, mas não sobre a China. Mas no meu espírito, secretamente, esta foi-se insinuando”. No poema “Medo”, encontramos essas ressonâncias: “………………………………… Nessa cidade remota na Costa da China, Todos os mares nos separam, Mas água toda do mar não foi bastante, Para apagar dentro de mim o fogo dos teus olhos, O fogo que arde numa cidade remota, Na Costa da China…”.
Esta reflexão merece registo porque aqui se cruzam o orientalismo com o seu entendimento da sinologia: “Mas, voltando ao cenário em que aquele tempo habitava e onde tive Camilo Pessanha, o poeta excelso da ‘Clepsidra’, figura estranha, de barba negra hirsuta, olhar alucinado e voz profética, por professor de História – voltando a esse cenário, não se vive indefinidamente na China es-
Macau nas Memórias de Joaquim Paço d’Arcos
tirado à sombra, a ler novelas camilianas. O meio assenhoreia-se de nós. As suas personagens impõemse à nossa curiosidade e granjeiam a nossa simpatia, em breve a nossa estima. Os comerciantes pacíficos e os piratas, os letrados requintados e os coolies miseráveis, as mães respeitáveis de família e as prostitutas, os jogadores de fantã e os bonzos dos pagodes vetustos, os vendedores ambulantes e as crianças adoráveis, todos nos rodeiam e o matraquear silabado da sua linguagem sonora quase se torna elemento do ar que respiramos, precisão da nossa existência”. O Comandante Henrique Correia da Silva apresentou-se no Leal Senado, no dia 17 de Maio de 1922, cuja sessão ordinária era presidida pelo vicepresidente Manuel da Silva Mendes. Vinha apresentar os cumprimentos de despedida e agradecer a boa cooperação que tinha existido ao longo do seu mandato como governador. Joaquim Paço d’ Arcos manteve sempre um fascínio saudosista pelo extremo oriente, em particular por Macau e pela China. Em 1972 escreve ao seu velho amigo Luís Gonzaga Gomes para lhe pedir este esclarecimento: “Venho agora pedir o obséquio de umas informações, ainda para as minhas ‘Memórias’. Não sei se conhece uma novela minha ‘O Navio dos Mortos’, publicada no livro com o mesmo nome. Aproveitei nessa novela o drama do assassinato em Londres da filha do milionário de Macau Siu-Tang, de seu nome A-lin. Lembro-me que o SiuTang morava junto do Jardim de São Francisco, algures entre o jardim e a Rua do Campo. Muito grato lhe ficarei se me enviar as informações que puder sobre ele, sobre a filha, ano em que se deu o crime, e sobre o assassinato. Haverá possibilidade
de se obterem alguns informes? Quais eram os negócios de SiuTang? Em que ano morreu ele? Os outros milionários chineses de que me recordo ou tenho notícia (ainda do meu falecido cunhado José Soares) foram o Lou-Lim-Ioc, que vivia perto do Tap-Seac, e cuja casa frequentei em opíparos jantares. Na Praia Grande vivia o Chang-Fong e o Li-Chai-Tong. Pode o meu Amigo enviar-me a ortografia exacta destes nomes, pois que só os recordo de lembrança?” Alto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, viveu em Macau, em Angola, em Moçambique, no Brasil e em França, tendo conseguido encaixar a vida profissional na sua vocação intelectual. A carreira literária de Joaquim Paço d’Arcos foi longa e prestigiada, presidiu à Associação Portuguesa de Escritores, sendo um dos escritores mais traduzidos [espanhol, finlandês, italiano, francês, inglês, sueco, alemão, holandês, romeno, polaco e russo] e estudados no seu tempo.
Para além dos livros já referidos, destacam-se também: “Ansiedade” (1940), “Paulina Vestida de Azul” (1948), “A Floresta de Cimento – Claridade e Sombras dos Estados Unidos” (1953), “Memórias duma Nota de Banco” (1962), “Cela 27” (1965), “Venâncio e Outras Histórias” (1971), “O Samovar e Outras Páginas Africanas” (1972) e “Correspondência e Textos Dispersos, 19421979” (2008). Está hoje um pouco apagado, mas tem um lugar indiscutível na história da literatura portuguesa contemporânea. Eugénio Lisboa, conhecido ensaísta, coloca o dedo na ferida dessa incomodidade: “Joaquim Paço d’Arcos tem estado esquecido, demasiado esquecido, num país que frequentemente desleixa o cultivo dos seus valores. De notar que o ensino das nossas escolas e universidades também não ajuda por aí além”. Numa carta dirigida a Marcelo Caetano, datada de 15 de Outubro de 1976, Joaquim Paço d’Arcos tem esta curiosa observação, dizendo ser um “escritor independente que sempre fui e continuo a ser. Essa independência não me trouxe quaisquer prémios no regime anterior e manteveme inteiramente isolado enquanto passava a procissão dos aderentes no triste Carnaval, no trágico cortejo fúnebre da vida portuguesa dos dois últimos anos”. Entre as distinções que lhe foram conferidas, destacam-se a Comenda da Ordem de Afonso o Sábio [Espanha], a Comenda da Ordem da Vitória [Inglaterra] e a Comenda da Legião de Honra [França]. Encontramos ruas com o seu nome em Lisboa, Odivelas, Oeiras e Santa Maria da Feira. O seu espólio literário foi doado à Biblioteca da Universidade Lusíada. É seguramente um autor a revisitar e a ler com muito proveito.
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A Comunidade Macaense e a RAEM
Contributos para uma reflexão sobre o seu papel, vinte anos depois
Alexandra Sofia Rangel Investigadora académica e colaboradora do IIM
Encontro das Comunidades Macaenses 2019 (fotografia cedida pela Side Effects Productions, autoria de Bruno Ritchie).
I – Um enquadramento necessário É costume aplicar-se a Macau a metáfora do bambu: assolado pelas tempestades, ele dobra-se, inevitavelmente, perante os ventos fortes. Findo o temporal, porém, o bambu endireita-se, preparado para as próximas intempéries. A meu ver, a
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comunidade macaense também é como o bambu: sofreu muitos períodos de ameaça ao longo dos tempos, mas adaptou-se às circunstâncias, erguendo-se sempre após cada adversidade. Foi assim ao longo de séculos, mas enfrentamos hoje uma situação di-
ferente, desde a transferência do exercício da soberania, de Portugal para a República Popular da China, em Dezembro de 1999. Este facto não foi fácil de aceitar por todos, devido aos séculos de presença portuguesa e à forma como a cidade nasceu e se desenvolveu até aos nossos dias.
A Comunidade Macaense e a RAEM – Contributos para uma reflexão ...
José dos Santos Ferreira, uma das referências culturais da nossa comunidade, teve razão em afirmar que não sabíamos “que Macau era só nossa por empréstimo e que um dia teríamos de a devolver, bonita e próspera”, porque a China sempre considerou o seu solo como chinês, independentemente de quem estava lá a viver e, mais cedo ou mais tarde, haveria de exigir o retorno à “Mãe-Pátria”. Por este motivo, alguns macaenses acharam que, após a transição, seríamos “estrangeiros na nossa própria terra”, como pudemos ver em depoimentos recolhidos na obra Macau Somos Nós – Um mosaico da memória dos Macaenses no Rio de Janeiro, que o Instituto Internacional de Macau publicou em 2001, sendo paradigmática esta posição assumida por Luís Pedruco, que foi presidente da Casa de Macau do Rio de Janeiro, na entrevista que concedeu aos seus autores (Andréa Doré, Anita Correia de Almeida e Carlos Francisco Moura): “Mas eu não volto a Macau, pelo seguinte, não posso chegar numa terra onde eu nasci – esquece que Macau sempre foi China, é China – uma terra onde eu nasci, nasci como português, passaporte português. Eu saio e volto hoje, aí só posso ficar 90 dias, como turista. (...) Nasci em Macau, mas minha alma é portuguesa, não me interessa, não vou. (…) Vamos supor que lá foi uma casa em que fui inquilino 25 anos, 50 anos, só que o patrão fez despejo. (…) Vou lá para quê?” Outros macaenses, incluindo autores que têm reflectido sobre este tema, preferem a ideia positiva de “Macau somos nós” à negatividade de “estrangeiros na sua própria terra”. Segundo eles, nós, macaenses, trazemos connosco a memória e o significado de Macau, que não podemos esquecer. Na opinião de Jorge Rangel, que prefaciou o
Jovens da diáspora com a Associação dos Jovens Macaenses em 2012.
mesmo livro, “Macau, quaisquer que possam ser as novas vicissitudes da sua história multissecular, existe e continuará viva no coração, na saudade e na personalidade de cada Macaense. Macau somos e seremos todos nós!” A mesma visão tinha Ana Maria Amaro, que foi professora do Liceu de Macau e dedicou muitos anos da sua actividade académica, como professora liceal e universitária, ao estudo da comunidade macaense e da cultura chinesa: “Seja como for e quando for, os macaenses, onde quer que estiverem, manterão sempre, e apesar de tudo, pela saudade e pelas memórias que levarem, bem presas as suas mais profundas raízes à terra deixada, mas não abandonada, que lhes serviu de berço”. Estas palavras estão no texto do catálogo Macaenses em Lisboa: Memórias do Oriente, publicado em 1992. Na mesma obra encontra-se o artigo “Identidade Cultural Macaense: Achegas dum filho da terra”, da autoria de Carlos Estorninho, intelectual macaense que foi um dos fundadores da Casa de Macau em Lisboa, onde ele declarou
que “Continuaremos Macau, portugueses de Macau, pois Macau somos nós, os macaenses, onde quer que estejamos. Seremos a memória de Macau.” A Declaração Conjunta Luso-Chinesa e a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) definiram o actual estatuto de Macau, para vigorar durante 50 anos, dos quais 20 já passaram. É muito importante divulgar a nossa memória e os nossos costumes, não só para que os portugueses entendam a herança que deixaram neste pequeno território no longínquo Oriente, mas também para que os jovens macaenses conheçam o seu passado e se apercebam da riqueza da sua cultura. É preciso que eles, tanto os de Macau como os da diáspora, se interessem mais pela nossa história e por um conhecimento mais profundo da realidade presente, uma vez que as circunstâncias actuais e futuras irão, decerto, transformar a comunidade, que se foi preparando para enfrentar novos desafios.
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António Manuel Pacheco Jorge da Silva, arquitecto e escritor macaense radicado nos Estados Unidos, diz que muitas famílias macaenses emigradas continuam ligadas à sua cultura, mas que os seus filhos vão assimilando a cultura dos países que os acolheram e, por isso, há quem entenda que não vale a pena tentar falar-lhes de Macau por não estarem interessados. Este autor contesta esta opinião, pois são cada vez mais os jovens da diáspora que sentem curiosidade pelas suas raízes. Mas se não encontrarem algo concreto que os inspire e lhes dê um sentido de orgulho no facto de serem macaenses, a cultura macaense acabará por desaparecer. A memória é, portanto, um legado que temos de deixar às gerações futuras; caso contrário, todos aqueles que fizeram parte desta comunidade serão apenas uma “nota de rodapé na história”. Como poderemos nós, descendentes de gerações e gerações de macaenses, esquecermonos deles e também deixar o mundo esquecer-se deles? Estas lúcidas reflexões e interrogações estão contidas no seu livro The Portuguese Community in Hong Kong – A Pictorial History, conjuntamente publicado, em 2007, pelo Instituto Internacional de Macau e pelo Conselho das Comunidades Macaenses, sendo este um dos vários trabalhos de grande qualidade e significado por ele produzidos nas duas últimas décadas. Por seu lado, José dos Santos Ferreira acreditava pouco num futuro para os macaenses pós-1999 e foi com angústia que encarou a data em que Macau deixaria de ser território português, como é visível no seu poema “O Adeus de Macau”, versão portuguesa de “Adios di Macau”, de que se transcreve uma parte bem ilustrativa do seu estado de espírito quanto ao porvir: “Terra
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Arraial de S. João, patrono da cidade e da comunidade.
de fé que Deus abençoou, / Macau começou sua vida / Há mais de quatrocentos anos. / Nestes longes do Mundo, / No cantinho de pé dum colosso, / Macau nasceu e cresceu. / Sempre filha de Portugal, / Sempre cheia de amor cristão, / Macau humilde a Deus serviu com devoção / E serviu a Pátria com dignidade. / Seus filhos viveram dias trabalhosos, / Suas gentes sofreram atribulações, / E fizeram-na grande! / Tão grande que se apanhou cobiçada. (…) Na triste hora da largada, / De quantos olhos não manjerão lágrimas, / Quantos corações não cairão destroçados! / Qual manso cordeiro, / Macau passará da Pátria para outras mãos.”
Ao longo das suas primeiras duas décadas como região administrativa especial da China, os resultados do esforço feito, com este propósito, podem considerar-se positivos, mesmo sabendo que será sempre fácil identificar aspectos e situações menos consensuais. Até por isso, a ligação futura à terra-mãe continuará a constituir um apelo irrecusável e um permanente desafio à nossa comunidade, especialmente agora que está lançado o ambicioso projecto de progressiva integração da região na Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, abarcando nove cidades do Delta do Rio das Pérolas e as regiões administrativas especiais de Hong Kong e Macau.
Todavia, ao observarmos atentamente este percurso de vinte anos da RAEM, podemos concluir que, não só as instituições macaenses permaneceram vivas e interventoras, como também as novas autoridades locais e as da própria República Popular da China, quiseram que os macaenses, hoje espalhados pelo mundo, permanecessem em Macau.
No que respeita à RAEM, acreditamos que o sucesso dessa integração, que já está a dar passos seguros numa ligação maior à ilha vizinha de Hengqin (espaço que abrange as ilhas da Montanha e de D. João e os aterros que as uniram), dependerá, contudo, da capacidade das autoridades de manterem a singularidade de Macau. É aí que o con-
A Comunidade Macaense e a RAEM – Contributos para uma reflexão ...
de sucessivas gerações de cruzamentos entre portugueses e orientais (mulheres malaias, indianas, japonesas e chinesas, entre outras), havendo também os “macaenses por adopção”, chineses que se converteram ao catolicismo, adoptaram nomes portugueses, frequentaram as escolas de língua portuguesa e, por consequência, assimilaram a cultura e a língua dos macaenses, que os consideram como parte da comunidade.
Procissão de Nossa Senhora de Fátima, a mais participada pela comunidade.
tributo da comunidade macaense poderá ser indispensável, como o é, naturalmente, na viabilização da missão atribuída a Macau como privilegiada plataforma de cooperação entre a China e os países de língua portuguesa. II – A clarificação de um conceito Macaense não tem sido, de acordo com a tradição, um termo que se deva aplicar a todos os habitantes de Macau, pois cerca de 95% da população é chinesa, num território onde também reside gente oriunda de muitas partes do mundo, com pequenas comunidades bem distintas e activas de portugueses e outros europeus, filipinos, tailandeses e outros orientais, e, mais recentemente, até americanos, atraídos pelas oportunidades que a todos Macau oferece. De acordo com a investigadora e professora Graciete Nogueira Batalha, no seu livro Língua de Macau – o que foi e o que é, os macaenses são, em regra, fruto
Na fundamentada opinião de Renelde Justo Bernardo da Silva, que foi professor de gerações de jovens macaenses na Escola Comercial Pedro Nolasco, no seu livro bilingue A Identidade Macaense/The Macanese Identity, “Macaenses são os descendentes dos portugueses, nascidos em Macau. Frequentaram as escolas locais, onde o português foi a língua veicular da aprendizagem. Devido ao isolamento a que foram votados e à sua radicação em terra longínqua, afastada da Mãe Pátria, foram-se casando, pelos séculos fora, uns poucos com portuguesas, mas a grande maioria com as nativas regionais, misturando-se assim o sangue português com o sangue das chinesas, malaias, filipinas, etc. A percentagem do sangue português, que corre pelas veias dos descendentes desta grande maioria, é irrelevante, visto serem portugueses por descendência. Somente que nasceram em Macau e viveram no âmbito dos costumes locais, que séculos moldaram.”
de Albuquerque que tinha como objectivo o rápido povoamento e a vinculação à terra, criando novas gerações nascidas nas possessões portuguesas em número bastante para assegurarem a sua defesa. Segundo ela, após a fundação de Macau, “os portugueses que demandaram Macau encontraram companheiras e lograram criar um tipo novo de euro-asiático, diferente do mestiço luso-chinês que, alguns autores têm, indistinta e erradamente, visto, ao longo dos séculos, no macaense ou filho da terra.” Ela distinguiu mesmo, em Macau, “três grupos bem demarcados, grupos que se isolaram no decorrer do tempo e se mantiveram apenas ligeiramente interpenetrados até às primeiras décadas do século XX” e “esses grupos (portugueses europeus, macaenses ou portugueses de Macau e chineses) apresentam características antropobiológicas e culturais muito específicas que lhes conferem vincada individualidade. Destes três grupos o que merece o maior interesse é, sem dúvida, o dos macaenses, grupo novo, fruto de um poli-hibridismo muito rico.” Como recordou a autora, os macaenses não são simplesmente “luso-chineses”, porque o seu sangue resulta também de outros cruzamentos. Para muitos, como seria óbvio, a palavra macaense deveria aplicar-se a quem nasça em Macau ou a algo relacionado com Macau, mas, para os grupos referidos, o conceito de macaense tem um significado mais restrito.
A miscigenação começou quando os portugueses rumaram à Ásia e contactaram com os povos locais. Ana Maria Amaro lembrou-nos, em Filhos da Terra, que foram encorajados, em Goa e em Malaca, através de atractivos dotes nupciais e a oferta de terras, a casar com mulheres locais, uma política de Afonso
Os macaenses usam a expressão “filhos da terra” para se referirem a si próprios, expressão essa que corresponde à do cantonense (dialecto chinês de Cantão, Hong Kong e Macau) tou sáng pou yân, que significa “filhos da terra de ascendência portuguesa”, o que sempre os diferenciou dos chineses e dos chamados
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“portugueses de Portugal”, uma vez que os macaenses são e sempre foram portugueses, como bem sublinhou Jorge Rangel, presidente do Instituto Internacional de Macau, no volume I do seu livro Falar de Nós: Macau e a Comunidade Macaense – acontecimentos, personalidades, instituições, diáspora, legado e futuro, que já tem 13 volumes publicados: “os macaenses são e sempre assumiram com orgulho a sua condição de portugueses, além de legalmente o serem. É este, aliás, um traço fundamental da sua personalidade e da sua identidade”. Muitos macaenses também se referem a si próprios como “filho de Macau” ou, no seu dialecto tradicional, o patuá, como “Macau filo”, “filo di Macau” ou, no plural, “filo filo di Macau”. Hoje em dia, conceitos como etnicidade e identidade no sentido colectivo podem ser contestados no mundo académico, como, aliás, quase tudo o mais. Mas se de facto – como defendem alguns – não devemos usar “identidade” para nos referirmos a um grupo, a verdade é que existe um sentido de pertença que une os macaenses, bem como elementos caracterizadores de uma identidade e uma postura que traduz uma unidade como grupo. A nossa história, as nossas tradições, o nosso dialecto, a ligação aos valores e práticas da Igreja Católica, a nossa maneira de viver e a nossa culinária, tudo isto nos une numa comunidade, ou seja, num grupo com os mesmos valores e objectivos, um património cultural partilhado e afinidades, numa ligação considerada mais profunda e com mais força do que uma associação racional ou contratual de indivíduos, como é o caso do mercado ou do Estado. Esta ideia de comunidade é defendida por Tony Bennet e outros autores na obra New Keywords: A Revised Vocabulary of Culture and Society.
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“Chá Gordo” com participantes no Encontro das Comunidades Macaenses (foto do Conselho das Comunidades Macaenses).
Como comunidade, ainda que aberta ao mundo e às suas transformações e capaz de se adaptar a novas circunstâncias, temos o propósito de preservar e divulgar os nossos costumes e tradições e proteger os nossos legítimos interesses. Criámos associações, tanto em Macau como nos países que acolheram os macaenses da diáspora, que funcionam como centros de convívio e de afirmação e valorização da comunidade, através das quais também divulgamos Macau e os macaenses, o resultado vivo do encontro dos portugueses com povos do Extremo Oriente. Devido a várias circunstâncias, muitos macaenses emigraram, em finais do século XIX e durante o século XX para países como Portugal, Brasil, Estados Unidos, Canadá, Austrália, antigos territórios ultramarinos portugueses e Reino Unido, mas mantiveram sempre ligações fortes à terra-mãe. No meu livro Filhos da Terra: A Comunidade Macaense, Ontem e Hoje, que foi uma adaptação e extensão da minha tese de mestrado e que teve, no final de 2019, uma nova edição, procurei interpretar es-
ses conceitos e caracterizar a comunidade, recordando a sua origem, fazendo o seu enquadramento histórico, identificando os seus elementos identitários e partilhando uma visão pessoal sobre a sua situação no presente. Macau, constituído pela península de Macau e as ilhas da Taipa e de Coloane, num total de pouco mais de 30 quilómetros quadrados, já com as novas áreas resgatadas ao mar, é um território com quase 500 anos de presença portuguesa que foi devolvido à China em 1999, ano em que se estabeleceu a Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, dotado de ampla autonomia garantida pela Lei Básica da região, aprovada pela Assembleia Popular Nacional da R.P.C., em consonância com a Declaração Conjunta sobre a Questão de Macau, firmada em Abril de 1987 por Portugal e pela R.P.C. Esta Lei Básica assegurou a continuidade da “maneira de viver” da população de Macau e garantiu aos residentes de ascendência portuguesa a necessária protecção, ao mesmo tempo que manteve a língua portuguesa como língua oficial, ao lado da chinesa.
A Comunidade Macaense e a RAEM – Contributos para uma reflexão ...
O legado histórico, cultural e arquitectónico, resultante de um prolongado encontro de culturas, que deu a Macau uma singularidade própria, foi respeitado pelas novas autoridades, a ponto de, com o apoio declarado da R.P.C., o centro histórico de Macau ter sido classificado pela UNESCO, em 2005, como património da humanidade. III – A transição e o estatuto actual de Macau O estatuto político-administrativo actual de Macau, acordado na Declaração Conjunta Luso-Chinesa e determinado pela Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China está amplamente documentado, pelo que referirei alguns aspectos fundamentais mais relacionados com a comunidade macaense. Em Janeiro de 1975, Portugal reconheceu a República Popular da China como o único e legítimo representante do povo chinês, mas apenas em 1979 foram, oficialmente, estabelecidas relações diplomáticas entre os dois países. A situação de Macau foi então referida como questão a resolver em mo-
mento oportuno. Coube ao Governador Garcia Leandro (1974-79) a responsabilidade de conduzir o processo que levou à aprovação e publicação, em Fevereiro de 1976, do Estatuto Orgânico de Macau, que vigorou até 19 de Dezembro de 1999 e, através do qual, Macau passou a ser “um território sob administração portuguesa”. Os outros governadores, neste período até 1999, foram o General Nuno Viriato de Melo Egídio (1979-81), o ContraAlmirante Vasco de Almeida e Costa (1981-86), o Professor Joaquim Pinto Machado (1986-87), o Engenheiro Carlos Montez Melancia (1987-91) e o General Vasco Rocha Vieira (1991-99). Jin Guo Ping e Wu Zhiliang, dois dos raríssimos investigadores com domínio completo das línguas portuguesa e chinesa e que contribuíram decisivamente para facilitar o acesso às fontes históricas existentes nos dois países, argumentam que Macau, como ponto de encontro de culturas e a porta de entrada para a China e de saída de chineses para o resto do mundo, desempenhou um papel fundamental na história moderna da China: “Sem as funções de interface (…) que o Território desempenhou ao longo da história, entre
Encontro dos Jovens Macaenses com o General Garcia Leandro e Dr. Jorge Rangel.
os dois Mundos, a diferença, distanciamento e conflitos entre a China e o Ocidente teriam sido inevitavelmente muito maiores do que aqueles que conhecemos. No que toca à interacção histórica entre a China e o resto do Mundo, sem o aparecimento de Macau, todo o processo histórico do Mundo talvez não tivesse tido as estruturas que hoje lhe conhecemos. Nem o Mundo seria aquele em que actualmente vivemos, nem a China o que é. Esta afirmação em relação às funções históricas de Macau parece um pouco exagerada, mas, se reflectirmos bem sobre o que se passou, de forma a corroborar a nossa asserção, talvez não seja. (…) Na História moderna da China, Macau tem sido um ponto de partida para os Chineses conhecerem o Mundo e para irem ao encontro dele.” Podemos, assim, dizer que interessava à China que Macau continuasse a desempenhar esta função. A Constituição da República Popular da China (1982) estipula que o Estado pode estabelecer, quando necessário, regiões administrativas especiais e que os sistemas a aplicar nessas regiões serão decididos pela Assembleia Popular Nacional, segundo a situação concreta. Após negociações entre os dois Estados, e na sequência de idêntico processo respeitante a Hong Kong, foi assinada, em 1987, a Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau, um acordo que estabeleceu 19 de Dezembro de 1999 como o último dia de administração portuguesa. Esta Declaração começa por dizer o seguinte: “O Governo da República Portuguesa e o Governo da República Popular da China, recordando com satisfação o desenvolvimento das relações amistosas entre os dois Governos e os dois povos
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existentes desde o estabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países, acordaram em que uma solução apropriada da questão de Macau legada pelo passado, resultante de negociações entre os dois Governos, seria propícia ao desenvolvimento económico e estabilidade social de Macau e a um maior fortalecimento das relações de amizade e de cooperação entre os dois países.” Além da data da transição, este documento estipula a criação da Região Administrativa Especial de Macau, em conformidade com o princípio “um país, dois sistemas”, onde será mantido o sistema social e económico vigente durante cinquenta anos a contar de 20 de Dezembro de 1999, não sendo, até 2049, aplicados o sistema e políticas socialistas. A RAEM gozará de um alto grau de autonomia, tendo poderes executivo, legislativo e judicial, sendo que as relações externas e a defesa são da competência do Governo Popular Central. Serão assegurados todos os direitos e liberdades dos cidadãos de Macau: liberdade pessoal, de expressão, de imprensa, de reunião, de associação, de deslocação e migração, de greve, de escolha de profissão, de investigação académica, de religião e de crença, de comunicações e o direito à propriedade privada. O território terá independência financeira, continuando a moeda local, a Pataca, em circulação, a sua própria bandeira e responsabilidades nas áreas da cultura, educação, ciência e tecnologia, e defesa do património cultural em Macau. A língua portuguesa poderá ser usada nos organismos do governo, no órgão legislativo e nos tribunais. A partir da assinatura deste documento, começou a ser preparada a transição, observando-se, de igual
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Livro sobre culinária macaense de Margarida Gomes.
modo, o que estava a ser feito na cidade vizinha de Hong Kong, cuja transferência estava agendada para 1 de Julho de 1997. Ao longo dos doze anos que se seguiram à assinatura da Declaração Conjunta, e na sequência de estudos anteriormente realizados, o Governo de Macau apostou na criação de infra-estruturas importantes, sendo a mais significativa a inauguração do aeroporto internacional a 8 de Dezembro de 1995, uma “aspiração constantemente adiada de sucessivas gerações”, como salientou Jorge Rangel no livro atrás referido. Tendo podido acompanhar de perto a gestão pública do território, como membro do Governo de Macau de 1981 a 1986 e de 1991 a 1999, é também dele o seguinte relato: “Com a sua própria companhia aérea – a Air Macau – o território ganhou então uma nova dimensão e ligações directas a outras partes do mundo, deixando de ser um enclave com entrada e saída obrigatória através de Hong Kong, por via
marítima, e acesso apenas à província chinesa de Guangdong, pela fronteira terrestre”. Foram construídos escolas e centros de saúde, assim como estradas, pontes, estações de tratamento de águas, recintos desportivos, jardins, parques e outras zonas de lazer, um terminal de contentores, um novo terminal marítimo e ainda novas instalações para os serviços públicos, de onde se destacam os edifícios da Assembleia Legislativa e dos tribunais superiores. Para se efectuarem estas novas construções, foram feitos aterros que permitiram que o investimento imobiliário florescesse de uma maneira nunca antes vista. Quanto à situação financeira, “não obstante a crise asiática, que afectou fortemente toda a vasta área geográfica em que Macau se insere e que obrigou a redobradas cautelas na gestão financeira do território, foi possível trabalhar com orçamentos equilibrados e com recurso mínimo à dívida. Houve, felizmente, meios para tudo e foi, em larga medida, com saldos orçamentais que se fizeram as infraestruturas e se fez uma aposta decisiva na educação, na saúde, na habitação e na acção social. As abundantes receitas dos casinos e de outros jogos de fortuna e azar, num território onde os impostos são baixíssimos, permitiram assegurar a realização plena dos empreendimentos projectados pelo Governo.” Como se pode ler no livro A Administração de Macau durante o Período de Transição, coordenado por António Santiago Baptista e Celina Veiga de Oliveira, durante esse período “houve a preocupação de salvaguardar os valores e interesses portugueses em Macau após 1999. Os governos de Macau e de Portugal tomaram um conjunto de iniciativas nesse sentido, nas quais se incluem a instalação do Consulado Geral de Portugal no território, a fun-
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dação da Escola Portuguesa de Macau, cujo currículo é semelhante ao das escolas em Portugal e sendo reconhecida pelo Ministério da Educação, a viabilização do funcionamento do Instituto Português do Oriente, cujo objectivo é divulgar a língua e cultura portuguesas, a criação, em Lisboa, do Centro Científico e Cultural de Macau, que tem como propósito perpetuar a memória da presença portuguesa no Oriente, o apoio à continuidade da presença económica e empresarial portuguesa e a manutenção da comunicação social de língua portuguesa nas três vertentes: rádio, televisão e imprensa.” Macau continua, vinte anos após a transição, a ter um canal de televisão e uma estação de rádio em português e são ali publicados vários jornais e revistas em língua portuguesa. Logo após a transição, surgiram outros importantes organismos, com destaque para a Casa de Portugal, com um rico programa de acção. O dia derradeiro da administração portuguesa – 19 de Dezembro de 1999 – foi extraordinariamente marcante para muitos macaenses, mesmo para aqueles que se junta-
Encontro de Jovens – 2018.
ram ao convívio de boas-vindas à RAEM levado a efeito, à margem do programa oficial, no Largo do Senado. A imagem mais inolvidável desse dia foi a cerimónia que decorreu no átrio fronteiro ao Palácio do Governo, quando o Governador Vasco Rocha Vieira recebeu a bandeira nacional e a apertou firmemente no coração, entre palmas e lágrimas, após o hino nacional solenemente cantado por uma multidão comovida. Seguiu-se um conjunto de cerimónias oficiais que incluíram uma bonita e muito sentida sessão cultural, entendida pelo público como a festa de despedida de Portugal, um banquete oferecido a 2500 convidados, entre os quais representantes de muitos países e de organizações internacionais, a curta e profundamente simbólica sessão das bandeiras, quando, exactamente à meia-noite, foi içada a bandeira da R.P.C., ao mesmo tempo que era arriada a verde-rubra, e a sessão de tomada de posse das novas autoridades. Foi o fim dum tempo e o começo duma nova experiência política para todos. O nome oficial de Macau, desde o dia 20 de Dezembro de 1999, é Re-
gião Administrativa Especial de Macau (RAEM) da República Popular da China, regida por uma Lei Básica, cujos princípios tinham sido acordados na Declaração Conjunta LusoChinesa. No corpo da lei ficaram referidos todos os direitos, liberdades e garantias de que já gozavam os habitantes de Macau. É afirmado, no Artigo 5.º, que, até 2049, não serão aplicados em Macau o sistema e políticas socialistas, “mantendose inalterados durante cinquenta anos o sistema capitalista e a maneira de viver anteriormente existentes.” O primeiro Chefe do Executivo, que é o título atribuído ao primeiro responsável político da RAEM, foi Edmund Ho Hau-Wah (1999-2009), seguindo-se-lhe Fernando Chui Sai On (2009-2019) e sendo o actual Ho Iat Seng. O Artigo 9.º define as línguas oficiais de Macau como sendo a língua chinesa e também a língua portuguesa e são dois os artigos que se referem à liberdade religiosa: o Artigo 34.º, que afirma que os residentes gozam de liberdade de consciência e de crença religiosa, podendo pregar, promover e participar em actividades religiosas em público, e o Artigo 128.º, onde é dito que “De acordo com o princípio da liberdade de crença religiosa, o Governo da Região Administrativa Especial de Macau não interfere nos assuntos internos das organizações religiosas, nem na manutenção e no desenvolvimento de relações das organizações religiosas e dos crentes com as organizações religiosas e os crentes de fora da Região de Macau. Não impõe restrições às actividades religiosas que não contrariem as leis da Região Administrativa Especial de Macau.” As liberdades dos residentes estão explanadas nos Artigos 25.º e 27.º: “Os residentes de Macau são iguais perante a lei, sem discriminação em
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razão de nacionalidade, ascendência, raça, sexo, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução e situação económica ou condição social” e “Os residentes de Macau gozam da liberdade de expressão, de imprensa, de edição, de associação, de reunião, de desfile e de manifestação, bem como do direito e liberdade de organizar e participar em associações sindicais e em greves.” No conceito de residentes permanentes de Macau, contido no Artigo 24.º, estão incluídos “Os portugueses nascidos em Macau que aí tenham o seu domicílio permanente antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau” e “Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau e aí tenham o seu domicílio permanente”. O Artigo 42.º refere-se, especificamente, aos macaenses: “Os interesses dos residentes de ascendência portuguesa em Macau são protegidos, nos termos da lei, pela Região Administrativa Especial de Macau. Os seus costumes e tradições culturais devem ser respeitados.” O funcionamento da Escola Portuguesa de Macau, com professores portugueses e material didáctico vindo de Portugal, encontra-se assegurado no Artigo 122.º, sobre a liberdade no ensino: “Os estabelecimentos de ensino de diversos tipos, anteriormente existentes em Macau, podem continuar a funcionar. As escolas de diversos tipos da Região Administrativa Especial de Macau têm autonomia na sua administração e gozam, nos termos da lei, da liberdade de ensino e da liberdade académica. Os estabelecimentos de ensino de diversos tipos
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podem continuar a recrutar pessoal docente fora da Região Administrativa Especial de Macau, bem como obter e usar materiais de ensino provenientes do exterior.” Sendo a RAEM território chinês, foi estabelecido que, para exercer certos cargos cimeiros, seja obrigatório ter a nacionalidade chinesa, além de ser residente permanente de Macau. Esta restrição não é colocada aos juízes dos tribunais das diferentes instâncias (Artigo 87.º) e aos deputados da Assembleia Legislativa (Artigo 68.º), tendo havido, ao longo das várias legislaturas, alguns deputados macaenses e estando ainda ao serviço das estruturas judiciais vários magistrados recrutados em Portugal. Procissão de Senhor dos Passos.
O Artigo 99.º diz que “A Região Administrativa Especial de Macau pode nomear portugueses e outros estrangeiros de entre os funcionários e agentes públicos que tenham anteriormente trabalhado em Macau, ou que sejam portadores do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da Região Administrativa Especial de Macau, para desempenhar funções públicas a diferentes níveis, exceptuando as previstas nesta Lei. Os respectivos serviços públicos da Região Administrativa Especial de Macau podem ainda contratar portugueses e outros estrangeiros para servirem como consultores ou em funções técnicas especializadas.” Quanto aos aposentados de Macau, a RAEM garante-lhes o pagamento das suas pensões, independentemente da sua nacionalidade e do seu local de residência (Artigo 98.º). Houve, de facto, a preocupação de assegurar a maior continuidade possível na maneira de viver da população e no modo de funcionamento da administração pública, mere-
cendo também menção o facto de, na elaboração da Lei Básica, não terem sido envolvidos só chineses, residentes no continente chinês ou em Macau, mas também macaenses, entre os quais o presidente da Assembleia Legislativa de Macau, Carlos Assumpção, Jorge Rangel, que era então presidente da Fundação Macau, o Arquitecto José Pereira Chan, o Engenheiro Raimundo do Rosário, que é hoje membro do Governo da RAEM, e até o Bispo da Igreja Católica de Macau, D. Domingos Lam. IV – Um legado que importa valorizar Após séculos de presença portuguesa em Macau, vemos, nos monumentos e velhos edifícios, marcas do passado do território que nos convidam a descobrir a sua história. Luís Andrade Sá e António Falcão, em Marcas da Presença Portuguesa em Macau, mostram o significado e o valor desse património construído: “As velhas pedras são as marcas físicas da presença portuguesa em
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Macau e para além delas há sempre uma história por adivinhar. Não interessa que os canhões já não sejam os de Bocarro, que o são na nossa memória; nem importa saber o nome de quem deu o brado de fogo na noite da destruição de S. Paulo, que houve alguém; nem quantas vidas salvou o farol da Guia, que lhas devem. Às vezes basta assumir o papel do estrangeiro, daquele que não reconhece, e procurar nos elementos que perduram, mesmo num tabique que apodrece, um fio que seja o princípio de uma descoberta. (…) E os prédios, aquilo que sobra da chamada arquitectura colonial portuguesa? São verde alface e têm grandes portadas nas janelas; há-os amarelos com portões de ferro à entrada ou debruados a vermelho sangue. Nas varandas têm vasos de Cantão com plantas ressequidas e roupa a estender nas traseiras.”
Ping e Wu Zhiliang, na obra atrás citada, sintetizam eloquentemente esta preocupação: “Uma confluência a todos os níveis entre culturas diferentes, da China e do Ocidente, constitui o encanto perene de Macau. A conotação e o valor intrínseco da cultura de Macau constituem uma força motriz para o seu desenvolvimento e, também, uma sólida base para novas conquistas. Tratase de uma herança preciosa, um capital inesgotável para o desenvolvimento futuro de Macau. Não só devemos apreciá-la e protegê-la, mas, e mais importante ainda, sistematizá-la, investigá-la, cultivá-la e senti-la com o coração para realçar o seu espírito e significado, a fim de que possa desempenhar melhor as suas funções, contribuindo para o progresso e desenvolvimento de Macau, da China, do Mundo e de toda a Humanidade.”
Macau foi, durante muito tempo, um espaço de vivendas e casarões antigos, residências de famílias macaenses. Hoje, este tipo de habitação é muito raro, pois a cidade (assim como a população) cresceu a ritmo acelerado nas últimas décadas do século XX, sendo agora ocupada por modernos prédios de 30 ou mais andares. Mas Macau tem uma área muito reduzida. O território tem hoje pouco mais de 30 quilómetros quadrados, mas o centro histórico apenas 1/8 dessa área, pelo que, em 10 ou 15 minutos a pé, podemos deixar a azáfama da zona dos casinos e dos novos hotéis e entramos no sossego de um templo, de uma igreja ou de um jardim chinês, quase todos muito bem preservados.
Por isso, foi com enorme satisfação que, não só os macaenses, mas também a população de Macau em geral, viram, em 2005, o centro histórico da cidade ser proclamado Património Mundial pela UNESCO, sendo o 31.º local na China a receber este estatuto. Sob a protecção desta organização internacional, as zonas características de Macau serão preservadas e tidas em conta em futuros projectos urbanos. O centro histórico, conforme a documentação oficial distribuída pelos Serviços de Turismo de Macau, “constitui uma representação ainda existente do povoado histórico que marcou os primórdios da cidade, envolvendo legados arquitectónicos entrelaçados no tecido urbano original da mesma, que inclui ruas e praças, tais como o Largo da Barra, o Largo do Lilau, o Largo de Santo Agostinho, o Largo do Senado, o Largo da Sé, o Largo de S. Domingos, o Largo da Companhia de Jesus e o Largo de Camões. Estas praças principais e am-
Muitos sentem que o território está a ficar descaracterizado com os novos edifícios, já que o que o torna diferente de outras cidades na costa meridional da China são as marcas da presença portuguesa. Jin Guo
bientes urbanos estabelecem a ligação entre uma sucessão de mais de vinte monumentos, que incluem o Templo de A-Má, o Quartel dos Mouros, a Casa do Mandarim, a Igreja de S. Lourenço, a Igreja e Seminário de S. José, o Teatro D. Pedro V, a Biblioteca Sir Robert Ho Tung, a Igreja de Santo Agostinho, o Edifício do Leal Senado, o Templo de Sam Kai Vui Kun, a Santa Casa da Misericórdia, a Igreja da Sé, a Casa de Lou Kau, a Igreja de S. Domingos, as Ruínas de S. Paulo, o Templo de Na Tcha, a Secção das Antigas Muralhas de Defesa, a Fortaleza do Monte, a Igreja de Santo António, a Casa Garden, o Cemitério Protestante e a Fortaleza da Guia (incluindo a Capela e Farol da Guia).” A preocupação com a protecção do património está explícita na Lei Básica, no Artigo 125.º: “O Governo da Região Administrativa Especial de Macau protege, nos termos da lei, os pontos de interesse turístico, os locais de interesse histórico e demais património cultural e histórico, assim como protege os legítimos direitos e interesses dos proprietários de património cultural.” Mais medidas legislativas e administrativas têm sido, entretanto, aprovadas, visando a protecção e a valorização desse património e a caracterização do chamado “património imaterial” de Macau. De facto, as novas autoridades aperceberam-se de que é preciso preservar e valorizar o carácter multicultural de Macau, sendo a herança histórica da cidade uma vantagem no seu futuro desenvolvimento, até porque constitui uma preciosa atracção turística. Macau tornou-se, também, um importante elo entre a China e o mundo lusófono, já que o Governo Central cedo reconheceu o seu potencial nesta área, em particular nas relações sinoportuguesas. A este propósito, Jorge Rangel, no 4.o volume do seu
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livro Falar de Nós: Macau e a Comunidade Macaense, achou oportuno sublinhar que “É justo reconhecer que a China soube (...) respeitar e valorizar, com lucidez e pragmatismo, este papel de Macau, vencendo os preconceitos e a ignorância de algumas forças vivas locais. Definiu-se um caminho. Importa prossegui-lo determinadamente, com a mesma lucidez e idêntico pragmatismo.” Neste contexto, vale a pena registar a constituição recente de associações locais que se ocupam da preservação e valorização do património, criadas por jovens chineses de Macau com forte sentido de pertença à terra onde nasceram. Uma das políticas mais relevantes do Governo da RAEM é, portanto, desenvolver Macau como uma permanente plataforma de cooperação multifacetada entre a China e os países de língua portuguesa. A este propósito, foi criado, em 2003, o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, com secretariado permanente em Macau e cujas áreas de cooperação se foram alargando substancialmente, estendendo-se à cultura, à administração pública, à saúde, ao desporto e à formação de recursos humanos. Mas o legado não se limita apenas aos monumentos; engloba, igualmente, valores e pessoas, as “pedras vivas” da história e a sua memória. Para além das igrejas, monumentos e casarões de estilo colonial, os portugueses deixaram em Macau uma forma de estar, suportada por um sistema jurídico e judicial de matriz portuguesa e enriquecida pelos direitos, liberdades e garantias que a Constituição Portuguesa assegurou até 1999 e que foram incorporados na Lei Básica da região, contribuindo, também aqui, para afirmar a sua singularidade.
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IV Encontro da Comunidade Juvenil Macaense.
E ficou esta outra herança indiscutivelmente importante: a comunidade macaense, descendente dos soldados, navegadores e mercadores que, em tempos remotos, partiram em busca de novos mundos e chegaram a essas terras distantes. A eles se juntaram funcionários públicos, profissionais das mais diversas áreas ou simples aventureiros em busca de fortuna e gentes vindas de todas as partes do mundo, em busca de paz, refúgio e oportunidades, além dos chineses de Macau, em número sempre crescente, que ali nasceram ou quiseram viver e constituíram o sustentáculo humano indispensável ao seu desenvolvimento. Todos fizeram Macau, marcaram o seu percurso, afirmaram a sua singularidade e deram razão de ser ao estatuto de autonomia que lhe foi reconhecido. Existe abundante literatura recente sobre o legado, nos trabalhos de António Aresta, Celina Veiga de Oliveira, António Conceição Júnior, António Manuel Pacheco Jorge da Silva, Stuart Braga, Carlos Marreiros, Jorge Rangel e outros, pelo que julgo desnecessário alongar-me neste ponto fulcral para se entender a comunidade macaense, a situação
presente e as suas expectativas em relação ao futuro. V – Que futuro para a comunidade? Vinte anos volvidos, podemos constatar que as expectativas foram, em muito significativa medida, correspondidas e a Lei Básica respeitada, o que é essencial para o sucesso de Macau. Jin Guo Ping e Wu Zhiliang, já atrás citados, ofereceram-nos esta visão razoavelmente optimista: “A convivência entre os Chineses e os Portugueses no Território permanece ligada à memória colectiva histórica eterna, enquanto os sedimentos históricos e culturais em Macau, visíveis e invisíveis, serão a pedra basilar e a força motriz para o desenvolvimento e progresso desta terra no futuro. Temos a certeza de que com o empenhamento na política orientadora de ‘Um país, dois sistemas’ e o cumprimento rigoroso da Lei Básica, Macau poderá desempenhar um papel ainda mais activo no processo de modernização da China. O futuro de Macau será então mais promissor.” Nas cerimónias comemorativas do 10.º aniversário do estabelecimento da RAEM, realizadas em Macau, em
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Dezembro de 2009, e que os órgãos de comunicação social reportaram larga e intensamente, fizeram-se balanços apropriados nos discursos oficiais proferidos. O mesmo aconteceu no vigésimo aniversário, em Dezembro passado. A nota dominante foi a da confiança no futuro e de regozijo pelo cumprimento da Lei Básica, assim como pela prosperidade que continuou a caracterizar o desenvolvimento económico de Macau, não obstante a crise financeira internacional que não deixou ninguém imune e alguns conhecidos acidentes de percurso que podiam ter abalado a estabilidade. De facto, e apesar de a carga fiscal permanecer muito baixa (12% no máximo), as receitas públicas ampliaram-se substancialmente com a política de liberalização das operações dos jogos de fortuna e azar, nas quais intervêm empresas locais e interesses económicos do exterior, ligados mormente a Hong Kong e a Las Vegas, que fizeram aparecer muitos mais casinos (são já quase 40 em funcionamento) e outros recintos de diversões e, com eles, hotéis de impressionante categoria e dimensão, bem como outras actividades que o efeito multiplicador do turismo permitiu criar, expandindo também o emprego e enchendo os cofres da região, o que permitiu apostar em novos investimentos físicos, na melhoria dos apoios sociais e no reforço exponencial das reservas financeiras. Os mais de 30 milhões de visitantes, na sua maioria chineses, asseguraram o seu funcionamento e estável crescimento. Também em Lisboa, quer no 10.o, quer no 20.o aniversários da transferência, por iniciativa da Fundação Jorge Álvares e com a colaboração da Fundação Calouste Gulbenkian e de outras entidades, foram organizadas sessões solenes, presididas pelo Presidente da República e com
a presença do Embaixador da República Popular da China, em que se teceram elogios à forma como Portugal cumpriu a sua missão em Macau e passou, de forma digna, as responsabilidades políticas e administrativas às autoridades chinesas. Em 2009, foi também inaugurada uma exposição, intitulada “Macau, Encontro de Culturas”, que fez a sua itinerância por cidades portuguesas, para divulgar o legado que ficou em Macau, após mais de quatro séculos de presença portuguesa. Por seu lado, a RAEM preparou as suas mostras, através de serviços oficiais ou utilizando a colaboração e a capacidade de instituições da sociedade civil, como o Instituto Internacional de Macau. Uma delas, inaugurada em Pequim, foi depois apresentada em diversas partes da China. Outras estiveram em Portugal (Lisboa e Porto), no Brasil (São Paulo e Rio de Janeiro) e em cidades dos Estados Unidos da América e Canadá, tendo várias Casas de Macau assegurado uma útil e empenhada colaboração. Os propósitos foram apresentar os resultados positivos alcançados na vigência da RAEM e dar uma nota de confiança no futuro, revelando as realidades e as potencialidades desta região especial. Outras iniciativas idênticas foram preparadas para a jubilosa celebração do 20.o aniversário, tendo múltiplas organizações da sociedade civil promovido os seus próprios actos comemorativos. Para muitos, as inquietações que se fizeram sentir antes do estabelecimento da RAEM, dissiparam-se ou, pelo menos, atenuaram-se consideravelmente. A comunidade macaense residente, certamente a mais vulnerável neste contexto, adaptou-se às novas circunstâncias e as autoridades, quer as centrais, quer as regionais, deram sinais positivos de quererem continuar a contar com a participação
activa da comunidade na construção do futuro da região. Não se registaram situações de discriminação no âmbito do poder político e, embora alguns casos tenham sido reportados ao nível da administração pública, sobretudo no que respeita a concursos, a contratos e a promoções, os macaenses foram encorajados a manter um envolvimento em todas as vertentes, da economia à cultura. Na vida associativa, as instituições macaenses têm sido apoiadas financeiramente e elas mantêm-se coesas e interventoras em diversas áreas, da recreativa à social e da cultural à profissional. Até foram feitos convites a dirigentes de organismos macaenses para visitarem várias vezes a R.P.C., onde foram recebidos por altas entidades chinesas. É natural, contudo, que algumas desconfianças e receios permaneçam, especialmente no que respeita ao fim da vigência da RAEM, em 2049, e à medida que se vai fazendo, regular e inexoravelmente, a integração de Macau e Hong Kong na vasta área chinesa do Delta do Rio das Pérolas, que tem sido uma das de mais espectacular desenvolvimento em todo o mundo. Foi, entretanto, anunciado e iniciado o imenso projecto da Grande Baía de Guangdong-Hong Kong-Macau, com objectivos e etapas claras de progressiva integração. Quanto aos membros da comunidade que partiram e que engrossaram a diáspora macaense, as atitudes são também mistas, embora de grande abertura e de enorme vontade de verem mantidas as ligações às origens. Os Encontros das Comunidades Macaenses podem estimular o reforço desta ligação e, por isso, foram e devem continuar a ser realizados, assim como os Encontros dos Jovens Macaenses, incluindo os representantes da diáspora. Merecem, igualmente, muito maiores apoios as
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Casas de Macau e outras organizações da diáspora macaense, que podem ser tidas como extensões naturais de Macau, disponíveis para darem à região uma colaboração que pode ser da maior utilidade e eficácia, na sua promoção no exterior. As autoridades centrais ligaram a região aos seus projectos de dimensão universal, como é o caso da Iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, articulando o papel de Macau como plataforma de cooperação com o mundo lusófono nesse contexto mais amplo. Também definiram para a região outra missão muito relevante como grande Centro Mundial de Turismo e Lazer. Claro que essas decisões criaram oportunidades de participação que podem também beneficiar a comunidade macaense, nas ocupações profissionais e na participação cívica. Por outro lado, o ensino superior, que teve um impulso decisivo na última década da administração portuguesa, conheceu um notável desenvolvimento, podendo a região funcionar, igualmente, como um centro de formação avançada, adequadamente apoiado por qualificados institutos de estudos e investigação. A confiança no futuro tem sido constantemente expressa, com visível optimismo, por dirigentes políticos e cívicos locais. Mas, é bom ter sempre em conta que, depois de muitos dias de céu azul, podem surgir nuvens negras no firmamento. Em tempos recentes, alguns novos factores e circunstâncias, como os continuados incidentes em Hong Kong e os efeitos da “guerra comercial” travada entre as maiores potências económicas, criaram acrescidas apreensões, que a pandemia, que afectou inexoravelmente o mundo todo, veio agravar, obrigando a repensar caminhos, procedimentos, comportamentos e opções. Muito louvável foi a forma como o Go-
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Arraial de S. João.
verno da RAEM soube enfrentar esta dificílima situação, pelas medidas que, imediatamente, tomou. Todos sabemos que, após esta imensamente dolorosa calamidade, de dimensão planetária, provavelmente nada ficará na mesma. Todavia, acreditamos que com todas as inevitáveis sequelas que nos acompanharão durante muito tempo, a confiança em dias melhores permanecerá, porque eles voltarão. Existirão sempre visões e perspectivas mais ou menos optimistas. Túlio Tomás, personalidade de apurada sensibilidade e elevado nível cultural que dirigiu os Serviços de Educação de Angola e de Macau e foi ViceReitor da Universidade da Ásia Oriental, identificou muito bem esta questão, sabendo antecipar as dúvidas e as inquietações que poderiam surgir no desenvolvimento de um complexo processo político-administrativo de mudança histórica que conduziu ao estabelecimento da RAEM. Fê-lo num texto publicado em 1992, integrado no catálogo da exposição “Macaenses em Lisboa: Memórias do Oriente”, organizada
pela então Missão de Macau: “Visão pessimista, sem contrapartida? De modo algum. É que Macau conserva ainda intacta uma parte riquíssima – a mais rica – do seu património: as suas gentes. Os Macaenses de raiz. Muito embora dispersos pelo Mundo, eles todos constituem uma grande Macau, que não se perderá enquanto a força da tradição, em que foram educados, os não abandonar. Mesmo que os chamados ventos da História os varressem da terra onde nasceram, e onde repousam os seus antepassados, eles continuá-la-iam nas sete partidas do mundo onde se acolhessem. Levariam consigo uma cultura multissecular, feita pedra a pedra, mas que, incompreendida por muitos observadores vindos do exterior, é uma indiscutível realidade. Muitos não se aperceberão dela localmente, mas o facto é que essa cultura se evidencia imediatamente, no seu património, transmitido de tradição em tradição, nos grupos de macaenses que vão fixar-se em terras estranhas. Aí ressalta, imediatamente, a sua personalidade, o seu saber ancestral e, sobretudo, o seu indefectível patrio-
A Comunidade Macaense e a RAEM – Contributos para uma reflexão ...
tismo, o seu esforçado apego às coisas portuguesas, tantas vezes mais acendrado que entre os filhos do Portugal europeu, que muitos deles, ainda há pouco, não conheciam. Resta-nos, pois, a consoladora esperança de que, mesmo que as pedras desapareçam, ficarão as almas, e essas são imortais (…) Macau, pois, há-
de sobreviver. Serão eles os arautos da Macau rediviva.” Não seria fácil condensar melhor, em tão poucas frases, as certezas que nos animam, as esperanças que acalentamos e as dúvidas que espelham o nosso necessário realismo quando fazemos pausas para pensar, sa-
bendo que queremos continuar a construir um amanhã seguro para a comunidade, no seu todo, e para cada um dos “filhos da terra” que desejam ficar na terra que (oficialmente) nunca foi sua, mas que, na verdade, por todas as razões, sempre foi e continuará a ser (também) eternamente sua.
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Ensinar na China – uma forma de viajar diferente Álvaro Rosa Docente universitário
Recordo-me que foi num janeiro frio de 2012 que fui, pela primeira vez, lecionar na China. Foi em Chengdu, ao abrigo de um programa do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, de onde sou docente. Há quase uma década que o ISCTE está na China continental. Através da sua escola de gestão, a presença internacional do ISCTE, o Instituto Universitário de Lisboa que foi criado em 1972, tem deixado marcas por terras da África lusófona, nomeadamente, em Moçambique e Cabo Verde, como também no Brasil e ainda por terras do Oriente como em Macau e na República Popular da China. Na China, O ISCTE oferece em parceria com duas prestigiadas universidades, dois programas académicos ao nível do 3.º ciclo. O primeiro, em Chengdu, capital da província de Sichuan é um doutoramento em gestão aplicada que em inglês se designa por DOM – Doctor of Management em parceria com a escola de gestão e economia da University of Electronic Science and Technology of China (UESTC). Este é um programa generalista no domínio científico de gestão abarcando, por isso, todas as áreas de estudo neste âmbito, como estratégia, gestão de recursos humanos, marketing, gestão de operações e finanças. É um programa muito requisitado e os participantes muito satisfeitos com a prestação organi-
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zativa e académica tanto da parte chinesa como da parte portuguesa. O segundo programa, realizado em cooperação com a Southern Medical University de Guangzhou, na província de Guangdong, é um doutoramento em gestão da saúde. Como tal, a maioria dos que se inscrevem neste programa são médicos e administradores de hospitais ou profissionais ligados às indústrias que circunscrevem o mundo da saúde. Neste trabalho, propomos partilhar com os leitores a minha vivência e de alguns professores da mesma escola nesta senda que é ensinar num país culturalmente diferente e cujos alunos não têm outra competência linguística que não a sua língua materna. A memória da primeira lição A parte letiva dos dois programas é dada em parte por professores da escola de gestão do ISCTE que se deslocam à China para o efeito como também por docentes das universidades parceiras. A tarefa nem sempre é fácil, sobretudo quando há que coordenar as agendas diárias com a viagem, as aulas e os compromissos sociais. O nervosismo miudinho da primeira experiência é sempre marcante. Aterrei no último dia de janeiro de 2012 no aeroporto internacional de Chengdu, capital da província de
Sichuan a noroeste da China. Era já noite, dois cavalheiros esperavam por mim na zona da chegada que me levaram de carro ao hotel numa viagem de quase três quartos de hora. Dada a dificuldade de comunicação porque eu não dominava o mandarim e eles não falavam inglês, só no dia seguinte vim a saber que afinal os dois cavalheiros eram alunos da turma que eu ia ter. Mais tarde, também vim a descobrir que esta era uma prática recorrente da gestão do programa da parte da UESTC: Sempre que eu precisasse de me transportar de e para o aeroporto ou se pretendia visitar uma outra cidade, a Universidade solicitava a um aluno meu para me organizar a logística necessária, e assim, eu ficava sempre bem entregue. Nesse ano, as aulas não eram nas instalações da Universidade, mas sim, no hotel onde eu estava alojado porque estávamos nas antevésperas do Ano Novo Lunar e por este motivo, havia de conferir um carater especial, festivo, ao programa social da atividade académica. Na manhã do dia seguinte, ao pequeno almoço, à chinesa, num restaurante enorme repleto de hóspedes fui conhecendo o staff da Universidade local e demais professores que lá estavam para as festas! Deram-me, de imediato, um documento de várias páginas. Era a agenda da minha estada toda. Vinha, com detalhes, o horário das aulas, dos almoços e jantares, as pessoas com quem iria jan-
Ensinar na China – uma forma de viajar diferente
Ambiente de aula na Southern Medical University, Guangzhou.
tar, os alunos que iria receber individualmente e tudo o mais. Tinham pensado em todos os pormenores com a certeza de que eu não ficaria com nem um minuto por preencher.
À hora marcada, comecei a minha lição.
investigação a candidatos a doutores é sempre um exercício desafiante em qualquer parte do mundo. Os candidatos vêm sempre com ideias grandiosas e generosas, imbuídos de alta energia, a pensar que o mundo será certamente melhor com o seu contributo doutoral. Por sua vez, o professor vai desfiando, paulatinamente, o fio da meada do método científico, enfatizando a necessidade de cumprimento do método científico, das validações que são necessárias, um sem fim de matéria tão aborrecida e tão distante dos sonhos que os levaram a candidatar-se ao programa. Para não lhes matar o sonho e a audácia vou contando com exemplos e histórias como as técnicas da investigação asseguram um conhecimento mais sólido dos fenómenos que deparamos no nosso dia a dia.
Incumbiram-me de lhes falar de metodologias de investigação. Ensinar
Retomando a particularidade da agenda, a experiência diz que, na
Chegou a hora de entrada para a sala de aula. No fundo da sala, junto à entrada, estava pendurado um enorme placard com bolsinhas individuais inscritas com os nomes dos alunos. Os participantes foram entrando e assinavam, junto à entrada, a sua presença numa folha para o efeito e colocavam o seu telemóvel na bolsinha do placard com o seu nome. Este gesto de deixar o telemóvel à entrada deixou-me perplexo. É um ato de humildade e de coragem impressionante nos dias que correm…
China, a agenda é flexível. Colegas meus e eu próprio temos estado por várias vezes em Chengdu por períodos de vários dias e até de períodos de mais de uma semana. E, como sempre, dão-nos logo à chegada o plano de toda a estadia. No entanto, todos os dias, o plano sofre alterações! A felicidade é que sendo nós portugueses, como diria o Prof. Nelson Ramalho, professor de Recursos Humanos, “e por termos inscritos na nossa cultura a experiência de séculos de contacto com o mundo e termos no nosso DNA cultural a versatilidade nas relações internacionais” somos capazes de digerir facilmente as mudanças constantes do plano. Certamente que povos provenientes de uma cultura de planeamento rígido e, quando confrontado com o dinamismo de agenda, colocariam tantos problemas na relação que os programas desapareciam em dois anos. As aulas em Guangzhou A Southern Medical University (SMU) situa-se num dos polos muito movimentados da cidade de Guangzhou (outrora Cantão), não muito distante do novo aeroporto Baiyun da cidade. O complexo universitário integra um hospital, o Nanfang Hospital – a formação médica da SMU estende-se por mais cinco hospitais na região –, um hotel e demais equipamentos sociais. O nosso programa funciona num edifício nobre contiguo ao da administração da universidade. A sala de aula que nos é afeta é enorme e equipada com sistema audiovisual adequado. Existe um serviço de café permanente na sala, onde não faltam, para além de chás e bolos, fruta diversa, rebuçados e snacks variados.
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Uma sessão de apresentação de projeto de investigação doutoral do DOM de Chengdu, no ISCTE, em 2019.
Os alunos não falam, em regra, o inglês, por isso, o recurso a um intérprete é indispensável. A interpretação é sequencial, o que nem sempre facilita a explanação de exemplos. Nos últimos anos, a função de interpretação é desempenhada por uma senhora extraordinária, doutorada em economia e que domina na perfeição a terminologia dos temas de gestão, da saúde e de metodologias de investigação. Como lembra o Prof. José Paulo Esperança, docente de negócios internacionais, muitas vezes, “é ela quem tira as dúvidas aos alunos” o que eu acrescentaria, até dá muito jeito. Durante todo o tempo de aula, há pelo menos um funcionário presente na sala que tem por missão velar
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pelo bom funcionamento geral de tudo. É sempre ou quase sempre uma pessoa cuidada para com o docente em aula e que não lhe falte nem água nem café. Esse funcionário tem ainda uma outra função que é anotar o número de intervenções dos alunos em aula, cronometrandoas. Este procedimento meticuloso é uma realização material mais profunda que conheço da avaliação da participação dos alunos em aula, evitando de todo em todo a perceção subjetiva por parte do professor. O aluno chinês, na boa tradição confuciana, é um aluno muito respeitoso, como recorda o Prof. Nelson Ramalho que aprecia imenso a “cordialidade dos alunos chineses e a demonstração do enorme respeito
pelo professor”. Os alunos chineses têm uma postura na aula muito diferente da dos alunos portugueses. São, na sua generalidade atentos, mas pouco participativos, no entanto exibem, nas palavras do Prof. Nelson Ramalho, “uma tolerância qb quanto aos excessos de preleção do docente e nunca demonstram impaciência mesmo quando a aula vai pelo intervalo adentro”. Por outro lado, os alunos tendem a não questionar o docente na aula, preferem ouvir e refletir. No entanto, quando adquirem algum à vontade com um professor, “são capazes de abertamente discutir, expor as suas dúvidas e pedir orientações” como também refere o Prof. Nelson Ramalho.
Ensinar na China – uma forma de viajar diferente
A dimensão da turma é cerca de 25 alunos. São altos quadros ou dirigentes com uma vontade enorme de refletir, sobretudo sobre as organizações ondem se encontram a trabalhar. Outros são empresários de sucesso que acreditam que terão chegado o momento de regressar à escola para mais luz. Independentemente da motivação individual para ingressar no programa, há uma certeza, esses alunos acabam sempre o doutoramento a que se propõem fazer, como diz o Prof. José Paulo Esperança “podemos dar-lhes trabalho, eles não desistem e fazemno”. O momento de convívio Cada módulo letivo nos programas da China tem a duração de 24 horas e decorre de sexta-feira a domingo. Sendo o povo chinês de índole gregário, o convívio social é imperioso. Ao sábado à noite, faz-se sempre um jantar, mais ou menos exótico, mais ou menos opulente, dependendo do estilo de pessoa do organizador, sendo os docentes obviamente convidados. Como no resto da China, o jantar inicia-se por volta das 18h. A característica principal destes jantares é a socialização e o ato de brindar constitui um cumprimento e uma comunhão da felicidade de encontro entre as partes. Por esta razão, nos banquetes e jantares, brinda-se do início até ao final do repasto. Brindam-se todos com todos e fazem-se brindes individuais e em grupo. Aos professores, os alunos brindamnos individualmente e há o dever de retribuir o brinde o que, normalmente, os professores portugueses fazem-no por mesa. Para o brinde, o povo chinês prefere o baijiu – literalmente, podemos traduzir para “vinho branco”. Embora se diz “vinho”,
baijiu é, na verdade, uma aguardente. É um produto destilado a partir de sorgo, um cereal comum em terras da Ásia. O teor alcoólico varia entre os 38% e os 52%, sendo que se consideram de qualidade de topo as marcas e produções com maior teor alcoólico. Apesar de, nem toda a gente aceita brindar com esse líquido espirituoso de elevado índice alcoólico, na China, brinda-se com qualquer bebida e sem preconceitos, até se faz com água. É a harmonia e o tilintar sucessivo das taças que contam para a história de um evento que se quer jovial e aprazível. Também é verdade que na China, onde há alegria, há karaoke. Esses jantares fazem-se sempre em salas privadas dos restaurantes que normalmente equipam-se de sistemas de som e de televisão para permitir o canto dos convivas. Quando isso não acontece, no final da refeição, seguem-se em grupos para um estabelecimento de karaoke onde o convívio prossegue. Trabalho de dissertação de doutoramento Não obstante toda a parte letiva dos programas académicos ser feita na China, todos os alunos vão a Lisboa em pelo menos dois momentos. No final do primeiro ano do seu curso, os alunos deslocam-se a Lisboa para a apresentação do projeto de investigação doutoral perante um painel especialmente formado para o efeito e, no términus da elaboração da dissertação, terão de ir defender o seu trabalho em prova pública nas instalações do ISCTE. Todos os alunos chineses têm um mentor do ISCTE que os acompanha ao longo dos três a cinco anos de elaboração da dissertação, com muito trabalho de tradução, corres-
pondências eletrónicas e reuniões em videoconferência pelo meio. Esta parte do programa doutoral é a parte mais exigente para os professores portugueses por vários motivos. Em primeiro lugar, por o orientador e o orientando não falarem a mesma língua o que envolve forçosamente o concurso de um intérprete-tradutor. Por conseguinte, as reuniões de trabalho são mais prolongadas e mais cuidadas no sentido de que ambas as partes necessitam de assegurar que o seu interlocutor terá compreendido bem os seus pontos de vistas ou explanações. Em segundo lugar, a diferença cultural cria perspetivas distintas sobre os mesmos factos nem sempre harmonizáveis e facilmente compreendidas pelas partes. Em terceiro lugar, é necessário garantir um nível de realização da dissertação que cumpra os requisitos nacionais e internacionais. A comunicação à distância com intermediação de intérprete-tradutor é em si é um processo complexo e mais delicado se torna quando existe um coorientador chinês que possui uma cultura de investigação diversa da nossa. Síntese Por fim, é deveras gratificante ensinar. E, ensinar fora de portas é ainda mais gratificante. Viajar até a China e trabalhar com alunos chineses, pessoas dedicadas e empenhadas, traz uma satisfação acrescida. É uma outra forma de viajar e de conhecer a China. Ensinar na China permite conhecer de perto outras gentes, privilegiar o relacionamento humano, a socialização multicultural e a vivência de práticas quotidianas distintas ao invés do panorama paisagístico e da fotografia. Retêm-se na memória filmes de atividades com pessoas e conversas (com mais ou menos cores) e não apenas ícones ou os sons das cidades.
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Desde pintura e cerâmica até à música e literatura, Macau tem-se vindo a transformar num viveiro de arte e de talentos artísticos. Os criativos dizem que o futuro apresenta-se como muito positivo porque, afirmam, “existe uma vontade colectiva de colocar Macau no mapa mundial como uma grande cidade artística.” Numa tarde ensolarada de Junho, no moderno bairro dos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE) de Macau, uma multidão animada entra no Museu de Arte para participar na primeira edição da “Arte Macau”, o maior festival de artes da cidade, organizado para assinalar o 20º aniversário da transferência da administração de Portugal para a China.
Marianna Cerini
Foto cedida pelo Centro de Assuntos Culturais
A arte e a alma
Essa multidão de entusiastas das artes percorre a infinidade de instalações multimedia, contemplando as pinturas e tirando uma série aparentemente interminável de fotografias dos objectos de cerâmica centenária em exposição. E a excitação não acontece apenas neste museu e neste dia preciso. Residentes e visitantes também apreciam as muitas instalações de rua espalhadas um pouco por toda a cidade, visitando ainda os complexos hoteleiros para ver o que lá está exposto. Apreciam igualmente o que se encontra em exposição nos hotéis e nos consulados estrangeiros – após o que aguardam os muitos espectáculos de dança, cénicos e concertos
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As esculturas de Wong Ka Long, 'The Wanderer', desenhadas em homenagem ao poeta português Fernando Pessoa, fazem parte de uma das seis instalações externas da Art Macao.
musicais que são organizados no âmbito do Arte Macau até Outubro. Em termos globais, a resposta a esta primeira edição do Festival foi positiva. Trata-se de um festival que demonstra quão longe Macau já foi em demonstrar o seu amor às artes
– e sublinha igualmente a sua intenção de passar a ser uma plataforma artística na região nos anos mais próximos. A primeira edição do Arte Macau está concluída mas desde então os organizadores dos diversos depar-
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tamentos governamentais têm brindado ao seu sucesso. Dados oficiais indicam que mais de 16 milhões de pessoas visitaram as exposições, instalações e acontecimentos, fazendo do Festival, afirmam-nos alguns, a
Mas são os esforços e as iniciativas empreendidas nas últimas duas décadas que realmente a fazem sobressair como um destino artístico vibrante e ambicioso. Museus públicos foram inaugurados – o Museu de Arte está a comemorar o seu 20º aniversário – e galerias que apoiam os artistas locais têm aparecido, em simultâneo com uma actividade artística mais independente. A cidade alberga actualmente mais de 30 espaços dedicados às artes, incluindo o Armazém do Boi, entidade sem fins lucrativos, a Galeria do Tap Seac e o Museu de Arte de Macau, ambos financiados pelo governo, este útimo um edifício em cinco andares totalmente dedicado a exposições e à exibição da produção artística local. Depois da arte há música e literatura. A Orquestra de Macau, um conjunto com 60 músicos que toca desde 1983, ascendeu a um nível de classe mundial e provou ser uma das orquestras mais diversificadas actualmente existentes, tendo entre os seus músicos pessoas dos cinco continentes.
exposição de arte mais visitada em todo o mundo. É evidente que isto não aconteceu do dia para a noite. A cidade tem um rico tecido cultural, desenvolvido tanto por si própria como através de 400 anos de intercâmbios entre a China e o Ocidente.
O Festival Literário de Macau – Rota das Letras surgiu em 2012, apresentando anualmente um programa que se centra não apenas nos autores mas também no cinema, música, dança e teatro. Além disso, o Festival de Artes de Macau e o Festival Internacional de Música de Macau – dois eventos que se realizam há cerca de 30 anos – são de momento considerados como dois dos mais importantes acontecimentos culturais da Ásia. A dimensão e o êxito da edição deste ano do Festival de Arte de Macau são a prova das ambições
culturais desta metrópole e de que esta cidade, pequena mas poderosa, pretende alterar o seu papel de um destino do jogo para uma plataforma artística global. Que reserva o futuro? Uma experiência visual “Não há qualquer dúvida de que Macau reformulou as suas prioridades ao longo das últimas décadas”, afirma Konstantin Bessmertny, um artista russo que reside em Macau desde 1992, ano em que teve início o despertar artístico de Macau. “A preocupação central costumava ser as receitas do jogo. O foco actual centra-se mais no investimento do desenvolvimento cultural. Enquanto artista, Macau é um lugar muito bom para se estar.” Bessmertny recorda o “deserto artístico” que Macau era quando aqui chegou. “Mas tudo mudou muito rapidamente, à semelhança do que acontece com a maior parte das coisas”, afirma. “As pessoas no poder sempre mostraram uma atitude muito aberta no que se refere às artes.” Os últimos 20 anos, acrescenta, proporcionaram o aparecimento de um conjunto diversificado de artistas que veio redefinir o ambiente artístico local, criando um mundo de contrastes muito interessante. “Tanto as entidades institucionais como as independentes estão a despender grandes esforços no sentido de criar um modelo de apoio para o sector”, diz. “Ao invés de copiar e colar o que existe em cidades como Nova Iorque ou Londres, essas entidades estão a trabalhar na definição da identidade de Macau”. Com esse objectivo, a cidade decidiu-se pela colocação dos artistas locais no centro dos acontecimentos.
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O Espaço de Arte Vila da Taipa é disso um exemplo, apresentando artistas locais e regionais. O Centro de Design de Macau, uma antiga fábrica que foi convertida e agora aloja galerias de artes, lojas, uma cafetaria, livraria e espaço para as artes de desempenho, oferece um espaço criativo para os designers e marcas da cidade.
Os acontecimentos artísticos locais são igualmente muito mais refinados do que os de Hong Kong, salienta Bessmertny. “Em Hong Kong há muito do que designo por ‘arte como entretenimento’, grandes eventos de carácter comercial. Penso que Macau tem uma aproximação muito mais educativa e socialmente empenhada às iniciativas culturais.” A Mulheres Artistas 1ª Bienal Internacional de Macau, que se iniciou no ano passado e é dedicada em exclusivo a artistas do sexo feminino de todo o mundo, é uma dessas iniciativas. “Existe da parte de todos quantos estão envolvidos uma vontade clara de nos colocar no mapamundi como uma grande cidade das artes”, conclui Bessmertny. “O potencial é inacreditável.” Como um livro aberto À semelhança das artes visuais, a cultura de escrita de Macau é, de há muito, um caldeirão de diversas influências. Os seus autores são chineses, macaenses, portugueses e ingleses. São pessoas que escrevem nas línguas maternas baseando-se nas suas experiências pessoais, ver-
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Macau também fomentou a sua vantagem comparativa. “Enquanto cidade que foi sendo moldada tanto pelo Oriente como pelo Ocidente, Macau localiza-se numa encruzilhada única de culturas”, diz Bessmertny.
Konstantin Bessmertny, artista.
tendo no papel uma literatura tão diversa quanto possível – se bem que muito pouco conhecida no estrangeiro. Embora a confluência de culturas e a complexidade linguística tenham definido grande parte de sua história, foi claro um rumo mais deliberado nos últimos 20 anos, à medida que novas gerações de escritores começaram a trabalhar na cidade e fizeram de seu posicionamento geográfico e cultural um aspecto essencial das suas obras. “O ambiente literário de Macau é imensamente rico e diversificado”, confirma Yao Jing Ming, director do Departamento de Português da Universidade de Macau e autor de uma série de livros e artigos sobre
a literatura publicada no território nas últimas três décadas. “É muito diferente das literaturas que se encontram em outras partes da China”, sendo igualmente uma que, desde a transferência da administração, tem sido cada vez mais adoptada e apoiada pelos residentes e pelo governo, como prova o aparecimento de festivais literários e sessões de leitura pública. E uma que, desde a transferência da administração, tem sido cada vez mais adoptada e apoiada pelos residentes e pelo governo, como prova o aparecimento de organizações literárias, leituras públicas e festivais. O colectivo artístico Armazém do Boi, fundado em 2001, efectua regularmente encontros em que en-
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“No futuro, o que realmente pode dar à realidade literária de Macau a visibilidade que merece, será a capacidade de sair da sua própria concha. Penso que devemos sair do nosso próprio mundo e olhar para o exterior”, afirma, acrescentando acreditar que a poesia – ”o exemplo de maior qualidade da literatura contemporânea de Macau” – poderia servir a esse propósito.
Yao Jing Ming, autor.
sina como publicar, entrando em pormenores como editar, paginar e distribuir. A Associação de Poetas Outersky de Macau, a primeira organização literária electrónica da cidade, foi lançada em 2002, sendo uma plataforma activa de intercâmbio de poesia na Internet. A Associação de Histórias de Macau, uma entidade sem fins lucrativos constituída em 2005, promove obras de prosa e de poesia de escritores de Macau, tendo publicado mais de cem títulos até à data. A nível mais institucional, o Instituto Cultural de Macau tem ajudado a alimentar toda esta agitação, ajudando regularmente os escritores e autores locais a publicarem as suas obras.
Em Julho realizou a primeira Feira Internacional do Livro de Macau. O Instituto patrocina desde 2012 o Festival Literário de Macau – Rota das Letras, cujos fundadores são entidades não-governamentais. “A cooperação [e separação de papéis] fez deste festival um momento literário único”, afirma o vice-director do festival, Yao Jing Ming. “Permitiu que o festival mantivesse a sua liberdade, o que agrada muito aos escritores. Esta realidade só tem melhorado ao longo dos anos.” O festival, acrescenta Yao, “é uma janela que permite um olhar diferente para Macau.” “A cidade tem muito boas condições para os escritores e, caso estes tenham talento, serão reconhecidos”, diz Yao.
Porém, não é apenas a palavra escrita que é comemorada nos festivais. O mesmo acontece com a palavra falada e a imagem em movimento: o Festival Internacional de Cinema e Cerimónia de Entrega de Prémios Macau, que entre 5 e 10 de Dezembro de 2019 teve a sua quarta edição, representa a força crescente da indústria cinematográfica de Macau e recompensa os realizadores, actores e equipas que se destacaram na indústria, além de exibir filmes de todo o mundo. O Festival Internacional Sound & Image Challenge também merece destaque. O evento, que acontece no Teatro Dom Pedro V, todos os Dezembros, celebra os curtas-metragens e videoclipes de Macau, bem como do estrangeiro. Música para os nossos ouvidos Há uma pequena mas crescente actividade musical em Macau. A cidade tem uma orquestra desde 1983 e o Conservatório de Macau desde 1991 – os quais tiveram um papel importante na educação musical. Mas, durante muito tempo, mais nada existia além deles. Locais de música ao vivo poucos havia, sendo que mesmo hoje em dia existem apenas alguns. Bandas independentes não eram de forma alguma comuns e mesmo a música popular encontra-se na sua fase inicial. “Mas está cada vez melhor”, diz Lu Jia, director musical e maestro
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Foto cedida pelo Centro de Assuntos Culturais
principal da Orquestra de Macau. “A própria orquestra passou de um público de uma centena de pessoas, quando vim para Macau em 2006, para milhares e a sua capacidade interpretativa cresceu de forma exponencial ao longo das décadas. Todos os concertos do 33º Festival Internacional de Música de Macau esgotaram-se rapidamente. Todo o sector está a tornar-se mais maduro.” Na base dessa maturidade crescente existe uma série de programas de concessão de subsídios por parte do governo e espectáculos gratuitos introduzidos nos últimos 20 anos, que proporcionaram uma plataforma para que os residentes interagissem com os músicos locais e desenvolvessem uma educação musical. “O governo tem apoiado muito a música”, diz Lu. “Ajudou a criar uma atmosfera acolhedora e espaço para artistas locais e internacionais. Em Xangai ou em Cantão as pessoas têm de despender mais de mil patacas para adquirir um bilhete para um concerto – em Macau os preços dos bilhetes rondam as centenas de patacas, uma vez que são altamente subsidiados pelo governo.” O concerto musical Hush!! Full Music, um evento anual organizado pelo Instituto Cultural de Macau desde 2005 – que teve lugar em Abril desse ano – foi fundamental para esse objectivo. O Festival Internacional de Música de Macau, cuja 33ª edição decorreu durante a maior parte de Outubro de 2019, é outro grande acontecimento anual organizado pelo governo que reúne artistas de renome internacional um pouco de todo o mundo que se destina a promover a música. A um nível mais independente, a Live Music Association, uma organização sem fins lucrativos que realiza
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Lu Jia, maestro.
espectáculos nocturnos de artistas locais e de fora da cidade, tem desempenhado um papel importante na promoção de um cenário musical alternativo. Lu crê que um nível tão elevado de envolvimento, tanto a nível governamental como independente, ajudará a desenvolver o potencial musical da cidade. O posicionamento demográfico e geográfico único de Macau, acrescenta, também pode contribuir para isso. “O que é interessante em Macau”, diz ele, “é que a idade do nosso público é relativamente jovem, especialmente em comparação com a Europa. Também somos um ponto de entrada na província de Guangdong para muitas culturas europeias. Macau é uma ponte e penso que ambos os aspectos – este
público mais jovem e a nossa vantagem geográfica – serão as principais forças no seu futuro desenvolvimento musical.” De qualquer forma o caminho a seguir não se apresenta fácil. “Espero que haja mais músicos locais em Macau”, diz Lu, acrescentando que gostaria de ver “mais orquestras juvenis e currículos de música nas escolas.” “O desenvolvimento da área da Grande Baía poderá desempenhar um papel importante no futuro do panorama musical de Macau.” Macau teve um panorama artístico vibrante ao longos de centenas de anos mas, nos últimos 20 anos, foi reforçada essa componente cultural permitindo que se tenha tornado num importante centro artístico regional.
Colecções museológicas curiosas Rafelle Marie Allego
Macau – Património Mundial da UNESCO desde 2005 – é uma cidade mergulhada na história. Visitantes e residentes podem observar restos do passado nas ruas e nos becos, desde os locais mais famosos, como sejam as Ruínas de São Paulo, aos menos conhecidos, caso do arquitectonicamente belo Teatro de Dom Pedro V. No entanto, a maior parte dos tesouros históricos de Macau não se encontra nas ruas e nos parques. Encontra-se nos museus da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) – e alguns dos edifícios que os albergam são bem mais únicos do que aparentam à primeira vista. Existem 32 museus em Macau, número fora do normal para uma cidade que tem uma área de 32,9 quilómetros quadrados. Entre eles incluem-se os mais óbvios – tais como o Museu de Macau, que olha de cima para a cidade a partir da Fortaleza do Monte, o Museu de Arte de Macau e a Casa do Mandarim – bem como outros mais pequenos e mais especializados, que oferecem uma visão alternativa sobre o passado. Eis uma lista de oito museus que poderá não conhecer – mas que deve obrigatoriamente visitar.
António Sanmarful
Macau tem mais de três dezenas de museus – mas uma mão-cheia deles é tão fora do habitual que, mais do que merecer, exigem uma visita. Seleccionámos um conjunto de oito que oferecem visões únicas do passado.
Vista do interior da Exposição do Património do Negócio Tradicional de uma Casa de Penhores.
Espaço Patrimonial uma Casa de Penhores Tradicional 典當業展示館 Não precisa penhorar o seu relógio favorito para entrar neste pequeno museu – a entrada é livre. Situada na Avenida de Almeida Ribeiro, a restaurada Loja de Penhores Tak Seng On representa uma época em que este tipo de negócio tinha um grande impacto no crescimento económico de Macau. Estabelecida em 1917 – poucos anos depois do fim da Dinastia Qing e numa época em que a República da China estava a
dar os seus primeiros passos – pelo rico mercador local Kou Ho Ning, a loja floresceu no auge da indústria de penhores de Macau mas acabou por encerrar em 1993, devido ao declínio da actividade e depois de assim ter permanecido durante muitos anos. O edifício começou a ser restaurado em 2000 pelo Instituto Cultural do governo de Macau, podendo a loja ser actualmente observada em toda a sua antiga glória. No interior do museu – cujo restauro mereceu em Setembro de 2004 uma Menção Honrosa nos Prémios Ásia-Pacífico da UNESCO para
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a Conservação do Património Cultural desse mesmo ano – os visitantes podem examinar o equipamento ali existente e admirar ao mesmo tempo a decoração interior em madeira. Ali estão patentes para exposição os registos da antiga actividade de loja de penhores, bem como o balcão da loja e objectos empenhados nas prateleiras existentes no armazém fortificado. Deixese transportar 100 anos no passado enquanto percorre este pequeno pedaço de história.
pinteiros ou sede da Associação Seong Ká Môk Ngai de Macau, na Rua de Camilo Pessanha, S/N – um grémio que foi constituído por volta de 1840 como uma das mais antigas associações profissionais da história de Macau. O edifício foi restaurado entre 2013 e 2014 e presta homenagem ao mestre artesão Lu Ban, um carpinteiro por excelência do passado distante da China. Lu, que viveu por volta do ano 500 A.C. na região oriental da China, é venerado como o deus dos construtores navais e dos carpinteiros.
Sala de Exposição dos Trabalhos de Carpintaria do Mestre Lu Ban
O trabalho em madeira é considerado como uma das mais antigas profissões em Macau, sendo apresentado com grande destaque neste museu. À direita do altar a Lu Ban encontra-se uma sala de exposições repleta de diagramas e desenhos de trabalhos tradicionais em madeira e carpintaria. No centro encontra-se uma amostra das ferramentas tradicionais que eram usadas neste bem antigo ofício. Os objectos estão no
魯班先師木工藝陳列館
António Sanmarful
Saia do Espaço Patrimonial uma Casa de Penhores Tradicional e, depois de percorrer uma estreita ruela, chegará à Sala de Exposição dos Trabalhos de Carpintaria do Mestre Lu Ban. Este museu, que abriu ao público em Julho de 2015, localizase no edifício do Grémio dos Car-
Uma grande fechadura de madeira de Lu Ban é exibida em frente a um altar, ao lado da entrada da Sala de Exposições das Obras de Artesanato em Madeira do Mestre Lu Ban.
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interior de caixas em vidro que se encontram sobrepostas de forma a representar um “fecho Lu Ban” de grande dimensão – uma espécie de antigo quebra-cabeças constituído por seis traves. Esta exposição contém mais de 80 ferramentas, incluindo serras, marcadores de tinta e brocas. Devido à concorrência das regiões vizinhas, mais bem equipadas bem como ao facto de as gerações mais jovens terem perdido o interesse por esta actividade, Macau perdeu a sua reputação como a capital da carpintaria. O Sindicato dos Carpinteiros de Macau – que colaborou com o governo neste projecto – espera que a existência deste museu sirva de inspiração para que as gerações futuras retomem os trabalhos em madeira. Sons de um Século – Museu de Antiguidades Electrónicas e Fonógrafos 留聲歲月 Para visitar este espaço particular em dois andares é necessário fazer uma marcação com antecedência. Mas se aprecia equipamento de som de outras épocas não pode deixar de fazer uma visita. O fundador da Tai Peng Electronics and Appliances, Henry Chan, levou 20 anos a criar este museu, com a aquisição de equipamento de som antigo um pouco de todo o mundo, com muitas das peças a provirem de coleccionadores particulares e de salões de exposição ocidentais. Quando um visitante entra no primeiro andar do museu pode apreciar de imediato uma “jukebox” a funcionar perfeitamente e que ainda reproduz música anterior aos anos 80 do século passado. Existem igualmente telefones antigos, aparelhos de televisão e gravadores de som, também antigos. Após subir a escada em
Colecções museológicas curiosas
novo – os pormenores arquitectónicos antigos e o mobiliário específico à actividade foram preservados, tendo sido adicionadas comodidades modernas.
Eric Tam
O governo, a partir do momento que adquiriu a farmácia, em 2011, conseguiu preservar o aspecto exterior do edifício tal como existiria nos anos 90 do século XIX, mas incorporando em simultâneo características actuais, tais como canalização e electricidade. O museu é um lugar fantástico de apreciar em termos arquitectónicos, uma vez que se pode ver o contraste entre o antigo e o moderno, apre-
Fonógrafos e gramofones em exibição na exposição “Sons de um Século”.
Cada peça é única, tendo a sua própria história, a que a visita guiada faz juz ao permitir que os visitantes a apreciem demoradamente. O director Brian Ho afirma que o museu, que fica na Rua das Estalagens N.º 13-15, recebe visitantes de todo o mundo, pessoas interessadas em reviver memórias nostálgicas quando escutam antigas melodias nestas máquinas de outras épocas.
Para ver – e escutar – esta colecção queira proceder a uma marcação através da página electrónica da Tai Peng: http://www.tai-peng.com/
Antiga Farmácia Chong Sai 中西藥局舊址 Na mesma rua estreita onde fica a Tai Peng encontra-se a Antiga Farmácia Chong Sai. Este antigo estabelecimento foi aberto pelo pai da China moderna, o dr. Sun Yat-sen, um pouco antes de 1892, sendo que em 1894 passou a ser uma das primeiras farmácias e clínicas operadas por um médico chinês mas a prestar cuidados de saúde ocidentais em Macau. Restaurada pelo governo, que lhe deu nova vida, o edifício onde se encontra a farmácia é uma combinação perfeita do antigo e do
António Sanmarful
caracol que leva ao andar superior chega-se ao ponto alto deste espaço, aí se podendo apreciar fonógrafos, gramofones, cilindros de som e caixas de música que ainda reproduzem melodias quando se dá à manivela. Neste andar existem mais de 200 antigos gramofones, telefones e telefonias.
Uma passagem dentro da preservada antiga Farmácia Chong Sai e uma seção em desenho da antiga farmácia (à esquerda).
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ciando ao mesmo tempo os métodos de construção usados na época. Proporciona igualmente uma boa experiência para quem pretende saber um pouco mais da pessoa e da vida de Sun Yat-sen e das suas contribuições para a sociedade no final do século XIX, permitindo ao mesmo tempo recordar a importância que farmácias como esta tiveram para a prestação de cuidados de saúde aos cidadãos de Macau numa época que já não volta.
A Sala de Exposições do Templo de Na Tcha 大三巴哪吒展館
À sua esquerda, há um arco através das antigas muralhas da cidade que leva à entrada de uma sala de exposições arredondada que abriga todas as coisas Na Tcha – a lenda da divindade, os costumes e crenças vinculados ao menino-deus e uma variedade de objectos usados nas celebrações do aniversário de Na Tcha, como queimadores de incenso religioso, cabeças de leão e fogos de artifício.
Na parte frontal e central do museu, que foi aberto em 2012, encontrase o tradicional cadeirão/poltrona da divindade, bem como oito ilutrações penduradas nas paredes que, desenhadas pelo artista local AhCheng, representam diversos aspectos das origens do deus Na Tcha. Num pequeno televisor ali existente é possível ver um video filmado durante as festividades, garantindo uma espécie de ruído de fundo aos visitantes que percorrem a exposição. No local encontra-se igualmente uma escavacão arqueológica que permite observar o que restou de uma construção que muitos pensam seja da ala ocidental da igreja original de São Paulo – ou Igreja da Mater Dei ou Madre de Deus – que foi destruída por um incêndio há muitos anos.
Eric Tam
Todos conhecem as Ruínas de São Paulo, mas um tesouro histórico que
talvez não conheça é o Templo Na Tcha, um pouco acima na mesma rua. Este pequeno lugar de devoção, construído em 1888 em homenagem ao deus-menino Na Tcha, é um dos lugares do Centro Histórico de Macau que faz parte do Património Mundial da UNESCO.
A icónica cadeira sedan em frente às ilustrações de Na Tcha do cartonista Ah-Cheng, no interior da sala de exposições Na Tcha.
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Colecções museológicas curiosas
Existe um outro templo dedicado a Na Tcha no Baixo Monte, na Calçada das Verdades/Travessa de Sancho Pança, mas este existente ao lado das Ruínas de São Paulo continua a ser o mais popular, devido ao pequeno mas simplesmente fascinante museu ali existente.
Tesouro de Arte Sacra do Seminário de São José 聖若瑟修院及聖堂
Numa das capelas laterais da igreja existe um relicário que tem em exposição um pedaço de osso de um dos braços de São Francisco Xavier, o missionário católico que co-fundou a Companhia de Jesus no século XVI. Turistas religiosos um pouco de todo o mundo visitam esta igreja para ver a relíquia. São Francisco de Xavier desempenhou um papel-chave na divulgação do Cristianismo na Ásia antes de falecer na Ilha de Shangchuan, na China, em 1552. Um pedaço de um dos seus úmeros foi extraído e transportado para Macau.
Uma visita a esta famosa igreja tem, certamente, de incluir o relicário com o osso sagrado mas, à porta do edifício existe uma pequena jóia fascinante. O museu do Tesouro de Arte Sacra ocupa dois andares do Seminário de São José, neles podendo ser observada uma grande variedade de peças de arte, objectos religiosos e antiguidades. Aprecie estátuas, vasos de igreja e vestimentas que chegam a datar do século XVII. Existe igualmente uma secção dedicada à contribuição dos jesuítas para a tipografia e para a compreensão da língua chinesa através de um extenso trabalho de tradução. Seja católico ou não, a questão é irrelevante, pois este museu é para todos quantos estão interessados na história das religiões.
António Sanmarful
Depois de se subir um lance com degraus em granito localizado nas traseiras do Palácio do Governo de Macau fica o Seminário e Igreja de São José, um belo edifício cons-
truído em 1758 ao estilo barroco clássico – algo difícil de ver na Ásia.
Estátua religiosa no Museu de Arte Sacra do Seminário de São José.
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Casa de Lou Kau
pendurou uma corda numa das vigas da mansão e ali se enforcou.
Vista do átrio dentro da mansão de Lou Kau.
porta em 1906 quando o governo da província de Guangdong reverteu a sua anterior política sobre o jogo e deixou o então empresário de 59 anos na bancarrota. Pouco tempo depois
Quando comparada com a mais conhecida Casa do Mandarim, esta mansão é bem mais pequena e na realidade de mansão pouco tem. Contudo, o seu charme reside na fusão de estilos, reunindo elementos europeus, como sejam a utilização de janelas com vidros coloridos, aos tradicionais que era possível observar nas casas construídas nos finais da Dinastia Qing. Os motivos decorativos também incorporam subtis influências ocidentais em simultâneo com aplicações em madrepérola nas janelas, balaustradas neo-clássicas e tectos em madeira perfurada. Trata-se de um museu que o transportará ao passado.
Eric Tam
Numa ruela lateral entre o Largo do Senado e a Praça da Sé existe a Mansão de Lou Kau, um edifício em dois andares que foi construído em 1889 e faz actualmente parte do Património Mundial da UNESCO. Para todos quantos procuram fugir das multidões nas Ruínas de São Paulo, este museu garante uma experiência histórica num ambiente calmo. A mansão foi em tempos propriedade do homem de negócios e filantropo chinês Lou Kau – o homem mais rico na cidade no final do século XIX – e que foi a primeira pessoa a quem foi concedida uma licença para operar jogos de fortuna e azar. Mas o azar bate-lhe à
Eric Tam
盧家大屋
Interior da mansão.
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Colecções museológicas
António Sanmarful
Wing Ngai e Wang Dong, disso testemunha.
Macau Timepiece Museum 澳門鐘錶博物館 Quem pretende passar algumas horas a olhar para relógios? Muitas pessoas, ao que parece, atendendo a que este pequeno mas muitissimo bem planeado museu – que não tem uma designação em português – é muito popular, atraindo muitos visitantes. O museu fica situado numa lateral à rua principal que conduz às Ruínas de São
Paulo e é um empório de relógios, muito em particular aqueles que simbolizam o importante papel de Macau na história horológica da China. O missionário jesuíta italiano Matteo Ricci trouxe um relógio para Macau em 1582, que em 1601 ofereceu ao imperador chinês Wanli, em Pequim, pelo que a cidade tem uma história horológica rica, sendo este museu particular, propriedade de Fong
As peças mais antigas existentes neste museu, que foi inaugurado em Setembro de 2018, datam do século XVII, há quase 400 anos, tendo algumas delas sido alvo de restauro para que pudessem voltar a dar as horas. Este museu tem em exposição mais de 400 relógios e cronómetros de épocas diversas. Existe mesmo uma zona dedicada ao fabricante italiano de relógios de luxo Panerai, de que o curador do museu, Fong Wing Ngai, é um grande apreciador – de registar que todas as peças em exposição neste museu são sua propriedade. Uma adição recente é uma zona reservada a relógios contemporâneos em que se encontram alguns exemplares muito raros e de edição limitada, como sejam o muito celebrado Audemars Piguet Royal Oak Offshore Chronograph Special Shaquille O’Neal Edition. Vede como o mundo mudou desde a época de Mateo Ricci...
António Sanmarful
Relógios antigos no Museu do Relógio de Macau; algumas peças da coleção Panerai no Museu (acima).
Dez outros museus de visita obrigatória
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Museu de Macau 澳門博物館 112 Praceta do Museu de Macau O principal museu de Macau leva-o a percorrer a longa e rica história do território.
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Museu de Arte Sacra e Cripta Ruínas de São Paulo 天主教藝術博物館與墓室 Rua de Dom Belchior Carneiro Um pequeno museu de arte sacra junto a uma cripta que contém um túmulo que poderá ter contido os restos mortais do fundador do Colégio de São Paulo, padre Alessandro Valignano.
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Casa do Mandarim 鄭家大屋 10 Travessa de António da Silva A antiga residência da família do teórico e reformador do final da Dinastia Qing, Zheng Guangying, contém muitos tesouros históricos.
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Museu da Santa Casa da Misericórdia 仁慈堂博物館 Praça do Senado Esta antiga instalação médica do século XVI contém uma variedade de objectos religiosos.
5
O Posto do Guarda-Nocturno no Patane 沙梨頭更館 52 Rua da Palmeira Explore a história dos guardas-nocturnos neste museu. Nele encontra fotografias, objectos e informação sobre esta antiga tradição.
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Museu Lin Zexu de Macau 澳門林則徐紀念館 Avenida Almirante Lacerda Este pequeno museu é dedicado ao Comissário Lin Zexu, que no início do século XIX procurou proibir o comércio de ópio em Macau.
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Museu Marítimo 海事博物館 1 Largo do Pagode da Barra Conheça a herança piscatória de Macau, as explorações portuguesas e todas as coisas relacionadas com o mar.
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Museu das Comunicações 通訊博物館 7 Estrada de Dom Maria II Este museu em três andares proporciona informação sobre o desenvolvimento das comunicações em Macau ao longo dos tempos, incluindo a sua filatelia.
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Museu de Arte de Macau 澳門藝術博物館 Avenida Xian Xing Hai Este edifício com cinco andares dispõe de 4000 metros quadradros para exposições artísticas.
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Museu da História da Taipa e Coloane 路氹歷史館 Rua Correia da Silva Este museu, localizado na zona antiga da vila da Taipa, debruça-se sobre a história das aldeias piscatórias das ilhas da Taipa e de Coloane.
Pintura de um guarda-nocturno das casas de Patane.
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O Centro Chinês de Estudos dos Países de Língua Portuguesa Wang Cheng’an Presidente do Centro Chinês de Estudos dos Países de Língua Portuguesa
Criado a 16 de janeiro de 2012, o Centro Chinês de Estudos dos Países de Língua Portuguesa (CCEPLP) é uma instituição complementar do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau) que foi estabelecido em 2003. O CCEPLP faz inclusivamente parte dos membros pertencentes à Comissão de Ação de Acompanhamento da Parte da China do Fórum de Macau. Sendo a primeira instituição académica na China que estuda os Países de Língua Portuguesa (PLP), o seu objetivo é promover a amizade, a cooperação e o intercâmbio entre a China e os PLP, contando com importantes contribuições provenientes de diversas esferas e individualidades, tais como membros de organismos governamentais, especialistas, eruditos e empresários, tanto da China, como dos PLP. Nesse sentido, o CCEPLP tem realizado esforços com o intuito de se tornar uma instituição de investigação académica especializada, um Think Tank, sobre os PLP. De modo a estabelecer melhores elos de ligação entre a China e os PLP e aproveitando Macau como plataforma de ligação entre grupos de investigação da parte continental da China, RAEM e Países de Língua Portuguesa, o CCEPLP pretende desenvolver projetos na área da investigação histórica, inclusivamente em áreas de estudo contemporâneo tais como: política, economia, sociedade, cultura, educação e direito dos
PLP. O Centro destina-se inclusivamente a analisar o ponto de situação, evolução e perspectiva das relações entre a China e os PLP, atribuindo uma especial atenção ao papel de Macau na cooperação económica e comercial e no intercâmbio cultural entre ambas as partes. Para alcançar esses objetivos, o CCEPLP pretende continuar a organizar seminários, palestras e cursos de formação, procedendo ainda à edição e publicação de livros sobre estudos académicos relevantes. Após a sua criação, e como prova do esforço realizado, foi publicada uma série de livros importantes, como por exemplo: O Relatório de Dez Anos do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau) (2003-2013); Estudo
sobre os Países de Língua Portuguesa (2013); e o Relatório Anual de Desenvolvimento dos Países de Língua Portuguesa (2014-2015, 20152016). Organizaram-se também várias atividades académicas, inclusive o Seminário sobre as Perspetivas do Futuro de Relações Sino-Brasileiras, em colaboração com o Instituto Brasileiro da China e Ásia-Pacífico (IBECAP) em 2012, a Conferência do Décimo Aniversário do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau) em 2013, o Fórum para o Desenvolvimento das Relações China-Brasil-Portugal, em colaboração com o IBECAP em 2014, o Seminário sobre as Relações SinoPortuguesas, em colaboração com o Observatório da China, uma instituição de investigação portuguesa dedicada aos estudos chineses, em
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2014, a Conferência sobre a Cooperação Futura China-Brasil, em colaboração com a Faculdade de Campinas do Brasil, entre outros. Em 2015, concretizou-se, conjuntamente com o IBECAP e o Instituto Internacional de Macau (IIM), o Fórum sobre o Desenvolvimento das Relações China-Lusofonia: o Papel de Macau na Cooperação entre a China e os Países de Língua Portuguesa. O Centro de Estudos do Países de Língua Portuguesa (CEPLP) recebeu na UIBE, em 2016, o Excelentíssimo Senhor Pedro Verona Rodrigue Pires, ex-Presidente de Cabo Verde, para realizar uma palestra intitulada os “40 anos de Relações Amistosas entre Cabo Verde e a China”. No mesmo ano, realizaram-se ainda duas iniciativas académicas consecutivamente, sendo a primeira o Fórum para o Intercâmbio do Ensino de Português/Chinês, em colaboração com a Associação do Povo Chinês para a Amizade com os Países Estrangeiros, e a segunda a Conferência Internacional sobre o Desenvolvimento do Fórum de Macau. Durante a 5ª Conferência Ministerial do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau), os investigadores do CEPLP elaboraram artigos e receberam entrevistas de imprensa, tal como da CCTV. Em 2017, estabeleceu-se o Instituto de Estudos Regionais da UIBE, tendo o CEPLP incorporado essa instituição de investigação. No dia 27 de novembro de 2017, foi organizada a Conferência Anual de Estudos Conjuntos dos Países de Língua Portuguesa (2017), em que o Centro foi renomeado Centro Chinês de Estudos dos Países de Língua Portuguesa. Trata-se da primeira reunião anual académica internacional acerca dos estudos dos PLP realizada pelas instituições académicas
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da China, PLP e RAEM. Esta Conferência tem como tema principal “Diálogos e Cooperação China-PLP do século XXI”, contando com a participação de mais 100 especialistas e representantes empresariais chineses e estrangeiros provenientes do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Academia Chinesa de Ciências Sociais (CASS), Instituto das Relações Internacionais Contemporâneas (CICIR), Universidade de Estudos Internacionais de Xangai (SISU), China Tiesiju Civil Engineering Group, etc. Na Conferência, o vice-reitor da UIBE, Zhao Zhongxiu, proferiu o discurso de boas-vindas e o Vice-Presidente do Centro de Intercâmbio Económico Internacional da China (CCIEE) e ex-Ministro do
Comércio da China, Wei Jianguo, pronunciou a palestra temática. A Cerimónia de Abertura da Conferência foi moderada pelo EspecialistaChefe do CCEPLP, Wang Cheng’an, e as seguintes sessões agendadas foi moderada pela Diretora Adjunta e Secretária-Geral do CCEPLP, Liu Jinlan. Além disso, o Presidente do IBECAP, Severino Cabral, o Presidente do IIM, Jorge Rangel, o VicePresidente José Amaral também proferiram os seus discursos respetivamente. Em outubro de 2018, o Centro realizou, conjuntamente com o IBECAP e o IIM, a Conferência Anual de Estudos Conjuntos dos Países de Língua Portuguesa (2018), que contou
Os nossos parceiros
com a presença de mais de 200 convidados, incluindo os dirigentes do Departamento para os Assuntos de Taiwan, Hong Kong e Macau do Ministério do Comércio da China e da Associação do Povo Chinês para a Amizade com os Países Estrangeiros, a Secretária-Geral do Secretariado Permanente do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau), Embaixadores de Angola, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, bem como especialistas, académicos e gestores empresariais. Durante a Conferência, também se realizou a cerimónia de lançamento do livro de capa azul “Relatório Anual de Desenvolvimento dos Países de Língua Portuguesa (20162017)” e foram assinados acordos de cooperação entre o Centro e várias instituições.
No dia 29 de outubro de 2019, o CCEPLP, juntamente com o IIM, realizou em Pequim a Conferência Anual de Estudos Conjuntos dos Países de Língua Portuguesa (2019), em que o reitor da UIBE, Xia Wenbin, proferiu o discurso de boas-vindas e o ex-Vice-Ministro do Comércio da China, Sun Zhenyu, pronunciou a palestra temática. A Cerimónia de Abertura da Conferência foi moderada pelo Especialista-Chefe do CCEPLP, Wang Cheng’an, e as seguintes sessões agendadas foram moderadas pela Diretora Adjunta e Secretária-Geral do CCEPLP, Liu Jinlan. A Conferência conta com a presença do Embaixador da Guiné-Bissau, Malam Sambu, Embaixadora de São Tomé e Príncipe, Isabel Domingos, Ministro da Embaixada do Brasil na China, Celso de Tarso Pereira, Minis-
tro Plenipotenciário da Embaixada de Moçambique, António Rodrigues José e cerca de 200 convidados provenientes do Ministério do Comércio da China, CASS, Secretariado Permanente do Fórum para a Cooperação entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau), Fundo de Cooperação para o Desenvolvimento China-PLP, etc. Os especialistas e estudiosos, diplomatas dos PLP e representantes empresariais abordaram o tema de “Parceria Azul entre a China e os Países de Língua Portuguesa: Fortalecer o Comércio e o Investimento, Promover a Cooperação da Capacidade Produtiva”. Durante a mesma Conferência, também se realizou a Cerimónia de Lançamento do Relatório de Desenvolvimento dos Países de Língua Portuguesa (2017-2018) (Livro de Capa Azul dos PLP).
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IIM – 2019: principais actividades Seminários e Congressos XI SEMINÁRIO: “O PAPEL DE MACAU NO INTERCÂMBIO SINO-LUSO-BRASILEIRO”
Macau Considerado um dos mais importantes eventos do calendário anual do IIM, este Seminário que vai na XI edição, iniciou-se com a conferência “Relações LusoChinesas” que teve lugar no Clube Militar de Macau, no dia 22 de Maio. Coordenada por Jorge Rangel, presidente do IIM, teve como oradores o Embaixador António Martins da Cruz, ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo da República Portuguesa, o jornalista Fernando Lima, e João Loureiro, membro da direcção do IIM. Na sessão ainda se falou do futuro de Macau, e da actual conjuntura da Grande Baía e da iniciativa “Uma Faixa Uma Rota”.
Lisboa “Macau – Plataforma de cooperação no contexto da Grande Baía e da Nova Rota da Seda”, realizou-se, durante dois dias, no Centro Científico e Cultural de Macau, em Lisboa, numa iniciativa conjunta com a Fundação Jorge Álvares e a Associação dos Amigos da Nova Rota da Seda. No dia 24 de Junho, a conferência contou com uma palestra proferida por Francisco Leandro, professor da Universidade Cidade de Macau, seguida da apresentação do seu livro “Steps of Greatness: The geopolitics of OBOR”, focado sobre a importância da iniciativa e do tema desta conferência. No dia 25 de Junho, as apresentações foram realizadas por Fernanda Ilhéu e por Paulo Duarte, ambos académicos e também especialistas sobre o tema. As apresentações focaram igualmente a importância estratégica de Macau neste contexto.
Uma segunda sessão realizou-se novamente no Clube Militar, no dia 24 de Outubro, com apresentações de José Luís Sales Marques, Presidente do Instituto de Estudos Europeus, Fernanda Ilhéu e Francisco Leandro sob a coordenação de Jorge Rangel. O desenvolvimento integrado num plano regional para as 11 cidades da Área da Grande Baía foi discutido, bem como as suas perspectivas, numa altura que Macau enfrenta um enorme desafio, talvez o do século.
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Brasil O Seminário “O Papel de Macau no Intercâmbio SinoLuso-Brasileiro“ continuou a 11 de Setembro no Rio de Janeiro, com a colaboração do Real Gabinete Português de Leitura e do Instituto Brasileiro de Estudos da China e da Ásia-Pacífico (IBECAP). O Seminário iniciouse da parte da manhã com uma sessão realizada na Escola Superior de Guerra, destinada aos Oficiais
IIM – 2019: principais actividades
Superiores das Forças Armadas do Brasil estagiários do Curso de Promoção a Oficias Generais e ainda a funcionários públicos de escalão superior. Usou da palavra o Vice-Presidente do IIM, José Lobo do Amaral, com uma intervenção com o tema “Macau – Legado, Cooperação e Futuro”, seguida de uma palestra proferida pelo Embaixador António Martins da Cruz sobre o tema “O Mundo à Procura da China: os Patamares da África, da América Latina e da Europa. A China e o Espaço da Língua Portuguesa”, a que se seguiu um muito participado debate com os presentes.
À sessão estiveram presentes, além do Director do Curso, Brigadeiro Ronaldo Yuan, o Cônsul-Geral de Portugal no Rio de Janeiro, Embaixador Jaime Van-Zeller Leitão, o Cônsul-Geral Adjunto da República Popular da China, Senhor Chen Yongcan, e o Presidente do Real Gabinete Português de Leitura, Dr. Francisco Gomes da Costa.
Guerra, Almirante de Esquadra, Alípio Rodrigues da Silva, que a todos ofereceu um almoço. O Seminário continuou da parte da tarde na Sala dos Brazões do Real Gabinete Português de Leitura. Abriu a sessão o Dr. Francisco Gomes da Costa, Presidente do Real Gabinete Português de Leitura, que depois de saudar o Cônsul-Geral de Portugal e também os dirigentes e associados da Casa de Macau presentes entre a vasta assistência, reiterou o empenhamento do Gabinete na continuação do Seminário, passando a palavra ao Vice-Presidente do IIM que explicou os objectivos do Seminário, que vai na sua 11ª edição, e lembrou os 20 anos da criação da RAEM que se completam no corrente ano.
Procedeu-se em seguida ao lançamento da obra “A Mula do Ouro”, de Eduardo Gonçalves David, que a apresentou. A obra, numa edição patrocinada pelo IIM, é uma história passada no período da construção do caminhode-ferro D. Pedro II, durante a qual mais de cinco mil chineses perderam a vida vítimas de febres tropicais,
Os intervenientes no Seminário e os convidados foram recebidos pelo Comandante da Escola Superior de
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entre 1854 e 1858 e na qual é figura central o médico Nuno Huang, natural de Macau, contratado pelo empreiteiro inglês Ed Price para debelar a epidemia.
A encerrar a sessão, o Embaixador António Martins da Cruz proferiu uma conferência sobre o tema “A Comunidade Portuguesa numa nova Era das Relações Portugal-Brasil”, a que se seguiu um animado debate com a assistência.
de instituições e estudantes dialogaram sobre o tema “Parceria azul entre a China e os países de língua portuguesa: fortalecer o comércio e o investimento, promover a cooperação da capacidade produtiva”.
Pequim
No seu discurso, na sessão inaugural, o primeiro embaixador da China na Organização Mundial do Comércio e ex-vice-ministro chinês do Comércio, Sun Zhenyu, disse que, no âmbito do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, é possível uma construção conjunta da A sessão de Pequim ficou integrada na Conferência Anual de Estudos Conjuntos dos Países de Língua Portuguesa 2019 e teve lugar no dia 29 de Outubro na Universidade de Economia e Negócios Internacionais (UIBE) e foi coorganizada pelo Centro Chinês de Estudos dos Países de Língua Portuguesa (CCEPLP) – organismo filiado na Universidade anfitriã – e pelo IIM. Cerca de 200 participantes, entre os quais personalidades relevantes no âmbito das relações entre a China e os Países de Língua Portuguesa, diplomatas, empresários, académicos, quadros governamentais, representantes
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IIM – 2019: principais actividades
Rota da Seda Marítima no Século XXI, na qual é promovida a utilização de recursos marinhos e o desenvolvimento de indústrias marinhas emergentes. O objetivo é acelerar a industrialização e aprofundar a cooperação da capacidade produtiva, impulsionando a cooperação na construção de infraestruturas com base em uma boa interconectividade. Na sessão inaugural usaram ainda da palavra o Embaixador da Guiné-Bissau, a Embaixadora de Cabo Verde e o Vice-Presidente do IIM que, depois de saudar os presentes, fez uma apresentação do IIM. Integrado num dos painéis do Seminário, o Vice-Presidente do IIM voltou a usar da palavra desta vez para lembrar o 20º aniversário da criação da RAEM que ocorrerá nesse ano, chamando a atenção para o valor da herança do seu passado histórico e da sua importância nas relações da China com os Países de Língua Portuguesa. SESSÃO CULTURAL NO ENCONTRO DAS COMUNIDADES MACAENSES E ENTREGA DO PRÉMIO IDENTIDADE
24 de Novembro foi a data escolhida para a realização da habitual e sempre apreciada Sessão Cultural do IIM,
inserida no programa do Encontro das Comunidades Macaenses 2019, com várias importantes apresentações, entre as quais uma sobre o “Projecto do Museu de História de Hong Kong sobre os Macaenses”, por Belinda Wong, directora do Museu de História de Hong Kong, e Francisco da Roza, conselheiro honorário do mesmo e ex-presidente do Club Lusitano, outra sobre o tema “Preservando o Património – O patuá em Macau”, pela investigadora Elisabela Larrea, e ainda sobre o papel de Macau no ambicioso projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, que contou com intervenções de António Monteiro, José Luís Sales Marques e Jorge Manuel Neto Valente, sobre as potencialidades e as oportunidades da Grande Baía para Macau e para os macaenses.
O momento alto da sessão foi a entrega do Prémio Identidade 2019, criado pelo IIM, aos irmãos Carlos Marreiros e Víctor Hugo Marreiros, grandes artistas macaenses com projecção internacional. Seguiu-se a atribuição de certificados de mérito às seguintes individualidades das Casas de Macau da diáspora: Maria Roliz, José Cordeiro, Henrique Manhão, Francisco Xavier Rodrigues, Eduardo Rozário, Yvonne Herrero, Aurea Meyer e Rogério da Luz. As Casas de Macau e as associações de matriz portuguesa de Macau, Associação Promotora da Instrução dos Macaenses, Associação dos Macaenses e Associação dos Jovens Macaenses, foram contempladas com certificados de reconhecimento. A sessão teve ainda espaço para a apresentação das últimas edições do IIM, entre as quais “The Portuguese Community in Macau – A pictorial history”, de António M. Pacheco Jorge da Silva e estudos sobre temas relacionados com a Grande Baía, a história e a identidade macaenses. Roberto Carneiro e Marco Lobo usaram também da palavra para apresentar, respectivamente, o livro “O Macaense, Identidade, Cultura e Quotidiano”
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Promovido pelo Instituto Confúcio da Universidade de Aveiro, com o apoio do Instituto Internacional de Macau (IIM) e patrocínio da Fundação Macau, o programa do Congresso ofereceu um variado conjunto de eventos, entre conferências, workshops e exposições sobre as relações multiculturais e sobre a cooperação entre Portugal e a China, num ano em que se comemoraram os 70 anos da proclamação da República Popular da China, os 40 anos do estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países e também os 20 anos do funcionamento da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China.
e a biografia de Pedro José Lobo, já no prelo. Presidiu a esta muito concorrida sessão, levada a efeito no Centro de Ciência de Macau, o presidente do IIM, Jorge Rangel, coadjuvado por Rufino Ramos, António Monteiro e Hugo Gaspar. II CONGRESSO INTERNACIONAL “DIÁLOGOS INTERCULTURAIS PORTUGAL-CHINA” EM AVEIRO
A cerimónia de abertura contou com comunicações do Embaixador da China em Portugal, Cai Run, do reitor da Universidade de Aveiro, Paulo Jorge Ferreira, de Jorge Rangel, presidente do IIM, e dos dois directores do Instituto Confúcio daquela Universidade. De entre os participantes de Macau, foram notadas as presenças de Fernanda Ilhéu, José Sales Marques, Beatriz Basto da Silva, Paulo Duarte, Carlos Botão Alves, Carlos André, Álvaro da Rosa, Maria José Freitas, António Aresta e António de Abreu Freire, que apresentaram comunicações da sua especialidade. Também se destacou a presença de Rina Naito, professora da Universidade de Sofia (Tóquio), convidada do IIM, que traduzira para a língua japonesa obras de quatro autores macaenses: Henrique de Senna Fernandes, Deolinda da Conceição, Luís Gonzaga Gomes e José dos Santos Ferreira. Entre várias exposições abertas ao público, estiveram patentes uma do acervo editorial do IIM e outra de retratos de luso-descendentes, de João Palla Martins, que decorreu na Biblioteca da Universidade de Aveiro, reunindo uma selecção das mais de 500 fotografias tiradas pelo autor em países orientais.
O II Congresso Internacional “Diálogos Interculturais Portugal-China” realizou-se, entre os dias 13 e 15 de Março, na Universidade de Aveiro (Portugal). O propósito desta iniciativa foi proporcionar a realização de palestras e debates sobre temas ligados ao inter-relacionamento histórico, cultural, linguístico, artístico e comercial entre Portugal e a China, mas também relacionados com projectos estratégicos nacionais chineses, como “Uma Faixa, uma Rota” e a “Grande Baía”, uma extensa área no Delta do Rio das Pérolas que engloba o desenvolvimento coordenado de nove cidades da Província de Guangdong e as duas regiões administrativas especiais.
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Palestras e serões Macaenses DIA DO PATUÁ NA CALIFÓRNIA O Dia do Patuá na Califórnia foi objecto de um encontro, no dia 24 de Março, no Centro Cultural de Macau, em Fremont, nos Estados Unidos. Com o intuito de preservar um pilar fundamental da identidade macaense, o evento reuniu uma centena de falantes do crioulo macaense e respectivas famílias. As apresentações foram feitas pelo professor Mário Nunes, docente na Universidade de Macau, e Jim Silva, membro da União Macaense Americana (UMA). Houve ainda lugar para uma récita em patuá, por Flávia Greubel, Vilma
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Remédios e Cecília Ho. Entre os convidados, estiveram presentes a cônsul-geral de Portugal em São Francisco, Maria João Lopes Cardoso, o presidente do Instituto Camões, Luís Faro Ramos, e o representante do Governo dos Açores, Paulo Teves. A iniciativa do evento pertenceu conjuntamente à UMA, ao Clube Lusitano e à Casa de Macau (USA), em co-organização com o Instituto Internacional de Macau e apoio da Fundação Macau.
Comissão Asiática, com a colaboração do IIM. Ali usaram da palavra Jorge Rangel, António Aresta e duas das filhas do homenageado, Maria de Lurdes Botelho Machado e Manuela Machado Eleutério. COLÓQUIO SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE PORTUGAL E CHINA
JOSÉ SILVEIRA MACHADO EVOCADO EM MACAU E EM LISBOA
Decorreu, no dia 27 de Setembro, na Universidade Católica Portuguesa (UCP), em Lisboa, o colóquio “Portugal-China 20/20 – Identidade, quotidiano e economia”. O centenário do nascimento de José Silveira Machado foi evocado no final da tarde do dia 24 de Maio, na Livraria Portuguesa. Professor, pedagogo, jornalista e escritor, Silveira Machado foi relembrado numa sentida sessão que contou com intervenções de António Aresta, Luís Sá Cunha, Marco Carvalho e José Basto da Silva. Organizada pelo IIM, teve a colaboração da Associação dos Antigos Alunos da Escola Comercial Pedro Nolasco e o apoio da Fundação Macau. Outra sessão aconteceu em Lisboa, no dia 15 de Outubro, na Sociedade de Geografia, promovida pela sua
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Foi organizado pela UCP, com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia de Portugal, e colaboração da Universidade de São José (Macau) e do Instituto Internacional de Macau, com o patrocínio da Fundação Macau. Entre várias actividades levadas a efeito, destacou-se o debate sobre os 20 anos da RAEM, o seu futuro, a cultura, a economia de negócios, quotidianos e vivências, focado nas relações entre Portugal e China e também sobre a identidade macaense.
Um dos momentos mais marcantes do colóquio foi a apresentação da obra “O Macaense – Identidade, Cultura e Quotidiano”. A edição conta com os testemunhos de mais de 20 autores, muitos dos quais “filhos da terra”, e aborda temas sobre a comunidade macaense no contexto actual de Macau, as características culturais, a sua identidade, o quotidiano e os desafios que ela enfrenta. O livro foi um projecto coordenado por Roberto Carneiro, Jorge Rangel, Fernando Chau e José Manuel Simões, editado pela UCP, com o apoio da Fundação Macau e a colaboração do Instituto Internacional de Macau e da Universidade de São José.
O IIM promoveu no dia 15 de Outubro, em conjunto com a Associação dos Antigos Alunos do Seminário de São José de Macau, um serão para reavivar memórias do que foi a cidade noutros tempos. Na ocasião, foram apresentados três volumes de “Pátios, Becos e Travessas de Macau”, publicados pelo IIM, de Manuel Basílio, onde ele narra as histórias e os significados de locais de Macau, ligados a ruas, pátios, becos e travessas do território. A Associação também apresentou duas das suas edições: “O Seminário de S. José - Na formação das gentes de Macau”, de João Guedes, e “Arengas à Lu”, de José Maria Bártolo. A primeira narra a história dessa importante instituição secular e na outra o autor descreve em poemas “de escárnio e mal-dizer” vivências do quotidiano de Macau.
SERÃO COM ANTIGOS ALUNOS DO SEMINÁRIO DE SÃO JOSÉ As apresentações foram feitas pelos autores das obras e também pelo secretário-geral do IIM, Rufino Ramos, tendo a iniciativa sido apoiada pela Fundação Macau. SESSÃO ACADÉMICA COM ALUNOS DA UNIVERSIDADE CIDADE DE MACAU Alunos de mestrado e doutoramento da Universidade Cidade de Macau visitaram o IIM no dia 22 de Outubro, para uma sessão académica realizada no seu auditório. O tema principal tratado foram os estudos sobre a Grande Baía e o papel de Macau neste contexto. As
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a façanha histórica dos defensores da cidade, que escorraçaram os invasores holandeses, bem apetrechados de armas e em maior número, conseguindo-se uma retumbante quão milagrosa vitória no dia 24 de Junho do ano de 1622, que o município dedicou a São João Baptista, e o declarou seu padroeiro.
apresentações foram feitas por Fernanda Ilhéu, académica e presidente da Associação Amigos da Nova Rota da Seda e também por Francisco Leandro, professor daquela Universidade, tendo o animado debate, que se prolongou pela noite fora, sido coordenado por Jorge Rangel, presidente do IIM.
Divulgação da Cultura de Macau “TENTATIVA DE INVASÃO HOLANDESA DURANTE O SÉCULO XVII”
A cerimónia de entrega de prémios realizou-se no auditório do IIM no dia 13 de Dezembro. Na sequência do evento, a Associação de Embaixadores do Património de Macau organizou uma visita guiada aos locais associados ao acontecimento. APRESENTAÇÃO SOBRE O PATRIMÓNIO CULTURAL DE MACAU
Com o objectivo de procurar ampliar o conhecimento dos jovens sobre a História de Macau, visando criar neles um maior sentido de pertença à terra, e à semelhança da sessão iniciada em língua portuguesa no ano passado na Escola Portuguesa de Macau, o IIM organizou um encontro sobre a “Tentativa de invasão holandesa durante o século XVII”, desta vez em língua chinesa, o qual contou com a colaboração da Associação de Embaixadores do Património de Macau e da M Dimensões, com o apoio da Fundação Macau. A investigadora Wong Un Na e Miguel de Senna Fernandes, presidente da Associação dos Macaenses, explicaram
A Associação para a Reinvenção de Estudos do Património Cultural de Macau e a Associação de Embaixadores do Património de Macau organizaram uma sessão de estudos sobre o património cultural de Macau, para a qual convidou o IIM, a quem foi solicitada uma apresentação relacionada com o património imaterial de Macau, inscrita na Lista do Instituto Cultural do Governo da RAEM. O presidente do IIM, Jorge Rangel, apresentou e descreveu cada um dos 12 elementos dessa importante lista.
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Celebração no exterior dos 20 anos da RAEM
A outra apresentação foi feita por Zeng Yiren, professor e chefe do Departamento de Arquitectura da Universidade de Kinmen, a qual versou a preservação do património construído de Macau. No final da sessão, o presidente do IIM ofereceu a todos os participantes o novo livro, de edição trilingue, produzido pelo IIM, sobre o “Património Cultural Imaterial de Macau”. FEIRAS DO LIVRO DO IIM
Incumbido pelo Chefe do Executivo, tal como acontecera por ocasião dos 10o e 15o aniversários da RAEM, o IIM preparou um diversificado programa para a comemoração, no exterior, dos 20 Anos de Macau, como Região Administrativa Especial da China, com a colaboração de Casas de Macau e outras organizações da diáspora macaense. Exposições, conferências, palestras, lançamentos de livros e sessões sobre a gastronomia macaense integram o programa. Integrado neste programa, foi feita uma 2ª edição do livro de culinária “Macaense Cuisine – Origins and Evolution” para ser distribuído em sessões gastronómicas, incluindo aulas e palestras sobre a gastronomia macaense, na Califórnia, em Toronto e em Hong Kong, e foi preparada uma exposição com cerca de 100 fotografias, versando 20 temas diferentes sobre a Macau de Hoje, além de 20 vídeos de cerca de 3 a 5 minutos sobre cada um daqueles 20 temas, acompanhados de textos em três línguas.
Concursos CONCURSO E EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIAS DO IIM “A MACAU QUE EU MAIS AMO!”
O IIM promoveu duas Feiras do Livro, compreendendo muitos títulos em português, chinês e inglês, que tem publicado ao longo dos anos. Entre as obras expostas, figuraram publicações sobre a história, a memória e a identidade macaense, álbuns fotográficos e diversas edições sobre o papel de Macau como plataforma de cooperação entre a China e os países de língua portuguesa e como parte integrante da Área da Grande Baía. As Feiras do Livro tiveram lugar na Biblioteca da Taipa, situada no Parque Central, num fim-de-semana de Setembro, e, posteriormente, no Largo do Senado, em Outubro, contando com o apoio institucional do Instituto Cultural do Governo da RAEM e da Direcção dos Serviços de Turismo. A convite da Escola Portuguesa de Macau, o IIM participou também noutra feira similar nas instalações da escola.
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Em co-organização com a Associação de Fotografia Digital de Macau e o Clube Leo Macau Central, com o patrocínio da Fundação Macau, o IIM organizou mais um concurso de fotografias sobre “A Macau que eu mais amo!”, que obteve este ano uma ainda maior participação de estudantes. Cerca de 150 fotografias foram
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Gaming Sector in Macau” e a Tang Chi Fong, na área de Património, Turismo ou Identidade de Macau, com um estudo intitulado “Research on Sustainable Activation and Regeneration of Historic Cities - A Case Study of Macao Peninsula”.
apresentadas a concurso. Integraram o júri Tam Keng, Wong Ieng Tac, Kuok Heang San, Yen Kuacfu, António R. J. Monteiro e Fong Chon Ip. No dia 22 de Outubro teve lugar a inauguração da exposição no pavilhão do Jardim Lou Lim Ieoc, cedido pelo Instituto para os Assuntos Municipais (IAM). A cerimónia contou com a presença da Administradora do IAM, Isabel Celeste Jorge, de representantes da Direcção dos Serviços do Ensino Superior, da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, do Instituto Cultural de Macau, bem como do presidente da Fundação Rui Cunha. A mostra esteve patente até ao dia 25 do mesmo mês, com visitas diárias de numeroso público. PRÉMIO JOVEM INVESTIGADOR 2019 NO IIM
O Prémio Jovem Investigador de 2019 foi atribuído, respectivamente, a Iao Man Chon, na área da Economia e Gestão, com um trabalho sobre o tema “Cash Cow or Mad Cow? Macroeconomic Impact of the Booming
O prémio, criado pelo IIM, tem por objectivo incentivar jovens estudantes, académicos, recém-licenciados e criativos a investigarem e a aprofundarem estudos sobre aspectos do desenvolvimento da Região Administrativa Especial de Macau, essencialmente nos sectores estratégicos da economia e sua diversificação, do turismo, património e identidade, das ciências aplicadas e das ciências sociais. Apoiado pela Fundação Macau, este galardão é constituído por um diploma e um prémio pecuniário, tendo sido atribuído desde 2001.
O concurso de 2019 foi muito concorrido, tendo recebido um total de dezanove candidaturas que foram analisadas pelos professores universitários, Fanny Vong, Sharif Shams Imon, ambos do Instituto de For-
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mação Turística, e Rose Neng Lai, da Universidade de Macau. A cerimónia da entrega de prémios decorreu no dia 21 de Janeiro de 2020, no Instituto Internacional de Macau (IIM), com a presença dos membros do júri e de representantes da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude e da Direcção dos Serviços de Economia.
Patente de 14 de Novembro a 11 de Janeiro de 2020, ela deverá ser apresentada em Macau e em Pequim durante o ano de 2020. EXPOSIÇÃO DE PORCELANA SOBRE A HISTÓRIA LONGEVA DO INTERCÂMBIO CULTURAL LUSO-CHINÊS
Exposições EXPOSIÇÃO “ROSTOS FEMININOS DE MACAU”
A porcelana chinesa produzida ou trabalhada em Macau esteve em destaque em duas mostras em Portugal, nas cidades de Lisboa e Aveiro. Uma delas teve lugar no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), em Lisboa, e foi co-organizada pela Associação de Arte e Cultura Chinesa de Macau, e pela Fundação Jorge Álvares, com o patrocínio da Fundação Macau. A inauguração da exposição “Rostos Femininos de Macau” decorreu no dia 19 de Dezembro na Universidade de Macau e contou com a presença de Wu Jianzhong, bibliotecário da UM, Mário Nunes, director do CIELA, João Palla Martins, autor das fotografias e António Monteiro, do IIM. A exposição, semelhante à realizada anteriormente em Aveiro, Portugal, em Março, integrada num colóquio da Universidade de Aveiro que teve a colaboração do IIM, incluiu uma edição trilingue sobre o tema, com a estampa do IIM e o apoio da Fundação Macau, e esteve patente até 11 de Janeiro de 2020. EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIAS DE EDGAR MARTINS Com o apoio do IIM, a Galeria Filomena Soares, em Lisboa, acolheu a exposição fotográfica do artista macaense Edgar Martins, intitulada “What Photography has in Common with an Empty Vase”. Para a ocasião, foram publicados dois livros e um vídeo que podem ser visionados no https://www.youtube.com/watch?v=VB9LI1Hm020.
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A inauguração foi no dia 7 de Novembro e a mostra, patente ao público até ao dia 21 do mesmo mês, apresentou uma variedade de objectos, pinturas em cerâmica e desenhos em porcelana. O evento destinou-se a comemorar o vigésimo aniversário do estabelecimento da RAEM e também os 70 anos da implementação da República Popular da China, bem como os 40 anos do restabelecimento de relações diplomáticas entre a China e Portugal.
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A outra mostra de porcelana chinesa foi incluída na 14ª edição da Bienal Internacional de Cerâmica Artística de Aveiro, entre os dias 2 a 31 de Novembro, e esteve patente na Galeria dos Morgados da Pedricosa, junto ao Museu de Santa Joana, organizada pela referida Associação com a colaboração do Município da Cidade e da Universidade de Aveiro, que também promoveu duas palestras sobre a temática.
Apresentação de novas publicações do IIM LIVROS EM CHINÊS SOBRE O PE. ÁUREO CASTRO E O PE. LUÍZ RUIZ
Estas mostras contaram com a colaboração e apoio logístico do Instituto Internacional de Macau. EXPOSIÇÃO DE ARTES “MAE MACAU”
Uma exposição de artes, intitulada “Mae Macau”, foi apresentada ao público em Novembro, na galeria do Albergue SCM, com trabalhos artísticos de jovens macaenses e amigos de Macau, residentes nos Estados Unidos. Procederam à inauguração Suzie Ferras, macaense da diáspora e coordenadora da exposição, Jorge Rangel, presidente do Instituto Internacional de Macau, Vera Leça, representante do Albergue SCM, Leonardo Xavier, membro da direcção do Club Lusitano de Califórnia e Paula Carion, membro da direcção da Associação dos Jovens Macaenses. A exposição, suscitada pela realização do Encontro das Comunidades Macaenses, contou com o apoio logístico do IIM.
O auditório da Diocese de Macau foi o local escolhido para o lançamento das obras, em língua chinesa, sobre dois notáveis missionários de Macau, o Pe. Áureo Nunes e Castro e o Pe. Luiz Ruiz Suarez, que se distinguiram, respectivamente, nas áreas da música e da solidariedade social. A data foi 29 de Março.
Esta série de edições pretende aproximar as comunidades e promover o conhecimento da obra de tantos servidores da Diocese de Macau, entre eles sacerdotes, missionários, leigos e letrados que, no século XX, ajudaram a fazer a Macau do século XXI. O primeiro livro é a versão chinesa da obra original de João Guedes, sendo o outro, sobre o Pe. Ruiz, da autoria de Ieong Chi Chau, ex-director de uma escola católica.
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Durante a cerimónia, actuou o coro de S. Tomás para interpretar algumas canções do Pe. Áureo Castro, em homenagem a este tão apreciado compositor e músico. Entre os convidados, estiveram o Bispo da Diocese, D. Stephen Lai, e representantes da Fundação Macau, da Caritas Macau, da Academia de Música S. Pio X e do Coro Perosi.
pelo escritor Luís Sá Cunha e pelo próprio autor do livro, António Aresta, que enalteceu os grandes nomes e figuras que fazem parte da memória de Macau.
Iniciativa conjunta do IIM e da Diocese de Macau, a sessão foi apoiada pela Fundação Macau e contou com a colaboração da Associação dos Antigos Alunos do Seminário de S. José. “FIGURAS DE JADE II”
Decorreu, no dia 21 de Maio, no auditório do Consulado Geral de Portugal em Macau, a sessão de lançamento do livro “Figuras de Jade II - Os Portugueses no Extremo Oriente”, de António Aresta. É o segundo volume do livro dedicado a portugueses e estrangeiros com ligações à cultura portuguesa, que se distinguiram pela sua acção no Extremo Oriente. As apresentações foram feitas por José Lobo do Amaral, vice-presidente do IIM,
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A coordenação da sessão foi assegurada por Jorge Rangel, presidente do IIM, que, além de destacar o trabalho extraordinário desenvolvido pelo autor do livro, quis prestar-lhe uma singela e justa homenagem, entregando-lhe, juntamente com o Cônsul-Geral de Portugal em Macau, Embaixador Paulo Cunha Alves, o certificado de mérito do IIM. “MACAU – UM DIÁLOGO DE SUCESSO” NO CLUBE MILITAR DE MACAU
No seminário “Relações Luso-Chinesas”, que teve lugar no Clube Militar a 22 de Maio, fez-se a apresentação do livro “Macau – Um Diálogo De Sucesso”, do jornalista Fernando Lima, que foi director do Centro de Informação e Turismo de Macau, em 1974-75. Trata-se de uma reedição revista do segundo volume da obra do autor “Macau – As Duas Transições”, publicada em 1999. O livro é dedicado ao complexo processo negocial entre Portugal e a República Popular da China que
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conduziu, em 1987, à assinatura da Declaração Conjunta sobre a Questão de Macau. Vinte anos depois da criação da Região Administrativa Especial de Macau, era importante recordar aquele compromisso formal entre os dois países e todo o enquadramento que levou ao entendimento alcançado. A sessão teve lugar no Clube Militar de Macau, com o patrocínio da Fundação Macau. LIVRO EM CHINÊS SOBRE OS MACAENSES
enormes saudades em quem conheceu a terra e suas gentes nesse tempo. A reedição desta obra foi da iniciativa do autor, com o apoio imediato do IIM, e teve o patrocínio da Fundação Macau. A sessão, organizada pelo IIM, foi presidida pelo presidente do IIM, Jorge Rangel, estando presentes o General Garcia Leandro, que era Governador de Macau quando essa visita se efectuou, e o autor da obra, já nonagenário, muito carinhosamente aplaudido pela numerosa assistência, e contou com o apoio institucional do Instituto Luís Gonzaga Gomes, da Sociedade Histórica da Independência de Portugal. “PÁSSAROS DE FERRO”
Foi lançado, no dia 26 de Setembro, o livro “The Macau Portuguese – Courage, Endurance and Adaptation” (edição chinesa), de António M. Pacheco Jorge da Silva na Universidade de Macau (UM). Uma colaboração da UM - Centro de Estudos de Macau com o IIM e a editora Chung Hwa de Hong Kong, o livro é uma tradução da edição original, em inglês, publicada pelo IIM. Perante numerosa assistência, a sessão contou com a presença de Agnes Lam, directora do Centro de Estudos de Macau da UM, Lai Yiu Keung, da editora Chung Hwa, Hon Tze-Ki, professor da Universidade Cidade de Hong Kong, Davis Yip, tradutor do livro, e Rufino Ramos, secretário-geral do IIM, e do próprio autor, que se tinha deslocado dos EUA para a apresentação do livro. “VIAGEM A MACAU – UMA RELÍQUIA DE PORTUGAL NO ORIENTE” Foi no dia 10 de Outubro que se realizou, em Lisboa no Palácio da Independência, o lançamento do livro “Viagem a Macau – Uma Relíquia de Portugal no Oriente”, de Vasco Callixto. A obra original, publicada em 1978, recorda a viagem a Macau que o autor efectuara no ano anterior, com uma permanência de 21 dias no território. Permite também ao leitor recuar quatro décadas e ficar a conhecer uma Macau bastante diferente da actual, despertando
A última obra de Maria Helena do Carmo, que foi professora em Macau, foi apresentada no dia 23 de Outubro na Livraria Portuguesa. O romance recorda-nos os anos 30 e 40 do século XX em Macau, com especial enfoque nos anos da Guerra, sendo esta por muitos considerada a melhor obra da autora. As apresentações foram efectuadas pelo presidente da direcção da Escola Portuguesa de Macau, Manuel Machado, por Jorge Rangel, presidente do IIM, e pela autora, que se deslocou a Macau para o efeito. O livro não é uma edição do IIM, mas a iniciativa da sua apresentação foi do IIM, que apoiou a edição, com a colaboração institucional da Livraria Portuguesa. GRANDE BAÍA APRESENTADA NO CLUBE MILITAR DE MACAU Uma recente edição “Área da Grande Baía GuangdongHong Kong-Macau – O desafio do século para Macau” foi apresentada no dia 24 de Outubro no Clube Militar de Macau. O livro junta reflexões sobre este importante tema de diferentes especialistas nesta área e inclui a transcrição do plano elaborado pelo Governo Central,
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bem como as directrizes oficiais emanadas da RAEM, para a gradual integração económica de Macau na área da Grande Baía.
Na mesma sessão, foi apresentado o último número da revista anual do IIM “ORIENTE/OCIDENTE”, que é coordenada pelo vice-presidente do IIM, José Lobo do Amaral.
Diversos ORQUESTRA DO CLUB AMIGU DI MACAU DE TORONTO: UMA NOITE INESQUECÍVEL Em celebração dos 20 anos da RAEM, a Orquestra do Club Amigu di Macau de Toronto promoveu, no dia 26 de Novembro, um belo espectáculo de música tendo como parceira especialmente convidada, a Zhongshan Youth National Music Orchestra, proporcionando-nos “Uma Noite Inesquecível” no Centro Cultural de Macau.
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O espectáculo foi organizado com a colaboração da Universidade de Macau e do IIM, e o apoio do Instituto para os Assuntos Municipais, da Macaulink e do Centro Cultural de Macau.
A Amigu di Macau Arts & Culture (Toronto), constituída em 2002, é a entidade macaense por trás da iniciativa, tendo já realizado diversas actividades culturais junto das comunidades da diáspora, no Canadá. A orquestra utiliza variados instrumentos musicais chineses para interpretar música chinesa e também portuguesa e macaense. Com 15 anos de experiência na área musical, actuara recentemente, em 2017, em cinco cidades portuguesas, com o apoio da Fundação Jorge Álvares e colaboração do IIM e de municípios e centros culturais. Nesta sua deslocação a Macau, além dessa actuação no Centro Cultural, ofereceram ainda dois outros espectáculos, no dia 25 de Novembro, a alunos da Universidade de Macau e, no dia 28 do mesmo mês, num teatro em Nanhai, na República Popular da China. CONGRESSO DA ICAS 11 EM LEIDEN Mariana Leitão Pereira, investigadora académica e sócia do IIM, representou o IIM neste Congresso da International Convention of Asia Scholars que teve
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lugar em Leiden, Holanda, de 16 a 19 de Julho. Com apoios do IIM e da Universidade de Cambridge, onde está a doutorar-se, apresentou uma comunicação intitulada “The Maquista in me: negotiating belonging in the Macanese Diaspora” e participou em vários painéis. INVESTIGAÇÃO ACADÉMICA NO BRASIL Com a empenhada participação do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, o IIM vem atribuindo, anualmente, três bolsas a jovens pesquisadores de universidades brasileiras para efectuarem trabalhos de investigação sobre aspectos relacionados com os Países de Língua Portuguesa, abrangendo uma ou várias das áreas do relacionamento entre o Brasil, China e Macau. Foram já recebidos trabalhos sobre o 20º Aniversário da RAEM, relações económicas, relações culturais, relações históricas, Macau: ponto de encontro de culturas, e Macau e o Brasil. Para 2019, foram seleccionados Ana Cristina Balestro, que apresentou um projecto sobre “Brasil e Macau – Onde as culturas se conectam”; Juliana Amaro da Costa, sobre um “Encontro poético em Macau – A poesia lusófona de Yao Jingming”, e Kamila Rosa Czepula, sobre “O Tenente, o Cônsul e o Viajante: Visões brasileiras sobre Macau e a China no séc. 21”. APOIO A INVESTIGADORES E BOLSEIROS
realização de entrevistas e recolha de informações nas áreas económica, política e social de Macau. Célia Cardoso, também estudante de mestrado da mesma instituição, esteve em Macau em Maio e Junho, para trabalhar o tema da sua tese “Jogos de guanxi: a plataforma Macau na diplomacia cultural portuguesa”. O IIM prestou-lhe o mesmo apoio para entrevistas a várias entidades e personalidades locais. Ambos os investigadores tinham bolsas de estudo da Fundação Macau. O IIM tem um protocolo de cooperação anteriormente firmado com o Instituto do Oriente do ISCSP e que, ao ser renovado, passou a abarcar toda a faculdade. SECÇÃO ESPECIALIZADA DA BIBLIOTECA Começou a ser instalada uma secção especial da Biblioteca do IIM, na Sala Luís Gonzaga Gomes, com livros de referência sobre Macau, países lusófonos e China, que ficará disponível para trabalhos de investigação executados por académicos e outros interessados. ESTREIA DE “MACAENSES – UMA ODISSEIA (PRIMEIRA PARTE)”
O IIM prestou apoio logístico a Ricardo Pereira, mestrando em Relações Internacionais do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP). A sua tese “Macau: Geopolítica e Geoeconomia de um Gateway State” necessitou dessa assistência na investigação, nos meses de Janeiro e Fevereiro, para a
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Procedeu-se na Universidade de Macau (UM), no dia 24 de Janeiro, à estreia do documentário em vídeo “Macaenses – Uma Odisseia (Primeira Parte)”, com numerosa assistência, constituída por alunos e professores, tendo a sessão sido protagonizada pelo professor do Departamento de Português da UM, Mário Pinharanda Nunes, e pelo Secretário-Geral do IIM, Rufino Ramos, que se referiram aos antecedentes históricos da comunidade macaense e da sua diáspora. Entre os convidados presentes, estiveram representantes da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) e do Departamento de Português da UM, além de Jorge Manuel Valente, presidente da Associação dos Jovens Macaenses (AJM). A primeira parte desse documentário tinha sido exibida, numa pré-estreia, aos participantes de um recente Encontro de Jovens Macaenses, tendo deles recebido comentários muito favoráveis. Desta vez e destinado ao público em geral, foi apresentado em língua inglesa, com legendas em português, e contou com a colaboração do CIELA - Centro de Investigação para Estudos Luso-Asiáticos da UM. A segunda parte da série foi dada por concluída em finais de 2019, tendo-se dela feito mil exemplares em CD. O vídeo em causa foi também submetido ao concurso “Sound and Image Challenge International Festival” de Macau, realizado de Junho a Dezembro de 2019, tendo sido classificado no lote dos trabalhos apresentados para o prémio final. PRÉMIO GOURMAND PARA “MACAENSE CUISINE – ORIGINS AND EVOLUTION” Durante a Feira Internacional do Livro de Macau 2019, realizada entre os dias 4 e 7 de Julho do corrente ano, no complexo do Venetian Macao, estiveram presentes várias editoras internacionais, além das de Macau, da China, e de países de língua portuguesa. No pavilhão de Macau, algumas edições do IIM estiveram patentes para exposi-
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ção, tendo no final o livro “Macaense Cuisine – Origins and Evolution”, de António M. Pacheco Jorge da Silva, sido reconhecido e premiado com um certificado de reconhecimento do Prémio Mundial “Gourmand World Cookbook”. Durante a cerimónia da entrega de várias categorias de prémios internacionais, a presidente do Instituto Cultural do Governo da RAEM entregou o certificado de reconhecimento ao IIM. O livro é uma publicação em língua inglesa do Instituto Internacional de Macau, feito com o apoio da Fundação Macau. Trata-se da segunda distinção recebida da mesmas instituição, sendo a anterior relativa ao livro de culinária “Receitas da Minha Tia/Mãe Albertina” de Cíntia da Conceição Serro. EDIÇÃO CHINESA DO “MACAENSE CUISINE” Feita com o apoio financeiro da Fundação Macau, a versão chinesa do manuscrito ficou pronta este ano. Para a sua publicação, foi contactada uma editora com grande inserção no meio local, em Hong Kong e no interior da China. A sua publicação significará uma maior divulgação de receitas da culinária macaense no mercado de língua chinesa. 10 DE JUNHO EM MACAU
IIM – 2019: principais actividades
O Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas continua a ser comemorado e celebrado em Macau. Na tradicional romagem à Gruta de Camões, o Poeta foi homenageado pelos alunos da Escola Portuguesa, pelo Cônsul-Geral de Portugal em Macau e pelas instituições de matriz portuguesa, entre as quais uma delegação do Instituto Internacional de Macau.
divulgar informações e apresentar novas obras, através de vídeos da nossa produção.
ARRAIAL DE SÃO JOÃO 2019
LIVROS AUDIO EM PATUÁ
O IIM mantém com a Caixa Económica Postal uma parceria para liquidação de facturas relativas a livros vendidos online. Do mesmo modo, foi firmado um acordo de cooperação com o Instituto de Assuntos Municipais para a venda no seu Posto de Informação de algumas obras seleccionadas.
O IIM deu à estampa dois livros sobre o patuá, “O Cantar de Macau” e “Úi di Galánti”, dado que nem todos os interessados conseguem ler o dialecto e obter o máximo usufruto do doce linguajar de Macau, envidámos esforços para que falantes do patuá nos gravassem o texto. Foram produzidos mil exemplares de cada um dos dois CD com os títulos dos respectivos livros e enviados exemplares para a Fundação Macau no sentido de se incorporar o conteúdo da gravação no “Memória de Macau”, plataforma digital daquela instituição onde se procura arquivar elementos da cultura e tradição locais.
A 13ª edição do Arraial de São João voltou ao Bairro de São Lázaro, no fim-de-semana dos dias 22 e 23 de Junho. Uma organização conjunta da Associação dos Macaenses e da Casa de Portugal em Macau, com a colaboração do Instituto Internacional de Macau, da Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau, da Associação dos Jovens Macaenses e de outras entidades locais, a festa, que celebra uma tradição histórica, incluiu concertos, diversas mostras de artesanato, publicações e gastronomia. Foi patrocinado pela Direcção dos Serviços de Turismo.
Assembleia Geral do IIM Como sucede todos os anos, o Instituto Internacional de Macau reuniu a sua Assembleia Geral anual com vista a analisar e aprovar o Relatório de Gestão e as Contas do exercício de 2018, tendo também avaliado as variadas iniciativas e eventos que desenvolveu nesse ano. Como é hábito, a Assembleia decorreu na sede do IIM em Macau, tendo um grande número de associados residentes fora da RAEM feito representar-se através de procurações.
O IIM realizou, durante o arraial, um concurso de vídeo, que teve o apoio da Fundação Macau. Dos três prémios com que foram distinguidos os vencedores, o prémio principal coube a Jacky Ng, e os outros dois a Kin Long, Choi e a Tak Lok. PLATAFORMA DIGITAL Continua o IIM a recorrer à plataforma digital para promover as suas actividades e as suas edições, alcançando assim um maior número de público. Além da página www.iimacau.org.mo, onde se encontra instalado um ponto de venda e de informação das nossas publicações, temos usado também a Facebook para
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Edições IIM – 2019 REVISTA
AUDIO LIVROS
Oriente / Ocidente (Nº 36)
DVD – Úi di Galánti! – Carlos “Néu-Néu” Gracias Coelho
DVD O Cantar de Macau
GRAVAÇÃO E EDIÇÃO: IIM APOIO: Fundação Macau
GRAVAÇÃO E EDIÇÃO: IIM APOIO: Fundação Macau
O IIM recolheu os melhores textos de Carlos Coelho para o público leitor apreciar o doce linguajar do patuá. Com a autorização da sua família, foi possivel extrair e recolher os textos para uma possível reprodução em livro.
“O Cantar de Macau” reúne um conjunto de cantilenas, “lenga-lengas” e algumas canções que fazem parte do folclore tradicional, musical e poético, que importa preservar e valorizar, como património imaterial de Macau.
EDITOR: Instituto Internacional de Macau Nº de páginas: 104 Com ilustrações
Revista de publicação anual, de abrangência universal, os artigos vertidos na Oriente/Ocidente, de reputados académicos e investigadores, constituem apoios relevantes aos leitores que pretendem aprofundar os conhecimentos do papel e da importância que Macau tem tido, ao longo da história, como plataforma de ligação de universos tão distintos que aqui se cruzam. A revista dá conta ainda das acções que o Instituto Internacional de Macau desenvolve nas várias áreas em que intervém e das edições que promove.
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Trata-se de “uma modesta contribuição do IIM, editando-as em português, chinês e inglês, para registar a memória colectiva da comunidade macaense mas também reavivar o interesse por aquelas cantilenas pelos quatro cantos do mundo”. O material agora publicado foi, em significativa medida, transcrito do “Ta-ssi-Yang Kuo” que João Feliciano Marques Pereira publicou em 1899/1900.
Edições IIM – 2019
COLECÇÃO “MOSAICO”
Da Avenida ao Tap Siac – Pátios, Becos e Travessas de Macau AUTOR: Manuel V. Basílio Nº de páginas: 136 ISBN: 978-99965-59-30-3 Com ilustrações
Terceiro volume dos escritos de Manuel Viseu Basílio sobre estórias de Macau, com factos e nomes que o autor trouxe à memória de personalidades que viveram no território no passado recente ou que podem servir de referência para familiares que se mudaram para o estrangeiro. A descrição pormenorizada, feita pelo autor, da emblemática Avenida Almeida Ribeiro – que fora a artéria principal do comércio a retalho de Macau no século XX – e de uma estrada nova que foi aberta até à Porta do Cerco, que veio a permitir o desenvolvimento dos bairros de São Lázaro e Tap Siac, onde residiam muitas famílias macaenses, com indicação dos seus nomes, são de leitura apetecível, instrutiva mas também nostálgica.
A Cozinha Macaense AUTORA: Maria Margarida Gomes Nº de páginas: 40 ISBN: 978-99965-59-35-8 Com ilustrações
Este não é propriamente um livro de receitas, muito menos uma obra erudita sobre o tema. Trata-se antes de um escrito da autora, irmã do conhecido sinólogo Luís Gonzaga Gomes, sobre a cozinha de Macau, que foi publicado em 1984 e que teve uma circulação limitada. É um livro que aborda os antecedentes culturais da culinária macaense e descreve alguns dos pratos mais famosos desta tão típica culinária e da sua história.
The Macanese Encontros: Remembrance in Diaspora ‘Homecomings’ AUTORA: Mariana Pinto Leitão Pereira Nº de páginas: 60 ISBN: 978-99965-59-39-6 Com ilustrações
Baseado no capítulo do livro “Memory, Migration and Travel”, editado por Sabine Marschall e publicado em 2018, a autora releva o papel dos diversos Encontros realizados junto da vasta comunidade macaense na diáspora, e dos seus descendentes, representados através das várias Casas de Macau espalhadas pelo mundo e que têm como objectivo manter viva a identidade, a cultura e a memória macaense.
De escrita despretensiosa, pode ser lido com gosto de uma assentada.
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COLECÇÃO “CIDADE CRISTÔ
COLECÇÃO “FALAR DE NÓS”
Gentes da Índia por terras de Macau
Viagem a Macau – Uma Relíquia de Portugal no Oriente
AUTOR: Mário Cézar Leão Nº de páginas: 32 ISBN: 978-99965-59-38-0 Sem ilustrações
AUTOR: Vasco Callixto Nº de páginas: 144 ISBN: 978-99965-59-32-7 Com ilustrações
Falar de Nós-XIII Macau e a comunidade macaense – acontecimentos, personalidades, instituições, diáspora, legado e futuro
Um interessante texto de Mário Cézar Leão, natural da Índia Portuguesa (Goa), escrito em 1992 e apresentado numa Conferência no Salão Nobre do Instituto Menezes Bragança, em Panjim, Goa (Índia).
Reedição, pelo Instituto, do livro “Viagem a Macau” de Vasco Callixto, de 1978, como forma de prestar uma singela e justíssima homenagem ao autor, cujo mérito merece ser amplamente reconhecido.
Aborda sucintamente a presença Portuguesa no Oriente, referindo-se a certas personalidades Luso-descendentes ou Euroasiáticas que se destacaram em diferentes áreas e que deixaram a sua marca na História de Macau, terra que conta com presença Indiana desde o século XVI.
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O livro revela às novas gerações as impressões da primeira viagem do autor a terras orientais, visitando a Tailândia, Hong Kong e Macau. Embora tenha voltado a Macau em 1992, a viagem de 1977 é inesquecível e o livro a que deu origem descreve bem o quanto o autor viu e apreciou em Macau.
AUTOR: Jorge A. H. Rangel Nº de páginas: 260 ISBN: 978-99965-59-37-2 Com ilustrações
Série de crónicas e artigos publicados no “Jornal Tribuna de Macau”, de 22 de Fevereiro a 20 de Março de 2017.
Edições IIM – 2019
COLECÇÃO “SUMA ORIENTAL”
The New Silk Road and the Portuguese Speaking Countries in the New World Context
Pioneiros de Macau – a história de 14 chineses que ajudaram a construir a cidade
Filhos da terra – A comunidade macaense, ontem e hoje (2.ª edição)
AUTORES: Fernanda Ilhéu, Francisco Leandro e Paulo Duarte Nº de páginas: 192 ISBN: 978-989-54193-8-8 Com ilustrações
AUTOR: Mark O’ Neill Nº de páginas: 184 ISBN: 978-99965-59-31-0 Com ilustrações
AUTORA: Alexandra Sofia Rangel Nº de páginas: 120 ISBN: 978-989-54193-9-5 Com ilustrações
Macau foi o primeiro entreposto europeu na Ásia Oriental e é ainda um ponto de encontro de civilizações com mais de 450 anos de história. Durante esse período de tempo, muitas individualidades notáveis deixaram a sua marca nesta cidade histórica. Este livro faz o perfil de 14 dessas individualidades – o “pai” dos caminhos-de-ferro da China, o primeiro bispo católico chinês, dois magnatas do jogo bem-sucedidos, o compositor do hino de guerra da China durante o conflito com o Japão, um euro-asiático que foi um dos “compradores” mais bem-sucedidos da sua geração e a primeira vigária da Igreja Anglicana que socorreu centenas de refugiados durante a II Guerra Mundial. Através das suas vidas, o leitor pode compreender também a história de Macau e dos seus períodos de riqueza e de pobreza.
O livro faz o enquadramento histórico sobre o nascimento e percurso da comunidade macaense, identificando em simultâneo tanto o legado cultural como os desafios que se lhe colocam actualmente.
Com as contribuições de Fernanda Ilhéu, Francisco Leandro e Paulo Duarte, esta edição do IIM, em colaboração com a Associação dos Amigos da Rota da Seda, foca um importante tema do século XXI – o desenvolvimento da China e a sua estratégia da Nova Rota da Seda – um projecto geopolítico e económico onde os países da língua portuguesa poderão ter um papel fundamental.
Baseado na tese de mestrado da Especialização em Comunicação e Cultura na Universidade de Lisboa, Alexandra Sofia Rangel escreve sobre os descendentes de várias gerações de cruzamentos de portugueses com orientais, que resultaram numa comunidade com características próprias. Dá ainda a conhecer a culinária, o “patuá” e as festividades tradicionais de base cultural portuguesa e as influências recebidas dos países asiáticos vizinhos de Macau.
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The Portuguese Community in Macau
Macaense Cuisine – Origins and Evolution (2.ª edição)
AUTOR: António M. Pacheco Jorge da Silva Nº de páginas: 284 ISBN: 978-99965-59-29-7 Com ilustrações
AUTOR: António M. Jorge da Silva Nº de páginas: 216 ISBN: 978-99965-59-34-1 Com ilustrações
Esta volumosa edição foca a evolução da comunidade portuguesa em Macau que, incluindo muitas ilustrações aborda a história, o legado cultural, os acontecimentos da época e retratos desta comunidade, das suas famílias e dos seus descendentes.
Dá a conhecer as origens da cozinha macaense e a sua história por detrás de inúmeras receitas, a evolução dos ingredientes ao longo dos anos em Macau, Hong Kong e Xangai, e as receitas que foram inovadas também pela diáspora macaense após a Segunda Guerra Mundial. Totalmente ilustrado, nesta edição encontram-se os pratos mais saborosos da gastronomia da comunidade macaense.
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Área da grande Baía GuangdongHong Kong-Macau – O desafio do século para Macau AUTORES: José Luís Sales Marques, Louise do Rosário, Mark O'Neill, Paulo Figueiredo Nº de páginas: 144 ISBN: 978-99965-59-36-5 Com ilustrações
Dedicado à Área da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, o mais importante desafio de Macau desde a criação da Região Administrativa Especial em 1999, apresenta as opiniões de especialistas e as políticas governamentais sobre os objectivos da Área da Grande Baía e de que forma Macau poderá garantir uma posição interventiva e dinâmica na região do sul da China.
Edições IIM – 2019
FORA DE COLECÇÃO
Património Cultural Imaterial de Macau
Retratos de Luso-Asiáticos de Macau
(edição trilingue – português, chinês e inglês)
Macau – A preservação do centro histórico, património da humanidade
COORDENAÇÃO: Gonçalo César de Sá Nº de páginas: 108 ISBN: 978-99965-59-33-4 Com ilustrações
AUTOR: Jorge A. H. Rangel Nº de páginas: 56 ISBN: 978-99965-59-42-6 Com ilustrações
Fotografias de João Palla Martins e texto de Sheyla S. Zandonai Nº de páginas: 100 ISBN: 978-99965-59-44-0 Com ilustrações
Macau evoluiu ao longo dos últimos 450 anos de uma vila piscatória a um entreposto comercial, a um centro industrial até uma cidade internacional. Apesar do seu crescimento e transformação quase sem paralelo, a cidade salvaguardou os seus tesouros históricos valiosos, os costumes folclóricos e o cruzamento de culturas entre o Ocidente e o Oriente. Para celebrar o seu carácter cultural único, o governo de Macau elaborou uma lista de Património Cultural Imaterial, tendo em vista proteger em termos legais algumas das tradições e acontecimentos mais significativos. Após consultas alargadas ao público e a especialistas, o governo identificou 12 elementos que reflectem melhor a identidade multifacetada de Macau. Este livro aborda cada elemento desse Património Cultural Imaterial – de tradições a eventos religiosos, festivais, artesanato, artes do espectáculo, etc. – para preservar as tradições que tornaram Macau tão rico em termos culturais.
O centro histórico de Macau foi classificado pela UNESCO, em Julho de 2005, como património da humanidade. O alto significado desta decisão, apoiada pela República Popular da China e por Portugal, é explicado neste trabalho. O texto desta edição foi extraído do livro “China e os Países Lusófonos – Património Construído”, publicado em Outubro de 2016 pelo IIM, identificando notáveis legados existentes na China e no mundo lusófono consagrados como património da humanidade. Preservar e valorizar o legado histórico, cultural e arquitectónico de Macau é uma responsabilidade assumida pelas autoridades e pela comunidade, em geral, exigindo um enorme sentido de equilíbrio entre a promoção do desenvolvimento e a conservação do património herdado.
(edição trilingue – português, chinês e inglês)
Este livro reúne retratos de crianças, mulheres e homens de idades distintas que têm Macau como lugar de seu nascimento ou dos seus antepassados e, por vezes, de residência, partilhando em comum a experiência da miscigenação que os define geralmente como “euroasiáticos”, e que constitui ainda, para aqueles que se identificam como “macaenses”, um dos elementos estruturantes da etnicidade de um povo cuja realidade cultural complexa remonta à formação de Macau no século XVI como entreposto comercial português no Oriente. Constitui assim um tributo à diferença e à diversidade, características da existência cultural ímpar do povo euroasiático e macaense que representa a cidade global em que se formou e prosperou Macau.
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APOIO IIM
Macau – 20 anos de Progresso e Desenvolvimento COORDENAÇÃO: Gonçalo César de Sá e Mariana César de Sá Nº de páginas: 252 ISBN: 978-99965-59-45-7 Com ilustrações
O propósito desta publicação, que complementa outras anteriormente produzidas pelo IIM com a colaboração técnica da Macaulink, é o de contribuir para uma ampla divulgação do mais relevante e significativo que foi realizado em Macau nos últimos vinte anos, nas mais variadas vertentes. É uma singela homenagem do IIM ao sucesso da RAEM.
A Mula do Ouro (3.ª edição)
Os Artilheiros da Birmânia
AUTOR: Eduardo David Nº de páginas: 356 ISBN: 978-85909-23-71-8 Sem ilustrações
AUTOR: James Myint Swe Nº de páginas: 274 ISBN: 978-99965-59-28-0 Com ilustrações
O engenheiro Eduardo Gonçalves David lançou em 2009 o romance histórico A Mula do Ouro, que abrange o período de 1825 a 1891 e que se foca na história da construção da primeira secção do caminho-de-ferro desde o centro do Rio de Janeiro até à localidade de Belém (actual Japeri).
Os portugueses, que dispunham de capacidades náuticas de elevada qualidade, percorreram oceanos e mares nunca antes cartografados e abriram as rotas marítimas para a Ásia. Uma frota de navios portugueses fez-se ao mar em Goa, Índia, rumo à Birmânia, em busca de oportunidades comerciais.
Num romance histórico que entrelaça personagens fictícios com pessoas reais, o personagem principal da história é um médico chinês de nome Nuno Huang, nascido em Macau numa altura em que decorria a Segunda Guerra do Ópio, envolvendo a Inglaterra, a França e a China. Na história, Nuno perde o suprimento de remédios à base de chás e decide procurar na flora brasileira um equivalente terapêutico, com base na medicina tradicional chinesa.
“Os artilheiros da Birmânia” consegue captar o espírito indomável desses portugueses através da história da vida de duas personagens: ambos conseguem vencer inúmeras adversidades, tendo passado a fazer parte da história da Birmânia, situação praticamente desconhecida.
Edição “Portifolium”, com apoio cultural do IIM.
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Edição da Agência de Informação e Notícias Macaulink Limitada, com parceria do IIM.
Edições IIM – 2019
COLECÇÃO “MILÉNIO HOJE” O Legado Luso em Macau – Um Património Valorizado AUTOR: Jorge Rangel Nº de páginas: 80 ISBN: 978-99965-59-27-3 Com ilustrações
Uma década e meia após a transferência do exercício da soberania, de Portugal para a República Popular da China, constata-se que o legado luso em Macau foi preservado e tem sido, em vários domínios, valorizado. Procurou-se, nesta nova edição, proporcionar, ainda que sinteticamente, uma informação actualizada sobre a forma como se procurou respeitar e valorizar o legado cultural singular de Macau, o
qual justificou que lhe tivesse sido atribuído o estatuto da Região Administrativa Especial da República Popular da China. Este livro, ilustrado, resultou da adaptação de duas comunicações do autor, apresentadas na Universidade de Aveiro e na Academia de Marinha, em Lisboa, e de um artigo publicado na revista “Povos e Culturas”, da Universidade Católica Portuguesa.
Número 37/II Série - 2020
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