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Colecções museológicas curiosas
Macau tem mais de três dezenas de museus – mas uma mão-cheia deles é tão fora do habitual que, mais do que merecer, exigem uma visita. Seleccionámos um conjunto de oito que oferecem visões únicas do passado.
Macau – Património Mundial da UNESCO desde 2005 – é uma cidade mergulhada na história. Visitantes e residentes podem observar restos do passado nas ruas e nos becos, desde os locais mais famosos, como sejam as Ruínas de São Paulo, aos menos conhecidos, caso do arquitectonicamente belo Teatro de Dom Pedro V. No entanto, a maior parte dos tesouros históricos de Macau não se encontra nas ruas e nos parques. Encontra-se nos museus da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) – e alguns dos edifícios que os albergam são bem mais únicos do que aparentam à primeira vista. Existem 32 museus em Macau, número fora do normal para uma cidade que tem uma área de 32,9 quilómetros quadrados. Entre eles incluem-se os mais óbvios – tais como o Museu de Macau, que olha de cima para a cidade a partir da Fortaleza do Monte, o Museu de Arte de Macau e a Casa do Mandarim – bem como outros mais pequenos e mais especializados, que oferecem uma visão alternativa sobre o passado. Eis uma lista de oito museus que poderá não conhecer –mas que deve obrigatoriamente visitar.
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António Sanmarful
Vista do interior da Exposição do Património do Negócio Tradicional de uma Casa de Penhores.
Espaço Patrimonial uma Casa de Penhores Tradicional
典當業展示館 Não precisa penhorar o seu relógio favorito para entrar neste pequeno museu – a entrada é livre. Situada na Avenida de Almeida Ribeiro, a restaurada Loja de Penhores Tak Seng On representa uma época em que este tipo de negócio tinha um grande impacto no crescimento económico de Macau. Estabelecida em 1917 – poucos anos depois do fim da Dinastia Qing e numa época em que a República da China estava a Rafelle Marie Allego dar os seus primeiros passos – pelo rico mercador local Kou Ho Ning, a loja floresceu no auge da indústria de penhores de Macau mas acabou por encerrar em 1993, devido ao declínio da actividade e depois de assim ter permanecido durante muitos anos. O edifício começou a ser restaurado em 2000 pelo Instituto Cultural do governo de Macau, podendo a loja ser actualmente observada em toda a sua antiga glória. No interior do museu – cujo restauro mereceu em Setembro de 2004 uma Menção Honrosa nos Prémios Ásia-Pacífico da UNESCO para
a Conservação do Património Cultural desse mesmo ano – os visitantes podem examinar o equipamento ali existente e admirar ao mesmo tempo a decoração interior em madeira. Ali estão patentes para exposição os registos da antiga actividade de loja de penhores, bem como o balcão da loja e objectos empenhados nas prateleiras existentes no armazém fortificado. Deixese transportar 100 anos no passado enquanto percorre este pequeno pedaço de história.
Sala de Exposição dos Trabalhos de Carpintaria do Mestre Lu Ban
魯班先師木工藝陳列館 Saia do Espaço Patrimonial uma Casa de Penhores Tradicional e, depois de percorrer uma estreita ruela, chegará à Sala de Exposição dos Trabalhos de Carpintaria do Mestre Lu Ban. Este museu, que abriu ao público em Julho de 2015, localizase no edifício do Grémio dos Carpinteiros ou sede da Associação Seong Ká Môk Ngai de Macau, na Rua de Camilo Pessanha, S/N – um grémio que foi constituído por volta de 1840 como uma das mais antigas associações profissionais da história de Macau. O edifício foi restaurado entre 2013 e 2014 e presta homenagem ao mestre artesão Lu Ban, um carpinteiro por excelência do passado distante da China. Lu, que viveu por volta do ano 500 A.C. na região oriental da China, é venerado como o deus dos construtores navais e dos carpinteiros.
O trabalho em madeira é considerado como uma das mais antigas profissões em Macau, sendo apresentado com grande destaque neste museu. À direita do altar a Lu Ban encontra-se uma sala de exposições repleta de diagramas e desenhos de trabalhos tradicionais em madeira e carpintaria. No centro encontra-se uma amostra das ferramentas tradicionais que eram usadas neste bem antigo ofício. Os objectos estão no
António Sanmarful
Uma grande fechadura de madeira de Lu Ban é exibida em frente a um altar, ao lado da entrada da Sala de Exposições das Obras de Artesanato em Madeira do Mestre Lu Ban. interior de caixas em vidro que se encontram sobrepostas de forma a representar um “fecho Lu Ban” de grande dimensão – uma espécie de antigo quebra-cabeças constituído por seis traves. Esta exposição contém mais de 80 ferramentas, incluindo serras, marcadores de tinta e brocas. Devido à concorrência das regiões vizinhas, mais bem equipadas bem como ao facto de as gerações mais jovens terem perdido o interesse por esta actividade, Macau perdeu a sua reputação como a capital da carpintaria. O Sindicato dos Carpinteiros de Macau – que colaborou com o governo neste projecto – espera que a existência deste museu sirva de inspiração para que as gerações futuras retomem os trabalhos em madeira.
Sons de um Século – Museu de Antiguidades Electrónicas e Fonógrafos
留聲歲月 Para visitar este espaço particular em dois andares é necessário fazer uma marcação com antecedência. Mas se aprecia equipamento de som de outras épocas não pode deixar de fazer uma visita. O fundador da Tai Peng Electronics and Appliances, Henry Chan, levou 20 anos a criar este museu, com a aquisição de equipamento de som antigo um pouco de todo o mundo, com muitas das peças a provirem de coleccionadores particulares e de salões de exposição ocidentais. Quando um visitante entra no primeiro andar do museu pode apreciar de imediato uma “jukebox” a funcionar perfeitamente e que ainda reproduz música anterior aos anos 80 do século passado. Existem igualmente telefones antigos, aparelhos de televisão e gravadores de som, também antigos. Após subir a escada em
Fonógrafos e gramofones em exibição na exposição “Sons de um Século”.
Eric Tam
caracol que leva ao andar superior chega-se ao ponto alto deste espaço, aí se podendo apreciar fonógrafos, gramofones, cilindros de som e caixas de música que ainda reproduzem melodias quando se dá à manivela. Neste andar existem mais de 200 antigos gramofones, telefones e telefonias.
Cada peça é única, tendo a sua própria história, a que a visita guiada faz juz ao permitir que os visitantes a apreciem demoradamente. O director Brian Ho afirma que o museu, que fica na Rua das Estalagens N.º 13-15, recebe visitantes de todo o mundo, pessoas interessadas em reviver memórias nostálgicas quando escutam antigas melodias nestas máquinas de outras épocas.
Para ver – e escutar – esta colecção queira proceder a uma marcação através da página electrónica da Tai Peng: http://www.tai-peng.com/
Antiga Farmácia Chong Sai
中西藥局舊址 Na mesma rua estreita onde fica a Tai Peng encontra-se a Antiga Farmácia Chong Sai. Este antigo estabelecimento foi aberto pelo pai da China moderna, o dr. Sun Yat-sen, um pouco antes de 1892, sendo que em 1894 passou a ser uma das primeiras farmácias e clínicas operadas por um médico chinês mas a prestar cuidados de saúde ocidentais em Macau. Restaurada pelo governo, que lhe deu nova vida, o edifício onde se encontra a farmácia é uma combinação perfeita do antigo e do novo – os pormenores arquitectónicos antigos e o mobiliário específico à actividade foram preservados, tendo sido adicionadas comodidades modernas.
O governo, a partir do momento que adquiriu a farmácia, em 2011, conseguiu preservar o aspecto exterior do edifício tal como existiria nos anos 90 do século XIX, mas incorporando em simultâneo características actuais, tais como canalização e electricidade.
O museu é um lugar fantástico de apreciar em termos arquitectónicos, uma vez que se pode ver o contraste entre o antigo e o moderno, apre-
António Sanmarful
Uma passagem dentro da preservada antiga Farmácia Chong Sai e uma seção em desenho da antiga farmácia (à esquerda).
ciando ao mesmo tempo os métodos de construção usados na época.
Proporciona igualmente uma boa experiência para quem pretende saber um pouco mais da pessoa e da vida de Sun Yat-sen e das suas contribuições para a sociedade no final do século XIX, permitindo ao mesmo tempo recordar a importância que farmácias como esta tiveram para a prestação de cuidados de saúde aos cidadãos de Macau numa época que já não volta.
A Sala de Exposições do Templo de Na Tcha
大三巴哪吒展館 Todos conhecem as Ruínas de São Paulo, mas um tesouro histórico que talvez não conheça é o Templo Na Tcha, um pouco acima na mesma rua. Este pequeno lugar de devoção, construído em 1888 em homenagem ao deus-menino Na Tcha, é um dos lugares do Centro Histórico de Macau que faz parte do Património Mundial da UNESCO.
À sua esquerda, há um arco através das antigas muralhas da cidade que leva à entrada de uma sala de exposições arredondada que abriga todas as coisas Na Tcha – a lenda da divindade, os costumes e crenças vinculados ao menino-deus e uma variedade de objectos usados nas celebrações do aniversário de Na Tcha, como queimadores de incenso religioso, cabeças de leão e fogos de artifício. Na parte frontal e central do museu, que foi aberto em 2012, encontrase o tradicional cadeirão/poltrona da divindade, bem como oito ilutrações penduradas nas paredes que, desenhadas pelo artista local AhCheng, representam diversos aspectos das origens do deus Na Tcha. Num pequeno televisor ali existente é possível ver um video filmado durante as festividades, garantindo uma espécie de ruído de fundo aos visitantes que percorrem a exposição. No local encontra-se igualmente uma escavacão arqueológica que permite observar o que restou de uma construção que muitos pensam seja da ala ocidental da igreja original de São Paulo – ou Igreja da Mater Dei ou Madre de Deus – que foi destruída por um incêndio há muitos anos.
A icónica cadeira sedan em frente às ilustrações de Na Tcha do cartonista Ah-Cheng, no interior da sala de exposições Na Tcha.
Eric Tam
Existe um outro templo dedicado a Na Tcha no Baixo Monte, na Calçada das Verdades/Travessa de Sancho Pança, mas este existente ao lado das Ruínas de São Paulo continua a ser o mais popular, devido ao pequeno mas simplesmente fascinante museu ali existente.
Tesouro de Arte Sacra do Seminário de São José
聖若瑟修院及聖堂
Depois de se subir um lance com degraus em granito localizado nas traseiras do Palácio do Governo de Macau fica o Seminário e Igreja de São José, um belo edifício construído em 1758 ao estilo barroco clássico – algo difícil de ver na Ásia.
Numa das capelas laterais da igreja existe um relicário que tem em exposição um pedaço de osso de um dos braços de São Francisco Xavier, o missionário católico que co-fundou a Companhia de Jesus no século XVI.
Turistas religiosos um pouco de todo o mundo visitam esta igreja para ver a relíquia. São Francisco de Xavier desempenhou um papel-chave na divulgação do Cristianismo na Ásia antes de falecer na Ilha de Shangchuan, na China, em 1552. Um pedaço de um dos seus úmeros foi extraído e transportado para Macau. Uma visita a esta famosa igreja tem, certamente, de incluir o relicário com o osso sagrado mas, à porta do edifício existe uma pequena jóia fascinante. O museu do Tesouro de Arte Sacra ocupa dois andares do Seminário de São José, neles podendo ser observada uma grande variedade de peças de arte, objectos religiosos e antiguidades. Aprecie estátuas, vasos de igreja e vestimentas que chegam a datar do século XVII. Existe igualmente uma secção dedicada à contribuição dos jesuítas para a tipografia e para a compreensão da língua chinesa através de um extenso trabalho de tradução. Seja católico ou não, a questão é irrelevante, pois este museu é para todos quantos estão interessados na história das religiões.
Estátua religiosa no Museu de Arte Sacra do Seminário de São José.
António Sanmarful
Casa de Lou Kau
盧家大屋 Numa ruela lateral entre o Largo do Senado e a Praça da Sé existe a Mansão de Lou Kau, um edifício em dois andares que foi construído em 1889 e faz actualmente parte do Património Mundial da UNESCO. Para todos quantos procuram fugir das multidões nas Ruínas de São Paulo, este museu garante uma experiência histórica num ambiente calmo. A mansão foi em tempos propriedade do homem de negócios e filantropo chinês Lou Kau – o homem mais rico na cidade no final do século XIX – e que foi a primeira pessoa a quem foi concedida uma licença para operar jogos de fortuna e azar. Mas o azar bate-lhe à
Eric Tam
Vista do átrio dentro da mansão de Lou Kau.
porta em 1906 quando o governo da província de Guangdong reverteu a sua anterior política sobre o jogo e deixou o então empresário de 59 anos na bancarrota. Pouco tempo depois pendurou uma corda numa das vigas da mansão e ali se enforcou.
Quando comparada com a mais conhecida Casa do Mandarim, esta mansão é bem mais pequena e na realidade de mansão pouco tem. Contudo, o seu charme reside na fusão de estilos, reunindo elementos europeus, como sejam a utilização de janelas com vidros coloridos, aos tradicionais que era possível observar nas casas construídas nos finais da Dinastia Qing. Os motivos decorativos também incorporam subtis influências ocidentais em simultâneo com aplicações em madrepérola nas janelas, balaustradas neo-clássicas e tectos em madeira perfurada. Trata-se de um museu que o transportará ao passado.
Interior da mansão.
Eric Tam
Macau Timepiece Museum
澳門鐘錶博物館 Quem pretende passar algumas horas a olhar para relógios? Muitas pessoas, ao que parece, atendendo a que este pequeno mas muitissimo bem planeado museu –que não tem uma designação em português – é muito popular, atraindo muitos visitantes. O museu fica situado numa lateral à rua principal que conduz às Ruínas de São
António Sanmarful
Paulo e é um empório de relógios, muito em particular aqueles que simbolizam o importante papel de Macau na história horológica da China.
O missionário jesuíta italiano Matteo Ricci trouxe um relógio para Macau em 1582, que em 1601 ofereceu ao imperador chinês Wanli, em Pequim, pelo que a cidade tem uma história horológica rica, sendo este museu particular, propriedade de Fong Wing Ngai e Wang Dong, disso testemunha.
As peças mais antigas existentes neste museu, que foi inaugurado em Setembro de 2018, datam do século XVII, há quase 400 anos, tendo algumas delas sido alvo de restauro para que pudessem voltar a dar as horas. Este museu tem em exposição mais de 400 relógios e cronómetros de épocas diversas. Existe mesmo uma zona dedicada ao fabricante italiano de relógios de luxo Panerai, de que o curador do museu, Fong Wing Ngai, é um grande apreciador – de registar que todas as peças em exposição neste museu são sua propriedade. Uma adição recente é uma zona reservada a relógios contemporâneos em que se encontram alguns exemplares muito raros e de edição limitada, como sejam o muito celebrado Audemars Piguet Royal Oak Offshore Chronograph Special Shaquille O’Neal Edition. Vede como o mundo mudou desde a época de Mateo Ricci...
Relógios antigos no Museu do Relógio de Macau; algumas peças da coleção Panerai no Museu (acima).
António Sanmarful
Dez outros museus de visita obrigatória
1Museu de Macau
澳門博物館 112 Praceta do Museu de Macau
O principal museu de Macau leva-o a percorrer a longa e rica história do território.
2Museu de Arte Sacra e Cripta Ruínas de São Paulo
天主教藝術博物館與墓室
Rua de Dom Belchior Carneiro
Um pequeno museu de arte sacra junto a uma cripta que contém um túmulo que poderá ter contido os restos mortais do fundador do Colégio de São Paulo, padre Alessandro Valignano. 鄭家大屋 10 Travessa de António da Silva A antiga residência da família do teórico e reformador do final da Dinastia Qing, Zheng Guangying, contém muitos tesouros históricos. 仁慈堂博物館 Praça do Senado Esta antiga instalação médica do século XVI contém uma variedade de objectos religiosos. 沙梨頭更館 52 Rua da Palmeira Explore a história dos guardas-nocturnos neste museu. Nele encontra fotografias, objectos e informação sobre esta antiga tradição. 16 Museu Lin Zexu de Macau 澳門林則徐紀念館 Avenida Almirante Lacerda Este pequeno museu é dedicado ao Comissário Lin Zexu, que no início do século XIX procurou proibir o comércio de ópio em Macau.
17 Museu Marítimo 海事博物館 1 Largo do Pagode da Barra Conheça a herança piscatória de Macau, as explorações portuguesas e todas as coisas
3Casa do Mandarim
4Museu da Santa Casa da Misericórdia
5O Posto do Guarda-Nocturno no Patane
relacionadas com o mar. 18 Museu das Comunicações 通訊博物館 7 Estrada de Dom Maria II Este museu em três andares proporciona informação sobre o desenvolvimento das comunicações em Macau ao longo dos tempos, incluindo a sua filatelia.
19 Museu de Arte de Macau 澳門藝術博物館 Avenida Xian Xing Hai Este edifício com cinco andares dispõe de 4000 metros quadradros para exposições artísticas.
10 Museu da História da Taipa e Coloane 路氹歷史館 Rua Correia da Silva Este museu, localizado na zona antiga da vila da Taipa, debruça-se sobre a história das aldeias piscatórias das ilhas da Taipa e de Coloane.
Pintura de um guarda-nocturno das casas de Patane.