Revista Iluminart 09 - nov/2012

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ISSN 1984-8625

REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA

ANO IV

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Materiais para fabricação de Equipamentos de Processo •

Estudo sobre as necessidades de ensaios mecânicos e tecnológicos na indústria metalmecânica da região de Sertãozinho-SP •

N0 09

IFSP - CAmPuS SERTãOzINhO

Problemas geradores de discussões (PDS) no laboratório de Física para cursos de Engenharia

Informática educativa na zona rural: a experiência na Comunidade São Pedro em Breves-Marajó-PA

Convivência Grupal X Qualidade de Vida na Terceira Idade

Os avanços e fracassos da 15ª Conferência das Partes de Copenhague: um estudo exploratório

Ensino de Geografia e desenvolvimento sustentável: reflexões, limites, desafios, possibilidades

NOVEmBRO / 2012

O impacto do ambiente de trabalho e do estilo de vida na saúde do trabalhador e a importância de se promover qualidade de vida nas empresas

Estratificação Social na teoria de Max Weber: considerações em torno do tema

Interfaces interdisciplinares na política internacional: breves considerações teóricas sobre a crise do realismo e a emergência de novos conceitos

Moralização do Suicídio?

On digraphs and their quotients


REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA • ANO IV • N0 09 • IFSP - CAmPuS SERTãOzINhO • NOVEmBRO / 2012

Corpo Editorial Editor-chefe Altamiro Xavier de Souza - IFSP Editor substituto Weslei Roberto Cândido - UEM Conselho Editorial Altamir Botoso – UNIMAR * Ana Cristina Troncoso – UFF * Andréia Ianuskiewtz – IFSP * Anne Camila Knoll Domenici – IFSP Antonio Sergio da Silva – UEG * Antonio Sousa Santos – UFVJM * Janete Werle de Camargo Liberatori – IFSP * José Carlos de Souza Kiihl – FATEC * Mauro Nicola Póvoas – FURG * Plínio Alexandre dos Santos Caetano – IFSP Reinaldo Tronto – IFSP * Rodrigo Silva González – UFV * Whisner Fraga Mamede – IFSP * Conselho Consultivo Alexandre do Nascimento Souza – USP Álvaro José Camargo Vieira – PUC-SP / FIT Amanda Ribeiro Vieira – IFSP Ângela Vilma Santos Bispo – UFRB Araci Molnar Alonso – USP/EMBRAPA DF Cristiane Cinat – UNESP Denise Paranhos Ruys – IFSP

Eliana de Oliveira – FACFITO Emanuel Carlos Rodrigues – IFSP Gilvandro de Jesus Almeida Sanches – UFPA Kjeld Aagaard Jakobsen – USP Leandro Dias de Oliveira – UFRRJ Luciana Brito – UENP / UEL Luiz Carlos Leal Júnior – IFSP Magno Alves de Oliveira – IFB Marina P. A. Mello – FACFITO / UNICAIEIRAS Nadja Maria Gomes Murta – UFVJM / PUC-SP Paula Tatiana da Silva – UEL Pedro Cattapan – UFF Pierre Gonçalves de Oliveira Filho – FAMEC Ricardo Castro de Oliveira – UFSCAR Rita de Cassia Bianchi – UNESP Ronaldo de Oliveira Rodrigues – UFPA Rosana Cambraia – UFVJM Tania Regina Montanha Toledo Scorparo – UENP Vágner Rodrigues de Bessa – UFV Designer Gráfico Nildo Xavier de Souza Diretor Geral do IFSP - Campus Sertãozinho Lacyr João Sverzut Reitor do IFSP Arnaldo Augusto Ciquielo Borges

* Membros do Conselho Editorial que atuam conjuntamente no Conselho Consultivo.

REvISTa CIEnTíFICa ElETRônICa ISSn 1984-8625 Fundada em 2008 Peridiocidade Semestral

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Copyright © Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - Campus Sertãozinho Para publicação, requer-se que os manuscritos submetidos a esta revista não tenham sido publicados anteriormente e não sejam submetidos ou publicados simultaneamente em outro periódico. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida sem permissão por escrito da detentora do copyright. O conteúdo dos artigos são de responsabilidade, única e exclusiva, dos respectivos autores.


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palavras do Editor (continuação do editorial do número 8)

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caráter de multidisciplinaridade da Revista Iluminart obrigou-nos a buscar profissionais nas mais diversas áreas do saber, algo muito positivo para aproximação do IFSP com outras Instituições educacionais, fato que pode ser comprovado pela formação dos novos Conselhos. O atendimento pelos Conselhos Editorial e Consultivo do chamado ao trabalho para analisar e reanalisar artigos, propor alterações, emitir parecer, indicar outros profissionais a fim de compor a equipe foi muito importante nesta nova fase da Iluminart. A qualidade e diversidade de artigos recebidos na chamada para o número 8, demonstra que o trabalho entregue em nossas mãos foi bem aceito pela Comunidade Acadêmica, tornando nossa missão muito agradável. Alguns artigos foram tão bem avaliados que expressões como “...quando este artigo for publicado, utilizarei em minhas aulas..., “... assunto e artigo extremamente relevantes...” fortaleceram a convicção da equipe editorial quanto à necessidade de empenho cada vez maior para fortalecer a revista. A composição da equipe de suporte técnico também foi renovada e fortalecida com a participação de um publicitário especializado em projetos gráficos, que apresentou novidades na área de Tecnologias para Internet, modernizando o visual e tornando-o muito agradável para o leitor que utiliza as diversas formas de mídia como: tablets, telefones, notebooks, entre outros. Além disso, houve a entrada de novos colegas do Campus Sertãozinho, que realizam suas tarefas diárias e contribuem para que a Iluminart esteja na Internet. O corpo editorial, formado por afinidade pessoal, profissional e facilidade de contato entre seus membros, foi peça chave para chegarmos a esta publicação. É uma equipe leve, companheira e comprometida com o trabalho e a educação, possibilitando análises e propostas maduras nas diversas fases de elaboração deste projeto. Porém, a maior contribuição é sem dúvida nenhuma do Conselho Consultivo. Aqueles que já participavam da Iluminart e os novos membros foram de um profissionalismo contagiante e sinto-me privilegiado por ter sido o contato direto entre eles e os autores, pois muito aprendi com seus pareceres. O fato de toda análise ter sido feito “às cegas”, ou seja, sem que o autor soubesse quem eram seus pareceristas e nem os pareceristas recebessem qualquer informação sobre quem eram os autores, valorizou totalmente a pesquisa desenvolvida e o texto trabalhado em seu conteúdo e forma. Aos pareceristas da revista foram remetidos mais de 30 artigos de diferentes áreas, cujas análises foram conduzidas com muito cuidado, pois alguns deles foram enviados aos autores recheados de sugestões e indicativos sobre aspectos diversos, desde melhoria na escrita, até discussões sobre o

próprio mérito da pesquisa. A participação dos pareceristas, com elogios e críticas pertinentes, possibilitaram aos autores melhorar (quando necessário) os artigos e aprender também durante o processo. A visão de que este é um trabalho pedagógico, onde todos aprendem – autores, analistas, editores e leitores – permitiu este entrelaçamento construtivo que resultou em dois e não somente um número. Isto mesmo, são dois números de uma única vez. Por isso, os artigos apresentados em maior número, como os relacionados à Literatura e Línguas, foram agrupados no número 8 e os artigos de outras áreas ficaram no número 9. Aos autores que confiaram o resultado de seus trabalhos em nossas mãos, agradecemos e esperamos que seus esforços sejam compensados, com os textos atingindo o público-alvo e promovendo as mudanças desejadas. Acreditamos firmemente que o processo educacional somente ocorre quando o conhecimento atua na modificação daquele que passa a conhecer e, através deste conhecimento é capaz de ampliar a visão sobre o mundo e a humanidade, tornando-se seguramente um novo indivíduo após o contato com este algo “novo” a ele. Não poderia deixar de agradecer a algumas pessoas em especial. Acredito que deixar de externar sentimentos nobres, para pessoas tão importantes em nossa vida, é perder a oportunidade de ser e fazer alguém feliz. Minha gratidão a Weslei, a meu irmão Nildo (responsável pelo projeto gráfico da revista), a Plínio, à Andréia, a Kiihl, a Reinaldo Tronto, à Anne, à Cris Cinat, a Altamir Botoso, a Mauro Póvoas, a Lacyr (diretor de nosso Campus que se manteve fiel a seus princípios democráticos após assumir o cargo de direção, além de ser um grande amigo), à Ana Cristina, Pierre e Barbosa e tantos outros amigos que compõem nosso corpo de conselheiros. Um agradecimento especial ao corpo de servidores dos IFs, em especial aos do IFSP, que aos poucos ampliam sua participação na Iluminart, tanto como autores quanto como conselheiros e, esperamos que cada vez mais, também atuem como leitores destas páginas trabalhadas por diversas mãos com muita alegria, carinho e dedicação. Este trabalho é fruto da esperança que a educação de qualidade seja cada vez mais valorizada e perseguida por toda comunidade acadêmica e, principalmente, pela grande comunidade global. Altamiro Xavier de Souza Editor Chefe Docente do IFSP – Campus Sertãozinho altamirox@gmail.con


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Editorial “O diverso não é o caótico nem o estéril, significa o esforço do espírito humano em direção a uma relação transversal, sem transcendência universalista. O Diverso tem a necessidade da presença dos povos, não mais como objeto a sublimar, mas como projeto a pôr em relação.” Edouard Glissanti

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esde seu primeiro número a Revista Iluminart foi marcada pela diversidade de temas que divulgou. Nasceu com uma proposta interdisciplinar que integrasse os mais diversos pensamentos, estudos e pesquisas produzidas pelas várias universidades espalhadas pelo Brasil. Pesquisadores dispersos ao longo do país, ilhados em suas áreas de estudos atenderam aos chamados de submissão da revista e transformaram a Iluminart no ponto de encontro dos mais diferentes estudiosos. Pelo múltiplo se construiu a unidade da presente publicação. Após sete números publicados, percebe-se que a revista ainda tem fôlego para outros sete vezes sete. Toda esta capacidade de inovação se plasma num moderno projeto de arte e sua repaginação total em termos de leitura e circulação na rede mundial de computadores, e também na composição do novo corpo Editorial e Conselho Consultivo, fatos que demonstram compromentimento do editor-chefe com esta fase da Iluminart que agora se inaugura. Os artigos do presente número fazem jus ao seu novo padrão de leitura e visualidade. A revista saiu de sua velha e cômoda estaticidade acadêmica – herança de seu antigo editor – para a dinamicidade que exige o atual contexto tecnológico. Toda a equipe deve esse avanço ao designer gráfico Nildo Xavier de Souza, que com certeza surpreendeu a todos com seu projeto inovador para a Iluminart. A ele nossos sinceros agradecimentos e reconhecimento por tanta competência.

passando-se pelo impacto do ambiente de trabalho na vida dos trabalhadores até chegar à pesquisa realizada com pessoas da terceira idade comandada por Karoline Davantel Genaro, sob a orientação de Maria Dvanil D’Ávila Calobrizi, que discute a importância da convivência grupal para pessoas nessa faixa etária, bem como das atividades realizadas com as mesmas para o desenvolvimento de uma qualidade de vida que lhes proporcione “uma prazerosa interação social”. Marcelo Rodrigues Lemes com seu artigo sobre Weber permite aos leitores conhecerem a “sociologia compreensiva” e tem como foco as questões de estratificação social, para tanto estuda conceitos como castas, estamento, classe e partido, a fim de compreender melhor a formação das sociedades. O artigo de Leonardo Queiroz Leite desloca os leitores de vez para o campo da política internacional, debatendo questões sobre a segurança internacional e como ela está estreitamente associada às estratégias políticas que põem em evidência os problemas ambientais globais, conciliando segurança, meio ambiente, desenvolvimento econômico e interesses políticos. Continua-se, em seguida, no campo da política e da diplomacia, com os pesquisadores Geraldo José Ferraresi de Araújo e César Machado Carvalho, os quais discutem a questão da 15ª Conferências das Partes de Copenhague na Dinamarca seus avanços e retrocessos em relação às questões climáticas e políticas.

Na rota dessa tecnologia o artigo que abre o número nove da revista é dedicado ao estudo de como a otimização de processos e o aumento da confiabilidade desses equipamentos influenciam na competitividade das empresas. Assim, Edilson Rosa Barbosa de Jesus faz um levantamento bibliográfico sobre o assunto, revendo como esse tema foi tratado nos últimos anos.

Sobre desenvolvimento sustentável tem-se o artigo dos pesquisadores Leandro Dias de Oliveira, Felipe de Souza Ramão e Marcos Vinicius N. de Melo, discutindo como o discurso do desenvolvimento sustentável virou a receita infalível para salvar o mundo, atraindo seguidores que aceitaram incontestes a fórmula mágica para construir um futuro melhor por meio de atitudes menos agressivas ao meio ambiente.

Na sequência Rafael Arroyo Lavez e Marília Guimarães Pinheiro propõem um estudo sobre os ensaios mecânicos e tecnológicos e como eles podem ser importantes para as indústrias de metal-mecânicas de Sertãozinho, propondo melhorias nos laboratórios do IFSP para atender essa demanda local. Desta maneira, os pesquisadores mostram o quanto o trabalho dos docentes do Instituto está imbuído em estudar e melhorar o contexto em que atua a escola técnica, atendendo às necessidades de seu público imediato.

O presente número da Iluminart ainda apresenta entre seus trabalhos o polêmico artigo do professor Pedro Cattapan que toca num tema espinhoso como o suicídio e sua possível moralização, questionando como a rede de controle de antidepressivos pode ser uma armadilha dessa sociedade que abjeta o suicídio como opção, demonizando-o, muitas vezes, como forma até mesmo de ignorar o direito que o suicida tem de optar pela vida ou não.

O artigo dos docentes Vágner Ricardo de Araújo Pereira e Jurandyr C. N. Lacerda Neto discute a importância dos laboratórios de física na formação dos alunos dos cursos de engenharia e como o trabalho nesses locais podem contextualizar os problemas que o discente pode enfrentar no mundo real. O estudo aponta caminhos para essa prática nos laboratórios e atende às exigências das DCNs (Diretrizes Curriculares Nacionais) na formação de um engenheiro, que compreenda melhor o mundo do trabalho em que deverá atuar como transformador da sociedade. Outra proposta de estudo sobre o papel das tecnologias na formação dos discentes vem dos professores Ronaldo de Oliveira Rodrigues e Claudenildo da Silva Ladislau, que levam os leitores da Iluminart a conhecer a realidade da comunidade de São Pedro em Breves-Marajó – PA e como os computadores contribuem na formação dos alunos das escolas da zona rural. Com o artigo de Mirian Damaris Benaglia o leitor poderá refletir sobre a importância do ambiente de trabalho e o impacto deste na saúde do trabalhador, conhecendo uma proposta de prevenção do processo de “trabalho-doença”, de forma a proporcionar aos colaboradores das empresas uma qualidade de vida melhor e mais saudável, o que, consequentemente, os levará a desenvolver melhor suas atividades laborais. O diverso é uma das faces da identidade desta revista desde seu início; de forma que se transita do ambiente de ensino/aprendizagem,

Por fim, encerramos esta edição com um artigo sobre os dígrafos e seus quocientes, dos matemáticos José Carlos Kiihl, livre docente aposentado da UNICAMP, doutor em Matemática pela Universidade de Chicago, e Alexandre C. Gonçalves, professor da USP de Ribeirão Preto e doutor pela Universidade do Texas. Material que deixo para os leitores especializados comentarem por razões óbvias de minhas limitações literárias. Todos os artigos são excelentes, talvez aqui não se tenha a dimensão dos mesmos, mas isso se deve à (de)formação na área de Letras, desse, que é um dos editores da Iluminart. Então, fica o convite a todos os possíveis leitores de enfrentar estes temas com a disposição de conhecer um mundo variado e amplo que desliza da tecnologia para as estratégias de ensino/aprendizagem; da política para as ciências sociais. Portanto, só resta embarcar nessa viagem e estar disposto a ser um inquilino rápido dessas ideias em transição, mobiliando a casa de acordo com seus interesses. Boa leitura!

Weslei Roberto Cândido Editor Substituto Docente da UEM – Universidade Estadual de Maringá weslei79@gmail.com


REVISTA REVISTA CIENTÍFICA CIENTÍFICA ELETRÔNICA ELETRÔNICA • ANO • ANO IV IV • N • 0 N0 09 09 • IFSP • IFSP - CAmPuS - Campus SERTãOzINhO Sertãozinho • •OuTuBRO NOVEmBRO / 2012 / 2012

sumário 07 matEriais para fabriCação dE EquipamEntos dE proCEsso ........................................................... Edilson Rosa Barbosa de Jesus Estudo sobrE as nECEssidadEs dE Ensaios mECâniCos E tECnológiCos 29 ........................................................ Rafael Arroyo Lavez / Marília Guimarães Pinheiro

43 ........................................................................................................................ Vágner Ricardo de Araújo Pereira / Jurandyr C. N. Lacerda Neto 55 ............................................................................................................... Ronaldo de Oliveira Rodrigues / Claudenildo da Silva Ladislau 73 E a importânCia dE sE promovEr qualidadE dE vida nas EmprEsas .......................................... Mirian Damaris Benaglia Karoline Davantel Genaro / Maria Dvanil D´Ávila Calobrizi

91 ........................................................

111 Em torno do tEma ........................................................................................................................................... Marcelo Rodrigues Lemos Leonardo Queiroz Leite

129 ..............................

143 .............................................................................................................................. Geraldo José Ferraresi de Araújo / César Machado Carvalho 165 ................................................................................................................................ Leandro Dias de Oliveira / Felipe de Souza Ramão / Marcos Vinicius N. de Melo Pedro Cattapan

181 ............................................................................................................................

195 ............................................................................................................ José Carlos S. Kiihl / Alexandre C. Gonçalves



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MATERIAIS PARA FABRICAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE PROCESSO

EDIlSON ROSA BARBOSA DE JESUS

Paulo (IPEN – USP), Mestre em Engenharia de Mate-



MATERIAIS PARA FABRICAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE PROCESSO Edilson Rosa Barbosa de Jesus

RESUMO: A demanda pela otimização de processos e a necessidade do aumento da confiabilidade dos equipamentos de processo vêm merecendo atenção especial ao longo dos últimos anos, por conta da necessidade de aumento da competitividade das empresas e da diminuição dos custos com paradas das plantas para manutenção e troca de equipamentos. Na medida em que se deseja que os equipamentos operem com maior eficiência e por tempos mais prolongados, torna-se necessário que os materiais que os compõem possam suportar condições cada vez mais severas de trabalho; condições essas, consideradas críticas para materiais comuns (ditos convencionais). Tais condições de trabalho podem incluir, por exemplo, temperaturas e pressões elevadas e ambientes agressivos (corrosivos e/ou abrasivos) entre outros. Neste contexto, o presente trabalho objetiva apresentar uma revisão bibliográfica acerca dos materiais existentes e disponíveis para aplicações na construção de equipamentos de processo, além dos novos desenvolvimentos, suas principais características e particularidades. PALAVRAS-CHAVES: equipamentos de processo; materiais; corrosão, aço carbono, aço inox, duplex. MATERIALS FOR PROCESS EQUIPMENTS FABRICATION ABSTRACT: The demand for process optimization and the need to increase the reliability of process equipments have been deserving special attention over the past years because of the need to increase the competitiveness of enterprises, mainly by costs reduction with plant shutdowns for maintenance and equipment replacement. It is desired that the equipments operate with higher efficiency and for longer time. Then, the materials used need to work in severe conditions that are considered critical for common materials (so-called conventional materials). The severe work conditions may include, for example, elevated temperatures and pressures and aggressive environments (corrosive and / or abrasive) among others. In this context, this study presents a review about existing and available materials for equipment process applications (construction), the new developments, their main characteristics and peculiarities. KEYWORDS: process equipments; materials; corrosion; carbon steel; stainless steel; duplex

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1. INTRODUÇÃO Denominam-se equipamentos de processo os equipamentos estáticos em indústrias de processamento, que são as indústrias nas quais materiais sólidos ou fluidos sofrem transformações físicas e/ou químicas ou as que se dedicam à armazenagem, manuseio ou distribuição de fluidos. Dentre essas indústrias citam-se as refinarias de petróleo e suas precursoras (prospecção e extração de petróleo), as indústrias químicas e petroquímicas, grande parte das indústrias alimentícias e farmacêuticas, a parte térmica das centrais termoelétricas e os terminais de armazenagem e distribuição de produtos de petróleo, entre outras (TELLES, 1979). Equipamentos estáticos tais como colunas de destilação, vasos de pressão, caldeiras, trocadores de calor, fornos, tanques e tubulações industriais, constituem não só a parte mais importante da maioria das indústrias de processamento, como também, são geralmente os itens de maior tamanho, peso e custo nessas indústrias (Fig. 1).

(a)

(b)

(c)

(d)

Figura 1- Equipamentos de processo. (a) forno cilíndrico; (b) coluna de destilação; (c) trocadores de calor; (d) vaso de pressão. (JESUS e BISCUOLA, 2011) Nas indústrias de processamento, algumas condições específicas fazem com que seja necessário um grau de confiabilidade mais apurado para os equipamentos, em comparação com o que normalmente é exigido para os equipamentos dos demais ramos industriais. Dentre estas condições citam-se: • regime contínuo de operação, o que submete os equipamentos a condições severas de trabalho;

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• equipamentos interligados entre si, com potencial risco de paralisação de toda a planta por conta da ocorrência de uma falha individual (de um único equipamento); • operação em condições de grande risco, que envolvam fluidos inflamáveis, tóxicos, explosivos, corrosivos, etc. A adequada seleção dos materiais a serem utilizados na construção destes equipamentos tem papel fundamental na garantia da confiabilidade dos mesmos quando em operação, daí, a importância de se conhecer não apenas as condições a que o equipamento estará sujeito quando em serviço, mas também o comportamento de cada material em tais condições; de modo que ao final do processo de seleção, a opção seja pelo material que possa propiciar a confiabilidade desejada, com os níveis de eficiência e segurança esperados e evidentemente com uma relação custo/benefício satisfatória. 2. CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DE MATERIAIS Os fatores que devem ser considerados na seleção de materiais para a construção de um equipamento, envolvem os cuidados com a segurança; o conhecimento das condições e ambiente de trabalho do equipamento; localização da planta industrial; as condições e variáveis envolvidas no processo de industrialização do produto; disponibilidade e prazo de entrega; as características e propriedades químicas, físicas e mecânicas dos materiais disponíveis; facilidade operacional em atividades de inspeção e manutenção e também a viabilidade econômica da sua utilização. Guias técnicos que descrevem as propriedades e comportamento de diversos tipos de liga são freqüentemente utilizados e necessários à seleção, entretanto, o comportamento dos materiais submetidos a condições e ambientes diversos é bastante complexo. Tal comportamento, nem sempre pode ser completamente previsto somente através de testes em laboratório, tendo em vista a grande quantidade de variáveis envolvidas. Neste caso, a experiência em serviço (operação real) terá papel fundamental no julgamento definitivo do desempenho da liga na aplicação para a qual a mesma tenha sido selecionada ou desenvolvida (DOE/GO-102004-1974, 2004) e neste sentido as empresas utilizam recursos de monitoramento periódico dos mesmos para detecção e prevenção de eventuais danos que possam produzir resultados indesejados, sobretudo no que se refere à segurança. A seguir são listados diversos fatores que devem ser considerados na seleção de materiais: 2.1. TEMPERATURA DE OPERAÇÃO A temperatura de operação é freqüentemente o primeiro e em muitos casos o único fator levado em conta na seleção da liga (DOE/GO-102004-1974, 2004). Relativo a este fator, diversos

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outros sub-fatores devem ser observados, os quais estão intimamente relacionados com a resposta comportamental do material submetido à ação física do calor. Resistência mecânica - Via de regra, a resistência mecânica da liga é inversamente proporcional à temperatura de operação do equipamento, ou seja, na medida em que a temperatura aumenta, diminui a capacidade da liga resistir a esforços mecânicos. Deve-se verificar também se o equipamento irá operar em condições de fluência, onde ocorre a deformação do material ao longo do tempo, mesmo que submetido a esforços com valores abaixo do seu limite de escoamento. Este fenômeno se torna mais proeminente com o aumento de tensões e temperaturas. Outro fenômeno que deve ser verificado é a falha por fadiga, pois se admite que 90% das rupturas das peças em serviço é atribuído a este fenômeno (CHIAVERINI, 1986). Novamente, este fenômeno ocorre sob tensões inferiores à resistência do material, em equipamentos expostos a esforços cíclicos. Temperatura de oxidação - A temperatura de oxidação da liga também deve ser considerada, uma vez que a oxidação produz perda de material com conseqüente diminuição da espessura de parede do equipamento e da sua capacidade projetada de resistir a esforços. Esta avaliação deve ser realizada sempre em relação às condições atmosféricas a que o equipamento é exposto. Estabilidade térmica -

Normalmente a baixas temperaturas e mesmo em temperatura

ambiente os materiais têm sua resistência ao impacto e ductilidade reduzidas, enquanto que em temperaturas mais elevadas tendem a ser mais maleáveis. Entretanto, muitas ligas compostas por cromo e molibdênio após longo tempo de exposição a temperaturas mais elevadas apresentam sua

ductilidade

diminuída

em

um

processo

conhecido

como

fragilização

(do

inglês:

“embrittlement”) (DOE/GO-102004-1974, 2004). Nestas condições, é necessário, portanto, que se esteja atento ao fator da estabilidade térmica da liga para a faixa de temperatura na qual a mesma será aplicada, sob o risco de que a liga possa ter sua resistência a esforços dinâmicos diminuída. Expansão térmica – Mesmo com os avanços na área de projeto que consideram a utilização de juntas de expansão e detalhes construtivos com peças móveis, como meios de controle e atenuação dos efeitos de dilatação e contração térmica dos materiais; o relatório do Departamento de Energia Americano (DOE/GO-102004-1974, 2004), aponta que a maior causa de distorções e aparecimento de trincas em equipamentos que trabalham a altas temperaturas é devida a falhas na escolha da liga com adequada expansão térmica ou conjunto de ligas com expansão térmica diferenciais. O relatório alerta quanto aos cuidados que devem ser tomados em relação a esta questão, explicando que variações de temperatura da ordem de apenas 110 °C, são suficientes para causar deformações nos materiais além do seu limite de escoamento.

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2.2. RESISTÊNCIA À CORROSÃO A corrosão é particularmente um assunto a ser criteriosamente considerado, já que apresenta custos bastante elevados (cerca de 3 % a 4 % do PIB em cada país), custos estes associados com os reparos necessários e horas ociosas dos equipamentos (SBARAI, 2010). A corrosão pode causar uma extensa gama de problemas dependendo do tipo de aplicação e das condições para as quais o equipamento foi projetado. Como exemplos citam-se (ATLAS, 2003): •

perfurações em tanques e tubulações tendo como conseqüência o vazamento do fluido armazenado ou transportado;

como no caso da oxidação, a corrosão pode também levar à perda de resistência mecânica do equipamento através da perda de espessura dos componentes sujeitos a esforços;

alteração da aparência do equipamento, devido à degradação do acabamento superficial;

formação de resíduos e fuligem que podem provocar o aumento da pressão no interior de tubulações, bloquear sistemas de passagem ou contaminar o fluido circulante ou armazenado.

Em equipamentos de processo, a corrosão pode se apresentar de formas variadas. De acordo com Henriques, 2008, os processos corrosivos se dividem em básicos e sinérgicos. Os processos básicos seriam aqueles em que ocorre uma interação direta entre o elemento corrosivo e o material, enquanto que nos processos sinérgicos tal interação geralmente envolve outros elementos, os quais em conjunto contribuem para a ocorrência do fenômeno. Henriques (2008), considera como sendo processos corrosivos básicos, aqueles provocados por cloretos e oxigênio; pelo H2S; pelo CO2 e por bactérias, enquanto que no grupo dos processos corrosivos sinérgicos enumera o processo de interação corrosão-fadiga; corrosãoerosão; corrosão sob tensão e fragilização pelo hidrogênio. Resumidamente, Henriques (2008), apresenta dados acerca da fonte (origem), efeitos e meios de controle de cada um dos processos corrosivos mencionados anteriormente, tendo apontado quase que por unanimidade o uso de metalurgia especial (entenda-se seleção adequada do material) como meio de atenuação para a grande maioria dos processos corrosivos enumerados. Corrosão por cloretos e oxigênio (fig. 2) – o processo é deflagrado pela simples exposição ao ambiente, sendo potencializado pela presença de névoa salina (ambiente marinho). Em materiais a base de cromo, que é o caso por exemplo dos aços inoxidáveis, a corrosão pode ocorrer interna e/ou externamente ao equipamento, basicamente através da ruptura pelo Cl-, do filme de óxido de cromo passivo existente na superfície do material; sendo auxiliado também em alguns casos pela presença de depósitos (orgânicos e inorgânicos), gerando pites ou alvéolos que comprometem a espessura do metal

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e conseqüentemente a capacidade do mesmo resistir a esforços. Um caso particular deste tipo de corrosão é a chamada corrosão por “frestas” que ocorre justamente em regiões com frestas (aberturas), nas quais o meio corrosivo pode entrar e permanecer em condições estagnadas. A fresta pode ser oriunda de um detalhe de projeto, uma falha na execução da soldagem ou formação de depósito na superfície do material (ancoramento de sujeira, produtos contaminantes e incrustações diversas). De um modo geral os meios que contêm cloretos são particularmente perigosos na corrosão por frestas. Possíveis formas de controle deste tipo de corrosão incluem o uso de metalurgia especial, pintura externa, cuidados em detalhes de projeto e revestimento interno.

(a)

(b)

Figura 2 - (a) Corrosão típica provocada por cloreto; oxigênio; (b) Corrosão por frestas (HENRIQUES, 2008) Corrosão pelo H2S (fig. 3) – ocorre basicamente pela presença ou geração do gás sulfídrico H2S por causa do fluido circulante ou do meio ambiente em que o equipamento se encontra em operação. Este gás é cada vez mais presente na indústria do petróleo, obrigando a utilização de materiais chamados "comuns ou convencionais" (aço carbono) com alguns requisitos especiais, como: controle de Carbono Equivalente (CE), controle de S e controle de P. Este tipo de corrosão pode se apresentar de maneira uniforme ou localizada. Possíveis formas de abrandamento da ação do H2S podem incluir o uso de sequestrante de H2S e uso de metalurgia especial.

(a)

(b)

Figura 3 - Corrosão típica provocada por H2S: (a) Corrosão por H2S em água de formação (MAINIER e ROCHA, 2003); (b) corrosão/abertura na solda de ligação entre partes de circulação de fluidos de trocador de calor da unidade de recuperação de enxofre da REGAP (GUIMARÃES, 2006 - adaptação).

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Corrosão sob tensão (fig. 4) – típico de ocorrência em materiais que estejam operando em meio corrosivo H2S, e que cumulativamente apresentem altas tensões residuais (geralmente devidas ao processo de fabricação do equipamento) e susceptibilidade ao ataque corrosivo. Nestas condições, o resultado geralmente é o aparecimento de trincas induzidas pelo hidrogênio. Possíveis formas de mitigação deste tipo de ataque podem incluir o controle de dureza do material, tratamentos adequados de alívio de tensões (quando aplicável) e uso de metalurgia especial.

Figura 4 – Falha típica provocada pelo fenômeno de corrosão sob tensão (HENRIQUES, 2008) Corrosão por CO2 (fig. 5) – é um processo complexo que ocorre basicamente com a presença de gás carbônico (CO2) no fluido circulante. A complexidade do processo está relacionada com o grande número de variáveis envolvidas tais como temperatura, pressão de CO2, velocidade, tipo de fluxo, teor de acetato e teor de bicarbonato entre outras. A presença de componentes e variáveis diversas leva a ocorrência de reações eletroquímicas complexas, que resultam em corrosão localizada. Possíveis formas de controle deste tipo de corrosão podem incluir o uso de inibidor de corrosão e o uso de metalurgia especial.

Figura 5 - Corrosão típica provocada pela presença de CO2 (HENRIQUES, 2008)

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Interação corrosão–fadiga – neste caso, considerando ligas a base de Cr por exemplo, tensões cíclicas atuantes no material movimentam as discordâncias existentes na estrutura cristalina do mesmo, as quais atingem a superfície e cisalham a camada passiva de óxido (neste caso óxido de Cr), que serve de barreira de proteção contra o ataque do elemento corrosivo. Uma possível forma de amenização neste caso é a utilização de ligas altamente resistentes a corrosão. Interação corrosão-erosão (fig. 6) – é um processo basicamente mecânico geralmente associado com altas velocidades do fluido no interior do equipamento e/ou a presença de elementos abrasivos no mesmo. O uso de materiais e revestimentos resistentes à abrasão apresenta-se como a melhor opção para controle do problema.

Figura 6 – Deterioração típica provocada por corrosão-erosão (HENRIQUES, 2008)

Cavitação (fig. 7) – Segundo o ASM Metals Handbook (2002), o processo de cavitação é definido como a formação e colapso de bolhas de vapor ou gás em uma fase líquida. Em geral, esta se origina em razão de um fenômeno que provoca a diminuição da pressão em uma região do líquido. A cavitação é um processo muito danoso que ocorre em processos contendo uma fase líquida, na qual bolhas de tamanho microscópico são geradas e crescem devido às ondas alternadas de pressão positiva e negativa. As bolhas sujeitas às condições descritas acima crescem até atingir um tamanho crítico, e no momento logo após a implosão as bolhas concentram uma grande quantidade de energia. As implosões destas bolhas ocorrem em regiões nas quais a pressão volta a aumentar. Quando estas implosões ocorrem próximas de superfícies, as bolhas se transformam em jatos com um décimo do tamanho inicial da bolha e as velocidades podem atingir 400 km/h. Com a combinação da pressão, velocidade e temperatura no interior destas bolhas, as mesmas removem material da superfície.

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Sentido do Fluxo

Figura 7 – Arredondamento em face de flange provocada por cavitação (JESUS e BISCUOLA, 2011). Fragilização por hidrogênio (fig.8) – hidrogênio livre oriundo do processo de fabricação e soldagem, de sistemas de proteção catódica e/ou ambientes com H2S e suas espécies dissociadas, se acomoda e interage com discordâncias, contornos de grão e defeitos na estrutura cristalina do material. Uma vez instalado nestas regiões, o hidrogênio passa a exercer pressão, sobretudo, em condições de trabalho a temperaturas elevadas, culminando no aparecimento de trincas o que caracteriza a chamada “fragilização por hidrogênio”. A minimização deste efeito pode ser obtida por exemplo através do bloqueio do ingresso do hidrogênio pela aplicação de pintura, controle do potencial da proteção catódica (quando aplicável) e cuidados na soldagem, o que inclui além dos cuidados durante o processo em si, também os cuidados com a aquisição e a disposição adequada dos consumíveis de soldagem.

Figura 8 - Falha típica de fragilização por hidrogênio (HENRIQUES, 2008) 2.3. PROPRIEDADES DOS MATERIAIS Este item relaciona basicamente as propriedades que devem ser conhecidas e consideradas sempre que se desejar especificar um material para determinada aplicação. Este quesito encontrase intimamente relacionado aos aspectos tratados anteriormente (itens 2.1 e 2.2), sendo necessário, portanto, que no primeiro caso (temperatura de operação) se conheça a variação de cada propriedade em toda a faixa de temperatura previsível de utilização do material e no segundo caso

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(resistência à corrosão), que se conheça com profundidade o fluído circulante e o ambiente de trabalho, suas relações com o material e suas possíveis influências nas propriedades. •

Propriedades físicas: peso específico, ponto de fusão, condutividade térmica, coeficiente de dilatação e temperatura de oxidação entre outras.

Propriedades mecânicas: limites de resistência e de escoamento, alongamento, resistência à fluência e fadiga, tenacidade, dureza e módulo de elasticidade entre outras. Os níveis de tensão atuantes no material é um fator que requer desempenho e eficiência

das propriedades mecânicas do mesmo. Os materiais devem resistir às solicitações impostas, as quais nem sempre se limitam, por exemplo, às cargas de pressão, mas também a uma série de outras cargas advindas da ação do peso próprio, vento, reações de dilatação térmica, sobrecargas externas e esforços de montagem entre outros. A natureza dos esforços também deve ser considerada (tração, compressão, flexão, esforços estáticos ou dinâmicos, choques, vibrações e esforços cíclicos, entre outros). Materiais muito frágeis, por exemplo, não podem ser utilizados em situações onde predominam cargas dinâmicas, choques e pancadas; materiais dúcteis por sua vez absorvem melhor as situações relacionadas anteriormente deformando-se localmente; por outro lado, existindo inversão cíclica das tensões aplicadas, tais deformações não podem ser toleradas, devido à possibilidade de surgimento de trincas por fadiga.

2.4. FLUIDOS DE CONTATO/CIRCULANTE E AMBIENTE DE TRABALHO Com relação aos fluídos de contato/circulantes, diversos fatores importantes devem ser conhecidos,

dentre

os

quais

se

mencionam:

Natureza

e

concentração

do

fluído,

impurezas/contaminantes existentes ou possíveis de existir; existência ou não de gases dissolvidos ou sólidos em suspensão, temperatura, acidez (pH), velocidade relativa em relação ao material do equipamento, faixas possíveis de variação de cada item mencionado anteriormente, valores de trabalho e seus máximos e mínimos; entre outros (TELLES, 1979).

2.5. CUSTO DO MATERIAL Evidentemente, no meio industrial o custo do material é o fator para o qual na grande maioria das vezes maior atenção é dispensada, uma vez que qualquer tipo de investimento só é

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viabilizado quando pelo menos um mínimo de retorno financeiro pode ser visualizado, quer seja a curto, médio ou a longo prazo (JESUS e BISCUOLA, 2011). Para cada aplicação prática podem existir vários materiais possíveis de serem utilizados e o melhor neste caso será o que se apresentar mais economicamente viável, desde que obviamente alguns outros critérios também sejam rigorosamente observados, como é o caso da segurança. Para a verificação da viabilidade econômica, deve-se avaliar não somente o custo direto do material, mas também uma série de outros fatores, como por exemplo, os custos de fabricação do equipamento com este material, tempo de vida, custo de paralisação e de reposição do equipamento, entre outros (TELLES, 1979). O custo direto do material é fortemente influenciado pelo custo unitário de cada um de seus componentes. Charles e Augusto (2008), citam como exemplo o preço do níquel entre 2006 e 2007 que chegou a alcançar o valor de 50 US$/t, o que à época elevou drasticamente o custo dos materiais que utilizavam grande quantidade deste elemento em sua composição. Outra situação é apresentada também por Vigliano (2010), que estabelece uma relação entre o custo do aço cromo molibdênio e o aço carbono comum, sendo que o primeiro chega a ter um custo até 40% maior em relação a este último. O custo por quilo de um aço inoxidável 304, por exemplo, é cerca de 3,7 vezes superior ao de um aço liga 1 ¼ Cr – ½ Mo, entretanto, a construção de um equipamento em aço inox 304 pode resultar em um menor custo por conta da facilitação do processo de soldagem e dispensa de tratamento térmico de alívio de tensões por exemplo (TELLES, 1979). Ainda, para certos ambientes agressivos o inox pode apresentar maior vida útil se comparado com um aço liga.

2.6. SEGURANÇA Quando o risco potencial do equipamento ou do local onde o mesmo se encontra for grande, ou quando o equipamento for essencial ao funcionamento de uma instalação importante, há necessidade do emprego de materiais que ofereçam o máximo de segurança, de modo a evitar a ocorrência de acidentes que possam resultar em perdas de vida e/ou danos ao meio ambiente. São exemplos de elevado potencial de risco os equipamentos que trabalham com fluidos inflamáveis, tóxicos, explosivos, ou em temperaturas e pressões muito altas (TELLES, 1979).

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3. MATERIAIS PARA CONSTRUÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE PROCESSO Existe uma vasta gama de materiais que podem ser usados para a construção de equipamentos de processo, os quais podem ser divididos basicamente em 3 grandes grupos: metais ferrosos, metais não ferrosos e materiais não metálicos. Neste trabalho tratamos mais especificamente acerca dos avanços e desenvolvimentos feitos sobre os metais ferrosos e alguns não ferrosos, com o objetivo de aprimorar suas propriedades objetivando melhor desempenho e maior vida útil dos equipamentos. Resumidamente, os materiais com maior frequencia de uso podem ser elencados conforme segue, os quais serão melhor detalhados na sequência: •

Aço carbono

Aço liga

Aços inoxidáveis e suas ligas

Niquel e suas ligas 3.1. AÇO CARBONO Na linha de aços para construção de equipamentos de processo, pode-se definir

metalurgicamente “aço-carbono” como sendo ligas de ferro e carbono contendo em sua composição uma quantidade máxima de carbono de até 0,35%. Além do ferro e carbono esses aços contêm sempre alguma quantidade de manganês, enxofre e fósforo e alguns podem apresentar ainda pequenas adições de silício, alumínio e cobre. Embora aos poucos a situação esteja mudando como será visto ao longo deste trabalho, de todos os materiais disponíveis o aço carbono ainda continua sendo o material mais empregado, restando para os demais materiais aplicações mais restritas onde não é possível a utilização de aço carbono. O motivo de tal preferência se deve ao fato de que além de ser um material de boa soldabilidade, é de fácil obtenção e pode ser encontrado em várias dimensões e formatos. Existem diversos tipos de aço carbono que podem ser distinguidos basicamente pelas suas características e aplicabilidade, são eles (TELLES, 1979): •

aços de baixo carbono (até 0,20 % C, até 0,90% Mn, até 0,1% Si em alguns aços);

aços de médio carbono para temperaturas elevadas (até 0,35 % C, até 1% Mn, até 0,1% Si em alguns aços);

aços para baixa temperatura (aprox. 0,23% C, até 1,2% Mn, acalmado em Al ou Si);

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aços de qualidade estrutural, destinados primordialmente à construção de estruturas metálicas;

aços carbono de alta resistência. A tabela 1 exemplifica algumas especificações de aço carbono para diversas aplicações

conforme designação ASTM. Tabela 1 – Diversos tipos de aço carbono conforme designação ASTM (TELLES, 1979 – adaptação) Formas de apresentação

Aços de baixo carbono

Chapas grossas Tubos condução (sem costura)

A-285 Gr A A-106 Gr A (com Si) A-179 (sem costura) A-214 (com costura)

Tubos para permutadores Tubos para caldeiras Peças forjadas

Aços de médio carbono (não acalmados) A-285 Gr B,C

Aços de médio carbono acalmados (para temperaturas elevadas) A-515 Gr 60, 70

-

A-178

-

-

A-181

Aços de médio carbono acalmados (baixas temperaturas)

Aços de qualidade estrutural

A-516 Gr 60, 70

A-283 Gr C

A-106 Gr B, C

-

-

-

A-334 Gr 6

-

A-210 A-192 A-105

-

-

A-350 Gr LF1

-

3.2. AÇO LIGA Recebem a denominação de aço liga todos os aços que possuem qualquer quantidade de outros elementos além daqueles que normalmente fazem parte da composição química dos aços carbono (TELLES, 1979). Os aços liga são classificados em aços de baixa liga, aços de média liga e aços de alta liga de acordo a porcentagem de elementos de liga presentes em sua composição. Aços liga são materiais caros aplicados geralmente em serviços de alta e baixa temperatura, alta corrosão e segurança entre outros. Os aços inoxidáveis são casos particulares de aços de alta liga contendo altas quantidades de cromo, o que lhes confere a característica peculiar de não oxidar quando em exposição prolongada em atmosfera normal, isto, devido à formação de uma fina camada passiva de óxido de cromo na superfície do material, que impede a associação do oxigênio presente na atmosfera com o ferro presente na composição da liga. Estes materiais serão tratados com mais detalhe no próximo item.

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Distinguem-se basicamente quatro grupos de aços liga: o aço liga molibdênio, o aço liga cromo molibdênio, o aço liga níquel e o aço liga de alta resistência. Os aço liga molibdênio e cromo molibdênio são mais adequados para serviços a altas temperaturas, serviços com hidrogênio e corrosivos; enquanto que os aços liga níquel são indicados para trabalhos a baixas temperaturas. Já os aços liga de alta resistência são muito específicos e não são apropriados para trabalho em baixas e elevadas temperaturas, mas tão somente em situações onde seja requerido altos valores de limite de resistência mecânica. A tabela 2 exemplifica algumas especificações de aço liga para diversas aplicações conforme designação ASTM. Tabela 2 – Diversos tipos de aço liga conforme designação ASTM (TELLES, 1979 – adaptação) Formas de apresentação Classe de material Aço liga ½ Mo Aço liga 2 ¼ Cr – ½ Mo Aço liga 9 Cr – 1 Mo Aço liga 9 Ni

Chapas

Tubos para condução (sem costura)

Tubos para caldeiras

Tubos para permutadores

Peças forjadas

Acessórios para tubulação

A-204 Gr A,B

A-335 Gr P1

A-209 Gr T1

-

A-182 Gr F1

A-234 Gr WP 1

A-387 Gr 22

A-335 Gr P22

A-213-Gr T22

A-199 Gr T22

A-182 Gr F22

A-234 Gr WP 22

-

A-335 Gr P9

A-213 Gr T9

A-199 Gr T9

A-182 Gr F9

A-234 Gr WP 9

A-353

A-333 Gr 8

-

A-334 Gr 8

-

A-420 Gr WPL 8

3.3. AÇO INOXIDÁVEL Denomina-se genericamente aço inoxidável os aços que não se oxidam mesmo em exposição prolongada a atmosfera normal (TELLES, 1979). Os tipos convencionais de aço inox, mais antigos, costumam ser classificados em três grandes grupos de acordo com a estrutura metalúrgica

predominante

em

temperatura

ambiente.

Nestas

condições,

subdividem-se

basicamente em austeníticos, ferríticos e martensíticos; sendo os primeiros conhecidos como os da série 300 e os dois últimos da série 400 conforme designação AISI. Os desenvolvimentos na área de materiais para aplicação em equipamentos de processo têm ocorrido de forma bastante acentuada nos últimos anos principalmente no campo dos aços inoxidáveis. O contínuo trabalho de pesquisa e desenvolvimento tem possibilitado o surgimento de uma série de ligas variantes do aço inoxidavel, ligas estas especialmente voltadas para aplicações em ambientes altamente corrosivos.

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Alguns exemplos destes tipos de desenvolvimento podem ser mencionados, como é o caso por exemplo do inox superaustenítico e do inox alto Ni (Incoloy), que se enquadram na família de ligas conhecidas como LRCs-Ligas Resistentes à Corrosão em inglês CRAs “Corrosion Resistant Alloys” (BARBOSA, 2009). Um caso particular das LRCs é o denominado aço inoxidável “duplex”, cujo desenvolvimento mais acentuado iniciou-se basicamente a partir da sua segunda geração por volta dos anos de 1970 (DAVIDSON e REDMOND, 1990), (MANTEL et ali., 2008). O termo “duplex” se origina de uma liga cuja estrutura é típica de partes igualmente balanceadas de ferrita e austenita (Alvarez-Armas, 2008). Aços inoxidáveis duplex oferecem diversas vantagens sobre os aços inoxidáveis austeníticos comuns: são altamente resistentes a corrosão sob tensão, têm excelente resistência a corrosão por “pitting” e frestas, apresenta cerca do dobro da resistência e têm apenas cerca da metade da quantidade de níquel dos austeníticos comuns, portanto, são menos sensíveis às variações do preço do Ni (DAVIDSON e REDMOND, 1990). Do original “duplex”, originaram-se também outras variantes como por exemplo o Superduplex, hyper-duplex (SOUZA et ali., 2008) e lean duplex (ALVAREZ-ARMAS, 2008) entre outras, cada uma delas desenvolvida para aplicações bem específicas. O desenvolvimento de novos materiais para aplicações em equipamentos de processo é devido em parte pelo declínio da produção de hidrocarbonetos “onshore”, enquanto que ocorre um crescente aumento da necessidade de exploração e prospecção em campos remotos “offshore” ditos de águas profundas. As principais solicitações presentes nos atuais ambientes produtivos e nas novas áreas a serem exploradas (campos de pré-sal) exigem dos materiais uma combinação bem estabelecida de resistência a corrosão e resistência mecânica, proteção contra CO2, cloretos, H2S e formação de condensados; daí a importância das LRCs (BARBOSA, 2009). Após vários anos de testes de campo, análises de falhas e extensivos programas de avaliação, esses materiais alcançaram um alto nível de confiabilidade e o emprego de aços inoxidáveis duplex e ligas a base de níquel em condições de alta criticidade no golfo do México, Estados Unidos e Mar do Norte, consolidaram definitivamente estes materiais como uma solução que veio para ficar (BARBOSA, 2009).

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A tabela 3 apresenta as principais famílias de LRC´s frequentemente aplicadas em locais de prospecção de hidrocarbonetos, começando pelo grupo dos aços inoxidáveis 13Cr; passando pelo grupo dos duplex e superduplex com resistência mecânica superior em relação ao grupo anterior e utilização em limitadas condições de H2S; na sequência aparece o grupo dos inoxidáveis de alto Ni, Cr e Mo para aplicação em crescentes temperaturas de operação e agressividade corrosiva, com destaque para as ligas 904 e 825; por fim, nas condições mais severas do poço surge o grupo das ligas de alto teor de Ni. A figura 9 mostra a relação estabelecida entre as diversas famílias de LRCs em termos de pressões parciais de CO2 e H2S. O aumento da corrosividade causada pelos teores crescentes de CO2 e H2S aliada à agressividade salina nos remete às LRC´s do quadrante superior direito.

Tabela 3 – Famílias de LRCs e suas principais ligas. A resistência mecânica é indicada com valores típicos e o valor de PREN = %Cr+3,3%Mo+16%N, indicativo da resistência a corrosão por pites (BARBOSA, 2009 - adaptação).

Figura 9 – Mapa de pressões parciais de CO2 e H2S e a adequabilidade de aplicação das LRCs (BARBOSA, 2009).

3.4. NIQUEL E SUAS LIGAS São metais que apresentam simultaneamente excepcional resistência à corrosão e boas propriedades mecânicas e de resistência às temperaturas altas e baixas, o que os enquadra no topo da família das LRCs quando o assunto é resistência a corrosão (vide tabela 3 e figura 9). Algumas variações desta liga para aplicações diferenciadas lhe custou denominações diversas (marcas registradas) por seus fabricantes como por exemplo, “Monel, Inconel e Incoloy” de propriedade da “International Nickel Corp.” e os “Hastelloys” de propriedade da “Union Carbide” (TELLES, 1979).

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4. CONSIDERAÇÕES QUANTO AO PROCESSAMENTO DOS MATERIAIS O desempenho satisfatório da liga quando em serviço é sem dúvida o fator mais importante que deve ser levado em

consideração durante o desenvolvimento de um novo

material, entretanto, há de se considerar também a necessidade de avaliar a sua “trabalhabilidade”, no sentido de que seja possível ser processada com facilidade ao longo de todas as etapas de fabricação do equipamento, através da utilização dos métodos convencionais existentes, objetivando evidentemente acima de tudo, garantir a manutenção das propriedades da liga, afastando o risco de que o equipamento não responda satisfatóriamente ao desempenho esperado quando em serviço (JESUS e BISCUOLA, 2011). No caso, por exemplo, dos aços liga Cr-Mo contendo até 2% e mais de 2 ½% Cr , Telles (1979), faz referência a situações em que para equipamentos de grande porte e trabalhos a alta temperatura, prefere-se substituir o aço liga pelo aço carbono, revestido-o internamente com refratário devido a dificuldade de soldagem dos aços ligados. Tavares et ali. (2006), chamam a atenção para os prejuízos na tenacidade e resistência à corrosão de ligas duplex, devido a alterações microestruturais importantes nesses materiais provocadas pelo processo de fabricação por conformação a quente e soldagem. Smith e Cunha (2009), destacam a importância de se trabalhar com materiais resistentes em ambientes agressivos e também alertam para que se tenha atenção especial em relação ao processo de soldagem. Uma

outra

situação

também

frequentemente

enfrentada

pelos

fabricantes

de

equipamentos diz respeito ao uso de chapas cladeadas por explosão, as quais geralmente sofrem forte encruamento provocado pelo processo de explosão, sendo necessário principalmente nos casos de chapas mais finas, que as mesmas sejam submetidas a tratamentos térmicos adequados antes de serem utilizadas na construção dos equipamentos, sob o risco de aparecimento de trincas durante operações de conformação por prensagem ou calandragem e também na soldagem (JESUS e BISCUOLA, 2011). 5. CONCLUSÕES A demanda por equipamentos que alcancem melhor desempenho e eficiência, maior vida útil e menores custos com manutenção tem colaborado para que novos desenvolvimentos sejam constantes na área de materiais. A evolução dos materiais para fabricação de equipamentos de processo pode ser notada pela grande quantidade de tipos e variações existentes; que vão desde o simples aço carbono o qual ainda hoje é largamente utilizado em aplicações com menores exigências (de corrosividade por exemplo), até alcançar as chamadas LRCs, que são ligas de alta tecnologia

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concebidas em muitos casos para condições de trabalho muito específicas. Entretanto, é essencial que se esteja preocupado não só com a necessidade de desenvolvimento de materiais que atendam as condições críticas de trabalho dos equipamentos quando em serviço, como também e principalmente, com a trabalhabilidade destas ligas no sentido de que sejam possíveis de serem processadas por meio de métodos convencionais existentes; objetivando a redução de custos e, sobretudo a manutenção das propriedades do material ao longo de todo o processo produtivo, de modo a garantir que o equipamento responda satisfatoriamente ao desempenho esperado de projeto.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVAREZ-ARMAS, I., 2008, Duplex Stainless Steels: Brief History and Some Recent Alloys, Recent Patents on Mechanical Engineering, 2008, Vol. 1, No1, pp. 51-57. ASM, 2002, Failure Analysis and Prevention Volume 11. ATLAS, S. M., 2003, Technical Handbook of Stainless Steel, publicação do departamento de serviços técnicos da ATLAS Specialty Metals. Disponível em: http://www.ATLASmetals.com.au. Acesso em: 05 de setembro de 2011. BARBOSA, C. A.,2009, Revestimento de poços. O desafio da exploração em águas profundas e a contribuição da LRCs-Ligas Resistentes a Corrosão, Inox 31, Núcleo Inox, Janeiro/Abril 2009, pp. 19-21 CHARLES, J., FARIA, R. A., Aços Inoxidáveis Duplex e aplicações em óleo e gás: Uma revisão incluindo a nova oferta da Arcelormittal, anais do IX Seminário Brasileiro do Aço Inoxidável. Disponível em <http://www.nucleoinox.org.br/upfiles/arquivos/downloads/inox08/pg_247-254.pdf>. Acesso em: 05 de setembro de 2011. CHIAVERINI, Vicente, 1986, Tecnologia Mecânica: Estrututa e Propriedades das Ligas Metálicas Volume I, Ed. McGraw-Hill, São Paulo, Brasil. DAVIDSON, R. M., REDMOND, J. D, 1990, Practical guide to using duplex stainless steel, NIDI Technical Series N° 10044, Nickel Development Institute, pp.1-6. DOE/GO-102004-1974, 2004, Materials Selection Considerations for Thermal Process Equipment, Documento do Programa de Tecnologias Industriais emitido pelo Departamento de Energia Americano (DOE), 8 pág. Disponível em: < http://www.osti.gov/bridge/purl.cover.jsp?purl=/15011683-XaZ157/native/>. Acesso em: 5 de setembro de 2011. GUIMARÃES, E. M., 2006, Causas e formas de corrosão na unidade de recuperação de enxofre da refinaria Gabriel Passos (REGAP/PETROBRÁS), Dissertação de Mestrado, 2006, 160 pag.

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MATERIAIS PARA FABRICAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE PROCESSO

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eSTuDo SoBRe aS neCeSSIDaDeS De enSaIoS MeCÂnICoS e TeCnolÓGICoS na InDÚSTRIa MeTal-MeCÂnICa Da ReGIão De SeRTãozInho-SP

Rafael aRRoyo lavez

MaRílIa GuIMaRãeS PInheIRo

Graduando no curso Superior de Tecnologia em fabricação Mecânica no Campus

Doutora em Medicina (Clínica Médica) pela faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (fMRP) da universidade de São Paulo (uSP), Mestre em Ciência da Computação (uSP) e engenheira de Produção (uSP). Docente do Campus Sertãozinho

Paulo (IfSP). Contato: rafael.lavez@gmail.com

Coordenadora do Curso Superior de Tecnologia em Gestão em Recursos humanos. Contato: mariliapinheiro@gmail.com



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ESTUDO SOBRE AS NECESSIDADES DE ENSAIOS MECÂNICOS E TECNOLÓGICOS NA INDÚSTRIA METAL-MECÂNICA DA REGIÃO DE SERTÃOZINHO-SP Rafael Arroyo Lavez Marília Guimarães Pinheiro

RESUMO: A melhoria das atividades industriais depende em grande parte da disponibilidade e qualidade dos ensaios mecânicos e tecnológicos. Eles são fundamentais para o controle de qualidade da produção e para a investigação e caracterização dos materiais empregados. Este estudo visa realizar pesquisa qualitativa para levantar a necessidade de volume, qualidade e variedade de ensaios, assim como de equipamentos e ferramentas, para atender às demandas da indústria metal-mecânica de Sertãozinho-SP. Este estudo possibilita definir as ações necessárias à adequação das instalações dos laboratórios do Instituto Federal de São Paulo IFSP, Campus Sertãozinho e a formação de seu pessoal técnico. PALAVRAS-CHAVE: ensaios, qualidade, indústria metal-mecânica.

A STUDY ON THE NEEDS OF METALWORKING INDUSTRY TESTS AT SERTÃOZINHO-SP ABSTRACT: The improvement of industrial activities depends largely on the availability and quality of mechanical and technological tests. These tests are essential for production process control or for research and characterization of materials used in it. This study aims to research the needs of number, quality and variety of tests, as well as necessary equipment and tools, from a sample of industries of the mechanical and metallurgical Sertãozinho-SP, Brazil. KEYWORDS: tests, quality, mechanical industry.

INTRODUÇÃO Os ensaios mecânicos e tecnológicos são utilizados para a determinação das propriedades dos materiais. Eles visam não apenas medir suas propriedades, mas também obter dados comparativos entre eles, estabelecer a influência das condições de fabricação nestes materiais e determinar a adequação do material para o emprego desejado (CHIAVERINI, 1986). Para que o resultado de um ensaio possa refletir, com a máxima fidelidade, o comportamento e propriedades

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de um material, é preciso que sejam observadas normas, especificações e padronizações tomadas como referências em sua execução (CHIAVERINI, 1986). A realização de ensaios pressupõe ambiente, equipamentos e ferramentas que possam promover as condições aceitáveis para sua efetivação. Normalmente, os ensaios mecânicos e tecnológicos são realizados em laboratórios especializados. A melhoria e o desenvolvimento dos produtos da indústria mecânica e metalúrgica dependem significativamente da disponibilidade e qualidade dos ensaios mecânicos e tecnológicos e, portanto, da disponibilidade de bons laboratórios de ensaios. Há uma enorme variedade de tipos de máquinas para os diferentes ensaios e é progressiva a modernização destes equipamentos (SOUZA, 1982). Neste estudo, propõe-se delinear um panorama da estrutura e das necessidades de ensaios da indústria metal-mecânica de Sertãozinho-SP. Os objetivos gerais são: levantar a necessidades de ensaios mecânicos e tecnológicos em uma amostra de empresas de Sertãozinho; mapear a situação atual dos ensaios disponíveis e daqueles necessários para o aprimoramento da indústria local; identificar e detalhar instalações atuais do Instituto Federal de São Paulo IFSP Campus Sertãozinho; identificar e detalhar instalações adequadas para atender a possíveis demandas locais e, identificar prioridades dos conteúdos para formação de técnicos e tecnólogos. Para o levantamento foi feita pesquisa de campo realizada por meio de questionários enviados às empresas escolhidas. O questionário enviado contém itens sobre os ensaios realizados pela a empresa, seus meios de realização, eventuais vantagens e empecilhos encontrados, disponibilidade dos ensaios, frequências e demandas reprimidas. O questionário foi formulado a partir de uma pré-relação dos ensaios mecânicos e tecnológicos associados à indústria metal/mecânica e ratificados através de levantamento em prestadores de serviços na área – empresas de consultoria e de serviços de inspeções técnicas, análises e ensaios. Para definição das ações necessárias para o projeto do laboratório ideal à formação dos técnicos e tecnólogos do IFSP Campus Sertãozinho, foi realizado levantamento dos equipamentos e ensaios disponíveis atualmente nas instalações do Campus e a confecção de um catálogo local. Através de observação e entrevistas com técnicos e professores, foram catalogados todos os equipamentos disponíveis, assim como os ensaios passíveis de execução. Professores e técnicos do Campus foram entrevistados sobre o uso dos equipamentos feito por eles, e suas percepções das necessidades locais que foram também registradas. A metodologia será apoiada nos preceitos e recursos oferecidos especialmente pela pesquisa qualitativa (STRAUSS; GODOI; VEIRA, 2006).

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ESTUDO SOBRE AS NECESSIDADES DE ENSAIOS MECÂNICOS E TECNOLÓGICOS NA INDÚSTRIA METAL-MECÂNICA DA REGIÃO DE SERTÃOZINHO-SP

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RESULTADOS OBTIDOS Os resultados obtidos foram divididos em dois blocos: 1) Levantamento dos ensaios mais freqüentemente na região e 2) Levantamento dos ensaios realizados no IFSP Campus Sertãozinho. Estão detalhados na sequência.

1. LEVANTAMENTO DOS ENSAIOS MAIS FREQÜENTEMENTE NA REGIÃO: Foi realizada visita técnica a uma das mais importantes empresas de prestação de serviços na área, localizada no município de Sertãozinho – SP. O objetivo da visita foi identificar os ensaios realizados pela empresa, o perfil do profissional que ela busca e possui em seus laboratórios, seus equipamentos, treinamentos e qualificações promovidos. A empresa em questão foi fundada em 1989 visando suprir as necessidades do setor sucroalcooleiro. Hoje é uma das líderes neste setor na região. Expandiu seu mercado e atende hoje a outros setores da indústria, como papel e celulose, siderurgia e mineração, automobilístico, alimentação, cítrico, bebidas e agroindustrial. É certificada pela ISO 9001-2000, BUQI UKAS e acreditada pelo INMETRO. Os principais ensaios utilizados pela empresa são: Controle Dimensional; Ensaio Visual; Líquido Penetrante; Partícula Magnética e Ultrassom. O profissional empregado/formado pela empresa deve ser capaz identificar, relacionar, desenvolver métodos e estabelecer quais ensaios são necessários para atender a demanda do cliente. A empresa investe em um profissional capaz de apontar soluções, com perfil de consultor, e não simplesmente vender um serviço; é preciso desenvolver uma visão crítica e holística que venha sanar as dúvidas do cliente. O profissional deve ser capaz de elaborar relatórios técnicos com base nas informações obtidas através do resultado dos ensaios, executar planos de falha (FEMEIA/FEMEC), ter um conhecimento aprofundado em metalurgia da solda, ser capaz de interpretar desenhos técnicos, ter sólida bagagem em NR-13 Plantas Integradas de vasos de pressão. O Laboratório de ensaios da empresa está dividido em quatro segmentos, que são: Análises químicas - possui um espectrômetro de Fluorescência de Raio-X, forno de indução e combustão direta; Ensaios mecânicos - realizados ensaios de tração, impacto, dureza, microdureza, dobramento, achatamento, expansão de tubos, fadiga, tenacidade à fratura e outros;

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Análise

metalográfica

-

está

equipado

com

recursos

! !

tecnológicos

de

pesquisa

e

desenvolvimento como microscópios óticos, estereoscópios e microdurômetro; Análise de falhas - laboratório que tem ativa participação das inspeções e análises realizadas, utiliza todos os recursos tecnológicos e profissionais para atender os mais diversos tipos de análise de falhas em equipamentos e componentes. A empresa possui programa de qualificação de empregados e de treinamento e certificação para a comunidade. Para o levantamento dos ensaios realizados pelas indústrias da região, foi elaborada lista das indústrias da área no município e elaborado/enviado um questionário tratando os seguintes pontos:

investimentos realizados/pretendidos em tecnologia;

certificação de conformidade pretendida/alcançada;

certificação de sistema de gestão pretendida/alcançada;

tipos de instituições procuradas para serviços de certificação;

importância e grau de utilização dos Serviços de Ensaios e Análises;

grau de importância e o grau atual dos Serviços de Normalização e Regulamentação Técnica, e quais as instituições procuradas para tanto;

serviços de metrologia utilizados e quais instituições procuradas para sua realização;

serviços de informação tecnológica utilizados e quais instituições procuradas para sua realização;

principais dificuldades enfrentadas na contratação de serviços;

investimento em formação de recursos humanos; e

instituições procuradas para formação de recursos humanos. Foi criada uma base de dados com endereço eletrônico e contato das empresas a serem

pesquisadas e também foi criado um contato eletrônico do IFSP Campus Sertãozinho para o envio/recebimento dos questionários destinados às empresas selecionadas. Detalhe deste questionário pode ser visto na Figura 1. Foram realizadas várias tentativas para obtenção do maior número possível de questionários respondidos. Na primeira tentativa foi feita sensibilização da empresa através de ligações telefônicas, realizadas em setembro de 2010, para esclarecimentos e pedido de resposta à pesquisa. Outra tentativa foi o reenvio dos questionários após 15 dias, seguida de ligação telefônica para cada empresa.

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Finalmente, com objetivo de obter maior número de respostas, foram feitas mais duas tentativas, ligações e envios de questionários. Foram obtidos seis questionários respondidos no total, cerca de 5% do total. Foram mapeados os dados obtidos para cada uma das questões. Exemplos deste mapeamento podem ser vistos nos Gráfico 1 e 2.

2. LEVANTAMENTO

DOS

ENSAIOS

REALIZADOS

NO

IFSP

CAMPUS

SERTÃOZINHO Os laboratórios do IFSP possuem equipamentos tradicionais e alguns de ponta. Contam com os seguintes equipamentos: •

para Ensaios não destrutivos END – o

Reagentes para aplicação do LP (Líquido penetrante),

o

Ultrassons, e

o

Aparelho de Partícula Magnética e Aparelho de raio-X.

para Ensaios destrutivos ED – o

aparelho de tração,

o

Aparelho de dureza (OBS: com leitura HB – dureza Brinell e HC – Dureza Shore); e

o

Metalografia - Microscópios óticos, Projetor de perfil, Micrômetros e Paquímetro.

Foi elaborado um catálogo contendo dados de todos os equipamentos citados. Este catálogo poderá dar suporte e conhecimento aos alunos sobre existência, características e emprego geral destes equipamentos. Páginas do catálogo produzido neste levantamento são ilustradas nas Figuras 2 e 3. Foi realizada uma pesquisa com os professores das disciplinas de Ensaios Físicos e Mecânicos e Ensaios Não Destrutivos. Constatou-se a ausência de um equipamento de medição da capacidade de absorção de impacto do material – ensaio de charpy. Foi levantado que o Instituto tem problemas de instalações físicas, ou seja, não possui espaço físico ideal para alguns equipamentos.

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Esta pesquisa mostrou que existe a impressão satisfatória do corpo discente em relação aos docentes, no que se refere ao conteúdo teórico das disciplinas, mas o mesmo não ocorre com as instalações práticas. Uma sugestão apresentada é a contratação de técnicos de laboratório, para todos os períodos, que pudessem dar suporte aos alunos e professores nas aulas práticas, tanto de usinagem quanto de ensaios destrutivos e não destrutivos.

CONCLUSÃO Segundo os dados da pesquisa, Sertãozinho-SP conta com uma empresa prestadora de serviços na área de ensaios que disponibiliza a maioria dos ensaios realizados na região: ensaios químicos, ensaios destrutivos e ensaios não destrutivos. Estes são os ensaios mais utilizados nas indústrias do setor metal-mecânico. Esta empresa, que possui um quadro de funcionários qualificados e treinados para a realização de seus serviços, atesta a dificuldade de contratação de profissionais especializados na região. É freqüente buscar profissionais em outros estados. Com base na entrevista com os profissionais desta empresa e nas entrevistas com professores do IFSP Campus Sertãozinho e nos questionários respondidos pelas empresas do setor metal-mecânico de Sertãozinho-SP e região, conclui-se que o Instituto possui um laboratório de ensaios e de metalografia com algumas carências. Embora possua equipamentos de ponta e de boa qualidade, sente-se necessidade de equipamentos adequados para ensaio charpy. As instalações físicas dos laboratórios também não são as ideais. Apesar destes problemas, segundo as entrevistas, o Instituto está fornecendo um curso com extrema qualidade e cumprindo com todos os objetivos das ementas das disciplinas no que se refere aos ensaios destrutivos e não destrutivos, formando profissionais capazes de atender as necessidade das empresas de Sertãozinho-SP e região. O corpo docente tem expectativas de melhorias em curto prazo das instalações e equipamentos dos laboratórios de mecânica. O catálogo produzido por este trabalho mostrou-se um importante documento para apoio aos profissionais em seu trabalho nos laboratórios do IFSP Campus Sertãozinho e para o projeto de sua melhoria.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHIAVERINI, V.; Tecnologia Mecânica. Pearson, Vol.1, 2ª. Edição, São Paulo, 1986. SOUZA, S A; Ensaios Mecânicos de Materiais Metálicos, Fundamentos Teóricos e Práticos. Edgard Blucher, 2ª. Edição, São Paulo, 1982. LIBONI, R B; TONETO-JR, R; A Indústria de Equipamentos para o Setor Sucroalcooleiron. Em:

Workshop

do

Observatório

do

Setor

Sucroalcooleiro

<http://www.observatoriodacana.org/files/Industria%20de%20Equipamentos.pdf>

SBIE2004, acesso

em

18/set/2009. STRAUSS, A; CORBIN, J; Pesquisa Qualitativa, Técnicas e Procedimentos Para o Desenvolvimento de Teoria Fundamentada. Artmed, 2ª. Edição, Porto Alegre, 2008. GODOI, C K; BANDEIRA-DE-MELLO, R; SILVA, A B; Pesquisa Qualitativa em Estudos Organizacionais. Saraiva, São Paulo, 2006. VIEIRA, M M F; ZOUAIN, D M; Pesquisa Qualitativa em Administração. FGV, São Paulo, 2006.

GRÁFICOS E FIGURAS

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Figura 1 Detalhe do questionário da pesquisa de campo enviado às empresas da região de Sertãozinho-SP. Figura 2 Catálogo Laboratório IFSP Campus Sertãozinho (detalhe).

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Figura 3 Catálogo Laboratório Ensaios IFSP Campus Sertãozinho (detalhe 2).

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E

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s

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Vágner rICardo de araúJo PereIra

Jurandyr C. n. LaCerda neto

Mestre em educação pela universidade Fe-

doutor em educação pela universidade estadual de Campinas (unICaMP), Mestre em educação (unICaMP), Licenciado e Bacharel em Física (unICaMP). docente no Campus arara-

sitário da Fundação educacional de Barretos (unIFeB). Contato: vagnerap2@uol.com.br

Contato: jurandyrl@gmail.com



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PROBLEMAS GERADORES DE DISCUSSÕES (PGDS) NO LABORATÓRIO DE FÍSICA PARA CURSOS DE ENGENHARIA Vágner Ricardo de Araújo Pereira Jurandyr C. N. Lacerda Neto RESUMO: O laboratório de Física tem um papel importante na formação do aluno de engenharia. Além de criar um ambiente propício às discussões sobre os conceitos científicos, suas construções e o desenvolvimento de habilidades a partir da experimentação, ele também poderia ser utilizado para aproximar o ambiente acadêmico de problemas reais presentes na sociedade. Nesse sentido, os Problemas Geradores de Discussões (PGDs) veem ao encontro das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de engenharia (DCNs) propondo uma metodologia que gera discussões acerca do impacto social, político, ambiental e econômico, presentes no contexto do problema. Neste artigo, procuramos indicar caminhos para a inserção dessa metodologia no laboratório de Física, visando contribuir para a aprendizagem do futuro engenheiro, conforme os anseios da sociedade atual. PALAVRAS-CHAVE: Problemas geradores de discussões, laboratório de Física, ensino de Engenharia.

DISCUSSION GENERATORS PROBLEMS (DGP) IN THE PHYSICS LAB TO ENGINEERING COURSES ABSTRACT: The physics lab has an important role in the formation of the engineering student. In addition to creating an enabling environment for discussions about the scientific concepts, their construction and development of skills from the experiments, the lab could be used to approximate the academic environment with real problems in society. Thereby, the discussion generator problems (DGP) in conformity with the National Curriculum Guidelines for engineering courses (NCG) propose a methodology which raises questions on the social, political, environmental and economic situation present in the present context. We tried to indicate ways for the insertion of this methodology in the physics lab, to contribute to the learning of the future engineer, as it is desired by today's society. KEYWORDS: Discussion generator problems, Physics lab, Engineering teaching.

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VÁGNER RICARDO DE ARAÚJO PEREIRA | JURANDYR C. N. LACERDA NETO

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INTRODUÇÃO A sociedade atual aponta para novas habilidades e competências que o engenheiro deve possuir em sua atuação profissional comparadas com as estabelecidas em décadas anteriores, principalmente com relação à constante atualização do profissional, à criatividade e à iniciativa na busca de soluções para novos problemas, conforme consta da proposta para a modernização da educação em engenharia no Brasil, Inova Engenharia (SENAI-IEL, 2006). A sociedade moderna, fortemente influenciada pelo desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia, impõe profundas transformações às atividades escolares. Essa sociedade cada vez mais informatizada e interconectada requer aprendizagens com maior nível de autonomia, flexibilidade e autorregulação, devendo estar presentes nos materiais instrucionais as metas educacionais que preparem os futuros cidadãos para enfrentarem as implicações sociais e éticas que o impacto tecnológico envolve e capacite-os para a tomada de decisões fundamentadas e responsáveis (CABOT, 2012). As diretrizes curriculares nacionais (DCNs) para os cursos de engenharia (BRASIL, 2002), propõem algumas habilidades e competências que os alunos devem adquirir em sua formação profissional, dentre elas estão a capacidade de avaliar o impacto das atividades da engenharia no contexto social e ambiental, compreender e aplicar a ética e a responsabilidade profissionais. Tais habilidades e competências podem ser consideradas inovadoras se comparadas com as diretrizes anteriores com forte ênfase nos aspectos técnicos, também importantes, mas não únicos. Sousa (2006) destaca a elitização do ensino de engenharia em décadas passadas, classificado-o como genérico, teórico e dogmático, comprometido com a reprodução capitalista. Hoje esse ensino pode variar desde pretender formar um profissional operacional, mediante um ensino pragmático, fragmentado e sem oferecer base científica eficaz, até formar um profissional atualizado, crítico, contestador do modelo atual de desenvolvimento com imensas desigualdades sociais. Carletto (2009), baseada nos resultados obtidos em um estudo desenvolvido em cursos de engenharia, afirma que eles podem tornar-se protagonistas do aprendizado da avaliação de impacto tecnológico, ocupando-se em selecionar situações significativas para o aluno, relativas à sua realidade, no caso, os projetos de seus protótipos tecnológicos, oriundos do processo de inovação tecnológica. Viabiliza-se por meio da problematização e do diálogo com a realidade, a busca e a identificação de visões de mundo que norteiam aquela problemática, a identificação de contradições, que em conexão com diferentes áreas do saber, poderão ser trabalhadas a favor de soluções envolvendo questões técnico-científicas, éticas, sociais, históricas, culturais e ambientais. Ainda conclui que “o momento atual requisita uma renovação pedagógica a fim de formar o

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PROBLEMAS GERADORES DE DISCUSSÕES (PGDS) NO LABORATÓRIO DE FÍSICA PARA CURSOS DE ENGENHARIA

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profissional cidadão para atender às necessidades de seu tempo e contribuir realmente para um mundo mais equilibrado e equitativo”. Nos últimos anos, vários autores têm apontado para a necessidade de se prestar mais atenção ao ensino sobre tecnologia na formação científica do aluno, como afirma Acevedo Díaz, et al (2005). O movimento CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) propõe uma alfabetização científica e tecnológica para todas as pessoas. Assim, é cada vez mais importante relacionar o conhecimento científico com os desenvolvimentos tecnológicos e inovações. Desta forma, as concepções dos professores sobre os significados de tecnologia e sua relação com a ciência podem criar certas dificuldades. Oliveira (2009) realizou uma pesquisa com o objetivo de estabelecer estratégias de ensino e aprendizagem de Física em um curso de Engenharia. Ele afirma que a falta de motivação por parte dos alunos, especificamente em cursos de Engenharia, vem do fato de que a Física é tratada como uma disciplina propedêutica e o consequente insucesso escolar é um problema que os professores de Física e os pesquisadores enfrentam atualmente. O ensino superior ainda é muito centrado na figura do professor, sendo o seu principal papel o de transmitir conhecimento e, com isso, os níveis de interação professor-aluno são baixos. Cruz e Silva (2009) afirmam que os resultados obtidos no ensino de Física são preocupantes, pois os alunos veem apresentando características bem definidas, ou seja, são acadêmicos que possuem conhecimento através de fórmulas, não questionam sobre sua validade, não apresentam interesse pelo aprendizado e, geralmente, querem obter rapidamente um diploma universitário. Disciplinas específicas das áreas de ciências humanas e sociais normalmente são consideradas, pelos alunos de cursos de ciências exatas e tecnologia, de pouca importância para a sua formação. Dessa forma, integrar temas daquelas áreas em disciplinas específicas dos cursos de engenharia, como por exemplo, em Física, pode gerar resultados mais produtivos em termos da formação desses profissionais, tornando-os mais aptos a considerarem aspectos sociais e humanos em suas tomadas de decisão, desenvolvendo o hábito de discutir e criticar assuntos muitas vezes polêmicos na sociedade. Cremos que podemos avançar em relação aos dois problemas citados acima introduzindo, no laboratório de Física, alguns Problemas Geradores de Discussões (PGDs), como parte integrante das práticas já existentes em cada instituição de ensino.

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OS PROBLEMAS GERADORES DE DISCUSSÕES (PGDS) A metodologia dos Problemas Geradores de Discussões (PGDs) foi proposta por Machado (2009), em sua dissertação de mestrado, que analisou os efeitos dessa metodologia no processo de formação do aluno de engenharia, através do ensino de Física. Ele apresentou, em seu trabalho, três PGDs, O custo da mão de obra na produção do pão, Aparelho de ginástica e Esteira transportadora, que foram utilizados na coleta de dados entre alunos de engenharia de uma instituição pública de ensino. Na construção dessa metodologia foram considerados três aspectos, as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de engenharia (DCNs), as aplicações educacionais do movimento CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) e o ensino baseado na resolução de problemas. Machado (op. cit.) elaborou um manual para a construção e aplicação de PGDs na disciplina de Física em cursos de engenharia, com o objetivo de maximizar sua eficácia. A seguir, apresentamos, resumidamente, algumas ideias: •

É importante que o professor exija do aluno, durante o desenvolvimento de todas as atividades, uma postura muito próxima do que o aluno teria em um ambiente profissional.

A atividade proposta aos alunos deve sempre estar baseada em um problema real e do cotidiano profissional dos mesmos, ao mesmo tempo em que deve estar relacionada à conhecimentos previamente desenvolvidos pela disciplina em que foi inserida, podendo, ou não, ser parte do processo de avaliação do aluno durante o curso.

Como parte dos ideais dessa metodologia, as atividades devem ser estruturadas com o intuito de despertar no aluno o pensamento crítico a respeito de um problema real em suas várias esferas: social, ambiental, tecnológica, ética, etc.; além de exigir do mesmo a utilização prática de conceitos científicos para a resolução do problema, que vão além da aplicação de fórmulas e conceitos memorizados.

As atividades devem ser propostas aos alunos sempre sem um guia ou procedimento padrão para a realização da mesma, cabendo a estes toda a estruturação do raciocínio necessário para se chegar à resposta desejada.

Os trabalhos devem ser feitos em grupos para que, durante o desenvolvimento do mesmo, haja um processo de aprendizagem coletiva frente aos embates de ideias e conceitos que cada um dos alunos possui. Deve-se tomar certo cuidado para que estes grupos não se tornem pequenos demais, frustrando as discussões e sobrecarregando seus integrantes, nem grandes demais para gerar elementos ociosos dentro do grupo. Em cada caso, o professor deve ter consciência das atividades propostas para prever quantos integrantes cada grupo deverá possuir.

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Durante o desenvolvimento do PGD deve haver um espaço de tempo reservado para que os alunos elaborem seus pré-relatórios descrevendo todas as ações tomadas por seu grupo frente ao problema. Para o encerramento do processo também deve ser exigido um Relatório Final individual para que cada aluno expresse as dificuldades encontradas durante as atividades e as respectivas estratégias para a solução dos problemas. Sugerese que no Relatório Final seja exigido que o aluno registre sua opinião de como as discussões e atividades práticas modificaram ou fortaleceram os conhecimentos científicos que os mesmos possuíam, ajudando o professor a avaliar a eficácia da atividade aplicada.

O professor deve ser elemento passivo em muitos momentos do trabalho deixando os alunos, mesmo que tomando caminhos equivocados, estruturarem raciocínios próprios para tentarem chegar à resposta. O professor só deve se pronunciar no momento de discussão no grande grupo, no qual ele deve guiar a discussão e fazer os esclarecimentos necessários.

PROPOSTA PARA A UTILIZAÇÃO DE PGDS NO LABORATÓRIO DE FÍSICA Na maioria das vezes, as instituições de nível superior, contam com um conjunto de experimentos elaborados para o ensino de Física destinado aos cursos de Engenharia, em função dos equipamentos disponíveis para tal finalidade. A utilização de tais experimentos pode seguir diversas metodologias, desde as mais tradicionais, em que o aluno desenvolve a prática como uma “receita de bolo”, sem muita liberdade para tomar decisões, cujo objetivo é o de verificar um fenômeno físico, até métodos não diretivos, em que o objetivo é descobrir um fenômeno, sendo para isso necessário o domínio do método científico, muitas vezes tido como objetivo principal no laboratório didático. A avaliação do melhor método não nos parece muito simples, diante da realidade de cada instituição. Alves Filho (2000), analisando historicamente a forma com que o laboratório didático de Física foi, e talvez ainda seja, utilizado no processo de ensino chegou a algumas conclusões, dentre elas, a de que o laboratório didático para ser elemento importante do processo de ensino e aprendizagem de ciências, particularmente da Física, deve ser alvo de uma metodologia diferente daquela que o introduziu no processo de ensino com o objetivo exclusivo de apresentar o método experimental. De acordo com o autor, devemos buscar uma função real para o laboratório didático e para suas atividades experimentais no processo de ensino-aprendizagem e não mais deixá-lo como apêndice do processo como ocorre atualmente.

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A utilização dos PGDs no laboratório didático de Física vem no sentido de rever os conceitos presentes em algumas práticas, criando momentos de discussões em um ambiente com menor número de alunos, propiciando melhores condições para suas manifestações. E ainda, mostrando que tais conceitos podem ser utilizados para resolver problemas do cotidiano e também relacionar com aspectos sociais, políticos, ambientais etc., indicando que a Ciência não é neutra e está relacionada com os interesses da sociedade. O quadro 1, a seguir, apresenta um PGD que elaboramos para ser utilizado após experimentos que tratam de movimento retilíneo. Ele foi inspirado nos trabalhos de Machado (2009), ou seja, foi construído com a mesma estrutura proposta originalmente, entretanto, abordando outro tema. Como se pode observar, ele é constituído de três partes, uma que trata dos conceitos científicos, chamada de formação profissional, a que apresenta o problema gerador e a etapa que sugere discussões sobre o impacto ambiental, ético, político e econômico do projeto, chamada de formação para a cidadania.

Formação profissional

Atividade 1: 1.1. O que é aceleração? 1.2. Como é possível determinar a aceleração de um corpo no laboratório? Descreva um plano de atividades experimentais supondo a aceleração constante. 1.3. Conhecendo o gráfico da velocidade em função do tempo de movimento de um veículo, como é possível determinar o seu deslocamento?

Problema gerador

Atividade 2: A figura 1 mostra a imagem de um trem bala semelhante ao que será utilizado no trajeto Campinas – Rio de Janeiro. Sua velocidade máxima é cerca de 300 km/h.

Figura 1. Imagem de um trem-bala. 2.1. Faça um gráfico da velocidade do trem em função do tempo, considerando que sua 2 aceleração (ou desaceleração) é de 1,5 m/s e que ele fique parado 2 min. em cada estação no percurso Campinas – Rio de Janeiro, de acordo com a figura 2, mostrada a seguir. Considere apenas as estações planejadas (indicadas pelas setas). Despreze as estações de Viracopos, de Guarulhos e a do Galeão. Suponha que a velocidade máxima seja de 288 km/h.

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Figura 2. Trajeto proposto para o trem-bala brasileiro. 2.2. Proponha a ampliação de uma linha de Campinas até Barretos, com uma estação em São Carlos. Qual seria o tempo dessa viagem? Mostre em um gráfico de velocidade em função do tempo.

Formação para a cidadania

Atividade 3: 3.1. Cite três fatores positivos para a implantação do projeto do trem-bala brasileiro. 3.2. Cite três fatores negativos para a implantação do projeto do trem-bala brasileiro. 3.3. O grupo é a favor da implantação do trem-bala brasileiro? Justifique em termos de custos, benefícios e o seu impacto ambiental. 3.4. Proponha uma forma de transporte alternativo ao trem-bala, no referido trajeto proposto pelo governo, compare em termos de custos, benefícios e o seu impacto ambiental. 3.5. O grupo substituiria o investimento que será gasto no projeto do trem-bala brasileiro por outro grande projeto? Justifique.

Quadro 1. PGD – Trem-bala Brasileiro. Autoria: Prof. Vágner Ricardo A. Pereira.

O PGD, Trem Bala Brasileiro, apresentado neste artigo, foi elaborado com o objetivo de proporcionar reflexões acerca de conceitos discutidos nas aulas de Física I, e suas relações com situações do cotidiano, além de levar aos alunos do curso de Engenharia Civil, de uma instituição particular do interior do Estado de São Paulo, o conhecimento desse projeto. A escolha desse problema levou em consideração a área de interesse do aluno procurando motivá-lo para a resolução do mesmo, além de criar um ambiente propício para discussões com aspectos do movimento CTS, ou seja, considerando-se o impacto ambiental, social, político, econômico do projeto. A apresentação desse problema em sala de aula, em caráter exploratório, enfrentou algumas dificuldades. A turma possuía um elevado número de alunos, cerca de oitenta, prejudicando a participação de todos nas discussões, principalmente aqueles mais tímidos. Alguns

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alunos não participaram de todas as etapas, divididas em três, denominadas: formação profissional, problema gerador e formação para a cidadania, conforme estabelecido por Machado (op. cit.) e citado anteriormente. O pequeno número de aulas semanais, duas, o compromisso com o cumprimento do programa da disciplina, a falta de experiência em resolver problemas com esse tipo de estrutura, o baixo envolvimento de alguns alunos em uma atividade cuja influência em sua nota seria baixa, também foram percebidos pelo professor. Considerando esses aspectos, propusemos a utilização de PGDs no laboratório de Física, pois o número de alunos é menor, cerca de 30, estão normalmente divididos em grupos, criando um ambiente propício às discussões, resolvendo, assim, alguns problemas observados. Uma segunda aplicação foi realizada, ainda em caráter exploratório, em uma turma do curso de Engenharia de Alimentos, da mesma instituição de ensino, uma turma menor, cerca de 30 alunos, no laboratório. Nesse caso, o ambiente estava adequado às discussões, entretanto, o tema não tinha muita relação com o curso. Desta forma, houve uma preocupação por parte do professor em explicar o motivo da aplicação de tal PGD, motivando-os para a sua resolução, pois, como afirmam Cardoso e Bzuneck (2004), a motivação no ensino superior é claramente influenciada por contextos específicos, enquanto percebidos pelos alunos, sendo que determinadas ações do professor para socializar os acadêmicos são muito importantes tanto para a motivação quanto em relação às estratégias de aprendizagem. Guimarães e Boruchovith (2004), baseados em diversos autores, também afirmam que a motivação intrínseca do aluno não é resultado de treinamento, mas pode ser influenciada principalmente pelas ações do professor, ou seja, o nível de envolvimento do estudante é influenciado, dentre outros fatores, pelo contexto instrucional. Após o desenvolvimento de atividades práticas que tratavam de movimento retilíneo, foi realizada uma discussão acerca das novas habilidades e competências que o engenheiro desse século deve dominar, visando uma boa formação profissional, conforme constam das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de engenharia no Brasil. Com essa discussão, pode-se notar o envolvimento, por parte dos alunos, na execução das tarefas propostas, cabendo uma pesquisa detalhada a ser realizada considerando a motivação do aluno na resolução de determinados problemas, em certos conteúdos específicos, em função de sua área de interesse relacionada com o curso escolhido. Com essa metodologia, aqui adaptada para a realidade de uma instituição privada do interior do Estado de São Paulo, busca-se contribuir para a melhoria da situação de ensino/aprendizagem em Ciência que encontramos atualmente em cursos de engenharia e, arriscamos dizer, em vários outros também, ou seja, um ensino fortemente centrado na figura do professor, o pequeno interesse demonstrado pelos alunos às ciências exatas e naturais, o

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PROBLEMAS GERADORES DE DISCUSSÕES (PGDS) NO LABORATÓRIO DE FÍSICA PARA CURSOS DE ENGENHARIA

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fracasso escolar de um grande número de alunos, a alta taxa de evasão em cursos de engenharia, dentre outros, conforme constam em pesquisas da área.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os problemas geradores de discussões (PGDs) poderiam acrescentar novas ideias às metodologias utilizadas no laboratório didático, trazendo-as para mais perto dos objetivos traçados pelas diretrizes curriculares, levando em conta aspectos sociais, políticos, éticos, ambientais etc., em sua elaboração, mostrando ao aluno a capacidade que o conhecimento científico tem em resolver problemas reais e, ainda, que tal conhecimento não é algo neutro ou descontextualizado, como pode parecer na simples resolução de exercícios propostos em aula. O laboratório talvez seja o ambiente mais adequado para a sua implantação, pois os alunos naturalmente estão divididos em equipes, em um número menor do que na sala de aula convencional, facilitando, assim, a orientação das discussões por parte do professor. Concluímos que vários outros PGDs podem ser elaborados e integrados de acordo com a realidade de cada instituição, tanto em termos do programa curricular das disciplinas quanto em relação aos equipamentos disponíveis no laboratório. A utilização dos PGDs no laboratório de Física abre perspectivas de pesquisa em temas como, por exemplo, sua influência no desempenho dos alunos nas disciplinas de Física em cursos de engenharia, a visão dos professores de Física sobre sua aplicabilidade, a visão do aluno sobre os PGDs, a relação entre o PGD e determinado curso de engenharia etc. Apresentamos aqui algumas ideias que podem ser ampliadas com discussões entre os professores preocupados com a melhoria do ensino em cursos de engenharia e pesquisas futuras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACEVEDO DÍAZ, J. A., VASQUEZ ALONSO, A., MANASSERO MAS, M. A. e ACEVEDO ROMERO, P. Aplicación de una nueva metodologia para evaluar las creencias del profesorado sobre la tecnologia y sus relaciones con la ciência. Educación Química. Vol. 16, n. 3. Julho, 2005. ALVES FILHO, JOSÉ DE PINHO. Regras da transposição didática aplicadas ao laboratório didático. Caderno Catarinense de Ensino de Física, v. 17, n. 2, ago. 2000.

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BRASIL. CNE/CES 11, de 11 de março de 2002, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia. Brasília: Ministério da Educação, 2002. Disponível

em

<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES112002.pdf>.

Acesso

em

18/08/2011. CABOT, ESPERANZA. A. Una alternativa didáctica para el perfeccionamento del processo de Enseñanza-Aprendizaje de las Ciencias. Revista Iberoamericana de Educacion. No. 58, pp. 81-97. 2012. Disponível em: <http://www.rieoei.org/rie58a04.pdf>. Acesso em 24/04/2012. CARDOSO, L. R. e BZUNECK, J. A. Motivação no Ensino Superior: Metas de Realizações e Estratégias de Aprendizagem. Psicologia Escolar e Educacional, vol. 8, n. 2, p. 145 – 155. 2004. CARLETTO, MÁRCIA R. Avaliação de impacto tecnológico: Alternativas e desafios para a educação crítica em Engenharia. Tese de doutorado. UFSC. Florianópolis. 294p. 2009. CRUZ, G. K. e SILVA, S. L. R. Reflexões para a composição de uma metodologia para o Ensino de Física. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia. Vol. 2, n. 1. Jan./Abr. 2009. GUIMARÃES, S. E. R. e BORUCHOVITCH, E. O Estilo Motivacional do Professor e a Motivação Intrínseca dos Estudantes: Uma Perspectiva da Teoria da Autodeterminação. Psicologia: Reflexão e Crítica. Vol. 17, n. 2, pp. 143 – 150. 2004. MACHADO, V. Problemas geradores de discussões, uma metodologia para o ensino de Física em cursos de engenharia. Trabalho desenvolvido no Mestrado Profissional em Ensino de Ciência e Tecnologia. UTFPR. Ponta Grossa. 2009. OLIVEIRA, P. J. C. Ensino da Física num Curso Superior de Engenharia. Na Procura de Estratégias Promotoras de uma Aprendizagem Activa. Tese de Doutorado. Universidade de Aveiro. Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa. 2009 SENAI-IEL. Inova Engenharia: Proposta para a modernização da Educação em Engenharia no Brasil. Instituto Euvaldo Lodi. 2006. SOUSA, A. C. G. Os avanços e retrocessos na discussão das diretrizes curriculares e os desafios atuais. Anais do XXXIV Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia – COBENGE. p. 4.57 – 4.67. 2006.

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inFoRMÁTiCa eduCaTiva na Zona RuRal: a eXPeRiÊnCia na CoMunidade sÃo PedRo eM BReves-MaRaJÓ-Pa

Claudenildo da silva ladislau

Ronaldo de oliveiRa RodRigues

graduado em Pedagogia pela universidade Federal do Pará (uFPa). Professor de infor-

Mestre em Ciências da Comunicação pela universidade Federal do Pará (uFPa). Professor assistente da Faculdade de educação e Ciências Humanas, Campus do Marajó-Breves da universidade Federal do Pará (uFPa).

Contato: nildo_breves@hotmail.com

Contato: rrodrigues@ufpa.br



INFORMÁTICA EDUCATIVA NA ZONA RURAL: A EXPERIÊNCIA NA COMUNIDADE SÃO PEDRO EM BREVES-MARAJÓ-PA1 Ronaldo de Oliveira Rodrigues Claudenildo da Silva Ladislau RESUMO: O presente estudo trata do tema Informática na aprendizagem, considerando o uso do computador em escolas da zona rural. A escola São Pedro, localizada na zona rural do município de Breves-PA, foi contemplada, no ano de 2010, com equipamentos de informática e é o foco desta pesquisa, que leva em consideração a percepção de professores e membros da comunidade acerca dos usos que estão sendo feitos em relação à sala de informática. PALAVRAS-CHAVE: Informática na aprendizagem; Computador; Zona rural; Escola.

COMPUTER EDUCATION IN RURAL AREA: THE EXPERIENCE IN THE COMMUNITY OF SÃO PEDRO IN BREVES-MARAJÓ-PARÁ ABSTRACT: The present study deals with the topic of computer education, considering the use of computers in rural schools. São Pedro School, located in the rural city of Breves-PA, was awarded, in 2010, with computer equipments and it is the focus of this research, which takes into account the perception of teachers and community members about the uses that are being made in relation to the computer classroom. KEYWORDS: Computer education; Computers; Rural area; School.

INTRODUÇÃO A informática no processo de aprendizagem é um tema que vem ganhando grande notoriedade. À medida que o computador foi se popularizando e fazendo parte da vida das pessoas, sua utilização no campo pedagógico passou a ser discutida de tal modo que parece ter se tornado consenso entre autores e pesquisadores da área que a escola, seja na zona urbana ou

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Texto elaborado com base na pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso de Claudenildo da Silva Ladislau, intitulada Informática na Aprendizagem Escolar: um estudo sobre o Pacote Educacional Gcompris em uma escola rural do município de Breves-PA, sob orientação do Professor Ronaldo de Oliveira Rodrigues. O trabalho atendeu aos requisitos normativos do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação e Ciências Humanas-Campus Universitário do Marajó/Breves da Universidade Federal do Pará.

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na zona rural, precisa estar preparada para lidar com o desafio de incorporar esse recurso ao processo de ensino-aprendizagem dos alunos. A política de abrangência à zona rural por parte do Programa Nacional de Informática na Educação (PROINFO), que hoje é vinculado à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) do Ministério da Educação/Brasil (MEC), está estabelecendo uma nova dinâmica ao processo ensino-aprendizagem nas escolas rurais. A escola São Pedro faz parte dessa realidade. A mesma foi contemplada no ano de 2010 para ser equipada com um laboratório de informática2 composto por uma CPU3 e cinco terminais (monitores), além de uma impressora. O início das atividades ocorreu no segundo semestre de 2011. Vale lembrar que dos 80 laboratórios contemplados no ano de 2010 para a zona rural do município de Breves, 23 estão instalados, porém, até maio de 2012, apenas dois estavam funcionando, um na escola Wilson Mainardi e outro na escola São Pedro. Além da recente chegada do computador nas escolas da zona rural, a experiência profissional, dos autores desta pesquisa, em relação ao tema (ambos já exerceram a função de professor de informática educativa) contribuiu para o interesse nesse estudo. A necessidade de debate sobre o tema, assim como a de conhecimento sobre as estratégias e metodologias adotadas com o intuito de conhecer como se deu o início da implantação dessa proposta na zona rural e as possíveis alternativas de mudanças visando colaborar para a melhor realização do processo foram questões que balizaram essa pesquisa. Os questionamentos norteadores foram: como a informática vem sendo inserida no processo de aprendizagem dos alunos da escola São Pedro? O que tem mudado no cotidiano da escola a partir da chegada dos equipamentos de informática? Para aproximação da realidade foram realizadas entrevistas estruturadas com três professores, coordenação pedagógica e também com a representante dos moradores da comunidade, além dos líderes comunitários, que são dois (um no campo religioso e outro que trata de assuntos gerais da comunidade). Ressaltase que os colaboradores da pesquisa serão identificados com as letras iniciais de seu nome. 1. A COMUNIDADE SÃO PEDRO Inaugurada em 12 de junho de 1974, a comunidade São Pedro, considerada uma comunidade tradicional4, com acesso pela PA-159, vicinal 3, está situada às margens do Rio 2

Neste trabalho Laboratório de Informática e Sala de Informática são usados no mesmo sentido. Unidade Central de Processamentos, popularmente conhecida como gabinete. 4 O Decreto nº 6.040 de 07 de fevereiro de 2007 (BRASIL), que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), dispõe em seu Artigo 3º, Inciso I, que são considerados Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam 3

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Pararijós e fica 20 km do centro da cidade de Breves-PA. Considerando esta referência, em média, o tempo de acesso ao local é de 30 minutos pela estrada ou três horas via marítima, em que a distância pode chegar a 100 km ou mais, segundo estimativas dos próprios moradores. Por terra ou pelas águas essa distância parece dobrar, dado que por terra, no verão, há um volume muito denso de areia que se concentra na maior parte do trajeto; no inverno, o acesso fica ainda mais complicado em função das poças e pequenos lagos que se formam, bem como a maior parte do trajeto torna-se bastante escorregadia. Pelas águas, seja verão, seja inverno, a dificuldade é que em alguns trechos do rio somente embarcações bem pequenas pode passar. Acrescenta-se ainda a forte correnteza das marés. Para as pessoas da cidade a comunidade funciona como um balneário e é apenas um local de diversão. Já para os moradores do local há uma distinção que precisa ser feita, como no depoimento do líder religioso da comunidade: Muitas pessoas da cidade ainda não se deram conta de que esse espaço é o local de vivência de outras pessoas. A abertura da estrada foi muito bom, inclusive para nós, mas de alguma maneira nos tirou a privacidade. Agora muitos moradores daqui já começaram a fazer cercados em volta de suas casas. Era uma coisa que antes era impensável e agora é aceitável porque muitas vezes quando vem outras pessoas da cidade que a gente não conhece, geralmente tem gente daqui viajando [...] e aí fica difícil né (BFC, 32 anos).

A abertura da estrada que dá acesso à comunidade, bem como a chegada da energia elétrica se deu na transição do final da década de 1990 para o início do ano 2000, por iniciativa da prefeitura. Em relação à educação, a escola Municipal de Educação Infantil e Fundamental São Pedro, fundada no dia 29 de Junho de 1985, funcionou durante muito tempo em um prédio de madeira com apenas duas salas. Foi reinaugurada no dia 29 de Junho de 2010 (25 anos depois) quando foi contemplada com a construção de um novo prédio (em alvenaria) e com novas instalações. Agora conta com quatro salas de aula, uma copa, dois banheiros para alunos e um para professores,

Imagem 1 – Escola São Pedro Fonte: Acervo dos pesquisadores

territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.

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uma sala de informática, uma biblioteca, uma secretaria e um alojamento para professores (que fica ao lado da escola). Em 2011 atendeu 146 alunos regularmente matriculados. A escola São Pedro funciona nos períodos matutino, vespertino e noturno atendendo Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Tem o quadro de funcionários fixos composto por três professores de Ensino Fundamental, dois serventes; um zelador; um Professor de Informática e uma coordenadora pedagógica. Segundo a professora ALC, coordenadora da escola e que também exerce função administrativa, devido a não existência de cargo de diretor(a), a escola possui alguns projetos importantes como o projeto de leitura, plantão pedagógico, projeto integração família na escola e o projeto cidadania. Por meio dessas parcerias, além do apoio de profissionais da área da saúde e de técnicos em educação do município, a escola vem tentando mudar a concepção de educação que durante muito tempo prevaleceu na comunidade (a de que não havia razões suficientes para se passar anos na escola). Esses profissionais realizam palestras com as famílias, com o objetivo de sensibilizá-las quanto à importância que a educação tem para a vida das pessoas. Atualmente, por exemplo, já não se vê na comunidade os pais levarem seus filhos para trabalhar, pois o foco passou a serem os estudos, isso se deu graças à mudança de concepção das famílias com relação à educação, o que já vem ocorrendo na comunidade há alguns anos. Por se tratar de uma escola polo5, a nova escola São Pedro atende não só alunos que residem na própria comunidade, mas também alunos que moram às margens do rio Pararijós e em comunidades vizinhas. As crianças são transportadas em barcos de madeira de pequeno e médio porte alugados pela Prefeitura Municipal de Breves; a capacidade de lotação desses barcos varia de 30 a 70 passageiros. Os barcos são de propriedade de moradores da comunidade local e vizinhas que recebem um valor mensal em dinheiro de R$ 500,00 (quinhentos reais) referente ao aluguel do mesmo. Vale ressaltar que a mão de obra do tripulante não é remunerada, pois por se tratar do dono do barco esta pessoa tem a responsabilidade de realizar o transporte dos alunos. Embora a escola tenha sido contemplada com uma nova estrutura física, com mais salas de aula, ainda não foi possível eliminar algo que é bastante comum das escolas do campo, as classes multisseriadas, que atendem alunos de anos/séries diferentes em uma única turma. Já que a organização das aulas na sala de informática respeita a formação das turmas de sala de aula, então o atendimento também se dá de maneira multisseriada.

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Escola Polo é uma escola que apresenta estrutura física (geralmente em alvenaria) e organizacional para atender alunos de várias comunidades.

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2. A SALA DE INFORMÁTICA NA ESCOLA SÃO PEDRO A recente chegada do computador na escola São Pedro, que ocorreu em 2010, é motivo de grande expectativa entre os moradores da comunidade, ribeirinhos e comunidades vizinhas, principalmente no que diz respeito ao acesso à rede mundial de computadores (Internet), fato que ainda não é possível. Contudo, segundo informações da Coordenação de Informática Educativa – Breves (COINFE) a escola já foi inserida no programa Gesac6 e aguarda a instalação de uma antena de internet via satélite. As aulas de informática iniciaram-se no mês de Setembro de 2011 e atende todos os alunos regularmente matriculados na Educação Infantil e Fundamental I. Perguntada sobre a concepção da comunidade a respeito do uso do computador na escola, a representante dos moradores responde: É muito importante [...] foi até eu numa reunião que reivindiquei para a diretora [coordenadora] o uso do computador, porque nós já tínhamos esse equipamento. Há mais de um ano já estava na escola, mas não estava funcionando por motivo de forças maiores. Falei que a gente queria que a informática funcionasse porque ajudaria muito os alunos, pois também fui aluna dessa escola. Conclui a 8ª série em fevereiro de 2011 e a gente sentia muita dificuldade para fazer uma pesquisa. A informática está aí, mas ninguém daqui tem acesso à internet, que é o mais importante, porque quando a gente vai fazer um trabalho de escola a gente sente muita dificuldade em encontrar um material para ajudar a fazer o trabalho. Então, com a chegada da informática tudo melhora pra gente. Hoje eu já tenho um filho e uma filha que já estão estudando informática e eles chegam em casa numa expectativa muito grande dizendo: – olha mamãe eu fiz isso no computador e eu gostei muito. Isso pra mim é muito bom (MBS, 45 anos).

O depoimento desta moradora aponta para duas situações. Primeiramente trata do descaso, por parte dos órgãos competentes (Prefeitura Municipal, Secretaria de Educação e Coinfe), com relação à utilização do computador nessa escola, pois apesar do recurso já estar presente, precisou-se de um tempo de um ano para que pudesse vir a funcionar. A segunda situação, decorrente da primeira, relaciona-se ao fato de que a demora na utilização do equipamento gerou uma expectativa ainda maior em relação ao uso da sala de informática. Essa demora na utilização apenas contribuiu para reforçar o imaginário de que o uso do computador é de tamanha grandeza que não pode ser operado por qualquer pessoa, e em outras situações ou localidades isso poderia despertar certo medo em operá-lo, o que não foi o caso em São Pedro. 6

Coordenado pelo Ministério das Comunicações por meio do Departamento de Infraestrutura para Inclusão Digital, o Programa Gesac oferece conexão de internet via satélite e terrestre à telecentros, com o objetivo de promover a inclusão digital em todo o território brasileiro. O Programa é direcionado, prioritariamente, para comunidades em estado de vulnerabilidade social, em todos os estados brasileiros, privilegiando as cidades do interior, sem telefonia fixa e de difícil acesso. Por meio dele, é disponibilizada a infraestrutura fundamental para a expansão de uma rede. (Disponível em http://www.gesac.gov.br/, acesso em 11/02/2012)

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Mesmo que a Internet ainda não seja uma realidade na escola São Pedro percebe-se, no depoimento da representante dos moradores, preocupação com relação ao uso adequado dos recursos existentes nesse recurso:

Tem uns que dizem que atrapalha, sim ela pode atrapalhar, mas se você não 7 souber usar. Porque lá , está o bom, o ruim e o pior, mas tudo de melhor também tem lá, e eu como mãe eu tenho que orientar meus filhos dizendo: você vai lá pra internet e vai fazer isso e isso, que seja certo e que seja bom pra você (MBS, 45 anos).

A sala de informática conta apenas com um professor. Devido a isso não é possível atender todos os alunos matriculados. Quanto à estrutura, a sala de Informática tem a dimensão de 25 m2 e não possui ventilação e/ou climatização adequada, o que dificulta ainda mais os trabalhos nesse ambiente. No segundo semestre de 2011 quando foi inaugurada, a sala de informática funcionou quase que somente no período matutino, com exceção de uma turma que era atendida no período vespertino, perfazendo um total de 70 alunos atendidos. É importante lembrar que a instalação de computadores e a preparação para o início das aulas não contou com o apoio da Coinfe, tomando o professor de Informática juntamente com a coordenação da própria escola a responsabilidade por viabilizarem as condições mínimas para o início das aulas nesse importante espaço de aprendizagem. Os alunos têm aula de informática apenas uma vez por semana, em um período de 45 minutos. O baixo número de discentes atendidos na sala de informática se dá não apenas pelo fato de a escola possuir apenas um professor lotado nesse ambiente, mas também pelo número reduzido de computadores. Como já explicado, o laboratório de informática é equipado com apenas uma CPU e cinco terminais (destes, um é destinado ao servidor). De acordo com a política de composição dos laboratórios de informática, o Proinfo define essa quantidade como o padrão para laboratórios da zona rural. Para que esse acervo pudesse ser ampliado deveria haver uma mudança nessa política. Outra alternativa seria a contemplação da escola São Pedro com mais um projeto do Proinfo, o que aumentaria o acervo da sala de informática para duas CPUs e dez terminais, quantidade esta que, mesmo com espaço reduzido, a sala de informática suportaria, embora ainda não seria o ideal para atendimento dos alunos. Nesse sentido se afirma que a iniciativa de levar informática educativa à zona rural é bastante interessante, contudo a quantidade de computadores é insuficiente para atender a demanda de uma escola que possui, por exemplo, variados níveis de ensino, como é o caso da 7

A moradora refere-se à Internet.

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escola São Pedro, além de que o ideal era que os alunos usufruíssem por bem mais tempo além dos 45 minutos destinados por semana. Deve-se lembrar a necessidade de Perceber o laboratório de informática como uma sala de aula, que precisa de um professor que oriente e um contexto de aprendizagem para que esta seja significativa, onde acontecem todas as relações e intermediações possíveis que um ambiente de aprendizagem tem, é um importante passo no processo de utilização da informática na educação (CARNEIRO, 2002, p. 113).

Vale considerar que quando as observações foram iniciadas a sala de informática da escola pesquisada possuía apenas uma CPU e três terminais devido ao roubo de dois monitores8, fato que reduzia ainda mais o número de alunos atendidos. Após reivindicações feitas por um destes pesquisadores e pela coordenadora da escola junto à Coinfe, dois monitores (terminais) foram cedidos em modalidade de empréstimo para a escola, tornando possível o atendimento de cinco crianças por horário. As turmas da escola São Pedro possuem em média 25 (vinte e cinco) alunos. Devido a isso e ao baixo número de computadores, só é possível atender uma turma por dia e em cinco horários de aula, uma vez por semana. Vale ressaltar que a escola não optou por atender dois alunos por máquina por entender que é mais oportuno aos alunos o contato diretamente com o computador, ou seja a relação um aluno para um computador é a ideal para efeito de aprendizagem.

Imagem 2 - Sala de Informática c/ 3 terminais (dois Alunos) por máquina. Fonte: Acervo pessoal

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Imagem 3- Sala de Informática c/ 5 terminais(um aluno por máquina). Fonte: Acervo pessoal

Informação fornecida por funcionários da escola.

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O sistema operacional utilizado nos computadores é o Linux Educacional 3.0, acompanhado de uma série de softwares, jogos e atividades educativas. Dentre estas destaca-se o Pacote Educacional Gcompris. Por se tratar de um recurso novo na escola, as primeiras aulas de informática deram ênfase à introdução a informática, através de joguinhos que permitem aos alunos manipularem alguns recursos fundamentais do computador como o mouse e o teclado. Ao término das atividades de introdução à informática, o professor passou a dar ênfase em atividades de língua portuguesa (do Pacote Gcompris). Além dos cinco terminais, a sala de informática dispõe de uma impressora, que passa a maior parte do tempo sem funcionar, por falta de recurso financeiro para a compra de cartuchos de tinta. Esse equipamento é utilizado para a impressão de documentos escolares e bilhetes destinados aos pais de alunos com avisos sobre reuniões e eventos da escola. A ausência de mais recursos tecnológicos na sala de informática como data-show e a própria internet, são alguns fatores que impossibilitam que esse ambiente seja explorado por outros profissionais da escola, ficando restrita sua utilização apenas ao professor de informática. Além disso, a própria preparação dos demais professores, bem como moradores da comunidade, em geral, precisa ser trabalhada e já está previsto no organograma do professor de informática. Para o ano de 2013 é bem provável a gente abrir duas turmas; uma sendo só para os funcionários da escola São Pedro e outra só para a comunidade São Pedro; é o chamado curso básico, pelo menos para eles conhecerem algumas ferramentas e aplicativos do computador (Prof. A).

A proposta é interessante, principalmente por considerar que o computador [...] é um dos elementos inovadores que podem auxiliar a construção coletiva dos conhecimentos envolvidos nos projetos, por se tratar de uma máquina com múltiplas funções e tratar as informações como um elemento integrado no processo ensino-aprendizagem (TAJRA, 2007, p. 12).

Vale ressaltar que o computador como um fim em si mesmo não fará uma revolução no ensino e tampouco o simples fato de equipar as escolas com máquinas e softwares educativos será uma garantia de melhoria no processo de aprendizagem. Um aspecto importante e que pode contribuir significativamente para o uso do potencial pedagógico das tecnologias na escola diz respeito à formação dos profissionais que nela atuam. Sem uma formação docente adequada, o computador passa a causar expectativas totalmente opostos aos que deveria, como desconfiança, aversão, espanto e, em muitos casos, medo:

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A sensação de fazer algo errado e estragar o computador é muito forte. Na maior parte das vezes os erros que cometemos podem ser resolvidos sem maiores problemas, e, com alguma informação, percebemos que muitas vezes o problema não está nos erros do usuário, mas na configuração da máquina ou do programa [...] (CARNEIRO, 2002, p. 56).

Para que o profissional em educação não tenha esse tipo de reação diante do computador, ou outro tipo de tecnologia, é preciso que ele esteja não só habilitado para operá-los, mas principalmente que possa refletir sobre sua importância e os reais benefícios que o recurso pode vir a oferecer. Com o intuito de conhecer um pouco mais sobre o processo desenvolvido na escola em relação à informática educativa foram feitas outras perguntas aos professores. Perguntou-se ao Prof. A (que atua na sala de informática) se este possui algum tipo de formação específica e se tal formação havia ocorrido durante seu curso de graduação. O professor respondeu que recebeu uma formação específica oferecida pela Coinfe com carga horária de 100 horas para atuar no laboratório de informática e que além da referida formação, encontra-se cursando através do Plano Nacional de Formação de Professores (PARFOR), um curso superior de informática. Já o Prof. B respondeu que possuía um curso básico em informática e que tal formação se deu através de um curso particular. O Prof. C ao ser questionado sobre sua formação em informática, respondeu Eu tenho curso básico, infelizmente não tive um tempo maior para fazer um curso mais abrangente, mas pretendo fazer porque é necessário a gente poder lidar com esse assunto, pois, como você vai passar para seus alunos algo que você não domina? Você tem também que se aperfeiçoar com eles e para eles (Prof. C).

É importante perceber que, embora a informática educativa seja uma novidade na escola e, consequentemente, na comunidade São Pedro, os professores que lá atuam possuem apenas um curso básico, e reconhecem que a formação que possuem não os habilita para trabalharem adequadamente com esta temática junto a seus alunos. Ao mesmo tempo, a presença da sala de informática na escola São Pedro também deve ser vista como uma oportunidade para que estes professores possam adquirir tal formação, pois como assinala Libâneo (2006): [...] Atualmente, o desenvolvimento profissional não se restringe mais ao mero treinamento. A ideia é que a própria escola é lugar de formação profissional, por ser, sobretudo, nela, no contexto de trabalho, que os professores e demais funcionários podem reconstruir suas práticas, o que resulta em mudanças pessoais e profissionais (LIBÂNEO, 2006, p. 375).

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Nesse sentido, compreende-se que a formação continuada, pode ocorrer em várias situações, considerando elementos como observação, seja pelo diálogo ou pelo acompanhamento de uma situação até então desconhecida. E no caso dos recursos de informática é ainda mais necessário o contato cotidiano com os mesmos. Perguntou-se ao Prof. A como havia ocorrido sua formação para trabalhar com a Informática Educativa. Ele responde: “– Nessa formação, aprendi como trabalhar com os alunos usando o computador e seus aplicativos. Aprendi também a planejar minhas aulas e a fazer projetos semanais e mensais”. Em seguida ele respondeu se essa formação seria suficiente para atuar no laboratório de informática: “– A minha formação na área da informática não é suficiente para atender todos os alunos, pois alguns são especiais ou possuem alguma deficiência”. Considerando esta resposta entende-se que em uma formação onde não se prepara os profissionais de forma adequada para trabalharem com pessoas comuns, naturalmente esses mesmos profissionais terão dificuldades para adequar-se à política de inclusão. Quanto ao tempo de docência na escola São Pedro, os dois professores da sala de aula (Prof. B e Prof. C), estão trabalhando há apenas um ano na escola, sendo esta a primeira experiência de ambos em sala de aula. Já o professor de informática (Prof. A) atua há 11 anos na educação, sendo três anos como professor de informática. Foi questionado ao Prof. B sobre o acompanhamento a seus alunos durante as aulas de informática: “– Sim. Acompanho nos dias que as aulas ocorrem”. É importante lembrar que a participação, a ida do professor até a sala de informática para o acompanhamento da aula dos alunos pode ser entendida de diversas formas. Pode ser com o propósito de auxiliar o professor de informática no desenvolvimento de sua aula; enriquecer seu conhecimento sobre a informática; acompanhar o desenvolvimento de seu aluno ou ainda, conhecer os recursos existentes no computador para que no futuro estes recursos possam ser utilizados como auxílio nas suas aulas, pois “a incorporação das novas tecnologias de comunicação e informação nos ambientes educacionais provoca um processo de mudança contínuo, não permitindo mais uma parada, visto que as mudanças ocorrem cada vez mais rapidamente [...]” (TAJRA, 2007, p. 127). Na questão seguinte perguntou-se ao Prof. B se ele conhece todos ou parte dos recursos didático-pedagógicos existentes nos computadores da sala de informática, a resposta foi “– Não. Preciso aproveitar melhor as aulas com os alunos”; o que permite a compreensão de que a sua ida ao laboratório pode não estar relacionada ao fato de buscar conhecer os recursos para sua utilização em sala de aula. Outra questão é a recente chegada desse recurso na escola, o que remete ao pensamento de Tajra quando afirma que “todo [novo] processo de aprendizagem é doloroso, e somente após um certo tempo nos sentimos mais seguros e conseguimos atingir mais uma etapa no nosso

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desenvolvimento pessoal e profissional” (TAJRA, 2007, p. 127). Em relação a isso o Prof. C considera que “– Devido esses recursos serem novos na escola, ainda não estão sendo utilizados pelos professores”. Os depoimentos relatados até agora trazem a ideia de que o computador enquanto recurso pedagógico ainda não foi apresentado aos professores da escola São Pedro, o que contrasta com o depoimento do professor de informática, que ao ser questionado nesse sentido afirma: Já mostrei para os professores o que nós temos de recurso no computador, o que nós iremos trabalhar com os alunos, e que as aulas não são uma perda de tempo para eles, não vou tirar cinco alunos da sala de aula para que cheguem aqui e eu vá colocar joguinhos para distraí-los, não é isso. São atividades que irão ajudar a melhorar a leitura, são atividades de matemática, jogos que poderão ajudar na coordenação motora do aluno. Os professores ficaram bem interessados na proposta de trabalho do laboratório e passaram a ajudar no trabalho com os alunos (Prof. A).

A

resposta

permite

uma

breve

análise

sobre

os

depoimentos

referentes

ao

acompanhamento do Prof. B nas aulas de informática. Percebe-se que a ida ao laboratório por parte deste professor, se dá muito mais por curiosidade; o que classifica-se como um acompanhamento sem objetivos pré-estabelecidos. Embora possa se reconhecer que a chegada recente do computador na escola poderia justificar muitos dos depoimentos, a presença da informática na escola precisa ser mais valorizada, deve tornar-se parte integrante no ensino dos alunos. As aulas de informática são ou devem ser tão importantes quanto as outras aulas. Perguntou-se também se os professores consideram o computador importante no processo de ensino-aprendizagem. “– Sim, por que os alunos vão aprendendo a se desenvolver no seu aprendizado usando a tecnologia, no caso o computador” (Prof. A). “– Sim, porque ajudará os alunos na parte da leitura, coordenação motora, matemática, etc”. (Profª B). “– Sim, o computador veio auxiliar e motivar os alunos na interação entre si, a fazer com que eles conheçam um pouco mais do computador e da dinâmica que ele trás para a sala de aula” (Prof.C). É importante observar na resposta dos professores as expectativas que eles atribuem à informática enquanto recurso pedagógico, no entanto, é preciso que se faça uma reflexão a respeito dos objetivos aos quais as aulas de informática estão sendo ministradas. A Informática Educativa deve estar a serviço da aprendizagem, seus objetivos devem ser claros e de fácil compreensão por todos. A escola tem autonomia para decidir de que forma utilizar a informática. Masetto considera: É importante não nos esquecermos de que a tecnologia possui um valor relativo: ela somente terá importância se for adequada para facilitar o alcance dos objetivos e se for eficiente para tanto. As técnicas não se justificarão por si mesmas, mas

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pelos objetivos que se pretenda que elas alcancem, que no caso serão de aprendizagem (MASETTO, 2000, p. 144).

Em relação a existência do novo ambiente na escola, a coordenadora pedagógica diz: Hoje nós estamos vendo a situação da sala de informática como algo novo, o que nós vemos dentro da cidade é que as crianças têm um conhecimento muitas vezes até mais aprofundado do que o do professor, aqui não, eles vêm pra conhecer mesmo, muitas vezes eles vêm perguntar o que é? Como liga? Pra quê serve? Muitos viam o computador apenas como uma tela de televisão, hoje já conseguem ligar, desligar, manusear, fazer algumas coisas bem básicas mesmo. A realidade da zona rural é de um acervo muito pequeno de computadores, ainda muito precário, pois iniciamos em setembro de 2011. Estamos com pouquíssimos computadores, as turmas são grandes [...] A escola tem um projeto da sala de informática, mas ainda não estamos utilizando esse projeto, estamos aguardando algumas reestruturações na sala de informática, outros recursos estão chegando agora como a parabólica, a TV (ALC, Coordenadora Pedagógica).

O depoimento da coordenadora retrata a situação atual da sala de informática e mostra que mesmo com as limitações há uma satisfação no curto trabalho realizado e, ao mesmo tempo, uma boa perspectiva com relação a um trabalho mais organizado e sistematizado para os próximos anos. Perguntados de que forma as aulas de informática estão contribuindo para a aprendizagem de seus alunos, os professores da sala de aula, assim com o professor de informática, foram bastante esclarecedores em suas respostas: Os alunos me perguntam toda hora qual é o dia da aula de informática, têm alunos que vêm pra escola doente no dia de informática só para não perder, portanto, acredito que as aulas de informática estão contribuindo para a aprendizagem dos alunos, melhorando a coordenação motora, a leitura, as relações com os colegas, conhecendo as novas tecnologias, melhorando a frequência na escola (Prof. A). Os alunos ficam muito agitados quando chega o dia em que acontece a aula de informática, as aulas ficam mais produtivas, os alunos ficam mais motivados, vale ressaltar ainda que os alunos melhoraram sua coordenação motora (Prof. B). A partir do momento que começou as aulas de computação na nossa escola, nós observamos, não só eu como outros professores que os alunos evoluíram, eles passaram a gostar mais de certas áreas das disciplinas que eles não gostavam, porque o computador veio auxiliar, por exemplo, na matemática tem os joguinhos e pequenos cálculos, tem informações da área de ciências, a parte de leitura de português (Prof. C).

Mesmo com o pouco tempo em que a sala de informática está em funcionamento na escola São Pedro, sua contribuição para a aprendizagem dos alunos já é vista de forma bastante positiva por quem lida no cotidiano da sala de aula. Isso reforça o potencial educativo que a informática pode oferecer. O curioso é que além de contribuir com a aprendizagem, a informática, no contexto em

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que se apresenta na escola São Pedro (de total novidade) “seduz” o aluno, fazendo com que este, segundo depoimento do Prof. A, melhore inclusive sua frequência na escola. Carneiro (2002, p. 52), considera que “[...] as iniciativas educacionais criativas e comprometidas com o social parecem mais fáceis quando há falta de recursos disponíveis do que quando temos recursos à nossa disposição”. A afirmação da autora faz refletir sobre a disponibilidade de recursos na escola, fazendo pensar sobre as seguintes questões: quando a sala de informática da escola São Pedro possuir uma quantidade de computador que possa atender uma turma inteira as aulas de informática se tornarão mais eficazes? Será que a chegada da internet na escola São Pedro garantirá uma melhoria na qualidade do ensino? E o relacionamento entre os alunos da na sala de informática como será delineado? Essas questões, é claro, só poderão ser respondidas ao longo do tempo com a solidez das práticas de informática educativa no ambiente pesquisado, porém devem começar a ser pensadas no sentido de evitar problemáticas de outra ordem no espaço da sala de informática. Os professores foram perguntados também se a estrutura atual da sala de informática é satisfatória para o atendimento dos alunos. “– Não, por que o espaço é muito pequeno, não possui climatização, as mesas não são adequadas para o computador” (Prof .C). “– Não, porque o espaço da sala é pequeno e não há computadores suficientes para atender a todos os alunos” (Prof.B). Na sequência perguntou-se a respeito da importância de uma escola com sala de informática em uma comunidade rural (como a escola São Pedro). É muito bom. Essa tecnologia irá somar com a comunidade que passará a ser incluída no mundo da informática, tanto os alunos durante suas aulas quanto a comunidade durante o curso básico que pretendemos oferecer a eles, onde ganharão certificado assim como ocorre em algumas escolas na cidade (Prof. A).

Em relação à opinião dos professores sobre o que deveria melhorar em relação à sala de informática tem-se: “– Na parte da estrutura física, números de computador, maior apoio da Coinfe para uma possível viabilização da internet” (Prof. C). “– Deveria haver uma melhora na estrutura física e nos recursos” (Prof.B). Nesse sentido afirma-se que a Informática Educativa precisa ser trabalhada em função de objetivos de aprendizagem, caso contrário seus recursos servirão apenas de entretenimento. Para que os objetivos atribuídos à sala de informática sejam alcançados, eles devem fazer parte de um objetivo comum estabelecido coletivamente por todos os membros da escola, e deve haver cuidadoso planejamento das ações.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Em pouco tempo boa parte das escolas rurais de todo o Brasil deverão estar equipadas com recursos de informática. Desprezando as condições estruturais a preocupação passa a ser a preparação dos profissionais que irão atuar nestes espaços bem como a participação dos outros profissionais do ambiente escolar em regime de colaboração para a potencialização do uso desse espaço. Os professores da sala de aula precisam trabalhar em parceria com o profissional que atua no laboratório de informática. Ambos os profissionais precisam estar capacitados para trabalhar com a Informática Educativa, pois somente assim passarão a valorizar o computador como recurso pedagógico. Enquanto isso não ocorre, nota-se certa resistência com relação ao uso desse recurso. Um fator que chamou atenção é que embora os professores da sala de aula entrevistados durante a pesquisa possuam uma formação básica em informática, eles necessitam de uma formação específica para a utilização dos recursos existentes nos computadores, visando o compartilhamento das atividades junto aos alunos e colegas professores, contribuindo para que o ambiente de informática na escola deixe de ser algo de uso exclusivo do professor de informática. Ao fim da pesquisa percebeu-se que mesmo com as dificuldades enfrentadas, a presença do computador é motivo de grande entusiasmo entre moradores da comunidade, professores e alunos. No relato dos professores nota-se que após o início das aulas de informática percebeu-se um salto qualitativo por parte de seus alunos, seja em relação a frequencia, seja em relação ao aproveitamento em sala de aula, principalmente em relação à leitura. Os pais também relataram que passaram a perceber um interesse maior de seus filhos nos estudos, principalmente nos dias que acontecem as aulas de informática. Portanto, percebe-se que, mesmo em condições desfavoráveis, a informática pode auxiliar tanto na aprendizagem dos alunos, quanto na inclusão digital dos demais membros da comunidade escolar. É preciso não esquecer três pontos essenciais, pensados em função dos resultados apresentados neste texto: - A Informática Educativa, como um bem coletivo, precisa ser trabalhada em função de objetivos de aprendizagem, caso contrário seus recursos servirão apenas de entretenimento; - O acervo que acompanha os computadores do Proinfo precisa ser atualizado periodicamente, o que não vem ocorrendo com as diversas versões do Linux Educacional; - Antes que as aulas de informática se tornem previsíveis e monótonas por falta de recursos existentes no computador, o professor precisa buscar alternativas, como por exemplo, elaborar atividades em editores de texto, planilha, apresentação e outros.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Casa Civil do. Decreto nº 6.040 de 07 de fevereiro de 2007: Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT). Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm> Acesso em 02 set. 2011. CARNEIRO, Raquel. Informática na Educação. São Paulo: Cortez, 2002. LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira de; TOSHI, Mirza Seabra. O sistema de organização e gestão da escola: teoria e prática. In: ______. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. 3. Ed. São Paulo: Cortez, 2006. MASETTO, Marcos. Mediação pedagógica e o uso da tecnologia. In: MORAN, José Manuel; MASETTO, Marcos T.; BEHRENS, Marilda A. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas, SP: Papirus, 2000. TAJRA, Sanmya Feitosa. Informática na Educação. São Paulo: Érica, 2007.

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O iMPaCTO DO aMBienTe De TraBalHO e DO esTilO De ViDa na saÚDe DO TraBalHaDOr e a iMPOrTÂnCia De se PrOMOVer QUaliDaDe De ViDa nas eMPresas

Mirian DaMaris Benaglia especialista em administração de recursos Humanos na Universidade Paulista (UniP) e graduada em Tecnologia (FaTeC). Docente do ensino Técnico - área de gestão e negócios, no Centro estadual de educação Tecnológica "Paula Contato: mirian.benaglia@hotmail.com



O IMPACTO DO AMBIENTE DE TRABALHO E DO ESTILO DE VIDA NA SAÚDE DO TRABALHADOR E A IMPORTÂNCIA DE SE PROMOVER QUALIDADE DE VIDA NAS EMPRESAS Mirian Damaris Benaglia RESUMO: O trabalho é entendido como todo esforço que o homem, no exercício de sua capacidade física e mental, executa para atingir seus objetivos. Este, em momentos da História Antiga e Idade Média, esteve associado a algo penoso e fatigante, denotando um conceito negativo. Entretanto, durante o período do Renascimento, o trabalho passou a ser considerado como fator de desenvolvimento e equilíbrio da mente humana, no processo de transformação dos objetos da natureza para satisfazer suas necessidades. Nesse processo de transformação do meio é preciso ter saúde física e mental, além da espiritual, pois são fatores que somados ao estilo de vida e ambiente laboral, interferem na saúde do trabalhador. Se o estado de saúde for precário, o fracasso para conseguir a produtividade máxima será inevitável. Além disso, os custos diretos e indiretos oneram as empresas. Por isso, ministérios, órgãos estaduais bem como as universidades e até mesmo as próprias organizações estão procurando identificar de que forma o ambiente de trabalho e o estilo de vida contribuem com o processo trabalho-doença, no intuito de criar mecanismos de prevenção e auxílio. Nesse sentido, esta pesquisa buscou em revisão bibliográfica sobre o tema, utilizando os questionários Perfil do Ambiente e Condições de Trabalho e Perfil do Estilo de Vida proposto por Nahas (2000), demonstrar a importância e necessidade de estruturar um ambiente de trabalho, bem como favorecer intervenções que visem modificar o estilo de vida dos colaboradores através de programas voltados à Promoção da Saúde e Qualidade de Vida no trabalho, visando à conscientização e orientação dos trabalhadores no trato de si mesmos; concluindo-se que sem dúvida, ter saúde é a condição fundamental e imprescindível à capacidade produtiva do homem. PALAVRAS-CHAVE: Trabalho, Ambiente de Trabalho, Saúde, Qualidade de Vida.

THE IMPACT OF ENVIRONMENTAL AND LIFESTYLE IN OCCUPATIONAL HEALTH AND IMPORTANCE OF PROMOTING THE QUALITY OF LIFE IN BUSINESS ABSTRACT: The work is understood as any effort that man, in the exercise of his physical and mental capacity, performs to achieve their goals. This, in times of Ancient History and Middle Ages, was associated with something painful and stressful, denoting a negative concept. However, during the Renaissance, the work started to be considered as a factor of development and balance of the human mind, the process of transformation of objects from nature to meet their needs. In the process of transforming the way you have to have physical and mental health, as well as spiritual as they are factors which added to lifestyle and work environment, interfere with worker health. If your health is poor, the failure to achieve maximum productivity is inevitable. Moreover, the direct and indirect costs burdening businesses. Therefore, ministries, state agencies and universities and even the organizations themselves are trying to identify how the work environment and lifestyle contribute to the disease process work-in order to create mechanisms to prevent and aid. Accordingly, this study sought to review the literature on the topic, using questionnaires Profile Environment and Working Conditions and Lifestyle Profile proposed by Nahas (2000), demonstrate the extreme importance and necessity of structuring a work environment, as well how to promote interventions aimed at modifying the lifestyle of employees through programs aimed at promoting

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health and quality of life at work, aiming to raise awareness of workers and guidance in dealing with themselves, concluding that undoubtedly have health is the fundamental and indispensable condition to the productive capacity of man. KEYWORDS: Work, Work Environment, Health, Quality of Life.

1. O IMPACTO DO AMBIENTE DE TRABALHO E DO ESTILO DE VIDA NA SAÚDE DO TRABALHADOR Durante a Revolução Industrial os modelos de administração, organização e sociedade passaram por transformações. A economia se baseava fundamentalmente na fabricação de produtos homogêneos produzidos em linha de montagem, com o controle de tempo e movimentos e pela produção em série, além da separação entre a execução e o planejamento: onde a execução baseava-se principalmente na fragmentação das funções (trabalho parcelar) e pela construção e consolidação do operário-massa; enquanto a gerência se preocupava com o planejamento do trabalho. (PONTES, 2006) Nesse novo cenário, o modo de produção em massa transcendeu a fábrica e se espalhou por todos os outros setores da economia. Após a 2ª Guerra Mundial, as indústrias norteamericanas que produziam em grande escala (produção em massa) para o consumo, passaram a dominar o mercado global. A organização dessa maneira de produzir, que se baseava na hierarquia, padrão e rotina foram essenciais para que os trabalhadores apenas executassem suas tarefas em uma determinada função, enquanto à gerência tomaria as decisões sobre os processos de produção. Porém, o fato de se elevar à produtividade e os lucros, não fizeram com que as condições de trabalho dos operários melhorassem. O sistema de produção em massa causava diversos problemas de ordem psicológica e emocional, resultado da alienação e aborrecimento devido ao tipo de trabalho executado. (PONTES, 2006) [...] A essa realidade, acrescentam-se a perda de importância de determinadas profissões e setores, flexibilização dos contratos de trabalho, terceirização de serviços, oferta de trabalho autônomo, postos de trabalho temporário e a perda do poder de barganha de quem procura emprego”. (LACMAN, 2004, p.26)

Como o trabalho compõe um dos ambientes mais próximos ao homem e cada vez se trabalha mais, pois “Ainda é preciso fazer mais, com menos recursos”, Maximiano, (2009), a ponto de uma pessoa dedicar o equivalente a um terço de sua vida ativa no desempenho de alguma

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função econômica, o trabalho em si, seu espaço e o modo como está organizado, tende a interferir diretamente sobre a saúde de quem o executa. (SIVIERI, 1995) Nesse sentindo, em 2001, o Ministério da Saúde, já alertava que as condições de trabalho (sejam elas físicas, químicas e biológicas) vinculadas à sua execução e a sua organização (estruturação, hierarquia, divisão de tarefa, jornada, ritmo, trabalho em turno, intensidade, monotonia, repetitividade e responsabilidade excessiva) favoreceriam o adoecimento do trabalhador, bem como o desencadeamento de distúrbios psíquicos. Somados a este quadro, a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2002, disponibilizou informações gerais sobre saúde, segurança e bem-estar mundial dos trabalhadores; no intuito de alertar sobre a situação vigente que tem preocupado milhares de profissionais em todo o mundo, recomendando a redução de riscos, visando à promoção de uma vida mais saudável; pois as empresas têm enfrentado sérios problemas com o aumento nos custos de assistência médica relacionados a problemas de saúde decorrentes não só das atividades laborais relacionadas à globalização, ao uso intensivo da tecnologia e a uma maior competição entre as organizações, mas também de comportamentos não saudáveis (ou de risco). Só no Brasil, estima-se a perda de US$ 49 bilhões nos próximos anos por mortes precoces, decorrentes de doenças crônicas não infecciosas. (OGATA et al., 2012) Sabe-se que no Brasil, a sinistralidade – despesas médicas, hospitalares e laboratoriais – tem aumentado sistematicamente acima da inflação. Os gestores por sua vez, têm utilizado ferramentas na tentativa de controlar essa despesa, como o acompanhamento sistemático dos pacientes de maior risco e a elaboração de protocolos clínicos. Porém esses procedimentos ainda não têm sido suficientes para amenizar o problema. É preciso então que as condições, os espaços, bem como a organização dos processos de trabalho em si sejam analisadas no intuito de se criar mecanismos de prevenção e auxílio aos trabalhadores e às organizações, buscando evitar o processo trabalho-doença reduzindo, dessa forma, os riscos à saúde do trabalhador, como maneira prática de melhorar esses resultados. Nas palavras de Karasek (1979), caso o trabalhador possua controle sobre seu trabalho, as exigências, conflitos ou outros estressores podem atuar como simples instigadores da ação, não levando a problemas de saúde. Mas, a falta de controle, de outra forma, impede que o trabalhador atue sobre aqueles fatores, e transforme a energia potencial do estresse em energia de ação e desencadeie o processo de adoecer. O significado do termo adoecer, aparentemente, não nos traria a menor dificuldade, se adoecer não fosse visto pelo indivíduo como uma ameaça do destino, pois adoecer é estar enfermo, imperfeito, não funcionando bem, é estar anormal. Adoecer, portanto, modifica a relação do paciente com o mundo e consigo mesmo.

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Adoecer tornou-se, então, uma expressão do comprometimento do organismo humano que surgia devido a causas biológicas (vírus, bactérias), hereditariedade ou causas físicas e químicas (frio, calor, poluição, intoxicações). Para atuar sobre processo físico, químico ou biológico, foram desenvolvidos métodos científicos para melhor atuar junto ao problema. Porém, o mesmo não aconteceu na compreensão dos agentes psicológicos (emoções e conflitos) e os agentes psicossociais (representados pelo ambiente socioeconômico e pela organização do trabalho). (LIMONGI; RODRIGUES, 2011) “Para uma pessoa adoecer, é preciso além da existência de elementos nocivos no ambiente; ser ou estar sensível a ação de agentes do ambiente. Então, há interação recíproca entre múltiplos fatores envolvidos na causalidade das doenças – o potencial patogênico do agressor, a susceptibilidade do organismo e o ambiente na qual está imersa”. (LIMONGI e RODRIGUES, 2011, p.26)

Atualmente, a legislação de vários países reconhece que existe uma relação de agentes físicos, químicos ou biológicos como produtores de doenças ocupacionais. No entanto, apesar das inúmeras evidências, ainda não se atingiu o estágio, mesmo nos países mais industrializados, de que a organização e as relações no trabalho influenciam no processo de adoecimento do trabalhador. (LIMONGI; RODRIGUES, 2011) As razões para essas dificuldades estão localizadas em múltiplos aspectos, mas sem dúvida podemos incluir o saber médico, restrito apenas aos aspectos biológicos, não suficientes para uma compreensão mais completa do processo de adoecer, quando este decorre dos esforços de adaptação ao estresse, que não podem ser adequadamente constatados e entendidos sem a utilização de métodos adequados. (LIMONGI; RODRIGUES, 2011) [...] A forma como os indivíduos de uma dada sociedade se situam em relação à doença, ou como a percebem, é fundamental na determinação do modo de enfrentamento desta doença. Os mesmos sintomas ou enfermidades podem ser interpretados de maneiras completamente diferentes por indivíduos de culturas diversas ou em contextos diferentes. Assim, a doença está intimamente relacionada à cultura, e a saúde e a forma de reconhecer e tratar a doença estão diretamente relacionadas à visão de mundo do sujeito, a qual é influenciada, em grande parte, por crenças, atitudes e valores culturalmente construídos, que congregam sistemas referenciais, tanto populares como científicos diferenciados entre si. (VIEIRA; MARCON, 2008)

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Por esta razão, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), convencionou legislação específica para a melhoria do trabalho com um foco especial direcionado à saúde, higiene, satisfação e segurança do trabalhador. [...] Numa perspectiva mais subjetiva, pode-se dizer que ter um ambiente saudável para se trabalhar é ter um espaço que proporcione qualidade de vida ao trabalhador, pois a relação que existe entre a qualidade de vida no trabalho e a produtividade traduz uma latente realidade: a de que empresas deixam de lucrar, gastam em excesso e têm grande custo social, devido a sua má gestão dos processos nos quais os trabalhadores estão envolvidos. (GALEANO et al., 2010, on-line)

Para assegurar melhores condições de trabalho e evitar o processo de adoecimento, é preciso que o ambiente de trabalho ofereça condições adequadas para as atividades laborais. Nesse sentido, a Organização Mundial da Saúde (OMS) define que um local de trabalho saudável é aquele em que os “trabalhadores e gestores colaboram em um processo contínuo de melhoria para proteger e promover a saúde, o bem-estar, a segurança e sustentabilidade do seu local de trabalho.” Abaixo está a figura que exemplifica o modelo de um ambiente de trabalho saudável.

Fig.01: Modelo do ambiente de trabalho saudável. Fonte: Adaptado de Organização Mundial da Saúde (2010) Segundo a Associação Brasileira de Qualidade de Vida - ABQV (2012), a adesão aos princípios dos ambientes de trabalho saudáveis é essencial, pois evita afastamentos e

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incapacidades para o trabalho minimizam os custos com saúde e os custos associados com a alta rotatividade e aumenta a produtividade em longo prazo bem como a qualidade dos produtos e serviços. O modelo proposto consiste em um processo de melhoria contínua que tem como base ética e valores, engajamento da alta liderança e envolvimento dos trabalhadores atuando em quatro dimensões: ambiente físico (minimização dos riscos ocupacionais específicos), ambiente psicossocial (incluindo organização do trabalho e cultura organizacional), recursos e suporte à saúde nos locais de trabalho (incluindo programas de prevenção, gerenciamento de doenças e de retorno ao trabalho após afastamento por doença) e participação da comunidade da organização (trabalhadores, seus familiares e toda a comunidade impactada pelas operações da empresa). Nesse sentido, as empresas devem considerar demais fatores como os custos de prevenção versus os custos resultantes de acidentes, as conseqüências financeiras das violações jurídicas de leis e normas de segurança e saúde no trabalho e a saúde dos trabalhadores como importante patrimônio da empresa. [...] Um local de trabalho, seja um escritório ou uma oficina, deve ser sadio e agradável. O homem precisa encontrar aí condições capazes de lhe proporcionar um máximo de proteção e, ao mesmo tempo, satisfação no trabalho. (VERDUSSEN, 1978)

Ocorre, porém, que o mundo do trabalho tem manifestado a existência de uma cultura de sacrifício da saúde em prol do sucesso profissional. A competitividade entre empresas e a globalização da economia pioraram a situação, levando à constatação de que o ambiente profissional, em geral, parece ser desfavorável à mudança de atitude e comportamentos relacionados com a saúde. (OGATA et al., 2012) [...] As modificações dos processos de trabalho, ocorridas nas últimas décadas em nível “macro” (terceirização da economia) e “micro” (automação e informatização) , combinadas à urbanização acelerada e à popularização das tecnologias poupadoras

de

esforços

na

vida

diária

das

pessoas,

contribuíram,

respectivamente, para a menor demanda energética laboral e para um lazer cada vez mais passivo. (Mendes; Dias, 1991)

Drucker, (2001) também comenta sobre as mudanças de ordem qualitativa no último século, como a transformação da força de trabalho, do trabalho essencialmente manual e pouco qualificado para atividades basicamente sedentárias e intelectuais, começando pelos países desenvolvidos, estendendo-se de forma progressiva para os emergentes.

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A todas essas evoluções e inovações somam-se ainda as alterações no processo e na organização do trabalho, intensificando o ritmo e ampliando as jornadas, tornando-se assim, uma ameaça à saúde e ao bem-estar do trabalhador. [...] Nada é mais precioso na vida que a saúde. Um indivíduo precisa estar bem para realizar suas tarefas, contribuir com o grupo e com os negócios; pois indivíduos saudáveis e felizes produzem mais, faltam menos, sofrem menos acidentes e adquirem menos doenças graves. (OGATA et al., 2012)

Embora possa haver empenho das empresas em gerir a saúde de seus trabalhadores, na busca por resultados positivos por uma produtividade maior, por incrível que pareça, muitos colaboradores permanecem num estilo de vida não saudável mesmo sabendo de todos os prejuízos de uma rotina desequilibrada. (OGATA et al., 2012) [...] É grande o impacto dos hábitos pessoais e do estilo de vida em nossa saúde. Sendo assim, as mudanças comportamentais podem ser muito efetivas na área de prevenção e controle das doenças associadas à inatividade física, alimentação inadequada e outros hábitos de vida errôneos. (NAHAS, 2003)

Talvez esse quadro seja reforçado por falta de consciência dos malefícios desse comportamento, não sabendo como mudar ou melhorar os seus hábitos ou mesmo por não conseguir fazê-lo. Nesses casos, o principal desafio das empresas que trabalham com programas de qualidade de vida e promoção da saúde são engajar e incentivar o colaborador a participar dessas propostas, no intuito de mudar o comportamento e o estilo de vida em relação a sua saúde, visando reduzir os comportamentos e os fatores que interferem no equilíbrio biopsicossocial, antes que esse se transforme em doença. Maria Nieira, Diretora do Departamento de Saúde Pública da Organização Mundial da Saúde (OMS), afirma que “o sucesso dos negócios depende da saúde dos trabalhadores” e nesse sentido sabe-se que uma força de trabalho saudável e motivada é fator diferencial dentro de uma organização. Um indivíduo precisa gozar de saúde para realizar suas tarefas, contribuir com o grupo e com os negócios da empresa, pois profissionais motivados, saudáveis e felizes produzem mais, faltam menos ao trabalho, sofrem menos acidentes e adquirem menos doenças graves.

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2. A IMPORTÂNCIA DA PROMOÇÃO DO ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL NAS EMPRESAS O momento histórico atual, sem dúvida, tem chamado a atenção para a importância de uma profunda reflexão a respeito das sociedades industriais contemporâneas e os impactos provocados à saúde do trabalhador. Considerando que o século XX foi marcado pela rapidez e intensidade nas mudanças sociais e tecnológicas, [...] A globalização, o uso intensivo da tecnologia e a maior competição entre as empresas exigem que as pessoas tenham o máximo desempenho no trabalho. (OGATA et al., 2012)

Em resposta às demandas de alto desempenho, “muitos empregados têm trabalhado cada vez mais, fazendo com que a maioria relate ter algum nível de estresse, o que leva ao crescimento do número de acidentes, ao adoecimento e à perda da produtividade.” (OGATA et al., 2012) [...] Mais de 30% das pessoas relatam ter níveis elevados de estresse. Mas, o que muitos ainda não se atentam, é que o estresse pode afetar seriamente a produtividade nas empresas. (LIPP, 2004)

Como o estresse tem ligação entre o indivíduo e o meio em que ele está inserido, sua relação com o ambiente de trabalho é quase que inevitável. Nas últimas décadas, o estresse relacionado ao trabalho – estresse ocupacional (traduzido dos termos em inglês “job stress” e “work stress”) tem se transformado num problema altamente custoso e cada vez mais comum para os empregadores e empregados em todo o mundo. (MARTINS, 2010) Diante de perspectivas nada promissoras, vinculadas a ausências no trabalho causadas por condições laborais e estresse, a Organização Mundial da Saúde (OMS), se reuniu com os ministros da saúde em outubro de 2004, em Tallinn, Copenhagen para discutir a necessidade de ação em relação ao assunto, pois 50-60% de todos os dias de trabalho perdidos em países da União Européia estão relacionadas ao estresse x trabalho ou estresse ocupacional. Revelou ainda que 60% (sessenta por cento) das mortes no mundo são causadas pelo stress no trabalho. Existem várias razões para que ocorra estresse no ambiente de trabalho: [...] A intensa responsabilidade com pouca ou nenhuma autoridade, expectativas, prazos e parcelas impraticáveis, diminuição da empresa, reestruturação ou mudança de emprego, treinamento inadequado, falta de reconhecimento, tempo inadequado para realizar as responsabilidades do trabalho, incapacidade de

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expressar as preocupações, falta de criatividade e autonomia, muita coisa para fazer com poucos recursos, falta de descrições claras no trabalho, dificuldades de tráfego par ir e voltar do trabalho, manter-se em dia com a tecnologia, cuidado inadequado do filho, pobres condições de trabalho (iluminação, barulho e ventilação), assédio sexual, discriminação racial e violência no local de trabalho. (SEAWARD, 2009)

Como os níveis de estresse estão “aumentando na maioria dos subgrupos populacionais do hemisfério ocidental e afetam pessoas de quase todas as idades em quase todos, senão todos, os países desenvolvidos do mundo” (Nedley, 2009), o processo de adoecimento é quase que irreversível. [...] Adoecer é uma expressão do comprometimento do organismo humano devido a causas biológicas (vírus, bactérias), hereditariedade ou causas físicas e químicas (frio, calor, poluição, intoxicações), agentes psicológicos (emoções e conflitos) e agentes psicossociais (representados pelo ambiente socioeconômico e pela organização do trabalho). (LIMONGI; RODRIGUES, 2011)

Nos Estados Unidos gastam-se de 50 a 75 bilhões de dólares por ano em despesas diretas e indiretas relacionadas a problemas de saúde, de ordem ocupacional. Isto dá uma despesa e 750 dólares por ano por pessoa, que trabalha. (BERNICK, 2010, on-line) Já no Brasil, a situação não é muito diferente. Segundo informações da ISMA/BR (2012), cerca de 70% dos brasileiros se afastam do trabalho por estresse e como se tem visto, o custo humano do estresse é alto, pois o indivíduo pode desenvolver hipertensão, doenças gástricas, doenças cardiovasculares, doenças mentais (neurose e depressão), cânceres (pela queda da imunidade), dependências químicas, alterações osteomusculares e envelhecimento precoce. [...] Os transtornos psíquicos, são hoje, uma das principais causas de afastamentos no trabalho e de aposentadorias precoces, com forte impacto nas contas da Previdência, que em 2007, contabilizou 9.000 (nove mil) casos de afastamentos do trabalho relacionados a doenças da mente - reações ao stress grave e a depressão. (LANCAM; SZNELMAN, 2004)

Contudo, avaliar a presença do stress nos locais de trabalho, não é uma tarefa simples. A complexidade do fenômeno tem levado à formulação de uma multiplicidade de conceitos, pois o estresse associa-se de formas variadas a todos os tipos de trabalho, prejudicando não só a saúde, mas o desempenho dos trabalhadores. (LIMONGI; RODRIGUES, 2011) Nesse sentido, os gestores de saúde e os recursos humanos precisarão oferecer programas de qualidade de vida que proporcionem a melhoria do estado de saúde e bem-estar

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das pessoas. Isso pressupõe que esses programas tenham abordagens transversais e intersetoriais, multiprofissionais com ações custo-efetivas e baseadas em evidências científicas; que conseqüentemente, trarão benefícios evidentes não só para os indivíduos, mas também para as organizações. (OGATA et al., 2012) Ainda nas palavras de Ogata et al., (2012), os programas de qualidade de vida e promoção da saúde, quando bem estruturados, com comunicação, atividades em grupo, avaliações integradas e ambiente de suporte podem trazer, no prazo de três a cinco anos, um retorno sobre o investimento entre US$2,15 a US$5,64 para cada dólar investido. Se for considerado que o máximo desempenho pessoal na empresa, escola e nos negócios somente é alcançada quando atingimos níveis excelentes de saúde por meio de um estilo de vida saudável, as organizações, iniciariam os programas de qualidade de vida não mais sob a preocupação com os custos da assistência médica, absenteísmo, acidentes de trabalho, afastamentos por doenças e diminuição da produtividade; mas sim pela melhoria no estado de saúde de bem-estar de seus colaboradores, com evidente retorno não apenas para as organizações, mas para a sociedade como um todo. [...] Uma abordagem mais eficiente para ter melhores resultados financeiros é a promoção da saúde do empregado. (OGATA apud GOETZEL et al., 2009)

Mas, para oferecer um programa de qualidade de vida que promova a saúde do colaborador é preciso, primeiramente, usar instrumentos que revelem os fatores negativos do ambiente de trabalho e suas respectivas condições, bem como seu estilo da vida, para que as ações possam ser efetivas pois, o ambiente de trabalho, as condições de trabalho e cada hábito do dia-a-dia tem grande influência na saúde geral e na qualidade de vida de todos que ali trabalham. Isto porque tudo está interligado: os quesitos do ambiente de trabalho (ambiente físico e social, desenvolvimento e realização pessoal, remuneração, benefícios e relevância do trabalho) juntamente com a disciplina na alimentação, a atenção aos relacionamentos, o controle do estresse, a prática de atividades físicas e o comportamento preventivo em questões de saúde e segurança favorecem ou não a qualidade de vida de vida do trabalhador. O equilíbrio dos 5 pilares que formam o Pentáculo do Ambiente e Condições de Trabalho (PACT) e os que formam o Pentáculo do Bem-Estar (PBE), instrumentos que demonstram graficamente os resultados obtidos através dos questionários do perfil do ambiente e condições do trabalho e perfil do estilo de vida individual, facilita a visualização dos seguimentos abordados contribuindo para que o colaborador possa levar uma vida mais saudável dentro e fora da

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empresa, pois no final, os instrumentos aferiram o ambiente e as condições de trabalho, bem como os hábitos pessoais, apontando o que precisa ser mudado. (NAHAS, 2003) A aplicação do PACT consiste em 15 perguntas fechadas que representam características ambientais e das condições de trabalho relacionadas ao bem-estar individual. A cada item devese considerar a escala: [0] Ruim, [1] Regular/Sofrível, [2] Bom (Boa), [3] Excelente. Na transcrição dos dados para a representação pictorial, o participante deverá primeiramente deixar em branco se foi marcado zero para o item; preencher o centro até o primeiro círculo se marcou [ 1 ] ; preencher o centro até o segundo círculo se marcou [ 2 ] e preencher o centro até o terceiro círculo se marcou [ 3 ]. Ao usar diferentes cores no momento do preenchimento do PACT é possível identificar quais são as características ambientais e das condições de trabalho relacionadas ao bem-estar individual, o que facilita a tabulação dos dados. Os procedimentos descritos facilitam a visualização das informações no PACT e consequentemente orienta quais devem ser as ações promotoras da saúde e do bem-estar naquele ambiente de trabalho. A aplicação do PBE também consiste em 15 perguntas fechadas, havendo uma autoavaliação sobre o estilo de vida do indivíduo, que avalia o conjunto de ações habituais que refletem suas atitudes e valores, porque as ações têm grande influência na saúde geral e qualidade de vida da pessoa. Para cada item deve-se considerar a escala: [ 0 ] Absolutamente não faz parte do seu estilo de vida, [ 1 ] Às vezes corresponde ao seu comportamento, [ 2 ] Quase sempre verdadeiro no seu comportamento e [ 3 ] A afirmação é sempre verdadeira no seu dia a dia; faz parte de seu estilo de vida. Os procedimentos descritos facilitam a visualização das informações no PBE e consequentemente orienta quais devem ser as ações promotoras da saúde e do bem-estar para cada indivíduo. Na transcrição dos dados para a representação pictorial, o participante deverá primeiramente deixar em branco se foi marcado zero para o item; preencher o centro até o primeiro círculo se marcou [ 1 ] ; preencher o centro até o segundo círculo se marcou [ 2 ] e preencher o centro até o terceiro círculo se marcou [ 3 ]. Ao usar diferentes cores no momento do preenchimento do PBE é possível identificar qual é o item mais presente no estilo de vida do indivíduo avaliado, o que facilita a tabulação dos dados e consequentemente orienta quais devem ser as mudanças nos hábitos e estilo de vida que precisam ser melhorados, no intuito de adotar mudanças que promovam o seu bem-estar e saúde. Nesse sentido, quanto mais preenchido estiver o PBE, melhor. Ambos os instrumentos, o PACT e PBE foram utilizados para aferir as características ambientais e das condições de trabalho relacionadas ao bem-estar individual e o nível de qualidade de vida dos colaboradores da Agência da Previdência Social, na cidade de Jaboticabal, interior de São Paulo. A amostra foi constituída por 11 colaboradores da área administrativa da

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Agência Previdência Social, na cidade de Jaboticabal, interior de São Paulo, sendo três homens e oito mulheres. (BENAGLIA, 2012) Benaglia (2012), demonstra nas tabelas 01, 02, 03 e 04 como o ambiente, as condições de trabalho, os hábitos e estilo de vida podem interferir na saúde das pessoas:

Tabela 01: Pentáculo do Ambiente e Condições de Trabalho respondido por homens. Componentes Ambiente de Trabalho Ambiente Social Desenvolvimento e Realização Profissional Remuneração e Benefícios Relevância Social do Trabalho

Índice - Homens 1,1,1 3,2,3 1,1,2 0,1,1, 2,2,2

Classificação R,R,R P,P,P R,R,P N,R,R P,P,P

Fonte: O Impacto do Stress na Saúde do Trabalhador e a Importância de se Promover à Qualidade de Vida no Ambiente de Trabalho, (BENAGLIA, 2012)

Tabela 02: Pentáculo do Ambiente e Condições de Trabalho respondido por mulheres. Componentes Ambiente de Trabalho Ambiente Social Desenvolvimento e Realização Profissional Remuneração e Benefícios Relevância Social do Trabalho

Índice - Mulheres 2,1,2,2,0,1 2,2,2,3,2,2 1,2,2,3,1,2 1,1,1,2,0,2 1,2,2,2,3,3

Classificação P,R,P,P,N,R P,P,P,P,P,P R,P,P,P,R,P R,R,R,P,N,P R,P,P,P,P,P

Fonte: O Impacto do Stress na Saúde do Trabalhador e a Importância de se Promover à Qualidade de Vida no Ambiente de Trabalho, (BENAGLIA, 2012)

Tabela 03: Pentáculo do Bem-Estar respondido por homens. Componentes Nutrição Atividade Física Comportamento Preventivo Relacionamento Social Controle do Stress

Índice - Homens 1,2,1 2,1,1 1,2,2 2,1,1 1,1,2

Classificação R,P,R P, R,R R, P,P P,R,R R,R,P

Fonte: O Impacto do Stress na Saúde do Trabalhador e a Importância de se Promover à Qualidade de Vida no Ambiente de Trabalho, (BENAGLIA, 2012)

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Tabela 04: Pentáculo do Bem-Estar respondido por mulheres. Componentes

Índice - Mulheres

Classificação

Nutrição

2,2,1,2,1,2,3,2

P,P,R,P,R,P,P,P

Atividade Física

1,1,1,2,1,1,3,1

R,R,R,P,R,R,P,R

Comportamento Preventivo

3,2,3,2,2,3,3,1

P,P,P,P,P,P,P,R

Relacionamento Social

2,3,2,3,3,2,3,2

P,P,P,P,P,P,P,P

Controle do Stress

2,3,1,2,2,2,3,2

P,P,R,P,P,P,P,P

Fonte: O Impacto do Stress na Saúde do Trabalhador e a Importância de se Promover à Qualidade de Vida no Ambiente de Trabalho, (BENAGLIA, 2012)

Tabela 05: Referências para os Pentáculos do Ambiente e Condições de Trabalho e do Bem-estar Índice

Classificação

Menos de 1

Índice Negativo

Entre 1 e 1,99

Índice Regular

Entre 2 e 3

Índice Positivo Fonte: O Impacto do Stress na Saúde do Trabalhador e a Importância de se Promover à Qualidade de Vida no Ambiente de Trabalho, (BENAGLIA, 2012)

Os resultados na tabulação dos dados no PACT demonstraram que para os homens, os itens: ambiente de trabalho, desenvolvimento e realização profissional, a remuneração e benefícios precisam ser melhorados (apresentaram maior índice regular na classificação dos dados); enquanto que para as mulheres, o que mais pesou foi o ambiente de trabalho e a remuneração e benefícios, pois foram os que apresentaram maior índice regular na classificação dos dados. Isso demonstra que ambos pontuaram quase os mesmos itens (ambiente de trabalho, desenvolvimento e realização profissional e remuneração e benefícios) para o aperfeiçoamento do ambiente e das condições do seu trabalho. Já os resultados na tabulação dos dados no PBE demonstram que os homens, em geral, tem menos cuidado consigo mesmos quando o assunto é saúde; enquanto que para as mulheres, o problema maior foi a inatividade (ausência de atividade física), embora elas tenham mais cuidado consigo mesmas e com os demais aspectos relacionados à saúde. Portanto, Benaglia, (2012) revela que os funcionários da Agência da Previdência Social, na cidade de Jaboticabal, no interior de São Paulo apresentaram, ao responderem as perguntas do perfil do estilo de vida

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individual, que os hábitos pessoais para cuidar da saúde são parcialmente positivos em quase todos os componentes estudados, com ressalva para atividade física e controle do estresse. CONSIDERAÇÕES FINAIS O momento histórico atual, sem dúvida, tem apontado para a importância de uma reflexão profunda a respeito das sociedades industriais contemporâneas e seus impactos sobre a saúde e a qualidade de vida do trabalhador; ressaltando que a relação entre trabalho, saúde e qualidade de vida possui dupla dimensão: dentro e fora das plantas industriais. Considerando a íntima relação entre saúde e trabalho, podemos dizer que o estado de saúde dos trabalhadores não é independente de sua atividade de trabalho e que trabalhador é toda pessoa que exerce uma atividade de trabalho, independentemente de estar inserido no mercado formal ou informal de trabalho, inclusive na forma de trabalho familiar ou doméstico. Como adendo, lembramos que o mercado informal no Brasil tem crescido acentuadamente nos últimos anos. Para que o trabalhador possa gozar de saúde é necessário compreender os condicionantes sociais, econômicos, tecnológicos e organizacionais responsáveis pelas condições de vida bem como os fatores de riscos ocupacionais – físicos, químicos, biológicos, mecânicos e aqueles decorrentes da organização laboral – presentes nos processos de trabalho. Assim, as ações de promoção da saúde e da qualidade de vida do trabalhador têm como foco as mudanças nos processos de trabalho que contemplem as relações trabalho-saúde em toda a sua complexidade. Quando o ambiente e as condições de trabalho, bem como o estilo de vida do indivíduo estão em desequilíbrio, os problemas de saúde ocupacional aparecem e consequentemente, os custos de assistência médica para as empresas se elevam; o que acarreta numa maior preocupação sobre as questões de saúde. Sabe-se que o nível de qualidade de vida no trabalho tem relação direta com as finanças e produtividade da empresa, e para tanto ações para a promoção da saúde e da qualidade de vida no trabalho, orientando os trabalhadores a terem um estilo de vida saudável precisam se integrar à gestão empresarial com o objetivo de levar informações, aumentar a motivação e oferecer oportunidades para que aja práticas positivas em saúde, reduzindo os comportamentos e os fatores que tendem a interferir no equilíbrio do indivíduo, antes que esses se transformem em doença. Mas, para intervir e agir no ambiente de forma a aplicar uma abordagem humanística, a organização precisa atuar em função que a possibilite reconhecer os indícios dos desequilíbrios e não em reação ao sofrimento. Para tanto, o ciclo de ações voltadas à melhoria das condições de trabalho, qualidade de vida e promoção da saúde do trabalhador, com o intuito de prevenir o estresse e custos

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adicionais, tem adquirido status estratégico cada vez maior não só na formulação de políticas de gestão de pessoas, mas presente nas decisões gerenciais dentro das organizações – harmonizar condições de trabalho e produtividade com a saúde e bem-estar do trabalhador, investindo em saúde, desenvolvimento e condições laborais que favoreçam um ambiente de trabalho equilibrado para uma organização de sucesso. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Associação Brasileira de Qualidade de Vida, Ambientes de trabalho saudáveis, Disponível em: http://www.abqv.com.br/artigos/Content.aspx?id=253 / Acesso em 30 abril 2012. BRASIL, Ministério da Saúde, Departamento de Atenção Básica, Departamento de Ações Programáticas e Estratégias, Área Técnica de Saúde do Trabalhador. Cadernos de Atenção Básica. Programa Saúde da Família - 5; Brasília: Ministério da Saúde, 2001. BENAGLIA. M.D. O Impacto do Stress na Saúde do Trabalhador e a Importância de se Promover à Qualidade de Vida no Ambiente de Trabalho: (2009-2012).2012. Dissertação (Especialização Lato Sensu) – Universidade Paulista, São Paulo, 2012 DRUCKER, P., O Homem – O melhor de Peter Drucker. São Paulo: Livraria Nobel, 2001. KARASEK, R.A. Job demands, job decision latitude and mental strain: implications for job redesigning. Ciência Administrativa Trimestral, 24, p.285-308, June 1979. GALEANO, R. et al; A Qualidade de vida no trabalho como fator de influência no desempenho

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CONVIVÊNCIA GRUPAL X QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE

MARIA DVANIL D´ÁVILA CALObRIzI

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CONVIVÊNCIA GRUPAL X QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE Karoline Davantel Genaro Maria Dvanil D´Ávila Calobrizi

RESUMO: Este estudo teve como objetivo revelar se a convivência grupal na terceira idade através da realização de atividades físicas e de lazer favorece uma melhor qualidade de vida. A pesquisa contou com dez por cento do universo (cinco sujeitos) dos cinquenta participantes do Programa Eternos Jovens, utilizou o método qualitativo e para a coleta de dados a entrevista, gravador, telefone, diálogo e observação, através de um formulário com perguntas abertas e fechadas. Reconhecem que as atividades físicas e de lazer são facilitadores de um desenvolvimento de convivência e melhoria de qualidade de vida, de forma a proporcionar mais disposição física para realizar atividades do dia-a-dia e veem em sua prática uma oportunidade de realizar uma prazerosa interação social e adquirir autonomia. PALAVRAS-CHAVE: Convivência Grupal, Terceira Idade, Qualidade de Vida.

GROUP ASSOCIATION X QUALITY OF LIFE IN ELDERLY ABSTRACT: This research revealed the improvement in quality of life for senior people that had been introduced to physical activities and leisure in their lives. The study had ten percent of the universe (five subjects) of the fifty participants of Programa Eternos Jovens, used the qualitative method and for data collection, interview, recorder, telephone, dialogue and observation, using a form with opened and closed questions. It was observed that physical activity and leisure are facilitators of development of living and they can improve quality of life in order to provide a better physical performance and they are a good opportunity to achieve a pleasurable social interaction and acquire autonomy. KEYWORDS: Group living, Seniors or Old age, Quality of Life.

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CONVIVÊNCIA GRUPAL X QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE

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INTRODUÇÃO No início da década de 60, a questão do envelhecimento não estava em pauta. As poucas

ações sociais propostas para os idosos eram de natureza assistencialista e efetivavam-se através de instituições asilares. A sociedade não oferecia alternativas de convivência para a participação do idoso saudável física e mentalmente. O Programa Eternos Jovens surge em meados de 1997, e conta com usuários a partir dos 50 (cinquenta) anos de idade, cadastrados de forma espontânea, de ambos os sexos, residentes em Bauru, nas proximidades da Vila Falcão e arredores, sem qualquer discriminação socioeconômica, étnica, política e religiosa, sendo em sua maioria aposentados, viúvas e pensionistas. O objetivo geral deste estudo foi revelar se a convivência grupal na terceira idade através da realização de atividades físicas e de lazer favorece uma melhor qualidade de vida e como objetivos específicos identificar o perfil dos idosos do grupo Eternos Jovens; ampliar os conhecimentos teóricos e empíricos acerca da participação dos idosos em atividades físicas e lazer visando uma melhor qualidade de vida; desvelar as atividades físicas e passeios turísticos que mais agradam e motivam o grupo Eternos Jovens e identificar as mudanças ocorridas na vida dos idosos após a convivência grupal e participação ativa nos passeios e atividades físicas. Os instrumentais utilizados na coleta de dados utilizados foram: entrevista, gravador, telefone, diálogo e a observação. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que se deu através de uma análise documental e empírica, contando com um estudo de dados bibliográficos e envolvendo o aprofundamento teórico sobre o tema abordado; em livros, revistas científicas, internet e monografias. Efetivou-se por meio de um formulário com perguntas fechadas e abertas, aplicado pela pesquisadora junto ao grupo Eternos Jovens. A amostragem foi de 10% (dez por cento), de um universo de 50 (cinquenta) sujeitos, perfazendo 5 (cinco) sujeitos.

2.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1

ENVELHECIMENTO POPULACIONAL

“Terceira Idade” é uma expressão utilizada para definir o idoso, originada na França, nos anos 70.

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Até 1980, o Brasil era considerado um país jovem. Possuía uma pirâmide populacional invertida, diferente dos países desenvolvidos. Na pirâmide etária nacional predominava uma população em idade de crescimento. Havia mais jovens do que adultos com mais de 40 anos. Nota-se, porém, nos gráficos a seguir, que a partir da década de 80, a forma da pirâmide mudou. O Brasil agora é um país de meia idade. Em 2000, a base da pirâmide sofreu uma contração, principalmente na faixa etária dos que tem menos de dez anos, e, inversamente, a camada da população idosa apresentou sinais de crescimento.

FONTE: IBGE - Censo gráfico de 1980 a 2000 Em 2005, a esperança de vida era de 71,9 anos (EXPECTATIVA, 2007). Atualmente, porém, a expectativa de vida brasileira ao nascer, segundo dados do Instituto Brasileiro de

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Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, é de 73,4 anos, um aumento de 25,4 anos em comparação à década de 1960 (EXPECTATIVA, 2012). Existem no país mais de 30 mil pessoas com idade acima de cem anos e temos três vezes mais brasileiros acima de 65 anos do que há meio século. (MENEZES, 2012). Alguns aspectos estão ligados à melhoria da qualidade de vida dos indivíduos, redução da mortalidade precoce, diminuição das taxas de fertilidade e natalidade, evolução na medicina e a prevenção de doenças infectocontagiosas. Pode-se considerar o aumento da expectativa de vida uma grande conquista da sociedade moderna, mas também devemos levar em consideração que o fato de viver mais não significa necessariamente viver bem, não é importante apenas acrescentar anos à vida, mas também acrescentar vida aos anos. É preciso dar mais atenção aos estudos sobre o processo de envelhecimento, além de pensar formas de melhorar a qualidade de vida da terceira idade. Para que o idoso não seja visto apenas como objeto de cuidado é preciso haver uma mudança de valores, sobretudo no que se refere à imagem negativa que a sociedade propaga dos idosos, de fragilidade e dependência, pois segundo relata Silva (2005): Se a velhice passar a ser encarada como fase normal da vida e não como marginal, haverá uma mudança significativa em relação ao papel e importância dos idosos na sociedade brasileira. Contudo, há muitas trilhas a serem percorridas, sobretudo porque o idoso ainda é forte alvo de preconceitos numa sociedade marcada pelo consumo.

A população idosa possui como uma de suas maiores necessidades o favorecimento às oportunidades de serem incluídos nas decisões a respeito da sociedade e de sua vida diária.

2.2 A CONVIVÊNCIA GRUPAL ATRAVÉS DE ATIVIDADES FÍSICAS E DE LAZER E A QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE Os grupos de convivência

para a população idosa, caracterizam-se como espaços por

excelência, onde as atividades desenvolvidas contribuem para que os idosos exerçam seu papel de cidadãos, constituindo-se em um local onde eles utilizam suas potencialidades, onde há sempre alguém que os escute, propiciando a efetivação de laços de amizade e momentos de lazer. Contribuem ainda para o restabelecimento da autoimagem positiva, uma vez que, em geral, o contexto familiar não favorece a utilização das potencialidades dos idosos. Envelhecimento ativo, na definição da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2005, p. 13), “é o processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com o

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objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas”. Em outras palavras, é manter a autonomia e a independência dos idosos, não só em relação à saúde física, mas nas questões sociais, econômicas, culturais, espirituais e civis. Existe uma teoria formulada por Robert Harvighrst, citada por Bazo (1990), a “Teoria da Atividade” que explica que a qualidade de vida e a sua longevidade se alicerçam sobre três pilares básicos: • • •

A maioria das pessoas que envelhece deve manter seus níveis de atividades sempre que possível constante; A quantidade de ocupações está influenciada por estilos de vida e por fatores socioeconômicos; Para um envelhecimento com êxito, deve se conservar os níveis de atividades nas três esferas: físico, mental e social. (BAZO, 1990, apud CANNONE; CALOBRIZZI, 2003, p. 170).

Tendo por base esta teoria, entendemos que a qualidade de vida depende muito de manter corpo e mente ativos. Visando proporcionar aos idosos uma boa convivência grupal e por consequência uma melhor qualidade de vida o turismo focado na terceira idade está em ascensão e deve ser visto como uma atividade benéfica, tanto por proporcionar saúde mental, física ou/e social. Turismo junge-se a dois radicais: um indo - europeu ter e outro sânscrito Tárati. Ambos transmitem a ideia de atravessar, passar. Turismo está ligado à ideia de movimento, locomoção, viagem (CASTRO, 2002, p. 91). Compreende as atividades que as pessoas realizam durante suas viagens e estadas em lugares diferentes do seu entorno habitual, por um período consecutivo inferior a um ano, com finalidade de lazer, negócios ou outras (SOUZA, FILHO, SOUZA, 2006, p.34). Revelam ainda Souza; Filho; Souza (2006, p.32): O turismo é uma das diferentes formas de lazer que podem ser praticadas. Ele propicia o atendimento das necessidades humanas de aventura, de descoberta, de movimento, de apreciação da natureza e a satisfação das ambições estéticas do homem, perpetuando a tradição, o folclore e as artes no país e fora dele.

Segundo Marta Suplicy (2007, p.A3), a Espanha investe a cada ano 75 milhões de euros para garantir programas de turismo a mais de um milhão de idosos. Há sete anos, o vizinho Chile lançou o programa Vacaciones Tercera Edad e Pesquisas do Serviço Nacional de Turismo do Chile mostram que, em consequência a saúde dos idosos melhorou; o grau de satisfação é de 98,66%. No Brasil está sendo desenvolvido o Programa “Viaje Mais - Melhor Idade”, pelo Ministério do Turismo, com o objetivo de promover a inclusão social dos idosos, aposentados e pensionistas proporcionando-lhes oportunidades de viajar e de usufruir os benefícios da atividade turística.

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Porém, este Programa, para ter sucesso, depende de um trabalho contínuo, permanente e bem estruturado. De acordo com dados apresentados por Marta Suplicy, Ministra do Turismo, na Folha de São Paulo (4 set. 2007, p A3): O Brasil possui aproximadamente 17 milhões de habitantes com mais de 60 anos de idade. Desses 17 milhões, cerca de 4 milhões vivem no estado de São Paulo, maior mercado emissor de viagens para o mercado interno. Segundo estudo realizado pelo Ministério do Turismo em parceria com a Fipe, desses 4 milhões, 1,6 milhão viajam regularmente. Dos 2,4 milhões que não têm o hábito de viajar, 800 mil não o fazem por falta de estímulo e condições de financiamento.

Os pacotes variam de três a oito dias, a preços promocionais e contam com a facilidade do crédito consignado para aposentados e pensionistas do INSS, com limite de consignação de até 30% do rendimento líquido da aposentadoria/pensão e juros abaixo de 1% ao mês. (SUPLICY, 2007, p. A3) Já sua comercialização, será é exclusivamente por intermédio de agências cadastradas e capacitadas por treinamento. Os recursos de financiamento do Programa partem do Fundo de Amparo ao Trabalhador, visto que nada mais justo o fazer a pessoas que trabalharam a vida toda e nunca tiveram a oportunidade de conhecer o Brasil. No Brasil, na Lei 8842/94, que dispõe sobre a política nacional do idoso, em seu artigo 10, inciso VII, trata o lazer com a cultura e o esporte: Art. 10. Na implementação da política nacional do idoso, são competências dos órgãos e entidades públicos: VII - na área de cultura, esporte e lazer: a) garantir ao idoso a participação no processo de produção, reelaboração e fruição dos bens culturais; b) propiciar ao idoso o acesso aos locais e eventos culturais, mediante preços reduzidos, em âmbito nacional; c) incentivar os movimentos de idosos a desenvolver atividades culturais; d) valorizar o registro da memória e a transmissão de informações e habilidades do idoso aos mais jovens, como meio de garantir a continuidade e a identidade cultural; e) incentivar e criar programas de lazer, esporte e atividades físicas que proporcionem a melhoria da qualidade de vida do idoso e estimulem sua participação na comunidade.

Garante o Ministério do Turismo que: viajar faz bem à saúde, à alma, à economia e à geração de empregos. (SUPLICY, 2007, p. A3) Os programas para terceira idade têm mobilizado, sobretudo, o público feminino, em sua maioria viúvas, que formam grupos muito unidos. O entusiasmo manifestado pelas mulheres na realização das atividades propostas contrasta com a atitude de reserva e indiferença dos homens da terceira idade.

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As pessoas dessa faixa etária costumam realizar viagens rodoviárias com percurso de até oitocentos quilômetros do local de residência, preferencialmente viagens curtas, com até cinco dias de duração (SOUZA; FILHO; SOUZA, 2006; p. 40). Os que viajam a lazer importam-se mais com o descanso, ficando a escolha do local de destino como papel secundário. O principal consiste em fazer amizades, afastar-se da rotina e algumas tensões diárias. Contudo, embora tenha havido um crescimento substancial na participação dos idosos no mercado turístico, ainda se está longe do que acontece na Europa e nos Estados Unidos; o que se explica, em parte pela diferença marcante do poder aquisitivo dos idosos brasileiros.

2.3

SERVIÇOS DEDICADOS NOS PASSEIOS TURÍSTICOS E OS BENEFÍCIOS À

TERCEIRA IDADE Os idosos são diferentes dos jovens, e essas diferenças devem ser levadas em consideração por aqueles que lidam com a população idosa em atividades turísticas, a fim de proporcionar-lhes viagens mais agradáveis. O SESC/RS promove cursos de capacitação, cabendo destacar o curso “Viajando com idosos”, com o objetivo de capacitar guias de turismo para o acompanhamento de grupos de idosos em viagens, estimulando a autonomia e os contatos interpessoais (SESC, 1992, apud SOUZA, FILHO; SOUZA, 2006, p.85). Os guias tem que ser hospitaleiros, corteses, pacientes, ter comunicação eficiente e de fácil entendimento, além de estarem atentos a alguns cuidados como, no caso de uma viagem longa: a realização de paradas técnicas com espaçamento de no máximo duas horas é importante. Outro fator importante é que o turista de terceira idade valoriza o horário de chegada, das refeições, do descanso, e de visitas. A locomoção desta demanda deve ser observada também pelos profissionais de turismo. É preciso avaliar as condições da cidade e do hotel, preferindo locais em que existam iluminação suficiente, elevadores, escadas e banheiros com barras de segurança, pisos antiderrapantes e box adequado para um banho seguro. Além disso, sempre que necessário, deve oferecer ajuda para o idoso sair do ônibus e entrar nele em viagens rodoviárias (SOUZA; FILHO; SOUZA, 2006). Outra atenção que se deve ter é quanto à incontinência urinária (perda involuntária de urina), um distúrbio frequente em idosos, embora ocorra em apenas 15 a 30% deles. Desta forma, o transporte de idosos exige maior número de paradas para urinar, pois mesmo que o ônibus tenha banheiro, o seu uso é mais desconfortável para estes. Além disso, viagens muito longas

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podem levar a inchaço nos pés e provocarem outros problemas como a trombose venosa, ou seja, formação de coágulos de sangue nas veias (SOUZA; FILHO; SOUZA, 2006). A dieta alimentar é também um aspecto importante que deve ser observado, já que muitas pessoas desta faixa etária podem apresentar colesterol elevado, gastrite ou diabete, por exemplo. (SOUZA; FILHO; SOUZA, 2006). A redução à exposição a situações de risco propicia ao turista de terceira idade bem-estar psicológico, tranquilizando-o para melhor aproveitar a viagem; e locais e alimentação em bom estado de limpeza e conservação, além de ser um fator imprescindível à preservação da saúde, são interpretados como respeito aos idosos (SOUZA; FILHO; SOUZA, 2006). Hoje muitas agências de turismo, hotéis e pousadas, em todo o país e no exterior, já oferecem descontos e condições especiais para receber os idosos. São centenas de estabelecimentos, com serviços para o atendimento direcionado a esse setor específico. Os grupos de terceira idade buscam, geralmente, um lazer heterogêneo, que inclua descanso, visitas a pontos turísticos e até mesmo, música e dança. Não gostam muito, porém, de mudanças frequentes de hotéis e de carregar suas bagagens (SOUZA; FILHO; SOUZA, 2006). Muitas vezes, a população que se encontra na terceira idade acaba por sofrer um certo isolamento, levando-a a concentrar-se em coisas passadas, em perdas ocorridas, o que pode causar a depressão. Na verdade, a população da terceira idade tem vontade de utilizar seus conhecimentos e experiência em atividades que tenham significância, e não permanecer na inatividade. Diante dessas considerações, percebe-se porque os idosos, nas várias situações da vida, deveriam receber um tratamento especial e diferenciado. Para minimizar este quadro, fica evidente a importância da promoção de eventos sociais e de lazer para eles, e é nesse contexto que se inserem os passeios turísticos. (SOUZA; FILHO; SOUZA, 2006) Esta população reconhece que desenvolver projetos pessoais e participar de projetos de lazer são uma forma de melhorar a qualidade de vida. Segundo Souza (2006, p. 37): Vários são os fatores que levam um indivíduo a realizar uma viagem turística: motivado por deficiência (por exemplo, fuga de problemas, da rotina, da poluição, da situação estressante das grandes metrópoles) ou por excesso (por exemplo, ir para um local onde possa se divertir, fazer cursos, conhecer novos lugares e culturas, fazer novas amizades, buscar aventuras).

A maioria dos grupos de terceira idade, que efetuam viagens turísticas, são formados por pessoas que desistiram de sentir culpa, de aborrecer-se com as preocupações dos outros. Ao viajarem, essas pessoas tem expectativas de quebrar a rotina usando o tempo de uma forma

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muito divertida e saudável: conhecendo novos lugares, pessoas e culturas. O passeio turístico propicia condições para que o tempo do idoso seja preenchido com atividades agradáveis nas quais possam desenvolver suas aptidões. Tudo isso contribui para a melhoria de sua saúde física, social e mental.

2.4

AS ATIVIDADES FÍSICAS COMO MEIO DE QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA

IDADE “O termo ‘atividade física’, [...] num sentido mais restrito é todo movimento corporal, produzido por músculos esqueléticos, que provoca um gasto de energia”. (BARBANTI, 2003, apud ROSA; GERALDO; AVILA, 2005, p. 55) De acordo com Sova, (1998, p.5): Algumas pessoas imaginam que, à medida que envelhecem, não são mais capazes de praticar exercícios tão intensamente ou por tanto tempo quanto praticavam quando eram mais jovens. Não é verdade! De fato, muito do declínio na capacidade aeróbica, atribuído à idade é causado, na verdade, pela inatividade.

O processo degenerativo do organismo ocorre gradativamente a partir dos 20-22 anos de idade e se acentua a partir dos 60-65 anos. O declínio ocorre para todos, sem exceção, mas a velocidade e a inclinação do declínio são diferentes quando são comparados, os indivíduos ativos com sedentários. (NEGREIROS, 2007, p. 122) Existe um conceito antigo preconizado por Hipócrates (460-375 a.C.), há quase 2.500 anos: “As partes do corpo que se mantêm ativas envelhecem lentamente e com saúde, enquanto as inúteis ficam doentes e envelhecem precocemente” (FILHO, 2006, p. 77). Nesse sentido revela Baccaro (2003, p.105): Historicamente, o exercício como atividade terapêutica já era usado pelos chineses, gregos e romanos há cerca de 2000 anos. Umas das razões pela qual os homens do passado não apresentavam enfermidades cardíacas e nervosas tão frequentes como as observadas nos homens de hoje, deve-se ao fato de que a vida era menos sedentária.

Atualmente, os programas de condicionamento físico para idosos estão enfatizando cada vez mais exercícios como formas de se manter uma boa qualidade de vida. Desta forma, o idoso deve ter em mente que o corpo nasceu para a ação e desestigmatizar a imagem de que na terceira idade o mais indicado a fazer é o descanso puro e simples e “vestir a camisa” da inatividade.

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Os exercícios de alongamento são os mais eficientes para melhorar a flexibilidade. Acompanhado de caminhada, musculação, dança e Tai chi chuan há a significativa melhora na coordenação motora e equilíbrio, o que contribui para evitar as quedas, que são causa de morte na terceira idade. De acordo com Baccaro (2003, p.54), a prática de atividades físicas comuns, como subir escadas, ou andar, pode contribuir para a prevenção de algumas doenças como: câncer no pulmão, cólon, mama e próstata, que são os que melhor respondem a atividade física. A osteoporose, por sua vez, tem como tratamento mais indicado às atividades que aumentam a massa óssea, como a musculação; aliada a suplementação de cálcio, uma alimentação saudável e exposição periódica ao sol. Outra doença de possível surgimento nesta faixa etária é a de Alzheimer, que acarreta declínio em certas funções intelectuais como memória, orientação no tempo e no espaço, aprendizado, incapacidade de realizar cálculos simples e dificuldade em realizar as tarefas cotidianas como tomar banho, vestir-se, recolher o lixo, acondicionar compras e mantimentos na dispensa e até brincar e cuidar dos netos. Porém, de acordo com Rosenfeld (2002, p.28), as atividades regulares aumentam o fluxo de sangue dirigido ao cérebro e fornecem os nutrientes necessários para tornar os tecidos mais resistentes a esta doença. A prática de atividades físicas resgata características de saúde juvenil para população de idade avançada. No entanto, todo idoso deve procurar um programa de atividade física de acordo com suas características e restrições, submetendo-se a uma avaliação médica e, se possível, acompanhado de um profissional gabaritado. A atividade física na terceira idade pode trazer vários benefícios, como a melhora da qualidade e expectativa de vida do idoso, proporcionando melhora na autoestima, sensação de bem-estar, e, consequentemente beneficiando-o no aspecto social, psicológico, e ainda, no aspecto físico, pois ajuda na prevenção de doenças que podem levá-lo a incapacidades. De acordo com a Revista Maringá Ensina: Pensando nisso, a Prefeitura do Município de Maringá/PR, por meio do Programa Maringá Saudável, que segue as diretrizes da Organização Mundial da Saúde e da Organização Pan-Americana da Saúde, e de parcerias com empresas privadas, foi a pioneira no Brasil a implantar em 2006 as Academias da Terceira Idade – ATIs, que seguem o modelo adotado em Pequim, na China. Lá as academias foram implantadas há 10 anos e hoje somam mais de 2,5 milhões de adeptos. (ACADEMIA, 2007)

Paranavaí on line divulgou em dezembro de 2007: Desenvolvidas com tecnologia chinesa para estimular a prática de exercícios físicos, especialmente para os idosos, as Academias da Terceira Idade tem sido levadas para várias cidades. Por serem adaptados a terceira idade, os equipamentos não são utilizados para criar massa muscular e sim fortalecer a

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musculatura. Um dos aparelhos exercita o joelho, a coluna e o quadríceps, amenizando problemas de coluna e osteoporose (PRIMEIRA, 2007)

De acordo com o Jornal Pindavale, de Pindamonhangaba (Pinda, 2007): No estado de São Paulo, em 2007, a Prefeitura de Pindamonhangaba instalou aparelhos de ginástica voltado para a realização de exercícios leves pelos idosos (principalmente) e por praticantes de todas as idades, às margens da avenida Nossa Senhora do Bonsucesso. É o primeiro parque gratuito e ‘ao ar livre’ do Estado de São Paulo para os idosos e recebeu o nome de "AMI-Academia da Melhor Idade. Os recursos para a compra de equipamentos do parque são da secretaria de Saúde e Promoção Social da Prefeitura.

Há caráter prático, de quem utiliza, e simbólico, de conscientizar aqueles que não utilizam para que passem a utilizar. “Mesmo em indivíduos muito idosos, é possível provocar adaptações fisiológicas bastante significativas a ponto de mudar completamente o status da qualidade de vida” (NEGREIROS, 2007, p.126). Praticar atividade física na terceira idade proporciona, entre outros benefícios, dormir melhor, maior disposição, fortalecimento dos músculos e dos ossos, além de combater a obesidade e o isolamento social. O idoso ativo e integrado ao meio estabelece sua autoimagem e estima. Assim, evidencia-se uma mudança que extrapola o quadro físico e abrange também o social e o psicológico. A atividade física não deve ser considerada como algo extraordinário ou excepcional no cotidiano do idoso. Pelo contrário, é parte integrante deste dia-a-dia, como se alimentar, dormir, ler e conversar. Como exemplo da importância da realização das atividades físicas será evidenciado o exemplo do Japão que, junto da boa alimentação, os japoneses têm uma rotina de atividade intensa. Conforme Pessanha (2007), muitos idosos têm melhoras significativas quando começam a fazer o Tai Chi Chuan. O exercício melhora a autonomia funcional e fortalece o corpo e os membros inferiores, o que contribui para evitar as quedas, um dos maiores problemas enfrentados pelos que já passaram dos 60 anos, como já foi salientado anteriormente. Outro benefício é a pressão sanguínea que se normaliza, fazendo o coração bater num ritmo mais ameno. Dessa forma, o idoso é capaz de fazer mais coisas e com menos esforço. Além disso, há a Rádio Taissô que, de acordo Maciel, Albuquerque e Melzer (2005), oferece músicas para aquecimento pré-laboral e acontece todas as manhãs, sendo transmitida pela rádio e praticada, não somente nas fábricas ou ambientes de trabalho no início do

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expediente, mas também nas ruas e residências. Em geral, os movimentos propostos são lentos e compassados e servem como uma preparação para as atividades diárias em casa ou no trabalho. Com sua prática pode-se evitar dores nas costas, lombares, pescoço, dores reumáticas, dores de cabeça, tendinite e mal estar, além de desenvolver o funcionamento do cérebro, por ativar a circulação sanguínea. É comum também, no Japão, a existência de plantações de arroz e de chá em plena cidade, o que acaba por preencher o restante de sua rotina, fazendo com que não se torne uma pessoa sedentária. Porém, embora haja grande movimentação diária, as academias estão “forradas” de idosos. Não é à toa que Yone Minagawa, uma senhora japonesa recebeu o título de “a pessoa mais velha do mundo”, pelo Guiness (Livro dos records) à data da sua morte em 28 de Janeiro de 2007 aos 114 anos e 24 dias; e o homem mais velho do mundo seja Tomoji Tanabe, de 112 anos, que ainda vive no Japão (RECORDS, p. 67, 2008). Os jovens tem uma enorme rotina de esportes, que vai de corrida a beisebol, e agora também futebol. Durante a vida toda os japoneses tem contato com atividades físicas. A importância da adoção de um estilo de vida ativo e mais saudável deve ser enfatizada desde a infância. O jovem sedentário é potencialmente um idoso doente e dependente. Prevenir é vital, pois, as doenças crônicas não se desenvolvem apenas pelos maus hábitos alimentares, mas também pelo sedentarismo. O ideal é praticar atividades físicas diariamente.

3.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS O recente aumento da população idosa, vem continuamente despertando a atenção e nos

coloca diante de um enorme desafio: proporcionar garantias efetivas para esta população e que possam ser traduzidas em um aumento (ou manutenção) da sua qualidade de vida. Pôde-se perceber que os sujeitos entrevistados são praticamente veteranos no Grupo, oscilando o tempo de permanência entre 5 (cinco) e 10 (dez) anos e a faixa etária predominante de 65 (sessenta e cinco) a 72 (setenta e dois) anos. Observou-se, através da coleta de dados, que 2 (dois) dos sujeitos possuem o primeiro grau e 3 (três) possuem o segundo grau. Um entrevistado é casado, dois são viúvos e os outros dois são divorciados. A renda dos sujeitos entrevistados perpassa entre 1 (um) e 3 (três) salários mínimos. Eles não são capazes de, financeiramente, realizar por completo seus sonhos materiais; mas ganham o suficiente para se alimentar, vestir e morar adequadamente.

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Dos sujeitos entrevistados, todos são do sexo feminino; dois sujeitos moram sozinhos, um possui residência com mais um membro, um possui mais dois membros e um outro possui em sua residência mais três membros familiares. Pôde-se verificar que todos os idosos entrevistados possuem casa própria, constatando-se desta forma que os sujeitos não dependem dos filhos ou de outras pessoas para ter um lugar para morar, isso é um fator muito positivo para a população alvo. Constatou-se que, dos entrevistados, uma pessoa não praticava atividades físicas na rua, quando jovem, porém, por ser do lar, praticava atividades físicas na constância dos afazeres domésticos: Outro não frequentava academia, porém, ao ir trabalhar já exercia atividade física, pelo fato de ir todos os dias a pé. Para trabalhar sim. Eu ia a pé. (sujeito 01, feminino, 68 anos)

Já outros dois sujeitos tiveram uma juventude bem ativa, andando de bicicleta, caminhando, jogando bets, brincando de “queima” e amarelinha. Um último sujeito entrevistado, por sua vez, não teve uma juventude ativa, porém, aproveitou para praticar atividades físicas no tempo em que o Programa Eternos Jovens proporcionava a prática na academia da ITE (Instituição Toledo de Ensino). Já, hoje, pôde-se perceber que a maioria pratica somente caminhada, seja por motivo de saúde ou por a mensalidade de uma academia não ser muito acessível, e uma minoria pratica a hidroginástica além da caminhada: Pratiquei natação da Prefeitura, que hoje é centro comunitário; e no SESI ginástica aeróbica, localizada e musculação. Hoje não vou mais, só caminho; por motivo de saúde. (sujeito 01, feminino, 68 anos)

Dos entrevistados que praticam regularmente atividade física, disseram perceber melhoras na saúde, mais disposição física para realizar atividades do dia-a-dia e veem em sua prática uma oportunidade em fazer amizades diferentes. Sim, é muito bom pra mim. É bom pra mente, pra saúde, pegar amizades com pessoas diferentes. (sujeito 03, feminino, 65 anos)

Ao se questionar sobre qual seria a atividade física proporcionada pelo grupo Eternos Jovens que mais teriam gostado, foi unânime a aceitação de todos os exercícios oferecidos, à época em que o programa proporcionava as atividades na academia da ITE (Instituição Toledo de

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Ensino); quando não, o motivo da não participação era por problema de saúde. Quando fazia na ITE gostava de tudo que tinha na academia. (sujeito 02, feminino, 72 anos)

Como relata Cardoso (1992, p 9-10), “a prática de atividades físicas, esportivas e recreativas é fundamental na vida das pessoas, pois além de ser importante como veículo de educação para a promoção da saúde, constitui uma realização significativa de lazer”. Um estilo de vida mais ativo permite ao idoso manter ou melhorar as suas capacidades funcionais, independência e qualidade de vida. Juntamente com as atividades físicas, outra prática colaboradora com a Qualidade de Vida é a de Turismo que, como Souza; Filho; Souza (2006, p.32) relatam, é uma das diferentes formas de lazer que podem ser praticadas e propicia o atendimento das necessidades humanas de aventura, de descoberta, de movimento, de apreciação da natureza e a satisfação das ambições estéticas do homem, perpetuando a tradição, o folclore e as artes no país e fora dele. Quanto a gostarem de viajar, entre os sujeitos houve unanimidade. Porém, a maioria, embora não todos, responderam que o aspecto financeiro os impedem que viajem mais vezes. Segundo Souza; Filho; Souza (2006, p. 37), vários são os fatores que levam um indivíduo a realizar uma viagem turística: motivado por deficiência (por exemplo, fuga de problemas, da rotina, da poluição, da situação estressante das grandes metrópoles) ou por excesso (por exemplo, ir para um local onde possa se divertir, fazer cursos, conhecer novos lugares e culturas, fazer novas amizades, buscar aventuras). Com o grupo Eternos Jovens, os entrevistados já viajaram para vários locais e se animam bastante ao lembrar das viagens. Gostaram da diversão, das paisagens, do descanso, da companhia dos colegas, de sair da rotina e da interação do grupo: Águas de Lindóia, porque as águas são relaxantes; é um lugar gostoso de ficar. (sujeito 02, feminino, 72 anos)

Ao serem questionados sobre qual seria a viagem dos seus sonhos, pode-se perceber que são pautadas para uns pelo induzimento das divulgações dos programas de TV, outros pela curiosidade com relação ao país de sua origem familiar e outros pelo simples fato de viajar e fugir da rotina. Há, porém, quem não possa viajar como gostaria, pelo fato de cuidar dos netos; o que se leva a perceber que alguns idosos não possuem sonhos relacionados ao seu bem-estar, seu objetivo primordial é a família. Companhia do neto ou dos filhos.

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Portugal, porque acho que por lá faria um passeio gostoso. E Fernando de Noronha, porque vi na TV e gostei muito. (sujeito 01, feminino, 68 anos) Dos sonhos eu não tenho. Meu neto mora comigo e eu não tenho tempo. (sujeito 02, feminino, 72 anos)

Já com relação ao que seria para eles “Qualidade de Vida”, percebeu-se que está ligada a “estar“ e “ter condições para estar” em atividade. Qualidade de vida pra mim é estar bem física e mentalmente. Você estando bem física e mentalmente, você está bem. (sujeito 04, feminino, 69 anos)

O que é uma boa qualidade de vida para um, pode não ser para outro. Mas, apesar de cada um ter um conceito de “qualidade de vida” é certo que pra obtê-la devemos ter saúde, lazer, educação, entre outros. É notável que para eles “qualidade de vida” está ligada a estar ter condições para estar em atividade. Já ao serem questionados sobre se o programa propicia qualidade de vida através da convivência grupal e a prática de atividades físicas e turísticas ou apenas conhecimento acerca dos benefícios que estas atividades podem oferecer, constatou-se que hoje em dia o programa fornece mais o conhecimento acerca dos benefícios da convivência grupal, da prática de atividades físicas e propicia também a prática de atividades turísticas, embora já tenha proporcionado também a prática de atividades físicas na época de sua origem e tenha sido bem aceita pelos integrantes do grupo. Deu a prática de turismo e ainda dá. Atividade física tinha a prática e agora apenas o conhecimento dos benefícios. (sujeito 02, feminino, 72 anos)

Relataram também que houve sim contribuições da convivência grupal na prática de turismo em suas vidas, como: conhecer novos lugares, fazer novas amizades, alegria, mais satisfação, contribuição cultural, desinibição e coleção de boas recordações. Conhecimento de novos lugares, fazer novas amizades e ter boas recordações. (sujeito 01, feminino, 68 anos )

Com relação a gostarem mais de viajar com o grupo ou com a família, pôde-se perceber que a maioria opta por viajar com o grupo, pela interação proporcionada nas viagens e a diversão, afinal, por serem da mesma faixa etária possuem muitas vezes necessidades e vontades parecidas. Há, porém, quem ache que viajar com a família é melhor, por saírem todos juntos; mas, é minoria.

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CONVIVÊNCIA GRUPAL X QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE

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Viajando com o grupo me divirto mais e viajando com a família mato as saudades. Prefiro viajar com o grupo porque são todos da mesma idade e mesmos interesses. (sujeito 01, feminino, 68 anos)

A integração social através do turismo e/ou das atividades físicas faz com que melhore o humor e aumente a disposição.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O tema Terceira Idade é atual e está presente no cotidiano de todos devido à questão do

envelhecimento populacional no Brasil e no mundo. Atualmente vive-se mais; sendo assim é necessário saber viver bem e com qualidade durante estes anos. Com a pesquisa de campo, ampliou-se os conhecimentos teóricos e empíricos acerca da convivência grupal e da participação dos idosos em passeios turísticos e atividades físicas, com vistas a uma melhor qualidade de vida. Procurou-se abordar a contribuição da convivência grupal durante a prática do turismo e das atividades físicas propiciando uma melhor qualidade de vida na terceira idade. A hipótese foi confirmada, pois através deste estudo pôde-se verificar a importância da convivência grupal dos idosos, através das atividades turísticas e físicas como facilitadoras de melhoria na qualidade de vida, de forma a proporcionar mais disposição física para realizar atividades do dia-a-dia e veem em sua prática uma oportunidade em fazer amizades diferentes. Reconhece, esta população, que desenvolver projetos pessoais e participar de atividades físicas e passeios em grupo é uma forma de melhorar a qualidade de vida e, consequentemente adquirir autonomia.

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S o c i o l o g i a

ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL NA TEORIA DE MAX WEBER: CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO TEMA

MARCELO RODRIguES LEMOS Mestre em Ciências Sociais pela universidade Federal de uberlândia (uFu), graduado em Ciências Sociais (uFu). Professor de sociologia no Ensino Médio, em Patrocínio-Mg. Contato: marcelo.lemos@hotmail.com.



ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL NA TEORIA DE MAX WEBER: CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO TEMA Marcelo Rodrigues Lemos RESUMO: O seguinte artigo tece reflexões acerca do método analítico weberiano, a Sociologia Compreensiva. Para tanto, o foco central abordado diz respeito à Teoria da Estratificação Social, identificando os conceitos de casta, estamento, classe e partido aos tipos ideais. Por fim, atualizações no pensamento de Max Weber são efetivadas por meio de autores contemporâneos como Sedi Hirano e Wright Mills, os quais revisam tais categorias. PALAVRAS-CHAVE: casta, classe, estamento, estratificação, Weber

SOCIAL STRATIFICATION IN MAX WEBER'S THEORY: CONSIDERATIONS ON THE SUBJECT ABSTRACT: This paper reflects on the analytical method of Weber, the Comprehensive Sociology. For this, the central focus addressed concerns the theory of social stratification, identifying the concepts of caste, estate, class and party to the ideal types. Finally, updates to the thought of Max Weber are investigated through contemporary authors such as Sedi Hirano and Wright Mills, who review those categories. KEYWORDS: caste, class, estate, stratification, Weber

1. A SOCIOLOGIA COMPREENSIVA: MÉTODO ANALÍTICO WEBERIANO O alemão Karl Emil Maximilian Weber, mais conhecido como Max Weber (1864 - 1920), nasceu em uma respeitada família da burguesia têxtil e teve ampla formação acadêmica, possibilitada pelas poses de seus pais. O pai foi jurista e político pragmático, já a mãe não hesitava em imprimir no filho a tradição protestante de ver o mundo. Ao passar por estudos sobre Direito, Economia, Filosofia, História e Teologia, tornou-se, ao lado de Émile Durkheim (1858 -

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1917) e Karl Marx (1818 - 1883), um dos “pais fundadores” da Sociologia, tecendo reflexões significativas sobre a realidade social. A importância dos debates em torno das Ciências Sociais, implementados na Alemanha durante a segunda metade do século XIX, influenciaram o pensamento de autores como Dilthey, Lukács, Marx, Rickert, Simmel, Tönnies, Windelband e, obviamente, Weber. Os pressupostos colocados em evidência nesse contexto histórico tratavam da definição da especificidade analítica das Ciências Sociais em relação às Ciências da Natureza, estabelecendo campos de conhecimento distintos. A preocupação de Weber era com os instrumentos metodológicos de investigação sociológica. Para tanto, o autor inova com o método de análise conhecido como Sociologia Compreensiva. As interpretações totalizantes não fazem parte da agenda de estudos weberianos. Por considerar a realidade social infinita e em função de limitações científicas de cunho técnico, Weber se interessa por compreender teoricamente eventos em sua singularidade. Dessa forma, fragmentos da realidade são colocados em realce por meio da especificidade de um objeto recortado (SAINT-PIERRE, 1994). As perspectivas teóricas que evocam a representação do curso real dos eventos são, para Weber, errôneas. Tentar reproduzir a realidade sem falhas, encontrando as causas autenticas e verdadeiras do devir não é correto, pois “tais concepções não somente avaliam erradamente a natureza probabilística da causalidade histórica, senão também se põem em contradição com a essência da ciência, já que não há conhecimento sem pressuposição” (FREUND, 1987, p.103). Assim, o objeto da Sociologia weberiana é a interpretação da ação social, entendida como conduta humana dotada de sentido. Sua Sociologia Compreensiva busca entender, interpretando o sentido de tal ação, explicando-a causalmente em seus desenvolvimentos e efeitos. Cabe destacar a figura do agente individual, enquanto entidade portadora de sentido, como responsável por levar suas motivações às ações sociais, as quais são (típico-idealmente falando) de cunho afetivo, tradicional, racional conforme fins ou racional conforme valores. Weber (1991) destaca que quando há o compartilhamento de sentido das ações sociais com a criação de um comportamento reciprocamente referido, surge a relação social, também passível de análise. O autor afirma que embora o objeto das Ciências Sociais se encontre dentro da esfera de valores e em premissas subjetivas, o cientista social não está, por isso, condenado a produzir um saber puramente valorativo e sem neutralidade. A partir de tal constatação, Weber (1999) apresenta o problema da objetividade das Ciências Sociais, apontando sua superação por meio de critérios metodológicos claros. É possível alcançar conclusões objetivamente válidas no terreno das Ciências Sociais quando os juízos de valor são identificados e excluídos do discurso científico e quando se cumpre

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a verificação empírica das preposições formuladas. Logo, a posição epistemológica de Weber vai se delineando por duas condições fundamentais. A primeira refere-se à distinção entre relação com valores e juízos de valor. Com isso, entende-se a relação com valores como um instrumento analítico por meio do qual o cientista realiza a seleção do objeto a ser estudado. A partir da relação com valores recorta-se a realidade, efetivando-se, também, uma triagem entre os elementos essenciais ou acessórios, definindo a unidade do problema e destacando o objeto mediante sua significação cultural. Pois o objetivo das formulações weberianas é “tão somente tornar mais inteligíveis à nossa percepção certos aspectos, a saber, os que permitem extrair significações históricas nos limites da pesquisa, definidas pela relação com os valores” (FREUND, 1987, p.103). Já os juízos de valor são elementos de posição política e moral do cientista, comprometem a neutralidade da análise por se destacarem enquanto juízos parciais da esfera do “deve ser”. A segunda posição epistemológica de Weber diz respeito à importância da comprovação empírica das hipóteses, sendo essencial validar cientificamente o fenômeno estudado por meio do teste empírico e mediante a explicação causal (WEBER, 1991). Como apresentado, toda a objetividade do conhecimento nas Ciências Sociais somente é alcançada através de recursos metodológicos. O maior recurso garantidor de tal objetividade é a construção dos tipos ideais, representados por um [...] quadro do pensamento [que] reúne determinadas relações e acontecimentos da vida histórica para formar um cosmos não contraditório de relações pensadas. Pelo seu conteúdo, essa construção reveste-se do caráter de uma utopia, obtida mediante a acentuação mental de determinados elementos da realidade [...]. Obtém-se um tipo ideal mediante a acentuação unilateral de um ou vários pontos de vista, e mediante o encadeamento de grande quantidade de fenômenos isoladamente dados, difusos e discretos, que se podem dar em maior ou menor número ou mesmo faltar por completo, e que se ordenam segundo os pontos de vista unilateralmente acentuados, a fim de se formar um quadro homogêneo de pensamento. Torna-se impossível encontrar empiricamente na realidade esse quadro [...]. A atividade historiográfica defronta-se com a tarefa de determinar, em cada caso particular, a proximidade ou o afastamento entre a realidade e o quadro ideal (WEBER, 1999, p.105-6).

Dessa forma, o sentido das ações sociais investigado pelo sociólogo é possibilitado pela construção científica do método tipológico. Como aplicação de toda a problematização metodológica anterior, este ensaio busca refletir acerca da tipologia weberiana em sua Teoria da

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Estratificação Social, bem como apontar a revisão das ideias de Weber feita por autores contemporâneos que abordam a referida temática. 2. TEORIA DA ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL Como já apresentado, o sentido levado à atividade social, embora dotado de personalismo, é orientado pelo comportamento/conduta de outros. Freund (1987, p.90) destaca que a relação social é “o comportamento de uma pluralidade de indivíduos que, pelo conteúdo significativo de suas atividades, regulam sua conduta reciprocamente uns pelos outros”. Nesta direção, pode-se transpor as ponderações de Freund (1987) para as categorias da estratificação social, entendendo que o sentido levado pelos indivíduos às relações baseadas na estratificação são comuns e compartilhados, legitimando a hierarquia. Existem diversas razões para se ingressar em uma relação de convívio, a qual é orientada por princípios referentes à estratificação e suas normas. O modo como os indivíduos estão organizados socialmente requer o compartilhamento de relações sociais, ou seja, o entendimento mútuo da coerência do esquema de estratificação faz com que o sentido de tais princípios seja comungado pela coletividade envolvida neste arranjo estrutural. Assim, a estratificação é a maneira pela qual os indivíduos se reproduzem socialmente e, de acordo com Weber (1974), toda a discussão relativa à estratificação social requer, inicialmente, atenção ao conceito de poder. Entende-se “por poder a possibilidade de que um homem, ou um grupo de homens, realize sua vontade própria numa ação comunitária até mesmo contra a resistência se outros que participam da ação” (WEBER, 1974, p.211). Portanto, o modo de estruturação de qualquer ordem social influencia a distribuição de poder, econômico ou outro, dentro dos limites de cada sociedade. A estrutura social não se organiza apenas ao nível econômico, mas também em termos do poder. Logo, não é somente o poder advindo de fatores econômicos que determina o tipo de estratificação social encontrado nas diversas sociedades, pois a luta pelo poder também é orientada pelas honras e prestígios sociais trazidas por ele. Existem contextos nos quais a honra é que está na base do poder político ou mesmo econômico.

Weber (1974, p.212) afirma que [...] a forma pela qual as honras sociais são distribuídas numa comunidade, entre grupos típicos que participam nessa distribuição, pode ser chamada de “ordem social”. Ela e a ordem econômica estão, decerto, relacionadas da mesma forma

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com a “ordem jurídica”. Não são, porém, idênticas. A ordem social é, para nós, simplesmente a forma pela qual os bens e serviços econômicos são distribuídos e usados. A ordem social é, decerto, condicionada em alto grau pela ordem econômica, e por sua vez influi nela.

A estruturação do poder e a produção econômica possibilitam a classificação das sociedades e a avaliação do grau de mobilidade social encontrado nelas. Dessa forma, conclui-se que castas, “classes, estamentos e partidos são fenômenos da distribuição de poder dentro de uma comunidade” (WEBER, 1974, p.212), elementos esses que serão analisados a seguir. 2.1. CASTA A reflexão em torno das castas remete-se ao exemplo imediato da Índia. O sistema de castas, com seus direitos e deveres envolvidos, é a instituição fundamental do hinduísmo, embora nem toda casta seja hindu, pois entre os maometanos e budistas também existem castas. A determinação da posição social de cada casta é dada pela distância social e mágica em relação às demais, sendo uma configuração histórico-estrutural particular explicável quando se acentuam categorias analíticas como religião, cor, raça, linhagem, hereditariedade, ocupação. Todos esses preceitos predominam no pensamento e nas ações dos que vivem sob tal padrão de estratificação (WEBER, 1972). Na conceituação de casta deve-se considerar os elementos sagrados e religiosos, além do conjunto de usos, costumes, símbolos, signos sociais e regras ritualísticas que fornecem o sentido mentado das ações e relações sociais. As castas possuem características típico-ideais definidoras, a saber: uso de instrumentos mágico-religiosos, costumes profundamente arraigados, preponderância da produção artesanal de bens e valorização da qualidade ao invés do lucro. Na sociedade de castas a ação dos grupos está submetida à vontade divina e a conduta está prescrita por deuses, sendo que a socialização é feita por meio da coerção religiosa com a imposição da “vontade divina”. Há, ainda, um conjunto de normas e regras sociais relacionadas à comensalidade e padrões dietéticos. Os costumes são transmitidos de geração para geração sem alterações significativas em tal transmissão, tornando a casta, grosso modo, como uma espécie de protótipo invariável (WEBER, 1974). As castas não são definidas pela existência de territórios fixos a cada uma delas, diferentemente das tribos e guildas, mas os membros vivem, em grande parte, segregados em vilas. Toda casta se subdivide em subcastas com posições sociais distintas. Não são associações políticas e sim associações sociais influenciadas por questões religiosas (WEBER, 1972).

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A distinção entre elementos puros e impuros é essencial para a compreensão da distância entre castas. Com isso, uma série de pessoas e alimentos proibidos é tida como impura para determinadas castas, outra série de elementos são permitidos e, simultaneamente, puros. Em muitos casos, o contato físico entre castas hierarquicamente diferentes é considerado como um ritual poluidor. É por isso que [...] uma completa fraternização das castas foi – e é – impossível, porque constitui um dos princípios das mesmas que deve haver barreiras, pelo menos ritualmente, invioláveis [...]. Se um membro de casta inferior apenas olha a refeição de um Brâmane, este fica ritualmente poluído (WEBER, 1972, p.144).

A impossibilidade de solidariedade e fraternização entre as castas ocasiona tensões enormes entre elas, com práticas reais de hostilidade e estranheza orientadas pelas posições sociais. Com isso, os hábitos das castas podem identificá-las enquanto um grupo fechado de status, como provam os casamentos e uniões realizados somente entre indivíduos de mesma origem dentro do sistema de castas. Não há mobilidade social via casamento ou via qualquer outro recurso, como são hereditárias, as posições de castas são determinadas pelo nascimento. 2.2. ESTAMENTO Tal como as castas, os estamentos também não são definidos somente ao nível da apropriação

econômica

do

poder.

Categorias

sócio-culturais

como

tradição,

linhagem,

vassalagem, honra e prestígio estão presentes na orientação das relações e das classificações de seus membros. Sendo assim, considerar os elementos citados é fundamental para a conceituação típico-ideal do estamento. A sociedade estamental se efetiva pelos grupos de status, os quais são determinados por uma estimativa específica da honra e se estratificam pela usurpação dessa honraria, ditando regras quanto ao estilo/tom de vida aos pertencentes de um mesmo círculo. O Feudalismo seria um exemplo direto desse modelo de organização social (WEBER, 1974). A estratificação dos estamentos relaciona-se com o monopólio de bens ou oportunidades materiais e ideais, ou seja, a propriedade torna-se uma regularidade que influencia as qualificações estamentais, garantindo restrições ao relacionamento social. “Essas restrições podem limitar os casamentos normais ao círculo de status e podem levar a um completo fechamento endogâmico” (WEBER, 1974, p.220). O conjunto de direitos e deveres, inerente aos estamentos, fundamenta hierarquias. As distinções são mantidas por convenções ou leis que garantem aos grupos de status privilégios e

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monopólios. “Existe monopólio desde que o agrupamento impõe um fechamento, em limites variáveis, com vistas a aumentar as oportunidades de sua atividade contra os que ficam do lado de fora” (FREUND, 1987, p.115). Contudo, diferentemente das castas, a sociedade estamental permite, mesmo de modo bastante reduzido, algum nível de mobilidade social com ascensões verticais. Os grupos de status se condensam em comunidades e são ou não contemplados com o status social. Aqueles que o possuem usufruem-no no presente por serem considerados “dignos” para tal, já os grupos com prestígio reduzido, entendem esse descrédito como uma dignidade posterior que Deus proverá. O sentimento de dignidade que caracteriza os estamentos positivamente privilegiados relaciona-se, naturalmente, com seu “ser” que não transcende a si mesmo, isto é, relaciona-se com sua “beleza e excelência”. Seu reino é “deste mundo”. Vivem para o presente e explorando seu grande passado. O senso de dignidade das camadas negativamente privilegiados naturalmente se refere a um futuro que está além do presente, seja desta vida ou de outra. Em outras palavras, deve ser nutrido pela crença numa “missão” providencial e por uma crença numa honra específica perante Deus (WEBER, 1974, p.222).

A noção de estima pelo trabalho acarreta desqualificação de alguns grupos entre as sociedades estratificadas via estamentos. Sendo assim, efeitos econômicos interferem na organização de tais sociedades, pois “a desqualificação frequente das pessoas que se empregam para ganhar um salário é resultado direto do princípio de estratificação estamental” (WEBER, 1974, p.224). Segundo Weber (1974), a estratificação por estamentos tende a ser favorecida quando as bases da aquisição e distribuição de bens são mantidas de modo estável. Contudo, quando as transformações econômicas, advindas de processos tecnológicos, modificam a dinâmica de tais bases, a situação de classe (como apresentado a seguir) passa a ser evidenciada em relação aos grupos de status. “E toda diminuição no ritmo de mudanças nas estratificações econômicas leva, no devido tempo, ao aparecimento de organizações estamentais e contribui para a ressurreição do importante papel das honras sociais” (WEBER, 1974, p.226). 2.3.CLASSE Diferentemente dos estamentos, não se pode entender classe como comunidade. A classe é definida por um número de pessoas que comungam, em suas oportunidades de vida, um mesmo componente causal específico. Esse componente é exclusivamente representado por

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interesses de cunho econômico da posse de bens, das oportunidades de renda, das condições do mercado de produtos e do mercado de trabalho. Dessa forma, é criada uma mesma [...] situação de classe, que podemos expressar mais sucintamente como a oportunidade típica de uma oferta de bens, de condições de vida exteriores e experiências pessoais de vida, e na medida em que essa oportunidade é determinada pelo volume e tipo de poder, ou falta deles, de dispor de bens ou habilidades em benefício de renda de uma determinada ordem econômica. A palavra classe refere-se a qualquer grupo de pessoas que se encontram na mesma situação de classe (WEBER, 1974, p.212).

A situação de classe é, então, definida pelo tipo de propriedade utilizada para a obtenção do lucro e pelos tipos de serviços oferecidos no mercado. Logo, as categorias básicas que a orientam são proprietários e não-proprietários. Como o fator que cria a classe é um interesse econômico claro vinculado à existência no mercado, a “situação de classe, nesse sentido, é, em última análise, situação no mercado” (WEBER, 1974, p.214).

Simplificando, poderíamos dizer, assim, que as classes se estratificam de acordo com suas relações com a produção e aquisição de bens; ao passo que os estamentos se estratificam de acordo com os princípios de seu consumo de bens, representado por estilos de vida especiais (WEBER, 1974, p.226).

Weber (1991) também estabelece uma tipologia da classe, destacando três tipos singulares, tais sejam: a.

Classe proprietária, na qual as diferenças de propriedades determinam a situação

de classe. Existem classes proprietárias positivamente privilegiadas, detentoras de uma série de monopólios relativos à venda de produtos, à formação de poupança, à constituição de patrimônios, à possibilidade de se viver de rendas. Mas também são encontradas classes proprietárias negativamente privilegiadas, que se firmam como objetos de propriedade, como servos, devedores, pobres. b.

Classe lucrativa, possibilitada por meio da valorização de bens e serviços no

mercado, pela direção da produção. Os que fazem parte da classe lucrativa positivamente privilegiada

são

empresários,

comerciantes,

agro-negocistas,

industriais,

banqueiros

e

profissionais liberais como médicos, advogados e artistas. Já os trabalhadores qualificados, semi-

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qualificados ou não-qualificados, são considerados como pertencentes à classe lucrativa negativamente privilegiada. Entre os positivamente privilegiados e os negativamente privilegiados, tanto da classe proprietária, quanto da classe lucrativa, encontram-se as classes médias, formadas por indivíduos com pequenas propriedades ou qualidades de educação, camponeses, artesãos independentes, funcionários públicos ou privados. c.

Classe social, forjada por critérios pessoais ou geracionais. São membros desta

classe a pequena burguesia e o proletariado (WEBER, 1991). Por se tratar de uma construção típico-ideal, as classes se convergem e garantem aos seus representantes o intercâmbio entre elas. Indivíduos da classe lucrativa podem também pertencerem à classe social. Aqui não há a fixação ou a rigidez de posições determinadas. O fluxo social entre uma classe e outra é possibilitado pela própria condução analítica weberiana. Como a classe é definida, em última instância, por interesses econômicos, só existem lutas de classes de acordo com ações comunitárias de indivíduos em mesma situação de classe, em busca de melhores acessos ao mercado. Ou seja, a guerra de preços, de salários, de produtos e condicionantes do mercado são os reais determinantes das lutas de classes (WEBER, 1974). 2.4. PARTIDO Se os estamentos estão sob a égide da ordem social e as classes sob a perspectiva da ordem econômica, os partidos estão relacionados ao signo do poder. Buscam a aquisição de poder social para influenciarem a ação comunitária dos grupos envolvidos. Para tanto, possuem metas relacionadas a causas como a concretização de um programa com finalidades ideais ou matérias coletivas ou metas pessoais (WEBER, 1974). Os partidos são possíveis apenas dentro de comunidades de algum modo socializadas, ou seja, que tem alguma ordem racional e um quadro de pessoas prontas a assegurá-las, pois os partidos visam precisamente a influenciar esse quadro, e, se possível, recrutá-lo entre seus seguidores (WEBER, 1974, p.227).

3. ATUALIZANDO O PENSAMENTO WEBERIANO Marcados os conceitos típico-ideais de casta, estamento, classe e partido, a atualização do pensamento de Weber indica que suas reflexões, acerca da estratificação social, permanecem em voga por meio de autores contemporâneos que apontam limites e incluem novas perspectivas ao debate.

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O levantamento e a sistematização dos elementos definidores destes conceitos requer o confronto de tais informações com o empiricamente dado, revelando validades e/ou falhas nos tipos ideais elaborados. Logo, a teoria weberiana se constrói numa contínua revisão. Como destaca Sedi Hirano, estudioso da Universidade de São Paulo vinculado à Sociologia, o sentido ou a significação histórica dos fenômenos observados é atribuído metodologicamente pelo investigador, por meio da seleção de elementos considerados essenciais. É segundo essa concepção que são estabelecidos os tipos ideais abstratos, jogando com alternativas (probabilidades analíticas) referentes à configuração social do objeto (HIRANO, 1975). Desse modo, existem duas séries de fenômenos na concepção de Weber, os ideais (construídos abstratamente) e os reais (observados empiricamente), é na comparação ou no confronto das duas séries que reside a compreensão de eventos históricos com sentido relativos à ordem social, econômica ou do poder, como no caso da estratificação (HIRANO, 1975). É por isso que o entendimento da estratificação social, como recurso analítico construído pela abstração de categorias, requer a revisão inicial do modo como operam as máximas da Sociologia Compreensiva de Weber. 3.1. APONTAMENTOS SOBRE AS CASTAS Feito isso, a questão de fundo apresentada por Hirano (1975) no que tange ao sistema de castas é sua sistemática oposição ao sistema capitalista. Para o autor existe um conjunto de “normas sociais culturalmente significativas às castas” (HIRANO, 1975, p.29) que estão associadas com princípios religiosos de direitos e deveres ritualísticos. Fatores tais que identificam as castas como uma modalidade de estratificação social pré-capitalista. Assim, o fator típico construído metodologicamente para o conceito de casta é seu caráter sagrado-religioso, no que concerne um código de rituais. A primazia de critérios religiosos na configuração social das castas, faz com que esse sistema de estratificação não se adeque aos moldes da empresa capitalista. “A implantação desta forma racional de exploração das atividades econômicas ocorre por meio da ação de um país economicamente desenvolvido em termos capitalistas” (HIRANO, 1975, p.126). Ou seja, há um elemento irracional nas formas de exploração econômicas dentro do sistema de castas. O que endossa essa análise de distinção entre regime de acumulação capitalista e sistema de castas é a problematização em torno do trabalho nas castas, o qual é entendido como determinado mediante ordenamentos divinos. Apontando para esse caráter estanque entre capitalismo e castas, Hirano (1975, p.27) destaca:

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[...] num e noutro caso, as contraposições são as que se seguem: a) uma maior especialização e aperfeiçoamento artesanal em detrimento da produtividade e de uma maior racionalização na divisão social do trabalho; b) penetração dos elementos mágico-religiosos essencialmente tradicionalistas em oposição ao racionalismo, ou seja, a atividade econômica no sistema de castas é uma vocação imposta por deuses específicos e não uma resultante de uma ação visando valores ou fins racionais animados pela compensação ou consecução de interesses; c) numa ocorre a valorização da qualidade, noutra a exploração econômica com aperfeiçoamento tecnológico visando essencialmente uma economia lucrativa racional; d) em suma, pela consagração religiosa, e ainda, por seu espírito e por suas hipóteses, a chave estrutural desta delimitação do conceito de castas é a sagração de cada ação social produtiva como sendo resultante, em termos de imputação causal, de uma vocação (predestinação) profissional adscrita pela religião.

Contudo, Hirano (1975) não hesita em ressaltar que embora estanques, o capitalismo e sistema de castas, podem coexistir em casos singulares de formação social, como na própria Índia. Todos os outros tipos de formações sociais e mais especificamente o capitalismo moderno, teoricamente, em termos weberianos, são incompatíveis com o sistema de castas. Não elimina, por outro lado, a possibilidade de coexistência, desde que se importe da Europa o mecanismo acabado do capitalismo, no sentido cultural (HIRANO, 1975, p.29).

Como o tipo ideal não é encontrado na realidade em sua plenitude, ou em sua pureza conceitual, as configurações de castas permitem tal verificação. 3.2. REVISANDO OS ESTAMENTOS A problematização referente à sociedade estamental passa por uma abordagem bastante interessante, do ponto de vista de Hirano (1975). Conforme o autor, Weber chega a considerar a transformação do estamento em casta. Assim, quando os estamentos realizam em todos os níveis suas consequências, transfiguram-se em uma casta fechada. “Nesse momento as distinções estamentais, além de serem asseguradas pelas convenções e leis, o são também pelos rituais sagrados” (HIRANO, 1975, p.127).

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Outro aspecto essencial da revisão teórica contemporânea sobre os estamentos, diz respeito à não vinculação deles, tal como entre as casta, com as categorias típicas do capitalismo moderno. Nesse sentido, alguns tipos específicos de configuração capitalista como o capitalismo comercial, o de arrendamento de tributos e de arrendamento e venda de cargos, o de subministração ao Estado e de financiamentos de guerras e o capitalismo colonial e de plantação, podem ser, de modo típico-ideal, encontrados entre as sociedades estratificadas por estamentos. Porém, características típicas e centrais ao capitalismo moderno como “a empresa lucrativa sensível em grau máximo às irracionalidades da justiça, da administração e da tributação, e orientada pela situação de mercado dos consumidores com capital fixo e organização racional do trabalho livre” (HIRANO, 1975, p.41) não são observadas nos estamentos. 3.3. SOFISTICANDO O PENSAMENTO DE WEBER: AS ANÁLISES DE WRIGHT MILLS O sociólogo norte-americano Wright Mills (1916 - 1962) apresenta como uma de suas principais temáticas de estudo, ao lado da teoria das elites, o fenômeno da chamada nova classe média. Autor de inspiração weberiana, Mills (1979) estabelece distinções entre os trabalhadores de colarinhos-brancos (pertencentes à nova classe média) e os trabalhadores de macacão azul (representados pelos operários). Mediante suas análises é possível revisar e sofisticar as noções de Weber sobre estratificação e as categorias de classe, status e poder. Os colarinhos-brancos são formados por um tipo específico de trabalhador com hábitos sociais, econômicos e políticos caracterizando uma nova classe média. A ampliação do número de trabalhadores com funções diferenciadas em relação aos trabalhos manuais fomenta o surgimento dos colarinhos-brancos, relacionados a um status diferenciado por serem tipicamente vinculados às funções de escritório, ao trabalho intelectual, com a possibilidade de mobilidade e com certo grau de autonomia. Em contrapartida, os trabalhadores manuais se condensariam entre os operários fabris, com baixa ascensão e sem condições de autonomia perante o processo de produção. A nova classe média é formada por ex-profissionais liberais autônomos, que se tornam assalariados ao longo do tempo e novos profissionais que surgem com o desenvolvimento econômico, como técnicos, comerciários, professores; todos eles evocam diferentes práticas de consumo, moradia, lazer (MILLS, 1979). Mills (1979) chega à conclusão de que a classe trabalhadora é heterogênea e que existem lugares intermediários entre as classes polares do proletariado e da burguesia. O comportamento diferenciado dos colarinhos-brancos evidencia a nova classe média, a qual apresenta como

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elemento motivador de suas ações o prestígio e o status, dessemelhantes em relação aos demais trabalhadores. A Sociologia das ocupações é indispensável no entendimento da nova classe média, pois ela deriva de uma passagem da posse de propriedades para a não-propriedade, em termos negativos; e da passagem da estratificação baseada na propriedade para uma estrutura orientada pela ocupação, em termos positivos (MILLS, 1979). Atualmente, as possibilidades de venda de serviços pessoais no mercado de trabalho determinam a vida da maior parte dos indivíduos pertencentes à classe média. Ou seja, “a situação de classe, em seu sentido mais simples e objetivo depende do momento e da fonte de renda” (MILLS, 1979, p.91). O fenômeno dos colarinhos-brancos possibilita uma revisão significativa dos termos weberianos da estratificação, ao revelar a complexa associação entre os conceitos de classe, status e poder. A posição/ocupação no mercado, no caso da nova classe média, faz a síntese e a inter-relação desses conteúdos, sendo “impossível defini-los com precisão a partir de um critério isolado de estratificação, seja a especialização, função, classe, status ou poder. Eles geralmente estão nos níveis médios de cada uma dessas dimensões” (MILLS, 1979, p.95). Diretamente nas palavras do autor, usa-se [...] como critério para delimitar a classe média os seus tipos de empregos, mas esse conceito implica também diferentes modos de classificar as pessoas quanto à sua posição social. Como atividades específicas, as ocupações vinculam diferentes tipos e níveis de especialização e seu exercício preenche determinadas funções dentro de uma divisão industrial do trabalho. [...] como fontes de renda, as ocupações estão ligadas à situação de classe, e como normalmente elas acarretam uma certa dose de prestígio, são também relevantes para o status do indivíduo. Implicam também determinados graus de poder sobre os outros, ou diretamente num emprego ou indiretamente em outras áreas da vida social. As ocupações, portanto, estão vinculadas à classe, status e poder, assim como à especialização e função, para compreender as ocupações que integram a nova classe média, devemos analisá-las em cada uma dessas dimensões (MILLS, 1979, p.91).

Nesse sentido, Weber (2006) indica que a emergência do capitalismo, entendido como cultura e não como modo de produção, possibilitou que um espírito capitalista peculiar se desenvolvesse entre os protestantes. O racionalismo econômico, com o uso disciplinado do dinheiro, garantiu uma nova mentalidade ou um novo ethos econômico expresso em um estilo de vida.

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A vivência do capitalismo na condução metódica e cotidiana das vidas, ou seja, a vivência de um estilo de vida capitalista garante critérios também para a estratificação social. Como apresentado nas sessões anteriores deste ensaio, os estamentos ditam regras quando ao tom da vida, as associações de classe também, pois indivíduos em mesma situação de classe, com componentes causais comuns no mercado, evocam hábitos sociais semelhantes (WEBER, 2006). Toda a problematização weberiana acerca da racionalização econômica advinda de preceitos da teologia protestante e garantindo um modo de vida singular, conflui com a abordagem precedente de Mills (1979) que vincula à nova classe média os preceitos de classe, status e poder. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora o estudo weberiano sobre estratificação tenha raízes evidentemente sociológicas, ao passo que o próprio Weber reivindica tal posição, suas análises, especialmente acerca da classe, vem sendo utilizadas em maior grau pela Economia e não pela Sociologia. A crítica feita a Karl Marx, e aos próprios marxistas, de que a tese da bipolarização social, na qual proletariado se encontraria num extremo e burguesia no outro, faria um reducionismo analítico dos determinantes da estratificação social às posições econômicas ocupadas no processo de produção há muito vigora entre interpretes e comentadores. Contudo, toda a apresentação da ideia da bipolarização social foi sendo aprimorada com a percepção de que os antagonismos e contradições vividos no modo de produção capitalista permeiam o Estado e as classes sociais, o que requer uma compreensão dialética de tais categorias. Assim, o próprio Marx (1986) forja a noção de “fração” para resolver o problema da não homogeneidade das classes polares. Há, então, o reconhecimento pela teoria marxista de que simplesmente as relações econômicas estabelecidas pelos indivíduos não dão conta de orientar a posição de classe que eles possuem. Além da repercussão ideológica da posição econômica que se ocupa, a incorporação de outras relações sociais e políticas também passam a ser evidenciadas nesse processo de orientação da estratificação (MARX, 1986). A crítica feita aos marxistas pode ser delegada ao próprio Weber (1974), quando ele destaca, em sua tipologia sobre classe, diretamente o nível das relações e estruturas de apropriação econômica e dominação política, ou seja, os mecanismos de poder político que legitimam as formas de apropriação. Há explicitamente o predomínio do econômico perante outras categorias de explicação, como a própria religião. A classe passa a ser entendida como “uma socialização de interesse em razão da situação em que se encontram indivíduos que julgam ter

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uma posição exterior e um destino comum, porque dispõem ou não do poder sobre os bens econômicos” (FREUND, 1987, p.124). Desse modo, a situação de classe é diretamente marcada pela situação no mercado. Tudo isso faz os estudos econômicos, e não os sociológicos, absorverem com maior relevo este debate weberiano. O desafio para analistas da estratificação social é sempre atentar-se para controvérsias desse tipo, apontando limites e avanços das reflexões clássicas. As problematizações weberianas de casta, estamento, classe e partido podem orientar os estudos, desde que o cuidado com a operacionalização dos conceitos típico-ideais se torne constante. Weber foi e continuará sendo uma referência significativa da Sociologia e também em outras áreas do conhecimento, pois esteve preocupado com a compreensão de aspectos relevantes da realidade social e dos fenômenos dotados de sentido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987. HIRANO, Sedi. Castas, estamentos e classes sociais em Marx e Weber. São Paulo: AlfaÔmega, 1975. MARX, Karl. O dezoito brumário de Luís Bonaparte. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. MILLS, Wright. A nova classe média. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979. SAINT-PIERRE, Héctor. Max Weber: entre a paixão e a razão. São Paulo: Unicamp, 1994. WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. ______. A objetividade do conhecimento nas ciências sociais. In: COHN, Gabriel (Org.). FERNANDES, Florestan (Coord.). Weber - Sociologia. Coleção Grandes Cientistas Sociais, 13. São Paulo: Ática, 1999, p. 79-127. ______. Classe, estamento, partido. In: GERTH, Hans e MILLS, Wright (Org.). Max Weber Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974, p. 211-228. ______. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991, v1. ______. O conceito de casta. In: IANNI, Octávio (Org.). Teorias da estratificação social: leituras de sociologia. São Paulo: Editora Nacional, 1972, p. 136-163.

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P o l í t i c a

I n t e r n a c i o n a l

INTERFACES INTERDISCIPLINARES NA POLÍTICA INTERNACIONAL: BREVES CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE A CRISE DO REALISMO E A EMERGÊNCIA DE NOVOS CONCEITOS

LEONARDO QuEIROz LEITE -



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INTERFACES INTERDISCIPLINARES NA POLÍTICA INTERNACIONAL: BREVES CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE A CRISE DO REALISMO E A EMERGÊNCIA DE NOVOS CONCEITOS Leonardo Queiroz Leite

RESUMO: Esse trabalho tem por objetivo apresentar algumas discussões teóricas que compõem o campo da Política Internacional e das Relações Internacionais. Dessa maneira, tentaremos compreender o diálogo da Política Internacional com as muitas perspectivas interdisciplinares que permeiam essa esfera, propondo-se a explorar e a analisar a relação da crise do realismo teórico com os chamados “novos temas” com outros importantes aspectos das Relações Internacionais como, por exemplo, a segurança internacional e seu nexo crítico com os problemas ambientais globais. O trabalho aborda o debate conceitual sobre o alargamento do alcance operacional do conceito de segurança internacional, o qual passa a abarcar várias variáveis até então marginalizadas no debate teórico desse campo, tomando como base do pensamento de Barry Buzan. Portanto, buscar-se-á explicar como a segurança internacional opera em estreita relação de complementaridade com as várias esferas que compõem as relações internacionais, explorando algumas perspectivas teóricas importantes que tocam nessa questão. Serão igualmente apresentadas algumas considerações à luz do pensamento de Fred Halliday, ressaltando a importância da atuação dos novos atores sociais nas Relações Internacionais e destacando a importância da atuação desses novos protagonistas em questões transnacionais. Em suma, buscar-se-á esclarecer que os novos temas e, em especial o meio ambiente, passaram a representar elementos estratégicos das Relações Internacionais do período pós Guerra Fria, conforme evidencia a preocupação do próprio Conselho de Segurança da ONU com as questões ambientais e as várias cúpulas promovidas pela ONU e pelos Estados para tentar buscar soluções viáveis que conciliem meio-ambiente, desenvolvimento econômico e interesses políticos. PALAVRAS-CHAVE:

Política

Internacional;

Crise

do

Realismo;

Teoria

das

Relações

Internacionais; Segurança Internacional; Novos Temas nas Relações Internacionais.

INTERDISCIPLINARY LINKS IN INTERNATIONAL POLITICS: BRIEF THEORETICAL CONSIDERATIONS ABOUT THE CRISIS OF REALISM AND THE EMERGENCE OF NEW CONCEPTS

ABSTRACT: This work presents some theoretical discussions in the field of International Politics and International Relations. Thus, we try to understand the dialogue of International Politics with the many interdisciplinary perspectives that permeate this sphere, proposing to explore and analyze the relationship of the crisis of theoretical realism with the so-called "new issues" with other important aspects of international relations as for example, international security and its connection with critical global environmental problems. The paper deals with the conceptual debate on extending the operating range of the concept of international security, which shall

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encompass several variables hitherto marginalized in theoretical debates in this field, based on the thought of Barry Buzan. Therefore, it will seek to explain how international security operates in close complementary relationship with the various spheres that make up international relations, exploring some theoretical perspectives that touch on this important issue. Some considerations in the light of the thought of Fred Halliday will be presented, emphasizing the importance of the role of new social actors in international relations and the importance of the performance of these new actors in transnational issues. In short, we will seek to clarify that the new issues and in particular the environment, came to represent the strategic elements of the International Relations of the post Cold War period, as evidenced by the concern of the Security Council UN environmental issues and the various summits organized by the UN and the states to try to find workable solutions that balance environmental, economic and political interests. KEYWORDS: International Politics; Realism crisis; International security; International Relations Theory; New issues in International Relations

INTRODUÇÃO

Esse trabalho tem por objetivo apresentar algumas discussões teóricas que compõem o campo da Política Internacional e das Relações Internacionais. Dessa maneira, tentaremos compreender o diálogo da Política Internacional com as muitas perspectivas interdisciplinares que permeiam essa esfera, propondo-se a explorar e a analisar a relação da crise do realismo teórico com os chamados “novos temas” com outros importantes aspectos das Relações Internacionais como, por exemplo, a segurança internacional e seu nexo crítico com os problemas ambientais globais. O trabalho aborda o debate conceitual sobre o alargamento do alcance operacional do conceito de segurança internacional, o qual passa a abarcar várias variáveis até então marginalizadas no debate teórico desse campo, tomando como base do pensamento de Barry Buzan. Portanto, buscar-se-á explicar como a segurança internacional opera em estreita relação de complementaridade com as várias esferas que compõem as relações internacionais, explorando algumas perspectivas teóricas importantes que tocam nessa questão. Serão igualmente apresentadas algumas considerações à luz do pensamento de Fred Halliday, ressaltando a importância da atuação dos novos atores sociais nas Relações Internacionais e destacando a importância da atuação desses novos protagonistas em questões transnacionais. Em suma, buscar-se-á esclarecer que os novos temas e, em especial o meio ambiente, passaram a representar elementos estratégicos das Relações Internacionais do período pós Guerra Fria, conforme evidencia a preocupação do próprio Conselho de Segurança da ONU com as questões ambientais e as várias cúpulas promovidas pela ONU e pelos Estados para tentar buscar soluções viáveis que conciliem meio-ambiente, desenvolvimento econômico e interesses políticos.

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PARTE I – O FIM DA GUERRA FRIA E AS MUDANÇAS ANALÍTICAS NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS SOB A PERSPECTIVA TEÓRICA DA CRISE DO REALISMO Com o fim do sistema internacional bipolar e com o advento de uma nova ordem mundial pós-Guerra Fria, inaugurou-se uma crise de identidade do realismo, que passou a não mais conseguir explicar uma série de acontecimentos que ganharam cada vez mais espaço com os fim das polaridades, como por exemplo, a aumento vertiginoso da interdependência econômica, a globalização e suas contradições flagrantes, o conflito norte-sul e a complexa problemática do desenvolvimento dos países recém libertos do neo-colonialismo. Logo, é necessário que se faça uma breve contextualização da referida época a fim de que se possa explicar esse período de transição: o surgimento de muitos Estados após a descolonização afro-asiática, a crescente relevância de temas que iam além das preocupações no âmbito militar, a revolução da informação aliada à incorporação de atores não governamentais às relações internacionais deram grande fôlego à corrente institucionalista liberal em contraposição ao realismo predominante entre os analistas do período da Guerra Fria. O fato de a teoria dos liberais ter ganhado credibilidade à época deve-se ao desenvolvimento de uma densa rede de instituições internacionais que, aliada à crescente interdependência global que se deu após a Segunda Guerra Mundial, abriu caminho para a preponderância do “soft power” sobre o “hard power”. Nesse contexto, emerge com grande vigor a Teoria da Interdependência Complexa, proposta por Robert Keohane e Joseph Nye, a qual enxerga as relações internacionais como sendo protagonizada por uma grande variedade de atores, tais como organizações internacionais, organizações não-governamentais, opinião pública, mídia, empresas multinacionais etc, sendo o Estado apenas um dos atores. Ademais, tal proposta teórica defende a existência de uma agenda múltipla e diversa, a ausência de hierarquias entre os temas da agenda, a porosidade cada vez mais evidente entre o doméstico e o internacional, e a utilidade decrescente do uso da força, uma vez que a interdependência e os laços econômicos cada vez mais estreitos virtualmente excluem a utilização do poder militar para fins bélicos. A corrente institucionalista liberal impõe certos questionamentos fundamentais à abordagem realista, uma vez que esta se mostra incapaz de compreender e explanar eficazmente as

relações

internacionais,

não

levando

em

conta

as

implicações

determinantes

da

interdependência na condução da política internacional. O neoinstitucionalismo liberal compreende e explica o período pós Guerra Fria com mais desenvoltura e precisão porque considera os desafios da nova agenda política internacional, tais

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como a criação de um mercado financeiro global, a ação determinante das grandes corporações multinacionais e a atuação crucial das organizações internacionais no sentido de promover a cooperação e a negociação como formas de solucionar conflitos. O neo-realismo, que em oposição argumenta que as instituições internacionais simplesmente refletem os interesses de poder entre os Estados, sendo os arranjos institucionais somente úteis quando os interesses nacionais forem satisfeitos. Assim, essa corrente teórica sustenta que as instituições internacionais são simplesmente um resultado dos cálculos de poder baseados nos interesses individuais dos Estados. Além disso, a perspectiva neo-realista lança um olhar cético sobre a cooperação, apontando a preocupação constante com os ganhos relativos dos outros atores e inquietação com a possibilidade de traição e não cumprimento dos acordos como os maiores entraves ao comportamento cooperativo dos Estados. Ou seja, a cooperação tem limites bem estreitos de acordo com o neo-realismo, sendo constrangida pela lógica dominante da competição pela segurança. (MEARSHEIMER, 1994). Em suma, de acordo com a concepção neo-realista, pode-se afirmar que enquanto os Estados estiverem preocupados com a sua sobrevivência e dotados de capacidades próprias para tal, é inócuo falar em institucionalização das relações internacionais e em uma ordem cooperativa global. Assim sendo, para que se compreenda devidamente tal crise do paradigma realista, é de fundamental importância destacarmos a preponderância que o chamado “soft power” passou a ter sobre o “hard power”. A relevância que os temas de “low politics” adquire nesse período realça a importância de temas relacionados à economia, meio-ambiente e desenvolvimento, em contraste com a ênfase nas áreas de segurança e defesa e temas político-militares tão recorrentemente privilegiados durante todo o século XX. Assim sendo, no âmbito da segurança internacional, constata-se a necessidade da formulação de novas concepções teóricas com capacidade explicativa suficiente para abranger as enormes transformações políticas, econômicas, sociais e militares que ocorridas após a queda do muro de Berlim.

PARTE II – PERSPECTIVAS TEÓRICAS DO ALARGAMENTO DO CONCEITO DE SEGURANÇA INTERNACIONAL Entendida a conjuntura que origina as mudanças fundamentais no quadro teórico e explicativo das teorias de Relações Internacionais, observa-se que na década de 1980 iniciou-se o alargamento do conceito de segurança no contexto da reorganização das Relações Internacionais pós-Guerra Fria, com a redefinição e a ampliação da agenda de segurança internacional. Assim, a noção de segurança vista apenas como confronto militar abre espaço epistemológico a novas

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concepções de segurança. O teórico Barry Buzan (2003) defendeu um novo conceito de segurança que deveria transcender as noções de defesa militar. Em suas publicações, uma das contribuições ao tema da segurança foi a ampliação desse conceito para os campos econômico, societal, ambiental e político, em detrimento das preocupações belicosas. Buzan afirma que o conceito de segurança foi dominado pela idéia de segurança nacional em termos estritamente militares, enquanto outros fatores também afetavam os países e a própria existência humana como, por exemplo, a economia e o meio ambiente. Para o autor, esses fatores podem ser tão importantes quanto os militares. Buzan (2003) discute que há diferentes níveis em que a segurança deve ser tratada: individual, nacional ou internacional. Segundo essa perspectiva teórica, há cinco setores que afetam a segurança da coletividade humana: segurança militar, que trata da ofensiva armada e da capacidade de defesa dos Estados, levando em conta, sobretudo, a percepção da ação dos outros Estados; segurança política, que se refere à estabilidade organizacional dos Estados e aos seus sistemas de governo; segurança econômica, que engloba as questões econômicofinanceiras necessárias ao sustento e ao poder do Estado; segurança societal, que concerne à sustentabilidade, às condições de evolução dos padrões lingüísticos, culturais e religiosos e às identidades nacionais; e por fim, segurança ambiental, que diz respeito à preservação da biosfera como um fator fundamental para as sociedades. Essas cinco esferas da segurança estão inter-relacionadas e coexistem em uma relação de complementaridade. Ele aponta que dentre as razões que justificam a ampliação do conceito de segurança estão a necessidade de absorver realidades que estão em transformação no mundo devido à crescente densidade do sistema internacional, a oportunidade de “securitizar” novos temas particulares defendidos por grupos sociais e a incorporação do tema segurança de uma maneira mais fluida e ilimitada pelo campo das Relações Internacionais. Isso se justifica pela complexidade cada vez maior das redes de interação mundiais, vinculadas à interdependência entre os Estados e à globalização. Após o fim da União Soviética, por exemplo, vê-se o surgimento de fenômenos como o nascimento de diversas minorias étnicas na Rússia, problemas ambientais como o efeito estufa, a diminuição da camada de ozônio e o aquecimento global e problemas migratórios, dentre outros que pedem um arcabouço explicativo e analítico que supere as limitações dos paradigmas clássicos de segurança e militarismo A securitização de novos temas supracitada é outra contribuição inovadora de Buzan para o tema da segurança. Securitizar um tema consiste em colocá-lo no alto em uma escala de valores se comparados a outros temas. O termo segurança promove uma prioridade de ações sobre o tema. De acordo com referido autor, a condição para que um determinado assunto tornese um assunto de segurança é que ele seja construído como um tema que represente uma

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ameaça existencial e que isso seja incorporado na agenda política. Logo, para securitizar um tema não é necessário que ele seja realmente uma ameaça existencial real, mas sim que argumentos convincentes façam desse tema um tema mais importante que outros, e portanto merecedor de prioridade. Para Buzan, a segurança é, então, auto-referencial. É importante destacar que a securitização passa por relações de poder, ou seja, a decisão de tornar um tema uma questão de segurança é definida pelos grupos sociais com poder de voz e de ação. Assim, a securitização pode ser um instrumento para beneficiar interesses de grupos. Buzan chama a atenção para o fato de que além da importância de se securitizar um tema, é importante medir as conseqüências e os impactos que isso traz na sociedade. Securitizar envolve interesses e os setores nacionais e militares de defesa dominaram a agenda política para centralizá-la na segurança em termos militares. Para Buzan, embora a segurança seja intersubjetiva e socialmente construída, o seu sentido acabou permanecendo limitado. Daí a importância de suas contribuições para a ampliação da concepção de segurança. A importância do alargamento do conceito de segurança é também a percepção de que os Estados e as populações são afetados por uma gama muito grande de fatores que abrangem diversos domínios, não apenas o militar. Por fim, Buzan valoriza a segurança internacional enquanto agente das relações das coletividades humanas em termos de ameaças e vulnerabilidades. Em conclusão, tal idéia de “broadening” abordada e trazida por Buzan trouxe elementos novos de contestação e explicação de que o período Pós-Guerra Fria alertava e confirmava uma nova visão para os estudos de segurança, ao lhe conferir uma ligação aos novos temas na década de 1990. No que se refere a essas teorias contemporâneas de segurança ampliada, no Brasil, o trabalho do professor Rafael Antônio Duarte Villa (1999) torna-se paradigmático, uma vez que atualiza e inclui a literatura brasileira de segurança internacional nas discussões mais atuais. Assim, a sua tese será nossa base argumentativa, a fim de compreender quais os limites de uma segurança ao mesmo tempo global e multidimensional. O estudo de Villa (1999) possui um valor considerável na bibliografia brasileira sobre segurança, uma vez que utiliza como preceito metodológico a exaustão teórica que teorias realistas e neo-realistas possuem em compreender as modificações percebidas com o fim da bipolaridade e da Guerra Fria. Nesse processo, pensar a dimensão global multidimensional significa pensar em termos societais, portanto internacionais, de modo que são os “novos temas” originados da crise do realismo, que permeiam a natureza societal, pela consolidação da atuação de diversos atores transnacionais. Ora, nesses termos, a perspectiva teórica (neo) realista passa a ser inadequada para o entendimento da atuação de atores não-estatais, visto que tem formulado uma confirmação das relações puramente interestatais. Portanto,

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[...] a natureza societal tanto dos novos fenômenos quanto dos agentes transnacionais decorre do surgimento de uma noção de segurança internacional diferente da tradicional visão nacional de natureza estratégicomilitar, centrada no Estado e procurada via acréscimo de poder relativo. (VILLA, 1999:43)

Uma nova visão, proposta por Villa pelo conceito de “Segurança Global Multidimensional” (doravante SGM), somente pode ser compreendida após o entendimento dos processos de transnacionalização, da atuação dos atores transnacionais, especialmente não-estatais e da mudança do sistema internacional, de um sistema bipolar para um multipolar, ou como policêntrico, conforme termos do autor. Segundo Villa, tratava de ser um trabalho introdutório, a fim de promover a discussão das concepções de Buzan pelos acadêmicos brasileiros. Assim, “[a] expectativa do autor é de que esse trabalho possa representar uma real contribuição para fazer avançar o estado da arte nas pesquisas relativas ao tema da segurança internacional contemporânea.” Sobretudo na década de 1970, os estudos acadêmicos em Relações Internacionais já apontavam para um sistema internacional interdependente, cujas características essenciais passavam a ser mais contundentemente influenciadas por atores não-estatais, como companhias privadas e organizações civis sem fins lucrativos. Além desse fato, o desenvolvimento do Direito Internacional, fruto do aumento e escopo de organizações internacionais intergovernamentais, corroborava que interesses internacionais podiam modificar interesses nacionais em política internacional. Autores como Robert Keohane (1984; 1998; 2001), Joseph Nye Jr. (2004) mostram em seus estudos que a preponderância econômica de fato começava a ditar novas regras internacionais, em meio ao processo conhecido como détente. Para Villa (1999), não se deve, entretanto, estranhar essa ênfase economicista: é preciso levar em consideração que a produção de tal consciência deu-se numa época em que as mudanças econômicas e técnicas começavam a pressionar o desenho de uma ordem internacional de vários centros de poder estatal. De tal modo, nas fases “quentes” da Guerra Fria era diminuída a visibilidade de qualquer processo que não se ligasse intrinsecamente à polarização bipolar entre Leste-Oeste e à temática do confronto bélico nuclear. Nisso, a centralização do debate sobre segurança nacional e internacional esquecia a emergência de temas fora das interpretações (neo) realistas sobre o contexto internacional, não atentando para a magnitude da explosão demográfica, do fenômeno migratório, dos desequilíbrios ecológicos globais, do narcotráfico e do acesso a tecnologia. Destarte, as preocupações com a Guerra Fria, o drama que representava a possibilidade imediata da deflagração de um conflito nuclear e a extinção conseqüente da espécie humana relativizavam a importância das causas dos efeitos dos processos em curso. Ou seja, a importância da Guerra

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Fria ocultou e retardou a compreensão dos novos riscos representados pelos fenômenos de explosão demográfica, migrações populacionais e desequilíbrios ecológicos. Sendo assim, com o fim da Guerra Fria e da bipolarização, abre-se espaço para a emergência desses novos temas na agenda internacional que trazem à tona a necessidade da descentralização da tomada de decisões pela própria natureza dos riscos que não é mais oligopolizada, por alguns Estados, como no caso das armas nucleares àquela época. Ainda de acordo com Villa (1999:13) “[...] a mudança não é na natureza ontológica de risco – a segurança sempre existe sobre a forma de risco – o que acontece é que a noção de risco é ampliada para incluir algo mais do que considerações estratégico-militares”. Ademais, justifica-se a passagem ao novo conceito de Segurança Global Multidimensional com o fato de que os novos riscos não são meros cenários, são realidade. A proposta de Villa, portanto, é superar as duas formas de ampliar o conceito de segurança até então existentes, a saber, a perspectiva parcelada, que concebe esferas autônomas de segurança, e a perspectiva hierárquica, que subordina a segurança ao conceito tradicional de segurança nacional. A idéia é mostrar que a segurança como questão não simplesmente interestatal, mas transnacional, que envolve reciprocidade e, por conseguinte, interdependência,

demandando,

assim,

respostas

globais

e

não

unilaterais.

Em

sua

argumentação, elege algumas características genéricas e genéticas, para usar os termos do autor, que traduzem a pertinência do novo conceito de SGM para o pós-Guerra Fria.

PARTE III – CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir das idéias desenvolvidas no transcorrer do trabalho, percebemos que dentro do campo da Política Internacional as formas tradicionais de se tratar questões compartilhadas pelos atores no sistema internacional ganham mais complementaridade do que feições contraditórias na realidade atual das Relações Internacionais. Contemporaneamente, torna-se insuficiente, de acordo com uma visão neo-realista, conceber diversos temas unicamente sob um único prisma; a partir disso, conclui-se que as componentes do sistema internacional – política, economia, cultura se mesclam entre si, de acordo com as diretrizes que assumem cada momento histórico-objetivo. Por um lado, a existência de problemas comuns, conseqüentemente, a necessidade de chegar a um consenso razoavelmente eficaz coloca em evidência a tendência de os Estados institucionalizarem certos valores, regras e normas. Daí ocorre uma aceitação substancial das chamadas leis internacionais tidas como legítimas, que, evidentemente, não se limita às normas jurídicas (cuja adesão mescla os modos de ordenação do sistema e a realidade criada pela

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ponderação entre poder, interesse e comunidade), mas também à avaliação dos atos políticos deliberados. Dentre as novas formas de se fazer política, o recurso ao soft power ou “poder brando” serão fundamentais na consecução dos interesses nacionais em política externa, os quais deverão se pautar pelo seguimento dos regimes internacionais e pela ampliação em termos soft dos ramos diplomáticos, como na diplomacia ambiental e na social, como já percebido no decorrer da política externa brasileira da década de 1990 . Contemporaneamente, vê-se disseminada a globalização de um ideário referente aos direitos humanos, a defesa da democracia, a proteção do meio ambiente, a regulação do comércio internacional etc. Também há uma pluralidade de atores no cenário internacional além dos Estados, como as organizações internacionais, as ONGs, as grandes corporações multinacionais, a sociedade civil transnacional etc. O intercâmbio mantido entre globalização, política, economia e cultura enfraquece a base dos argumentos universais da ordem mundial anterior, rezando para que a responsabilidade política acompanhe o processo de enriquecimento econômico. As potências passam a defender efetivamente o desarmamento mundial, intervenções humanitárias, punições a qualquer tipo de violação do Direito Internacional e das necessidades da comunidade internacional. Um exemplo prático recente da multidimensionalidade das questões internacionais seria o fato do próprio Conselho de Segurança das Nações Unidas discutir questões ambientais em suas reuniões, como foi visto na reunião Peace and security: natural resources and conflict, ocorrida em 25 de junho de 2007. Desta forma, entendemos que o Conselho de Segurança tem confirmado o processo de extrapolação de suas competências e de expansão de sua atuação para outros âmbitos, evidenciando a necessidade premente de alargamento do escopo de atuação desse órgão, uma vez que as ameaças atuais à segurança internacional deixaram de ser puramente militares. Até mesmo a propensão a conflitos internacionais derivados de disputas por recursos naturais tem sido percebida pelo Conselho como uma ameaça à paz e aos princípios imperativos e inderrogáveis de Direito Internacional. No caso da Organização Mundial do Comércio, as determinações técnicas de qualquer país devem ser aceitas e delimitadas pelo Acordo sobre Barreiras Técnicas (Agreement on Technical Barriers to Trade – TBT) e pelo Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Sanitary and Phytosanitary Agreement – SPS) da OMC, respeitado os princípios gerais de “nação mais favorecida” e do “tratamento nacional”. Nesses termos, não há barreiras técnicas, mas apenas exigências ou requisitos específicos legais e proporcionais a cada contexto.

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No caso das exigências técnicas referentes ao meio ambiente, os países devem relembrar o Princípio 12 da Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992). Assim sendo, [...] As medidas de política comercial motivadas por razões ambientais não devem constituir um instrumento de discriminação arbitrária ou injustificada ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional. As ações unilaterais para lidar com desafios ambientais fora da área de jurisdição do país importador devem ser evitadas. As medidas ambientais para lidar com problemas ambientais transfonteiriços ou globais devem, tanto quanto possível, ser baseados num consenso internacional.

Mais além, o teórico Fred Halliday (1999) fez importantes contribuições ao estudo das Relações Internacionais, sobretudo quando se trata do surgimento de novos atores no sistema internacional, como visto em relação à participação da sociedade civil na temática internacionalizada de meio ambiente. Segundo Halliday, o realismo, o transnacionalismo e estruturalismo não são suficientes para explicar com clareza o papel do Estado nas relações internacionais: o primeiro por focar em demasia o papel central do Estado; o segundo por enfatizar os processos e o mercado ao invés dos atores; e o último por focar demais na importância das classes e dar ao Estado um papel somente instrumental. Nesse sentido, Halliday (1999) questiona o próprio conceito clássico de Estado como ator de maior importância no âmbito internacional ao abrir espaço à importância das questões domésticas. O Estado pode valer-se de questões domésticas para atingir objetivos internacionais (a exemplo, ele pode tratar melhor uma minoria étnica para melhorar sua imagem no âmbito internacional), assim como pode anexar territórios e promover guerras para responder às demandas domésticas (promover mudanças educacionais ou promover industrialização, por exemplo). Diante dessa perspectiva bidimensional sobre a política estatal, vê-se que forças domésticas muitas vezes influenciam a política do Estado e que, assim, outros atores começam a retirar do Estado seu status de ator único. Nesse contexto, as forças sociais surgem como novos atores das relações internacionais que, muitas vezes, através da formação de lobbies fazem valer interesses privados nas políticas internacionais de esferas econômica, societal e ambiental, entre outras. Segundo Halliday (1999:45), “Por toda parte, a existência da relação Estado-sociedade permite meios alternativos de conduzir as relações internacionais: ela encoraja os Estados e as forças sociais a perseguir políticas internacionais que irão incrementar relativamente as suas posições domésticas”. Portanto, no debate sobre a influência de atores não-estatais e grupos sociais no poder estatal, nota-se que há um impacto crescente da abordagem de novas temáticas em campos de discussões antes restritos, como por exemplo, a influência de questões étnicas e sociais na esfera

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INTERFACES INTERDISCIPLINARES NA POLÍTICA INTERNACIONAL: BREVES CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE A CRISE DO REALISMO E A EMERGÊNCIA DE NOVOS CONCEITOS

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político-econômica e a influência da questão ambiental no campo econômico, encabeçada sobretudo pelas ONGs, como visto, sobretudo, na ECO-92 pela grande atuação e influência das mais de mil ONGs participantes, contribuindo para a redefinição do meio ambiente enquanto elemento estratégico das Relações Internacionais, seja na sua transformação em “alta política”, seja na influência que possui ao redefinir outros âmbitos, como o comércio, os investimentos e mecanismos de integração.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BUZAN, B.; WAEVER, O. Security complexes: a theory of regional security In: Regions and power: the structure of international security. Cambridge: Cambridge University Press, 2003, p. 40-89. HALLIDAY, Fred. Repensando as relações Internacionais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1999. KEOHANE, R.; NYE, J. Power and Interdependence. New York: Harper Collins, 2001. KEOHANE, Robert Owen. After Hegemony: cooperation and discord in the world political economy. Princeton: Princeton University Press, 1984. ______. "International Institutions: two approaches." International Studies Quartely. Vol. 32, n٥.4, pp. 379-396, 1998. LEPRESTE, Pierre. Ecopolítica internacional. São Paulo: SENAC, 2000. LISBOA, Marijane Vieira. Em busca de uma política externa brasileira do meio ambiente: três exemplos e uma exceção à regra. In São Paulo em Perspectiva, São Paulo, 16 (2), p. 44-52, 2002. MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Org.) Coletânea de direito internacional. 4. ed. ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. MEARSHEIMER, J.J. "The false promise of International Institutions". International Security. Vol.19, n٥. 3, Winter, 1994-1995. pp. 5-49. NAÇÕES UNIDAS. Conselho de Segurança.

Peace and security: natural resources and

conflict,doc. S/PV.5705 (Resumption 1), 25/06/2007 NYE Jr, Joseph S. Soft power. Foreign Policy. Washington, v.80, p. 153-171, Autumn 1990. NYE Jr., Joseph S. Soft Power: the Means to Success in World Politics. New York: Public Affairs. 2004 VILLA, Rafael Antonio Duarte. Da crise do realismo à segurança global multidimensional. São Paulo: Annablume; FAPESP, 1999.

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P o l í t i c a

I n t e r n a c i o n a l

os avaNÇos e FraCassos da 15ª CoNFerÊNCia das ParTes de CoPeNhaGUe: UM esTUdo eXPloraTÓrio

César MaChado Carvalho

Geraldo José Ferraresi de araúJo

dade Federal de são Carlos (UFsCar) e licenciado em Ciências sociais pela Universidade estadual Paulista (UNesP).

Bacharel em administração pela Faculdade de economia, administração e Contabilidade de ribeirão Preto (Fea-rP) da Universidade de são Paulo (UsP).

Contato: cesarmc27@yahoo.com.br

Contato: geraldoferraresi@gmail.com



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OS AVANÇOS E FRACASSOS DA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO Geraldo José Ferraresi de Araújo César Machado Carvalho RESUMO: Com o agravamento das questões climáticas em escala mundial, desde a revolução industrial, as Nações Unidas, através da Conferência das Partes, vem realizando reuniões anuais desde 1995 com o objetivo de criar políticas efetivas, em âmbito global, para mitigação das emissões de gases causadores de efeito estufa. Dentre as COPs realizadas, nesse artigo teremos como objeto a 15ª Conferências das Partes de Copenhague na Dinamarca, cúpula de lideranças globais sem precedentes na história recente da diplomacia. Logo, o objetivo desse trabalho é responder a seguinte pergunta: Quais foram os fracassos e os avanços da 15°Conferência das Partes? Para responder essa pergunta, realizou-se uma pesquisa qualitativa, do tipo exploratório, delineada por pesquisa bibliográfica com a análise de artigos científicos e jornalísticos, através da Internet, entre o período de 01/04/2012 até 20/05/2012, referente à história das COPs, em particular a Conferência de Copenhague. Pela pesquisa realizada, podemos afirmar em resposta a pergunta norteadora deste artigo, que a COP 15, sob a óptica da dimensão ambiental, foi um fracasso, dado a complexidade, divergência e diversidade de interesses em pauta; a metodologia de negociação utilizada na conferência e divergência entre as superpotências climáticas, com destaque para a China e os EUA. Porém, sob ótica da dimensão política, houve avanços, como o comprometimento dos principais países poluidores com ações de mitigação. PALAVRAS-CHAVE: Relações Internacionais, Mudanças Climáticas, Conferência das Partes, COP 15.

THE ADVANCES AND FAILURES OF THE FIFTEENTH CONFERENCE OF THE PARTIES IN COPENHAGEN: AN EXPLORATORY STUDY ABSTRACT: With the aggravation of climate issues worldwide since the industrial revolution, the United Nations through the Parties' Conference, have been organizing annual meetings since 1995, with the goal of creating effective global policies to mitigate emissions of greenhouse gases. In this article we will have as object the 15th Conference of the parties in Copenhagen, unprecedented Global Leadership Summit in the recent history of diplomacy. Therefore, the goal of this work is to answer the following question: What were the failures and the advances of the 15th Conference of the Parties? To answer it, an exploratory qualitative research was undertaken delineated by a bibliographic search with analysis of journalistic and scientific articles via the Internet between the period of 04/01/2012 up to 05/20/2012 for the history of COP s, in particular the Copenhagen Conference. We can answer that in terms of the environmental dimension COP 15 was a failure, given the complexity, diversity and divergence of interests on the agenda; the trading methodology used in conferences of the parties and the divergence among the climate superpowers, mainly China and the USA. However, under the point of view of political dimension there were advances such as the commitment of the major countries with mitigation of actions polluters. KEYWORDS: International Relations, Climate Change, Conference of the Parties, COP 15. Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!|!!145!


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INTRODUÇÃO O impacto das atividades humanas: políticas, sociais e econômicas no meio ambiente

sempre foram diferentes no espaço e no tempo. Desde o surgimento do homem na terra até o fim do período paleolítico acerca de 10.000 a.C , o homem procurava tudo o que era necessário para sustentar a vida por meio da caça, da pesca, da coleta de frutos, sementes e raízes. Naquela época as transformações realizadas causavam impactos irrelevantes sobre o meio ambiente, seja pelo tamanho da população no período, seja pelo fato da humanidade não possuir técnicas que lhe permitissem fazer grandes transformações. Logo, sua capacidade de ação sobre o meio ambiente se restringia a algumas cadeias alimentares e ainda com a utilização do fogo seu impacto ainda era muito reduzido. O período Neolítico, teve início a 10.000 a.C. e se prolongou até 5.000 a.C. Com a revolução agrícola, os humanos aprenderam a domesticar os animais e a praticar a agricultura. Consequentemente, os impactos começaram a aumentar gradativamente devido desmatamento, erosão do solo, eutrofização de lagos e rios, poluição do ar e do solo devida à práticas agrícolas inapropriadas. Além disso, a revolução agrícola permitiu a sedentarização do homem maior oferta de alimento e consequentemente o surgimento das primeiras cidades, acerca de 4.500 a.C., permitiram-lhe o crescimento populacional. Embora os impactos ambientais no período neolítico fossem maiores do que do período paleolítico, eles eram sempre locais e reduzidos. Com o início do capitalismo, marcado com advento da revolução industrial, na segunda metade do século XVIII até a contemporânea globalização, o vertiginoso avanço tecnológico, a explosão demográfica mundial e consequente demanda energética em crescimento exponencial, a capacidade de transformação do meio ambiente por parte da humanidade aumentou consideravelmente, onde impactos ambientais que antes estavam rescritos a ambitos locais passaram a ter escala global. As atividades políticas, econômicas e sociais, decorrentes da revolução industrial, causaram aumento da emissão de gases de efeito estufa, causados principalmente pelos veículos automotores, termelétricas, indústrias e queima de florestas. Consequentemente, a emissão de CO2, CFC, CH4, HFC5, PFCs, SF6 e N2O realizada de maneira constante em nossa era histórica resultaram, para Rocha (2003, p. 1), “na quase duplicação dos gases efeito estufa (GEE) na atmosfera durante o período de 1750 até 1998.” Como pode ser confirmado na tabela abaixo.

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! OS AVANÇOS E FRACASSOS DA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO

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Tabela 1 - Concentração global de gases efeito estufa CO2

CH4

N2O

Gás Carbônico

Metano

Oxido Nitroso

Concentração em 1750

280 ppm

700 ppb

270 ppb

Concentração em 1998

365 ppm

1745 ppb

314 ppb

1,5 ppm/ano

7,0 ppb/ano

0,8 ppb/ano

50-200

12

114

Taxa de Alteração Residência na Atmosfera (anos)

Fonte: Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (2001a), apud Rocha 2003.

O aumento da média de temperatura do planeta terá impactos diferentes em cada região do mundo, como pode ser observado no quadro a seguir. Tabela 2 - Prováveis impactos decorrentes do aquecimento global Região

Impactos Prováveis •

Diminuição da produção agrícola;

Diminuição da disponibilidade de água na região do mediterrâneo e em países do sul;

África

Ásia

Aumento da desertificação;

Extinção de animais e plantas;

Aumento de vetores de doenças.

Diminuição da produção agrícola;

Diminuição da disponibilidade de água nas regiões áridas e semiáridas;

Descolamento de milhões de pessoas devido ao amento do nível dos oceanos.

Oceania

Europa

América Latina

Diminuição da disponibilidade de água;

Extinção de animais e plantas.

Diminuição de produção agrícola;

Extinção de animais e plantas;

Aumento de vetores de doenças.

Diminuição da produção agrícola;

Extinção de animais e plantas;

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América do Norte

Polar

Aumento de vetores de doenças.

Aumento da produção agrícola em algumas regiões;

Aumento de vetores de doenças.

Diminuição da calota polar;

Extinção de animais e plantas.

Descolamento de milhões de pessoas devido ao amento do

Pequenas Ilhas

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nível dos oceanos; •

Diminuição da disponibilidade de água;

Diminuição da atividade pesqueira.

Fonte: Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (2001b) apud Rocha 2003.

Diante deste cenário em potencial, as Nações Unidas vêm realizando uma série de conferências internacionais desde Estocolmo em 1972, com o objetivo de edificar fundamentações teóricas, metodologias e instrumentos políticos e mercadológicos em âmbito mundial para diminuição dos impactos ambientais, causados, sobretudo pelo modo de produção capitalista. Dentre as conferências mais destacadas, foi aquela realizada no Rio de Janeiro em 1992, a Conferência das Nações Unidas para o Ambiente e Desenvolvimento que reuniu 108 chefes de Estado. Através da Eco 92, foram aprovados entre os países participantes acordos internacionais decorridos do encontro que foram: Convenção do Clima, Agenda 21, Convenção da Biodiversidade e a Declaração do Rio. Estes acordos deram margem a regulamentações em relação a esses temas por parte das agências ambientais de vários países. Especificamente no que se refere à mudanças climáticas, através da Rio 92, foi estabelecida a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que para Rocha (2003, p. 6) “tem como meta propor aos países industrializados que estabilizem as concentrações atmosféricas de gases causadores do efeito estufa de forma a impedir atividades atrópicas levem a uma inferência perigosa no clima do planeta.”

1.1

OBJETIVO DE PESQUISA

O presente artigo tem como objetivo dissertar sobre a série histórica Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, através da evolução dos debates e dos resultados com foco na COP 15 realizada em Copenhague na Dinamarca em 2009. 148%%|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!%


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! OS AVANÇOS E FRACASSOS DA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO

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Onde a pergunta que se pretende responder neste trabalho é: quais foram os fracassos e os avanços da 15°Conferência das Partes? 2.. METODOLOGIA O Método “é uma forma de selecionar técnicas, forma de avaliar alternativas para ação científica. Assim, enquanto as técnicas utilizadas são fruto de suas decisões, o modo pelo qual tais decisões são tomadas depende de suas regras de decisão.” (ACKOFF apud HEGENBERG, 1976, p. 116). Logo, a natureza do método empregado neste estudo é do tipo qualitativa. Neves (1996, p. 1) afirma que esta pesquisa: Auxilia no entendimento do fenômeno, segundo a perspectiva dos participantes da situação estudada, propiciando uma interpretação própria do fenômeno por parte do pesquisador. [...] Faz parte a obtenção de dados descritivos mediante contato direto e interativo do pesquisador com o objeto de estudo.”

Para discorrer sobre o objeto de estudo, recorrerá a uma pesquisa do tipo exploratória. Para Rodrigues (2007), seu objetivo é a caracterização inicial do problema, sua classificação e de sua definição. Constitui o primeiro estágio de toda pesquisa científica. Dentro da pesquisa exploratória, foi utilizada a pesquisa bibliográfica, para Lakatos e Marconi (1999, p. 73): “abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema em estudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, material cartográfico etc., até meios de comunicação orais: rádio, gravações em fita magnética e audiovisuais: filmes e televisão. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo que já foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto, inclusive conferências seguidas de debates que tenham sido transcritos por alguma forma, quer publicadas quer gravadas”

Dessa forma, realizou-se uma pesquisa qualitativa, do tipo exploratório, delineado por pesquisa bibliográfica, tomando-se por base levantamento nas bases dados do Intergovernmental Panel of Climate Change, da United Nations Framework Convention on Climate Change, Centro de Estudos de Sustentabilidade da EAESP da Fundação Getúlio Vargas, o Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo e Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. Estes dados foram acessados através da INTERNET, no período de abril a maio de 2012. Nessas bases de dados foram cruzadas as seguintes palavras-chaves: Mudanças Climáticas, Relações Internacionais, Conferência das Partes, COP 15, posteriormente, foram avaliados os

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artigos de maior relevância no assunto. A escolha das revistas deu-se em função de suas respectivas classificações pelo sistema Qualis de qualificação para o triênio 2010-2012. 3. A CONFERÊNCIA DAS PARTES Para Orellana (2010) a UNFCCC, sigla em inglês para Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas foi instituída como uma Convenção Quadro, na Rio 92, com o objetivo de estabilizar as emissões atmosféricas de gases de efeito estufa em nível que possa impedir interferência perigosa sobre o sistema climático global. A regulamentação da Convenção ficou atribuída à Conferência das Partes – COP, órgão supremo da Convenção e braço executivo de um acordo internacional e o responsável pelas reuniões periódicas e é composta de representantes diplomáticos dos Estados signatários. (COTA; REIS; VALE, 2009 a). Além disso, também participam milhares de organizações não governamentais e demais representantes da sociedade civil organizada que fazem com que esses eventos sejam verdadeiros fóruns globais. Para Souza (2007), no caso da CQMC (Convenção Quadro de Mudanças Climáticas), a COP decide sobre aplicação e funcionamento das diretrizes do tratado, a execução dos mecanismos previstos e o cumprimento das metas estabelecidas. Para isso realiza encontros anuais onde faz uma revisão do estado de implementação da Convenção e discute a melhor forma de lidar com as mudanças climáticas. Cada encontro leva o nome da cidade onde é realizado e seus resultados dependem das negociações entre os países que participam do acordo – conhecidos como Partes. A Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas começou a vigorar em 21 de março de 1994, noventa dias após sua 50ª ratificação. Os principais objetivos das COPs são: mobilizar os governos nacionais, autarquias e organizações da sociedade civil para tomarem medidas concretas no combate ao aquecimento global; estabelecer normas e diretrizes internacionais para as políticas nacionais; servir de fórum onde podem ser debatidas novas propostas e novos consensos e passar a informar a ONU, regularmente, em relação à situação dessas metas prioritárias. Logo abaixo está sintetizada a série histórica das Conferências das Partes realizadas.

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! OS AVANÇOS E FRACASSOS DA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO

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Tabela 3 – Série histórica de debates e resultados das Conferências das Partes COP

Local

Ano

Debates

Resultados •

Criação de um catálogo de instrumentos para compor um conjunto de iniciativas que correspondem as suas necessidades;

• COP 1

Berlim Alemanha

Combater as emissões de gases

1995

de redução das emissões de gases do efeito estufa;

causadores do efeito estufa.

Decisão de se apresentar em 1997 um documento tornando oficial o comprometimento

Desenvolvimento das AIC’s, visando à implantação de projetos de suporte e transferência de tecnologia, com o objetivo de facilitar o cumprimento de metas de mitigação.

COP 2

Genebra Suíça

• 1996

Objetivos

Aprovou o resultado do relatório da segunda avaliação do IPCC, divulgado em 1995;

Estabelecido que os países membros não devessem buscar soluções uniformes, cada um deve encontrar suas próprias soluções;

vinculativos a definir em médio prazo.

Solicitar à COP apoio financeiro para o desenvolvimento de programas de redução de emissões, com recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente.

• COP 3

Kyoto Japão

Intensas negociações sobre a

1997

redução das emissões de gases de efeito estufa.

Adoção do Protocolo de Kyoto, com metas de redução de emissões e mecanismos de flexibilização dessas metas. De modo geral, as metas são de 5,2% das emissões de 1990, porém alguns países assumiram compromissos maiores: Japão – 6%, União Europeia – 8% e Estados Unidos, que acabaram não ratificando o acordo 7%.

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COP

Local

Ano

Debates

Buenos COP 4

Aires

• 1998

COP 5

Alemanha

1999

Discussões sobre LULUCF.

Holanda

Centrou esforços na implementação e ratificação do Protocolo de Kyoto. O Plano de Ação de Buenos Aires trouxe um programa de metas para alguns itens do Protocolo em separado: análise de impactos da mudança do clima e alternativas de compensação, AIC, mecanismos financiadores e transferência de tecnologia.

Implementação do Plano de Ações de Buenos Aires;

Execução

de

atividades

implementadas

conjuntamente

(AIC)

em

caráter

experimental e do auxílio para capacitação de países em desenvolvimento.

Discussões sobre proposta dos EUA para

COP 6

Protocolo de Kyoto.

La Haya

Resultados

relativas ao

Argentina

Bonn

Questões pendentes

!

2000

A falta de acordo nas discussões sobre sumidouros, LULUCF, o Mecanismo de

permitir que áreas

Desenvolvimento Limpo, mercado de carbono e financiamento de países em

agrícolas e florestais

desenvolvimento levaram à suspensão das negociações;

pudessem ser incluídas •

Foi acordado que as negociações seriam retomadas em uma conferência

como sumidouros de

extraordinária em julho de 2001.

carbono. • COP 6

Bonn

BIS

Alemanha

2001

Mecanismos que

Dominada por discussões técnicas sobre os mecanismos do Protocolo de Kyoto.

permitiria que

Aprovado o uso de sumidouros para cumprimento de metas de emissão, discutidos

circulassem entre os

limites de emissão para países em desenvolvimento e assistência financeira dos

países as

países desenvolvidos.

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! OS AVANÇOS E FRACASSOS DA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO

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obrigações de reduções, em troca de uma compensação financeira. COP

Local

Ano

Debates

Resultados •

COP 7

Marrakesh Marrocos

• 2001

Definição dos mecanismos de flexibilização, a decisão de limitar o uso de créditos

Negociações sobre

de carbono gerados de projetos florestais do Mecanismo de Desenvolvimento

o Protocolo de

Limpo;

Kyoto.

Estabelecimento de fundos de ajuda a países em desenvolvimento voltados a iniciativas de adaptação às mudanças climáticas.

Tentativa dos países da União Europeia, sem sucesso, em

COP 8

Delhi Índia

obter uma

2002

Adesão da iniciativa privada e de organizações não governamentais ao Protocolo de Kyoto e apresenta projetos para a criação de mercados de créditos de carbono.

declaração apelando para mais ações das partes no UNFCCC.

COP 9

Milão

2003

Regulamentação de

Estabeleceu regras para a condução de projetos de reflorestamento, onde se

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! Itália

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tornam condição para a obtenção de créditos de carbono.

sumidouros de carbono e do MLD

• COP 10

Buenos Aires

• 2004

Argentina

vigor no início do ano seguinte (2005), após a ratificação pela Rússia.

As discussões técnicas sobre o Protocolo de Kyoto

Aprovação de regras para a implementação do Protocolo de Kyoto, que entrou em

Definição dos Projetos Florestais de Pequena Escala (PFPE) e a divulgação de inventários de emissão de gases do efeito estufa por alguns países em desenvolvimento, entre eles o Brasil.

COP

Local

Ano

Debates •

Discussões sobre o que deve acontecer após a expiração do Protocolo de Kyoto

COP

Montreal

11

Canadá

em 2012. 2005

Discussão do segundo período do Protocolo, após 2012, para o qual instituições europeias defendem

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Resultados


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! OS AVANÇOS E FRACASSOS DA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO

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reduções de emissão na ordem de 20 a 30% até 2030 e entre 60 e 80% até 2050. •

O trabalho envolvido na obtenção de um novo acordo para o período pós-Kyoto.

COP 12 CMP 2

Nairóbi Quênia

• 2006

Revisão de prós e

Últimas questões técnicas relativas ao Protocolo de Kyoto foram atendidas.

contras do Protocolo de

Séries de marcos foram estabelecidas no processo rumo a um novo acordo.

Kyoto, com um esforço das 189 nações participantes de realizarem internamente processos de revisão.

COP COP 13 CMP 3

Local Bali Indonésia

Debates

Ano • 2007

Obtenção de um

Resultados •

do aquecimento global são inequívocos.

novo acordo que substitua o

Reconhecimento do mais recente relatório do IPCC e suas conclusões que os sinais

Aprovação do Plano de Ação de Bali. Este plano estabelece o cenário para as

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Protocolo de Kyoto.

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negociações a serem levadas à COP15. •

Estabeleceu compromissos mensuráveis, transparentes e verificáveis para a redução de emissões causadas por desmatamento das florestas tropicais para o acordo que substituirá o Protocolo de Kyoto.

Aprovada a implementação do Fundo de Adaptação, para países mais vulneráveis à mudança do clima possam enfrentar os impactos.

Diretrizes para financiamento e fornecimento de tecnologias limpas para países em desenvolvimento também entraram no texto final, mas não foram apontadas quais serão as fontes e o volume de recursos suficiente para essas e outras diretrizes destacadas pelo acordo, como o apoio para o combate ao desmatamento nos países em desenvolvimento.

• COP 14 CMP 4

Nesta conferência o sentido de trabalhar

Poznan Polônia

2008

para a Conferência de Copenhague e sobre a operacionalização final do Fundo de

em um novo acordo

Adaptação, que vai apoiar medidas de adaptação concretas nos países menos

climático global em

desenvolvidos.

Copenhague continuou.

Partes chegaram a um acordo sobre o programa de trabalho e plano de reunião

Pozman figurou apenas como um antecessor da COP-15.

Fonte: Adaptado de Cota; Reis; Vale (2009).

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! OS AVANÇOS E FRACASSOS DA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO

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O ponto central de todas as Conferências das Partes supracitadas na tabela é o Protocolo

de Kyoto, ele foi elaborado como instrumento para alcance dos objetivos apontados tanto na COP 1 em Berlim quanto na COP 2 em Genebra, e o motivo de intensos debates sobre os mecanismos de combate ao aquecimento global, como MDL, créditos e os sumidouros de carbono desde a COP 3 em Kyoto até a COP 10 em Buenos Aires, onde somente em 2005, após sua ratificação pela Rússia, o protocolo entrou em vigor. Porém, com a recusa dos Estados Unidos em assinar o protocolo e expiração do mesmo em 2012, a partir da COP 11 em Montreal foi iniciada as discussões sobre um novo acordo climático global que substituiria o protocolo de Kyoto. Esses debates se desdobraram até a COP 14 em Poznam, na Polônia que convergiu para: compromissos mensuráveis, transparentes e verificáveis para a redução de emissões; diretrizes para financiamento e fornecimento de tecnologias limpas para países em desenvolvimento e a implementação do Fundo de Adaptação para países mais vulneráveis as mudanças climáticas. A obtenção de um acordo nesses três pontos era imperativo para que objetivo da UNFCCC em reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa lograsse êxito, para tanto, os mesmos foram trabalhados, especialmente na COP 13 em Bali e na COP 14 em Poznam, para que fossem negociados na 15ª Conferência das Partes em Copenhague. 4. A 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE E SEUS OBJETIVOS A 15ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre o Clima (COP15) foi um encontro realizado entre os dias 7 e 18 de dezembro de 2009, em Copenhague, capital da Dinamarca. Ela reuniu chefes de Estado de 193 países, uma cúpula de lideranças globais sem precedentes na história recente da diplomacia. (ECO DESENVOLVIMENTO, 2009). Além disso, o grau de mobilização da sociedade civil nunca foi tão grande. Nunca uma COP foi precedida por tantas manifestações e ações em favor de um acordo sobre mudança climática em sintonia com as principais recomendações da melhor ciência do clima disponível. (ABRANGES, 2010). A COP 15 teve como objetivo de avançar na elaboração de um novo acordo de proteção ao clima global, através do estabelecimento de um acordo com peso de lei internacional capaz de traçar metas de redução das emissões de gases de efeito estufa, em especial o gás carbônico (CO2), e dar prosseguimento ao Protocolo de Kyoto. No que se refere especificamente ao Protocolo de Kyoto, Silva (2009) afirma: O Protocolo prevê uma redução total das emissões de 5,2% entre 2008 e 2012 em comparação aos níveis de 1990. Apenas 42 países industrializados do Anexo I do Protocolo estão sujeitos a essas metas que variam de um signatário para outro. Os

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países da União Europeia têm que cortar as emissões em 8%, enquanto o Japão se comprometeu com 5%. Países em desenvolvimento não tiveram de se comprometer com metas específicas. Como signatários, no entanto, precisam manter a ONU informada sobre seu nível de emissões, bem como devem buscar o desenvolvimento de estratégias para tratar as mudanças climáticas.

Na Conferência de Copenhague, o Protocolo de Kyoto, ganharia um segundo período de compromisso com metas mais amplas dos 36 países signatários. Dado o exposto acima, o corte de emissões de gás carbônico através da chegada de um acordo era de fundamental importância para o sucesso da COP 15. Wilson e Law (2007) afirmam que segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática que alertava sobre a alta da temperatura da Terra, cerca de 0,7ºC maior desde a Revolução Industrial. Esta instituição tem sugerido que as concentrações de CO2 na atmosfera precisa ser estabilizadas em 450 ppm (partes por milhão) para evitar um aquecimento maior de 2ºC até o fim deste século. Este é o limite considerado "seguro", além do qual a humanidade e os ecossistemas teriam dificuldade em se adaptar às mudanças climáticas. O IPCC prevê que o planeta estará pelo menos 1,8ºC mais aquecido até o final do século XXI. Para evitar uma alta da temperatura nesse século, seria preciso que as nações industrializadas cortassem suas emissões de gases-estufa em 25% a 40% até 2020, e em 80% a 95% até 2050. Além de buscar soluções para evitar um aquecimento global, em Copenhague, os países também buscaram uma forma de como financiar o combate ao efeito estufa nos países pobres, como seria a adaptação destes países e a transferência de tecnologias de energia limpa, que ajudem o mundo a migrar para uma economia de baixo carbono. Para VI Modelo Intercolegial de Relações Internacionais (2009), dois fatores incidiram sobre a necessidade dessa discussão: a responsabilidade histórica das nações mais ricas (que poluíram mais), e a urgência das economias emergentes no que diz respeito à adaptação e combate às mudanças climáticas. Portanto, tinha-se como expectativa que a COP 15 gerasse um documento político que estabelecesse linhas gerais de ação e um prazo para a assinatura de um tratado legal que contivesse metas de redução de emissões para os países ricos e emergentes um valor para financiamento e ações em adaptação e transferência de tecnologia.

4.1

PRINCIPAIS PLAYERS E AS NEGOCIAÇÕES

Segundo a Netherlands Environmental Assessment Agency, em 2008, os principais países emissores de gases efeito foram: China, responsável por 23% do total mundial, EUA, com 20%, União Europeia (27 países), com 16%, Índia, com 6%, Rússia, com 5,5%, Brasil com 5% ,

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Indonésia com 4,5% , Japão, com 3% , México com 2,5% do total , Canadá com 2% do total , África do Sul com 1,5% do total e Coréia do Sul com 1,5% . (VIOLA, 2010) Os Estados Unidos, a China e a União Europeia, consideradas por Viola e Machado Filho (2010), como “grandes potências climáticas” são responsáveis por quase 60% das emissões globais de carbono, nenhum novo acordo é possível na Conferência das Partes sem o pleno engajamento destes dois países e da UE que têm poder de veto sobre a totalidade ou qualquer parte de um novo acordo climático. Diante deste cenário, dos objetivos da COP 15 e da correlação de força entre as nações no processo de negociação e os objetivos, os dirigentes das principais nações do mundo se envolveram em negociações diretas, em conteúdo e em detalhe,sem trabalho prévio dos diplomatas, onde desde o início, ficou clara a dificuldade para se atingir um acordo para mitigar a mudança climática que fosse legalmente vinculante. Das três grandes potências climáticas, somente a União Europeia tinha uma posição de favorecer o acordo com metas que teriam impacto relevante para a mitigação. (ABRANGES, 2010). Com relação aos Estados Unidos, havia uma expectativa internacional para a realização de um acordo já que o presidente recém-empossado, Barack Obama, se comprometeu, durante o processo eleitoral de 2008, em alterar as políticas climáticas notadamente conservadoras durante a administração W. Bush (2000-2008). Porém, para conseguir seu intento, Obama precisava obter concessões em termos de pico de emissões e ano de estabilização por parte da China para poder aumentar as perspectivas de sucesso para aprovação no Senado no sentido de melhorar as metas aprovadas pela Câmara dos Deputados em junho de 2009. Além disso, fatores da política interna americana, como: o lobby das empresas intensivas em combustíveis fósseis, temor do aumento do desemprego e o declínio da competitividade da indústria americana e a prioridade do governo Obama para a reforma da saúde e do sistema financeiro, dificultavam uma posição mais progressista do governo americano na conferência. Já a China se mostrou intransigente tanto com respeito a metas consistentes como com relação à verificação internacional do seu cumprimento. Diante da intransigência chinesa e a conjuntura da política interna americana, os Estados Unidos optou por uma posição conservadora, consequentemente incapaz de criar as condições para um acordo. Esta situação impediu avanços significativos nas negociações na COP 15 que posteriormente a levaria ao seu fracasso. Logo, das três grandes potências climáticas, apenas a União Europeia assumiu a posição de promover um acordo efetivo enquanto que os EUA e China se mostravam resistentes. Já

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potências climáticas como: Canadá, Índia, Rússia, Indonésia e África do Sul também se mantiveram em posições conservadoras. O texto final do Acordo de Copenhague, sem sua formalização, não foi negociado pelo conjunto de dirigentes presentes, foi negociado por um pequeno número de governantes, onde a forma final foi decidida pelos Estados Unidos e pelo Basic, grupo formado pelo Brasil, África do Sul, Índia e a China. Para Abranges (2009, p. 125): Tecnicamente, os governantes, ao abandonarem a cena antes, de formalização do Acordo de Copenhague, deixaram o resultado de suas conversas em um vácuo político. Como ele foi negociado por cima e por fora das regras da Convenção do Clima, a única maneira de transformar essas conversas em uma decisão política que fizesse sentido seria anunciá-la em uma coletiva de imprensa, explicá-la e assinar um termo formal de entendimento entre os governos que a ele aderissem. Deixar seus termos finais para serem negociados na trilha formal das Nações Unidas gerou incompatibilidades com as regras estabelecidas pela Convenção do Clima e se revelou um erro político. Foi esse erro que levou à sentença de fracasso da cúpula de lideranças mundiais e colapso da COP15.Dentro das trilhas formais da Convenção, paralisadas por múltiplos impasses, só haveria um resultado possível: um documento a ponto de se tornar sem sentido.

Os chefes de estado deixaram Copenhague sem uma declaração coletiva para formalizar o acordo, deixaram um vazio, a COP15 adernou. Nesse vácuo, o plenário tomou conhecimento do Acordo de Copenhague e encerrou os trabalhos. Do ponto de vista da ciência e da diplomacia, Copenhague foi um grande fracasso. Mas, da perspectiva da política da mudança climática, houve progresso. Para Abranges (2009), as principais foram: •

Primeiro: todos os governos dos maiores emissores do mundo aceitaram se comprometer com ações de mitigação;

Segundo: o Acordo de Copenhague teve a adesão formal dos líderes que o negociaram, e mesmo a China e a Índia;

Terceiro: houve avanço insuficiente, e ainda assim significativo, nas posições dos maiores emissores que, até agora, se recusavam a cooperar com o esforço global de mitigação. Estados Unidos, China, Brasil e Índia. Todos registraram as ações e os números com os quais haviam se comprometido em Copenhague;

Quarto: a meta de 2o C foi finalmente aceita e institucionalizada como um objetivo global de mitigação;

Quinto: o impasse no financiamento de ações de mitigação e adaptação dos países em desenvolvimento foi resolvido. Com as tabelas do Acordo de Copenhague preenchidas, o

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! OS AVANÇOS E FRACASSOS DA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO

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financiamento de curto prazo, de US$ 30 bilhões para 2010-2012. Houve também progresso e acordo sobre a adoção do REDD+ , em sigla em inglês para Redução às Emissões por Desmatamento e Degradação, para financiamentos na área florestal; •

Sexto: houve progresso em transferência de tecnologia, outro ponto de impasse sistemático por uma década de negociações;

Sétimo: houve progresso no entendimento das MRV (Monitoramento, Reporte e Verificação), do monitoramento das ações de mitigação “mensuráveis, reportáveis e verificáveis”;

Oitavo: o fim do G77 e os novos papéis assumidos pelo grupo dos países africanos, pelos países do Aosis e pelos países do Basic permitiram que uma nova geopolítica do clima surgisse entre os países em desenvolvimento. Essa nova divisão também ajuda a impedir que os grandes países emergentes, nas COPs, manipulem o poder de veto de países menores em seu favor.

Nono: proposta de um novo modelo de governança para tratar do tema da mudança climática.

O Acordo de Copenhague é frágil sob a ótica jurídica, porém, é quase universal do ponto de vista do constrangimento das emissões de carbono. Ante o exposto acima, é praticamente impossível que se avance no sentido de um novo tratado abrangente e juridicamente vinculante antes que os EUA aprovem uma lei climática que obrigue a redução de emissões e governo chinês estabeleça metas e estas passíveis de auditoria internacional.

5. CONCLUSÃO Desde a primeira revolução industrial, na Inglaterra, no século XVIII até a contemporânea globalização, os impactos decorrentes da emissão de gases causadores de efeito estufa, no transcorrer destes 250 anos, tem agravado a dinâmica climática global com impactos ambientais não desprezíveis em cada região do planeta. .

Ante o exposto, as Nações Unidas, através da

Conferência das Partes, iniciada em 1995, vêm discutindo soluções, em âmbito global, para a mitigação de gases causadores do efeito estufa. No transcorrer destes 18 anos de discussão, poucos foram os avanços práticos no que tange a dimensão ambiental. As dificuldades de avanço pela conferência das partes residem: na complexidade, divergência e diversidade de interesses em pauta; a metodologia de negociação utilizada nas conferências das partes, com tantos interesses, agentes de veto e decisores envolvidos e divergência entre as super potências climáticas. Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!|!!161!


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Para autores como Abranges, as dificuldades em se avançar nestas negociações são tão complexas quanto o próprio desafio da mitigação das emissões de gases causadores do efeito estufa e suas potenciais consequências para as mudanças climáticas, ou seja, o ambiente decisório sobre mudança climática é quase tão complexo como o próprio sistema climático. Sendo assim, a COP 15, a maior das conferências sobre o clima realizado até então, demonstrou-se incapaz na solução da complexa rede de questões e interesses que impedem um acordo climático global e somente ratificou o exposto acima, a governança das COP’s não tem surtido políticas ambientais satisfatórias em âmbito mundial ante a complexidade e diversidade de interesses que envolvem o tema, além disso, mostrou a divergência entre as superpotências climáticas, sobretudo em relação aos Estados Unidos e a China. Outrossim, demonstrou que sem que os EUA aprovem uma lei climática que obrigue a redução de emissões e a China aceite metas consistentes como com relação à verificação internacional do seu cumprimento, é impossível que as COP’s avancem em um tratado abrangente e juridicamente vinculante. Sendo assim, respondendo a pergunta norteadora deste artigo e vinculando- a ao parágrafo acima, sob a ótica da dimensão ambiental, a COP 15 foi um fracasso, todavia, sob ótica da dimensão política houve avanços sobretudo no comprometimento das superpotências e potências climáticas aceitaram se comprometer com ações de mitigação, a meta de 2o C foi aceita como um objetivo de mitigação, o fim do G77 e a proposta de uma nova metodologia de negociação para tratar o tema da mudança climática, sendo assim, a COP 15 foi a ratificação de um movimento de “paradas e arrancadas”, que caracteriza processos decisórios de natureza complexa. Portanto, é preciso que as superpotências e potências climáticas, a UNFCCC e as Nações Unidas avancem nas negociações acerca da mitigação da emissão dos gases causadores de efeito estufa e ao mesmo tempo nos modos operantes destas negociações para que os resultados possam ser alcançados a tempo de um colapso climático irreversível.

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ENSINO DE GEOGRAFIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: REFLEXÕES, LIMITES, DESAFIOS, POSSIBILIDADES

LEANDRO DIAS DE OLIVEIRA -

-

FELIPE DE SOUzA RAMãO

-



ENSINO DE GEOGRAFIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: REFLEXÕES, LIMITES, DESAFIOS, POSSIBILIDADES Leandro Dias de Oliveira Felipe de Souza Ramão Marcos Vinicius N. de Melo

RESUMO: A concepção de desenvolvimento sustentável vem sendo apresentada, desde sua origem no “Nosso Futuro Comum” e celebração na “Agenda 21”, como um receituário “inconteste” para a consecução de um equilíbrio sócio-ecológico planetário. Tal concepção vem reunindo um crescente número de seguidores, fazendo com que seus pressupostos fossem aceitos acriticamente para a construção de um futuro melhor. Contudo, o desenvolvimento sustentável fica oculto em um poderoso discurso de “Proteção à Natureza”, se transformando em “bula para salvação do mundo” e proporcionando a ilusão de representar menor agressão para com o “meio ambiente”. Este artigo, escrito no âmbito do Curso de Geografia da FERLAGOS (Faculdade da Região dos Lagos), tem como escopo realizar um balanço de dez anos – entre a publicação da monografia intitulada “A Ideologia do Desenvolvimento Sustentável no Ensino de Geografia”, de L. D. de Oliveira (2001) e as atuais experiências docentes e de pesquisa de seus autores – da adoção do Desenvolvimento Sustentável no ensino de Geografia nos níveis fundamental e médio. PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento Sustentável – Ideologia – Ensino de Geografia.

EDUCATION OF GEOGRAPHY AND SUSTAINABLE DEVELOPMENT: REFLECTIONS, LIMITS, CHALLENGES, POSSIBILITIES ABSTRACT: Since its origin in the document called “Our common future” and its celebration in the “Agenda 21”, the conception of sustainable development is presented as an “incontestable” receipt to the attainment of a planetary social-ecologic balance. This conception is nowadays gathering an increasing number of followers, what makes its purposes to be accepted without any censure for the construction of a better future. However, the sustainable development stays hidden in a powerful speech of “Nature Protection”, becoming a “papal bull to the salvation of the world” and providing the illusion of representing a less aggression to the environment. This article, written at the scope of the Geography Course of FERLAGOS (Faculdade da Região dos Lagos), has the

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objective of fulfilling a ten years balance – between the publication of the monograph entitled “A Ideologia do Desenvolvimento Sustentável no Ensino da Geografia”, by L. D. de Oliveira (2001) and the present author’s teaching and research experiences – of the adoption of Sustainable Development in the Geography teaching. KEYWORDS: Sustainable Development – Ideology – Education of Geography.

I.

INTRODUÇÃO Este artigo é uma síntese dos diálogos realizados no âmbito do Curso de Geografia da

FERLAGOS – Faculdade da Região dos Lagos, e resultado de um frutífero esforço que envolveu pesquisa, prática docente / discente e militância política. A primeira parte baseia-se na monografia de conclusão de graduação “A Ideologia do Desenvolvimento Sustentável no Ensino de Geografia” (2001), de Leandro Dias de Oliveira, quando é apresentada uma reflexão sobre as origens do desenvolvimento sustentável e sua transmutação em uma matriz ideológica. A segunda parte, alicerçada na monografia de conclusão de graduação de Marcos Vinicius N. de Melo, “A Ideologia do Desenvolvimento Sustentável na Prática do Ensino de Geografia no Ensino Médio” (2010), propõe uma perspectiva socioconstrutivista por parte da atuação do professor de geografia no diálogo sobre a problemática ambiental contemporânea e a adoção do desenvolvimento sustentável em sala de aula. Por fim, antes das considerações finais, há uma análise crítica dos livros didáticos de geografia, com base no trabalho monográfico de pós-graduação de autoria de Felipe de Souza Ramão, intitulado “A Incorporação do Discurso do Desenvolvimento Sustentável no Ensino de Geografia” (2010), onde é possível observar, através de uma leitura meticulosa, o quanto tal ideologia por vezes é adotada como pensamento comum.

II.

A EMERSÃO DA NOÇÃO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL A idéia embrionária do conceito de desenvolvimento sustentável advém do

pensamento conservacionista de Gifford Pinchot, nos Estados Unidos no século XIX (DIEGUES, 1996, p.29). O conservacionismo é uma concepção de uso adequado e criterioso dos recursos naturais, de forma racional, voltado para o benefício da “maioria dos cidadãos”. Pinchot trabalhava com a idéia de transformação da natureza em mercadoria, questionando somente o ritmo veloz da apropriação de seus recursos.

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O primeiro estudo que resgata estas idéias conservacionistas e coloca definitivamente a destruição sistemática dos “recursos naturais” na pauta de discussões geopolíticas é o “Limites do Crescimento” (1971), efetuado por um grupo de estudiosos, entre cientistas, educadores, economistas e industriais, que se reuniram em Roma para estudar os “problemas da humanidade” e suas “conseqüências para o futuro”. O denominado Clube de Roma tinha como objetivo primordial trabalhar a problemática do aumento populacional e a pressão exercida por este crescimento na destruição dos ecossistemas e dos recursos não-renováveis (LEMOS, 1991, p.4). Este estudo apontava como solução a busca do equilíbrio global – uma espécie de planejamento mundial para a manutenção do capitalismo com menor aridez de seus resultados humanos e ecológicos. A gênese do conceito de desenvolvimento sustentável já estava intrínseca em toda esta discussão, na busca por um “equilíbrio que fosse sustentável em um futuro longínquo” (MEADOWS, 1973, p. 162). Influenciados por este tom sombrio do “Limites do Crescimento”, que indicava um possível colapso da “(re) produção natural” e destacava a fome, a poluição e o crescimento demográfico como vilões da humanidade, ocorre a Primeira Conferência Mundial de Desenvolvimento e Meio Ambiente (1972), em Estocolmo (Suécia). A maior preocupação desta conferência era criar uma coalizão internacional “para conter a poluição em suas várias formas” (EVASO, 1992, p. 94), e ainda estimular os governos nacionais para a criação de “políticas ambientais” que evitassem o agravamento da degradação ambiental ou restaurasse os padrões de qualidade de água, ar e solo. Já os recursos não-renováveis deveriam “ser utilizados de forma a evitar que o perigo de seu esgotamento futuro e assegurar que toda a humanidade participe de tal uso” (JUNGSTEDT, 1999, p. 7). Esta discussão sobre o uso dos “recursos naturais” obedecia à lógica de manutenção da reprodução do capital, destacando-se o interesse de obstruir o crescimento dos países ditos “subdesenvolvidos” e estimulá-los a seguir a cartilha dos países mais poderosos. Entretanto, mal acabara a conferência onde se salientou a importância dos recursos naturais para a máquina capitalista, e ocorre um fato que era motivo de grandes preocupações para os Países Centrais: um enfrentamento com países periféricos, através do que conhecemos como Crise do Petróleo. O choque causado pelo aumento dos preços e embargo árabe às exportações do petróleo ao Ocidente gerou uma crise de proporções gigantescas, pois debilitou o consumo de energia e desestabilizou os mercados financeiros mundiais (HARVEY, 1992, p. 136). Ou seja, uma crise causada por países periféricos então detentores das riquezas naturais! Logo, a preocupação não poderia ser somente a obliteração da natureza enquanto recurso; também ficava claro que uma gestão protocolar dos recursos naturais dos países periféricos era vital, para que assim se impedisse choques decorrentes da falta de fornecimento dos recursos naturais pela periferia.

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A Crise do Petróleo serviu para “sufocar” ainda mais o regime fordista (Harvey, 1992, p. 136), o que ocasionou, nas décadas seguintes, um “boom” industrial obtido sem maiores preocupações ambientais. A técnica e a ciência continuaram por subjugar a natureza em prol de grandes lucros. Com a deficiência na profilaxia idealizada nas discussões da Conferência de Estocolmo, assistimos uma aceleração contínua de efeitos que retratam um processo incontestável de “destruição” ecológica: desertificação, efeito estufa, destruição da camada de ozônio, inversão térmica, desmatamento, poluição do ar, dos rios e mares, ameaças nucleares, lixo tóxico, enfim, a ascensão do discurso de Apocalipse Now, sob a denominação de “Crise Ambiental”. O temor de que a destruição da reprodução capitalista fosse causada pelo esgotamento dos recursos naturais tornou-se, definitivamente, assunto de repercussão em discussões econômicas mundiais. Objetivando uma “solução” urgente para a “problemática” ambiental, é aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1983, a criação de uma equipe para trabalhar esta questão, que recebe o nome de Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, com a presidência a primeira-ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland. Esta comissão publica o resultado de suas observações em 1987, sob o nome de Nosso Futuro Comum ou Relatório Brundtland. O Relatório Brundtland é o documento que elege definitivamente o conceito de desenvolvimento sustentável, como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades” (BRUNDTLAND, 1988, p. 46). Este estudo ressalta, entre outros, a necessidade de administração do crescimento populacional, e o controle do esgotamento de recursos naturais. É sob a influência deste Relatório que acontece a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – a CNUMAD-92 (ECO-92), no Rio de Janeiro. A escolha recaiu sobre o Brasil, um país de industrialização tardia, aprazível pelo fato de haver um governo que seguia os pressupostos de uma economia liberal. Vale ressaltar que o Brasil possui em seu território um imenso patrimônio natural: a Amazônia, indubitável fonte de riquezas, de pesquisa, de royalties e patentes, principalmente se imaginarmos a riqueza genética ainda não explorada. A ECO-92 caracterizou-se pela celebração do desenvolvimento sustentável através, principalmente, de um documento chamado Agenda 21. A Agenda 21 é um receituário para “acertos” de ordem ecológica, e em sua retórica aparecem um mesmo patamar de estratégias para os diversos países do mundo. A Agenda 21 é um compromisso político de cooperação para alcançar o desenvolvimento sustentável em todos os países da esfera terrestre. Entre suas estratégias principais encontramos: a promoção do desenvolvimento sustentável através do comércio e oferta

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de recursos financeiros suficientes aos países em desenvolvimento (Capítulo 2); a conservação da diversidade biológica (Capítulo 15); o fortalecimento da base científica para o manejo sustentável (Capítulo 35); e a promoção do ensino, a conscientização e o treinamento para a melhor execução do desenvolvimento sustentável (Capítulo 36). Influindo em diversas áreas e criando políticas diretivas bastante abrangentes, tudo passa a ser refletido segundo sua “sustentabilidade”: “agricultura sustentável”, “dinâmica demográfica sustentável”, “padrões de consumo sustentável”, “sustentabilidade do produto”, entre outros. A impregnação da “sustentabilidade” em toda a política econômica e social mostra o claro interesse em contaminar a todos com este ideal e sua carga de convicções. Entendemos, por fim, que a ECO-92 foi uma tentativa de ajuste dos mais diversos problemas ambientais visando a manutenção da relação centro-periferia (OLIVEIRA, 2009 e 2011), e também a adaptação do capitalismo às possíveis dificuldades da regulação e extinção dos recursos naturais fundamentais à reprodução do capital. Apontamos que o desenvolvimento sustentável é o que podemos denominar como Ideologia (OLIVEIRA, 2001, 2002, 2003, 2005, 2006, 2007 e 2009a). E enxergamos ideologia como uma consciência hegemônica da realidade que serve para mascarar as contradições da luta de classes. O desenvolvimento sustentável representa, principalmente, dois objetivos centrais: (1) a manutenção da reprodução do capitalismo e sua consolidação global no controle da natureza enquanto recurso e (2) a manutenção da pressão Centro/Periferia através da gestão dos recursos naturais dos “países dependentes”. Logo, não estamos diante de uma proposta alternativa, pois o desenvolvimento sustentável significa um ajuste da ordem vigente sem que se ataque os pilares da conjuntura hegemônica atual, pois mantém o sistema atual e as disposições em vigor. Nosso trabalho então, impreterivelmente, preocupa-se com a prática da geografia em relação à Ideologia do Desenvolvimento Sustentável. O professor de geografia é um artífice incansável na luta pela construção do saber crítico, que geralmente ambiciona fazer de suas aulas importantes palcos de acalorados debates. Independente da maneira de pensar ou forma de aplicação de conteúdo, ele é um fundamental sujeito na realização de uma práxis social transformadora.

III.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O PAPEL DO

PROFESSOR DE GEOGRAFIA O estudo da natureza em si – e de processos naturais em sua autonomia –, é condição sine qua non para o seu uso pela sociedade moderna. Tornou-se pré-requisito para se resolver os

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enormes problemas ambientais colocados por esse uso de forma intensiva, e, por conseguinte, um dos grandes desafios do século XXI. Para uma abordagem da problemática ambiental não podemos concordar com medidas paliativas: devemos destacadamente buscar soluções concretas e de alcance macro-escalar. No processo de implementação do desenvolvimento sustentável, a educação ambiental acaba por tornar-se uma prática que não incorpora reflexões sobre o modelo de consumo dos bens naturais, consolidando-se como uma importante ferramenta para a absorção do desenvolvimento sustentável. O ensino da Geografia, aceitando acriticamente os propósitos de uma “educação ambiental” previamente formulada para o desenvolvimento sustentável, acaba não cumprindo o seu papel crítico na construção de uma sociedade ecologicamente melhor (OLIVEIRA, 2001; MELO, 2010). Apontamos, desde já, que uma das formas de levar à prática de ensino reflexivo às comunidades é pela ação direta do professor na sala de aula e em atividades extracurriculares. Através de atividades como leituras, análises de caso, pesquisas e debates, os alunos poderão entender e tecer problemáticas que afetam a comunidade onde vivem; e assim, serão levados a refletir e criticar as ações de sua vivência. Afinal, os professores são peças fundamentais no processo de conscientização da sociedade, e desta maneira, pela crítica à ideologia do desenvolvimento sustentável. São sujeitos na construção, junto aos seus alunos, de reflexões acerca do “uso / consumo da natureza”, transformando-os em atores conscientes e comprometidos com a sociedade. Como alerta José W. Vesentini (2008, p. 15): Em outros termos, o conhecimento a ser alcançado no ensino, na perspectiva de uma geografia crítica, não se localiza no professor ou na ciência a ser "ensinada" ou vulgarizada, e sim no real, no meio em que aluno e professor estão situados e é fruto da práxis coletiva dos grupos sociais. Integrar o educando no meio significa deixá-lo descobrir que pode tornar-se sujeito na história.

Essa é a prática que vamos tentar exemplificar, procurando sempre não oferecer respostas prontas, mas indagações em relação a assuntos e problemas específicos, tendo o ensino de geografia como principal motivador das questões a serem abordadas. Reafirmamos que para a aprendizagem, no que se refere ao diálogo fundamental sobre a problemática ambiental contemporânea e a persuasão da ideologia do desenvolvimento sustentável, a prática sócioespacial seria a melhor saída para o entendimento da concretude da questão supracitada. Com a dificuldade de demonstração e exemplificação do termo desenvolvimento sustentável em suas bases reais, torna-se mister elaborarmos e examinarmos métodos para a reflexão do mesmo. Assim, na busca por este entendimento é possível pensar sob a perspectiva socioconstrutivista, oriunda dos estudos de Vygotsky (1896-1934), aqui entendida como uma denominação que

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“concebe o ensino como uma intervenção intencional nos processos intelectuais, sociais e afetivos do aluno, buscando sua relação consciente e ativa com os objetivos de conhecimento” (CAVALCANTI, 2002, p. 31). Tendo em vista que a aprendizagem socioconstrutivista se inicia internamente com estímulos e influências externos, poderemos expor, inspirados na obra de Lana Cavalcanti (2002), uma nova abordagem para o termo desenvolvimento sustentável, identificando o papel de cada agente envolvido no ensino processo educativo: Professores, Alunos e Escola. O professor tem um papel preponderante nessa perspectiva, não como detentor exclusivo do conhecimento, mas sim como mediador dos saberes. Não existe um conhecimento e sim os conhecimentos diversos intrínsecos aos alunos, onde o professor tem que buscar os questionamentos para sua aula com prática não-diretiva. A busca do professor é uma incessante problematização das questões em sala de aula, o que não significa dizer que haja um rompimento definitivo com as formas convencionais de encaminhar o ensino, como as aulas expositivas, trabalhos de leitura e interpretação de textos, além de atividades extra-classe. A problematização e os questionamentos fazem parte da prática socioconstrutivista, tendo como mola propulsora a retirada dos antolhos e dos discursos que são presentes na sociedade, nos conceitos e nas terminologias. Afinal, um conceito “não se forma ou se constrói na mente do indivíduo por transferência direta, ou por assimilação reprodutiva”, e ainda “as indicações para a formação de conceitos no ensino, na linha de uma didática histórico-crítica, recomendam o confronto de conceitos científicos e conceitos cotidianos” (CAVALCANTI, op. cit., p. 15). Além da problematização, o professor deve abordar os confrontos conceituais que impetram a sociedade e também o conhecimento geográfico, mediando os debates incentivados em sua prática docente. O aluno, na perspectiva socioconstrutivista, se diferencia das demais práticas de ensino pela sua participação na elaboração de uma aula reflexiva e não-reprodutiva. Partindo de uma abordagem sócio-crítica da aprendizagem, o aluno torna-se construtor de conhecimento e não mais ser passivo em relação ao conhecimento, ou seja, um sujeito ativo do processo (CAVALCANTI, op. cit., p. 30). Se antes o aluno era apático, indiferente e reprodutor do conhecimento, com essa prática o mesmo poderá se tornar um ativo em seus questionamentos e em sua rotina cidadã, tendo como objetivo central a igualdade social. O aluno como produtor de conhecimento vem eliminar a prática de memorização que há tanto tempo está impregnada no ensino e que torna a geografia uma disciplina simplória e enfadonha. A

escola

será

um

agente

basilar

na

implementação

da

aprendizagem

socioconstrutivista, propondo um ensino crítico e de ação reflexiva em todo o seu entorno. E essa proposta pode ser inicialmente introduzida no PPP (Projeto Político Pedagógico), ao planejar e fiscalizar ações do aprendizado, a escola vem inferir que tipo de ensino está sendo realizado. Novamente recorremos à Lana Cavalcanti (op. cit., p. 33)., quando esta assegura que a escola é

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“um lugar de encontro de culturas, de saberes, de saberes científicos e de saberes cotidianos, ainda que o seu trabalho tenha como referência básica os saberes científicos”, pois a escola trabalha com culturas,“seja no interior da sala de aula, seja nos demais espaços escolares”. Um dos maiores desafios da escola atual é superar a aplicação de seus conteúdos através de práticas onde predominem apenas alguns resquícios socioconstrutivistas, de forma hibridizada. É fundamental que se supere esta experiência de “socioconstrutivismo seletivo”, onde se adota um modelo que ainda incentiva disfarçadamente a memorização e a reprodução dos conceitos. Afinal, pensar o desenvolvimento sustentável através do socioconstrutivismo é uma maneira importante de evitar oferecer ao público discente apenas a interpretação pronta de um modelo gestado pela intelligentsia dos países centrais. IV.

PENSANDO O LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA O livro didático é uma ferramenta muito importante no processo ensino-aprendizagem,

pois condensa vários conteúdos das disciplinas, podendo servir de apoio durante as aulas ou como base de estudos para o aluno. Concomitantemente, o livro didático pode servir como aprisionamento do professor, quando este tem o mesmo como única ferramenta e o encara como receptáculo de verdades absolutas, tornando-se assim um veículo para a expansão de discursos dominantes. A. C. Castrogiovanni e L.B. Goulart (2001, p. 129) analisam o livro didático de maneira específica, fugindo das generalizações e rotulações, lembrando que: temos nos deparado com muitas críticas quanto aos atuais livros didáticos de geografia. (...) E realmente, ao analisarmos certos livros, constatamos que há grandes absurdos. Por outro lado, deparamo-nos mais recentemente com a publicação de obras que merecem considerações elogiosas, podendo contribuir de maneira significativa para o trabalho do professor.

A pesquisa e escolha do livro didático, o planejamento, a visão crítica das análises, textos etc., a autonomia do professor e o método de utilização, serão pontos importantes que poderão fazer do livro didático uma excelente ferramenta. Todavia, sabe-se que esses processos ocorrem de maneiras heterogêneas no Brasil, criando formas e consequências diversas. Fazemos coro com Igor Moreira e Elizabeth Auricchio (2007, p. 09, Manual do Professor), quando lembram que:

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sendo o conhecimento uma abstração incompleta e precária da realidade, qualquer livro é apenas uma forma de apreender a realidade, partindo-se da visão e do processo cognitivo de um autor (ou autores) em um determinado momento. É assim que alunos e professores devem considerar qualquer livro, sobretudo o didático, isto é, como uma referência, um recurso a ser usado no processo de ensino-aprendizagem.

Deve-se compreender que o livro didático não pode ser considerado um guia, porém, é um erro negligenciar a importância dessa ferramenta, inclusive para a expansão e reprodução de discursos. Observam-se no livro didático visões sobre família, trabalho, riqueza, pobreza, “bom”, “mau”, “certo”, “errado”, além de concepções sobre ética, moral, cidadania, respeito etc. O livro didático de geografia, por vezes, reproduz uma visão dominante da realidade, contemplando os interesses específicos e classistas. Assim, a relação do desenvolvimento com a conservação do ambiente está presente no livro didático em muitos momentos, mas, peremptoriamente, encontra-se resumida – em sua discussão teórica e nos desdobramentos empíricos – à concepção de desenvolvimento sustentável, objeto central nessa pequena reflexão sobre os livros didáticos de geografia. De fato, percebe-se uma mudança de abordagem sobre a relação desenvolvimento e conservação do ambiente no livro didático de geografia brasileiro desde a década de 70 até os últimos exemplares. Obviamente, recorre-se a uma análise geral, que não se estende a todos os exemplares dos livros didáticos de geografia, mas representa a visão de autores consagrados, centrais e representantes das maiores editoras brasileiras. Se o contexto histórico não exatamente determina o conteúdo estudado, acreditamos que ele pode condicionar análises, quantidade de informação e ainda determinados tipos de abordagens, textos complementares e autores citados, e ainda, segundo nossa investigação, influenciará a visão do autor na análise sobre o desenvolvimento sustentável. Na década de 70 e 80, o tema conservação do ambiente, ou sua relação com o desenvolvimento, não era tão debatido quanto atualmente. Para alguns autores, a questão ambiental era algo menor, pois o Brasil enfrentava a Ditadura Militar, com a sua lógica desenvolvimentista e a supressão das liberdades. A geografia brasileira, via de regra, vinha se mostrando refém deste tipo de predileção, com a supremacia da questão econômico-social sobre os discursos ambientalistas, encarados com ironia e visto até mesmo como uma afronta aos marxistas. Em um artigo do período, que elucida bem o que afirmamos, Ricardo Antônio da Paixão (1982, p. 285-286) aponta que: (...) Muitos ainda negam a existência da referida questão, pelo menos no que diz respeito aos países considerados subdesenvolvidos, entre os quais, aliás, se inclui

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a formação social. Argumenta-se que países como o nosso não se pode dar o ‘luxo’ de ter preocupações ambientais devido à urgência de apresentarmos soluções para problemas sociais mais graves. (...) Daí sermos chamados a auxiliar a crítica, no que somos prontamente tachados de ‘pequenos burgueses’, ao mesmo tempo em que os indiferentes à causa ambiental se auto-rotulam de ‘revolucionários’ em favor de uma causa social mais ampla.

O autor alcança o âmago da questão, expondo praticamente a única linha aceita de um geógrafo “crítico” dessa época, como se a relação sociedade-natureza não se implicasse na questão social. Assim, o autor afirma que a discussão da relação sociedade-natureza, partindo da compreensão do espaço geográfico, é a própria razão de ser e existir da geografia. A popularização do desenvolvimento sustentável transformou o debate sobre a relação desenvolvimento com a questão ambiental. Na prática, os livros didáticos começam a adquirir mais páginas sobre o assunto, fazendo com que o mesmo se torne um capítulo ou mais, e até mesmo uma unidade1, tratando de impactos ambientais, em escala global e nacional, nas mais diversas intensidades e formas; e das formas de conservação do ambiente, ou seja, de como frear os impactos ambientais, nesse novo momento tendo o desenvolvimento sustentável como solução. O poder de um discurso é muito importante para modificar a visão de vários autores, que, atualmente, compartilham dos ideais de sustentabilidade. David Harvey (2008) afirma que nenhum modo de pensamento se torna dominante sem propor um aparato conceitual, um corpo de ideias capaz de mobilizar as nossas sensações e nossos instintos, nossos valores e nossos desejos. Se bem-sucedido esse aparato conceitual se incorpora a tal ponto ao senso comum que passa a ser tido por certo e livre de questionamento. Ou seja, é possível traçar um paralelo com a concepção de desenvolvimento sustentável, que se alastrou pelos mais distintos segmentos da sociedade, tornando-se uma espécie de unanimidade, atingindo diretamente os livros didáticos de geografia. Se a questão social escamoteava a questão ambiental por se tratar de um tema relevante nas décadas de 70 e 80, vemos uma inversão nesta lógica, quando atualmente a questão ambiental escamoteia a luta de classes, como ressalta Rodrigues (2006), ou produz um enfoque ecocêntrico, como ressalta Souza (2005). Ou seja, danos sociais são relevados tendo como justificativa a questão ambiental e, muitas vezes sob a égide do desenvolvimento sustentável. 1

Eustáquio de Sene e João Carlos Moreira, na edição de Geografia Geral e do Brasil – Espaço Geográfico e Globalização, de 1998, discutem em uma unidade exclusiva o desenvolvimento e a conservação do meio ambiente.

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! ! V.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Em dez anos, entre a monografia intitulada “A Ideologia do Desenvolvimento

Sustentável no Ensino de Geografia”, de L. D. de Oliveira (2001) e este artigo que agora apresentamos, é possível percebermos que: [1] o desenvolvimento sustentável se consolidou como ideologia, mesmo com todas as restrições à inconcretude do termo. É fácil perceber que propostas como o uso racional dos recursos e a separação de materiais recicláveis e reutilização de produtos descartados se tornaram paradigmas nas escolas; [2] o desenvolvimento sustentável atinge a prática docente, particularmente pelo fato do professor ainda não ter declarado independência do “conteudismo” – apontamos aqui que o socioconstrutivismo, como proposta e método, possibilita o debate aberto sobre a contemporaneidade (MELO, 2008) e permite que aluno não sofra com projetos de ideias político-econômicas prontas; e, por fim, [3] no que se refere ao livro didático de Geografia, a temática do desenvolvimento sustentável avançou a passos largos nos últimos dez anos. Se esta analogia for realizada em um período de tempo maior – comparando os tempos atuais com a década de 70, por exemplo, fica mais evidente ainda que o meio ambiente se consolidasse como temática dominante de nossa época (RAMÃO, 2010). É fundamental se perceber – e este breve balanço pretende contribuir para isso – que para uma educação crítica e transformadora torna-se necessário caminhar para além dos propósitos do desenvolvimento sustentável. Se a prática da educação ambiental é uma proposta de transformação da realidade, este debate é de suma importância para que se possa pensar a relação sociedade – natureza para além dos dogmas dominantes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGENDA

21.

CONFERÊNCIA

DAS

NAÇÕES

UNIDAS

SOBRE

MEIO

AMBIENTE

E

DESENVOLVIMENTO. A Agenda 21. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1996. BRUNDTLAND,

Gro

Harlem.

COMISSÃO

MUNDIAL

SOBRE

MEIO

AMBIENTE

E

DESENVOLVIMENTO - 1988. Nosso Futuro Comum (Relatório Brundtland). Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1988. CASTROGIOVANNI, Antonio Castro; GOULART, Lígia Beatriz. A Questão do Livro Didático em Geografia: elementos para uma análise. In: CASTROGIOVANNI, Antonio Castro; CALLAI, Helena Copetti; SCHAFFER, Neiva Otero; KAERCHER, Nestor André (Orgs.). Geografia em Sala de Aula: práticas e reflexões. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2001. (3ª Edição).

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LEANDRO DIAS DE OLIVEIRA | FELIPE DE SOUZA RAMÃO | MARCOS VINICIUS N. DE MELO

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S o c i o l o g i a

MORALIZAÇÃO DO SUICÍDIO?

PeDRO CAttAPAn -



MORALIZAÇÃO DO SUICÍDIO? Pedro Cattapan RESUMO: Este artigo busca criticar a proposta de criação de uma rede de controle de depressivos com fins de prevenir a sociedade do risco dos suicídios. Para tanto, é buscada a posição ético-teórica de dois campos: A psicanálise e a obra de Michel Foucault. O artigo defende que se abandone uma abordagem moral calcada numa perspectiva patologizante e biopolítica da depressão em prol de um reconhecimento da legitimidade da liberdade do sujeito de optar por viver ou morrer. É apenas reconhecendo a morte como parte integrante da experiência da vida que o sujeito é capaz de abandonar duas posições intolerantes: a do suicida, que não tolera sua existência e a do defensor de uma sociedade biopolítica que também não tolera a existência do suicídio. PALAVRAS-CHAVE: Depressão, suicídio, psicanálise freudiana, biopolítica.

MORALIZATION OF SUICIDE? ABSTRACT: This article tries to criticize the proposal of the creation of a depressives’ control network that aims to prevent society from the risks of suicides. To accomplish this proposal, this article takes the ethical-theoretical position of two fields: Psychoanalysis and the work of Michel Foucault. The article defends the abandon of a moral and biopolithical perspective of depression in favor of recognition of the legitimacy of the subject’s freedom to choose to live or die. The subject is only capable of abandoning two intolerant positions (the suicidal one, which doesn’t tolerate its existence and the defender of a biopolithical society one, which also doesn’t tolerate the existence of suicide) when he recognizes death as part of life’s experience. KEYWORDS: Depression, suicide, freudian psychoanalysis, biopolitics.

INTRODUÇÃO Este artigo foi construído como uma tentativa de problematizar algumas idéias desenvolvidas num outro artigo, este publicado no Jornal O Globo, no dia treze de novembro do ano de 2009. O

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artigo se chama O complexo de Agar e foi escrito pelo sociólogo e pesquisador do IES-UERJ Gláucio Ary Dillon Soares. Ali, o autor se propôs a mostrar como a depressão é uma doença que em muitos casos leva ao suicídio; em seguida argumentou em prol da criação de uma rede de controle dos deprimidos para impedir que se suicidem. Como autor cuja orientação teórica é a psicanalítica, percebo uma grande diferença entre a abordagem psicanalítica do problema da depressão (e do suicídio) da proposta de Soares. Entendo ser importante marcar esta diferença e mostrar que este problema pode ser trabalhado de forma diferente. Reproduzo a seguir um trecho do artigo de Soares para que se explicite seu estilo e seu objetivo: A construção de uma rede de proteção para detectar e tratar casos de depressão e bipolaridade pode ser um dos procedimentos mais difíceis e necessários para tratar com esses problemas na população. Se os pacientes não buscam o tratamento, é importante que o tratamento busque o paciente (SOARES, 2009, p. 7).

Proponho que utilizemos este artigo como exemplo extremo de uma forma de pensar a depressão e o suicídio que pode ser sintetizada na seguinte frase: “Temos de controlar a população de deprimidos para que não ocorram mais suicídios”. É preciso que tentemos nos afastar um pouco da naturalidade com que se pode escutar isto; meu objetivo neste artigo é problematizar tal forma de pensar e agir. Para tanto, entendo ser uma boa estratégia buscar encontrar as raízes, os determinantes desta forma de pensar e criticá-los a partir do ponto de vista psicanalítico e também das contribuições de Michel Foucault sobre o tema, que, como se verá no desenvolvimento do artigo, são fundamentais para uma melhor compreensão do problema.

AS CONDIÇÕES DO CONTROLE Ora, para que a forma de pensar acima referida seja possível, parecem ser necessárias algumas condições: Em primeiro lugar, a concepção de depressão como doença. Ver na depressão uma doença não é uma obviedade. Já houve tempos em que não era assim - a depressão e/ou a melancolia era vista como um estado da alma que não necessariamente era patológico. A filósofa Hélène Prigent mostra, por exemplo, como em 1510,

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no Renascimento, Agrippa de Nettesheim, um protocientista e alquimista alemão, associou a melancolia à mente criativa, ao gênio, o que aparece com clareza na gravura de Albrecht Dürer “Melencholia I” e na tela de Lucas Cranach, o velho, “Melancolia” e também nas biografias dos mestres do Renascimento italiano escritas por Giorgio Vasari (Prigent, 2005). Somente com o desenvolvimento da racionalização da vida humana empreendida desde a segunda metade do século XVII é que a melancolia (ou depressão) será incluída no conjunto de estados mentais chamados loucura, por sua vez entendida como desrazão e, em seguida, encaminhada à psiquiatria (FOUCAULT, 1961). Mesmo durante e após este processo não cessaram de emergir outras visões sobre a depressão e o suicídio. Não pretendo me alongar sobre este ponto, mas vale lembrar a intervenção social causada pelo livro do jovem poeta alemão Johann Wolfgang Goethe Os sofrimentos do jovem Werther (GOETHE, 1774). O protagonista deste romance deprime e termina por suicidar-se. O suicídio, no entanto, nesta obra, é estetizado, é tratado como uma ação que torna esta história interessante, dando-lhe um sentido, tem um quê de heróico. O efeito desta obra foi imediato: nos países de língua alemã viu-se algo inédito – uma ‘epidemia’ de suicídios de jovens leitores identificados a Werther. O suicídio era experimentado ali, e na época romântica que seguiu tal publicação, como algo que dava um lugar, um sentido especial a uma existência. Em segundo lugar: a própria idéia de doença parece, no artigo de Soares, ser compreendida como algo que se acopla ao corpo e ao sujeito, não é da mesma essência deles, mas é algo de estrangeiro que parasita este corpo e este sujeito. Esta concepção está pressuposta na idéia de que o tratamento deve ir atrás do doente caso este não procure aquele. Parece que o que se delineia sub-repticiamente aqui é que esta suposta doença, a depressão, nubla, turva a visão clara dos fatos, da realidade e de si mesmo, fazendo com que alguém faça algo de atroz – se matar -, coisa que não faria em plena saúde mental. Aqui já encontro um grande distanciamento das concepções psicanalíticas seja de doença, seja de sujeito, seja de depressão. No campo psicanalítico, já desde Freud, as fronteiras entre o normal e o patológico são tornadas difíceis de serem delineadas. Todo funcionamento normal descoberto por Freud, foi antes visto de modo acentuado na patologia. Seja o recalcamento – antes descoberto na histeria (BREUER & FREUD, 1895d [1893-1895]; FREUD, 1915d) -, seja o narcisismo – antes visto em sua exuberância na psicose (FREUD, 1911c; FREUD, 1914c), seja a pulsão de morte - antes evidenciada nas neuroses traumáticas (FREUD, 1920g). Por isso mesmo, Freud costumará a considerar o fator econômico – a questão das quantidades pulsionais - como decisivo para o surgimento ou não de uma psicopatologia, uma vez que a tópica e a dinâmica psíquica não diferem entre os ditos normais e os doentes (p.ex. em FREUD, 1937c).

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No que se refere à concepção psicanalítica de sujeito, precisamos recorrer a Lacan, uma vez que o sujeito não é um tema freudiano, pelo menos não explicitamente. Tomemos Lacan em um de seus momentos mais radicais: No seminário O sinthoma (LACAN, 1975-1976). Neste momento tardio de sua obra, o psicanalista francês propõe que é exatamente o sintoma o que garante o sujeito. Dito de outro modo, ali onde há sintoma, é ali mesmo em que está o sujeito. Sujeito e sintoma são, nesta perspectiva, indissociáveis. No apagamento de um, apaga-se o outro. Há aqui uma positivação do sintoma como singularidade subjetiva. Ora, o sujeito é, portanto, indissociável da doença. A psicanálise não autoriza aquela concepção de doença como algo que se acopla ao sujeito, desresponsabilizando-o. Ao contrário, o sujeito deve se responsabilizar por seu sintoma, deve se responsabilizar por si. E a concepção psicanalítica de depressão também se afasta de uma compreensão unicamente negativa da mesma. Propositadamente, acompanharei aqui a reflexão de outros dois autores, Pierre Fédida e Melanie Klein, cujos desenvolvimentos teóricos são distintos de Freud, de Lacan, bem como um do outro. Minha intenção é demonstrar que, na variedade teórico-clínica de algumas linhas psicanalíticas, ainda assim, podemos encontrar certa convergência quanto aos temas aqui colocados, o que parece demonstrar certa posição ética da psicanálise. Em Dos benefícios da depressão (2001), por exemplo, Pierre Fédida, inspirado pelo movimento freudiano acima citado – aquele da descoberta de um funcionamento psíquico na patologia para depois encontrá-lo na normalidade -, o faz exatamente com o que se costuma chamar em psicanálise de melancolia. Na verdade, ele não distingue depressão de melancolia a não ser pelo fato de a segunda ser uma radicalização da primeira, posição, aliás, semelhante à de Freud (FREUD, 1917e [1915]; 1926d [1925]). Para Fédida, a condição depressiva é uma radicalização da nossa própria condição humana. O autor nos lembra que apenas desejamos, fantasiamos, temos uma vida psíquica – pobre ou rica, pouco importa -, mas temos uma vida psíquica exatamente porque não conseguimos elaborar, realizar o luto primordial, do seio materno, estamos assombrados por aquele objeto – e é por isso que criamos fantasias, sintomas, enfim: vida. É claro que Fédida não quer dizer que somos todos melancólicos no sentido patológico do termo – do mesmo modo Freud não quis dizer que nós todos somos psicóticos porque somos narcisistas. O que Fédida busca enfatizar é o fato de todos termos sofrido um trauma constitutivo de nossa subjetividade – o trauma da perda do seio materno que era, num momento precoce, experimentado como uma perda de parte de nós mesmos; e o próprio movimento do desejo, eternamente buscando reencontrar o objeto perdido, é um sinal de que a elaboração daquela perda não se fez completamente.

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Num desenvolvimento diferente, Melanie Klein (1952a, 1952b, 1952c), já destacava a importância do que chamou de posição depressiva para o desenvolvimento do sujeito. Klein tentou demonstrar que quando a pequena criança percebe que o objeto de seu amor (a mãe) e de seu ódio é o mesmo, ela gradativamente tende a inibir suas tendências agressivas em direção à mãe para preservá-la da destruição fantasiada do objeto. Desenvolve assim tanto um sentimento de culpa quanto o movimento de reparação de seus atos e/ou desejos destrutivos, que se expandirão na capacidade de dar algo, acrescentar algo, ser criativo. Ora, Klein nomeia tal momento do desenvolvimento de posição depressiva porque percebe, de fato, comportamentos e fantasias depressivas da criança que passa a voltar sua agressividade contra si mesma e inibe suas ações. Não se trata da patologia depressão, mas de uma capacidade depressiva que, justamente, protege da depressão. O desenvolvimento dos raciocínios de Klein e de Fédida, por vias diferentes, leva, portanto, à conclusão de que a experiência depressiva é importante para uma vida criativa, até mesmo para proteger o sujeito de uma depressão mais severa e mortificante. Como se percebe, para a psicanálise, normal e anormal não são distinções nítidas, sujeito e sintoma são indissociáveis e depressão e vida psíquica não são tão opostas quanto parece. Nesta perspectiva, não é mais possível dizer que alguém se suicida necessariamente porque é doente, nem que o apagamento dos sintomas depressivos (p.e. através de psicofármacos, como aparece no artigo A síndrome de Agar) será benéfico para o sujeito e nem que será importante para salvarmos sua vida. Assim, chegamos a uma outra condição da posição defendida pelo artigo com que discuto – à terceira condição, portanto. Parece que o que a psicanálise chama de vida não é a mesma coisa que a vida defendida por uma posição que necessariamente patologiza e é intolerante ao suicídio. A partir do referencial psicanalítico pode-se conceber o quadro depressivo como uma defesa da vida daquele sujeito. É exatamente o que propõe, por exemplo, outro importante autor, Donald Winnicott, a respeito do que chama de Falso Self (WINNICOTT, 1964), quadro clínico de grande parentesco com a melancolia. Para Winnicott, um Falso Self se forma exatamente como defesa que impede um Verdadeiro Self de se manifestar, mas, ao mesmo tempo, o preserva tal como uma máscara preserva um rosto. Monta-se um modo desprovido do sentimento de ‘sentir-se existindo’ de responder às exigências do mundo externo, monta-se uma existência mortificada, anulada, mas que, mesmo assim, preserva-se como existência que se coloca razoavelmente afastada da necessidade da confiança na realização dos próprios desejos, ilusão necessária a uma vida que tolere a eventual frustração daqueles. Pode-se conceber também que alguém pode se matar ou deixar-se morrer não por conta de um apagamento da clareza das coisas causado por esta intrusa, a doença, mas como uma via

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possível para seu desejo se realizar, como uma posição possível do sujeito para não se apagar, como pode ser lido na análise lacaniana da Antígona de Sófocles (LACAN, 1959-1960). No entanto, há uma outra significação possível para vida que não permite este posicionamento e, creio eu, é ela que está na base desta repulsa à depressão e ao suicídio.

BIOPOLÍTICA OU LIBERDADE Cito outro trecho do artigo de Soares: O suicídio não é a única conseqüência negativa e mensurável da bipolaridade: mulheres bipolares perdem, na média, nove anos na expectativa de vida, doze anos de saúde normal e quatorze anos de produtividade, incluindo não apenas as grandes crises, mas as minicrises e depressões do quotidiano (SOARES, 2009, p. 7)

Pois bem, a vida aqui é algo quantificável, mensurável a partir de três pontos interligados: 1) longevidade, 2) saúde e 3) produtividade. E vale ressaltar, a grande depressão leva ao suicídio, mas as “depressões do cotidiano”, nas palavras do autor, também trazem uma espécie de morte: seja por conta de uma vida mais curta, de uma má saúde ou de uma falta de produtividade. Quando fala em falta de produtividade, não sabemos exatamente o que o autor quer dizer, pois ele pára por aí. No entanto, pelo conjunto do artigo e pela tentativa de criar uma rede de controle da população para que não ocorram suicídios, o termo produtividade parece estar ligado aos interesses que a população, a sociedade, pode vir a ter no indivíduo. Ele deve ser produtivo, útil, para que a sociedade o considere incluído, normal, parte dela que a potencializa ao invés de trabalhar contra ela. Michel Foucault desenvolveu alguns trabalhos interessantes sobre a fabricação do indivíduo útil, dócil e normal (FOUCAULT, 1974-1975; 1975) bem como sobre toda a tecnologia desenvolvida na Idade Moderna para a produção de vida – uma vida que seja, é claro, útil, dócil e normal (id.,1976). É aqui que o nosso referencial teórico psicanalítico precisa aliar-se ao pensamento de Michel Foucault, mesmo consciente da posição crítica deste autor também quanto ao papel de certo emprego da psicanálise para a construção deste mesmo indivíduo útil, dócil e normal (id., 1961; 1973-1974; 1976). É numa lógica de intervenção social que visa à produção da utilidade, da docilidade e da normalidade que parece ser possível temer tanto um suicida quanto um homicida através de argumentos científicos. Afinal, Soares lembra: um suicida não destrói apenas a si mesmo, mas o

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mal que causa aos entes queridos é terrível e pode desencadear neles uma depressão. O que quer dizer: o deprimido que se suicida é perigoso, pois além de ser uma vida desperdiçada, poderá tornar outros inúteis e improdutivos, ao torná-los deprimidos; e se eles se tornarem deprimidos, podem se matar e continuar o ciclo vicioso. É por conta deste perigo social que é percebido no deprimido – e ainda mais no suicida – que a posição de Gláucio Ary Dillon Soares não aceitaria uma contra-argumentação do tipo: “Se o indivíduo quer se matar é problema dele, porque tenho de me ocupar com isso? Eu quero viver a minha vida, ele viva (ou não) a dele como ele quiser”. Portanto uma argumentação em prol da liberdade, da valorização da multiplicidade de estilos de vida e de morte não parece estabelecer qualquer ponto de encaixe, de encontro com uma vontade de ordem social pautada num mandamento: Devemos ter uma vida normalizada. O que está em pauta aqui é o que Foucault chamou de uma biopolítica (FOUCAULT, 19751976; 1976). Trata-se de uma injunção social a produzir, a maximizar a produção (de bens, riquezas e principalmente da própria vida humana como bem, riqueza), tanto no nível dos indivíduos através do disciplinamento e correção quanto num nível populacional. É preciso que tenhamos saúde, que sejamos dóceis e obedientes para nos tornarmos fortes, inteligentes, hábeis, para, enfim, nos especializarmos, nos tornarmos capazes de desempenhar uma função, um papel e, assim, seremos úteis. A depressão e o suicídio são, deste modo, pontos de resistência ao biopoder – resistência que não precisa ser consciente, voluntária nem sequer eficaz. A resistência é efeito do poder, algo que não se submete a ele pelas mais variadas razões e desrazões. E é como resistência que devemos compreender estas práticas de incentivo e auxílio ao suicida em potencial a passar ao ato, como aconteceu com o rapaz Vinicius que se matou por asfixia no dia 26 de julho de 2006 através de auxílio via internet (BRUM, AZEVEDO & LEAL, 2008). No entanto, são modos de resistir que não parecem conseguir – até então – transformar a sociedade biopolítica; apresentam-se apenas como limites do biopoder, destroem indivíduos e nada mais – na melhor das hipóteses. Na pior delas, poderíamos dizer que servem para alguns sádicos e voyeurs a gozar, pela internet, com a morte do outro. Mas, voltemos para aquilo que Soares chama de “depressões do quotidiano” e afastemo-nos destas práticas raras. Mesmo que se proliferem na internet, ainda assim, são raras frente à depressão do quotidiano. A depressão banal, quotidiana já é o bastante para fazer o deprimido ser tomado como anormal em nossa sociedade. Ela já é algo de difícil digestão tanto para o indivíduo deprimido, quanto para outros que não estão deprimidos. A depressão é interpretada pelo social, hoje, como uma grande evidência de falta de adaptação, de anormalidade, de doença, um mal.

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Em Entre o amor e os estados de paixão: conversa com Werner Schroter (FOUCAULT, 1981), Foucault sinaliza tanto o controle social sobre o suicídio através do mal causado a outrem como através da associação do suicídio a uma doença: Uma das coisas que me preocupam há certo tempo é que me dou conta do quanto é difícil se suicidar. Refletem e enumeram o pequeno número de meios de suicídios que temos à nossa disposição. Cada um mais desgostoso que os outros: o gás, que é perigoso para o vizinho, o enforcamento que é tão desagradável para a faxineira que descobre o corpo na manhã seguinte, atirar-se pela janela, que suja a calçada. Além do mais, o suicídio é, certamente, considerado da maneira mais negativa pela sociedade. Não somente se diz que não é bom se suicidar, mas se considera que se alguém se suicida é porque estava muito mal (FOUCAULT, 1981, p. 7).

SUICÍDIO E BELEZA Na mesma conversa com Werner Schroter, Foucault, de forma provocadora, chega a dizer: “Sou partidário de um verdadeiro combate cultural para re-ensinar às pessoas de que não há uma conduta que seja mais bela, que, por conseguinte, mereça ser refletida com tanta atenção, quanto o suicídio” (id., ibid., p. 7-8). Esta provocação de Foucault nos põe diante da seguinte questão: o que quer dizer isso – uma conduta bela? Me valerei de Freud para discutir o tema da beleza e sua relação com a melancolia – e, talvez, com o suicídio. Estou falando de seu pequeno grande artigo intitulado Sobre a transitoriedade, de 1916. Ali, Freud apresenta três posições diferentes diante da constatação de que toda beleza é decadente, de que toda ela é breve, de que o que consideramos como precioso e valoroso morre. A primeira, representada no artigo pela posição de um poeta, é ‘pessimista’: o que é considerado o Belo não pode ser fruído justamente porque é transitório, não vale a pena investir nos objetos, entre eles o eu narcísico. Trata-se de uma posição melancólica diante dos objetos do mundo. Outra posição possível diante da efemeridade da beleza é uma espécie de denegação. A beleza tende a passar, mas é possível intervir, fazer algo para ela durar, persistir – ser eterna. Segundo Freud, esta posição busca realizar nossos desejos à revelia do princípio de realidade. Esta ação desesperada, maníaca, por tornar possível a duração ad infinitum da beleza aparece como uma defesa muito pouco eficaz contra a situação melancólica do “nada vale a pena”. As duas posições podem oscilar numa bipolaridade “ou tudo ou nada”.

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Um sistema de controle e impedimento do suicídio e uma tentativa de silenciar a depressão através de medicamentos parecem funcionar dentro desta lógica do “ou tudo ou nada”: nenhum suicídio deve acontecer para que seja possível ver beleza, saúde, a realização deste ideal de domínio moral e estético das condutas. Foucault realça a beleza do suicídio, tentando acertar o calcanhar de Aquiles de uma cultura que quer ser bela a qualquer custo. É como se ele dissesse: “Se um dos ideais desta cultura é tornar-se bela, devemos pensar na beleza do suicídio – tão valorada pelos românticos -, mas como nossa sociedade é biopolítica, ela não pode mais aceitar isto, ao contrário, escuta esta frase como afronta”. Segundo alguns psicanalistas como os já citados Fédida (op. cit.) e Lambotte (op. cit.) e ainda também Jeanneau (1980), o melancólico ou deprimido idealiza um objeto, belo, perfeito, garantia de todo prazer possível, e se identifica à falta, à perda deste objeto. Sofre porque está marcado negativamente pelo objeto belo, porque está marcado por sua ausência indelével. A saída maníaca, mas, em alguns casos, também o suicídio, são exatamente tentativas radicais de poder se ligar ao Belo não mais pelo distanciamento, mas pela aproximação. Foucault abre espaço para que seja pontuado, assim, algo importante: O suicida está tão marcado pelo ideal do Belo tanto quanto aquele que quer controlá-lo, dominá-lo, impedi-lo de se matar. O segundo é pautado pela biopolítica – e vê beleza e valor na vida física, orgânica; o primeiro é um herdeiro dos românticos e sua tentativa desesperada de viver, mas não de viver organicamente – e sim de sentir-se vivo -, que paradoxalmente se expressa na morte. Pensemos no poeta alemão Novalis, um expoente do romantismo (NOVALIS, 1798). Era apaixonado pela esposa e expressava isso em sua obra, com o falecimento dela escrevia sobre como almejava morrer para ir ao encontro dela e, ao mesmo tempo, ao encontro com o Absoluto. E morreu logo em seguida. Mas voltemos para Sobre a transitoriedade (FREUD, 1916a [1915]). Freud indica uma terceira posição diante da fugacidade da beleza. O mestre vienense afirma: é isso que a torna tão valiosa - exatamente sua fugacidade. Se ela fosse eterna, não seria tão desejada e nem tão fruída. É a constante presença da morte, é porque tudo e todos nós estamos morrendo o tempo todo, que devemos aproveitar a vida, investir nos objetos enquanto eles podem nos dar prazer. A raridade da beleza a faz mais valiosa. Freud se distancia de um ideal de Belo puro, intocável, eterno e passa a valorizar o prazer possível com os objetos encontráveis no mundo. Estamos o tempo todo fazendo lutos, perdendo objetos, reinvestindo outros, lidando e lutando com a morte. A morte faz parte da vida. Não é possível realizar uma sociedade em que não se morra e em que não nos movamos para a morte, em que não nos arrisquemos nesta luta com a morte – é isso o que dá sabor ao viver. Que alguns, nesta luta entre vida e morte,

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experimentem a vitória da morte parece ser tão perigoso quanto o caso de outros que vejam a vitória da vida. Os primeiros se expressam na depressão e no suicídio, os outros se expressam numa sociedade que luta para que não haja possibilidade de morte – seja no campo da medicina preventiva, na invenção de tecnologias que mantém um corpo vivendo por aparelhos, nas promessas da pesquisa genética, e também num sistema de controle e prevenção de suicídios. Nas duas situações o que se perde é a liberdade, a capacidade do sujeito se transformar: ela só é possível na manutenção do conflito entre nossas pulsões de vida e de morte (FREUD, 1937c).

CONCLUSÃO Vê-se que esta posição estética de Freud é também uma posição ética avessa a qualquer tentativa de totalização. Lembremos o quanto Freud insistiu que mesmo a psicanálise não é uma Weltanschauung (FREUD, 1933 [1932]). Foi exatamente por este motivo que busquei o posicionamento de psicanalistas que pensam e trabalham de modos diferentes, mas parecem convergir para uma posição ética mais comprometida com a liberdade do sujeito do que com o controle da vida. Pois bem, é exatamente uma discussão ética o que temos travado aqui, com implicações estéticas e políticas como tentei pontuar. A ética da vida a qualquer custo, mesmo ao custo de mortificá-la, como pontua Birman (2006), é algo que vigora na biopolítica. Mas não é a única ética condenatória do suicídio. Aliás, Gláucio Ary Dillon Soares se vale de argumentações distantes dos campos médico e sociológico para sustentar a sua de que precisamos de uma rede de proteção do suicida potencial. Cito mais um pequenino trecho de seu artigo: “Mesmo sendo católico, atendo serviços religiosos em diferentes denominações e sonho com o dia em que todas as igrejas do bem trabalhem juntas pelo bem” (SOARES, 2009, p.7). Em seguida, o autor nos explica que a Igreja católica compreende o suicídio tão terrível como um homicídio. Sem dúvida, a ética cristã também condena o suicídio. Deus nos deu a vida e só Ele pode tirá-la. Suicidar-se é crime contra a vontade deste soberano. Seja, portanto, na lógica do poder soberano do cristianismo, seja na lógica do biopoder moderno, o autor encontra argumentos condenatórios ao suicídio. Mas quero frisar esta sua frase: “sonho como o dia em que todas as igrejas do bem trabalhem juntas pelo bem”. Me pergunto quais seriam as igrejas do mal. Me pergunto também o que seria este bem, e para quem. Não seria mais interessante, não seria um maior reconhecimento das múltiplas formas de ser sujeito, de estilo e modo de vida e,

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conseqüentemente, de morte, se ao invés de nos pautarmos no “ou tudo ou nada” maníacomelancólicos, no ou Belo ou rejeitável, no ou Bem ou Mal, pensássemos em manter o conflito destas forças, suas contaminações, suas intrusões, suas oscilações? Parafraseando Nietzsche (1886), não seria preferível abordarmos estas questões morais, estéticas e políticas além do bem e do mal?

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