Revista Iluminart 11 - Mar / 2014

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REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA

ANO VI

N0 11

IFSP - CAMPUS SERTÃOZINHO

MARÇO / 2014


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!"#$"%&'()"#(*+ Editor-chefe Altamiro Xavier de Souza - IFSP

Kjeld Aagaard Jakobsen – USP Leandro Dias de Oliveira – UFRRJ Luciana Brito – UENP / UEL Luís Ricardo de Figueiredo – IFSP Luiz Carlos Leal Júnior – IFSP Lumila Souza Girioli - UNIMEP Magno Alves de Oliveira – IFB Marcelo Marchine Ferreira – UNESPAR Marina P. A. Mello – FACFITO / UNICAIEIRAS Marsele Machado Isidoro – IFSP Nadja Maria Gomes Murta – UFVJM / PUC-SP Olavo Henrique Menin – IFSP Pedro Cattapan – UFF Pierre Gonçalves de Oliveira Filho – FIP-PB Ricardo Castro de Oliveira – IFSP Rita de Cássia Bianchi – UNESP Ronaldo de Oliveira Rodrigues – UFPA Rosana Cambraia – UFVJM Tânia Regina Montanha Toledo Scoparo – UENP Vágner Rodrigues de Bessa – UFV

Editor Adjunto Weslei Roberto Cândido - UEM Conselho Editorial Altamir Botoso – UNIMAR * Ana Cristina Troncoso – UFF * Andréia Ianuskiewtz – IFSP * Anne Camila Knoll Domenici – IFSP Antonio Sergio da Silva – UEG * Antonio Sousa Santos – UFVJM * Carlos Alexandre Terra – IFSP * Eduardo André Mossin – IFSP * Janete Werle de Camargo Liberatori – IFSP * José Carlos de Souza Kiihl – FATEC * Mauro Nicola Póvoas – FURG * Plínio Alexandre dos Santos Caetano – IFSP Reinaldo Tronto – IFSP * Rodrigo Silva González – UFV * Wellington Luiz Alves Aranha – IFSP* Whisner Fraga Mamede – IFSP *

Monitoria Gabriel Roberto Martins – IFSP

Conselho Consultivo Alexandre do Nascimento Souza – USP Alexandre Henrique de Martini – IFSP Álvaro José Camargo Vieira – PUC-SP / FIT Amadeu Moura Bego – IFSP Amanda Leal Oliveira – USP Amanda Ribeiro Vieira – IFSP Ângela Vilma Santos Bispo – UFRB Araci Molnar Alonso – EMBRAPA DF Cintia Almeida da Silva Santos – IFSP Cristiane Cinat – UNESP Cristina Hillen – UNESPAR Daielly Melina Nassif Mantovani Ribeiro – FMU Denise Paranhos Ruys – IFSP Elcio da Riva Moura - IFSP Eliana de Oliveira – FACFITO Emanuel Carlos Rodrigues – IFSP Eulália Nazaré Cardoso Machado – IFSP Josilda Maria Belther – IFSP Juliana Barreto de Toledo - IFSP

Designer Gráfico co Nildo Xavier de Souza Coordenação de Extensão do IFSP Campus Sertãozinho Lívia Maria Lovato Laureano Coordenação de Pesquisa do IFSP Campus Sertãozinho Eduardo André Mossin Gerente de Ensino do IFSP - Campus Sertãozinho Alexandre Montagna Rossini Diretor Geral do IFSP - Campus Sertãozinho Lacyr João Sverzut Reitor do IFSP Eduardo Antonio Modena * Membros do Conselho Editorial que participam do Conselho Consultivo.

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rganizar a Iluminart despende um bom tanto de trabalho, mas algo gratificante, principalmente quando temos boas notícias para compartilhar e comemorar. Neste iníiní cio de ano, um de nossos membros foi aprovado no vestibular para cursar Cinema e Audiovisual. Gabriel – monitor da Revista – que iniciará sua carreira universitária na Universidade Federal da Integração Latino Americana (UNILA). O trabatraba lho desenvolvido pelo Gabriel nos garante que a UNILA terá, em seus quadros, um brilhante e eses forçado estudante, a quem desejamos muita sorte e agradecimentos profundos pelo período que eses teve conosco frente ao trabalho diário da Revista. Alcançamos nosso número 11 com algumas alterações previstas para a sequência de trabalho. O desejo é que haja uma evolução na forma de atender aos colaboradores e usuários da publicapublica ção, possibilitando gerir de forma mais saudável o processo de construção da Revista e aumentar a credibilidade junto a todos. O Conselho Editorial aprovou a migração da Iluminart para o Sistema Eletrônico de EditoraEditora ção de Revistas (SEER) do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), deste modo, após a publicação da Revista número 12 – previsto para junho de 2014 –todo o processo organizacional basear-se-á nesta plataforma, tortor nando mais dinâmica e ágil a relação entre editoedito rial, autores, pareceristas, sistemas de avaliação e indexação de periódicos. Tais modificações modi visam sistematizar e melhorar os trabalhos de tal modo a atender às expectativas de antigos, novos e futuros membros e colaboradores. Em mais um ano em que o país busca comprecompre ender-se e melhorar, temos o fortalecimento da política educacional que prioriza os Institutos FeFe derais como agentes efetivos na educação brasileibrasilei ra. São várias vagas de concurso abertas por todo

país mostrando que a ampliação da rede federal está garantida em mais uma fase. Com o mesmo espírito que norteia as mudanmudan ças propostas pelo Conselho Editorial; cabe a toto dos nós trabalharmos para que as condições dos novos profissionais ssionais sejam as mais adequadas para a profunda transformação que faz-se necessária. Oxalá os concursos absorvam profissionais ssionais comcom petentes e comprometidos técnica e moralmente com a Educação de Qualidade. Infelizmente ainda existem casos de pessoas que procuram o serviço público somente pela necessidade de se empregaemprega rem, carregando consigo uma cultura que enxerga uma lista infindável ndável de direitos (conquistas legítilegíti mas e imprescindíveis) e ínfima ma de deveres, reduredu zindo sensivelmente, o potencial das instituições. Neste contexto das políticas educacionais diredire cionadas à manutenção e ampliação da rede federal de ensino técnico, a Iluminart – veículo difusor de conhecimento científico e pesquisa bem como mediador destes conhecimentos com a sociedade de um modo geral, busca contribuir para formação de cidadãos ativos no processo de fortalecimento e desenvolvimento das comunidades onde estão inseridos, bem como refletir, etir, criticamente, sobre as relações dos sujeitos com os ambientes político, filosófico, co, ambiental, social, econômico-cultural que constituem as estruturas das sociedades. Em síntese, e, norteados pelo paradigma de excelência, esperamos que as alterações na metodologia de trabalho com a Iluminart contribuam, efetivamente, para sua evolução e desenvolvimento; bem como para ampliação do alcance social de suas ações. Altamiro Xavier de Souza Editor Chefe Docente do IFSP – Campus Sertãozinho altamirox@gmail.com


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autados pela variedade. Para muitos, sinônimo de inconsistência, para outros, de riqueza no material apresentado à leitura. Desde o primeiro número da Iluminart este foi um fio de navalha no qual a revista se equilibrou e se manteve ao longo desses seis anos. No período citado acumularam-se treze qualificações diferentes na Web Qualis da Capes. Número de má sorte para os supersticiosos e de muito trabalho para os que acreditam no mundo acadêmico. Assim, entre superstições e trabalho, equilibrando-se no fio da navalha das críticas cortantes, mas pouco eficientes e contra todos os prognósticos dos profetas de nosso tempo, apresentamos a seguir uma pequena explanação dos artigos que compõem o presente número. O primeiro artigo é uma instigante análise sobre os documentos nacionais de educação. Nele o leitor enen contrará um panorama do ensino tecnológico no EsEs tado de São Paulo e na região de São João da Boa VisVis ta-SP, frente às postulações do governo federal para o ensino tecnológico. Já o segundo artigo, volta-se ao Sudeste, mais propro priamente a Bragança Paulista, de onde vem o estudo sobre as iniciativas do governo, via PRONATEC, para inserir mais alunos na rede de ensino tecnológica. O arar tigo ainda propõe uma análise das consequências dessa inserção e como será a realidade dos alunos egressos deste sistema de educação voltado ao ensino técnico. Quanto ao terceiro artigo o tema ainda é educação. Há uma proposta de inserção das ciências sociais na disciplina de física, nos cursos de engenharia, por meio de problemas geradores de discussão, que possam levar a uma consciência maior em relação ao meio ambiente e à sociedade. Aos interessados nos dados de produção científica cientí dos sistemas de pós-graduação, o quarto artigo traz um estudo sobre os números apresentados pelos propro gramas da área de Ciência da Informação estabelecidos na região sudeste, focando a coleta de dados mais espeespe cificamente camente nas seguintes universidades: UFMG, USP, UNESP, UFF e UFRJ. Na sequência tem-se o estudo sobre o sistema OPEN-DATA STARTUP,, um sistema para localização dos serviços públicos que os usuários têm mais necesneces sidade em conhecer o endereço. Para isso desenvolvedesenvolve -se um sistema de geo-localização para facilitar vida da população.

O leitor também encontrará um estudo de caso a resres peito de uma empresa de corretagem de seguros. UtiliUtili zando o Viable System Model pretende-se estudar o ambiente de trabalho e as relações de entre gestores com este meio, a fim m de propor uma nova organização empresarial com vistas ao resultado obtido pela pesquisa. O próximo artigo se põe como um ensaio que quer interpretar a questão das bases da historiografia historiogra literária no Brasil, com vistas à análise da coleção Como e por que ler, publicada pela editora Objetiva em 2004. Assim, atenta-se para o papel de formação de leitores assumido por essa coleção e como isso afeta a leitura dos textos canônicos e pode causar certa repulsa pelos clássicos. O presente número da Iluminart ainda contempla a área de Serviço Social que estuda a questão das polítipolíti cas de desenvolvimento versus exclusão social. Assim, a partir da revisão bibliográfica ca deste assunto, pretendepretende -se alcançar uma compreensão melhor das políticas gogo vernamentais de inclusão social das classes menos favofavo recidas. Após pensar as questões acima, o profissional pro de serviço social encontrará outro artigo que estuda as perspectivas de sua profissão pro ssão frente aos desafios desa enfrentados pela área e as necessidades criadas pela própria disciplina para formar o profi profissional de maneira crítica e reflexiva. Neste equilíbrio no fi fio o da navalha, transita-se do Serviço Social para a psicanálise. O décimo artigo é uma discussão dos caminhos metodológicos dos estuestu dos psicanalíticos e seu objeto de estudo: o inconscieninconscien te. Para comprovar as ideias expostas pelo artigo se propro põe uma análise de fragmentos da biografia biogra da estilista Coco Chanel. A Química também está presente neste número. O último artigo é um estudo da composição dos minerais presentes nos méis de abelha do estado do Pará. Estudo que interessa a químicos e, com certeza, aos profissiopro nais da apicultura. As últimas linhas do presente número da Iluminart ficam cam por conta da resenha do livro Palavras compartilhadas: figuras guras femininas em contos de Orlanda Amarílis e Maria Judite de Carvalho, que é uma proposta compacompa rativa da Literatura Africana de Língua Portuguesa. Weslei Roberto Cândido Editor Adjunto Docente da UEM – Universidade Estadual de Maringá weslei79@gmail.com


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Edilson Rosa Barbosa de Jesus / Valéria Tomi Kamijo de Moraes Jesus

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Vinícius Machado / Nilcéia Aparecida Maciel Pinheiro

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João Ricardo Lopes

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Rogério Colpani / Natascha Sava Hun / Tibério Camargo Gimarães

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Wellington Freire Machado

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Thalita alita Lacerda Nobre

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O ENSINO MÉDIO PÚBLICO E A POLÍTICA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES DE FORMAÇÃO HUMANA PLENA

Darlan Marcelo Delgado

RESUMO: O artigo aborda a política educacional do Ensino Médio no contexto das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para esse nível de ensino. Empregaram-se análises de dados sobre matrículas e população em idade escolar referentes ao Estado de São Paulo e a região de São João da Boa Vista-SP, além de análise documental de textos do Ministério da Educação (MEC). Verificou-se que as matrículas ocorrem majoritariamente na rede pública de ensino, cabendo, então, às políticas públicas o duplo desafio de ampliar a oferta de vagas e de proporcionar uma formação humana plena, para a vida social e para o trabalho, no cenário de uma sociedade intensiva em conhecimento técnico-científico.

Palavras-chave: Política Educacional; Política de Ciência, Tecnologia e Inovação; Ensino Médio.

THE PUBLIC HIGH SCHOOL AND THE SCIENCE, TECHNOLOGY AND INNOVATION POLICY: CHALLENGES AND POSSIBILITIES OF FULL FORMATION OF THE HUMAN BEING ABSTRACT: The article discusses the educational policy of high school in the context of the new National Curriculum Guidelines for this level of education. Data analyses on enrollment and school age population for the State of São Paulo and São João da Boa Vista-SP region were employed and documents of the Department of Education (MEC) were also analysed. It was found that enrollments are located mostly in the public schools. Thus, public educational policies must

face the dual challenge of increasing the supply of vacancies and providing a full and rich human formation – for social life and for work – in the scenario of an intensive technical and scientific knowledge society. Keywords: Educational Policy; Science, Technology and Innovation Policy; High School.

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DARLAN MARCELO DELGADO!

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INTRODUÇÃO Após a estabilização econômica proporcionada pelo Plano Real, implantado em 1994, e com a crescente relevância econômica conferida ao país no cenário internacional, a Ciência e a Educação passaram a merecer ainda mais a atenção e a preocupação dos policy makers em três esferas de atuação da política pública, a saber, a Política Industrial, a Política de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) e a Política Educacional. A discussão apresentada neste artigo refere-se ao contexto de uma pesquisa sobre as interconexões das referidas políticas, tendo como objeto de investigação a Educação Básica, em especial o Ensino Médio. Tem-se como pano de fundo dessa pesquisa o quadro das recentes reformulações e orientações do papel da ciência no contexto de crescente competitividade capitalista internacional entre empresas (e entre os próprios países). Tal competitividade é calcada na geração de produtos, serviços e processos de produção inovadores, marca patente da globalização dos mercados no atual patamar de concorrência capitalista, da reestruturação dos paradigmas produtivos e também das novas configurações de atuação do Estado através de suas diversas políticas. Nesse quadro, tanto a Política Científica, Tecnológica e de Inovação (CT&I) quanto a Política Educacional são tomadas como arenas de embate entre distintos projetos de sociedade e de trajetórias de desenvolvimento econômico pelos diversos atores sociais envolvidos. Verifica-se, em amplo debate acadêmico, que há uma nítida e marcante tendência da racionalidade de mercado conduzir – no sentido de subordinar e de condicionar – as políticas de Ciência e de Educação. Isso implica que as exigências e necessidades inerentes à Política Industrial, lócus da racionalidade de mercado, acabariam pressionando as outras duas esferas de ação política. Verifica-se, dessa forma, um embate de diferentes concepções de desenvolvimento (e crescimento) econômico em disputa, lado a lado com também antagônicas concepções de sociedade, de ciência e de educação e seus fins. A guinada brasileira para a rápida valorização da inovação nos últimos anos vem mobilizando as ações de políticas públicas, de modo particular o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)1. Isso se verifica através das propostas oriundas das Conferências Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCT&I), especialmente a partir da 2ª CNCT&I, ocorrida em 2001. Nela fica claro o movimento político de alçar a inovação à condição privilegiada nas 1

O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) teve seu nome alterado, passando a incorporar o termo “inovação” a partir de 03 de agosto de 2011 (publicação no Diário Oficial da União). Isso está em consonância com as mudanças que vem ocorrendo desde a 2ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (2001), com a Lei da Inovação (Lei nº 10.973/2004) e com a chamada Lei do Bem (Lei nº 11.196/2005). Percebe-se, assim, que a inovação é um fenômeno que se estabelece oficialmente no país nesse início de milênio, especialmente no que tange ao aperfeiçoamento de seu marco regulatório.

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O ENSINO MÉDIO PÚBLICO E A POLÍTICA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES DE FORMAÇÃO HUMANA PLENA

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estratégias de elaboração das políticas públicas de ciência e tecnologia do país, sendo 2002 eleito o “Ano da Inovação”. Em 2010 ocorreu a 4ª CNCT&I, foro no qual se produziu ampla discussão nacional sobre as propostas inerentes à consolidação de um Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação como política de Estado. Entre os temas integrantes das agendas de debates, a Educação Básica foi o objeto da sessão plenária intitulada Educação e C,T&I: educação de qualidade desde a primeira infância. Diversas contribuições de entidades das áreas acadêmica, científica, educacional, tecnológica e do setor empresarial compõem as duas publicações principais contendo os consensos e as recomendações finais do evento (BRASIL, 2010a; 2010b). A partir dessa conferência destacou-se o papel crucial cumprido pela educação, de modo especial a Educação Básica. Resulta do evento o consenso sobre a necessidade de uma “revolução” desde a Educação Básica até o Ensino Superior, dadas as defasagens presentes nos indicadores educacionais do Brasil em comparações internacionais, particularmente com os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e os países emergentes. Nesse contexto, como se pretende abordar na próxima seção, o Ensino Médio passa a merecer uma atenção adicional, dado o caráter estratégico ocupado por esse nível de ensino, como terminalidade da Educação Básica e, portanto, como etapa que forma egressos para o prosseguimento de estudos e para o mundo do trabalho. Pretende-se discutir os limites e apresentar as possibilidades de formação humana plena – para a prática social cidadã e para o trabalho – latentes no interior da política educacional do Ensino Médio no cenário acima descrito.

METODOLOGIA O artigo é uma abordagem analítica sobre as recentes políticas educacionais de Educação Básica, de modo particular do Ensino Médio, alicerçado em dados oriundos dos Censos Escolares realizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira/Ministério da Educação (INEP/MEC)2, disponibilizados pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE), a qual os organiza por regiões (administrativa, de governo), além de análise documental da legislação sobre esse nível de ensino – com foco no Parecer CNE/CEB nº 5/2011 (BRASIL, 2012a) e na Resolução CNE/CEB nº 2/2012 (BRASIL, 2012b) que definem as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) – e de literatura correlata. O 2

Os dados foram acessados através do site da Fundação SEADE, apresentado nas referências.

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recorte histórico adotado para a análise é a primeira década do século XXI, portanto, o período de 2000 a 2010. O recorte geográfico de interesse da pesquisa é a Região de Governo de São João da Boa Vista-SP, conforme divisão administrativa do Estado de São Paulo, tendo-se como comparação os dados do Estado de São Paulo. Essa região de governo, que contempla dezesseis municípios3, está subordinada à Região Administrativa de Campinas-SP. O presente artigo não tem a pretensão de propor uma agenda de ações políticas tampouco tem caráter conclusivo. Sua contribuição reside na possibilidade de apresentar uma discussão e compartilhar posições políticas e teórico-metodológicas de abordagem da política educacional para o Ensino Médio.

A EDUCAÇÃO BÁSICA E O ENSINO MÉDIO NO INÍCIO DO SÉCULO XXI E ENTRE A CIÊNCIA, A TECNOLOGIA E A INOVAÇÃO A epígrafe de Luiz Davidovich, Secretário Geral da 4ª CNCT&I, no Livro Azul4 expressa o teor das intenções e valores acordados ao longo do evento: O Brasil, em virtude do momento histórico em que vive, das características de seu território, de sua matriz energética, de sua diversidade regional e cultural, do tamanho de sua população, e do patamar científico que já alcançou, tem uma oportunidade única de construir um novo modelo de desenvolvimento sustentável, que respeite a natureza e os seres humanos. Um modelo que necessariamente deverá se apoiar na ciência, na tecnologia e na educação de qualidade para todos os brasileiros. (BRASIL, 2010a, p. III)

Nota-se que para avançar economicamente o país precisaria se apoiar sobre o tripé da ciência, da tecnologia e da educação de qualidade para todos os brasileiros. O consenso resultante do evento considera que esse conjunto, em estreita articulação, poderia proporcionar as condições capazes de promover a inserção econômica, de modo competitivo, do Brasil no cenário internacional na atual década (2011-2020). Na sua contribuição institucional à 4ª CNCT&I, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)5, ao discutir o valor da educação para a formação de cidadãos ativos na construção da sociedade pautada pela sustentabilidade ambiental, indica a necessidade de 3

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Aguaí, Águas da Prata, Caconde, Casa Branca, Divinolândia, Espírito Santo do Pinhal, Itobi, Mococa, Santa Cruz das Palmeiras, Santo Antonio do Jardim, São João da Boa Vista, São José do Rio Pardo, São Sebastião da Grama, Tambaú, Tapiratiba e Vargem Grande do Sul. Título completo da obra: Livro Azul da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável (BRASIL, 2010a). O texto da SBPC foi assinado por Marco Antônio Raupp e Helena Nader, presidente e vice-presidente da instituição, respectivamente. Em janeiro de 2012 Raupp assumiu o cargo de Ministro de Estado no MCTI.

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O ENSINO MÉDIO PÚBLICO E A POLÍTICA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES DE FORMAÇÃO HUMANA PLENA

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confluência entre a “educação para a vida” e a “educação para o trabalho”, compondo dimensões indissociáveis do processo educacional em todos os níveis de ensino e que está relacionado às trajetórias do próprio desenvolvimento científico-tecnológico (BRASIL, 2010c). Segundo a SBPC, trata-se de problema central a educação ainda apresentar-se extremamente deficiente no país em todos os níveis, particularmente a Educação Básica, com altas taxas de evasão escolar, baixo índice de atendimento da população na idade adequada – especialmente no Ensino Médio – e índices inexpressivos obtidos nas avaliações nacionais (Prova Brasil, Provinha Brasil, ENADE) e internacionais (particularmente o PISA6) nas áreas de leitura e compreensão de textos, matemática e ciências. Resolver definitivamente os problemas no Ensino Fundamental e no Ensino Médio: “esta é a prioridade zero” (BRASIL, 2010c, p. 6). Como se pode depreender da leitura dos documentos oriundos das Conferências Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação, além de outros documentos e artigos de outras instituições, a “revolução na educação” desde a Educação Básica (EB) até o Ensino Superior, passou a ser um fator estratégico de políticas de Estado, que demandam uma articulação7 fina entre o sistema nacional de educação (Ministério da Educação/MEC) e o sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação/MCTI). A importância da Educação Básica reside na compreensão de que ela é o nível educacional chave para garantir o acesso, a permanência e o prosseguimento de formação para a vida e para o trabalho nas modalidades educacionais subsequentes. Recentemente o Governo Federal, através do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), lançou o Plano Brasil Maior 2011-2014 (BRASIL, 2011)8, no qual uma das metas é aumentar a qualificação de recursos humanos das empresas, passando de um percentual de 53,7% (base 2010) de trabalhadores da indústria com pelo menos o Ensino Médio para se atingir 65% até o ano de 2014. Verifica-se que a Política Industrial brasileira apresenta exigências de “inovação” e de “formação e qualificação profissional” e o gargalo da formação e qualificação profissional estaria na Educação Básica, mais precisamente no Ensino Médio. Tendo-se este pano de fundo e voltando-se ao âmbito da Política Educacional da Educação Básica, uma das ações é a emenda constitucional nº 59 de 2009, que alterou o inciso I do art. 208 da Constituição Federal, passando o Estado a garantir a Educação Básica como obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade. Em conformidade com essa alteração 6 7

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Sigla de Programme for International Student Assessment, avaliação realizada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). No Livro Azul, uma das recomendações é a de que o Estado participe no “esforço de integração entre política de C&T, política industrial, política educacional e de desenvolvimento regional.” (BRASIL, 2010a, p.68). O lema do Plano é “Inovar para competir. Competir para crescer”. Verifica-se, assim, que a competição se apresenta como motor das políticas públicas, como nesse caso da Política Industrial.

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encontra-se a meta 3 do Projeto de Lei (PL) nº 8.035/2010 sobre o Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020 (ANPED, 2011), a qual refere-se a universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda população de quinze a dezessete anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no Ensino Médio para 85%, nessa faixa etária. Tomando-se os dados de matrículas e da População em idade escolar de 15 a 17 anos no site da Fundação SEADE, referentes ao total do Estado de São Paulo e à Região de Governo de São João da Boa Vista-SP para o período da última década (2001-2010), tendo-se como anobase o ano 2000, pode-se fazer algumas considerações. Para melhor compreensão da dinâmica das matrículas no Ensino Médio propõe-se observar os dados do ano 2000 e depois a segunda metade da década, ano a ano. Os dados localizam-se nas Tabelas 1, 2 e 3. É possível verificar na Tabela 1 o total de 2.079.141 matrículas em todas as redes de ensino que ofertam o Ensino Médio no Estado de São Paulo, sendo 22.779 na Região de Governo de São João da Boa Vista, no ano 2000. Observa-se que houve redução nas matrículas neste nível de ensino tanto no total do Estado (1.913.616) quanto na região objeto do estudo (21.186), no ano 2005 em relação ao ano 2000. Tomando-se o ano 2000 como ano-base, pôde-se calcular a taxa média (geométrica) de redução de 1,65% ao ano na dinâmica das matrículas totais no Estado de São Paulo no Ensino Médio no primeiro quinquênio (2001-2005), enquanto a redução média na Região de São João da Boa Vista foi de 1,44% ao ano no mesmo período. Essas reduções ocorridas nas matrículas foram maiores do que as reduções das taxas médias (geométricas) calculadas para a População em idade escolar de 15 a 17 anos (média de redução de 0,85% ao ano para o total do Estado e de 1,21% ao ano na região de Governo de São João da Boa Vista).

Tabela 1 - Matrículas no Ensino Médio, por redes de ensino, e População de 15 a 17 anos, Estado de São Paulo e Região de Governo de São João da Boa Vista, 2000 e 2005 Região de Governo de São Estado de São Paulo João da Boa Vista Redes de Ensino 2000 2005 2000 2005 Estadual

1.774.296

1.636.359

17.827

17.319

Pública

1.798.298

1.655.143

19.482

18.097

280.843

258.470

3.297

3.089

2.079.141 2.171.708

1.913.613 2.080.640

22.779 26.495

21.186 24.929

% Rede Estadual

85,34%

85,51%

78,26%

81,75%

% Rede Pública % Rede Particular

86,49%

86,49%

85,53%

85,42%

13,51%

13,51%

14,47%

14,58%

Particular Total População de 15 a 17 anos

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados obtidos no site da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE). A Fundação SEADE não fornece os dados de matrículas na rede federal de ensino. As matrículas na rede municipal de ensino foram omitidas por serem ínfimas em termos de participação.

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Observando os dados do segundo quinquênio (2006-2010) da década na Tabela 2, agora tomando 2005 como ano-base, pode-se visualizar que houve reduções tanto das matrículas quanto da População em idade escolar de 15 a 17 anos em 2006 (queda de 5,23% nas matrículas em relação a 2005) e 2007 (queda de 4,97% em relação a 2006), tendo-se aumentos sucessivos nos anos seguintes, respectivamente de 1,24% (2008/2007), 0,72% (2009/2008) e 4,68% (2010/2009). Tem-se a taxa média geométrica de -0,79% ao ano na dinâmica das matrículas no período 2006-2010 para o total do Estado de São Paulo, enquanto a População de 15 a 17 anos recuou em média à taxa de 1,19% ao ano no mesmo período.

Tabela 2 - Matrículas no Ensino Médio, por redes de ensino, e População de 15 a 17 anos, Estado de São Paulo, 2006 – 2011 Anos Taxa Ano Redes de Ensino Média¹ 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Estadual

1.545.115

1.475.023

1.483.839

1.492.642

1.567.127

-0,86%

1.590.929

Pública

1.562.316

1.496.149

1.505.830

1.514.795

1.590.677

-0,79%

1.615.369

Particular Total

251.239

227.343

239.004

242.549

248.858

1.813.555

1.723.492

1.744.834

1.757.344

1.839.535

-0,76% -0,79%

1.872.887

2.058.561 85,20%

2.034.759 85,58%

2.010.135 85,04%

1.984.781 84,94%

1.959.289 85,19%

População de 15 a 17 anos 2 % Rede Estadual e Média 3 % Rede Pública e Média

-1,19% 2 85,19% 3 86,39%

257.518 1.982.065 84,95%

86,15% 86,81% 86,30% 86,20% 86,47% 86,25% Fonte: Elaboração própria a partir dos dados obtidos no site da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados 2

(SEADE). (¹) Taxa Média Geométrica calculada a partir do ano 2005, como base, até 2010.( ) Média Aritmética dos percentuais de Matrículas no Ensino Médio na Rede Estadual em relação ao Total de Matrículas no Ensino Médio para os anos de 2006 a 2010. (3) Média Aritmética dos percentuais de Matrículas na Rede Pública (Estadual, Federal e Municipal) em relação ao Total de Matrículas no Ensino Médio para os anos de 2006 a 2010.

Ainda no segundo quinquênio, a Região de Governo de São João da Boa Vista experimentou uma taxa média de redução das matrículas maior do que a do Estado de São Paulo, sendo de 1,55% ao ano, conforme pode ser observado na Tabela 3. Isso está associado a uma redução média de 1,59% ao ano da População em Idade Escolar de 15 a 17 anos, também maior do que a média estadual. Para a década (2001-2010) calculou-se a taxa média geométrica (tendo como ano-base 2000) igual a -1,217% ao ano para as matrículas e -1,024% ao ano para a População em idade escolar de 15 a 17 anos, considerando o total do Estado de São Paulo. Já para a Região de São João da Boa Vista as taxas médias das matrículas no Ensino Médio e da população na faixa etária adequada foram respectivamente de -1,496% a.a. e -1,399% a.a. O fenômeno que se verifica na totalidade do Estado de São Paulo também se repete na região de São João da Boa vista, a saber, uma tendência de descréscimo das matrículas no Ensino Médio maior do que o decréscimo médio da população de 15 a 17 anos. Esse fenômeno pode ser visualizado no Gráfico 1, o qual apresenta os dados da região objeto de interesse da pesquisa.

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Tabela 3 - Matrículas no Ensino Médio, por redes de ensino, e População de 15 a 17 anos, Região de Governo de São João da Boa Vista, 2006 – 2011 Anos Taxa Ano Redes de Ensino Média¹ 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Estadual

16.391

15.865

16.190

15.943

16.205

-1,32%

15.872

Pública

17.058

16.409

16.631

16.527

16.858

-1,41%

16.512

Particular Total

2.955 20.013

2.787 19.196

2.839 19.470

2.669 19.196

2.733 19.591

-2,42% -1,55%

19.334

População de 15 a 17 anos 2 % Rede Estadual e Média 3 % Rede Pública e Média

24.574 81,90%

24.197 82,65%

23.810 83,15%

23.413 83,05%

23.013 82,72%

-1,59% 2 82,69% 3 85,66%

2.822 23.134 82,09%

85,23% 85,48% 85,42% 86,10% 86,05% 85,40% Fonte: Elaboração própria a partir dos dados obtidos no site da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE). (¹) Taxa Média Geométrica calculada a partir do ano 2005, como base, até 2010.(2) Média Aritmética dos percentuais de Matrículas no Ensino Médio na Rede Estadual em relação ao Total de Matrículas no Ensino Médio para os anos de 2006 a 2010. (3) Média Aritmética dos percentuais de Matrículas na Rede Pública (Estadual, Federal e Municipal) em relação ao Total de Matrículas no Ensino Médio para os anos de 2006 a 2010.

Percebe-se, através da verificação dos dados das Tabelas e da observação do Gráfico, que o fenômeno do decréscimo das matrículas está associado à redução da população na faixa etária estudada. Mas há outros fatores que contribuem para a redução das matrículas no Estado de São Paulo, como a taxa de evasão escolar – que era de 10,44% no ano 2000, passando a 6,0% em 2005 e chegando a 4,5% em 2010 –, a taxa de reprovação – que, contrariamente ao comportamento de redução observado na taxa de evasão, passou de 6,72% no ano 2000 a 14% em 2005 e 12,6% no ano de 2010 – e a distorção idade-série. As taxas de evasão e de reprovação são ainda maiores na rede pública, formada pelas redes municipal, estadual e federal. Apenas para ilustrar, as taxas de evasão do Ensino Médio referentes apenas às escolas da rede pública para os anos de 2000, 2005 e 2010 são, respectivamente, de 11,8%, 6,9% e 5,2% do alunado matriculado. Na região de São João da Boa Vista, apesar de a Taxa de Evasão ser maior (11,21%) que a verificada no Estado de São Paulo (10,44%) no ano 2000, ela foi reduzida à 4,2% em 2010, portanto menor do que o dado assinalado para o nível estadual. Quanto às Taxas de Reprovação, elas também ainda são altas na Região de São João: 6,1% em 2000, 13,7% em 2005 e 9,9% em 2010, mas ainda assim menor que a do Estado de São Paulo nesse último ano observado. Para complementar a análise das variáveis educacionais é preciso acrescentar que no ano 2000 apenas 41,88% da população de 18 a 24 anos apresentavam o Ensino Médio Completo no Estado de São Paulo, enquanto na Região de São João esse indicador era de minguados 35,14% da população na mesma faixa etária. Houve melhoria substancial para o ano de 2010: 58,68% no Estado de São Paulo e 54,53% da populção na região objeto de estudo, na faixa etária, possuíam o Ensino Médio completo, contudo pode se perceber ainda o enorme déficit de atendimento educacional nesse nível.

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Matrículas no Ensino Médio e População em Idade Escolar de 15 a 17 anos, Região de Governo de São João da Boa Vista-SP, 2000-2011 30.000 29.000 28.000 27.000 26.000 25.000 24.000 23.000 22.000 21.000 20.000 19.000 18.000 17.000 2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

População de 15 a 17 anos

2007

2008

Matrículas (Total)

2009

2010

2011 anos

Gráfico 1 – Matrículas no Ensino Médio e População em Idade Escolar de 15 a 17 anos, Região de Governo de São João da Boa Vista-SP, 2000-2011.

Os dados evidenciam que a rede pública, majoritariamente a rede estadual de ensino, é responsável por mais de 85%, em média, das matrículas dos jovens que cursaram o Ensino Médio no período analisado. No início da atual década (2011) 86,25%, um total de 1.615.369, das matrículas se deram em escolas da rede pública no Estado de São Paulo, não sendo diferente na região de São João, com 85,40% das matrículas do Ensino Médio na rede pública. Esses dados implicam que as políticas públicas de educação precisam mirar não apenas a expansão da oferta de vagas, com o objetivo de universalizar e democratizar o acesso dos jovens trabalhadores ao Ensino Médio, como também garantir a construção de um projeto político-pedagógico associado a mecanismos e instrumentos de gestão educacional eficazes e efetivos9 na garantia da permanência e conclusão dos estudos com qualidade social, de modo análogo ao que propõe Kuenzer (2000). É relevante recordar, para os propósitos do presente artigo, que o artigo 205 da Constituição Federal (CF) de 1988 assegura que: 9

Os critérios de eficácia e de efetividade na educação são utilizados nesse artigo na mesma acepção empregada por Sander (2007). A eficácia na gestão educacional é o critério com o qual se avalia a real consecução dos objetivos intrinsecamente educacionais propostos. A efetividade é um critério político que reflete a capacidade administrativa para satisfazer as demandas, em termos educacionais, emanadas pela sociedade.

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A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 2012c, p. 42).

De forma análoga, e reforçando esse princípio constitucional, a Lei Federal nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), assegura no seu art. 2º do Título II – Dos Princípios e Fins da Educação Nacional – que a educação tem por finalidade “[...] o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (CURY, 2002, p. 85). Essas duas transcrições são relevantes devido ao fato de se ter vívida a compreensão de que a Educação é um direito social assentado em três pilares, a saber, i) a formação plena do educando, ii) o preparo para o exercício da cidadania (para a construção de uma sociedade democrática) e iii) a qualificação para o trabalho. O Ensino Médio é caracterizado no artigo 35 da LDB como a etapa final da Educação Básica, sendo que esta última tem por finalidades, conforme o conteúdo do art. 22 da LDB, “desenvolver o educando, assegurando-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. Já as finalidades específicas do Ensino Médio são expressas através dos incisos I a IV do art. 35 da mesma LDB. O artigo 36 da LDB aborda o currículo do Ensino Médio destacando como diretrizes a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes, o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura, a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania. É exatamente sobre a organização do currículo que tratam o Parecer CNE/CEB nº 5/2011 (BRASIL, 2012a) e a Resolução CNE/CEB nº 2/2012 (BRASIL, 2012b) que definem as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM). Os fatores que legitimaram o trabalho de elaboração de novas DCNEM são as atuais exigências educacionais decorrentes da aceleração da produção e difusão de conhecimentos, a ampliação do acesso às informações, a criação de novos meios de comunicação, as alterações do mundo do trabalho e também as mudanças de interesses dos jovens nessa etapa educacional. As novas DCNEM, tanto em seu Parecer CNE/CEB nº 5/2011 (BRASIL 2012a) quanto na sua Resolução CNE/CEB nº 2/2012 (BRASIL, 2012b), apontam que o país precisa realizar um duplo esforço: investir fortemente na ampliação de sua capacidade tecnológica e na formação de profissionais de nível médio e superior. Dessa forma, sem uma tenaz expansão do Ensino Médio pode-se comprometer a formação de jovens, os quais poderiam se engajar diretamente no mundo do trabalho ou encaminharem-se à educação superior. Reside exatamente aqui o destaque estratégico conferido ao Ensino Médio nas políticas públicas de educação. A escola precisa ser um efetivo espaço social de formação integral dos sujeitos para o exercício da cidadania, para a

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preparação para o trabalho, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico, sendo necessária uma educação pautada no currículo que articule dialeticamente trabalho, ciência, tecnologia e cultura. Eis os quatro feixes centrais que estruturam as novas DCNEM e os respectivos princípios “educacional”, “pedagógico” e “geral norteador”. Em termos da qualidade da educação, o Parecer CNE/CEB nº 5/2011 aborda o conceito de “qualidade social da educação”, uma noção que vem sendo historicamente gestada pelos movimentos sociais, de renovação pedagógica e por grupos políticos. Essa abordagem está assentada no direito à educação acessível a todos, à exigência de participação e de democratização e ainda comprometida com a superação das desigualdades sociais e econômicas. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) defende posição semelhante. “Para além da eficácia e da eficiência, advoga que a educação de qualidade, como um direito fundamental, deve ser antes de tudo relevante, pertinente e equitativa” (BRASIL, 2012a, p. 8). No documento Ciência, Tecnologia e Cidadania: desafios para a sociedade (UNESCO, 2010), fica clara sua posição quanto aos aspectos relacionados às potenciais melhorias sociais ativadas pela educação científica de qualidade, incluindo-se aí a formação para o exercício da cidadania. Um dos objetivos apontados pela UNESCO nesse documento de contribuição à 4ª CNCT&I é sobre a dimensão social da C&T, a qual geralmente é ofuscada pelos discursos hegemônicos do papel dessa na geração de benefícios econômicos imediatistas. Segundo a UNESCO (2010), uma das linhas de ação – como prioridade estratégica – seria a de “Tecnologias para o Desenvolvimento Social”. No Parecer CNE/CEB nº 5/2011 são apresentados os pressupostos e fundamentos para um Ensino Médio de qualidade social. As dimensões da formação humana são as quatro categorias citadas anteriormente, a saber, o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura. O trabalho é o ponto de partida para a produção de conhecimentos e de cultura pelos grupos sociais, dado que é entendido e conceituado através de sua perspectiva ontológica de transformação da natureza pela ação do homem, ou seja, “como realização inerente ao ser humano e como mediação no processo de produção da sua existência”. Sendo assim, o conhecimento é produto da ação humana sobre a realidade material (natural e social) pelo trabalho, através do qual a ação do homem exige o uso de sua razão. Nessa práxis o conhecimento é social e historicamente produzido, sistematizado e acumulado pelo homem ao longo do processo de hominização. A ciência é o resultado do processo dialético de ação e interação do homem sobre a realidade a partir de suas necessidades. A apropriação e o emprego dos conhecimentos como força produtiva sintetizam-se no conceito de tecnologia.

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Percebe-se, através da tomada de posição teórico-metodológica dos relatores do Parecer CNE/CEB nº 5/2011, que o trabalho é a forma através da qual o homem satisfaz suas necessidades empregando-se do uso da razão, ou seja dos conhecimentos que se produzem e se reproduzem social e historicamente. É a esse conjunto de saberes que se nomeia de tecnologia e sua função última – seu télos – é sempre o homem. Sendo assim, a cultura é entendida, no seu modo mais ampliado, como a articulação entre o conjunto de representações e comportamentos e o processo dinâmico de socialização, constituindo o modo de vida de uma dada população. A construção teórica apresentada no documento oficial apresenta uma unicidade entre as dimensões ou categorias científico-tecnológico-cultural, tendo como raiz o trabalho em seu sentido ontológico, ou seja, tomando-se a compreensão do modo histórico de formação do próprio homem. Isso significa a adoção da concepção da práxis e, portanto, da dialética e supera a visão dicotômica do formar apenas para o trabalho – educação meramente instrumentalizadora, a qual serviria tão-somente à “adptação”, conforme Adorno (2010) – ou apenas para o saber generalista, ou seja, uma educação puramente propedêutica, enciclopedista, que apenas prepararia para o Ensino Superior. Retomando o relatório do Parecer CNE/CEB nº 5/2011 verifica-se que a posição política adotada toma o trabalho como “princípio educativo”, o que significa que esse é ponto nodal pelo qual se articulam os outros princípios e também a partir do qual se apresenta uma base para a organização e desenvolvimento curricular em seus objetivos, conteúdos e métodos. Como a sociedade atual se configura como uma “sociedade da informação” ou ainda uma “sociedade tecnificada”, com aceleração da produção-difusão de conhecimento técnico-científico, das mídias e de sua presença desde as atividades mais corriqueiras do dia a dia até as rotinas profissionais, com o crescente espaço que o uso da internet ganha também na vida pessoal e profissional das pessoas, além do impacto das novas tecnologias da microeletrônica, da biotecnologia, das fontes alternativas de energia e da própria intensificação da informática a necessidade de aprender ao longo de toda vida passa a ser algo colocado no lugar daquela concepção de etapas de educação como terminalidade definitiva dos estudos. Esse cenário inspira o princípio da pesquisa como “princípio pedagógico” na elaboração das novas DCNEM (BRASIL, 2012b). O que se almeja com esse princípio, na organização e no desenvolvimento da proposta pedagógica pelas unidades escolares, no processo de construção do projeto político-pedagógico e de seu respectivo currículo, é criar ambientes de aprendizagem favoráveis ao estímulo da curiosidade dos adolescentes sobre o mundo e a realidade que os envolve, assim como o desenvolvimento de uma atitude científica e metodologicamente problematizadora diante das “situações-problema” que se apresentam. Residem aqui, então, possibilidades de elaboração

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O ENSINO MÉDIO PÚBLICO E A POLÍTICA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES DE FORMAÇÃO HUMANA PLENA

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curricular que possam apresentar elementos capazes de superar os óbices intrínsecos à semiformação ou Halbbildung, conceito de Adorno (2010) que expressa a formação na sociedade da Indústria Cultural, pautada pela atrofia da consciência, pela “rendição do pensamento” crítico, pelo “irracionalismo arrasador” dos poderes econômicos que impõem sua razão instrumental (e seus critérios de eficiência e produtividade) a todas as dimensões da vida social (MARCUSE, 1967). Os direitos humanos aparecem como “princípio norteador”, pois as escolas, como outras instituições sociais, têm papel fundamental a desempenhar na garantia do respeito a esses direitos, especialmente no que tange à compreensão da barbárie, marca patente de uma sociedade que, apesar de todo avanço técnico-científico, convive com toda variedade e amplitudes de violências, mais uma marca da semiformação. Daí a relevância da cultura como feixe articulador entre trabalho, ciência e tecnologia. A compreensão e aceitação das diferenças, a pluralidade de valores em embate na sociedade, as distintas manifestações religiosas, simbólicas, estéticas e culturais são marcas intrínsecas de sociedades efetivamente democráticas. A formação para o exercício pleno da vida em sociedade, tendo-se a ciência e a tecnologia como meios e instrumentos, é condição ímpar para se buscar a consolidação das práticas sociais democráticas, tendo-se o homem como finalidade. Sendo assim, os frutos da ciência e da tecnologia deveriam estar subsumidos a uma orientação ética e não sob a égide da razão instrumental. A escola, assim, é vista como um dos loci de aprendizagem e vivência dessas práticas. Mais do que isso, o processo de ensino é uma prática social e, assim, a escola precisa ser também inclusiva e acolhedora, calcada em valores que possam nortear sua concepção de educação em função do tipo de sociedade e de homem que se almeja formar. Além dos direitos humanos, apontou-se no Parecer a “sustentabilidade ambiental” como meta universal, o que pode ser tomada como posição em favor dos valores de respeito à manutenção da vida, enfim, do meio ambiente e à qualidade de vida das gerações futuras, superando a visão puramente economicista de sustentabilidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao se analisar o Parecer CNE/CEB nº 5/2011 pode-se verificar que as recomendações ali presentes foram incorporadas na Resolução CNE/CEB nº 2/2012. Isso significa que os princípios “educativo”, “pedagógico” e “norteador”, respectivamente, o trabalho, a pesquisa e os direitos humanos, além da sustentabilidade ambiental como “meta universal” (artigo 13 da Resolução) se

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tornam os eixos através dos quais o currículo, em sua conceituação ampliada, das escolas de Ensino Médio devem se orientar. Dito de outra forma, fica assegurado pela política educacional exarada que as unidades escolares “devem” orientar a definição de toda proposição curricular fundamentada na seleção dos conhecimentos, componentes, metodologias, tempos, espaços, arranjos alternativos e formas de avaliação tendo presente cada um desses princípios já enunciados (e amplamente explicados no Parecer nº 5/2011), além de enfatizar as dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura como eixo integrador entre o conhecimento de distintas naturezas, o que deverá ser feito, no currículo e na proposta pedagógica (projeto políticopedagógico), contextualizando-os em sua dimensão histórica e em relação ao contexto social contemporâneo. A relação articulada trabalho-ciência-tecnologia-cultura proporciona o conceito de “educação tecnológica” (KUENZER, 2000), ou seja, a educação capaz de superar a dicotomia entre propedêutico-generalista e profissionalizante-tecnicista e avançar para além da dualidade entre formação puramente intelectual e formação para o trabalho. Cabe preponderantemente ao Ensino Médio público o papel social de avançar como lócus de formação plena dos jovens trabalhadores de tal forma que possam se apropriar com autonomia dos conhecimentos e dos fundamentos científico-tecnológicos

dos

processos

sociais

e

produtivos

historicamente

acumulados,

possibilitando-lhes a preparação básica para a vida social e para o trabalho, como está no artigo 35 da LDB (Lei nº 9.394/96). À escola pública do Estado de São Paulo e na região de S.J. da Boa Vista-SP, são apresentadas duas tarefas, uma quantitativa e outra qualitativa. Quanto à primeira, universalizar o acesso da população jovem ao Ensino Médio, garantindo com eficácia, na acepção de Sander (2007), condições de permanência e conclusão de estudos, conforme já prevê a legislação e a meta do PL nº 8.035/2010. Na dimensão qualitativa, está o desafio político e de gestão educacional (em termos de instrumentos adequados) de propiciar uma educação emancipatória, efetivamente tecnológica (os frutos da ciência e tecnologia estariam a serviço da melhoria da vida do ser humano) e com qualidade social, de forma que os indivíduos possam ter um ambiente escolar acolhedor, favorável à aprendizagem e ao prazer pelo conhecimento rigoroso. Os aspectos íntrinsecos do conhecimento científico e técnico em sua relação dialética com o trabalho precisam enfrentar o obstáculo das concepções reificadoras e economicistas de “aplicabilidade” e “rentabilidade” do saber à esfera produtiva, típica da semiformação. Assim seria possível pensar uma formação humana plena para os indivíduos se realizarem enquanto cidadãos, construírem sua autonomia intelectual e alcançarem emancipação – em acepção inerente ao corpo teórico da Escola de Frankfurt – contribuindo de forma ativa na prática social e no mundo do trabalho para a consolidação de uma sociedade democrática, inclusiva, justa e solidária.

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REFERÊNCIAS

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PERFIL DOS ALUNOS INGRESSANTES NO ANO DE 2013 NOS CURSOS TÉCNICOS INTEGRADOS E CONCOMITANTE DO IFSP - BRAGANÇA PAULISTA

Edilson(Rosa(Barbosa(de(Jesus( Valéria(Tomi(Kamijo(de(Moraes(Jesus

RESUMO: Nos últimos anos, o governo tem empenhado grande esforço e fortes investimentos com o objetivo de propiciar o aumento no número de cursos, e, consequentemente, a oferta de vagas em cursos de formação técnica de nível médio, para atendimento à demanda existente no mercado de trabalho. Criado em 2011, o PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) apresenta-se atualmente como a principal estratégia do governo para atingir esses objetivos, através do qual tem sido possível o aumento da oferta de cursos e consequentemente do número de vagas, pela possibilidade de participação de diversas instituições educacionais das diferentes esferas do governo, instituições particulares e também do sistema S (SENAI, SENAC, SENAR, SENAT...); e, intercâmbio entre elas. O programa tem possibilitado ainda a expansão e reestruturação da rede federal de ensino técnico, responsável nos últimos anos por parte da qualificação de profissionais para o mercado, entretanto, sem condições para atender a demanda atual. O estudo do perfil dos alunos ingressantes nestas instituições a partir da implementação das inúmeras iniciativas governamentais, podem eventualmente fornecer um indicativo preliminar das possibilidades de sucesso do projeto (PRONATEC e outras iniciativas). Algumas observações realizadas a partir do presente estudo sugerem que se estabeleça desde já um estado de alerta, no sentido de avaliar a necessidade de mudanças e/ou adaptações não só no perfil dos cursos oferecidos, bem como no perfil do público alvo a ser alcançado, uma vez que se observam indícios que a estrutura atual não garante necessariamente que os alunos ingressantes concluam o curso ou atuem na área de formação dos respectivos cursos. Palavras chave: concomitante; expectativa; evasão; ensino técnico; integrado.

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PROFILE OF THE ENTERING STUDENTS ON INTEGRATED AND CONCURRENT TECHNICAL COURSES OF IFSP-BRAGANÇA PAULISTA IN 2013 YEAR ABSTRACT: In recent years, the government has made great effort and large investments in order to encourage the rise in the number of courses, and consequently, the number of opportunities in technical training courses for mid-level to attend the demand of the labor market. Created in 2011 , the PRONATEC (National Program for Access to Technical Education and Employment) is currently the main strategy of the government to achieve these goals, through which it has been possible to increase the supply of courses and consequently the number of opportunities, with the possibility of participation of several educational institutions from different levels of government, private institutions and also the institutions of “S” system (SENAI , SENAC , SENAR , SENAT...); and the interchange between them. The program has also enabled the expansion and restructuring of federal technical education system, responsible in the last years for qualified professionals to market, however, unable to attend the current demand. The study of the profile of students entering these institutions through the implementation of numerous government initiatives may eventually provide a preliminary indication of the chances of success of the project (PRONATEC and others initiatives). Some observations from this study suggest that a state of alert should already be established in order to evaluate the need for changes and/or adjustments not only in the profile of offered courses, but also in the profile of the target public, once observed evidence that the current structure does not necessarily guarantee that incoming students will graduate or work in the area of their training courses . Keywords: concurrent; expectation; evasion; technical education; integrated.

1. INTRODUÇÃO Devido a alta demanda do mercado por profissionais com formação técnica de nível médio, sobretudo em áreas como construção civil, bens de capital e mais recentemente gás e óleo (devido as descobertas do pré-sal), o governo tem empenhado nos últimos anos grande esforço com o objetivo de se adequar e se capacitar estruturalmente para atender às exigências e suprir as necessidades do mercado. Segundo Giesteira (2013), ocupações pouco comuns, como manutenção em aeronaves, mineração, mecatrônica, construção civil, petróleo e gás, lideram a lista das 21 profissões técnicas

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mais procuradas do Brasil, conforme pesquisa da CNI (Confederação Nacional das Indústrias). O Mapa do Trabalho Industrial 2012, elaborado pelo SENAI, mostrou as profissões que estarão em alta nos próximos três anos. Conforme estudo, o Brasil precisará formar 7,2 milhões de trabalhadores em nível técnico (1,1 milhão para novas oportunidades e o restante em treinamentos de qualificação) até 2015. Nesse sentido, com base no PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) lançado pelo governo federal em outubro de 2011, diversos outros programas têm sido propostos e implementado em prática pelas demais esferas governamentais (estados e municípios) em parceria com o governo federal e instituições de ensino. O PRONATEC é um programa do governo federal criado para intensificar a educação profissional e tecnológica no país. Segundo matéria de O Estado de São Paulo (OESP, 2013), até 2014 a meta é oferecer cursos técnicos e de formação inicial e continuada a 8 milhões de estudantes e trabalhadores. O programa conta com a participação de renomadas instituições de reconhecida excelência e qualidade em programas de ensino tais como, Institutos Federais (antigas escolas técnicas federais/CEFETs), Centro Paula Souza, escolas técnicas ligadas a universidades federais, escolas técnicas estaduais e entidades integrantes do sistema S (SENAI, SESI, SENAC, SENAT, SENAR, etc), além de instituições particulares de ensino. Conforme mencionado anteriormente, o estudo do perfil dos alunos admitidos a partir das iniciativas governamentais para suprir o mercado com profissionais qualificados, pode eventualmente fornecer um indicativo preliminar das possibilidades de sucesso desses programas de governo. Situada no interior paulista com uma área territorial de 513,59Km2, a cidade de Bragança Paulista divide com a cidade vizinha Atibaia a condição de maior pólo industrial e comercial da região em que se encontra (FIESP, 2013). Sua população é de 150.351 habitantes (SEADE 2012), com

IDH (Índice de

Desenvolvimento Humano) de 0,7760 (PNUD 2010). Bragança Paulista possui o 1° IDH entre as 12 cidades da região e o 89° do Estado de São Paulo (Ibid). Com um PIB total de 2.769,88 (em milhões de R$), podemos representar a participação dos setores no PIB da seguinte forma: serviços 59%, indústria 27,3%, administração pública 12,1%, agropecuária 1,6% (Ibid). A média salarial em torno de R$ 2.030,90 (RAIS 2012) no setor industrial, acima da média dos outros setores, reforça a relevância de um bom curso de qualificação profissional para os alunos do Instituto Federal e de outras instituições ligadas aos projetos do governo, visto que pesquisas realizadas pelo RAIS - Ministério do Trabalho – 2012, indicam que a grande maioria da mão-de-obra da cidade possui o Ensino Médio Completo (21.101 trabalhadores, ou seja, 51,08%),

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seguidos por trabalhadores com Ensino Superior Completo (5.357 trabalhadores - 12,97%) e trabalhadores com Ensino Fundamental Completo (4.910 trabalhadores - 11,89%) (Ibid). Deste modo, o objetivo do presente trabalho é apresentar os resultados de um levantamento realizado no início do ano de 2013, quanto ao perfil dos alunos ingressantes nos cursos médios integrados em mecânica e técnico concomitante em mecatrônica do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo – Campus Bragança Paulista.

2. METODOLOGIA O levantamento das informações para composição do perfil dos alunos ingressantes foi feito a partir de um questionário elaborado com o objetivo não só de conhecer as expectativas e perspectivas do aluno em relação ao curso, mas principalmente resgatar de algum modo o histórico de vida e profissional familiar do aluno, já que segundo Ribeiro (2003), o histórico familiar pode sobredeterminar o futuro profissional do aluno. O que implica dizer que as experiências familiares ancestrais, de algum modo, podem exercer influência nos encaminhamentos profissionais das gerações futuras. Tais influências são fortemente verificadas também nas anotações de Gomes (1997),( o qual faz referência a diversos outros autores que exploram esta mesma linha de pensamento.(((( Embora o tamanho do grupo amostral não tenha sido suficiente para permitir a condução de uma abordagem estatística mais aprofundada, os resultados obtidos no presente trabalho fornecem indicativos bastante interessantes que apontam tendências e permitem estabelecer algumas hipóteses que merecem ser exploradas e aprofundadas em trabalhos posteriores. Os grupos de alunos avaliados no presente estudo compreendiam basicamente as seguintes características: - Uma turma de ingressantes do curso técnico integrado em mecânica, com um total de 48 alunos matriculados inicialmente, onde apenas 46 alunos estavam cursando efetivamente por ocasião do levantamento do presente estudo: 21 do sexo masculino e 25 do sexo feminino (45% e 55% respectivamente) com idades variando entre 14 e 18 anos (sendo a maior parte com predominância entre 14 e 15 anos). - Uma turma de ingressantes do curso técnico integrado em mecânica (parceria com o Estado), com um total de 38 alunos matriculados inicialmente, onde apenas 34 alunos estavam cursando efetivamente por ocasião do levantamento do presente estudo: 30 do sexo masculino e 4 do sexo feminino (88% e 12% respectivamente) com idades variando entre 14 e 17 anos (sendo a maior parte predominante entre 14 e 15 anos).

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- Uma turma de ingressantes do curso técnico concomitante em mecatrônica, com um total de 40 alunos, sendo 35 do sexo masculino e 5 do sexo feminino (87% e 13% respectivamente) com idades variando entre 15 e 50 anos (há uma pequena predominância de alunos com 16/17 anos, mas há uma variação maior das idades).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 EXPECTATIVAS E PERSPECTIVAS FUTURAS Uma constatação interessante diz respeito ao retorno das respostas quanto às perspectivas dos alunos principalmente em relação ao seu futuro profissional. Neste caso verifica-se em princípio uma característica diferencial bastante significativa entre as declarações dos alunos do curso técnico integrado em mecânica em confronto com as declarações dos demais cursos (integrado em mecânica em parceria com o estado e mecatrônica concomitante). Resumidamente, percebeu-se nos depoimentos dos alunos do curso técnico integrado em mecânica, que boa parte (cerca de 48%) sugere que não seguirá carreira como técnico, sendo que deste montante (59%) declararam abertamente que estão cursando o técnico em uma instituição federal objetivando basicamente o preparo para o ingresso em um curso superior, enquanto que no curso técnico integrado em mecânica (parceria com o Estado) apenas 12% sugerem que pretendem cursar nível superior no futuro. No curso técnico concomitante em mecatrônica o número dos que pretendem fazer um curso superior no futuro encontra-se em torno de 25%. Percebe-se neste caso que grande parte dos que já trabalham (cerca de 75%) objetiva uma melhor colocação profissional ou o ingresso imediato no mercado de trabalho na função em que se encontra em formação (figura 1).

Figura 1 – Comparação entre cursos quanto às perspectivas futuras do corpo discente

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Tais resultados remetem à reflexão sobre a viabilidade dos investimentos empenhados por parte do governo na criação e manutenção dos cursos técnicos integrados puramente institucionais e o efetivo retorno desses investimentos em termos de alcance dos objetivos almejados pelo governo, quais sejam o abastecimento do mercado de trabalho com profissionais técnicos de nível médio; uma vez que boa parte desses alunos frequentam os cursos técnicos oferecidos pelas instituições federais objetivando principalmente uma boa formação que possibilite imediato ingresso na universidade. Krüger e Tambara (2006),(exploram muito bem este assunto e explicam que por ocasião da criação das Escolas Técnicas em 1909, o objetivo era basicamente a formação de mão de obra operacional para o mercado de trabalho a partir de indivíduos das camadas mais pobres da sociedade. Durante longos anos, até o final dos anos 70, estas escolas eram frequentadas pelos filhos dos trabalhadores, pessoas humildes, que viam ali uma grande oportunidade de educação de seus filhos. Krüger e Tambara observam ainda que as Escolas Técnicas Federais firmaram-se ao longo do tempo como excelentes escolas que ofereciam um Ensino Técnico de nível médio de altíssima qualidade, público e gratuito. Nos anos 80, com a perda do poder aquisitivo da classe média alta, ocorre uma reversão no perfil do estudante da Escola Técnica Federal. A sociedade, ao descobrir que as escolas técnicas estavam oferecendo aos seus alunos um ensino secundário, público, gratuito e reconhecidamente de alta qualidade, vê ali uma grande alternativa para seus filhos. Há um aumento de procura por vagas nas escolas técnicas federais, cujos processos seletivos tornam-se altamente concorridos, culminando com a elitização das mesmas a partir do ingresso de alunos mais abastados, oriundos de boas escolas ou que tiveram possibilidades de frequentar cursos preparatórios. Só que esse estudante, que chega ao segundo grau técnico, agora com uma faixa etária de 14 e 15 anos e nível socioeconômico mais elevado, em geral, não tem o interesse de exercer a atividade de técnico. A preocupação dessa elite era ingressar no Ensino Superior, usando para isso os conhecimentos adquiridos na formação de 2° Grau Técnico. Neste sentido Castro (2005, p.156 apud Krüger e Tambara, 2006) observa que as Escolas Técnicas Federais “estavam preparando técnicos que rarissimamente se tornavam técnicos. Eles vinham cada vez mais das classes média e alta, e não pensavam em nada além dos vestibulares para as melhores universidades, fossem os de direito, fossem os de medicina”. Verificação semelhante é feita por Valaski (2012): “Outro quesito em que os cursos em questão assumem posturas diferentes é a respeito do estágio. Às vezes é facultativo como nos cursos de Mecânica e Jogos Digital ou obrigatório como curso de Contabilidade, isso ocorre em virtude da concepção do curso. Observa-se que existe uma preocupação em não sobrecarregar o aluno, com o estágio, pois ele talvez esteja mais preocupado em ir para a faculdade, do que para

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o mercado de trabalho. O estágio, então, passa a ser uma possibilidade, uma escolha do aluno. Segundo a coordenadora do curso de Mecânica”. [...] eles são todos incentivados a fazer o estágio. A gente até queria tornar obrigatório, mas tornando obrigatório só com três anos de curso, você tira todas as chances de ele fazer um vestibular. Então, ao abrir a possibilidade de estágio, tem acompanhamento de estágio, tem todo o procedimento, só que ele não é obrigatório. Mas só a longo prazo a gente vai ver se isso dá resultado ou não. (Depoimento da coordenação do curso de Mecânica, março 2012 apud Valaski 2012).

Uma primeira reflexão, a partir dos depoimentos dos alunos do curso integrado, sugere que o fenômeno ocorrido a partir dos anos 80 parece estar novamente se repetindo, entretanto, a motivação atual seria a ascensão das classes sociais menos favorecidas a patamares superiores, conforme constatado e mostrado no item 3.3 mais adiante. Segundo o próprio governo, em quase 20 anos, mais de 29 milhões de brasileiros deixaram a pobreza. Os integrantes das classes E (renda familiar até R$ 751) e D (famílias entre R$ 751 e R$ 1.200 mensais) diminuíram de 93 milhões em 1993 para 63 milhões em 2011, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Já a classe C (R$ 1.200 a R$ 5.174) cresceu de 46 milhões para 105 milhões de brasileiros no mesmo período (BRASIL, 2013b). A ascensão social declarada pelo governo pôde ser constatada a partir dos levantamentos feitos no presente trabalho, onde foi verificado que a grande maioria dos alunos pertencem às famílias que podem ser enquadradas na classe C (R$ 1.200 a R$ 5.174). Tal ascensão faz com que as famílias tenham maiores possibilidades de financiar o ingresso e manutenção de seus filhos em cursos de nível superior, além disso, o governo tem desenvolvido também diversas iniciativas e programas de facilitação do ingresso das classes menos favorecidas em cursos de formação superior, sobretudo em instituições federais de ensino.

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Figura 2 – Comparação entre os níveis de estudo dos pais dos discentes dos cursos integrados

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3.2 ESCOLARIDADE DOS PAIS Outro aspecto avaliado no presente estudo, diz respeito aos níveis de escolaridade dos pais dos alunos dos cursos técnicos integrados em mecânica, figura 2, com foco principal para as formações de nível médio e superior. Observa-se que os pais dos alunos do curso Integrado Mecânica, que possuem um nível de escolaridade um pouco mais elevado do que o grupo parceria com o Estado, são os pais dos alunos que responderam em sua maioria que pretendem cursar uma universidade (48%, sendo que 59% desse montante declararam abertamente esse objetivo). Já no grupo da parceria com o Estado apenas 12% declarou que pretende cursar uma universidade futuramente. De acordo com matéria publicada no site portal do consumidor do governo federal (BRASIL, 2013a), uma tese de doutorado defendida na UFMG revelou que nos últimos anos, houve um aumento do acesso de filhos de pais analfabetos ou com pouca escolaridade às universidades. Entretanto, ao cruzar números da Pnad 2009 e do Censo 2010, Arnaldo Mont´alvão, sociólogo e autor da pesquisa detectou que: •

Filhos de pais com ensino fundamental completo têm duas vezes mais chances de chegar ao ensino superior.

Filhos de pais com ensino médio completo têm quatro vezes mais chances de chegar ao ensino superior.

E os filhos de pais com nível superior completo, têm até 16 vezes mais chances.

3.3 NÍVEIS DE RENDA FAMILIAR Relativo à renda familiar, considerando o que já foi explanado anteriormente acerca das estatísticas do governo quanto às subdivisões de classes e de acordo também com informações da Fundação Getúlio Vargas, em 20 anos houve um crescimento da classe C (R$ 1.200,00 a R$ 5.174,00) de 46 milhões para 105 milhões de brasileiros (um aumento de mais de 100%) (BRASIL, 2013b). A figura 3 mostra a divisão da renda familiar dos alunos entrevistados, onde é possível notar que eles se enquadram justamente na categoria denominada de classe C (em torno de 65%), sem contabilizar alguns alunos que poderiam também se enquadrar nessa faixa, cuja renda familiar é

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de até R$ 1.500,00 (levando em conta que segundo o governo a classe C está compreendida entre R$ 1.200,00 a R$ 5.174,00).

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Figura 3 – Níveis de renda familiar dos discentes dos cursos técnicos integrados

3.4 INSTITUIÇÃO DE ORIGEM Quanto ao tipo de escola frequentada anteriormente pelos alunos, observa-se que a grande maioria frequentou algum tipo de escola pública, conforme podemos observar no gráfico da figura 4. Uma observação interessante é que o perfil dos alunos do integrado e do integrado (parceria) é muito próximo em relação ao tipo de instituição de origem, o que nos leva a refletir acerca do porque da diferença dos níveis de evasão entre os dois grupos de alunos conforme será discutido mais adiante. Observamos que grande parte dos alunos procedem de escolas estaduais, mas, que existe também uma grande migração de alunos oriundos de escolas particulares. Acreditamos que o elevado nível do ensino médio proporcionado pelas instituições federais, seja um dos principais motivos pelo qual os alunos têm sido atraídos para os cursos técnicos integrados dessas instituições. Entendemos com esses dados que o aluno que possuir além do curso superior um curso técnico renomado, poderá ser beneficiado numa disputa empregatícia, pois ela poderá fazer a diferença nesses casos e a grande maioria está procurando esse diferencial. Loponte (2010), em seu trabalho verifica também essa questão, pois cita que o curso técnico pode significar a diferença no currículo, porém daquele que possuir o nível superior. A formação técnica pode ser sim um diferencial e até mesmo uma porta de entrada para o mercado, porém o ensino superior aparece no plano pessoal do jovem estudante.

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Figura 4 – Instituições de origem dos discentes

Com relação ao questionamento do motivo pelo qual o aluno teria optado por fazer um curso técnico profissionalizante, a grande maioria alega ter sido por decisão própria, embora exista a suspeita de que nos casos dos cursos integrados tenha existido forte influência por parte dos pais.

3.5 EVASÃO A evasão escolar tem se colocado como um dos maiores obstáculos a ser superado pelos Institutos Federais em todo o Brasil. Uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União, apontou uma taxa de evasão média de 24% nos cursos profissionalizantes voltados a alunos dos EJAs (Educação de Jovens e Adultos) e de 19,4% nos cursos feitos por estudantes que acabaram de completar o ensino médio. Entre os alunos que fazem cursos técnicos concomitantemente com o ensino médio, a evasão foi menor: 6,4% – nível semelhante ao dos cursos superiores nas áreas de licenciatura (8,7%), bacharelado (4,0%) e tecnólogo (5,8%) (UOL Educação, 2013). A realidade em algumas unidades de ensino em particular chega a ser assustadora, como é o caso, por exemplo, dos alunos do curso de suporte e manutenção de computadores (PROEJA FIC) implantado no primeiro semestre de 2010 no Instituto Federal de Sergipe - Campus Lagarto, com um índice de evasão de 63% após um ano de implantação do curso (ROSA e BEZERRA, 2012). Conforme matéria publicada pelo UOL (UOL Educação, 2013), o relatório do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), posiciona o Brasil entre os 3 países com maior taxa de evasão escolar (24,3%) entre 100 países com maior IDH (Índice de

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Desenvolvimento Humano), perdendo apenas para a Bósnia Herzegovina (26,8%) e ilhas de São Cristovam e Névis no Caribe (26,5%). Segundo o Relatório 2012, divulgado no dia 14 de março de 2013, uma a cada quatro crianças que inicia o ensino fundamental em nosso país, abandona a instituição escolar antes de concluir a última série. Com taxas de evasão superiores na América Latina, podemos destacar a Guatemala (35,2%) e a Nicarágua (51,6%). Não houve divulgação dos índices do Haiti. Apesar dos avanços das últimas duas décadas, o IDH do Brasil (85° no ranking) ainda é menor que a média dos países da América Latina e do Caribe, que analisa a conta de expectativa de vida, renda per capita e acesso ao conhecimento. No caso específico do presente trabalho, os índices de evasão também não são animadores, principalmente em se tratando do público que em princípio teria maior potencial de atuação no mercado de trabalho na função para a qual estaria sendo formado, conforme o que foi observado no item 3.1 figura 1. Enquanto que no curso técnico integrado em mecânica dos 48 alunos matriculados no início de 2013, 44 ainda permaneciam frequentando o curso no final de setembro de 2013 (8% de evasão); no curso integrado em mecânica em parceria com o Estado, dos 38 alunos inicialmente matriculados apenas 22 permaneciam frequentando o curso no final do mesmo mês (42% de evasão). Já no curso técnico concomitante em mecatrônica, dos 40 alunos matriculados no primeiro semestre de 2013, apenas 25 concluíram o semestre (38% de evasão), sendo que destes apenas 9 alunos foram aprovados, ou seja, habilitados a dar continuidade ao semestre seguinte (figura5).

Figura 5 – Comparação entre os índices de evasão dos cursos avaliados

Os elevados índices de evasão apresentados no grupo dos alunos do curso integrado em mecânica em parceria com o Estado e no grupo dos alunos do curso técnico concomitante em

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mecatrônica, podem estar associados principalmente às deficiências de conhecimento e dificuldades de aprendizado de conteúdos das disciplinas do núcleo comum, o que resulta, portanto, na ausência de um pré-requisito mínimo necessário ao acompanhamento das disciplinas técnicas. Sem adentrar no mérito de discussão das diferenças qualitativas e quantitativas que eventualmente possam existir entre as instituições de ensino, vale lembrar que a maioria dos alunos ingressantes nos institutos federais são advindos de sistemas públicos de ensino, conforme constatado no presente trabalho e mostrado na figura 4. É importante ressaltar, ainda, que a oferta das disciplinas do núcleo comum ocorre de forma diferenciada para os alunos de ambos os cursos integrados. Enquanto que no integrado mecânica tais disciplinas são ofertadas pelos próprios institutos federais, no integrado mecânica em parceria com o Estado essas disciplinas são ofertadas pelo mesmo. Já no caso do técnico concomitante, as disciplinas do núcleo comum estão sendo ou foram ofertadas em sua grande maioria pelo Estado, entretanto, há casos de oferta também por parte de instituições particulares de ensino. Os casos mais críticos nos cursos concomitantes são aqueles em que o aluno já se encontra há algum tempo sem frequentar a escola após ter concluído o ensino médio de segundo grau. Em alguns casos, o aluno sequer chega a frequentar os dois primeiros meses de aula.

4. CONCLUSÃO Os resultados do presente estudo sugerem que existem atualmente dois tipos distintos de alunos que ingressam nos cursos de formação técnica do IFSP – Campus Bragança Paulista. O primeiro deles compreende um grupo um pouco mais elitizado que ingressa no curso técnico integrado por meio de vestibular e geralmente procura o curso no instituto federal como meio de facilitação de acesso ao nível superior. O segundo tipo de aluno compreende aqueles que ingressam por intermédio de convênio com o Estado e/ou vestibular, e que buscam a instituição objetivando em princípio o ingresso ou uma melhor colocação no mercado de trabalho. As constatações quanto às expectativas dos discentes e principalmente quanto aos índices de evasão revelam um quadro que de certo modo se coloca na contramão do que em princípio seria o esperado pelo governo, e sugerem que se estabeleça desde já um estado de alerta, no sentido de avaliar a necessidade de mudanças e/ou adaptações não só no perfil dos cursos oferecidos, bem como também no perfil do público-alvo a ser alcançado, já que a situação atual não garante necessariamente que o aluno ingressante vá se formar, ou que aqueles eventualmente formados

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vão exercer efetivamente a função para a qual foram capacitados. Algumas iniciativas interessantes talvez pudessem ser a implementação de cotas, objetivando alcançar um número maior de alunos das classes menos favorecidas nos cursos integrados institucionais e também a facilitação para o recebimento de bolsas para esses alunos e para os que estão na parceria com o Estado. Além disso, seria importante uma atenção maior na melhoria da qualidade do ensino das disciplinas do núcleo comum oferecidas aos alunos das redes públicas (municipal e estadual).

5. REFERÊNCIAS RIBEIRO, M.A. Demandas em Orientação Profissional: Um Estudo Exploratório em Escolas Públicas. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 2003, 4 (1/2), pp. 141-151 GOMES, J.V. Jovens urbanos pobres. Anotações sobre escolaridade e emprego. Revista Brasileira de Educação, Mai/Jun/Jul/Ago 1997 N º 5 Set/Out/Nov/Dez 1997 N º 6, pp. 53-62 . Disponível em: http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/rbde05_6/rbde05_6_07_jerusa_vieira_gomes.pdf Acessado em: 07/10/13. BRASIL. PORTAL DO CONSUMIDOR DO GOVERNO FEDERAL. Jovens da classe C têm maior escolaridade, conexão à internet e são menos conservadores, 2013a. Disponível em: http://www.portaldoconsumidor.gov.br/noticia.asp?id=23693 Acessado em: 05/10/13 OESP. MEC destina recurso ao Sistema S para cursos do Pronatec. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,mec-destina-recurso-ao-sistema-s-para-cursos-dopronatec,1015657,0.htm. Acessado em 14/08/13. KRÜGER, E.; TAMBARA, E. O RESGATE HISTÓRICO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL BRASILEIRA, À LUZ DOS DECRETOS 7.566/1909 E 2.208/1997: UM ESTUDO DO PERFIL DOS ALUNOS DO CEFET-RS. IV Congresso Brasileiro da História da Educação, Goiânia, 05-08 novembro, 2006. Disponível em: http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuaiscoautorais/eixo01/Edelbert%20Kruger%20e%20Elomar%20Tambara%20-%20Texto.pdf Acessado em: 19/08/13 LOPONTE, L. N. Juventude e educação profissional: um estudo com os alunos do IFSP. Tese de Doutorado, PUC-SP, 2010. BRASIL, PORTAL BRASIL, Retrato da economia, 2013b. Disponível http://www.brasil.gov.br/sobre/economia/setores-da-economia Acessado em: 19/08/13

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UOL Educação a. Brasil tem 3ª maior taxa de evasão escolar entre 100 países, diz PNUD. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/noticias/2013/03/14/brasil-tem-3-maior-taxa-de-evasaoescolar-entre-100-paises-diz-pnud.htm Acessado em 04/10/13 VALASKI, M. K. Ensino Médio Técnico Integrado no Paraná: formação e qualificação enquanto Política Pública. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2012. GIESTEIRA, M. Há vagas e bons salários para técnicos (reportagem). Disponível em: http://www.grupoa.com.br/revista-patio/artigo/8464/ha-vagas-e-bons-salarios-para-tecnicos.aspx Acessado em 19/08/13 FIESP – Estatísticas econômicas e sociais de Bragança Paulista. Disponível em: http://apps.fiesp.com.br/regional/relatorio/default.aspx Acessado em 09/02/2014. (

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INSERÇÕES DE ESTUDOS SOCIAIS NO ENSINO DE FÍSICA EM ENGENHARIA POR MEIO DE PROBLEMAS GERADORES DE DISCUSSÕES: UMA PROPOSTA

Vinicius Machado Nilcéia Aparecida Maciel Pinheiro

RESUMO: Esse trabalho apresenta como sugestão o uso de Problemas Geradores de Discussões como forma de inserir estudos sociais da ciência e tecnologia no ensino de Física em cursos de Engenharia. Um Problema Gerador de Discussões é constituído de um conjunto de atividades de ensino: confronto de ideias, discussões, pesquisa, atividades experimentais, elaborações de relatórios, entre outras, desenvolvidas em uma sequência de questionamentos relacionadas a um problema gerador. Entre esses questionamentos, encontram-se aqueles que vislumbram fazer com que os alunos discutam os efeitos da produção, uso e descarte de um artefato tecnológico levando em consideração questões sociais, ambientais, éticas, econômicas e políticas. Palavras-chave: ensino CTS; ensino de Física; Problemas Geradores de Discussões.

INSERTION OF SOCIAL STUDIES IN PHYSICS EDUCATION IN ENGINEERING USING DISCUSSIONS GENERATORS PROBLEMS: A PROPOSAL ABSTRACT: This paper presents as a suggestion the use of Discussions Generators Problems as a way of inserting social studies of science and technology in Physics teaching in Engineering courses. A Discussion Generator Problem consists of a set of learning activities (clash of ideas, discussions, research, experimental activities, elaboration of reports, among others) developed in a sequence of questions related to a problem generator. Among these questions are the ones that aim to make students discuss the effects of the production, use and disposal of a technological artifact taking into consideration social, environmental, ethical, economic and political issues. Keywords: CTS teaching; Physics teaching; Discussions Generators Problems.

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INTRODUÇÃO A formação acadêmica em Engenharia, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), tem entre seus objetivos formar um egresso apto para atuar nesse mundo em constante transformação social, ambiental e no setor produtivo. Nesse intuito, as DCNs solicitam junto à formação acadêmica a promoção de uma maior conscientização desse egresso quanto às suas responsabilidades enquanto profissional e cidadão no desempenho de suas futuras funções laborais. Nessa perspectiva, a elaboração de novas tecnologias e/ou a tomada de decisões junto ao processo de produção são algumas entre tantas ações do profissional de engenharia que necessitam ser acompanhadas de um processo de análise e reflexão, pois podem produzir efeitos transformadores tanto sobre a sociedade quanto sobre o meio ambiente. Dessa forma, objetiva-se nesse trabalho apresentar a proposta da aplicação de um Problema Gerador de Discussões (PGD) no ensino de Física em Engenharia como estratégia a fim de inserir o estudo de questões sociais no ensino de ciência e tecnologia na perspectiva de levar o acadêmico de engenharia a refletir, a partir da atividade proposta, sobre as suas responsabilidades sociais enquanto futuro profissional da engenharia.

ENSINAR RELACIONANDO CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE Nesse panorama, em resposta às solicitações das DCNs, (BRASIL, 2002) observa-se a necessidade de encontrar um caminho para promover atividades de ensino em Engenharia objetivando construir junto ao aluno o entendimento de que as tecnologias não são neutras, ou seja, podem promover efeitos tanto benéficos quanto maléficos. Busca-se, dessa forma, construir junto ao acadêmico de Engenharia uma visão crítica sobre a tecnologia, superando as visões unilaterais do Rei Thamus e do inventor Theuth, personagens lendários citados no livro “Tecnopólio: a rendição da cultura à tecnologia” de Postman (1994). Em seu livro Postman, na tentativa de desmistificar a neutralidade da tecnologia, apresenta duas visões distintas e antagônicas sobre os efeitos do uso das tecnologias: do rei Thamus que só observa o lado negativo e do inventor Theuth que vê apenas o lado positivo. Theuth havia apresentado à Thamus a invenção da escrita e propunha, a partir de sua invenção, uma forma de aperfeiçoar a sabedoria e a memória do povo egípcio. Na visão de Theuth essa invenção traria inúmeros benefícios ao povo. Thamus, por sua vez, viu na escrita uma forma de transformar seus

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usuários em um fardo para a sociedade, pois, de acordo com a sua forma de pensar, esses se tornariam ignorantes à medida que passassem a buscar conhecimentos e informações apenas na escrita e não mais na sua própria memória. Por observar que até meados do século XX associava-se o desenvolvimento do Brasil ao uso e exploração indiscriminada dos seus recursos naturais e tecnológicos (ANGOTTI e AUTH, 2001), entende-se que a visão pela qual se permeou o crescimento industrial brasileiro não foi muito distante das visões de Teuth e de Thamus, pois, assim como nesses casos também foi unilateral. Nessa visão unilateral também não deve ter sido difícil para a sociedade civil incorporar em seus hábitos o uso dos produtos tecnológicos, pois o conforto, a comodidade e a praticidade a eles associados tornavam-nos altamente atrativos. Todavia, esse sentimento nacional e global de bem-estar relacionado ao progresso tecnológico não perdurou por muito tempo, pois, conforme relatam Auler e Bazzo (2001, p.01): [...] foi crescendo o sentimento de que o desenvolvimento científico, tecnológico e econômico não estava conduzindo, linear e automaticamente, ao desenvolvimento do bem-estar social. Após uma euforia inicial com os resultados do avanço científico e tecnológico, nas décadas de 1960 e 1970, a degradação ambiental, bem como a vinculação do desenvolvimento científico e tecnológico à guerra (as bombas atômicas, a guerra do Vietnã com seu napalm desfolhante) fizeram com que a ciência e a tecnologia (C&T) se tornassem alvo de um olhar mais crítico.

Por isso, entende-se a necessidade de sobrepor à visão comum, uma visão crítica da sociedade e, de forma especial, dos acadêmicos de Engenharia sobre os possíveis custos, sociais e/ou ambientais, do desenvolvimento da Ciência e Tecnologia. Essa visão crítica deve ser observada pelo futuro engenheiro como uma importante ferramenta de julgamento e prevenção a ser utilizada no processo de produção, pois, como alerta Postman (1994, p.17) “[...] uma vez que uma nova tecnologia é aceita, ela atua de imediato; faz o que está destinada a fazer. Nossa tarefa é compreender o que é esse desígnio; vale dizer que, quando aceitamos uma tecnologia nova, devemos fazê-lo com os olhos bem abertos”. Com uma atuação baseada apenas na visão comum, corre-se o risco de se tomar decisões politicamente incorretas, pois, o que se julga ser uma forma de solucionar um problema pode vir a criar um novo problema, e com dimensões ainda maiores do que o problema inicial, como se pode observar nos exemplos dados no Quadro 1. Busca-se, nesse quadro, exemplificar alguns problemas relacionando-os com suas soluções e possíveis implicações sociais e/ou ambientais. Por isso, julga-se necessário ter-se a visão da tecnologia não apenas como um único produto, mas sim como um sistema de “produtos heterogêneos” (BAZZO, 2002), ou seja, produtos que são construídos utilizando-se de várias Ciências, Técnicas e Tecnologias, por isso sendo passíveis de produzir vários efeitos.

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O engenheiro, de acordo com as situações indicadas no Quadro 1, pode planejar a produção de um herbicida sem a devida preocupação com a possível contaminação do lençol freático ou com problemas de saúde causados em pessoas que venham a aplicar o produto sem as devidas precauções, ou que venham a consumir alimentos contaminados por esse produto. Pode contribuir para a criação do desodorante aerossol que oferece uma aplicação mais prática e higiênica que o desodorante produzido na textura de creme, porém, sem se preocupar com os efeitos que esse produto tecnológico pode trazer ao meio ambiente, contribuindo para a degradação da camada de ozônio.

PROBLEMA

SOLUÇÃO

BENEFÍCIOS

MALEFÍCIOS

Ervas daninhas em jardins e hortas.

Herbicidas: Pesquisa nas áreas de Química e Biologia.

Eliminação das ervas daninhas.

Contaminação do homem e do lençol freático.

Odores indesejáveis no corpo humano.

Desodorante aerossol: pesquisa nas áreas de Química e Física.

Praticidade e higienização.

Degradação da camada de ozônio.

Pacotes de papel apresentam baixa resistência física.

Sacolas plásticas: pesquisa nas áreas de Química e Física.

São mais resistentes, práticas e impermeáveis.

Contaminação do ambiente, liberação de dioxinas no ar.

Quadro 1- Impactos Tecnológicos - Fonte: Autoria própria

O engenheiro realiza a pesquisa, propõe e produz sacolas de plástico que são mais resistentes e que não se desmancham ao molhar, em substituição aos pacotes de papel, porém, sem se preocupar com o destino dessas sacolas após o seu uso e as possíveis contaminações causadas. Nesse sentido, entende-se que se encontra na ação de promover esse tipo de reflexões em sala de aula uma forma de contribuir para a formação do conceito da não neutralidade da Ciência & Tecnologia junto aos acadêmicos de Engenharia. Ao desenvolver esse processo, espera-se que da mesma forma com que o aluno passou a refletir sobre os efeitos do desodorante aerosol, do herbicida e da substituição do pacote de papel pelo de plástico, reflita também durante as suas futuras decisões profissionais. Por isso, entende-se que a formação do acadêmico de Engenharia, enquanto consumidor e criador de produtos ou processos tecnológicos deve passar necessariamente por uma nova concepção de cidadania. Nessa concepção, a aquisição de conhecimentos científicos e tecnológicos passa a exercer um papel social, fornecendo argumentos e subsídios para a avaliação dos possíveis impactos tecnológicos.

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Entende-se que uma visão mais crítica sobre a complexidade da tecnologia pode contribuir para a compreensão e previsão dos possíveis “efeitos colaterais” que o uso dessa tecnologia pode provocar. Refletir sobre os efeitos das tecnologias julga-se ser, de fato, uma obrigação da sociedade e daqueles que a governam e a formação acadêmica não pode permitir-se ficar à margem desse processo. Nesse sentido, entende-se ser importante observar a proposta do enfoque de ensino Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). Entre seus pressupostos o enfoque CTS observa a importância de que os professores passem a instigar uma visão mais crítica sobre os procedimentos, processos e produtos tecnológicos em seus alunos, pois, inseridos no mercado de trabalho os alunos egressos em Engenharia deparar-se-ão com problemas relacionados às Tecnologias enquanto processos, procedimentos ou produtos tecnológicos, sobre os quais deverão refletir, avaliar e apresentar soluções. Nesse sentido, comentam Gordillo e Galbarte (2002, p.36): […]construirse una central nuclear en un determinado lugar? ¿Debe aumentarse el presupuesto para la construcción de una autovía para evitar que su trazado afecte a un entorno natural singular? ¿Deben conservarse los embriones humanos congelados hace más de diez años? ¿Deben desarrollarse las tecnologías de la clonación humana? ¿Debo aprobar que se desconecte el respirador a un ser querido? Todas esas decisiones están en el centro de actividades tecnológicas, pero en modo alguno son decisiones neutras. Los expertos técnicos también podrían tener diferentes opiniones sobre ellas, igual que los demás ciudadanos. De hecho, son el tipo de decisiones sobre la tecnología que más importancia tienen para la ciudadanía.

Nesse contexto, entende-se que a preparação do homem – consumido e/ou criador de tecnologias - deve passar necessária e simultaneamente por uma nova concepção de cidadania e pela aquisição de conhecimentos científicos e tecnológicos que lhe permitam um melhor entendimento dos efeitos decorrentes do uso e/ou do processo de produção de artefatos tecnológicos. Por isso, concorda-se com Bazzo et al. (2008) quando indicam os pressupostos do enfoque CTS como um importante meio de contribuição para a formação acadêmica - científica, tecnológica e humanista - nos cursos de Engenharia. O movimento social CTS, que deu origem ao enfoque de ensino CTS, teve seu inicio na segunda metade do século XX, quando foram observadas as primeiras críticas ao paradigma da associação entre desenvolvimento científico, tecnológico e promoção do bem estar social (AULER e BAZZO, 2001; SANTOS e MORTIMER, 2001; PINHEIRO, 2005) e ao paradigma da sociedade consumista na qual o conceito de cidadania privilegiava os direitos do indivíduo, sem a necessária preocupação com os seus deveres (SANTOS, 2005). O movimento CTS, para Pinheiro (2005, p.28), veio em oposição direta a esse modelo individualista de cidadania, pois: “[...] trouxe como um de seus lemas a necessidade do cidadão de conhecer os direitos e obrigações de cada um [...]”.

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O enfoque de ensino CTS originou-se, na ordem natural dos acontecimentos, dos efeitos decorrentes das preocupações sociais, refletidas junto às questões educacionais e, segundo Pinheiro (2005, p.40), propõe: “renovação na estrutura curricular dos conteúdos, de forma a colocar a ciência e a tecnologia em novas concepções vinculadas ao contexto social”. Propõe um processo de ensino e aprendizagem reflexivo e contextualizado, com a participação ativa do educando objetivando formar a sua criticidade sobre os processos que relacionam a Ciência, Tecnologia e as questões sociais e ambientais (BAZZO, 1998; PINHEIRO, 2005 e 2007; GORDILLO e OSORIO, 2003). Outro ponto importante a se destacar na proposta CTS é, segundo Gordillo e Galbarte (2002, p.26) o aspecto crítico-reflexivo no ensino das tecnologias como inspiração para as mudanças nas práticas de ensino “[...] la perspectiva CTS aporta una adecuada mirada crítica que permite inspirar las propuestas educativas prácticas sin las cuales estas reflexiones sobre las finalidades de la educación tecnológica carecerían de valor para la transformación educativa”. Na perspectiva de Gordillo e Cerezo (2002), as atividades de ensino CTS devem ser elaboradas de forma a promover a busca, por parte dos alunos, de uma aprendizagem por meio da aplicação ou desenvolvimento de conhecimentos em situações contextualizadas, de forma a permitir o relacionamento entre questões profissionais, sociais e ambientais. Aborda-se também no enfoque CTS a necessidade de aliar ao desenvolvimento curricular atividades de ensino que promovam o exercício da cidadania, buscando, dessa forma, a aquisição por parte dos acadêmicos de referenciais que possam vir a orientar seus posicionamentos em suas decisões profissionais (SANTOS e MORTIMMER, 2001). De acordo com Acevedo (2004, p.10), exercitar a cidadania, relacionando-a às questões científicas é fundamental para que: “las personas puedan participar democraticamente en la evaluación y la toma de decisiones sobre asuntos de interés social relacionados con la ciencia y la tecnologia [...]”. E, numa proposta voltada para uma nova visão sobre o currículo e a função das disciplinas de ensino, Bazzo (2002, p.10) indica que o enfoque de ensino CTS propõe: “tratar de forma integrada os diversos saberes das áreas de conhecimentos acadêmicos tradicionais, que hoje são abordados de forma fragmentada e descontextualizada”. Em virtude do panorama exposto e por entender que os pressupostos das DCNs e do enfoque CTS no ensino são convergentes quanto às orientações educacionais e curriculares, deparou-se, nesse trabalho, com a necessidade de buscar/escolher/estabelecer uma metodologia de ensino que permitisse colocar essas orientações em prática. Nessa perspectiva, optou-se por trabalhar essas questões a partir das orientações da metodologia dos Problemas Geradores de Discussões.

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INSERÇÕES DE ESTUDOS SOCIAIS NO ENSINO DE FÍSICA EM ENGENHARIA POR MEIO DE PROBLEMAS GERADORES DE DISCUSSÕES: UMA PROPOSTA

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A METODOLOGIA PGD Apresentou-se, em trabalho de dissertação (MACHADO, 2009b), a proposta de uma metodologia para aplicação no ensino em Engenharia, nas disciplinas da área da Física. Essa metodologia, intitulada Metodologia dos Problemas Geradores de Discussões (PGD), é constituída, basicamente, de um conjunto de orientações sobre as etapas de elaboração e aplicação dos Problemas Geradores de Discussões (MACHADO, 2009a). E foi construída a partir do entendimento dos novos objetivos de ensino e de formação acadêmica estabelecidos para os cursos de Engenharia. As DCNs, assim como o enfoque de ensino de Ciências, Tecnologia e Sociedade, indicam a necessidade de uma nova visão curricular, mostrando que as disciplinas devem ser trabalhadas de forma integrada e em um processo participativo. Objetivando promover a formação de um aluno egresso em Engenharia com forte e ampla base científica e tecnológica, capacitado a manipular e desenvolver novas tecnologias e a identificar e solucionar os problemas que se apresentem em sua vida pessoal e profissional, sem deixar de observar o seu papel como cidadão e suas responsabilidades perante a sociedade e o meio ambiente. Contudo, para que essa base científica cumpra a sua função frente aos objetivos traçados, deve ser adquirida em um processo de ensino elaborado e realizado por meio de atividades que busquem a promoção de uma aprendizagem significativa. Como forma de integração entre conteúdos, a Metodologia PGD propõe a contextualização dos conhecimentos a partir de questões e questionamentos elaborados em torno de uma situação ou problema gerador (MACHADO, 2010). Em visão particular, entende-se que não deve ocorrer, por parte do professor, uma preocupação em elaborar atividades que forcem a integração entre as disciplinas do curso de Engenharia. Essa integração deve ocorrer de forma natural e espontânea por meio da contextualização dos conhecimentos. Acredita-se que à medida que o problema gerador estiver relacionado às atividades do profissional de Engenharia, naturalmente, exigirá do aluno a utilização de conhecimentos científicos das mais diversas áreas e da análise de aspectos sociais e ambientais, para buscar a sua solução. Dessa forma, a Metodologia PGD tem por objetivo permitir, às disciplinas da área de Ciências e Matemática, dar uma maior parcela de contribuição para o desenvolvimento das habilidades e competências exigidas à formação acadêmica do engenheiro (MACHADO & PINHEIRO, 2009). Junto à formação acadêmica em Engenharia, a Metodologia PGD destina-se a dar contribuições tanto no aspecto profissional (aquisição de conhecimentos científicos e tecnológicos) quanto no aspecto humanista (formação para a cidadania).

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Em relação ao aspecto profissional, a metodologia busca promover atividades de ensino que levam o aluno a exercitar a sua capacidade de: ampliar e aplicar os conhecimentos científicos adquiridos à Engenharia; projetar e conduzir experimentos científicos; identificar e resolver, desenvolver e/ou utilizar novas ferramentas e técnicas, no intuito de solucionar um problema; comunicar-se eficientemente nas formas escrita e oral, entre outros. Em relação ao aspecto humanista, a metodologia PGD busca exercitar a capacidade do aluno de analisar e avaliar processos, procedimentos e/ou o uso de produtos tecnológicos, levando em consideração aspectos relacionados à Ciência e Tecnologia, mas, também, aspectos sociais, políticos, éticos, econômicos, ambientais etc. Dessa forma, busca-se construir, no aluno de Engenharia, o hábito de analisar o uso da Ciência e da Tecnologia, preocupando-se com os possíveis impactos causados sobre a sociedade e sobre o meio ambiente.

UM EXEMPLO DE PGD E OS VISLUMBRES DE SUA APLICAÇÃO O PGD Pasteurização Leite apresentado no QUADRO 2 foi elaborado para aplicação no ensino de Física em Engenharia, envolvendo os conteúdos de ensino de termologia. Esse PGD tem como tema gerador a produção e comercialização do leite e apresenta questionamentos voltados tanto para a formação científica e tecnológica do acadêmico em engenharia quanto à sua formação humanística.

Entretanto, entende-se importante lembrar o objetivo desse estudo

prende-se às questões que buscam promover inserções dos estudos sociais no ensino da Física.

O Ministério da Agricultura baixou portaria proibindo a comercialização do leite diretamente do produtor ao consumidor. Essa proibição foi justificada pela necessidade de maior fiscalização sobre a qualidade desse leite que é vendido e consumido sem passar sequer por um processo de pasteurização. Nesse contexto: 1 - realize procedimentos experimentais a fim de determinar o calor específico e a densidade do leite; PGD Pasteurização Leite

2 - utilizando-se dos dados obtidos na atividade anterior, determine qual seria a energia térmica, em joule, necessária para pasteurizar 1000 litros de leite; 3 - como o seu grupo analisa esse ato governamental? 4 - faça uma comparação sobre o processo de pasteurização na época em que ele foi criado por Pasteur e o processo “UHT” desenvolvido pelas indústrias nos dias de hoje e indique as principais mudanças buscando estabelecer possíveis vantagens e desvantagens entre os dois métodos;

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5 - aproveitando o contexto, indique quais as vantagens e desvantagens comparando os processos de embalagem do leite em saquinhos plásticos, em caixinhas e em garrafas plásticas e de que forma o governo, a sociedade e o setor produtivo vêm demonstrando preocupações e propondo soluções aos problemas ambientais e sociais, gerados pelo descarte dessas embalagens. Quadro 2: PGD Pasteurização do Leite - Fonte: Autoria própria.

O PGD proposto no Quadro 2 apresenta como tema gerador o consumo do leite a partir de um ato governamental que buscou regulamentar o manejo e a comercialização desse produto. Observando as questões propostas no Quadro 2, entende-se que o questionamento 3 promoverá discussões envolvendo questões higiênicas e consequentemente sobre os efeitos do controle sobre o manejo do leite sobre a saúde do consumidor. Também permitirá discussões envolvendo a análise dos efeitos dessa portaria sobre a vida dos pequenos produtores, também discussões se há ações governamentais com o objetivo de orientar os pequenos produtores de leite a fim de que eles se adaptem às novas condições, entre outros. Com o questionamento 4, o PGD proposto vislumbra discutir possíveis impactos sociais a partir da comparação entre duas tecnologias. Isso porque diferentes tecnologias utilizam de diferentes recursos entre eles a mão-de-obra que precisa ter uma qualificação diferente, diferentes fontes de recursos energéticos além do fato de que a matéria prima passa por diferentes tratamentos físicos e químicos e esses tratamentos podem modificar as características finais do produto em questão. Entende-se que com o quinto questionamento o PGD cria a possibilidade de levar os acadêmicos de engenharia a avaliar as diferentes formas de acondicionamento do produto final e seus efeitos junto ao ambiente em que o consumidor vive. Nesse aspecto, entende-se possível o levantamento de questões sobre reciclagem e sua importância sobre o meio ambiente e como forma de criação de emprego. Discussões sobre as leis nos diversos níveis governamentais existentes sobre a reciclagem resíduos domésticos, os projetos sociais buscando a criação de cooperativas, entre outros.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos tempos atuais, a importância da formação acadêmica nos cursos de Engenharia não se dá apenas na qualidade da formação profissional: científica e tecnológica. Nesse período de grandes mudanças sociais, econômicas, ambientais e no setor produtivo, exige-se das universidades que dêem a sua parcela de contribuição para o desenvolvimento da construção da cidadania do futuro profissional. Por isso, entende-se que, o professor precisa refletir sobre a sua forma de atuação e, a partir dessa reflexão, propor uma prática pedagógica mais significativa. Por prática pedagógica significativa, compreende-se aquela que não prioriza os conteúdos. Aquela que não define o professor como proprietário único do conhecimento. Aquela que exige que o conhecimento trabalhado pelo professor seja contextualizado, aplicado à realidade do curso em que está trabalhando a sua disciplina e visto não como um fim, mas, como meio de resolução dos problemas, quer sejam de ordem pessoal, social, ambiental, ou de produção ou provocados pela produção. Dessa forma, entende-se que esse estudo propôs uma prática de ensino significativo nas disciplinas da área de Ciências e Matemática, inserindo ensino CTS nos cursos de Engenharia por intermédio da aplicação de um Problema Gerador de Discussões. Em virtude do exposto, acredita-se que por meio da utilização do “PGD Pasteurização Leite” cria-se uma abertura no ensino da Física para que discussões sociais possam ser inseridas junto ao ensino científico e tecnológico contribuindo dessa forma na formação do futuro profissional da engenharia no seu aspecto humanístico.

REFERÊNCIAS ACEVEDO, J.A. Reflexiones sobre las finalidades de la enseñanza de las ciências: educación científica para la cidadania. Revista Eureka sobre Enseñanza y Divulgación de las Ciencias , n. 1, p.3-16, 2004.Disponível em < http://www.oei.es/salactsi/educacion.htm>. Acesso em 21/04/2008. ANGOTTI, J. A. P.; AUTH, M. A. Ciência e Tecnologia: implicações sociais e o papel da educação. Ciência & Educação, v.7, n.1, p.15-27, 2001. AULER,D.& BAZZO, W.A. Reflexões para a implementação do movimento CTS no contexto educacional brasileiro. Ciência & Educação, v.7, n.1, p.1-13, 2001. BAZZO, W. A. Ciência, Tecnologia e Sociedade e o Contexto da Educação Tecnológica. Ed.U.F.S.C., Florianópolis, 1998. BAZZO,W.A. et al. Introdução aos estudos CTS. Revista Ibero-Americana, n.28.OEI, Madrid, 2002.

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A PRODUÇÃO CIENTÍFICA DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO NA REGIÃO SUDESTE DO BRASIL

João Ricardo Lopes ! !

RESUMO: O presente trabalho procura identificar os programas de pós-graduação em Ciência da Informação localizados na região sudeste do Brasil (UFMG, USP, UNESP, UFF e UFRJ), e coletar informações sobre a produção científica dos docentes. O contexto deste trabalho é a produção de indicadores de produção científica na área da Ciência da Informação. Dentre os objetivos gerais propostos estão: estudar os programas de pósgraduação em Ciência da Informação na região sudeste do Brasil, investigar, através de pesquisa experimental a produção científica destes programas de pós-graduação utilizando a extração e análise de dados da Plataforma Lattes entre os anos de 2005 e 2010. Os resultados apontam que 88 docentes reportaram 2695 publicações entre 2005 e 2010, sendo 539 na UFMG, 954 na UNESP, 589 na USP, 194 na UFF, e 419 na UFRJ. Estas informações foram analisadas em médias, evolução anual, e agrupadas pela tipologia de materiais: livros, artigos, capítulo de livro, resumo, resumo expandido e trabalho completo publicado em anais de evento. A conclusão apresenta alguns indicadores seguidos de discussão sobre os números apontados na pesquisa. A avaliação da produtividade científica permitirá diagnosticar as reais potencialidades dos programas de pós-graduação, e em quais aspectos se diferenciam em relação à produção de conhecimento nessa área interdisciplinar. Palavras-chave: Bibliometria; Produção Científica; Ciência da Informação.

THE CIENTIFIC PRODUCTION OF POSTGRADUATE PROGRAMS IN INFORMATION SCIENCE IN THE SOUTHEASTERN REGION OF BRAZIL ABSTRACT: This paper aims to identify the postgraduate programs in Information Science located in southeastern Brazil (UFMG, USP, UNESP, UFF and UFRJ) and thereafter, to conduct a survey with teachers to collect information on scientific production. The context of

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JOÃO RICARDO LOPES

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this work is the production of indicators of scientific production in the field of Information Science. The proposed objectives are: to study postgraduate programs in Information Science from Southeastern Brazil through experimental research by investigating the scientific production of these postgraduate programs employing the extraction and analysis of data from the Lattes Platform from 2005 to 2010. The results indicate that 88 teachers produced 2695 publications between 2005 and 2010, with a total of 539 at UFMG, 954 at UNESP, 589 at USP, 194 at UFF and 419 at UFRJ. The collected data were analysed in averages, annual progress and grouped by types of materials: books, articles, book chapters, extended abstracts and published papers. The evaluation of scientific productivity will allow us to diagnose the real potentiality of the postgraduate programs and in which aspects they differ in relation to the production of knowledge in this interdisciplinary area. Keywords: Bibliometrics; Scientific Production; Information Science.

1 INTRODUÇÃO A revolução das novas tecnologias no limiar do último século introduziu uma nova configuração para a sociedade. Conhecida como a “sociedade do conhecimento”, ela é fortemente marcada pelas inter-relações econômicas, políticas e sociais, sendo a informação o fator preponderante do ponto de vista estratégico para planejar, monitorar e avaliar a atividade no campo científico ou mesmo social (VELHO, 2005). No contexto científico, o gerenciamento dessas informações mediante sua produção, uso e distribuição modificou a concepção e a difusão da produção científica. Esses materiais não devem ser apenas restritos aos locais onde são produzidos, e sua área de abrangência e circulação deve ganhar dimensões globais para o melhor desenvolvimento da ciência. Desse modo, as tecnologias de informação e comunicação estão ocupando um papel importante na produção científica, pois, além de trazer benefícios sociais, as novas descobertas servem como suporte de acesso e difusão do conhecimento produzido, ou seja, são uma relevante ferramenta de apoio ao desenvolvimento das pesquisas para a comunidade científica. A oferta de todos esses materiais coloca em cheque os sistemas de avaliação do desempenho científico de muitas áreas, em específico, a da Ciência da Informação - foco deste estudo. A preocupação com o estabelecimento de critérios consistentes para avaliação do conhecimento produzido é motivo de reflexão por parte dos estudiosos na área

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de bibliometria. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é quantificar a produção científica na área da Ciência da Informação, através da literatura publicada entre os anos 2005 a 2010, para identificar as características e tendências dos pesquisadores que constroem o significado desse campo científico. O artigo segue estruturado em sua segunda seção com a descrição da área de Ciência da Informação. A seção 3 apresenta a evolução da pós-graduação em Ciência da Informação, no Brasil, seguida da caracterização de bibliometria. A seção 5 constrói o percurso metodológico desde a delimitação do objeto de estudo e do período de análise até a coleta das informações na Plataforma Lattes. A seção 6 apresenta os resultados e discussão dos indicadores de produção científica, seguidos pelas considerações finais e referências.

2 CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO Partindo-se de um ponto de vista conceitual são identificadas duas correntes teóricas que alicerçam a origem da Ciência da Informação: a vertente europeia, que coloca essa área como descendente da documentação; a estadunidense, que apresenta a Ciência da Informação como recorrência das tecnologias de recuperação da informação (FALCHETTI, 2007, p. 22). No século XIX, na Bélgica, os advogados Paul Otlet e Henri La Fontaine foram os mentores da criação da Documentação cuja finalidade era o desenvolvimento de técnicas para a representação do conteúdo dos mais variados tipos de documentos, com o intuito de facilitar a utilização da informação. Para Ortega (2009, p. 60), a “ênfase no reconhecimento da documentação é pertinente, pois sua fundação e consolidação na Europa, observável na literatura e nas práticas profissionais, indicam a existência de um objeto construído de modo consistente e deflagra a abordagem de informação que é específica da área”. Por outro lado, a corrente estadunidense tem como ponto de partida a biblioteconomia. Saracevic (1996, p. 42) ressalta os esforços de Vannevar Bush, que apresenta a proposta de criação de um sistema para suprir as falhas da memória humana, a partir de um recurso mecânico (memex) capaz de suportar uma gama de informações. Os esforços deveriam se voltar para a tarefa de tornar as informações mais acessíveis, por conta do crescimento informacional no século XX. Nesse contexto, Le Coadic (2004), de maneira precisa, relata a origem da Ciência da Informação, em 1968, momento do nascimento da primeira sociedade cientifica nos EUA, American Society for information Science (ASIS). Com o tempo, a Ciência da Informação vai encorpando a definição do seu objeto de estudo, conceitos e leis fundamentais.

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JOÃO RICARDO LOPES

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Saracevic (1996) salienta que a década de 1970 estava voltada para solução de problemas de comunicação entre as pessoas, e a grande questão era resolver os ruídos entre o usuário e o documento, já que “problemas informacionais existem há longo tempo, sempre estiveram mais ou menos presentes, mas sua importância real ou percebida mudou e essa mudança foi responsável pelo surgimento da Ciência da Informação, e não apenas dela” (SARACEVIC, 1996, p. 43). Esses pontos são os primeiros esforços na tentativa de encontrar uma identidade sólida para esse novo campo do conhecimento. A intersecção de áreas adjacentes na constituição da Ciência da Informação parece algo consolidado, tanto que na década de 1980 a informática foi fortemente incorporada à Ciência da Informação, como atestam as teorias de Bush. Ao se fazer essa breve ressalva teórica a respeito de alguns pressupostos que ao longo do tempo foram estabelecendo a Ciência da Informação, chega-se ao enfoque mais contemporâneo apresentado por Saracevic (1996, p. 47): um campo dedicado às questões científicas e à prática profissional voltadas para os problemas da efetiva comunicação do conhecimento e de seus registros entre seres humanos, no contexto social, institucional ou individual do uso e das necessidades da informação. No tratamento destas questões são consideradas de particular interesse as vantagens das modernas tecnologias informacionais (SARACEVIC, 1996, p. 47).

No entanto, Saracevic (1996) ressalta que, ao mesmo tempo em que é traçada uma evolução histórica da Ciência da Informação, existe uma incerteza quanto à sua definição ideal, concisa, à natureza e aos objetivos. Fica evidente que essa área ainda não foi claramente definida e que, de fato, não há um consenso absoluto sobre o que ela representa. Nessa mesma linha de pensamento, Souza e Crippa (2010, p. 3) colocam que a Ciência da Informação é resultado da revolução tecnológica caracterizada pela interdisciplinaridade, tendo como campos de atuação a Documentação com seu arcabouço teórico e a recuperação da informação em sistemas automatizados como princípios fundadores. Para Le Coadic (2004, p. 3), a constituição da Ciência da Informação enquanto campo científico ainda é muito frágil e ambígua, sendo que sua preocupação é justamente esclarecer o problema da informação entre o homem e o que este procura. Na tentativa de solucionar o problema, a Ciência da Informação debruça-se no cruzamento de vários campos científicos que colaboram entre si: Psicologia, Linguística, Sociologia, Informática, Matemática, Lógica Estatística, Eletrônica, Biblioteconomia e Documentação, entre outras (LE COADIC, 2004).

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Souza (2006, p. 154) aponta três momentos históricos que marcam o ensino da Biblioteconomia e Ciência da Informação, no Brasil. O primeiro momento é marcado pela criação do ensino da Biblioteconomia, seguido do ensino de Biblioteconomia e Documentação e, mais tarde, pelo estabelecimento do ensino da Biblioteconomia e Ciência da Informação. Esses momentos são o reflexo do contexto social do país, pois além dos interesses profissionais para o mercado de trabalho havia também a influência de especialistas brasileiros e estrangeiros na formação conceitual dessa nova área do conhecimento. Dessa forma, o levantamento de indicadores de produção científica dos docentes dos programas

de

pós-graduação

em

Ciência

da

Informação

torna-se

indispensável,

contribuindo para novas descobertas para a área no futuro e apontamentos no presente.

3 PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO NO BRASIL Na tentativa de se absorver as necessidades do mercado foram criados dois tipos de pós-graduação que, segundo Soares (2002, p. 72), devem ser diferenciados um do outro: “os cursos de stricto sensu e os de lato sensu. Na primeira categoria, incluem-se mestrado e doutorado, cujo objetivo é de natureza acadêmica e de pesquisa, tendo como compromisso o avanço do saber”. Esses cursos estariam ligados ao papel essencial da universidade, conferindo títulos de mestre e de doutor aos estudantes, “sendo que esse último corresponderia ao nível mais elevado na hierarquia dos cursos superiores”. Em contrapartida, a pós-graduação lato sensu tem um objetivo eminentemente prático, destacando-se, dentre eles, os cursos de MBA (Master Business Administration). Quanto aos programas de pós-graduação em Ciência da Informação, sua existência está ligada ao crescimento do volume de documentos, bem como os métodos para recuperá-los, representá-los e utilizá-los. Segundo Barreto (2003, p. 134), foram diversificados os temas investigados em Ciência da Informação, a princípio impulsionados por uma forte influência estrangeira. Prova disso é o fato de se encontrar um número significativo de bolsistas brasileiros estudando na Inglaterra, nos Estados Unidos, na França e na Espanha. Mesmo com todo o incentivo para o avanço da pesquisa em Ciência da Informação, no Brasil, alguns pontos negativos podem ser identificados como linhas de pesquisa que ainda não estão totalmente consolidadas, modismos trazidos de outros países que se impõem mesmo sem uma relação adequada ao contexto brasileiro, além da predominância da pesquisa individual em detrimento da coletiva (BARRETO, 2003).

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JOÃO RICARDO LOPES

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A predominância da pesquisa individual, característica marcante desde os primórdios da pesquisa em Ciência da Informação, vem paulatinamente mudando no decorrer dos anos. As agências de fomento atualmente incentivam não somente a criação de grupos de pesquisas entre cientistas como também entre instituições, trazendo transformações àquela remota realidade. Para Souza (2006, p. 157), a condução do curso de Documentação Científica do antigo Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação (IBBD) para o mestrado em Ciência da Informação, em 1970, foi o marco inicial para se chegar aos programas dos dias atuais. Atualmente, existem onze programas de pós-graduação em Ciência da Informação no Brasil. Nesse contexto, o crescimento da Ciência da Informação, ao longo das décadas, ou seja, o aumento dos programas de pós-graduação, graduação, grupos de pesquisas ou o número de alunos e de pesquisadores vêm reiterar a importância deste estudo, pois boa parte dos sujeitos e instituições inseridas nesse crescimento é parte integrante do presente trabalho.

4 ABORDAGEM BIBLIOMÉTRICA O termo bibliometria foi utilizado pela primeira vez por Alan Pritchard, em 1969, para substituir a terminologia “bibliografia estatística”, que vinha sendo usada desde 1922. O bibliotecário indiano Ranganathan sugeriu ainda, em 1948, a necessidade dos bibliotecários desenvolverem a “bibliotecometria”, já que as bibliotecas em seu cotidiano lidavam com uma gama de estatísticas da Biblioteconomia (VANTI, 2002, p. 152). A bibliometria pode ser concebida não como uma ciência estática, debruçada somente em suas leis básicas (Bradford, Zipf e Lotka), mas sua contínua transformação é o reflexo da forma como a sua principal matéria-prima - os documentos - estão armazenados. Portanto, há a necessidade de técnicas cada vez mais avançadas (programas computacionais) na extração e recuperação de dados bem como na representação dos resultados. Vanti (2005, p. 78) ressalta que a recorrência das novas tecnologias de informação e comunicação faz surgir, entre os pesquisadores em Ciência da Informação, o interesse em estudar a web. Dessa forma, a webometria é a área de estudo “que vem adquirindo importância crescente para as análises quantitativas na internet”, já que ela se constitui como a mais rica fonte de informação da humanidade. Por mais diferenças que possam existir entre a bibliometria, informetria, cienciometria e, a mais recente delas, a webometria, pode-se dizer que elas se aproximam pela abordagem quantitativa em suas análises com a

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confluência de aspectos estatísticos e de recuperação em relação à informação científica produzida. Entre as três principais leis que regem a bibliometria, destacam-se os estudos de Lotka, em 1926, fundamentados na contribuição de cada autor para o desenvolvimento da ciência. Em sua pesquisa sobre a produtividade dos cientistas “a partir da contagem de autores presentes no Chemical Abstracs, entre 1909 e 1916”, descobriu-se que uma quantidade pequena de autores possui uma larga proporção de literatura científica enquanto muitos autores têm poucas publicações (ARAÚJO, 2006, p. 13). A lei de Bradford versa sobre um conjunto de periódicos com o objetivo de identificar a quantidade de artigos de um mesmo tema na incidência em periódicos destinados a assuntos diversos, ou seja, a distribuição dos artigos científicos nos periódicos. A partir dessas ponderações, Bradford formula, em 1934, a lei de dispersão. “O autor percebe que, numa coleção de periódicos sobre geofísica, existe sempre um núcleo menor de periódicos relacionados de maneira próxima ao assunto e um núcleo maior de periódicos relacionados de maneira estreita, sendo que o número de periódicos em cada zona aumenta, enquanto a produtividade diminui” (ARAÚJO, 2006, p. 14). A terceira das leis bibliométricas clássicas é a Lei de Zipf, que atua sobre a frequência das palavras em um texto. Formulada em 1949, essa lei descreve a relação entre as palavras num determinado texto suficientemente grande e a ordem de série dessas palavras (contagem de palavras em largas amostragens). “Zipf, analisando a obra Ulisses de James Joyce, encontrou uma correlação entre o número de palavras diferentes e a frequência de seu uso e concluiu que existe uma regularidade fundamental na seleção e uso das palavras e que um pequeno número de palavras é usado muito mais frequentemente” (ARAÚJO, 2006, p. 16). A partir desses princípios fundamentais, a bibliometria pode ser definida como a ciência que se preocupa em medir os processos de comunicação escrita, por meio do estudo quantitativo da produção, uso e disseminação da informação. (FARIA, 2010, p. 10). No Brasil, os estudos bibliométricos cresceram a partir da década de 1970, capitaneados pelo atual Instituto Brasileiro de Informação Ciência e Tecnologia- IBICT. A consolidação da informática, em meados do século XXI, propiciou o surgimento de softwares específicos em estudos de bibliometria (HAYASHI; FERREIRA JÚNIOR, 2008, p. 89). Alguns dos introdutores da bibliometria, no país, foram Tefko Saracevic, Bert Boyce e Wilfred Lancaster. Contudo, foi Saracevic quem impulsionou os estudos ao iniciar orientações a partir de 1972 (URBIZAGÁSTEGUI ALVARADO, 1984, P. 99). De acordo com Vanti (2002, p. 155), outras possibilidades são verificadas para os estudos bibliométricos: •

Identificar tendências e o crescimento do conhecimento de uma área;

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Identificar revistas do núcleo de uma disciplina;

Mensurar a cobertura das revistas;

Identificar os usuários de uma disciplina;

Prever tendências de publicação;

Prever a produtividade de autores individuais, organizações e países;

Medir o grau e padrões de colaboração entre autores;

Analisar os processos de citação entre autores;

Determinar o desempenho dos sistemas de recuperação da informação;

Avaliar a circulação e uso de documentos;

Medir o crescimento de determinadas áreas e o surgimento de novos temas. Apesar da grande utilidade da bibliometria como instrumento de avaliação de

questões ligadas ao desenvolvimento da ciência e tecnologia, a ferramenta possui algumas limitações: •

Nem todo trabalho de pesquisa e desenvolvimento resulta em publicações, o que significa que parte do conhecimento produzido está além do alcance da bibliometria;

Análise bibliométrica não leva em consideração a qualidade da pesquisa. Por ser uma abordagem quantitativa, um trabalho simples e um trabalho brilhante têm o mesmo peso;

As práticas de publicação e citação variam muito de acordo com a área científica. Esse fato limita as possibilidades de comparação entre resultados obtidos em áreas diferentes;

A comparação também é limitada por não haver sistemas de classificação e indexação de documentos perfeitos (FARIA, 2010, p. 34).

5 PERCURSO METODOLÓGICO: DEFINIÇÃO DE MÉTODOS PARA EXTRAÇÃO DE DADOS DA PLATAFORMA LATTES Para desenvolver o estudo sobre a produção científica dos Programas de PósGraduação em Ciência da Informação (PPGCI) da região sudeste, foi desenvolvido o referencial teórico com a delimitação do objeto de estudo formado pelos recortes dos Currículos Lattes de oitenta e oito (88) professores, distribuídos nos cinco (5) PPGCI: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de São Paulo (UNESP) e Universidade Federal Fluminense (UFF). A Tabela 1 apresenta a quantidade de docentes por PPGCI.

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Tabela 1 – Número de Docentes por Programa de Pós-Graduação

PPGCI

QTDE/DOCENTES 22 15 18 21 12 88

UFMG UFRJ USP UNESP UFF TOTAL

Fonte: Sites Institucionais (2011)

No desenvolvimento da pesquisa, foi realizada a extração da produção científica dos docentes através do Currículo Lattes de cada pesquisador, com o software ScriptLattes, ferramenta desenvolvida pelos pesquisadores Jesús Pascual Mena-Chalco e Roberto Marcondes Cesar Júnior (MENA-CHALCO; CESAR JÚNIOR, 2011). O fato de o Lattes ser disponível para consulta foi fundamental para mapear a produção de todos os docentes dos PPGCI. Dessa forma, serão considerados como produção científica apenas artigos, livros, capítulos de livros, trabalhos apresentados em eventos e resumos, haja vista, a dificuldade de se abordar todos os materiais produzidos (apresentações, produção técnica, produção artística etc.) e pela quantidade de dados a serem quantificados. A escolha do intervalo de tempo entre 2005 a 2010 (ao longo de cinco anos) se deve ao fato do período abranger as etapas de uma pesquisa científica, desde o nascimento do tema de estudo até a etapa da publicação. A Plataforma Lattes tornou-se referência como local de registro do histórico acadêmico dos estudantes e pesquisadores do país, sendo utilizada por grande parte das instituições de fomento, universidades e institutos de pesquisa do país. Pela riqueza de informações e sua crescente abrangência, sendo utilizada como requisito de acesso a programas de pósgraduação e elemento fundamental para a análise de mérito e competência dos pedidos de financiamentos

para

pesquisa

(CONSELHO

NACIONAL

DE

DESENVOLVIMENTO

CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO, 2011). Para extração dos dados, inicialmente, foram identificados os nomes completos de cada um dos 88 docentes dos PPGCI (disponíveis nos sites das universidades). O próximo passo foi acessar os currículos de cada pesquisador para coletar os IDs Lattes, que foram reunidos no editor de texto. Para executar o software ScriptLattes foi necessário realizar o

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download do programa1 e realizar a instalação em um terminal com o sistema operacional Linux. Após a certificação do funcionamento do ScriptLattes, através de um teste, a lista com os IDs Lattes de cada pesquisador foi inserida no software que compilou automaticamente as informações de cada um dos 88 pesquisadores do universo de pesquisa. Em seguida, foram gerados relatórios no formato HTML com informações quantitativas e descritivas da produção científica dos PPGCI.

6 RESULTADOS E DISCUSSÃO: A PRODUÇÃO CIENTÍFICA DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO A UFMG possui o maior corpo docente (22) entre os PPGCI e, durante o período da pesquisa (2005 a 2010), produziu 539 trabalhos com uma média de produção científica de 24,5 trabalhos por docente. O PPGCI da UNESP, com (21) professores e 954 trabalhos, apresentou o maior esforço científico entre as instituições pesquisadas, e uma média de 45,4 trabalhos por docente. O PPGCI da USP possui (18) docentes, totalizando uma produção de 589 trabalhos e a média de 32,7 trabalhos por docente. O PPGCI da UFF, com o menor número de docentes (12), produziu 194 trabalhos no período, e obteve a menor média com 16,1 trabalhos por docente. O PPGCI da UFRJ, com (15) professores, desenvolveu 419 trabalhos e obteve uma média de 27,9 trabalhos por docente. A Tabela 2 apresenta a média de produção científica dos PPGCI. Tabela 2 – Média Ponderada de Trabalhos por Docente PPGCI

Número de Docentes

UFMG UNESP USP UFF UFRJ

22 21 18 12 15 88

Quantidade de Trabalhos (2005-2010) 539 954 589 194 419 2695

Média da Produção por Docente 24,5 45,4 32,7 16,1 27,9 30,6

Total

Fonte: Elaborado pelo autor (2011)

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As Informações para configurar e executar o software estão no site: http://scriptlattes.sourceforge.net/. Através do item “Código Fonte (GNU-GPL)” do site, é possível fazer o download do script e conseguir informações sobre o uso. E no item “Exemplos de execução” há uma explicação de como o script deve ser executado.

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Uma das explicações para justificar a média de 16,1 trabalhos da UFF, distante da média geral de 30,6 trabalhos, deve-se ao fato de a universidade possuir a menor quantidade de docentes e, consequentemente, desenvolver a menor número de publicações. Os materiais científicos produzidos podem ser desenvolvidos tanto no curso de graduação, em parceria com os alunos, como também na própria pós-graduação. Diferentemente das demais, a UFF possui apenas o curso de mestrado, o que, evidentemente, diminui o número de membros da comunidade e de trabalhos que poderiam ser produzidos. Para Bourdieu (1997), as Ciências Naturais, Exatas e Tecnológicas requerem um tipo de comunicação bastante dinâmico. Sendo a Ciência da Informação um campo marcado pela interdicisplinaridade, ou seja, a confluência entre algumas ciências, questiona-se a preferência pela produção científica através dos livros em relação aos artigos e trabalhos de eventos como fonte importante de informação no meio acadêmico. Estes relatam novas informações de forma mais constante que os livros, facilitando aos usuários o acesso às descobertas e avanços em suas áreas de conhecimento. De acordo com a Figura 1, o PPGCI da UFMG concentra 38% de suas publicações no formato de artigos, e 41% nos trabalhos completos publicados em anais de congressos. Os livros apresentam uma produção de 3%; capítulos de livros 10%; resumos expandidos 2%, e resumos 6% das publicações produzidas. Na UNESP, a preferência das publicações é no formato de trabalhos completos publicados em anais de congressos com 33%. Artigos representam 20% da produção científica; capítulos de livros apresentam 24% da produção; resumos 13%; resumos expandidos 6%, e livros 4%. No PPGCI da USP, a tipologia de publicação mais recorrente são os trabalhos completos apresentados em anais de congresso, representando 31%. Apresenta-se uma ligeira preferência sobre os artigos, com 28%. Os capítulos de livros somam 25% da produção científica; os livros 8%; resumos 5%, e resumos expandidos 3%. Os trabalhos completos publicados em anais de congressos, são de acordo com esta pesquisa, o meio preferido de publicação por parte dos docentes dos cinco PPGCI, fato que se confirma ao se analisar o programa da UFRJ, que registrou 30% dos trabalhos nesta tipologia. Os artigos somaram 25% da produção do programa; capítulos de livros 20%; resumos 11%; livros 10%, e resumos expandidos 4%. Aproximadamente a metade da produção científica dos docentes da UFF, isto é, 45% são apresentadas no formato de trabalhos completos publicados em anais de congresso. Os artigos somam 33% da produção; capítulos de livros 13%; livros e resumos 4%, e resumos expandidos 1%.

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Figura 1 – Quantidade de Publicações por Tipologia de Materiais Produzidos pelos PPGCI entre 2005 -2010

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A evolução anual da produção científica do PPGCI da UFMG apresentou, nos anos de 2005 e 2006, um equilíbrio nas publicações contabilizando 56 e 55 trabalhos, respectivamente. Em 2007, o programa apresentou (97) trabalhos; em 2008 (91) e, em 2009, (95). O ano de 2010 é o que registra a maior quantidade de publicações com (145) trabalhos. No PPGCI da UNESP, os anos de 2010 (210) e 2008 (167) são os mais produtivos, seguidos de 2009 (155). Em 2007 há (153) trabalhos; 2005 (150), e 2006 (119) trabalhos, com um declínio na produção científica nestes últimos anos. A mesma alternância na quantidade de publicação de um ano para o outro também é percebida no PPGCI da USP, com (99) trabalhos em 2005, e (82) em 2006. O ano de 2007 (124) foi aquele com o maior índice de produção. Houve uma queda de (91) trabalhos em 2008, subindo para (101) em 2009, e (92) publicações em 2010. Na evolução anual da produção científica do PPGCI da UFF, foi identificada certa estabilidade no número de publicações, com (31) trabalhos em 2005; (38) em 2006; (30) em 2007 e 2008; (31) trabalhos em 2009, e (34) trabalhos em 2010. Na evolução das publicações no PPGCI da UFRJ, o ano de 2009 registrou a maior quantidade de publicações com (83) trabalhos; em 2007 (80) trabalhos; em 2006 (70); em 2005 (66) trabalhos; 2008 (59) trabalhos, e 2010 com (61) publicações. A Figura 2 apresenta a evolução anual da produção científica dos PPGCI, entre 2005 e 2010.

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Figura 2 – Evolução Anual da Produção Científica dos PPGCI entre 2005 – 2010

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Fonte: Elaborado pelo autor (2012)

7 CONSIDERAÇÔES FINAIS

A produção de indicadores bibliométricos no campo acadêmico vem se fortalecendo nas últimas décadas. É, sem dúvida, mais uma ferramenta para a comunidade científica definir diretrizes para alocação de recursos intelectuais nas áreas deficitárias e na avaliação das atividades de desenvolvimento científico e tecnológico (MUGNAINI; JANUZZI; QUONIAM, 2004). Tais indicadores tiveram, neste estudo, a finalidade de apontar resultados imediatos da produção científica dos docentes dos PPGCI da região sudeste do Brasil (UFMG, UNESP, USP, UFF e UFRJ). A avaliação da produtividade científica permitiu um diagnóstico das reais potencialidades dos programas de pós-graduação. A abordagem bibliométrica apontou que os trabalhos completos publicados em anais de congresso se sobressaíram entre as demais formas de publicações, pois, em todos os programas, esse tipo de produção possui o maior índice de publicação. Os artigos e os capítulos de livros também se destacaram como canal de publicação científica, alternando o segundo lugar entre as tipologias mais utilizadas.

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A pequena taxa de publicação de livros, tendência verificada em todos os programas, pode estar relacionada à complexidade da elaboração desse tipo de material. A média de publicação científica em cada um dos cinco PPGCI apontou a UNESP com a maior média entre os programas, ou seja, 45,4 trabalhos seguidos por: 32,7 da USP; 27,9 da UFRJ; 24,5 da UFMG, e 16,1 trabalhos da UFF. Longe de querer estabelecer relações de competitividade entre as instituições, o estudo pautou-se mais em descrever os resultados de uma maneira simples, oferecendo uma pequena contribuição através dos resultados para área da Ciência da Informação. Este estudo defrontou-se com algumas dificuldades como a questão da atualização dos currículos (realizada por cada um dos professores) que, se não for feita com certa periodicidade e de forma correta (determinado material em seu respectivo lugar), pode não expressar com precisão os dados mais recentes posteriores à última atualização. Mesmo com estas limitações, ficam alguns resultados que reportam as características dos PPGCI em relação ao que é propagado pela literatura da área de bibliometria e campos adjacentes. Dessa forma, fecha-se este trabalho, não de uma maneira conclusiva, mas ao se ressaltar que estudos posteriores devem ser encorajados para que possam ser realizadas abordagens mais criteriosas que têm como objeto os dados existentes na Plataforma Lattes, devido à importância dessa base de dados e sua difusão no meio científico.

REFERÊNCIAS ARAÚJO, Carlos Alberto. Bibliometria: evolução histórica e questões atuais. Em questão. Porto Alegre, v. 12, n. 1, p. 11-32, jan./jun. 2006. BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clinica do campo científico. São Paulo: UNESP, 1997. BARRETO, Aldo. Pesquisa em ciência da informação no Brasil: síntese e perspectiva. In: ________. Ciência da informação: teoria e metodologia de uma área em expansão. Brasília: Thesaurus, 2003. CRIPPA, Giulia; SOUZA, Willian Eduardo Righini. O campo da ciência da informação e o patrimônio cultural: reflexões iniciais para novas discussões sobre os limites da área. Encontros bibli. Florianópolis, v. 15, n. 29, p. 01-23, 2010. CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO. Plataforma Lattes. Brasília: CNPq, 2010. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/>. Acesso em: 11 nov. 2011. FALCHETTI, Bruna. Fontes de informação na área da ciência da informação. 2007. 54 f. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) ! Curso Ciências da Informação e da Documentação, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2007.

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OPEN-DATA STARTUP: MAPA DE SERVIÇOS PÚBLICOS DO BRASIL

Rogério Colpani Natascha Sava Hun Tibério Camargo Gimarães

RESUMO: O Mapa de Serviços Públicos do Brasil tem a finalidade de auxiliar na busca por serviços públicos próximos à localização do usuário através de mapa de geolocalização. Mais de dez serviços estão disponíveis para consulta, com opções de trajeto (rota) e de exibição de horário e contatos do serviço selecionado. O projeto foi desenvolvido utilizando o modelo lean startup e, desta forma, permitiu aos desenvolvedores a criação de versões de forma rápida e de baixo risco. As características positivas e diferenciadas do aplicativo estão na sua simplicidade de uso e na precisão dos resultados apresentados no mapa devido a utilização da base de dados disponibilizada pelo governo, possibilitando assim, o usuário a tomar decisão de forma rápida e segura. Palavras-chaves: Startup, Dados Abertos e Geolocalização.

OPEN-DATA STARTUP: MAP OF PUBLIC SERVICES OF BRAZIL ABSTRACT: The Map of Public Services of Brazil aims to assist in the search for public services near the user's location via geolocation map. More than ten services are available for consultation with their route, hours and contact options. The project was developed using the lean startup model and, thus, it allowed developers to create quickly versions and of low risk. The positive and differentiated features of the app are its simplicity of use and the accuracy of the results displayed on the map due to the use of the database provided by the government which enables the user to make decisions quickly and safely. Keywords: Startup, Open Data and Geolocation.

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ROGÉRIO COLPANI | NATASCHA SAVA HUN | TIBÉRIO CAMARGO GUIMARÃES

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1. INTRODUÇÃO Na última década, os dados de progressão da urbanização mundial apresentou um forte crescimento exponencial de indivíduos e famílias em cidades urbanas. Este crescimento é decorrente das oportunidades de trabalho e fatores econômicos. No Brasil, tal característica de crescimento não é diferente e pode ser observado em (World Urbanization Prospects 2012)1. Atualmente é muito comum nos depararmos com pessoas pedindo informações sobre serviços públicos, por exemplo: onde fica a agência de correios desta cidade? Qual a delegacia de polícia mais próxima? Há alguma casa lotérica nesse bairro? Há muita fila? Como é o atendimento? Estes são apenas alguns problemas, entre vários, ocorridos pela expansão das cidades, normalmente de forma desordenada e desenfreada, acarretando a falta de organização nas informações que por sua vez impacta a qualidade de vida da população (GAMA; ALVARO; PEIXOTO, 2012). Sendo assim, se faz necessária a utilização de tecnologia da informação e comunicação (SILVA; ALVARO, 2012), tais como internet; sistemas de informação; computação em nuvem; aplicações em smartphones e tablets; business inteligence, entre outros, para tornar possível a coleta, processamento, distribuição e análise que facilitem a tomada de decisão estratégica governamental ou da população, visando construir “cidades inteligentes” e, consequentemente melhorar a qualidade de vida da população (GAMA; ALVARO; PEIXOTO, 2012). Com base nos problemas abordados acima, foi detectado que a descentralização das informações levam as pessoas a recorrerem a diferentes tipos de fontes para buscar informações (localização, avaliação, entre outros) sobre diversos serviços, principalmente serviços públicos, de que necessitam referente a uma determinada cidade. Através da internet, uma pesquisa foi realizada pelos autores com 501 pessoas alcançando 19 estados do Brasil, onde os resultados mostraram que 7% das pessoas entrevistadas costumam recorrer a lista telefônica para localizar estes serviços; 52% fazem a mesma busca através da internet (google, bing, fóruns, entre outros); 14% perguntam a demais pessoas; 10% utilizam sites e telefones do governo e 18% responderam fazer uso de outros meios para encontrar os locais de interesse. A pesquisa ainda apontou que 27% das pessoas solicitam indicações para escolher qual lugar usar quando há mais do que uma opção disponível naquela cidade; 71% acabam por optar pelo local mais próximo e apenas 2% tomam a decisão baseando-se em outras formas. Concluindo a pesquisa, os resultados mostraram tambm que 59% das pessoas necessitam consultar mais de uma fonte para encontrar o endereço ou telefone de algum serviço público e 55% já precisaram utilizar tais serviços em cidades desconhecidas.

1

World Population Prospects: The 2012 Revision <http://esa.un.org/wpp/Documentation/publications.htm>.

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Com base no levantamento realizado acima, está claro que os principais problemas estão na descentralização e imprecisão da informação, o que levam as pessoas a perderem muito tempo procurando a localização dos lugares de que necessitam ir, bem como avaliações do mesmo e, quando encontram, não é possível saber se os dados são realmente confiáveis. Atualmente existem vários aplicativos web como Yelp2, Locamob3, Google Maps4, Foursquare5, Kekanto6 e Apontador7 que permitem a localização e avaliação de lugares, porém, nenhum destes são focados em serviços públicos. Muitos também não oferecem uma interface intuitiva para o usuário e a saída dos dados nem sempre é verídica. Assim, sob a luz do corrente problema, o objetivo deste trabalho foi criar uma startup afim de desenvolver um aplicativo web denominado Mapa de Serviços Públicos do Brasil com o intuito de concentrar todas as informações referentes a diversas categorias de serviços públicos em um único lugar e, por meio de uma interface simples e intuitiva, agilizar o processo da busca pela informação. Para garantir a precisão e veracidade dos resultados obtidos, o aplicativo conta com informações disponibilizadas pelo governo através da plataforma Dados Abertos8. Dessa forma, os usuários que necessitarem de serviços públicos referente a qualquer lugar do Brasil, poderão obtê-los de forma simples, rápida, precisa e segura. O restante desse artigo está estruturado da seguinte maneira: o capítulo 2 apresenta os fundamentos de startup, o capítulo 3 apresenta as funcionalidades e o funcionamento do aplicativo, o modelo de negócio e as ferramentas utilizadas para seu desenvolvimento; o capítulo 4 as considerações finais; o capítulo 5 as referências bibliográficas utilizadas.

2. LEAN STARTUP Este capítulo tem como objetivo apresentar os fundamentos e as etapas para a construção de uma Startup. Na seção 2.1 é apresentada a definição de Lean Startup e seu ciclo de vida; na seção 2.2 é abordado o modelo de negócio; na seção 2.3 é apresentado o processo de validação de mercado e; na seção 2.4 os conceitos e definição de Minimum Viable Product.

2

Site do Yep <http://www.yelp.com.br/>.

3

Site do Locamob <http://www.locamob.com.br/>.

4

Site do Google Maps <https://maps.google.com.br/>.

5

Site do Foursquare <https://pt.foursquare.com/>.

6

Site do Kekanto <http://br.kekanto.com/sp/campinas>.

7

Site do Apontador <http://www.apontador.com.br/>.

8

Dados Governamentais Abertos: <http://wiki.gtinda.ibge.gov.br/>, <http://www.w3c.br/divulgacao/pdf/dados-abertosgovernamentais.pdf> e <https://i3gov.planejamento.gov.br/dadosgov/>.

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2.1 DEFINIÇÃO E SEU CICLO DE VIDA O termo startup ficou famoso entre os anos de 1995 e 2000 nos Estados Unidos durante a primeira grande bolha da internet e, é definida como uma ou mais pessoas, executando uma ideia, para possivelmente se tornar uma empresa rentável (TOLEDO). O principal desafio de uma startup é encontrar mercado para o seu produto. Sua premissa é baseada em quanto mais rápido e mais baixo o custo em suas iterações (de modo a validar ou descartar hipóteses importantes sobre o seu produto ou mercado) maiores serão suas chances de sucesso. Em outras palavras, o foco é acelerar o aprendizado e reduzir desperdícios (GUSTAFSSON; QVILLBERG, 2012). Para desenvolver uma startup parte-se do princípio que tanto o problema, ou seja, a necessidade do cliente, quanto a solução (produto) são desconhecidos, tornando um processo iterativo até a descoberta de ambos. A Figura 1 ilustra o diagrama que denominamos de loop fundamental de uma startup, que são os procedimentos que a equipe deve realizar no decorrer de suas atividades. Figura 1 - Loop fundamental de uma startup

.

Fonte: Osterwalder e Pigneur (2010).

2.2 CANVAS COMO MODELO DE NEGÓCIO O primeiro passo para começar um negócio é identificar uma oportunidade que estabeleça um diferencial que irá revolucionar o mercado, de modo a impulsionar o empreendedor ao desenvolvimento de um produto ou serviço que propiciará ao negócio. Sendo assim, é necessário um modelo de negócio bem definido, de modo a concentrar as forças sobre um único ponto (CHIAVENATO, 2008).

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Um modelo de negócio é definido por Osterwaléder e Pigneur (2010) como a descrição da forma como uma organização cria, entrega e captura valor. Um dos grandes problemas enfrentados em um trabalho cooperado é a comunicação, e de modo a estabelecer uma linguagem simples, relevante e intuitiva de explicação no negócio da empresa tendo como foco adotar um método sistemático e conseguir inovar com sucesso, o CANVAS oferece uma linguagem comum que permite descrever o Modelo de Negócio para criação das estratégias (OSTERWALDER; PIGNEUR, 2010). Proposto por Alexander Osterwalder (2010), o CANVAS é composto de nove componentes: segmento de clientes, proposta de valor, canais, relacionamento com clientes, fontes de receita, recursos principais, atividades chave, parcerias principais e estrutura de custos. A Figura 2 ilustra este modelo e a disposição de seus componentes.

2.3 VALIDAÇÃO DE MERCADO Uma vez que a ideia tenha sido estruturada e o modelo de negócio definido, é necessário validá-la com os potenciais clientes, pois, como dizia Ash Maurya “A vida é muito curta para construirmos algo que ninguém quer comprar”. Sem dúvidas, sair desenvolvendo qualquer coisa apenas por suas próprias visões é um passo crucial para o fracasso (CARVALHO; ALBERONE; KIRCOVE, 2008).

Sendo assim, é de extrema importância analisar se o produto oferecido

realmente atende as necessidades dos clientes de forma satisfatória, ou seja, os clientes querem o seu produto? Como e por quanto eles pagariam por ele? Figura 2 - Visão geral do modelo de negócio – CANVAS

Fonte: Osterwalder e Pigneur (2010). Revista(Iluminart(|(Ano(VI(|(nº(11(|(ISSN(1984(:(8625(|(Março/2014(|((79(


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Carvalho, Alberone e Kircove (2008) propõem em seu trabalho um modelo iterativo para validação do produto, como ilustrado na Figura 3, com o propósito de fornecer critérios para avaliar se é possível ou não prosseguir para etapas posteriores do projeto. Dessa forma, ao executar este modelo, estará seguindo os princípios de Lean Startup e caminhando dentro do laço Construir – Avaliar – Aprender, conforme ilustrado na Figura 1. A primeira fase de validação do modelo de negócio é validar o segmento de cliente com o intuito de identificar os potenciais clientes e, consequentemente aprender com eles como priorizam os problemas, a identificar o quão é necessário esta solução, bem como, o que está atualmente disponível no mercado e de que modo os potenciais clientes as utilizam. Em outras palavras, o principal objetivo é compreender os problemas dos clientes e como eles são solucionados atualmente. Após realizar as entrevistas e aprender com os potenciais clientes, é hora de ajustar o curso e saber se é o momento certo de avançar ou não. Atualizações no modelo de negócios poderão ser realizados, pois, certamente, os clientes irão levantar novos problemas e ideias. Finalizada essa etapa, chegou o momento de decidir se os problemas foram realmente validados e se o trabalho poderá prosseguir, mas como? Carvalho, Alberone e Kircove (2008) relata que não há uma fórmula mágica para isto e, portanto, dependerá muito da intuição do empreendedor, porém, se conseguir identificar as características e hábitos dos potenciais clientes; saber se há ao menos um problema que realmente merece ser resolvido e; saber descrever como os clientes resolvem os problemas atualmente, são de extrema importância e, sendo assim, pode ser o momento de avançar para a próxima etapa e realizar a validação de solução e preço. Caso contrário, será necessário revisar o modelo de negócios e realizar novas entrevistas. A fase de validação de solução e preço tem por objetivo compreender se a ideia de modelo de receita e preço apresentada satisfaz o cliente. Neste momento, costuma-se materializar a ideia (por meio de protótipo, slides, entre outros) com o propósito de apresentar algo o mais próximo do real possível, de modo a conseguir melhores resultados. Da mesma forma que na fase anterior, nesta também poderá haver ajustes no modelo de negócios e, se tais ajustes causarem muito impacto após consolidar o aprendizado com os clientes, o melhor a fazer é atualizar o modelo de negócios e reiniciar o processo de validação. Caso contrário, se o empreendedor chegar nesse ponto e souber identificar características e hábitos dos potenciais clientes que torne viável a construir o negócio, é o momento de avançar, senão, é necessário revisar todo o modelo de negócios e voltar às validações. Ao concluir o fluxograma apresentado na Figura 3, validações como segmentos de clientes, os principais problemas, a solução e a monetização do modelo de negócios devem ter sido aprovadas, e um enorme aprendizado adquirido para o sucesso da ideia. Porém, esse não é o fim.

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Este processo deve continuar e se adaptar para validar demais hipóteses, tais como, os canais que poderiam ser utilizados para chegar até os clientes; quem são os principais parceiros, como se proteger dos concorrentes, entre outros. Em resumo, o modelo de validação do produto apresentado acima é uma boa prática ensinada por Carvalho, Alberone e Kircove (2008) para analisar a aceitação do produto perante o mercado e aumentar as chances de sucesso da Startup.

2.4 MINIMUM VIABLE PRODUCT – MVP Depois que a ideia e o modelo de negócios foram estruturados e refinados a partir do aprendizado adquirido com os potenciais clientes através da validação do mercado, a próxima etapa é gerar um produto que mostre as funcionalidades e recursos e apresentá-lo aos clientes com o objetivo de testar a validade do produto e adquirir novos aprendizados, visando aumentar a probabilidade de sucesso do negócio. Figura 3 - Fluxograma do modelo de validação do produto.

Fonte: Carvalho, Alberone e Kircove (2008)

O Minimum Viable Product ou MVP é o produto com um conjunto mínimo de funcionalidades que permite colocar em prática o aprendizado e o feedback real dos potenciais clientes como norte da evolução do software. Seu principal objetivo é apresentar a visão inicial do empreendedor e testar a utilização do produto e seus recursos para validar o negócio. O MVP pode tomar

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diversas formas que forem necessárias com o objetivo de garantir uma aprendizagem significativa, gastar menor quantidade de recursos e tempo possível. Com esse produto, é possível ajudar a Startup a caminhar em direção ao sucesso (GUSTAFSSON; QVILLBERG, 2012). Uma vez realizadas as etapas de geração do modelo de negócios, validação de mercado e mínimum viable product, conclui-se a iteração do loop Construir – Avaliar – Aprender, porém, este não é o fim. Esse processo poderá se repetir por inúmeras vezes, onde para cada iteração novos componentes no modelo de negócios poderão ser validados e novos aprendizados serão adquiridos, o modelo poderá sofrer reestruturações e o MVP melhorado, de modo a aumentar as chances de sucesso da Startup.

3.

MAPA DE SERVIÇOS PÚBLICOS DO BRASIL Este capítulo tem como objetivo apresentar o aplicativo web Mapa de Serviços Públicos do

Brasil e está organizado da seguinte maneira: na seção 3.1 é apresentado o modelo de negócios utilizado para traçar as estratégias para o desenvolvimento do produto; a seção 3.2 aborda as ferramentas utilizadas para a criação do aplicativo e; na seção 3.3 são apresentados as funcionalidades e o funcionamento do aplicativo.

3.1 BUSINESS MODEL GENERATION O modelo de negócio para a criação das estratégias utilizadas no presente trabalho é apresentado na seção 2.1, cujo o objetivo é estabelecer uma linguagem simples, relevante e intuitiva de explicação no negócio da empresa e oferecer um método sistemático de modo a conseguir inovar com sucesso. Após obter o aprendizado com os potenciais clientes e fazer várias atualizações no modelo, o CANVAS apresentado na Tabela 1 foi o escolhido para o nosso potencial negócio: Tabela 1 - CANVAS adotado para o modelo de negócio Key Partners

Key Activities

Value Propositon

Customer Relationships

Customer Segments

Órgãos públicos

Desenvolvimento web e mobile.

Praticidade

Redes sociais

População em geral.

Provedores de serviços e plataformas cloud

Manutenção da veracidade, precisão e atualização dos dados.

Informações centralizadas e atualizadas

Canal fale conosco

Empresas privadas

Anunciantes e investidores

Acompanhamento das redes sociais.

Apoio a decisão.

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E-mail


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Incentivar a contribuição de informações pelos usuários.

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Marketing direcionado.

Identificar oportunidades para estabelecer parcerias com anunciantes Key Resources

Channels

Infraestrutura em cloud.

Aplicativo Web

Base de informações precisa para alimentar o sistema

Aplicativo Smartphone

Equipe capacitada Cost Structure

Revenue Streams

Plataforma de hospedagem (podendo utilizar versões limitadas não-pagas enquanto elas atenderem a demanda).

Publicidade de serviços privados.

Fonte: Desenvolvido pelo autor.

3.2 FERRAMENTAS DE DESENVOLVIMENTO As ferramentas utilizadas para o desenvolvimento do aplicativo abaixo citadas foram escolhidas por serem gratuitas, possuírem boa documentação, fáceis de usar e serem conhecidas por todos os membros do grupo. • Front-end: HTML (BOWERS, 2008), CSS (SILVA, 2008), jQuery (SILVA, 2008) e Google Maps API (PIMPLER, 2009). • Back-end: Java (CROCKFORD, 2008), REST (ELKSTEIN), JSON (CROCKFORD, 2008), MongoDB (CHODOROW; DIROLF, 2010) e Tomcat (BRITTAIN; DARWIN, 2010). • Controle de versão: GitHub (SARTORI). • Base de Dados: plataforma Dados Governamentais Abertos (AGUNE; GREGORIO FILHO; BOLLIGER).

3.3 FUNCIONALIDADES DO APLICATIVO MAPA DE SERVIÇOS PÚBLICOS DO BRASIL O aplicativo web Mapa de Serviços Públicos do Brasil está hospedado no site http://www.mapaservicopublico.com.br e sua página inicial é apresentada na Figura 4. No topo da

página há uma barra de busca onde o usuário irá informar o endereço ou a cidade para encontrar determinado serviço de que necessita além de links referentes ao contato, explicação sobre o funcionamento do site e informações sobre o grupo responsável pelo aplicativo. Ao lado esquerdo, são apresentadas as categorias dos tipos de serviços oferecidos (assistência social, cartório,

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comunidade terapêutica, correios, escola de ensino básico, escola de ensino superior, lotérica, previdência social, receita federal, sistema nacional de emprego e unidade básica de saúde). E, no centro da tela, encontra-se o mapa que exibirá o resultado da pesquisa feita pelo usuário. O aplicativo oferece as seguintes funcionalidades: • Realizar buscas das localizações dos serviços públicos desejados por meio do endereço ou cidade. • Selecionar e exibir uma ou mais categorias de serviços públicos. • Exibir no mapa o resultado da consulta efetuada pelo usuário, que consiste em expor os serviços públicos disponíveis em um raio de 25 quilômetros (km) ao redor do local encontrado. • Para cada serviço localizado são exibidas informações sobre o local (telefone, horário de atendimento, e-mail, entre outros) quando disponibilizados pelo governo. • Utilização da ferramenta Google Street View, integrada ao Google Maps API, que permite ao usuário visualizar imagem do local. • Traçar rotas entre lugares com opções a pé ou a carro. •

Auto complemento. Figura 4 - Página inicial do site Mapa de Serviços Públicos do Brasil.

Fonte: Desenvolvido pelo autor

Para localizar um ou mais serviços públicos desejados, o usuário deverá realizar algumas etapas. A primeira, consiste em localizar a cidade ou o endereço de interesse.

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Uma busca baseada pelo nome da cidade é ilustrada na Figura 5, onde o usuário digita o nome da cidade na barra de busca no topo da tela e, em seguida, clica no botão “Mostrar no Mapa”. Após o processamento, é apresentado no mapa a localização da respectiva cidade. Da mesma forma, uma busca baseada por endereço é realizada, porém, agora o usuário digitará na barra de busca no topo da tela o nome da rua de seu interesse. A Figura 6 ilustra a localização da Rodovia João Leme dos Santos – SP como resultado de uma busca baseada por endereço. Uma característica interessante do aplicativo é o auto complemento. Ele é exibido no momento em que o usuário está inserindo dados na barra de busca e, provê como benefício, diminuir o esforço por parte do usuário em digitar toda a informação e a agilizar o processo de busca. Uma vez localizada a cidade ou endereço de interesse, a última etapa é selecionar uma ou mais categorias de serviços públicos de interesse, dispostos no checkbox, na vertical, no canto esquerdo da página. Após o processamento, em um raio de 25km ao redor do local desejado, os serviços serão mostrados no mapa. A Figura 7 apresenta o resultado da localização de cartórios na cidade de Ribeirão Preto – SP. Figura 5 - Localização da cidade de Sorocaba – SP.

Fonte: Desenvolvido pelo autor

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Figura 6 - Localização baseada por endereço - Rodovia João Leme dos Santos - SP.

Fonte: Desenvolvido pelo autor

Depois que o serviço público desejado for localizado, o usuário poderá clicar sobre o ícone referente ao serviço para obter diversas informações, por exemplo, horário de atendimento, email, nome da agência, telefone, entre outros. A Figura 8 ilustra as informações da escola de ensino básico Francisco Garcia ETE localizada na cidade de Mococa - SP. Figura 7 - Localização de cartórios na cidade de Ribeirão Preto - SP por meio de uma busca por nome da cidade.

Fonte: Desenvolvido pelo autor

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Figura 8 - Informações referente a escola de ensino básico Francisco Garcia ETE localizada na cidade de Mococa-SP.

Fonte: Desenvolvido pelo autor

No próprio balão de informações como abordado acima, o usuário tem a opção de traçar rotas (à pé ou de carro). Assim, quando o usuário clicar em uma das duas opções, uma rota será traçada entre o ponto em que se encontra e o local onde deseja chegar. Um balão azul será exibido indicando a trajetória (nome das ruas), tempo e quilometragem para o usuário chegar ao seu destino, como mostrado na Figura 9. O Google StreetView, zoom in e zoom out são funcionalidades que também estão disponíveis no aplicativo de modo a permitir ao usuário explorar os locais desejados em um panorama de 360°. Para isso, basta o usuário clicar e arrastar o “ícone do boneco” (localizado ao lado esquerdo do mapa) à um ponto de desejo no mapa. A Figura 10 mostra a visão panorâmica da Universidade Federal de São Carlos campus Sorocaba-SP. As características positivas e diferenciadas do aplicativo estão na simplicidade de uso do site, precisão dos resultados e avaliação dos serviços. O site oferece um layout simples e intuitivo, tornando-o objetivo e de fácil manuseio para o usuário. Os resultados apresentados no mapa são precisos devido à base de dados disponibilizada pelo governo, utilizada no corrente trabalho e avaliações dos serviços são feitas pela população, possibilitando assim, o usuário na tomada de decisão.

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Figura 9 - Rota traçada entre a Rua João Moreira Salles e o correio localizado na Rua Carmo Taliberti da cidade de Mococa – SP.

Fonte: Desenvolvido pelo autor

4. VALIDAÇÃO DO MERCADO E CONSIDERAÇÕES FINAIS O aplicativo foi validado por 501 pessoas alcançando 19 estados do Brasil onde 87% aprovaram o software no qual mostrou ser de grande utilidade no dia a dia das pessoas, de modo a facilitar a busca por serviços públicos bem como na tomada de decisão. A facilidade de uso e principalmente a precisão dos resultados trouxeram grande satisfação aos usuários. Além disso, é o primeiro aplicativo disponível focado somente em serviços públicos brasileiro. Uma versão teste para dispositivos móveis na plataforma Android foi desenvolvida e se encontra disponível no Google Play9. Já sua versão na plataforma iOS está em desenvolvimento e será disponibilizada no início de Fevereiro de 2014.

9

Lik para download do aplicativo na versão mobile <https://play.google.com/store/apps/details?id=com.mestrado.mobile.mapaservico>.

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Figura 10 - Visão panorâmica da Universidade Federal de São Carlos campus Sorocaba - SP.

Fonte: Desenvolvido pelo autor

Afim de melhorar a startup, a próxima etapa do trabalho será criar as funcionalidades de avaliação dos serviços por parte dos usuários e acrescentar novas categorias (delegacia, rodoviária, prefeitura, entre outros) para pesquisa.

5. REFERÊNCIAS AGUNE, R. M.; GREGORIO FILHO, A. S.; BOLLIGER, S. P. Governo aberto SP: disponibilização de bases de dados e informações em formato aberto. In: CONGRESSO CONSAD DE GESTÃO PÚBLICA, III, Brasília, 2010. BOWERS, M. Padrões de Projeto com CSS e HTML. Books, 2008. BRITTAIN, J.; DARWIN, I. F. Tomcat: The Definitive Guide. 2. ed. O’ Reilly, 2010. CARVALHO, R.; ALBERONE, M.; KIRCOVE, B. Sua ideia ainda não vale nada: o guia prático para começar a validar seu modelo de negócio. CHIAVENATO, I. Empreendedorismo - dando asas ao espírito empreendedor: empreendedorismo e viabilidade de novas empresas: um guia eficiente para iniciar e tocar seu próprio negócio. 2. ed. Saraiva. São Paulo, 2008. CHODOROW, K.; DIROLF, M. MongoDB: The Definitive Guide. O’ Reilly, 2010. CROCKFORD, D. JavaScript: The Good Parts. O’ Reilly Media, 2008.

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ELKSTEIN, M. Learn REST: A Tutorial. Disponível em http://rest.elkstein.org/. Acesso em: 07 de outubro de 2013. GAMA, K.; ALVARO, A.; PEIXOTO, E. Em Direção a um Modelo de Maturidade Tecnológica para Cidades Inteligentes. In: Simpósio Brasileiro de Sistemas de Informação, VIII, 2012, São Paulo. GUSTAFSSON A.; QVILLBERG J. Implementing Lean Startup Methodology – An Evaluation. 80f. Master of Science Thesis in the Master Degree Programe Management and Economics of Innovation, Chalmers University of Technology, Gothenburg. Sweden, 2012. OSTERWALDER, A.; PIGNEUR, Y.; Business Model Generation. New Jersey. John Wiley & Sons, 2010. PIMPLER, E. Mashup Mania with Google Maps. 2009. Disponível em http://geochalkboard.files.wordpress.com/2009/01/google-maps-pdf-article-v51.pdf. Acesso em: 14 de out. 2013. SARTORI, R. Usando o Git e GitHub: Tutorial. Disponível http://rafaelsart.com/tutorial/tutorial_git_github.pdf. Acesso em 21 de out. de 2013.

em

SILVA, V. H. S. F.; ALVARO, A. Uma Plataforma para Cidades Inteligentes baseada na Internet das Coisas. In: Simpósio Brasileiro de Sistemas de Informação, VIII, 2012, São Paulo. SILVA, M. S. Construindo sites com CSS e (X)HTML: sites controlados por folhas de estilo em cascata. São Paulo. Novatec, 2008. SILVA, M. S. jQuery: A biblioteca do programador JavaScript. São Paulo. Novatec, 2008. TOLEDO, M. Plano de Negócios para Startups. Disponível http://startupmt.com.br/docs/PNS-MarceloToledo.pdf. Acesso em: 03 de out. 2013.

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APLICAÇÃO DO VIABLE SYSTEM MODEL (VSM) EM UMA EMPRESA DO RAMO DE CORRETAGEM DE SEGUROS: UM ESTUDO DE CASO

Eduardo de Paula e Silva Chaves

RESUMO:

Em um mercado cada vez mais integrado e globalizado, existe uma busca das

organizações por um conhecimento amplo sobre as mudanças e integrações desse ambiente. Dessa forma, algumas organizações vêm mostrando interesse em ampliar sua estrutura organizacional para adaptar-se a essas mudanças no ambiente. Este trabalho visa aprimorar uma estrutura organizacional tradicional de uma empresa do ramo de corretagem de seguros para uma estrutura recursiva. Essa estrutura recursiva apresenta uma nova forma de integração entre organização e ambiente, além disso, apresenta uma estrutura organizacional mais adaptada ao ambiente integrado e globalizado da atualidade. Utilizou-se a ferramenta Viable System Model – VSM de Beer (1962), para adaptar a estrutura organizacional da empresa analisada para uma estrutura recursiva. Foram feitas entrevistas com gestores da empresa, observação e participação do ambiente organizacional formando assim uma triangulação para estudo de caso (YIN, 2001). Após a coleta de dados, da forma e estrutura da empresa analisada, foi proposta uma nova abordagem de funções e hierarquia de uma forma recursiva que amplia o entendimento organizacional e visa-se a aprendizagem e uma visão sistêmica da empresa. A estrutura recursiva foi entendida e aceita pelos gestores organizacionais da empresa analisada e tem-se como estudos futuros deste trabalho, uma pesquisa intervencionista para execução da estrutura recursiva aqui identificada. Palavras-chave: VSM - Viable System Model, Corretora de Seguros, Aplicação.

APPLICATION OF THE VIABLE SYSTEM MODEL (VSM) IN A COMPANY IN THE BUSINESS OF INSURANCE BROKERAGE: A CASE STUDY ABSTRACT: In an increasingly integrated and globalized market, there is a search from organizations for a wide knowledge about the changes and integrations of this environment. Thus, some organizations have shown interest in expanding their organizational structure to adapt to these changes in the environment. This work aims to improve a traditional organizational structure of a company in the business of insurance brokerage for a recursive structure. This recursive structure presents a new form of integration between organization and environment and it also Revista!Iluminart!|!Ano!VI!|!nº!11!|!ISSN!1984!:!8625!|!Março/2014!|!!93!


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! EDUARDO DE PAULA E SILVA CHAVES

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presents a more adapted organizational structure to the integrated and globalized environment. We used the Viable System Model Tool - VSM de Beer (1962) to adapt the organizational structure of the analyzed company for a recursive structure. We have made interviews with company managers, observation and participation of the organizational environment forming thereby a triangulation for the case study (Yin, 2001). After collecting the data of the shape and structure of the analyzed company, we proposed a new approach to functions and hierarchy of a recursive way that extend the organizational understanding and seeks learning and a systemic vision of the company. The recursive structure was understood and accepted by organizational managers of the analyzed company and as future studies deriving from this work we aim to conduct an interventionist research to implement the recursive structure we have identified. Keywords: VSM - Viable System Model, Insurance Broker, Application.

1. INTRODUÇÃO Atualmente, existe uma busca gerencial por modelos organizacionais que se adaptem melhor ao ambiente e visem competitividade nesse mercado cada vez mais complexo e globalizado. Dessa forma, uma vantagem competitiva está associada a uma visão sistêmica que pode direcionar as pessoas, os processos, e o poder dentro da organização de uma forma mais complexa e que tenha possibilidade de esclarecer a relação entre as empresas e esse ambiente em evolução. Uma forma de se fazer isso é a co-evolução organizacional que busca entender os ambientes coorporativos e ligá-los a uma vantagem competitiva. Essa vantagem competitiva está associada novamente a uma visão sistêmica que possa trazer aos gestores uma identificação prematura de vantagens e desvantagens competitivas. Essa identificação prematura de vantagens e desvantagens é o que faz uma organização se tornar mais adaptável e, consequentemente, manter-se no mercado competitivo por mais tempo e com mais força.

1.1 PROBLEMA DE PESQUISA O problema de pesquisa e o objetivo do trabalho informam claramente as intenções da pesquisa. A presente pesquisa propõe-se a investigar as relações entre pessoas, funções, hierarquia, poder e relação com ambiente de uma corretora de seguros localizada na cidade de

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Ribeirão Preto, São Paulo. Sendo essa a alternativa para explorar o tema neste trabalho: estruturas recursivas, bem como as diferenças conceituais e empíricas entre os modelos tradicionais de estrutura organizacional e os modelos inovadores. Neste contexto, surge o seguinte problema de pesquisa: Como estruturar de forma sistêmica as relações entre pessoas, funções, hierarquia, poder e relação com ambiente de uma corretora de seguros localizada na cidade de Ribeirão Preto, São Paulo?

1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA Richardson (1999) explica que o objetivo de um trabalho científico define o alvo da pesquisa. Este projeto tem como objetivo principal: Estruturar de forma sistêmica as relações entre pessoas, funções, hierarquia, poder e relação com ambiente de uma corretora de seguros localizada na cidade de Ribeirão Preto, São Paulo. E tem como objetivos específicos: 1) Identificar e discutir a estrutura tradicional utilizada na empresa estudada; 2) Apresentar e discutir uma nova estrutura sistêmica na empresa estudada.

2. REFERENCIAL TEÓRICO O referencial teórico, marco teórico ou revisão bibliográfica destina-se a embasar os conceitos necessários para o entendimento deste trabalho, descritos na literatura acadêmica. É de importância para o entendimento do trabalho o conhecimento sobre comportamento e ambiente organizacional, paradigma sistêmico, estrutura organizacional, estrutura recursiva, VSM – Viable System Model, e aplicação desse modelo. Para isso será mostrada uma revisão teórica que disponibiliza as informações necessárias para criação do entendimento destes pontos.

2.1 AMBIENTE ORGANIZACIONAL A busca de informações a respeito do ambiente organizacional tem sido analisada por muitos pesquisadores. Esses pesquisadores utilizam perspectivas e definições diversas a respeito do fenômeno.

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Muitos são os processos gerenciais que se relacionam com a monitoração ambiental. Entre eles, destaca-se a estrutura organizacional que visa à relação da organização entre si mesma (ambiente interno) e com o mercado e sociedade. Nesse contexto, surgem dois tipos principais de ambiente, o ambiente interno e o ambiente externo, segundo mostra o quadro 1. Quadro 1: Tipos de Ambiente Organizacional Ambiente Interno

Micro Ambiente Externo

Macro Ambiente Externo Político-Legal

Fornecedores Departamentalização

Econômico-Social

Clientes

Tecnológico

Concorrentes

Ambiental-Natural

Fonte: Adaptado de Kotler e Keller (2006)

O quadro 1 demonstra o nível dos públicos e seus ambientes. Iniciando com o ambiente interno tem-se a departamentalização das empresas, ou seja, esse ambiente é formado pelos colaboradores e acionista da empresa. O micro ambiente externo é composto pelos agentes da cadeia de valor. E o macro ambiente externo são as condições políticas, legais, culturais, demográficas, sociais, tecnológicas e econômicas.

2.2 PARADIGMA SISTÊMICO O termo paradigma tem sido amplamente usado para se referir à forma como percebemos e atuamos no mundo. Ou seja, às nossas regras de ver o mundo. Para aprofundarmos no assunto é interessante sabermos noções de epistemologia. Epistemologia pode ser entendida como alcance do conhecimento, ou como linguagem da ciência, ou como abordagem dos problemas da ciência – lógica da ciência, semântica da ciência, teoria do conhecimento científico, metodologia da ciência, ontologia da ciência, axiologia (estudos de valor), ética da ciência... (VASCONCELOS, 2005). Ao se delinear o paradigma atual da ciência entendem-se três principais pontos. São eles: SIMPLICIDADE, análise e relações causais lineares; ESTABILIDADE, determinação – previsibilidade

reversibilidade

controlabilidade;

OBJETIVIDADE,

subjetividade

entre

parênteses e universo. Para simplicidade tem-se a crença em que, separando-se o mundo complexo em partes, encontram-se elementos simples, em que é preciso separar as partes para 96 | Revista!Iluminart!|!Ano!VI!|!nº!11!!|!ISSN!1984!:!8625!|!Março/2014!


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entender o todo. Para estabilidade tem-se a crença em que o mundo é estável, ou seja, em que ‘o mundo já é’, crença na determinação e na reversibilidade – com consequente previsibilidade e controlabilidade dos fenômenos. Para objetividade tem-se a crença em que ‘é possível conhecer objetivamente o mundo tal como ele é na realidade’, e a exigência da objetividade como critério de cientificidade, além de,“para descobrir e descrever os mecanismos de funcionamento da natureza, deve ficar fora dela, numa posição privilegiada, de onde possa ter uma visão abrangente e sempre buscando discriminar o que é objetivo do que é ilusório (VASCONCELOS, 2005). No novo paradigma da ciência têm-se novamente três pontos principais e opostos aos do paradigma atual e tradicional. São eles: COMPLEXIDADE, contextualização e relações causais recursivas;

INSTABILIDADE,

indeterminação

imprevisibilidade

irreversibilidade

incontrolabilidade; INTERSUBJETIVIDADE, objetividade entre parênteses e multi-verso. Para complexidade tem-se: 1º - o problema lógico: que nos remete á dimensão da complexidade; 2º - o problema de desordem: que nos remete á dimensão da instabilidade; 3º - o problema da incerteza: que nos remete á dimensão da intersubjetividade. Para instabilidade tem-se que “a instabilidade do mundo, caos, caos determinístico, lógica da desordem, incertezas, assimetrias, dinâmicas caóticas, dinâmicas singulares, atratores estranhos, de fenômenos imprevisíveis no universo. E para intersubjetividade trata-se aqui do reconhecimento da impossibilidade de um conhecimento objetivo sobre o mundo, também mantem o realismo do universo e introduz-se o relativismo do conhecimento; o conhecimento é relativo às condições de observação: o cientista conhecerá o fenômeno no estado em que escolher produzi-lo e descreve-lo (VASCONCELOS, 2005). Nesse novo contexto entende-se a necessidade de ampliar o foco de observação, descrever as coisas como elas estão, pois podem mudar, e saber conhecer o novo e as novas decisões (VASCONCELOS, 2005). Essa concepção sistêmica foi trabalhada por inúmeros autores que agora voltam a ter seu lugar nos olhares dos cientistas. Dentre eles estão Ludwing von Bertalanffy (1901-1972) que iniciou as pesquisas quanto a teoria geral dos sistemas abertos e suas relações para a ciência social aplicada. Ele abordava a necessidade de novas categorias de conhecimento científico, mais amplas, de modo que uma ciência rigorosa pudesse abarcar também a biologia e a sociologia, além de princípios básicos interdisciplinares – teoria interdisciplinar. Outro autor importante foi Norbert Wiener (1984-1964), o primeiro a descrever a cibernética, a palavra que vem do grego kybernetes e que significa piloto, condutor, ou seja, arte de tornar a ação eficaz. Essa teoria dos sistemas de controle baseados na transferência de informação (feedback), ciência da regulação, ciência dos mecanismos de causação circular e retroalimentação em sistemas biológicos e sociais, teoria dos atos intencionais baseados na experiência passada, na máquina e no ser vivo, teoria das máquinas, teoria das mensagens (VASCONCELOS, 2005).

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Nesse mesmo contexto, podemos descrever a complexidade baseada nas relações sociais e na subjetividade da comunicação (CAPRA, 1987). Ainda dissertando sobre as relações complexas, existem muitas relações que incorporam a própria teia da vida mas não são percebidas e discutidas pelas pessoas ao seu redor (CAPRA, 1997). A primeira Cibernética trata dos processos morfostáticos (manutenção da mesma forma), resultantes de retroação negativa ou auto-reguladora a qual conduz o sistema de volta ao seu estado de equilíbrio (VASCONCELOS, 2005). A segunda Cibernética trata dos processos morfogenéticos (gênese de novas formas), resultantes de retroação positiva ou amplificadora de desvios, amplificação que pode gerar transformação (VASCONCELOS, 2005). Tem-se um novo paradigma na ciência que deverá ser aplicado no contexto organizacional. Visto suas relações com o ambiente e necessidade de adaptação.

2.3 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL A estrutura organizacional pode ser definida como o resultado de um processo através do qual a autoridade, as atividades desde um nível mais baixo até a alta administração são distribuídas (VASCONCELLOS; HEMSLEY, 2002). Representa as relações de interdependência e a via hierárquica dos processos de uma empresa (OLIVEIRA, 2004). Além disso, um sistema de comunicação é delineado permitindo que as pessoas realizem as atividades e exerçam a autoridade

que

lhes

compete

para

o

atingimento

dos

objetivos

organizacionais

(VASCONCELLOS: HEMSLEY, 2002). É interessante para este trabalho uma visão de organização tradicional e uma visão de organizações inovadoras. Esse item do trabalho trata da explicação desses tipos de estrutura organizacional. A figura 1 demonstra uma estrutura organizacional tradicional. Figura 1 – Estrutura Organizacional Tradicional

Fonte: Adaptado de Vasconcellos e Hemsley (2002) 98 | "#$%&'(!)*+,%-(.'!/!0-1!2)!/!-3!44!!/!)556!4789!:!8;<=!/!>(.?1@<A49!


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Esse tipo de estrutura organizacional, também conhecida como estrutura linear ou militar, tem seus processos de forma linear, vertical e com poucas interações entre os departamentos. As estruturas tradicionais em muitos casos não resistem ao impacto das mudanças ocorridas nessas últimas décadas de intensa mudança (VASCONCELLOS; HEMSLEY, 2002). Em contra partida desse tipo de estrutura organizacional tem-se algumas estruturas inovativas, como, por exemplo, as estruturas recursivas, tratadas no próximo item do trabalho, e a “ad-hocracy”. Essa última tem a propostas de liberdade e distribuição de poder das relações e processos dentro de uma empresa. Isso valoriza a flexibilidade e velocidade na tomada de decisão, que para tempos atuais faz-se muito necessário (VASCONCELLOS; HEMSLEY, 2002).

2.4 ESTRUTURA RECURSIVA – VSM VIABLE SYSTEM MODEL Novas formas de organização e novas práticas de gerenciamento estão surgindo, pois o antigo paradigma organizacional não é suficiente para atender as novas necessidades de gerenciamento. Existe uma mudança das estruturas tradicionais para estruturas recursivas, a figura 2 mostra essa mudança. Figura 2 – Mudanças nas Estruturas Organizacionais (Tradicional para Recursiva)

Fonte: Adaptado de Espejo et. al. (1996)

Os ambientes forçam cada vez mais a complexidade e gestão da complexidade. O mecanismo de adaptação ou elaboração de políticas, necessário para inventar a organização, e o mecanismo de vigilância-controle para inventar na organização; são cada vez mais necessários nesse mercado competitivo. Nesse contexto apresenta-se a necessidade da gestão das estruturas recursivas. Esse modelo de estrutura foi desenvolvido e publicado por Stafford Beer (1962).

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Esse modelo, VSM – Viable System Model, tem uma analogia com sistemas abertos humanos, segundo revela a figura 3. Figura 3 – Analogia Corporação e Sistema Humano

Fonte: Beer, Stafford apud Pickering, Andrew (2004).

Esse novo modelo de estrutura organizacional tem alguns princípios que devem ser levado em consideração em seu planejamento, execução e controle. Os princípios do modelo VSM – Viable System Model, são: 1. gestão da complexidade exige distinções correspondentes em um domínio de ação com medidas adequadas; 2. a complexidade é necessária para lutar com a complexidade, mas a fonte de controle da complexidade é tanto do controlador como do controlado; 3. um player é competitivo em um domínio de ação, se for capaz de gerir pelo menos complexidade, tanto situacional como dos melhores desempenhos nesse domínio; 4. administração pode reduzir a complexidade organizacional, relevante para eles, quer através da limitação da discricionariedade local ou através de capacitar as pessoas para responder ao problema por si só, igualmente, as organizações podem reduzir a complexidade ambiental, relevante para eles, condensando suas visões ou por obter a cooperação das pessoas no ambiente para responder por si só e para uma ampla gama de possibilidades. As últimas estratégias obtêm mais com menos; 5. uma organização (viável) eficaz é aquela com capacidade de distribuição de solução de problemas; 6. estratégia de uma organização é criada e implementada pela sua estrutura, isto é, pelas pessoas e outros recursos que constituem a relação da organização. Em particular, a forma específica que está se 100 | Revista!Iluminart!|!Ano!VI!|!nº!11!!|!ISSN!1984!:!8625!|!Março/2014!


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revelando a complexidade é fundamental para a estratégia de negócios, que define a distribuição da capacidade criativa e de resposta em toda a organização; 7. a elaboração de políticas requer a criação e manutenção de um contexto estrutural para as pessoas da organização em contribuir para o melhor de suas habilidades para o processo político; 8. gerenciando atividades primárias na organização significa possibilitar o desenvolvimento autônomo e conseguir a sua integração com a organização, foco na maior atividade primária; 9. Desempenho eficaz de uma organização em seu ambiente requer uma estrutura de unidades autônomas viáveis dentro de unidades autônomas viáveis; 10. em uma organização recursiva, o controle é conseguido através de comunicações eficazes interpessoais, e não apenas a transmissão de informações. Este princípio faz o acompanhamento necessário de atividades locais pela gestão global; e 11. em uma organização recursiva, a coesão requer o aumento da capacidade de comunicação locais, que requer o aumento da coordenação do contexto estrutural e cultural das comunicações (BEER; STAFFORD APUD PICKERING,;ANDREW, 2004).

3. ASPECTOS METODOLÓGICOS Pesquisa é um conjunto de procedimentos sistemáticos, baseado no raciocínio lógico, cujo objetivo é, mediante utilização de métodos científicos, encontrar soluções para problemas propostos (RICHARDSON, 1999). Neste caso foi desenvolvida uma pesquisa qualitativoquantitativa em administração (CHEROBIM, 2003). Para iniciar a pesquisa empírica, foi feita uma pesquisa exploratória sobre o tema, cujo objetivo é prover maiores critérios e maior compreensão (MALHOTRA, 2001). Este trabalho consiste em um estudo de caso na área de administração de organizações (YIN, 2001). Teve como procedimentos uma analise exploratória sobre o tema na literatura acadêmica, para desenvolver maior conhecimento sobre o tema (COOPER; SCHINDLER, 2003), e posteriormente, um estudo de caso em uma empresa do ramo de corretagem de seguros. O estudo de caso foi dividido em duas partes. A primeira parte refere-se à participação e observação do problema de pesquisa na empresa de forma implícita. O presente autor é familiar dos proprietários da empresa analisada. A segunda parte consistiu em entrevistas em profundidade com os proprietários da empresa a fim de entender melhor a prática da estrutura organizacional e a forma da visão sistêmica da empresa. Os três itens, observação, participação e entrevistas em profundidade compõem a metodologia de triangulação em estudo de caso. Esse modelo é denominado triangulação em estudo de caso segundo Robert K Yin (2001).

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4. ANALISE DOS RESULTADOS 4.1 DESCREVENDO O ESTUDO DE CASO Descrevendo brevemente a organização, tem-se uma empresa familiar de capital fechado. Essa empresa trabalha com venda de seguros de todas as características, tendo um mix extenso de serviços a serem vendidos. O serviço prestado conta também com uma gama de grupos seguradores multinacionais e nacionais. A empresa foi fundada na cidade de Ribeirão Preto na década de 60 e trabalha na região da Alta Mogiana até hoje. Tem aproximadamente 30 colaboradores. Esses funcionários estão divididos em funções e poder conforme pode ser visualizado na figura 4. Figura 4 – Estrutura Organizacional Tradicional do Caso

Fonte: Elaborado pelo autor.

A empresa é pequena existem sobreposições de atividades e processos. Algumas pessoas de nível estratégico também efetuam trabalhos operacionais, ou seja, em alguns momentos existe uma duplicidade de alguns funcionários e proprietários efetuarem trabalhos diferentes em seu nível cognitivo. Essa estratégia da empresa permite uma quantidade menos de funcionários e um conhecimento tácito e estratégico acerca dos ambientes. Mas mesmo assim, existe uma divisão e hierarquia de funções e poder entre as pessoas dentro dessa empresa.

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Descrevendo brevemente o ambiente tem-se um ambiente que outrora, nas décadas que a empresa abriu era estável, e que hoje está extremamente turbulento de concorrência e informações. O mercado desse tipo de serviço foi amplamente divulgado e seus antigos bons resultados organizacionais estão cada vez mais difíceis de serem conseguidos. Antes se tinha pouca concorrência o que elevada a possibilidade de comissões maiores. Hoje algumas corretoras fazem descontos das comissões recebidas em pressão na possibilidade de aumentar suas demandas. O mercado que antes era um mercado de margem nos serviços torna-se cada vez mais um mercado de giro de serviços.

4.2 ANALISANDO O ESTUDO DE CASO Nesse item do artigo, analisa-se a mudança da estrutura tradicional para uma estrutura recursiva, visto a necessidade do ambiente e pressões que atualmente as corretoras de seguros vêm sofrendo. Após as análises do estudo de caso, encontrou-se um modelo aplicado a essa empresa que possibilitaria uma compreensão e relação melhor com ambiente. Assim, utilizou-se o modelo de estruturas recursivas de Beer (1962), e fez-se uma proposta de estrutura inovadora para corretoras de seguros. A estrutura organizacional da empresa estudada foi completamente reorganizada para melhor compreensão a adaptação com o ambiente. Estruturou-se a organização como em um sistema humano, ou seja, funções cognitivas e motoras. A função cognitiva era a antiga ordem diretora e estratégica. A diretoria foi desmembrada em três departamentos distintos e com competências semelhantes. Esses três departamentos são: política, inteligência e controle. Além disso, foi inserida uma função de coordenação e supervisão dos departamentos órgãos. A função motora consistiu-se dos departamentos operacionais da organização. Os três departamentos fundamentais (administrativo, vendas e sinistro) foram mantidos por uma adequação com o ambiente interno e a cultura organizacional já instaurada na organização. Mas foram trabalhados em dois momentos processuais: um primeiro momento gerencial e um segundo momento operacional. Esses processos estariam sendo inspecionados pela coordenação e a função cognitiva da empresa.

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Figura 5 – Estrutura Organizacional Inovadora Do Caso

Fonte: Elaborado pelo autor.

5. CONCLUSÕES Esse artigo apresenta tanto contribuições gerenciais quanto acadêmicas. Gerencialmente pode-se entender a aplicabilidade e potencial de ganhos pior se trabalhar com o modelo VSM – Viable System Model. O modelo VSM – Viable System Model mostrou-se uma importante ferramenta de auxílio ao processo de entendimento e relacionamento empresa / ambiente. Através desse modelo pode-se estruturar um organograma mais flexível e com diversos suportes de coordenação e gerenciamento. O mais importe, segundo o autor e os gestores da empresa analisada, foi a possibilidade de relacionamento com diversos ambientes e sua descrição, também possibilitando inteligência organizacional. Essa inteligência está ligada ao processo de organizações que aprendem com o ambiente e se adaptam para melhorar seus resultados de forma sistêmica; ou seja, resultado econômico, social e ambiental.

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Além de deixar funções estratégicas somente com a ordem cognitiva do organograma e deixar as funções operacionais com a ordem motora da organização. Isso sem perder as informações e o controle da empresa. Já sua contribuição acadêmica apresenta-se no sentido de fomentar a pesquisa aplicada e o estudo de caso. Este artigo propõe-se a ser um modelo para futuros estudos de aplicação e entendimento do modelo VSM – Viable System Model, sejam em empresas de seguros ou não.

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APONTAMENTOS SOBRE A SÉRIE COMO E POR QUE LER

Wellington Freire Machado !

RESUMO: Este ensaio propõe uma leitura da série Como e por que ler, publicada pela editora Objetiva em 2004. Estas obras merecem atenção no âmbito da academia por possuir um novo discurso historiográfico adequado a uma retórica voltada para formação de leitores. Neste trabalho, busca-se compreender a série no cerne de uma revolução paradigmática no âmbito da História da Literatura. Assim, sustentam este trabalho reflexões relativas ao aspecto construtivo, no sentido de buscar compreender os elementos que subsidiam este incipiente modus operandi. Palavras-chave: História da Literatura; formação de leitores; literatura brasileira.

NOTES ON COMO E PORQUE LER SERIES ABSTRACT: This essay presents a reading of the series entitled Como e por que ler, published by editora Objetiva in 2004. These works deserve attention within the academic scope due to its new historiographical discourse appropriated to a rhetoric focused on educating new readers. In this work, we intend to understand the series in the core of a paradigmatic revolution in the History of Literature. Therefore, this work is grounded on reflections related to the constructive aspect, as it seeks to understand the elements which support this incipient modus operandi. Keywords: History of Literature; reader development; Brazilian literature.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS A série Como e por que ler da editora Objetiva surgiu no ano de 2002 com a publicação de Como e por que ler os Clássicos Universais desde cedo, de Ana Maria Machado. De 2002 a 2005 foram publicados neste projeto quatro títulos, todos eles assinados por reconhecidos nomes da

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WELLINGTON FREIRE MACHADO

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teoria e da crítica literária: Como e Por Que Ler a Poesia Brasileira do Séc. XX (2002), de Ítalo Moriconi, Como e Por que Ler o Romance Brasileiro (2004), de Marisa Lajolo, e Como e Por Que Ler a Literatura Infantil Brasileira (2005), de Regina Zilberman. Dos quatro, o que mais se assemelha a Como e por que ler o romance brasileiro é o livro de Ana Maria Machado, iniciador da série. Nele, além da tradicional linguagem acessível comum a todos os títulos da série, há um narrador disposto a reviver suas memórias de leitura através de um exercício de escrita confessional.

1. A SÉRIE COMO E POR QUE LER É indispensável ler criticamente, ou seja, ler sem adotar atitude reverente, mas sem discordar de tudo. Também é conveniente ler de maneira contextualizada, isto é, "vivendo" a época, não pretendendo encontrar atitudes contemporâneas em acontecimentos passados. Ler bem é ficar mais tolerante e mais humilde, aceitar a diversidade, dispor-se a tolerar a divergência. Ana Maria Machado

Com uma linguagem desprovida de floreios linguísticos, Machado discorre sobre seu trajeto de leitura, mostrando-se como uma leitora voraz, sempre disposta a aventurar-se por novos horizontes através de personagens e narrativas instigantes. No primeiro capítulo, a autora define alguns pontos que orientam o leitor a respeito de seu posicionamento sobre os termos "leitor", "clássico", "ler". O primeiro deles diz respeito à leitura: na acepção da autora, ler não é um dever, mas sim um direito. Logo, descarta qualquer possibilidade de prazer em uma leitura que se efetiva a partir da obrigação como motivação-primeira. Como consequência desse ato, os resultados podem ser catastróficos para o leitor, gerando repulsa imediata por qualquer tipo de livro. Em relação aos clássicos, salienta o caráter atemporal deste: um clássico nunca sai de moda e o acesso a uma obra clássica pode se dar a partir de outras materialidades, como as adaptações cinematográficas, teatrais ou outras formas que tornem o clássico mais “degustável” ao neoleitor. Em cada capítulo, Machado seleciona as obras a partir dos critérios mais variados: As narrativas de viagem; Os contos de Fada; As histórias que eternamente são reescritas e que constantemente conquistam o interesse dos jovens; Histórias Marítimas; Romances de mistério e "capa-e-espada". Ao elencar e discorrer sobre as obras de acordo com esses critérios, Machado apresenta bagagem cultural e memória de leitura imponente. Nela, os clássicos universais desde os textos mais canônicos: As histórias bíblicas de David e Golias, a Arca de Noé, a Torre de Babel, Moisés e outros. Também são mencionados autores do porte de Ésquilo, Homero, Eurípides, Sófocles, e outros. Nesse sentido, as histórias que mais foram reescritas desde seus

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APONTAMENTOS SOBRE A SÉRIE COMO E POR QUE LER

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respectivos surgimentos: Tristão e Isolda, Lancelot, Rei Artur, O cantar de Mio Cid, Robin Hood, e tantas outras que persistem no tempo e são constantemente recontadas, reescritas e até mesmo atualizadas, mas que se mantém em essência no original. O livro de Machado inaugura a série com destreza narrativa e habilidade nas escolhas que o estruturam. Esse estilo de caráter estritamente iniciático se veria fiel nas publicações subsequentes de Marisa Lajolo e Regina Zilberman. Além disso, a visita de Machado por obras clássicas da literatura não somente ocidental, mas também oriental, reafirmam este título como item "obrigatório" ― no sentido de importante, recomendado ― para qualquer indivíduo que busque orientações a respeito da iniciação aos estudos de literatura que extrapolem as fronteiras regionais. Figuram ainda pelas páginas de Como e por que ler os clássicos universais desde cedo autores como Alexandre Dumas (Os três Mosqueteiros), Artur Conan Doyle (Sherlock Holmes), Robert Louis Stevenson (A ilha do tesouro), Jack London (O Lobo do Mar), H. Riger Haggard (As minas do Rei Salomão), Fenimore Cooper (O último dos Moicanos), Edgar Rice Burroughs (Tarzan), Melville (Moby Dick), Edgard Allan Poe (“William Wilson”), Rudyard Kipling (O Livro da Selva), Defoe (A Família Robinson), Tolkien (O Senhor dos Anéis), William Shakespeare (Romeu e Julieta), Michel Zevaco (Os Pardaillans) e outros. Relativo ao "como" ler o romance instigado pelo título, Machado registra a sua orientação desde o viés da intelectualidade: Ler os clássicos universais deve ocorrer desde uma perspectiva crítica. O leitor não deve concordar nem reprochar tudo, mas sim ler criticamente a obra sem jamais lançar um olhar contemporâneo sobre um texto escrito e publicado em outro tempo, aceitando e compreendendo o texto como produto de um tempo ao qual a visão contemporânea de mundo não constituiu. Ana Maria Machado semeia, sobretudo, leitores críticos e flexíveis no processo de leitura, o que faz de seu livro uma contribuição indispensável para a formação de novos leitores. O segundo título publicado pela série é Como e por que ler a poesia brasileira do século XX, de Ítalo Moriconi (2002, p. 17): uma obra que se apresenta com caráter instrutivo, ou, como afirma o autor, “uma introdução, um manual que trata dos comos e porquês da leitura da poesia. O livro é estruturado sob os moldes característicos da série: linguagem não-acadêmica, texto breve – em torno de 140 / 160 páginas – e marcante teor didático. Em decorrência da ambição do projeto – reunir em pouco mais de cento e cinqüenta páginas a poesia brasileira do século XX -, o autor precisou valer-se de uma seleção criteriosa e excludente per se. No empenho de contemplar os objetivos que norteiam a escrita de sua obra, Moriconi apresenta desde a introdução conceitos-chave que delimitam a sua seleção de autores. O primeiro conceito problematizado é a concepção de Poesia. O autor não oferece ao leitor uma definição pronta que oriente a leitura: conduz o mesmo à sua própria definição de poesia. Em suas palavras, descreve a poesia relacionando-a sempre ao prazer sensorial: é na musicalidade

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dos versos e na fluidez do ritmo em que se encontra o "gostoso de ler poesia" (MORICONI, 2002, p. 08), estimulando sempre a imaginação e a sabedoria, em que "todos os cinco sentidos traduzidos, por meio da palavra, em coisa mental. Coisa mental que se pode comunicar pela fala, guardar na página ou na memória, que nem talismã" (MORICONI, 2002, p. 08). Para o autor, a poesia brinca com a linguagem, explorando as coincidências sonoras entre as palavras, fabricando "identidades por analogia: mulher é flor, rapaz é rocha, amor é tocha" (MORICONI, 2002, p. 09), abrangendo sentidos que vão além da linguagem verbal, oral ou escrita. Além disso, não restringe a existência da poesia unicamente ao âmbito da palavra escrita: afirma ainda que a poesia pode estar em um filme, em um gesto comum ou excepcional, buscando revelar uma articulação entre a poesia enquanto arte específica das palavras com "a poesia além-livro, a poesia da vida" (MORICONI, 2002, p. 09). Ao registrar o conceito de poesia no âmbito do idiossincrático, Moriconi (2002, p. 10) evoca Manuel Bandeira, poeta que considera "a estrela maior na constelação dos poetas brasileiros", a quem a poesia essencial seria aquela ligada a um momento fugaz da vida mais corriqueira, à qual o poema, na sua simplicidade coloquial, conferiria valor simbólico. Este ideal de "poesia desentranhada" se enquadra perfeitamente ao ideal poético dos Modernistas. Isto é, para eles a poesia estava mais no momento que no poema em si, “mais na vida que na elaboração codificada de uma arte cansada” (MORICONI, 2002, p.11), ideia completamente compatível à proposta de elaboração poética que ia ao encontro do modus operandi dos parnasianos. Nos anos iniciais do século XXI ― em uma perspectiva afinada aos ideais pós-semana-de22 ― Moriconi lança um olhar abrangente sobre o século XX e afirma que a poesia se faz presente nas letras de música popular, no cordel nordestino, no rock dos anos 80 e até no hip hop dos anos 90. Neste aspecto, reflete sobre as relações entre a poesia e a música, constatando um fenômeno singularmente brasileiro: o status intelectual atingido pela música popular, capaz de elevar cantores como Caetano Veloso e Chico Buarque à categoria de poetas. Além disso, ao pensar cantores como Noel Rosa, Lupicínio Rodrigues, Cartola, Vinicius de Moraes, Arnaldo Antunes, Renato Russo e Cazuza no âmbito do panteão poético brasileiro, Moriconi envereda em uma questão polêmica: a validade da letra de música enquanto poesia. No meu modo de ver, quando o poema-poema vira canção, ele ganha, porque ganha uma nova dimensão. Já a letra, quando vira poema literário, perde. A letra, sozinha, é menos da metade do valor estético de uma canção, pois a canção é justamente aquele "a mais" que se agrega como valor adicional à mera soma letra + melodia. Ao virar poema-na-página, não apenas perde-se a melodia da letra, mas adquirem novos valores alguns elementos cruciais, um tipo de mudança que pode vir em desfavor da poesia. Um exemplo é o refrão. A existência de refrões e repetições pode ser boa de ouvir, mas às vezes é chata de ler. Fica pobre. (MORICONI, 2002, p.15)

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Assim, sem estabelecer uma relação hierárquica entre poesia e letra de música, Moriconi ― por razões justificadas ― restringe sua seleção ao âmbito do poema escrito. O livro de Moriconi, apesar de buscar se manter enquadrado nos parâmetros que perfilam a série, não parece cativar o leitor pela linguagem. O narrador é hábil na descrição simples do que se propõe e, de fato, mantém uma coerência léxica do início ao fim. Contudo, bem diferente do narrador apresentado por Machado e Lajolo, Moriconi se esforça em não cativar o leitor. Por isso entenda-se abrir mão dos recursos retóricos utilizados tanto por Machado como por Lajolo, como a inserção do leitor no texto e a prioridade na construção de uma narração hedônica que conjugue conhecimento, prazer e diálogo com o leitor. Assim, ao longo de 146 páginas, Moriconi assumiu a desafiadora empreitada de apresentar ao leitor de poesia e ao aspirante (ou neoleitor) uma visita guiada ao longo de um século de produção poética no Brasil. A seleção, como todo e qualquer processo eletivo na construção de histórias literárias, partiu do pressuposto de um juízo de valor mais que canônico: como se pode perceber, o grande herói da obra de Moriconi não foi simplesmente a poesia brasileira do século XX, mas sim a poesia brasileira modernista, a mesma que rompeu com os ideais da República Velha e influenciou diretamente a produção poética concretista e marginal que a sucedeu. Ao observar a obra desde uma perspectiva ampla, é inegável considerar a forte relação entre história social e literatura. Na viagem propiciada por Ítalo Moriconi, houve espaço para a poesia engajada, articulada sistemicamente com os demais membros do sistema literário. A relação direta entre os movimentos em uma linha evolutiva temporal constitui uma clara tentativa do historiador de estruturar e concatenar os dados históricos que dispunha segundo sua intenção organizadora. É no âmbito da transição temporal que se percebem as ideias subjacentes aos objetivos do sujeito que produz o texto de caráter historiográfico. Logo, ao reduzir a poesia brasileira de cem anos ao Modernismo e a seu respectivo legado, Moriconi elimina do horizonte de leitura dos possíveis neoleitores poetas do porte de Mário Quintana, Olavo Bilac, Gilka Machado, Carlos Nejar, José Paulo Paes e outros. No caso de Moriconi, só interessa dispor enquanto poesia brasileira do século XX poetas que estivessem de alguma forma empenhados em efetuar alguma mudança na sociedade ou no sistema literário. Esta perspectiva restritiva de seleção, independente de ocorrer por razões puramente ideológicas ou editoriais, não se compatibiliza com a ideia central do título que a nomina. Assim, dos quatro textos da série Como e por que ler, o de Moriconi é o que menos se afiniza a expectativa metateóricas contemporâneas e ocorre de forma independente às restrições que o projeto editorial impõe. No ano de 2005, com a publicação de Como e Por Que Ler a Literatura Infantil Brasileira Regina Zilberman, encerra a série iniciada por Ana Maria Machado em 2002. Logo na introdução,

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Zilberman recorre à experiência de autores como Manuel Bandeira, João Ubaldo Ribeiro e Moacyr Scliar para salientar a importância da leitura na vida adulta, se este processo for iniciado ainda na infância. A autora dá voz à máxima de Lavoisier, o qual afirma que nada se cria, mas sim se transforma: o ato de escrita surge, nesta perspectiva, como um reflexo das leituras realizadas por um determinado escritor. A autora dedica dois capítulos para abordar exclusivamente a relevância da obra de Monteiro Lobato. Não coincidentemente, neste trabalho a autora ― assim como Lajolo1 ― dedica grande apreço à figura intelectual e à produção de Monteiro Lobato. Para Zilberman, Lobato é a expressão máxima da literatura infantil brasileira. Isso ocorre devido a autonomia que seus personagens ganharam após a publicação de seus livros: o caso específico de Emília, personagem facilmente encontrada em lojas especializadas em bonecos e brinquedos. Esta autonomia do personagem frente à obra e criação como um todo faz com que o autor se consolide como alguém com popularidade inegável: determinado indivíduo não necessariamente precisa ler a obra de Monteiro Lobato para conhecer personagens como Narizinho, Dona Benta, Emília e Visconde de Sabugosa. Este fenômeno também se deve às inúmeras adaptações televisivas, cinematográficas e teatrais disponíveis ao grande público. Além disso, o fato de os personagens mimetizarem determinadas atitudes ou comportamentos infantis se torna motivo de identificação instantânea por parte dos leitores. Para Zilberman, a literatura infantil no Brasil se divide em dois períodos: período lobatiano e período pós-morte de Monteiro Lobato. A autora se atém a apresentação de micro-resenhas ressaltando aspectos típicos da literatura infantil que se sobressaíram na produção de autores que publicaram após Lobato. Além disso, Zilberman também dedica espaço ao trabalho então inédito Flicts, de Ziraldo, que causou uma revolução em seu tempo devido a sua louvável capacidade de ilustrar. Ao que tudo indica, ao abordar a literatura infantil como tema principal, o livro de Zilberman encerra com chave de ouro a série Como e por que ler, tendo em consideração que o principal mote da série está vinculado a ideia de formar novos leitores. Ao que tudo indica, a série Como e por que ler surgiu como inspiração da tradução e publicação em 2000 de livro homônimo assinado por Harold Bloom. O livro foi publicado também pela editora Objetiva e inaugura um estilo que antecede ― desde uma seleção infinitamente mais ampla que todos os títulos da série Como e por que ler ― grande parte dos parâmetros teóricos imbricados nos cinco títulos publicados. Em seu prefácio, Bloom esclarece de modo exponencial os princípios motivadores do ato de ler:

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!Regina Zilberman é uma das principais parceiras de Marisa Lajolo nos estudos em formação de leitores.!

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Não existe apenas um modo de ler bem, mas existe uma razão precípua por que ler. Nos dias de hoje, a informação é facilmente encontrada, mas onde está a sabedoria? Se tivermos sorte, encontraremos um professor que nos oriente, mas, em última análise, vemo-nos sós, seguindo nosso caminho sem mediadores. Ler bem é um dos grandes prazeres da solidão; ao menos segundo a minha experiência, é o mais benéfico dos prazeres. Ler nos conduz à alteridade, seja à nossa própria ou à de nossos amigos, presentes ou futuros. Literatura de ficção é alteridade e, portanto, alivia a solidão. Lemos não apenas porque, na vida real, jamais conheceremos tantas pessoas como através da leitura, mas, também, porque amizades são frágeis, propensas a diminuir em número, a desaparecer, a sucumbir em decorrência da distância, do tempo, das divergências, dos desafetos da vida familiar e amorosa. (BLOOM, 2000, p.15)

Bloom (2000, p. 15) entende a crítica literária como algo experimental e pragmático, e não teórico. Por essa razão, "as obras selecionadas não devem ser vistas como um roteiro exclusivo de leituras, mas como uma amostragem de textos capazes de ilustrar por que ler." (BLOOM, 2000, p. 15). A série publicada anos mais tarde pela editora Objetiva, no âmago de suas intenções, buscará compatibilidade com essa consciência encontrada inicialmente na inspiradora Como e por que ler, de Harold Bloom. Considerando a série Como e por que ler como um todo depreende-se uma série de similaridades e particularidades entre os títulos que a compõem. Apesar da série se caracterizar por um padrão que em tese deveria se repetir em todos os títulos, cada autor possui seu estilo e as escolhas não declaradas de cada um deles são facilmente perceptíveis ao olhar do observador atento. Nesse sentido, o livro teórico de Marisa Lajolo se mantém em condição única se comparado a seus pares: linguagem própria; escolhas claramente assumidas; inserção do leitor no texto; exercício(s) de ego-história e estilo romanesco são os elementos constituintes deste texto de caráter historiográfico que se propõe a orientar o leitor pelos caminhos do romance brasileiro.

2. O PRAZER COMO PILAR CENTRAL

Todas as espécies de prazer ou de dor, por mais espontâneas que sejam, são resultantes duma grande complexidade, nelas estão contidas: toda a nossa experiência e uma quantidade enorme de juízos de valor e de erros. Friedrich Nietszche

Suscitar aspectos cognitivos e emotivos no leitor é uma das possibilidades que surgiram como produto de reflexão realizada na esfera da metateoria. Em Como e por que ler o romance brasileiro esta alternativa teórica se potencializa como pilar central na constituição da obra,

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sustentada por forte apelo retórico que reforça a intenção organizadora dos autores e da série da qual os livros fazem parte. Para se chegar a essa conclusão, não é requerido ao observador uma análise minuciosa dos mecanismos empregados na construção dos livros componentes. Em aspectos gerais, a constituição gráfica da obra de Marisa Lajolo, por exemplo, é o primeiro ponto que indica os caminhos pelos quais o leitor será conduzido. Por fazer parte da série Como e por que ler da Editora Objetiva - o livro possui projeto gráfico compatível a seus pares: capa colorida e uma imagem centralizada. Em primeira instância, este mecanismo além de atrair inicialmente um determinado público “X”, também desvincula a obra do aspecto sisudo das historiografias tradicionais, brindando a esta uma aparência amigável – o que pressupõe também um texto não científico e de acesso fácil. Na capa, há a fotografia de um casal trocando beijos sobrepostos a um fundo dual: do lado esquerdo ― do homem ― representando o tempo passado a imagem em tom preto e branco de uma pacata construção antiga, no formato fotografia. Já do lado direito ― o da mulher ―, uma mescla de luzes que dão a ideia de movimento que remetem automaticamente às luzes da cidade e a realidade da vida urbana contemporânea. A imagem, como figura central exposta no plano de expressão, corrobora uma tese que mais tarde seria confirmada textualmente no livro: A presença da mulher no romance – lendo-o, escrevendo-o ou protagonizando-o – não apenas deu voz à metade da humanidade que permanecia calada ao tempo em que as letras eram território exclusivamente masculino (o que já não é pouco...) mas também deu vida e fôlego longo ao romance, gênero por excelência da modernidade. (LAJOLO, 2004, p.61)

A mulher representa um papel protagônico nesta história do romance brasileiro, fato que os elementos gráficos da capa incitam com maestria. O casal que ocupa a posição central pode ser entendido como uma representação da essência romanesca que sobreviveu à passagem do tempo: da cidade antiga – como a autora revisita nos romances urbanos de Machado de Assis e Mário de Andrade – à cidade contemporânea mimetizada nas histórias de Ferrez ou Luís Ruffato. Ainda em relação ao plano de expressão perceptível na capa, ao fundo desta há a predominância de um tom vermelho-bonina bastante chamativo contrastando com o título em roxo-plum. Segundo o Dicionário de Símbolos de Jean Chevalier, o vermelho-escuro representa a feminilidade e o mistério da vida (2010, p. 944)2. Uma possível justificativa compatível com essa definição talvez seja encontrável nas páginas do livro dedicadas a figura da mulher no âmbito da literatura, seja como musa inspiradora, receptora ou produtora do próprio texto. Além disso, juntamente com o título de cada capítulo há um desenho que o representa em termos gerais: uma !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 2

!Neste!aspecto,!mais!uma!indicação!da!condição!protagônica!da!mulher!em!uma!história!do!romance.!

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mulher em trajes do século XIX e com um livro em punho para o capítulo dedicado à mulher; um trabalhador carregando os frutos da colheita na cabeça para os capítulos que falam sobre a cor local; um carro como sinônimo do romance que viaja pelo Brasil; um casal se beijando para o capítulo dedicado à afirmação do romance. Todas as figuras se alternam de acordo com a temática explorada em cada capítulo. Considerando o livro como um iniciador de leitores, com fortes propósitos de letramento, não soa arbitrário a inserção de imagens – mesmo que em uma escala pouco significativa – nem a pictoricidade presente na capa. Esses recursos, juntamente com as cores empregadas, são elementos pré-textuais que, por exemplo, em uma situação cotidiana de visita a uma livraria poderiam chamar a atenção do leitor em uma estante ou até mesmo em um mostruário. Assim, tal como o título de uma determinada obra que Lajolo afirma ser uma “rede de pescar leitores” (LAJOLO, 2004, p.28), a capa enquanto um importante elemento pré-textual também o é. Dos elementos pré-textuais aos textuais basta a abertura do livro. A disposição do texto configurado em espaçamento 1,5m é um dos primeiros atrativos que configuram uma leitura suave e de fácil fluidez. A linguagem de Lajolo é um dos pontos de maior contato entre a produtora do texto e o leitor. É a partir da linguagem escolhida que Lajolo estabelece uma ponte que conecta o leitor a um indivíduo virtual que se posiciona claramente em relação às suas preferências literárias. Ao se assumir, sobretudo, com as características de uma leitora tal como qualquer outra, é que Lajolo desfere seu principal reforço retórico que, em primeira instância, visa fazer o leitor se identificar com o narrador, afinal de contas, soa impensável conceber um leitor ― por mais inexperiente que seja ― que não tenha vivenciado uma das sensações as quais o narrador afirma viver quando se envolve no processo de leitura: Leitora apaixonada, fã de carteirinha, me envolvo com os romances de que gosto: curto, torço, rôo as unhas, leio de novo um pedaço que tenha me agradado de forma particular. Se não gosto, largo no meio ou até no começo. O autor tem vinte/trinta páginas para me convencer de que seu livro vai fazer a diferença. Pois acredito piamente que a leitura faz a diferença. Se não faz, adeus! O livro volta pra estante e vou cuidar de outra coisa... (LAJOLO, 2004, p.13-24, grifo meu)

Pensado enquanto um texto de caráter hedônico, este recorte soaria como o que Olinto (2008, p. 43) sublinha como um “efeito afetivo provocado pelo encontro com a literatura”, o que transforma inevitavelmente essa experiência em momentos de felicidade. Neste caso específico, a ocorrência é possível porque o texto ativa no leitor sua memória de leitura prazerosa e evoca sensações e reações que decorreram ao longo desse ato de extrema satisfação intelectual. A ativação desse mecanismo memorialístico no leitor é suficiente para mantê-lo atento ao texto,

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visto que, ao evocar boas sensações logo no princípio da leitura, automaticamente registra-se a promessa não declarada de que seguir no fluxo deste processo poderá culminar na ocorrência de outras experiências de natureza similar. Em termos de estilo, a linguagem de Como e por que ler o romance brasileiro já pré-molda um desconhecido leitor que se espera enquanto receptor do livro: Não é o leitor profundamente conhecedor da literatura brasileira; tampouco o leitor habituado a normas técnicas ou a termos específicos do meio acadêmico3. Talvez a isso se deva o fato de Lajolo não se apresentar como doutora em Literatura, mas, sobretudo "como leitora de romances". Um claro indício de que o leitor não possui em mãos um texto acadêmico. As escolhas estéticas propositalmente empregadas no livro são especificamente pensadas para um leitor que se perfile às expectativas que o livro suscita. No que tange a esse mecanismo, Paul Ricoeur (2010, p.49) assinala que uma obra é capaz de criar o seu público, pois alarga o círculo da comunicação e inicia novos modos de comunicação: “Por um lado, é a autonomia semântica do texto que abre o âmbito de leitores potenciais e, por assim dizer, cria o auditório do texto. Por outro, é a resposta do auditório que torna o texto importante e, por conseguinte, significativo" (2010, p.48). Em relação à autonomia semântica, apesar de a obra supostamente ter sido pensada para um determinado público, isso não delimita nem restringe a circulação e o acesso desta a outro público que esteja aquém ou além do perfil de leitor que inicialmente fora imaginado ainda no período de pré-produção da obra. O livro de Lajolo é um bom exemplo de história do romance que pode muito bem figurar na lista de recomendações de um orgão governamental para uma determinada faixa-etária, como também fazer parte de um cronograma de leitura de determinado grupo de estudos em Teoria ou História da literatura. O texto, após sua publicação, passa a fazer parte de uma esfera de recepção pouco provável de se presumir, visto que sua relação com outros elementos do sistema e sua recepção nos mais diversos âmbitos se efetiva a partir de fatores como o momento e as condições em que o texto é publicado. Nesse sentido, diante da possível plurissignificância aberta pelo campo semântico de um determinado texto, leitores passam a ser atribuidores de sentido. Assim, cada observador observa de acordo com suas experiências pessoais, indissociáveis de qualquer nível de interpretação. Além disso, o estilo despojado da autora é outro fator que ameniza o embate do neoleitor com um livro teórico. Já é marca de Marisa Lajolo o estilo romanesco, com menções constantes ao leitor, algo que remete a nada menos que ao narrador de Machado de Assis perceptível em seus romances e contos:

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!Em!inúmeras!passagens!Lajolo!explica!noções!de!epígrafe,!nota!de!rodapé!e!outros!termos!específicos.!!

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Onde o bom romance? E onde o resto (aliás, qual resto...?), sobretudo na pósmodernidade periférica, como se diz a brasileira? Que cada leitor responda por si. Por mim, vou encerrando esta conversa sobre minhas leituras romanescas, que se inauguraram muitos anos e muitos livros atrás. Lá nos aguarda o romance brasileiro discutido de forma mais sistemática - porém não exaustiva - do que este breve passeio que mistou assassinatos, fantasmas, historiadores e atrizes com borboletas, uma inocência de papel e tinta e outra inocência de carne e osso. Será que pode? Pode, é claro... pois que é que não pode no romance? (LAJOLO, 2004, p.26)

A função emotiva no processo de comunicação estabelecida pelo texto de Lajolo se alinhava a uma perspectiva hedonista de teorizar a literatura, visto que o texto da autora logra conjugar o conhecimento sobre literatura brasileira com sentimentos (a memória afetiva do narrador e as reações incitadas no leitor) e também com o prazer estético (tom dialógico e romanesco apresentados) suscitados ao longo do percurso estabelecido. Nessa dinâmica, o prazer se constitui como aspecto basilar, solidificando-se como pilar central desta história do romance brasileiro: sem os mecanismos hedônicos adotados, a obra teria que buscar formas estéticas alternativas que conseguissem atrair e manter o interesse do neoleitor a quem inicialmente o texto se destina. Dessa forma, teorizar sobre a literatura de forma aprazível ao leitor pode ser um dos parâmetros teóricos estabelecidos em todos os títulos publicados sobre a égide da série Como e por que ler. $ $ CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao elaborar este trabalho, reafirmo a minha crença de que os estudiosos do tema devem voltar seus olhares para uma noção de movimento intrassistêmico, visto que é na complexidade das relações estabelecidas entre o tempo passado e o tempo presente, que se poderá compreender as diretrizes que encetarão as perspectivas futuras. Nesse sentido, ao harmonizar-se com as mais distintas discussões metateóricas, a série Como e por que ler afirmase, na minha visão, ao se consolidar como um importante ponto de referência, quando o assunto é a renovação do discurso historiográfico no âmbito da literatura brasileira. Deste ponto em diante, estudos futuros se incumbirão de ratificar ou negar a afirmação que aqui ensaio, a de que a sobrevivência de Histórias da Literatura depende exclusivamente de quão dispostos estarão os historiadores literários em renovar não somente seus discursos, mas também os seus métodos. Nesse sentido, encerro este trabalho citando a Prof.a Heidrun Krieger Olinto, quando esta se pergunta o que cabe em uma história da literatura. “Quase tudo!” (OLINTO, 2009, p. 51), responde

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a própria pesquisadora. A essa resposta, acrescento uma reflexão pessoal, a de que a partir do advento da série Como e por que ler, nas Histórias vindouras da literatura brasileira caberá uma consciência de construção extremamente renovada, em sintonia com as expectativas impostas pelas necessidades do homem contemporâneo, sendo então, neste futuro próximo, as histórias de feitio tradicional apenas uma distante lembrança de um tempo que não nos pertence mais.

REFERÊNCIAS BLOOM. Harold. Como e por que ler. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. LAJOLO. Marisa. Como e por que ler o romance brasileiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. MACHADO. Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. MORICONI. Ítalo. Como e por que ler a poesia brasileira do século XX. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. NIETZSCHE. Friedrich. A vontade de poder. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. OLINTO. Heidrun Krieger. Afinal, o que cabe numa história de literatura? In: Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS. Porto Alegre, volume 16, número 1, outubro de 2009. ZILBERMAN. Regina. Como e por que ler a literatura infantil brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.

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DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E INCLUSÃO SOCIAL: ASPECTOS PARA UMA COMPREENSÃO CRÍTICA DA REALIDADE

Cristiane Cinat

RESUMO: A discussão sobre desenvolvimento fez-se notar a partir da década de 1950 inaugurada pela Organização das Nações Unidas (ONU), onde a mesma aparecia vinculada principalmente às questões de crescimento econômico, entendimento que passou a não se mostrar suficiente frente a outras complexas dimensões sociais como a saúde, a educação, o saneamento básico, o meio ambiente e a cultura. Com o prolongamento da crise global de 1980, a América Latina foi tida como um dos principais alvos de regulações financeiras internacionais, olhada pelos então, países tidos como mais “desenvolvidos”. Nessa perspectiva, a discussão sobre o paradigma da “inclusão” x “exclusão” social tornou-se importantes nas pautas de políticas sociais. Através de revisão de literatura sobre o assunto, buscamos desenvolver nesse trabalho, uma reflexão de como o entendimento sobre tais questões podem influenciar diretamente o trato e a direção tomada pelo poder público na busca de “inclusão social” para a população mais vulnerabilizada, importante campo de intervenção do serviço social. Palavras-chaves: Formação econômica brasileira; Desenvolvimento econômico; Inclusão social; Serviço Social.

ECONOMIC DEVELOPMENT AND SOCIAL INCLUSION: CRITICAL ISSUES FOR AN UNDERSTANDING OF REALITY ABSTRACT: The discussion about development was noted from the 1950s inaugurated by the United Nations (UN), which appeared linked mainly to issues of economic growth; this understanding did not show to be enough considering other complex social dimensions such as health, education, sanitation, environment and culture. With the extension of the global crisis of 1980, Latin America was seen as a major target of international financial regulations by the countries considered to be more developed. In this perspective, the discussion on the paradigm of "inclusion" x social "exclusion" has taken important agendas of social policies. Through literature

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review on the subject, we seek to develop a reflection of how the understandings of these issues can directly influence the treatment and the direction taken by the government in the pursuit of "social inclusion" for the more vulnerable population, major field of intervention of social work. Keywords: Brazilian Economic Growth; Economic development; Social inclusion; Social Work.

“Fazer política é expandir sempre as fronteiras do possível”. Jorge Furtado

1. DE ONDE PARTIMOS... A proposta dessa reflexão se encontra entre dois grandes conceitos importantes para o entendimento do complexo e dinâmico campo das relações sociais: a ideia de desenvolvimento econômico e de exclusão social. Tendo como um dos principais objetos de intervenção e de estudo, as expressões da “questão social” se mostram como um desafio particular para o Serviço Social, profissão que inscrita na divisão sócio-técnica do trabalho, desenvolve suas especificidades profissionais atuando diretamente com a população mais vulnerabilizada e pobre. Nesse sentido, a compreensão da inclusão social x exclusão social não se mostra livre de peculiaridades ideológicas que acabam por reforçar e direcionar o tratamento assumido tanto pelo Estado quanto pela sociedade em vista a tal questão. Assim, o exercício aqui desenvolvido, busca desenvolver um olhar mais atento a tais temas. Com base em leituras sistematizadas e debates ocorridos em disciplina frequentada no segundo semestre de 2013, como requisito para cumprimento de créditos no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UNESP-Franca, procuramos argumentar que apenas com o entendimento dos aspectos históricos em relação a nossa conjuntura contemporânea é que podemos nos aproximar de forma mais aprofundada de uma análise mais justa da realidade. Partimos da premissa de que a compreensão da realidade em seus diversos aspectos econômicos, políticos, culturais e sociais - só pode-se dar de forma crítica se levar em conta a dimensão histórica e concreta das relações sociais, e de outra forma, toda tentativa de apreensão das dimensões da vida humana pode sofrer de determinismos e fragmentações. Apresentamos o texto que se segue com uma seção que buscará identificar alguns aspectos da formação econômica do Brasil, inscrito nas relações internacionais como um país de capitalismo periférico e tardio. O texto procura mostrar que desde a época da colonização, o Brasil era direcionado a atender interesses sempre externos, o que veio a refletir na forma como sua

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organização se consolidou. Acredita-se, portanto, que tal formação, para além das relações econômicas, inscreveu o país em posições internacionais “submissas” frente às nações tidas então como “desenvolvidas” ou de capitalismo avançado, perspectiva reforçada pelo aceite, por exemplo, das direções dadas pelo Consenso de Washington na década de 1990. A seguir discutiremos

alguns

aspectos

que

inauguraram

e

fundamentaram

a

discussão

sobre

desenvolvimento e o papel da ONU nessa discussão. Na última seção, é apresentada uma análise sobre como a ideia de inclusão social passou a fazer parte das discussões no campo das políticas sociais, contraposta à noção de exclusão social.

2. A INDÚSTRIA E A FORMAÇÃO ECONÔMICA BRASILEIRA Segundo Barbosa (2013) é praticamente consensual desde a década de 1940 na bibliografia histórico-econômica brasileira o estabelecimento de vínculos inseparáveis entre café e industrialização, não raro, concebendo-se também a burguesia cafeeira como a matriz da burguesia industrial brasileira. Para tanto, o autor observa “que a transformação do regime social de produção, que possibilitou o advento da atividade industrial no país, ocorreu no bojo da expansão cafeeira rumo ao oeste paulista, resultando na intensificação da organização capitalista da vida econômica”. (BARBOSA, 2013, p. 392) Todavia, antes ainda da industrialização se iniciar no Brasil no início do século XX, é pertinente destacar que quase toda a atividade econômica desenvolvida aqui tinha a clara direção externa. Recordando os “ciclos econômicos” (como ficou tradicional tratar as atividades econômicas segundo os períodos de maior relevância desde a colonização brasileira), a literatura sobre a formação econômica do país corrobora certo consenso de que a ideia de colônia fornecedora de matéria prima e gêneros de necessidades específicas para Portugal sempre foi determinante na forma como o país teve seu desenvolvimento assentado. Tudo que era desenvolvido no Brasil, deveria sempre atender a objetivos que nunca estavam situados aqui. Nas palavras de Caio Prado Jr: Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade, nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde, ouro e diamante; depois algodão e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isso. E com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção à considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileira. [...] Este início, cujo caráter manter-se-á dominante através dos séculos da formação brasileira, gravarse-á profunda e totalmente nas feições e na vida do país. Particularmente na sua estrutura econômica. E prolongar-se-á até nossos dias, em que apenas

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começamos a livrar-nos desse longo passado colonial. Tê-lo em vista é compreender o essencial da evolução econômica do Brasil. (PRADO JR, 1986, p.23)

Não ao acaso, essa intenção marcará de forma bastante pertinente não só as atividades econômicas que passarão a ser desenvolvidas, mas, sobretudo, a formação social e cultural do Brasil. Este entendimento implica considerar a forma como as riquezas foram produzidas ou apropriadas desde o início da história brasileira, inscrita através de atividades exploradoras (como o pau-brasil, o ouro, o diamante, etc.), de agricultura (como a cana-de-açúcar e o café) e só posteriormente as industriais. Foi com o surgimento da indústria no Brasil que um ideário de desenvolvimento começa a ganhar força no país; o aparecimento de uma burguesia industrial associada ao grande capital – sobretudo o cafeeiro – passou a contar com certa interpretação de que, dada as fases anteriores, a característica tardia do capitalismo brasileiro impôs a grande indústria como padrão necessário às exigências do momento histórico em que emergiu a indústria nacional. Ao surgir já na fase monopolista do capitalismo mundial, a indústria brasileira teve como imperativo a sua organização em grandes empreendimentos, sob pena de sucumbir, facilmente, à concorrência dos produtos importados aos gigantescos trusts internacionais. (BARBOSA, 2013, p. 394)

Agnaldo Barbosa, por outro lado, nos chama a atenção que de acordo com os estudos de Bresser-Pereira, outro condicionante para o surgimento da indústria nacional, sobretudo no estado de São Paulo, deveu-se a outro fenômeno intrinsecamente ligado a este processo, ou seja, a imigração, principalmente de famílias de classe média. Cabe destacar, que “os imigrantes que se estabeleceram como empresários fabris não se confundiam com a massa de imigrantes, constituída em sua maioria, por trabalhadores braçais”. (Idem, 2013, p. 395) Para o autor é importante o cuidado destacado por Bresser-Pereira que ao estudar o processo de surgimento da indústria brasileira e as configurações que a mesma foi tomando, um único aspecto não poderia explicar de forma hegemônica o complexo e amplo processo ocorrido aqui. A atividade cafeeira foi importante para o surgimento da indústria, pois sem o enriquecimento de um grupo determinado, não haveria investimentos para a implantação das primeiras grandes fábricas no país – sobretudo no estado de São Paulo, mas segundo nos lembra o autor, apenas esse fator não seria suficiente para a compreensão da amplitude que foi esse processo, dados as dimensões nacionais, os determinantes regionais, as políticas de

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regulamentação econômica da época e até mesmo a condição interna e externa de mercado, onde então o Brasil buscava se inserir. Para além da dimensão econômica, Barbosa (2013) verifica na literatura sobre o tema, que as extensões econômicas e políticas não estiveram em harmonia na principal classe que teria o papel de desenvolvimento e modernização nacional, ou seja, a burguesia industrial. Por falta de clareza quanto aos objetivos da nascente produção nacional, os empresários não foram capazes de potencializarem forças capazes de renovar antigas relações econômicas; de acordo com leitura de Florestan Fernandes, Barbosa nos mostra que, ruptura do empresariado com a dominação conservadora, levada a efeito pela oligarquia agrária, seria um imperativo incontornável para o desenvolvimento pleno do capitalismo no país, empreitada para a qual deveria se unir politicamente com a classe trabalhadora. Não tendo cumprido essa, que seria uma de suas tarefas históricas, o empresariado industrial demonstrou não ter consciência de seu papel como classe que almejava alcançar a hegemonia na sociedade brasileira e, consequentemente, deixou evidente que as transformações que preconizava se limitavam, meramente, à dimensão econômica. (Idem, 2013, p. 399)

Nota-se que a inserção do Brasil como um país de capitalismo periférico em relações de produção tanto interna quanto externamente, se deu em medida pela opção de caminhos que não demonstravam certa preocupação com aspectos de um desenvolvimento mais amplo para além de relações econômicas.

3. O IDEÁRIO ACERCA DE DESENVOLVIMENTO Podemos considerar que as primeiras discussões sobre desenvolvimento teve seu início na década de 1950, inauguradas no sistema da Organização das Nações Unidas, onde a ideia de desenvolvimento estava estreitamente vinculada a questões de ordem econômica, ou mais especificamente na de crescimento econômico. Por outro lado, dento da própria ONU foi possível observar nas décadas seguintes a ampliação deste conceito, no sentido de compreender que aspectos como saúde, educação, saneamento básico, meio ambiente, cultura, entre outros, são elementos que compõem e determinam diretamente o desenvolvimento econômico. Logo com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, buscou-se montar uma organização internacional que passou a ser conhecida como Organização das Nações Unidas (ONU). Fundada na busca de interesses comuns por meio de uma cooperação permanente entre seus membros, esse tratado teve como primeiro objetivo deter guerras entre os países através de uma plataforma

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fundada no diálogo. De acordo com Machado e Pamplona (2008), o propósito original da ONU estava ligado à manutenção da paz, mas logo foi possível identificar uma ligação entre seu trabalho no campo econômico e social e a promoção da segurança internacional. “Neste sentido, as causas de violência tanto dentro como entre os Estados poderiam ser reduzidas, se as desigualdades e privações econômicas diminuíssem” (MACHADO e PAMPLONA, 2008, 55). Segundo a ONU, identificando um aumento da preocupação mundial em relação ao desenvolvimento das nações e suas populações, na segunda metade o séc. XX foram estabelecidos três desafios para a Organização: a reconstrução da Europa após 1945; o cuidado com os países socialistas e a Guerra Fria; e as prioridades de desenvolvimento nos países considerados como “subdesenvolvidos”. Em sua estrutura interna, a ONU conta com várias organizações subsidiárias para realizar suas missões, que segundo os autores supracitados podem ser divididas em dois grupos com papéis distintos: entidades operacionais (que realizam atividades como empréstimos e cooperação técnica que influenciam diretamente as questões econômicas) e entidades para criação e garantia do cumprimento de regras (que estabelecem regimes e garantem um comportamento econômico determinado dentro de sua jurisdição). Nessa divisão simplificada, ligada ao seu Conselho Econômico e Social, tem-se a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL). Criada em 1948, tinha como principal objetivo incentivar a cooperação econômica entre seus menbros. Hoje, além dos países da América Latina e Caribe, recebe cooperação do Canadá, França, Japão, Países Baixos, Portugal, Espanha, Reino Unido, Itália e EUA1. Particularmente para o Brasil, a CEPAL foi grande referência ao pensamento desenvolvimentista que se configurou fortemente nas décadas de 1950 e 1960, apoiando a ideia de que a industrialização deve ser o principal caminho para superação do subdesenvolvimento dos países da América Latina. Não há dúvidas de que um dos principais nomes relacionados a discussão de desenvolvimento humano dentro da ONU é o do economista e prêmio nobel de economia Amartya Sen. Junto com Mahbub ul Haq, em 1993, propuzeram a ideia de um índice para mensurar o quão desenvolvida poderia ser considerada uma nação: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que elegeria a partir dele um ranking entre as nações avaliadas. Até 2009, o IDH usava três índices como critério de avaliação: índice de educação, longevidade e renda, mas a partir do relatório de 2010, o IDH combina três dimensões: Uma vida

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1

http://www.eclac.org/cgi-bin/getprod.asp?xml=/noticias/paginas/3/43023/P43023.xml&xsl=/tpl/p18f-st.xsl&base=/tpl/topbottom.xsl acessado em 17/06/2012

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longa e saudável: expectativa de vida ao nascer; O acesso ao conhecimento: Anos Médios de Estudo e Anos Esperados de Escolaridade; Um padrão de vida decente: PIB (PPC) per capita2. No Brasil, o Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) juntamente com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) tem a responsabilidade da formulação de um atlas destinado à administradores públicos, pesquisadores e responsáveis por planejamento e análise das realidades nacionais, regionais e locais, que possam traduzir realidades econômicas, sociais e culturais. Diversas discussões ainda permeiam o conceito e a aplicação do IDH como subsídio para classificação dos país. Dentre as críticas, talvez a mais recorrente diz respeito ao grau de mesuração que dados tão gerais e amplos podem traduzir em relação a realidades particulares de diferentes países ou regiões como no Brasil. Há ainda que se questionar qual a finalidade de um racking comparativo entre diferentes países, ou seja, seriam mesmo os critérios usados no IDH os mais adequados para classificar um país como “desenvolvido” ou não? É certo que os países não contam com outra forma para pensar sobre as condições de vida que suas populações em contexto mais global, considerando sobretudos diferenças culturais, portanto o IDH ainda possibilita uma conversa entre essas nações, mas que ainda pode não ser suficiente. Ao resgatarmos históricamente o contexto da crise econômica iniciada nos anos de 1980 é possível perceber que tanto os países de capitalismo central quanto os considerado de capitalismo periférico foram afetados, porém, foi nos países mais pobres que as políticas de enfrentamento da crise culminaram no aprofundamento da desigualdade social. Isso colocou em xeque o conceito de progresso social diretamente relacionado à discussão do desenvolvimento econômico. Assistia-se no mundo um quadro de diminuição do crescimento, queda dos investimentos no setor produtivo e aceleração geral dos preços, endividamento dos governos – o que representou, em última instância, tanto a falência do modelo fordista de acumulação capitalista quanto à crise da ordem social do Welfare State no então “mundo desenvolvido”. A necessidade de se atentar ao desenvolvimento econômico de forma concreta parecia urgente, principalmente tendo em vista que o objetivo deste devesse responder de forma rápida e eficaz aos baixos níveis de crescimento econômico dos países afetados pela crise. Todavia, tal discurso necessitava estar respaldado por um argumento que respondesse ao desenvolvimento econômico não apenas como “crescimento” econômico por si só, nem o melhoramento dos níveis médios de indicadores sociais, mas um discurso que contemplasse o homem inserido na realidade, em determinado contexto social. Para tanto, vê se incorporar conceitos como “justiça !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 2

Disponível em http://hdr.undp.org/es/informes/, acessado em 16/06/2012.

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social”, “participação”, “cidadania” atrelados a desenvolvimento econômico, social e humano como elementos necessários para a consolidação e ampliação da democracia e da igualdade social. Nos países latino-americanos as políticas de desenvolvimento econômico resultaram no cumprimento de medidas que priorizavam a estabilização da economia interna e o pagamento da dívida

externa,

substituindo

o

modelo

de

desenvolvimento

de

mercado

interno

(Desenvolvimentismo) pelo modelo no qual a economia é regulada pelo mercado e o Estado exerce um papel mínimo na gestão e condução da mesma. Este modelo que deveria assegurar a expansão econômica teria ainda, como uma de suas consequências o aumento do bem-estar social. No entanto, esta proposta não reverberou no equilíbrio esperado, e sim, no aumento do chamado "déficit social". Em meio a tal conjuntura, uma reunião ocorrida em 1989 voltada para discutir a questão principalmente da dívida dos países latino-americanos foi elaborado e proposto um conjunto de políticas e reformas requeridas para a “salvação” latino-americana. A esse conjunto chamou-se “Consenso de Washington”, cujo receituário de políticas foi utilizado pelos organismos internacionais: Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial, etc. como condicionamento para a realização da tão requisitada renegociação da dívida externa desses países. Assim, “os governos latino-americanos foram transferindo sua ‘capacidade de decisão’ para aquelas entidades internacionais que passaram a ditar o que deveriam ou não fazer”. (UGÁ, 2004, 57) De acordo com essa autora, ao invés de significar uma retomada do desenvolvimento econômico e social nos países latino-americanos esse receituário, tais medidas significaram uma intensa piora nas condições de vida de grande parte da população mais pobre: Ainda houve uma piora na distribuição de renda e um aumento do desemprego. Em suma, esse tipo de política passou a significar mais crise, exclusão social e falta de investimentos no setor produtivo. (Idem, p. 57)

Nos anos de 1990, em contexto de globalização, levando em consideração as demandas impostas por esta nova configuração mundial, incorpora-se ao conceito de desenvolvimento econômico a idéia de amplificar as oportunidades para cada indivíduo, a partir de um desenvolvimento baseado nas “capacidades” e “expectativas individuais”, que proporcione uma existência mais plena e mais livre, num esforço de enfrentar a homogeneização promovida pela Globalização. Vê-se surgir também, com bastante força, a discussão sobre desenvolvimento sustentável e desenvolvimento institucional, onde se somam ao debate sobre o desenvolvimento econômico e sua esfera política.

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Com isso, começa-se a pensar em termos de “desenvolvimento integral”, no intuito de buscar soluções, para o desenvolvimento econômico que levem em consideração as diferentes dimensões - política, econômica, social, institucional, tecnológica, cultural, etc. - que envolvem o processo de desenvolvimento, por meio de estratégias mais integradoras. No entanto, o esforço de avançar no debate acerca das questões que poderiam potencializar o desenvolvimento econômico, de forma a atrelá-lo a um pleno desenvolvimento humano, não encontrou espaço nem apoio nas arenas políticas. A defasagem financeira e a crise do mercado financeiro foram tomadas como prioridade.

4. INCLUSÃO X EXCLUSÃO SOCIAL O caminho que se optou em percorrer neste trabalho é o de considerar que para pensar a ideia de “inclusão”, a concepção de “exclusão” adquire força e significado singular para a análise que aqui se busca. As mudanças no padrão de organização do trabalho em consonância com as políticas macroeconômicas de estabilização econômica impostas pelo FMI e demais organismos multilaterais delimitaram um tipo bastante específico de intervenção do Estado no caso brasileiro, provocando um acirramento da questão social em suas variadas expressões. Sobre tal questão, Ednéia de Oliveira (2012) faz uma análise acerca das políticas de emprego que se desenvolveram no Brasil, onde elas, segundo a autora, passam a ser implementadas de forma mais específica no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, ou seja, políticas que visavam combater a crise do emprego, a fome e a miséria que se acentuavam no país. Contudo, com recursos reduzidos e com ênfase na individualização do problema reforçando a histórica intervenção residual do Estado brasileiro, as medidas não tiveram grande impacto social, onde cada vez mais se tornava possível perceber o agravamento das más condições de vida dos trabalhadores e o aumento da pobreza, intensificando de maneira direta o pauperismo e as expressões da questão social. Segundo a autora, É neste sentido que o Estado brasileiro estabelece a criação dos contratos por tempo determinado, o contrato parcial, temporário, as cooperativas de trabalho, o trabalho-estágio, a suspensão do contrato e posteriormente a economia solidária no governo Lula. Essas mudanças nas leis foram apresentadas pelo governo como medidas de políticas de emprego que, associadas aos programas de geração de renda, buscavam minimizar os efeitos dessa flexibilização. (OLIVEIRA, 2012, p. 500)

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Para dar viabilidade aos diversos programas instaurados a partir do final da década de 1990, no governo do presidente Lula foi criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), incorporada ao Ministério do Trabalho (MT). Por meio de iniciativas de Organizações não Governamentais (ONGs); ela teve suas ações voltadas para a construção de projetos produtivos coletivos e empreendimentos populares solidários, empresas recuperadas por trabalhadores e com propostas de autogestão, cooperativas de agricultura familiar, de prestação de serviços, entre outras (OLIVEIRA, 2012). O programa de economia solidária buscava criar uma articulação com todas as instâncias produtivas do governo federal, como outras secretarias e buscava articular-se às políticas de assistência social, como o Bolsa-Família e o Fome Zero, ou seja, carregava a intenção de ser um programa integrado aos vários setores governamentais e como política de geração de emprego e renda, tinha em vista buscar um desenvolvimento mais justo e solidário. Apesar de uma previsão mais ampla e global, é possível perceber que a resposta a problemas estruturais como o desemprego, a pobreza e a exclusão social contou com respostas e ações governamentais de forma pontual, sem, contudo, a efetivação de uma cobertura mais universal e ampla ao trabalhador. Nesse sentido, o tratamento à pobreza e à exclusão social passa a ter uma direção específica dada pelo Estado através de políticas sociais que são garantidas em âmbito legal. Dialeticamente, a apreensão dessa questão não estaria determinada apenas na concessão de políticas por parte do poder estatal, mas de como historicamente a pobreza de determinado grupo ou classe é colocada. Com as novas configurações do mundo do trabalho e da reestruturação produtiva contemporânea, a identificação das expressões da questão social perde sua relação com a ideia de classe, sendo a população que depende do trabalho para garantir suas condições objetivas de vida, apreendida em “segmentos”, com demandas particulares e específicas. Nota-se essa afirmativa pela condução das garantias sociais que passam a tratar especificidades pontuais dos segmentos sociais como políticas para crianças e adolescentes, políticas para pessoas com deficiências, para idosos, para mulheres, para negros, etc. Assim, as apreensões e as formas de ação junto a tais grupos populacionais por vezes não trazem para o debate a dimensão político-pedagógica de que as relações sociais fundam-se e são determinadas por relações de classe; o pauperismo e a exclusão vivenciados por esses grupos, em suas mais diversas formas e com suas mais diferentes especificidades estão determinados por relações de produção e reprodução da vida no âmbito do capitalismo. É pertinente a consideração de Adriana Alves que nos lembra um entendimento-chave dessas relações:

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A questão social é simplificada e reduzida à questão de pobreza, entendida como característica insuperável da sociedade, tratada como problema de déficit educativo, incapacidade racional ou de “ordem moral, como se a pobreza fosse reproduzida pela incapacidade dos próprios pobres para superar essa condição. Logo, o enfrentamento das expressões da ‘questão social’, dá-se de forma funcional, psicologizante e individualista, autonomizando-as de sua raiz estrutural: a relação contraditória entre capital e trabalho (ALVES, 2012, p. 34-35).

Para Elizabeth Mota, estudiosa das políticas sociais no Brasil, após os anos 2000 não foi ao acaso que o governo Lula conseguiu realizar grandes reformas em campos estratégicos, sem, contudo, perder certo apoio popular. Para a autora, o período de governo do presidente Lula foi palco de iniciativas aparentemente contraditórias: as diretrizes do receituário liberal (ou neoliberal para algumas análises) e a pauta desenvolvimentista (que surge como potencial apelação contra a crise européia): Nota-se que na primeira etapa de seu mandato foram realizadas as contrarreformas da previdência e da educação, concomitantemente ao aumento das taxas de juros; enquanto no mesmo período era expandida a assistência social, o crédito ao consumidor, os empréstimos populares e os aumentos do salário mínimo. Através da mediação do mercado e do crescimento econômico induzido pelo Estado, o governo atendeu algumas reivindicações das classes subalternas, ao mesmo tempo em que assegurou as exigências das classes dominantes. (MOTA, 2012, p.35)

Na análise da autora, não se trata de específicos benefícios econômicos que o governo conseguiu com essa estratégia, mas de algo mais intenso ainda, ou seja, o consentimento de grande parte da população acerca de estratégias que estão no campo da ideologia e da dominação. Assim, foi criada a impressão de que o enfrentamento da pobreza via políticas compensatórias (como por exemplo, o Bolsa-Família, sem desconsiderar a importância do mesmo) ao contrário de promover uma efetiva inclusão social, integrando os excluídos, na verdade acabam reforçando uma “fratura social” porque longe de promoverem redistribuição de renda, distribuem poucos recursos àqueles que não conseguirão se integrar através de mercado de trabalho (Idem, 2012). Nesse sentido a assistência social vem respondendo, em boa medida, à face da justiça social dentro da concepção ideológica do Estado — concebida pelo veio da focalização na extrema pobreza e expressa na reversão estatística dos índices de pobreza e de desigualdade, principalmente em termos de um complemento à escassez de renda oriunda do trabalho precário e, em certa medida, acaba se mostrando funcional a uma conjuntura mais macro economicamente.

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Segundo as análises de Silva, o incremento desses programas à fatia do crescimento econômico brasileiro que escapa da apropriação do capital internacional e engrossa o PIB nacional não é pequeno, posto que são seus beneficiários quem consomem os produtos nacionais e quem movimentam as economias municipais, enquanto as velhas e novas “minorias privilegiadas e miméticas” (Furtado, 1974) continuam investindo no capital financeiro, consumindo importados e transferindo para as grandes empresas transnacionalizadas a riqueza nacional, pela via desse consumo, pela concessão do direito de exploração espoliativa de nossos recursos naturais, dentre os quais a força de trabalho e, ainda, pela via da mercantilização dos direitos do trabalho, como Previdência, Saúde e Educação. (SILVA, 2013, p. 100)

Ainda, a autora considera em sua forma de argumentar, que muitos trabalhadores que não conseguem obter renda suficiente para o seu sustento e o de suas famílias, podem recorrer aos programas sociais cujos repasses os reintegram ao consumo, tanto em benefício de atender aos limites mínimos de sua reprodução humana, em nome de uma justiça social compensatória, quanto em benefício da “circularidade econômica” e da especulação financeira do capital sobre o fundo público, em proveito de sua expansão, sob o argumento do crescimento econômico e do desenvolvimento (aparentemente) nacional.

5. CONCLUSÃO Pelos

argumentos

trabalhados

na

presente

reflexão,

notamos

que

a

ideia

de

desenvolvimento deve compreender mais que só a noção de crescimento econômico; para além da dimensão da produção econômica, aspectos culturais, sociais e humanos precisam ser considerados quando se pretende analisa condições mais equânimes e justas socialmente. Percebemos que não existe um consenso sobre qual seria o caminho mais eficaz a ser tomado em relação a uma maior justiça e equidade social, pois decerto, não haveria receitas ou padrões para tal, todavia, como direção apontada, acredita-se que as decisões tomadas em âmbito governamental influenciam direta e concretamente a vida da população mais vulnerável através de políticas e serviços públicos. Ao levantarmos determinados pontos da história que influenciaram decisivamente o desenvolvimento nacional e o desenho que o tratamento aos problemas enfrentados pelo país foi sendo estabelecido, é possível perceber que determinada política pode representar tanto uma ação necessária a problemas pontuais, como também pode se constituir como instrumento ideológico de determinado governo a interesses mais particulares. Nessa direção, a ideia de

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inclusão social se constitui como um campo de embates políticos e ideológicos que não foi intenção do presente trabalho resolver, mas certo que ao identificar reflexos dele, se é possível aproximar-se da realidade de forma mais crítica e segura. Como resposta política, “incluir” socialmente uma parcela significativa de trabalhadores que estão fora do mercado de trabalho, na perspectiva analisada, tende a responder pontualmente um problema que na verdade é estrutural, apelando fortemente para a responsabilização individual baseada nas capacidades de cada um em criar alternativas para a falta de emprego. Tem-se a ideia de que com certos recursos, o trabalhador torna-se “cidadão” quando tem acesso ao mercado de consumo – é consumindo que a pessoa torna-se incluída, inserida. Identificar mecanismos concretos para promover a participação social contribuindo para a consolidação democrática, garantir postos de trabalhos protegidos, capacitação profissional, políticas sociais mais amplas, traduziria ações direcionadas para o desenvolvimento humano e social de maneira sustentável. Essa construção transita no campo dos governos e da sociedade civil, pois se de um lado paira a necessidade do aumento e da eficácia do investimento público, de outro, as manifestações e lutas sociais indicam as verdadeiras prioridades vivenciadas concretamente. Nessa perspectiva, índices como o IDH, por exemplo, poderiam servir de subsídios para a elaboração de políticas que estivessem voltadas ao fim de erradicar a pobreza e a desigualdade social, contudo, é imprescindível observar sob quais bases teóricas se apóia paradigma como este. Nessa direção, seria ainda propor sob quais conceitos está fundada as discussões de desenvolvimento

econômico,

social

e

humano?

Desenvolvido

em

relação

a

qual

subdesenvolvimento? Inclusão de que população? Diversos fatores transpassam o conceito de desenvolvimento e uma delas é o acesso que as pessoas têm aos espaços públicos de decisões coletivas, acesso a informação, liberdade, segurança e condições dignas de vida. Com tais garantias, todos poderiam estar “situados” dentro de taxas satisfatórias de desenvolvimento e inclusão.

REFERÊNCIAS ALVES, Adriana Amaral Ferreira. Assistência Social: história, análise crítica e avaliação. Curitiba: Juruá, 2012. BARBOSA, Agnaldo de Sousa. Revisando a Literatura sobre o Empresariado Industrial Brasileiro: dilemas e controvérsias. Caderno CRH, Salvador, vol. 26, nº 68, p. 391-406, Maio/Agosto, 2013.

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FORMAÇÃO PROFISSIONAL NO SERVIÇO SOCIAL: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E PRESENTES DESAFIOS

Elaine Cristina Narciso

RESUMO: A formação profissional em Serviço Social, hoje, enfrenta múltiplos desafios relacionados tanto às questões de ordem estruturais como às demandas que se criam no interior da própria profissão e que dizem respeito ao desenvolvimento crítico da mesma. O presente artigo, com base em literatura importante para a profissão, procura realizar uma reflexão que contemple estas questões e aponte perspectivas inseridas no processo de formação profissional do Serviço Social. Palavras-Chave: Serviço Social; Formação Profissional.

PROFESSIONAL FORMATION IN SOCIAL WORK: HISTORICAL CONTEXTUALIZATION AND PRESENT CHALLENGES ABSTRACT: Currently, professional formation in Social Work faces multiple challenges related to both issues of structural order, as the demands that are created within the profession itself and which relate to the critical development of the same. This article, based on important literature for the profession, conducts a reflection that addresses these issues and point prospects inserted into process of the formation of social work. Keywords: Social Work; Professional formation.

1.

BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA Compreender as exigências postas à profissão hoje, passa por analisar, ainda que de

forma breve, as profundas alterações do mundo do trabalho e a reforma do Estado advindas da

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crise do capitalismo nos anos de 1970, porque foram estas mudanças que formularam as novas configurações da sociedade e, portanto, instituíram novas exigências a formação profissional no sentido desta responder a este contexto ora reforçando o instituído, ora forcejando formas de efetivar os direitos sociais conquistados. Portanto, realizar uma contextualização histórica, nos dá a garantia de continuar perseguindo o objetivo de alcançar por meio de nossas análises, a perspectiva da totalidade, através do desvendamento de mediações que apontem a articulação entre a história e as possibilidades e limites inscritos em cada contexto histórico. Assim, seguir-se-á uma breve exposição acerca dos fundamentos históricos do Serviço Social. A partir dos anos de 1930, o Brasil passa por um intenso processo de industrialização, fenômeno que teve como uma de suas consequências o agravamento da questão social. O governo ditatorial de Getúlio Vargas buscava através de sua característica política populista garantir o consenso social necessário para que o desenvolvimento social se mantivesse intacto e assim legitimar o status quo vigente. Segundo Netto (1996), o Serviço Social, surge, portanto, como resposta conservadora do Estado e: Emergindo como profissão a partir do background acumulado na organização da filantropia própria à sociedade burguesa, o Serviço Social desborda o acervo das suas protoformas ao se desenvolver como um produto típico da divisão social (e técnica) do trabalho da ordem monopólica. Originalmente parametrado e dinamizado pelo pensamento conservador, adequou-se ao tratamento dos problemas sociais quer tomados nas suas refrações individualizadas (donde a funcionalidade da psicologização das relações sociais), quer tomados como sequelas inevitáveis do ‘progresso’ (donde a funcionalidade da perspectiva ‘pública’ da intervenção) - e desenvolveu-se legitimando-se precisamente como interveniente prático-empírico e organizador simbólico no âmbito das políticas sociais. (NETTO, 1996, p. 18)

É neste cenário, inserido num espaço político que busca primordialmente o consenso social como medida para atender aos interesses da burguesia que tentava desarticular a classe operária, imolado pelas relações trabalho-capital que surge o Serviço Social no Brasil, sendo diretamente vinculado à Igreja e fundamentado na Doutrina Social da Igreja, como extensão da Ação Católica, vinculado a um projeto de re-cristianização da sociedade. Registra Silva (2008), que: São inegáveis os vínculos conservadores da profissão desde a sua origem, marcada pelo capitalismo na era dos monopólios e pela agudização da questão social reconhecida, no caso brasileiro, pelo modelo urbano-industrial, claramente assumido no primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945) e pela tendência crescente da Igreja Católica - nessa mesma época - em ‘recristianizar’ a sociedade apoiando-se na modernização das ações leigas. (SILVA, 2008, p. 2)

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Em síntese, a formação profissional do assistente social neste período, era influenciada pelo modelo Franco-Belga, centrada em uma perspectiva conservadora limitada a questões morais e pessoais do indivíduo, tendo como base os princípios neo-tomistas. Situando-se no processo de reprodução das relações sociais, sendo visto como medida auxiliar e subsidiária no exercício do controle social e meio organizado e institucionalizado de difusão da ideologia dominante entre a classe operária, já que esta apresentava um crescimento acelerado e ameaçador. Seguindo a proposta de ampliar a formação técnica especializada para a difusão da doutrina social da Igreja, em 1936 é criada a primeira escola de Serviço Social do Brasil em São Paulo. A hegemonia do pensamento europeu foi por conta de mudanças macro políticas advindas da reorganização mundial no pós-guerra, gradativamente sendo substituída a partir de 1945 pela influência norte-americana. Neste momento, ainda sob a influência da Igreja Católica, o Serviço Social importou os métodos de “Caso, Grupo e Comunidade”, na tentativa de estabelecerem-se metodologias e procedimentos mais precisos para os fins colocados. No entanto, a partir de 1960, década de efervescência social e política no território latinoamericano numa conjuntura política e econômica marcada pelo aprofundamento das questões sociais, inicia-se no Brasil e na América Latina o desenvolvimento de uma perspectiva de questionamentos críticos ao Serviço Social chamado “tradicional”. É diante desse processo de revisão do posicionamento do Serviço Social frente à sociedade, tendo como pano de fundo os questionamentos críticos postos pela própria sociedade e por meio da organização da sociedade civil, dos movimentos sociais, dentre outros, que a categoria profissional foi impulsionada ao movimento de Reconceituação, que colocava em xeque a direção social da profissão (ainda não formulada nestes termos) o que passava pelo questionamento acerca da metodologia, objetivos e conteúdo da formação profissional. Mas, foi a partir da ditadura militar que o desenvolvimento e avanço dessa vertente crítica dentro do Serviço Social sofreram considerável impacto, se estagnado, haja vista o clima repressor e altamente punitivo que se institui no decorrer deste período, marcado por perseguições políticas àqueles que de alguma forma ousavam criticar o sistema ditatorial. O que se seguiu então foi a execução de um debate profissional centrado numa visão cientificista e

tecnicista

das

questões

teórico-metodológicas

numa

clara

adesão

ao

projeto

desenvolvimentista, proposta esta conhecida como a vertente Modernizadora, podendo ser entendida como:

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um esforço no sentido de adequar o Serviço Social, enquanto instrumento de intervenção inserido no arsenal de técnicas sociais a ser operacionalizado no marco de estratégias de desenvolvimento capitalista, as exigências postas pelos processos sócio-políticos emergentes no pós-64. (NETTO, 1996, p. 154)

É somente a partir da década de 1970 que alguns segmentos da profissão retomam o debate a cerca da dimensão política da profissão, apontando para o rompimento da suposta neutralidade da profissão e estabelecendo a necessidade de um posicionamento político. Aqui, observa-se então a aproximação da teoria social de Marx. O aprofundamento dessa ordem societária (necessariamente contraditória), marcada pela modernização conservadora do país ao longo das décadas de 40, 50, 60 e 70 do século XX, impôs à profissão uma revisão do ‘Serviço Social tradicional’, manifestada no chamado ‘processo de reconceituação’, que, com todos os seus limites, teve o mérito de recolocar questões centrais para o Serviço Social: a formação profissional (nos seus aspectos teóricos, metodológicos, técnico-instrumental e interventivo), a interlocução com outras áreas do conhecimento, a importância da pesquisa e da produção de conhecimentos no âmbito da profissão, entre outros aspectos. Esse rico contexto permitiu um debate mais intenso sobre as diferentes orientações teóricas na profissão (para além da Doutrina Social da Igreja), desencadeando uma interlocução com matrizes do conhecimento presentes nas Ciências Sociais. (SILVA, 2008, p. 2-3)

É a partir deste período que a discussão a cerca da formação profissional passa a ser objeto de amplo debate no interior da profissão, já que era a formação profissional que atenderia a necessidade dos novos pressupostos colocados em questão. Assim, iniciou-se nacionalmente um amplo debate coordenado pela Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social - ABESS (hoje Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social - ABEPSS) que culminou no currículo mínimo de 1979, associado ao avanço do primeiro doutorado em Serviço Social na Pontifícia Universidade Católica - PUC de São Paulo em 1981. A ruptura com a herança conservadora expressa-se como uma procura, uma luta por alcançar novas bases de legitimidade da ação profissional do Assistente Social, que, reconhecendo as contradições sociais presentes nas condições do exercício profissional, busca-se colocar-se, objetivamente a serviço dos interesses dos usuários, Isto é, dos setores dominados da sociedade. (IAMAMOTO, 1996, p.37)

No entanto, a partir dos anos de 1980, com a minimização do papel do Estado, há o acirramento da desigualdade social e é posto na ordem do dia a necessidade de se redefinir o projeto de formação da profissão, observando as novas demandas colocadas pela nova configuração social, sendo este cenário observável nos dias de hoje.

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Nesse contexto onde o capitalismo “busca saídas para seus próprios limites”, segundo Koike (2009), refletir sobre o processo educativo e formativo dos Assistentes Sociais requer uma avaliação cuidadosa desse estágio do capitalismo, do significado da profissão na divisão sócio técnica do trabalho, de seus vínculos com a realidade concreta e com a opção política que os sujeitos da profissão imprimem ao projeto profissional e societário. Na década de 1980 inicia-se um ataque brutal sobre os Estados de capitalismo periférico, efetivado por um amplo processo de ajuste e reformas que rebatem pontual e negativamente nas políticas sociais, o que se estende, evidentemente, às políticas públicas de educação, afetando também a formulação educacional das instituições públicas e privadas de ensino. Segundo Bering (2003), o contexto do neoliberalismo no Brasil e no mundo, por meio de sua natureza regressiva, promove a desregulamentação de direitos e o corte dos gastos públicos na área social, objetivo este gerido por organismos transnacionais como o Banco Mundial, fundo Monetário Internacional, Organização Mundial do comércio e Banco Interamericano do Desenvolvimento – BIRD, que se constituem em, instituições oficiais, semi-oficiais ou privadas encarregadas de conduzir a política de controle global das finanças, da educação, da pesquisa científica, da inovação tecnológica, dos meios de comunicação em massa, do emprego extra-nacional, das políticas, das forças armadas e mesmo dos governos. (FERNANDES, 2002, p. 24)

Segundo Antunes (1999) o mundo do trabalho, por conta da reestruturação do capitalismo, é acometido pela desregulamentação das formas de trabalho, reduzindo o trabalho estável, promovendo sua terceirização e precarização através de subcontratos. Podendo ser observado o aumento do trabalho feminino em condições de superexploração (HIRATA, 2007), exclusão de jovens e pessoas com mais de quarenta anos. Para atender a estas transformações, no intuito de sustentar este modo de produção, é necessário imprimir novos perfis sócio-profissionais. Para atender esta necessidade, Vasconcelos (2000) aponta o surgimento de conceitos como “capital humano”, “capital individual”, que priorizam formas individuais de obtenção de qualificação e competência profissional para o êxito social, deslocando a oportunidade de trabalho para a competência individual, responsabilizando o indivíduo pelo sucesso ou fracasso de sua trajetória profissional. As transformações societárias advindas deste processo que teve sua “agudização” nos anos de 1990 suscitam de forma geral, segundo Oliveira (2003), “novas exigências a prática profissional, aos processos de formação e aos sujeitos da profissão”, o que evidentemente atravessa o Serviço Social como um todo e coloca a formação profissional nos limites do campo da resistência e, portanto, no enfrentamento deste contexto, ou, por outro lado, como já ! Revista!Iluminart!|!Ano!VI!|!nº!11!|!ISSN!1984!:!8625!|!Março/2014!|!!143!


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observado na história do Serviço Social, no espaço de uma resposta eficaz e utilitarista para manutenção desta ordem.

2. FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL No Brasil, a atual configuração pedagógica da formação profissional é dada pela Constituição de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 93093 de 20/12/1996). O processo de adequação do sistema educacional às necessidades de resposta ao capital e sua crise contemporânea se desenrola na contrareforma do Estado no Brasil na década de 1990. Dentro de um “amplo processo regressivo as políticas sociais públicas, são entregues aos negócios privados” (BERING, 2003), e a educação superior aparece como um dos mercados mais promissores ao lucro. Quanto a Universidade Pública, como parte desta estratégia, é alocaca no espaço da esfera mercantil, como por exemplo, a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB) em 2005, instituindo o ensino a distância (EaD). A lógica que atravessa esta concepção é de que o mercado democratiza o acesso e a tecnologia, por meio do Ensino a Distância assegurando a inserção social, num claro processo de mercantilização da educação. Na mesma esteira, também podemos apontar o Programa de Reestruturação das Universidades Federais – REUNI de 2007, que objetiva primordialmente o aumento indiscriminado no número de vagas ofertados nas Universidades Federais, numa perspectiva de otimização dos recursos já existentes, sem levar em consideração o contexto de descaso crônico público, precarização e crise institucional que a Universidade Pública já enfrenta. Seguindo a mesma lógica de ampliação do ensino superior a todo custo, ocorre a expansão do ensino superior em condições de infraestrutura precária, quadros docentes e técnico-administrativos insuficientes, ausência de políticas de assistência estudantil e plano de qualificação docente. Como fato concreto que expressa esta precarização podemos apontar a greve das Universidades Federais no ano de 2012, que contou com adesão num nível nacional e que teve como principal reivindicação a melhoria das condições de trabalho; melhoria na estrutura física, que não comporta minimamente a demanda atual e reposição salarial dos servidores que há anos estão com salários gravemente defasados. Koike (2009) aponta que a expansão prevista ameaça ainda mais a qualidade de formação e da produção do conhecimento com a efetivação de um “aulismo” em oposição à construção radical do conhecimento, transformando as Universidades Federais em “escolões pós-médios”, onde estas se transformam em emissoras de certificados de mérito duvidoso.

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A idéia de que a “democratização” da educação passa pelo investimento do setor privado em detrimento do investimento público, rebate num crescimento de instituições privadas representando um claro projeto educacional que privilegia os interesses econômicos de determinada classe social. A maioria das entidades privadas tem se pautado na criação de cursos que envolvem pouco risco econômico, como administração, pedagogia, direito, serviço social, em detrimento de cursos mais caros, em relação a sua manutenção como medicina e odontologia, além de atividades mais complexas como pesquisa, pós-graduação e extensão. No entanto, a formação profissional dos Assistentes Sociais, pensada a partir deste contexto, assume perspectivas distintas e colidentes com as concepções hegemônicas de educação referidas acima. O projeto pedagógico que a profissão vem construindo, cuja marca é o Currículo/82 seguido das atuais Diretrizes Curriculares, vincula-se a concepção de Educação e de sociedade perseguindo a possibilidade de uma nova forma de sociabilidade, sem exploração de qualquer espécie, supondo com isso a erradicação “de todos os processos de exploração, opressão e alienação,” princípios estes balizadores do Código de Ética do Assistente Social baseados em uma concepção emancipatória que: “não está na origem da profissão e nem se fez de forma espontânea, mas que se deram tecidas nas lutas sociais que subsidiaram as condições sócio-políticas que possibilitaram aos assistentes sociais estruturar seu projeto profissional”. (IAMAMOTO, 1992, p. 31) É no contexto de contrarreforma nos anos de 1990 que se consolida este projeto, encabeçado e sob a coordenação de suas entidades representativas – CEFESS, CRESS, ABESS, ENESSO – que realiza amplo debate crítico junto categoria, sobre as alterações do mundo do trabalho, da questão social e do Estado, onde a categoria inicia um amplo debate crítico. Assim, a reformulação do Código de Ética, somado a Lei Orgânica da Assistência Social e a Lei n° 8.662/93 que regulamenta e estabelece as atribuições e competências privativas da profissão, conformam o projeto societário que atravessa o projeto profissional. Também, com a elaboração do novo Currículo Mínimo (1996) que formaliza a reforma educacional em curso (sob a nomenclatura de Diretrizes Curriculares) tem-se um componente das bases dos projetos pedagógicos orientados pelo imperativo da afirmação do projeto profissional, através da afirmação de uma formação profissional com flexibilidade e rigor teórico. As diretrizes estão articuladas por núcleos, os quais se desdobram em matérias e estas em disciplinas e demais componentes curriculares, sendo contempladas as dimensões investigativas e interventivas, onde o pluralismo é considerado uma prática do debate ! Revista!Iluminart!|!Ano!VI!|!nº!11!|!ISSN!1984!:!8625!|!Março/2014!|!!145!


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acadêmico e de disputa de projetos societários. É a interdisciplinaridade e indissocialidade entre ensino, pesquisa e extensão (que possibilita maior convivência acadêmica entre os sujeitos envolvidos – professores, alunos e comunidade) que se busca garantir uma perspectiva de amplitude a aprofundamento da relação entre teoria e prática. O estágio aqui é considerado momento privilegiado da construção da identidade profissional e a ética, o elemento transversal que perpassa todo o desdobramento curricular. Segundo Koike (2009), esta concepção pedagógica proporciona referencial teóricoprático que fomentam a compreensão do movimento da reprodução social para além da questão social, assentando a dinâmica do ensino-aprendizado na dinâmica da vida social, dando materialidade à teoria. No entanto, a existência de limites e problemas postos a esta propostas apresentam-se como desafios concretos hoje. Questões como a instrumentalização, trabalho e Serviço Social, pesquisa metodológica, estágio supervisionado, relação prática e teoria, avanço na discussão do pluralismo e do adensamento teórico, colocam-se como fonte de recorrentes debates que apontam para a necessidade de se debruçar de forma mais sistemática sobre estes aspectos a fim de elucidar algumas categorias destes, o que indica que o projeto profissional está em permanente construção. Faz-se necessário apontar a ofensiva em que este projeto de formação vem sendo submetido, que extrapola os limites internos do Serviço Social e que coloca em xeque o próprio projeto profissional. O esvaziamento das Diretrizes Curriculares por parte do Ministério da Educação (BOSCHETTI, 2004) ao suprimir os princípios e conteúdos das matérias (precisamente o norte do projeto) e retirar o conteúdo sobre a questão social entendida como fruto da contradição entre capital e trabalho, deixou as unidades de ensino sem referência, ficando a mercê das mesmas, a apreensão da direção e da lógica curricular. No contexto do “empresariamento da educação, isto se traduz em simplificação e aligeiramento do processo formativo” (BOSCHETTI, 2004). Nesse sentido, o desconhecimento das questões vinculadas à apreensão da lógica curricular compromete a execução de formação profissional integral, fragilizando seus aspectos teóricos, pedagógicos e organizativos, visto que, estes componentes devem articular-se com a teoria social crítica, com a pesquisa por meio de estudos avançados no nível da pósgraduação, da aproximação com classe trabalhadora, da interlocução com a dinâmica social deste contexto histórico e com as demandas subjacentes ao trabalho profissional.

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3. CONCLUSÃO Diante desta conjuntura onde profundas mudanças sociais, econômicas, culturais e políticas marcam o tecido da sociedade, o Serviço Social é atravessado como um todo e é chamado a responder às novas demandas emergidas desta dinâmica (OLIVEIRA, 2003). E neste processo, a formação profissional no Serviço social representa um grande desafio destacando-se a necessidade de (re) pensar os novos rumos da educação para o século XXI, com base nas transformações do perfil profissional frente o mercado de trabalho e do perfil docente e discente (OLIVEIRA, 2003), já que, pensar a formação profissional no presente é, ao mesmo tempo, fazer um balanço do debate recente do Serviço Social indicando temas a serem desenvolvidos, pesquisados e estimulados para decifrar as novas demandas que se apresentam ao Serviço Social (IAMAMOTO, 1998, p.169). As mudanças no mundo do trabalho incidem diretamente nas condições e relações do trabalho do assistente social, constituindo-se da terceirização do serviço, da necessidade do profissional polivalente, da subcontratação, do baixo poder salarial, da ampliação de contratos temporários polivalentes originando mudanças no perfil profissional. Considera-se que a formação profissional do Serviço Social tem como referência básica o homem como ser histórico de uma realidade [...] daí a relevância de conhecer o contexto social, a dinâmica das instituições vinculadas à sociedade civil e/ou sociedade política e suas articulações, bem como os conhecimentos e as relações dos distintos extratos da sociedade [...] a formação acadêmica pressupõe: 1) um conhecimento básico enfatizando a ciência do homem e da sociedade; 2) um conhecimento profissional dos fundamentos teóricos do Serviço Social e suas relações com esses sistemas. (ABESS, 1997, p. 96-97).

Segundo Oliveira (2003), hoje, a necessidade é de um profissional que tenha competência para negociar projetos profissionais nos espaços sócio-ocupacionais e assim propor ações que materializem direitos da população usuária. Estes aspectos remontam ao redimensionamento da própria formação profissional, segundo a autora. Para tanto, a formação profissional deve proporcionar um aprendizado que possibilite a construção de um profissional dotado de competência teórico-crítica, alicerçado numa base teórica substantiva que componha suas expressões teórico-práticas com o Serviço Social, resvalado em uma competência técnico-operativa comprometida politicamente com o projeto profissional.

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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ESPECIFICIDADE DA PESQUISA EM PSICANÁLISE

Thalita Lacerda Nobre

RESUMO: O presente artigo busca discutir sobre as características metodológicas da pesquisa em psicanálise. Este campo do saber, fundamentado por Freud, possui um tipo de pesquisa diferente do que se normatiza como pesquisa acadêmica científica. Apesar de poder ser considerada uma forma de pesquisa científica, a pesquisa em psicanálise contém como fator fundamental para sua diferenciação o seu objeto de estudo: o inconsciente. Sendo assim, parte-se da premissa de que a subjetividade e singularidade da constituição psíquica dos sujeitos devem ser levadas em conta. Para Freud, o trabalho do psicanalista pode ser comparável à atividade do químico, isto é, pautado na transformação de elementos. Sendo assim, este artigo apresenta o raciocínio de que o objetivo da investigação em psicanálise é a construção e a transformação. Como exemplo desta concepção, é apresentado brevemente, como objeto de estudo deste trabalho, alguns dados biográficos sobre a estilista Coco Chanel, que operou transformações por meio da criação de roupas. Palavras-chave: Psicanálise – Metodologia – Interpretação – Inconsciente

SOME CONSIDERATIONS ABOUT THE SPECIFICITY OF RESEARCH IN PSYCHOANALYSIS ABSTRACT: This article aims to discuss the methodological characteristics of research in psychoanalysis. This field of knowledge, founded by Freud has a different type of research different from what is standardized as academic scientific research. Although it can be considered a form of scientific research, research in psychoanalysis contains as essential factor for its differentiation its object of study: the unconsciousness. Thus, we start from the premise that subjectivity and uniqueness of the psychic constitution of the subject should be taken into account. According to Freud, the psychoanalyst's work could be comparable to the chemist activity, based on the transformation of elements. Thus, this paper presents the argument that the goal of research in psychoanalysis is the construction and the transformation. As an example of this

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THALITA LACERDA NOBRE

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concept, this work presents some biographical information about the stylist Coco Chanel, who operated transformations by creating clothes. Keywords: Psychoanalysis - Methodology - Interpretation - Unconsciousness

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ESPECIFICIDADE DA PESQUISA EM PSICANÁLISE Colombo não queria chegar à Ursa Menor, mas às Índias – e, como muitas vezes acontece na análise, chegou à América “1

Este artigo é resultado de minhas investigações acerca da pesquisa em psicanálise e a possibilidade ampla que este campo do saber abre ao estudioso. Durante o percurso como pesquisadora no mestrado, debrucei-me sobre estudo psicanalítico de uma obra literária, neste caso, Madame Bovary, de Gustave Flaubert, que me convidou à escuta, ao sentimento e ao pensamento do quão amplo pode ser o olhar que a psicanálise nos convida a lançar. Em continuação à tarefa de pesquisa, como estudante de doutorado, parti de algumas questões que nasceram na prática clínica e realizei um trabalho utilizando uma biografia. Neste caso, a estilista Coco Chanel, por meio dos dados levantados pelos biógrafos, ascendeu-me à tarefa investigativa. Neste sentido, uma questão essencial que a mim se coloca é sobre quais seriam os alcances da pesquisa em psicanálise? E ainda, há uma ou várias características que sugerem esta especificidade neste tipo de pesquisa? São essas questões que me levaram a elaborar este artigo. A fim de pensar sobre elas, inicio partindo da premissa de que é possível considerar que a Psicanálise também possui como característica de diferenciação de outras ciências, o seu método de investigação e pesquisa. Isto porque, comumente, vemos psicanalistas analisando obras de arte como pinturas, músicas, esculturas, biografias, filmes e outras produções humanas que fazem parte das mais variadas culturas.

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Metáfora utilizada por Renato Mezan para explicar o percurso do psicanalista diante da investigação em Psicanálise. Disponível em: MEZAN, R. Que significa ‘pesquisa’ em psicanálise? In: LINO DA SILVA, Maria Emilia (coord.). Investigação e psicanálise. Campinas: Papirus, 1993, p. 58

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Este interesse dos psicanalistas não está em inconformidade com o objeto de estudo da psicanálise proposta por Freud, desde o início do percurso de suas formulações teóricas que estruturaram esse campo do saber humano, porém acredito ser interessante levantar alguns pontos, isto é, direcionarmos nosso olhar, mais detidamente, sobre o que constitui esse método de investigação em sua singularidade. Digo singularidade porque, segundo Violante (2000, p. 109) interpreta a obra freudiana, “a psicanálise é, a um só tempo, uma teoria sobre o psiquismo, um método de investigação do inconsciente e uma técnica terapêutica.” Assim, é possível destacar o ser e o fazer psicanalíticos das outras ciências, principalmente por causa de sua especificidade e pode-se afirmar, seguramente, que a amplitude da psicanálise permite que a investigação não se restrinja somente à situação analítica. Alguns exemplos desta não restrição, ou contrariamente, desta ampliação do conhecimento podem ser observados em Freud, que ao construir a teoria psicanalítica, teve como objetivo tornar acessível uma psicologia para leigos. Seus textos analíticos como o caso Schreber, Leonardo da Vinci, o pequeno Hans, entre outros, podem ser bons exemplos de casos clínicos que se apresentam além da situação analítica. Freud também procurou ampliar a psicanálise a outras produções humanas, com isso, analisou os impactos que a escultura de Moisés, de Michelangelo causava nele. Estudou também o romance de Jensen, a Gradiva, entre outras obras artísticas que permitiram ao mestre compreender um pouco mais a respeito da psique humana e a relação entre autor, obra e espectador. Porém, para compreendermos o trabalho de Freud e a amplitude da psicanálise é preciso reconhecer que, conforme o mestre define em Linhas de progresso na terapia psicanalítica (1919[1918], p. 173), “chamamos de psicanálise o processo pelo qual trazemos o material mental reprimido para a consciência do paciente”. Sendo assim, o trabalho da psicanálise reside em trazer à consciência um material antes inacessível. Sobre isso, Laplanche (1998, p. 6) entende que: “a psicanálise [...] é uma ciência na acepção mais ampla ou, pelo menos, visa constantemente ser uma ciência; isso, precisamente, na medida em que visa formular verdades acerca de um objeto, que é o inconsciente.” Desta forma, entende-se que o objetivo da psicanálise é o de buscar trazer o material inconsciente para o consciente a fim de que se possam operar transformações para o sujeito.

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O OURO E O COBRE Freud complementa ainda, em seu trabalho de 1919, que a tarefa da análise é análoga à atividade realizada pelos químicos. Em seus laboratórios, estes profissionais dividem ou separam substâncias que podem se ligar ou não a outras substâncias. Ao passo que o psicanalista realiza um trabalho de divisão e separação dos sintomas e das manifestações patológicas do paciente a fim de compreender sua complexa natureza. Freud (1919[1918], p. 173-4) postula, ainda, que o que compõe estes sintomas e manifestações patológicas “[...] são, no fundo, motivos, impulsos instintuais. O paciente, contudo, nada sabe a respeito desses motivos elementares, ou não os conhece com intimidade suficiente.” Deste modo, para Freud (1919[1918], p. 175), a tarefa do psicanalista seria a de mostrar ao paciente estes elementos que estão sendo divididos ou separados a fim de serem analisados e transformados em outros elementos, pois segundo o mestre aponta, “sempre que conseguimos analisar um sintoma em seus elementos, liberar um impulso instintual de um vínculo, esse impulso não permanece em isolamento, mas entra imediatamente numa nova ligação.” A meu ver, esta é a tarefa do psicanalista, possibilitar que – por meio da análise dos elementos – o psiquismo do sujeito possa realizar novas ligações a fim de minimizar-lhe o sofrimento. Ainda em Linhas de progresso na terapia psicanalítica (1919[1918], p. 181), Freud propõe que a teoria pode e deve ser utilizada na clínica e, servindo-se também de uma analogia com a química, escreve que a aplicação da teoria à clínica pode forçar a “[...] fundir o ouro puro da análise livre com o cobre da sugestão direta [...]”. Birman, em Psicanálise, ciência e cultura (1994, p. 14), discute esta correlação proposta por Freud e o entendimento de que haveria uma psicanálise “pura” – como o ouro – e uma modalidade – correspondente ao cobre – dita “aplicada” de análise. A este respeito, o autor inicia a discussão propondo, inicialmente, que “poder-se-ia até mesmo dizer que, mesmo sendo uma das aplicações da ‘pura’ teoria, a clínica seria indubitavelmente a sua aplicação mais importante.” Neste sentido, este psicanalista levanta a hipótese de que a clínica estaria subsidiada à teoria, sendo esta o cobre, elemento impuro diante da teoria representada pelo ouro, um elemento puro. Ao aprofundar um pouco mais esta discussão, Birman (1994, p. 14) propõe a ideia de que a clínica poderia ser o lugar onde se representa a psicanálise em estado puro e, sendo assim: “[...] a teoria não seria hierarquicamente inferior à clínica analítica, nem tampouco a aplicação da experiência psicanalítica, mas seu correlato e contraponto, na medida em que encontraria na clínica o seu lugar possível na perspectiva epistemológica.” Deste modo, a clínica seria o lugar onde se poderia “aplicar” a teoria, um lugar de produção epistemológica onde a teoria poderia encontrar solo fértil para se desenvolver, a partir da experiência psicanalítica.

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A respeito da utilização da teoria na prática psicanalítica, Mezan (1993, p. 58) entende que: “na situação analítica, a teoria funciona como a estrela polar para o navegante: fornece coordenadas para o percurso, permite alguma ideia do rumo a tomar, mas não é o alvo que se quer atingir.” Isto significa que, como norteador, a teoria na situação analítica tem o objetivo de iluminar a busca pelo conhecimento empreendida pelo analista nesta experiência e não a de ser um fim em si mesma. Mezan (1993, p. 57-8) complementa ainda que este norteador possibilitado pela teoria não é a intuição, mas algumas peças fundamentais que permitem a criação de hipóteses sobre o funcionamento psíquico como a metapsicologia e sobre a natureza do processo terapêutico, como as noções sobre a transferência e a resistência. No que tange à transferência, Birman (1994, p. 15) entende a partir de Freud – em sua analogia com o ouro puro e o cobre como resíduo impuro – que a teoria “[...] centrada na transferência teria eficácia clínica.” Assim, o autor compreende que o que torna eficaz este resíduo impuro do ouro é a transferência, porém é necessário o entendimento de como se dá a experiência psicanalítica e qual a metodologia necessária para se extrair bons conteúdos do ouro, já que esta extração deve seguir alguns pressupostos, os pressupostos teóricos que tornam a psicanálise uma ciência distinta dos campos da filosofia e da psicologia.

A PSICANÁLISE COMO CIÊNCIA Conforme explicitado anteriormente, a psicanálise contém uma especificidade de processamento e transformação muito comparável ao trabalho do químico. Neste sentido, pode-se dizer que o método de extração do ouro na experiência psicanalítica exigirá alguns métodos. Porém, para nos debruçarmos sobre esta metodologia, é interessante observar que, com relação ao entendimento da psicanálise como ciência, Mezan (1993, p. 63) escreve: [...] acredito ser possível dizer que a psicanálise apresenta algumas características que a aparentam a uma ciência, tais como a cumulatividade e a comunicabilidade dos conhecimentos, embora por outros aspectos – especialmente o do fazer psicanalítico, o da prática terapêutica – ela se aparenta às artes e à ourivesaria.

Assim, é possível compreender que a teoria psicanalítica contém em si as características de cumulatividade e comunicabilidade entre os diversos conhecimentos que lhe permitem aproximarse e ser reconhecida como ciência, porém, carrega consigo algumas características comparáveis às artes, que se utilizam da criatividade, da técnica e do esforço do artista.

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Birman (1994, p. 17) também entende que a psicanálise se aproxima da ciência e diverge do método filosófico, pois conforme seu entendimento: [...] a filosofia se define como um trabalho teórico centrado na ‘especulação’, que, mesmo quando realizado de forma rigorosa, é desvinculado das exigências de elaboração dos dados empíricos. Em contraposição, a ciência estaria estreitamente vinculada à empiria, tendo, portanto, um campo de referência bem circunscrito e restrito.

E, a partir dessa vinculação à empiria é que os conceitos psicanalíticos foram postulados e puderam sofrer modificações conforme o percurso do desenvolvimento de estruturação da teoria postulada por Freud. Sendo assim, conforme Birman (1994, p. 17) considera, as construções teóricas freudianas afirmam que “[...] o fundamento da ciência é a ‘observação’ e não a construção dos conceitos para a elaboração da ‘teoria especulativa’.” Eis então, a diferenciação fundamental entre a psicanálise e a filosofia, enquanto o primeiro saber está fundamentado na observação e na interpretação daquilo que se observa, a filosofia se encontra marcada pelo exercício de especulação. Assim como a psicanálise é divergente da filosofia, também não pode ser entendida como uma área da psicologia, já que estes saberes têm objetivos distintos. Conforme Birman (1994, p. 19) escreve a psicologia “[...] pretende realizar o estudo da consciência e a psicanálise se funda na pesquisa do inconsciente.” Sendo assim, a psicologia se propõe a entender os aspectos conscientes e a psicanálise, a realizar a investigação do seu objeto de estudo: o inconsciente, trazendo os conteúdos para o consciente. Deste modo, a psicanálise “[...] pretende ser uma analítica do sujeito2, centrada na palavra e na escuta, baseando-se para isso na interlocução psicanalítica” (BIRMAN, 1994, p. 19). É por meio da palavra e da escuta, que a psicanálise experienciada na clínica pode operar transformações no sujeito, do mesmo modo que o químico, ao operar ligações entre elementos consegue obter novos compostos ou o escultor, que do barro sem forma, extrai uma obra de arte.

A ATIVIDADE DE TRANSFORMAÇÃO Em termos psicanalíticos, Birman (1994, p. 19) comenta que a psicanálise na clínica pretende transformar a economia libidinal e o funcionamento pulsional do sujeito, deste modo,

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este saber “[...] é inseparável de uma prática de transformação do sujeito, de um ato3 que tenha uma incidência radical em sua economia pulsional.” Este ato a que Birman se refere, pode ser entendido como a atividade interpretativa, que é característica da análise e somente se torna possível a partir da criação de hipóteses por parte do analista. Assim, a interpretação como método que caracteriza a psicanálise, tem uma função essencial na transformação dos conteúdos do analisando. Ainda a respeito do fazer e da transformação operada durante o processo psicanalítico, Viñar, em uma entrevista à editora do Jornal de Psicanálise, explicita sua opinião da seguinte forma: “o que define a psicanálise é a especificidade de seu método de busca, de meter-se no interstício do sabido para questioná-lo” (VIÑAR, 2005, p. 51). Para explicar melhor seu ponto de vista, o psicanalista utiliza uma interessante metáfora de que quando arrumamos uma casa, queremos deixá-la com tudo em ordem, mas sempre fica algum canto por arrumar. É isso o que acontece com relação ao conhecimento, onde há um ponto cego, um buraco, a psicanálise pode vir e obturar com sua palavra original e distinta. Este psicanalista sintetiza seu raciocínio propondo que “esse é o método psicanalítico de perceber o que da construção de um discurso racional, como pretendem a antropologia e a neurociência, o que escapa desse discurso racional e abre outro veio inexplorado”(VIÑAR, 2005, p. 51). Esta ideia de construção explicitada por Viñar remete à postulação freudiana publicada em um de seus últimos ensaios, intitulado Construções em análise (1937, p. 276), onde o mestre compreende que a principal tarefa do analista é “[...] a de completar aquilo que foi esquecido a partir dos traços que deixou atrás de si ou, mais corretamente, construí-lo.” Sendo assim, a psicanálise em seu método, permite que se identifique e se separem os pontos cegos para que se opere a construção. Em outras palavras, a psicanálise pode ser entendida como um saber que se aproxima da ciência, mas tem um método muito próximo ao das artes para buscar operar a transformação necessária dos conteúdos inconscientes que, de alguma forma, podem trazer sofrimento ao sujeito. Birman (1994) contribui sintetizando que o fazer psicanalítico se fundamenta na relação entre aquele que fala e aquele que escuta, sendo a experiência psicanalítica resultante deste encontro. A elaboração teórica desta experiência entre interlocutor e sujeito foi construída por Freud metapsicologicamente e centrada na interpretação. A experiência psicanalítica é ampla e por isso, permite uma multiplicidade de condições para que seja construído o espaço analítico. Nas palavras de Birman (1994, p. 27): 3

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[...] a experiência psicanalítica admite diversas possibilidades de clínica, desde que nesta diversidade sejam reconhecidas as condições epistemológicas e éticas para a construção do espaço psicanalítico, isto é, uma experiência centrada na fala, na escuta e regulada pelo impacto da transferência.

Este psicanalista complementa ainda que esta diversidade de possibilidades clínicas em psicanálise se justifica “[...] não apenas pelas diferentes formas de funcionamento psíquico que se apresentam para a escuta analítica, mas também pela diversidade de espaços em que a experiência psicanalítica é possível” (IDEM, IBIDEM). Assim, como o autor mesmo refere, as condições necessárias para que haja experiência psicanalítica são aquelas em que ficam preservadas as funções de fala e escuta, sendo estas reguladas pelo impacto da transferência. Deste modo, torna-se possível pensar na amplitude de campos possíveis à extensão da psicanálise.

A PSICANÁLISE EM OUTROS CAMPOS A respeito das possibilidades de experiências psicanalíticas além da clínica, o psicanalista André Green (1971, p. 16) entende que uma dessas é obtida por meio do contato com as obras literárias e neste caso, ele indaga: Como age o psicanalista diante de um texto? Procede a uma transformação – na verdade, ele não age assim deliberadamente, pois é a transformação que se impõe a ele – que faz com que ele não leia o texto, mas o ouça. O psicanalista ouve o texto conforme as modalidades específicas da escuta psicanalítica.

Deste modo, é possível compreender que também diante de um texto escrito, a experiência psicanalítica pode ser operada, a transformação pode ocorrer quando o psicanalista pode escutar analiticamente o texto. A respeito destas modalidades especificas de escuta, entendo que estejam relacionadas aos territórios teóricos derivados dos estudos que compuseram a psicanálise a partir de Freud – mas que foram levados adiante por outros teóricos deste campo do saber – que compõem, conforme Mezan (1993, p. 59) destaca uma cartografia característica ao englobar: “[...] uma metapsicologia, uma teoria do desenvolvimento psíquico, uma psicopatologia e uma teoria do processo terapêutico.”

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Violante (2000, p. 117) também entende que a investigação psicanalítica pode ocorrer em diversos contextos além da clínica, porém para que se constitua uma pesquisa no campo da psicanálise “[...] o importante é problematizar o objeto de estudo de tal modo que só a Psicanálise possa dar respostas ou, ao menos, que ela seja imprescindível para a efetivação do estudo.” No que tange à escuta analítica levada a diversos campos, além da clínica, é possível destacar que Freud, sabiamente, realizou este tipo de estudo levando em consideração sempre o impacto da transferência sobre estes campos. Sendo assim, o mestre, a partir de sua autoanálise e da composição teórica da psicanálise se propôs a analisar outras produções humanas que poderiam ser escutadas, além da clínica. As obras de arte são bons exemplos de campos de experiência psicanalítica explorados por Freud. Uma das mais emblemáticas obras de arte analisadas por Freud foi a escultura de Moisés, de Michelangelo. Em um ensaio publicado a respeito desta criação, Freud (1913, p. 217) comenta que: “[...] as obras de arte exercem sobre mim um poderoso efeito [...]. Isto já me levou a passar longo tempo contemplando-as, tentando apreendê-las à minha própria maneira, isto é, explicar a mim mesmo a que se deve seu efeito.” Acredito que Freud, ao explicitar ao leitor que as obras de arte lhe causam impacto, o convoca à contemplação e à tentativa de explicação de seus efeitos, esteja revelando a importância da transferência do artista que, de alguma forma, se liga à transferência daquele que as observa. Este raciocínio se torna mais evidente quando Freud (1913, p. 217-8), neste mesmo ensaio, postula: 4

A meu ver, o que nos prende tão poderosamente [a uma obra de arte] só pode ser a intenção do artista, até onde ele conseguiu expressá-la em sua obra e fazer-nos compreendê-la. Entendo que isso não pode ser simplesmente uma 5 questão de compreensão intelectual ; o que ele visa é despertar em nós a mesma atitude emocional, a mesma constelação mental que nele produziu o ímpeto de criar.

E o acesso à intenção do artista, à força que produziria nele o ímpeto criativo somente seria possível de ser “descoberto” por meio da psicanálise, pelo método interpretativo que, exclusivamente, este saber detém. Ainda voltado à experiência psicanalítica destinada à literatura, Green (1994, p. 17) entende que o psicanalista, ao escutar um texto, lança mão do método de atenção flutuante, onde busca

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Colchetes meus As palavras em itálico correspondem a grifos do próprio autor.

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um fio que: “[...] puxa o texto na direção do seu objetivo, é ele [o fio6] que tem a última palavra e que representa o termo do seu sentido manifesto. Dá ao texto o tratamento que costuma dar ao discurso consciente que encobre o discurso inconsciente.” Deste modo, entendo que Green (1994) atenta para o fato de que a literatura – eu incluiria também as obras de artes, a partir da concepção de Freud – traz em seu discurso uma estrutura idêntica aos sonhos, aos chistes, aos sintomas e aos atos falhos apresentados pelos pacientes na clínica psicanalítica. Isto é, traz aspectos inconscientes do autor. Com relação ao impacto que um escrito literário pode causar no analista e a atividade interpretativa, Green (1994, p. 18) entende que: “a interpretação do texto passa a ser a interpretação que o analista deve fornecer sobre o texto, mas, na verdade, trata-se da sua própria interpretação quanto aos efeitos do texto sobre seu inconsciente.” O escrito convoca a uma construção baseada nas representações daquilo que foi “escutado” deste texto, representações estas obtidas pelo resultado das ligações entre caracteres que o próprio leitor teve acesso. Sobre isso, Green (1994, p. 23) exemplifica: “ ‘a marquesa saiu às 5 horas’. Apesar das mais explicitas indicações do texto, essa marquesa é, e só pode ser a do leitor.” Assim, o texto, as obras de arte e as demais produções humanas trazem um diálogo entre a criação do autor e a criação daquele que sofreu o impacto da obra criativa. É neste sentido que acredito também podermos entender que, em qualquer estudo psicanalítico cujo objeto é uma obra literária ou qualquer outra obra, como por exemplo, a que se constrói uma personagem a partir de dados biográficos, tem-se, de um lado, a composição da personagem pelas representações dos autores biógrafos que conviveram com o sujeito da realidade ou mesmo os que apenas levantaram dados para compor sua figura e do outro, a construção do pesquisador, do psicanalista que compõe o trabalho investigativo. Isso porque, conforme Green (1994, p. 24) – comentando sobre a literatura, mas que, a meu ver, pode ser ampliado para as obras de arte em geral – considera que “(...) todo texto, por mais realista que seja, permanece como um ser de ficção, o que o associa à fantasia.” Tem-se aí, no nível da fantasia, certa cumplicidade entre escritor e leitor que permite que o primeiro crie um protótipo de personagem para que o leitor possa representá-lo. Acredito que este protótipo deva ser criado em todos os trabalhos que se propõem a este tipo de estudo. Como exemplo a esta especificidade de pesquisa, que é dada por esta forma especifica de construção, posso citar meu trabalho de doutorado em que realizei um estudo sobre a estilista francesa Coco Chanel. Nesta situação, ela é apresentada como uma personagem da autora da pesquisa, a partir das outras personagens criadas por outros biógrafos, diretores de 6

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cinema e um autor de romance. Ela é, ao mesmo tempo, uma mulher diferente em cada criação, com algumas características exacerbadas ou minimizadas e também uma mesma mulher, com alguns pontos referentes à sua história de vida, destacados por todos os autores. Compreendo que o que facilitou a construção de diversas personagens em diversos estudos biográficos e também no presente trabalho, foi a multiplicidade de personagens femininos criados por Coco Chanel. Ao longo de sua vida, suas criações de vestuário permitiram que ela compusesse para si e para os outros, diversas mulheres em uma. Chanel pode ser representada como um ícone da dialética de Heráclito de que “não nos banhamos duas vezes no mesmo rio” (HERACLITO, 1999, p. 92), já que ela nos apresenta em sua obra e comportamentos a ideia de que nós podemos ser sujeitos em constante transformação. E acredito que esta possibilidade de transformação, além da possibilidade de adaptação, apresentada por Chanel é o que mais me instiga como sujeito e como psicanalista. Acredito ser esta transformação observada na biografia de Chanel e que também pode ser observada em outros sujeitos, que torna a pesquisa em psicanálise mais rica e multifacetada, já que cada psicanalista, a partir da compreensão teórica e sob a bússola de seu inconsciente, irá sentir-se convocado à investigação. E, conforme posso entender, este caminho investigativo é árduo, porém deslumbrante.

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REFERÊNCIAS BIRMAN, Joel. Psicanálise, ciência e cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. FREUD, Sigmund (1913). O Moisés de Michelangelo. ESB, vol. XIII, 1996. ________ (1919[1918]). Linhas de progresso na terapia psicanalítica. ESB, vol. XVII, 1996. ________ (1937). Construções em análise. ESB, vol. XXIII, Rio de Janeiro: Imago, 1996 GREEN, Andre. O desligamento – Psicanálise, Antropologia e Literatura. Rio de Janeiro: Imago, 1994. HERÁCLITO. Pré- Socráticos: vida e obra. In: Coleção Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. LAPLANCHE, J. Problemáticas I – A angústia. 3ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. MEZAN, R. Que significa ‘pesquisa’ em psicanálise? In: LINO DA SILVA, Maria Emilia (coord.). Investigação e psicanálise. Campinas: Papirus, 1993. VIÑAR, Marcelo. Entrevista com Marcelo Viñar – tornar-se analista. In: Jornal de Psicanálise. São Paulo. 38(69): 39-55, dez. 2005 VIOLANTE, Maria Lucia Vieira. Pesquisa em Psicanálise. In: PACHECO FILHO, Raul Albino et al. (org.). Ciência, pesquisa, representação e realidade em psicanálise. São Paulo: Casa do Psicólogo: EDUC, 2000.

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DETERMINAÇÃO DOS TEORES MINERAIS EM AMOSTRAS MÉIS DE ABELHAS DO ESTADO DO PARÁ

Ronilson Freitas de Souza Kelson do Carmo Freitas Faial João da Silva Carneiro Bruna Almeida da Silva

RESUMO: Este trabalho avalia a composição mineral dos méis de abelhas produzidos em diferentes municípios do Estado do Pará. O conteúdo mineral nas amostras de méis foi determinado por Espectrometria de Emissão Óptica com Plasma acoplado Indutivamente (ICP-OES). Os valores médios obtidos foram (mg/kg): Al (1,5 ± 0,28), Ba (1,18 ± 0,01), Cr (0,40 ± 0,02), Cu (2,6 ± 0,44), Fe (2,33 ± 0,30), Mn (3,52 ± 0,21), Ni (4,47 ± 0,15), Ti (0,48 ± 0,04), Pb (0,88 ± 0,20), K (346,80 ± 20,0), Ca (34,55 ± 1,0), Mg (13,47 ± 1,65), Na (53,55 ± 1,5), Co (2,10 ± 0,23), Sr (0,42 ± 0,06), Zn (2,4 ± 0,16). Os elementos Al, Ca, Fe, K, Mg, Na, Sr, Ti e Zn foram encontrados em todas as amostras. Entretanto, o potássio foi o elemento quantitativamente mais importante, enquanto Ba, Cr, Pb e Sr foram detectados em quantidades traços. Para facilitar a interpretação dos teores dos minerais encontrados, foram utilizadas as técnicas de Análise por Componentes Principais (ACP) e Análise Hierárquica por Agrupamento (AHA). Palavras chave: Minerais; Mel de Abelha; Espectrometria de emissão.

MINERALS LEVELS DETERMINATION IN SAMPLES OF HONEY BEES IN THE STATE OF PARÁ ABSTRACT: The following study evaluates the mineral composition of honey derived from bees and produced in different municipalities in the State of Pará. The mineral content founded in the honey samples was determined by Inductively Coupled Plasma Optical Emission Spectrometry (ICP-OES). The average values obtained were (mg/kg); Al (1.5 ± 0.28), Ba (1.18 ± 0.01), Cr (0.40 ± 0.02), Cu (± 2.6 0.44), Fe (2.33 ± 0.30), Mn (3.52 ± 0.21), Ni (4.47 ± 0.15), Ti (0.48 ± 0.04), Pb (0.88 ± 0.20), K (346.80 ± 20.0), Ca (34.55 ± 1.0), Mg (13.47 ± 1.65), Na (53.55 ± 1 , 5), Co (2.10 ± 0.23), Sr (0.42 ± 0.06), and Zn (0.16 ± 2.4). The elements Al, Ca, Fe, K, Mg, Na, Sr, Ti and Zn

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RONILSON FREITAS DE SOUZA

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were found in all samples. However, potassium was the most important quantitative element present since Ba, Cr, Pb and Sr were only detected in trace quantity amounts. Principal Component Analysis (PCA) and Hierarchic Cluster Analysis (HCA) were used to facilitate the interpretation of the levels of minerals. Keywords: Minerals, Honey, Emission Spectrometry

INTRODUÇÃO O teor de cinzas expressa a riqueza do mel em minerais e constitui um parâmetro bastante utilizado nas determinações que visam verificar sua qualidade. Os sais minerais encontrados no mel podem ser modificados por fatores relativos, ao clima, solo, a flora botânica e manuseio do apicultor (SILVA et al., 2009; SAXENA; GAUTAM; SHARMA, 2010). O conteúdo mineral no mel, também, considerado como um critério de qualidade, é um importante índice para avaliar uma possivel poluição ambiental e indicar a origem botânica dos méis (SILVA et al., 2009; SAXENA; GAUTAM; SHARMA, 2009). Os minerais influenciam diretamente na coloração do mel, de 0,04% m/m para méis claros até 0,6% m/m para os escuros (MENDES, 2003), porém, a legislação nacional (BRASIL, 2000) estabelece um teor de cinzas no mel de no máximo 0,6% m/m. A legislação internacional (CODEX, 2001) não estabelece valores para este parâmetro. No resíduo mineral fixo do mel já foram identificados inúmeros elementos químicos, tais como: K, Na, Ca, Mg, Mn, Ti, Co, Fe, Cu, Li, Ni, Pb, Sn, Os, Ba, Ga, Bi, Ag, Au, Ge, Sr, Be, Va, Zn. No entanto, os metais considerados essenciais à dieta humana (K, Na, Ca, Mg, P e S) podem estar presentes no mel em concentrações tais que podem qualificá-lo como boa fonte nutritiva (BULDINI et al., 2001; MENDES, 2003). Por outro lado, o mel contém metais de transição, alguns indesejáveis como os metais pesados, por sua suposta toxicidade, mesmo em concentrações traços, podem está associada à flora botânica, origem geográfica ou com a poluição ambiental da região (BULDINI et al., 2001;

MENDES, 2003) ou, até mesmo, no processamento e/ou

armazenamento do mel pelo apicultor. A determinação de espécies metálicas no mel de abelha é feita para garantir a qualidade e sua autenticidade como alimento saudável para o consumo, neste sentido, as concentrações dos metais presentes atuam, principalmente, como um indicador ambiental (MENDES, 2003). O Estado do Pará é um dos mais promissores Estados da Região para a produção de diferentes tipos de méis no país, incluindo os méis de abelhas indígenas, as quais apresentam

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forte adaptação nesta região em virtude das condições climáticas, posição geográfica, diferentes solos e diversidade vegetal. Comprovadamente o mel é uma mistura de substâncias naturais orgânicas e inorgânicas elaborado pelas abelhas a partir do néctar das flores e/ou de exsudados produzidos pelas plantas (BRASIL, 2000), os quais são coletados e transformados por meio da evaporação da água e ação de enzimas invertase, diastase e glicoseoxidase, entre outras. Dentro destas etapas ressalta-se o aspecto geográfico e climático que influencia na composição química dos méis, o qual está diretamente relacionado com a origem floral (botânica) e o solo, aspectos de processamento e armazenamento, além de poeiras e diversos agentes ambientais (BARONI et al., 2009; BERTONCELJ et al., 2007; GULER et al., 2007). Por estes fatores a caracterização dos diferentes méis torna-se de grande relevância, uma vez que permitirá a orientação técnica para especificação de padrões de qualidade, e assim, evitar a ocorrência de adulterações e contaminações, além de ajudar a classificar o mel ou discriminá-lo através de marcadores químicos. Diversos trabalhos científicos têm relatado estudos da composição mineral de méis (ERBILIR; ERDOGRUL, 2005; MENDES, 2003; MENDES; BACCAN; CADORE, 2006; SODRÉ et al., 2007) com a finalidade verificar possíveis contaminações por metais pesados e/ou discriminar a origem geográfica, uma vez que a quantidade e a concentração dos metais estão associadas ao solo e flora apícola de cada região. Diante do exposto este trabalho tem como objetivo identificar e quantificar os minerais presentes no mel de abelhas produzidos no Estado do Pará por Espectrometria de Emissão Óptica com Plasma acoplado Indutivamente (ICP OES), visando contribuir para o controle de qualidade e conhecimento químico do mel paraense.

METODOLOGIA AMOSTRAS DE MÉIS O estudo foi realizado com dez amostras de méis de abelha produzidos em diferentes municípios do Estado do Pará, sendo três amostras do município de Moju (M1, M2 e M3; coordenadas geográficas (CG): 1º53'05.78''S e 48º45'52.20''O), três amostras de São Miguel do Guamá (M4, M5 e M6; CG: 1º37'39.75''S e 47º26'28.17''O), uma amostra de Irituia (M7; CG: 1º46'28.19''S e 47º26'28.17''O), uma amostra de Ourém (M8; localização: 1º32'51.81''S e 47º06'39.25''O) e duas de Altamira (M9 e M10; CG: 3º10'18.84''S e 52º15'44.47''O). As amostras de méis M1 a M9 são de Apis mellífera e M10 de Melipona rufiventris.

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PREPARO DAS AMOSTRAS: DIGESTÃO ASSISTIDA POR MICRO-ONDAS FECHADO Uma massa aproximadamente de 1,0 g de mel foi pesada e em seguida adicionado uma mistura de 2,0 mL de HNO3 concentrado e 2,0 mL de H2O2 a 30% v/v (MENDES; BACCAN; CADORE, 2006). A mistura foi submetida ao programa de aquecimento em forno de micro-ondas fechado (marca Cem/Modelo Mars Xpress) nas condições de operação apresentadas na Tabela 1. A solução resultante foi diluída com água deionizada para 25,0 mL em um balão volumétrico antes de ser analisados por ICP OES. Tabela 1: Condições de operação para digestão em forno de micro-ondas fechado Etapas

1

2

3

4

5*

Tempo (min.)

1

2

5

5

20

Potência(W)

248

4

248

400

0

*Ventilação durante 20 min (etapa de resfriamento)

QUANTIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS MINERAIS Os minerais foram analisados por ICP OES (Modelo Vista-MPX CCD simultâneo axial, VARIAN) equipado com um sistema de amostragem automático (SPS-5). As condições de operação e especificações do equipamento estão descritos na Tabela 2. O controle das condições operacionais do ICP OES foi realizado com o software ICP-Expert Vista-Varian. Tabela 2: As especificações e as condições gerais de operação do ICP OES CARACTERÍSTICAS

CONDIÇÕES INSTRUMENTAIS

Radio Frequência do Gerador

40 MHz

Detector

CCD (70908 pixels em arranjos lineares)

Diâmetro Interno do Tubo Central da Tocha

2,3 mm

SISTEMA ÓTICO Policromador

Grade de difração echelle + prisma de Dispersão de CaF2

Densidade da Grade de Difração

95 linhas mm-1

Faixa de Comprimentos de Onda

167 – 785 nm

Distancia Focal

400 nm

Fenda de Entrada

Altura = 0,029 mm; Largura = 0,051 mm

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DETERMINAÇÃO DOS TEORES MINERAIS EM AMOSTRAS MÉIS DE ABELHAS DO ESTADO DO PARÁ

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SISTEMA DE INTRODUÇÃO DE AMOSTRAS Câmara de nebulização

Ciclônica

Nebulizador

Concêntrico

PARAMETROS OPERACIONAIS Potencia Aplicada

1,0 KW

Tempo de Integração do Sinal

1,0 s

Vazão do Gás do Plasma

15 L/min

Os elementos (minerais) determinados foram: Al (396, 152 nm), Ba (455,403 nm), Cr (267,716 nm), Cu (327,395 nm), Fe (239,562nm), Mn (257,610 nm), Ni (231,604 nm), Ti (336,122 nm), Pb (220,353 nm), K (766,491 nm), Ca (315,887nm), Mg (279,553 nm), Na (588,995 nm), Co (238,892 nm), Sr (421,552 nm) e Zn (213,857nm). Os limites de quantificação dos elementos no ICP OES de cada elemento estão apresentados no quadro 1. Quadro 1: Limite de quantificação (mg/kg) para Al, Ba, Ca, Co, Cr, Cu, Fe, K, Mg, Mn, Ni, Na, Pb, Sr, Ti e Zn Al

0,7

Cr

0,04

Mg

0,3

Pb

0,5

Ba

0,2

Cu

0,1

Mn

0,5

Sr

0,2

Ca

0,9

Fe

0,1

Ni

0,1

Ti

0,2

Co

0,1

K

0,3

Na

0,4

Zn

0,5

RESULTADOS E DISCUSSÃO TEORES DE MINERAIS NO MEL DE ABELHA Os resultados da composição mineral (média ± desvio padrão) das amostras de méis de diferentes Municípios do Estado do Pará são apresentados na Tabela 3. Um total de 16 elementos foram identificados e quantificados: alumínio (Al), bário (Ba), cromo (Cr), cobre (Cu), ferro (Fe), manganês (Mn), níquel (Ni), titânio(Ti), chumbo (Pb), potássio (K), cálcio (Ca), magnésio (Mg), sódio (Na), cobalto (Co), estrôncio (Sr) e zinco (Zn).

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As amostras do município de Moju foram as que apresentaram o maior número de elementos químicos em sua composição e maior quantidade, acumulando uma concentração mineral total de 499,08 mg/Kg; 500,03 mg/Kg e 529,46 mg/Kg , para as amostras M1, M2 e M3, respectivamente. Estes resultados estão correlacionados com o teor de cinzas (M1 = 0,28 ± 0,01%, M2 = 0,30 ± 0,01%, M3 = 0,33 ± 0,02%, M4 = 0,12 ± 0,01%, M5 = 0,19 ± 0,01%, M6 = 0,24 ± 0,02%, M7 = 0,21 ± 0,01%, M8 = 0,25 ± 0,01%, M9 = 0,26 ± 0,02% e M10 = 0,28 ± 0,06%), uma vez que essas amostras apresentaram valores mais elevados que as outras amostras em estudo Os elementos Al, Fe, Ti, K, Ca, Mg, Na, Sr e Zn foram encontrados em todas as amostras. Estes resultados são semelhantes aos relatados por Baroni et al. (2009) que encontrou os elementos K, Na, Ca, Mg, Fe e Zn em todas as amostras de seu estudo. O elemento químico quantitativamente majoritário foi o potássio. Este é responsável por 75,17% do conteúdo total de mineral quantificado em méis paraense, com uma concentração média de 346,80 mg/Kg e valor máximo de 409,01 mg/Kg (Tabela 5). Os autores Baroni et al. (2009), Sodré et al. (2007) e Silva et al. (2009) também apresentaram valores onde o potássio foi o elemento químico mais abundante na composição mineral dos méis. No entanto, os elementos químicos Ba, Cr, Pb e Sr estão presentes em quantidades baixas, acumulando 0,025%, 0,034%, 0,057% e 0,09% do conteúdo de mineral total, respectivamente. Os elementos Cu, Ni e Zn em todas as amostras apresentaram valores inferiores aos limites máximos estabelecidos pela Legislação Nacional (Tabela 4), enquanto as amostras M1, M2, M3 e M9 apresentam valores acima do estabelecido na Legislação Brasileira para o cromo (Cr) (Tabela 4). As amostras de méis da região do Moju (M1, M2 e M3) apresentaram valores para os elementos Cu, Ni e Co e uma amostra da região de São Miguel do Guamá (M6) apresentou valor para o elemento cobre (Cu), de acordo com Baroni et al. (2009), há evidências de que a presença desses metais são indicações de contaminações durante o processamento de armazenamento ou transporte, devido à utilização de recipientes de aço galvanizado.

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Tabela 3: Valores médios (mg/Kg ± desvio padrão da média) dos elementos químicos das 10 amostras de méis.

nd: não detectado (menor que o limite de detecção), LOQ (mg/kg): Limite de quantificação (Ba: 0,2; Cr: 0,04; Cu: 0,1; Ti: 0,2; Co: 0,1).

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Tabela 4: Médias dos valores, mínimos e máximos, valores estabelecidos pela legislação brasileira, para os 16 elementos químicos estudados para as amostras de méis das microrregiões do Estado do Pará Elementos químico

a

a

Média±dpb

CV (%)

a

Mínimo

a

Máximo

a

Legislação Brasileira

Al

14,90

1,5 ± 0,28

60,50

0,715

3,34

*

Ba

1,18

1,18 ± 0,01

264,4

<LO Q

1,18

*

Cr

1,59

0,24 ± 0,02

162,3

<LOQ

0,83

< 0,1

Cu

10,42

2,6 ± 0,44

137,9

<LOQ

3,53

<10,0

Fe

23,34

2,33 ± 0,30

40,70

0,77

3,76

*

Mn

28,16

3,52 ± 0,21

56,00

nd

4,22

*

Ni

13,41

4,47 ± 0,15

161,3

nd

4,64

< 5,0

Ti

4,35

0,48 ± 0,04

31,20

<LOQ

0,61

*

Pb

2,64

0,88 ± 0,20

173,9

nd

1,30

*

3468,3

346,80 ± 20,0

18,12

K

196,6

409

Ca

345,47

34,55 ± 1,0

08,90

32,38

42,88

*

Mg

134,70

13,47 ± 1,65

38,85

9,11

23,98

*

Na

535,52

53,55 ± 1,50

8,64

47,43

61,51

*

Co

6,31

2,10 ± 0,23

163,9

<LOQ

2,50

*

Sr

4,15

0,42 ± 0,06

48,3

0,026

0,69

*

Zn

19,14

2,4 ± 0,36

57,75

<LOQ

3,72

< 50,0

*

nd: não detectado; * ausência de limites nas legislações; a mg/Kg; bDesvio padrão médio (mg/kg); LOQ: (Ba: 0,2; Cr: 0,04; Cu: 0,1; Ti: 0,2; Co: 0,1 e Zn: 0,5).

ANÁLISE MULTIVARIADA (ACP E AHA) Foram utilizadas duas técnicas estatísticas: análise de componentes principais (ACP) e análise hierárquica de agrupamentos (AHA). O objetivo principal da ACP é obter um número menor de variáveis capaz de conter as informações contidas nas variáveis originais. A ACP explica a estrutura de variância e covariância das variáveis pela construção de combinações lineares das variáveis originais (MINGOTI, 2005), denominadas componentes principais (CP). Estas componentes principais podem ser obtidas a partir da seguinte expressão: X = P versus T,

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onde X é a matriz original dos dados, T é a matriz de “scores” das componentes principais e P é a matriz dos loadings, onde os elementos de cada coluna correspondem aos coeficientes das combinações lineares das variáveis. As componentes principais são combinações lineares das variáveis originais e são obtidas em ordem decrescente de máxima variância de forma que a componente principal 1 (CP1) detém mais informação estatística que a componente principal 2 (CP2), que por sua vez tem mais informação estatística que a componente principal 3 (CP3) e assim sucessivamente. O primeiro componente principal apresenta a maior variância possível dos dados e, por isso, preserva mais informação do sistema (MASSART et al., 1997; MOITA NETO; MOITA, 1998). Para análise de componentes principais foram utilizadas as 10 amostras de mel do Estado do Pará e 16 os elementos químicos (Tabela 3). Resultados da estimativa de variância (autovalores) são apresentados na Tabela 5, pode observar que as três componentes principais foram responsáveis por explicar 81% da variância total, o primeiro responsável por 42,7%, o segundo, por 20,5% e o terceiro por 17,7% (Tabela 5). Tabela 5: Estimação da variância (autovalores) e porcentagem proporcional e cumulativa da variância total (%) obtidos por componentes principais, considerando as 10 amostras de mel e 16 elementos químicos (minerais). Componentes

Autovalores

% proporção

% acumulação

PC1

6,8

42,7

42,7

PC2

3,3

20,5

63,3

PC3

2,8

17,7

81,0

Principais

Assim, nota-se no gráfico dos “scores” (Figura 1), que a primeira componente principal (CP1) é a responsável pela separação (discriminação) dos méis da região de Moju dos méis das demais regiões. Verifica-se a formação de um grupo I, com as amostras da região de Moju (M1, M2 e M3); um grupo II com as amostras M4, M5, M6, M7, M8, M9 e M10. Entretanto, a amostra M8 apresentou uma dissimilaridade com o seu grupo.

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RONILSON FREITAS DE SOUZA

5

M8

4

PC2 (20,5%)

3 2 M3

Moju

1 0

M9

M2

M7

M1

-1

M6

M4

M10

M5

-2

-5

-4

-3

-2

-1 0 PC1 (42,7%)

1

2

3

Figura 1: Gráfico dos “scores” (10 amostras de méis) Observando a sobreposição dos gráficos dos “scores” (Figura 1) e “loadings” (Figura 2) verifica-se que as variáveis mais importantes são cromo, cobre, níquel, chumbo e cobalto e para CP2 são as variáveis alumínio, bário, cálcio e sódio, pois explicam a separação em grupos das amostras de méis de diferentes municípios do Estado do Pará.

Figura 2: Gráfico dos “Loadings” (16 elementos químicos)

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Estas observações obtidas através dos componentes principais são confirmadas através da AHA, está é uma técnica estatística que objetiva identificar os possíveis agrupamentos (cluster) dos elementos de uma matriz em grupos, de forma que os elementos pertencentes a um mesmo grupo sejam similares entre si em relação às variáveis, e os elementos em grupos diferentes sejam heterogêneos às estas mesmas variáveis. Ou seja, AHA possibilita determinar similaridades e dissimilaridades de uma série de dados (MINGOTI, 2005). Para isto, utilizam-se as distâncias entre os elementos da matriz os quais são representados em diagramas conhecidos como dendograma. Há vários métodos de agrupamentos hierárquicos: ligação simples ou vizinho mais próximo (single linkage), ligação completa ou vizinho mais distante (complete linkage) e média (aritmética ou ponderada) das distâncias (average linkage) (MINGOTI, 2005). Na análise, resumida na Figura 3, observa-se a formação de dois grupos: grupo I (M1, M2 e M3) e grupo II (M4, M5, M6, M7, M8, M9 e M10). Nesta análise de agrupamento verifica-se que a amostra M8 faz parte do grupo II, no entanto, apresenta maior dissimilaridade entre as outras amostras.

Distância Euclidiana

8,35

5,57

2,78

0,00

M1

1

M22

M3 3

M4 4

M5 5

M6 6

M9 9

M7 7

M10 10

Amostras de mel de abelha de diferentes municípios do Estado do Pará

M8 8

Figura 3: Dendograma utilizando as distâncias euclidiana das 10 amostras de méis e os 16 elementos químicos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Os minerais, alumínio, bário, cromo, cobre, ferro, manganês, níquel, titânio, chumbo, potássio, cálcio, magnésio, sódio, cobalto, estrôncio e zinco foram identificados e quantificados nas amostras de méis paraenses, no entanto, potássio é o mais abundante dos elementos determinados. Nas amostras de méis da região do Moju foram quantificados os minerais cobre, níquel e cobalto, os quais são indicações de contaminações durante o processamento de armazenamento ou transporte. Análise multivariada dos resultados permitiu a visualização da formação de um grupo I, com as amostras da região de Moju (M1, M2 e M3); um grupo II com as amostras M4, M5, M6, M7, M8, M9 e M10. Entretanto, a amostra M8 apresentou uma dissimilaridade com o seu grupo.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, D. Espécies de abelhas (Hymenoptera:Apoidea) e tipificação dos méis por elas produzidas em áreas de Cerrado do município de Pirassununga - São Paulo. 2002. Dissertação (Mestrado) - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. Universidade de São Paulo, 2002. BRASIL. Instrução Normativa nº 11, de 20 de outubro de 2000. Estabelece o regulamento técnico de identidade e qualidade do mel. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 23 out. Seção 1, p.16-17, 2000. BULDINI, P. L.; CAVALLI, S.; MEVOLI, A.; SHARMA, J. L; Ion chromatographic and voltammetric determination of heavy and transition metals in honey. Food Chemistry. n.4, p.487-495, 2001. BARONI, M. V.; ARRUA, C.; NORES, M. L.; FAYÉ, P.; DÍAZ, M. P.; CHIABRANDO, G. A.; WUNDERLIN, D. A. Composition of honey from Córdoba (Argentina): Assessment of North/South provenance by chemometrics. Food Chemistry. n.2, p.727–733, 2009. BERTONCEL, J, J.; DOBERŠEK, U.; JAMNIK, M.; GOLOB, T. Evaluation of the phenolic content, antioxidant activity and colour of Slovenian honey. Food Chemistry. n.2, p.822-828, 2007. CODEX, Revised Codex Standard for Honey. CODEX STAN 12-1981. Codex Alimentarius Commission. FAO/OMS, 2001, 03 de Agosto de 2009. Disponível em http://www.codexalimentarius.net/web/standard_list.do?lang=en. Acesso em 03 de Agosto de 2009. ERBILIR, F.; ERDOĜRUL, Ö. Determination of Heavy Metals in Honey in Kahramanmaraş City. Turkey Environmental Monitoring and Assessment. p.181–187, 2005.

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DETERMINAÇÃO DOS TEORES MINERAIS EM AMOSTRAS MÉIS DE ABELHAS DO ESTADO DO PARÁ

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RESENHA DO LIVRO PALAVRAS COMPARTILHADAS: FIGURAS FEMININAS EM CONTOS DE ORLANDA AMARÍLIS E MARIA JUDITE DE CARVALHO

Camila Marcia Foganholi Motta

O livro Palavras compartilhadas: figuras femininas em contos de Orlanda Amarílis e Maria Judite de Carvalho é de autoria dos professores Camila Rodrigues e Altamir Botoso, publicado pela Editora Canal6, no ano de 2011 e, nessa obra, os autores estudam, comparativamente, contos de duas autoras, uma cabo-verdiana e outra portuguesa: Orlanda Amarílis e Maria Judite de Carvalho, respectivamente. A referida obra procura promover uma contribuição aos estudos de textos de autoria feminina, por meio do estudo comparativo de contos das duas escritoras que se dedicaram à tarefa de produzir textos de ficção em língua portuguesa. Compreende-se, na leitura, que o objetivo do livro é estudar a construção das personagens femininas em contos de Amarílis e Maria Judite e, por intermédio das análises efetuadas, desvendar as experiências de tais personagens, cujas vozes unificam-se e se solidarizam, revelando um universo de opressão, miséria e isolamento semelhante nos contos de ambas as escritoras. O livro está dividido em quatro capítulos que, aos poucos, vão demonstrando todo o potencial dos autores para captar e desvendar as peculiaridades das personagens criadas por Orlanda Amarílias e Maria Judite de Carvalho. No primeiro, cujo título é “Literatura e feminismo”, é traçado um panorama da literatura comparada pautado pelos escritos de Tânia Franco Carvalhal, Julia Kristeva e Leyla PerroneMoisés. Rodrigues e Botoso destacam também proposições sobre literaturas de autoria feminina e feminismo, com base nos escritos de Lúcia Osana Zolin, Virginia Woolf, Luiza Lobo e Elódia Xavier, deixando claro uma mudança dos críticos em relação às obras de autoria feminina, uma vez que o número de mulheres escritoras elevou-se consideravelmente e a crítica também passou a valorizar as produções de autoria feminina. No capítulo dois, “As autoras e suas obras”, os autores apresentam as biografias de Orlanda Amarílis e Maria Judite de Carvalho e apontam que a comparação dos contos das escritoras será bastante instigadora, “uma vez que ambas elegeram e privilegiaram a mulher como tema principal de suas narrativas” (RODRIGUES E BOTOSO, 2011, p. 57). “Os contos das escritoras” é o título do terceiro capítulo. Nele é apresentado o enredo dos contos das duas escritoras, que se encontram nos livros Cais-do-Sodré té Salamansa e As

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CAMILA MARCIA FOGANHOLI MOTTA

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palavras poupadas, com o objetivo de levantar e particularizar os temas e assuntos mais relevantes em cada um deles, expondo de maneira clara suas fábulas e buscando despertar o interesse dos leitores que não conhecem esses contos. Por fim, no quarto e último capítulo, “Personagens femininas de Orlanda Amarílis e Maria Judite de Carvalho”, através de análises sensíveis, inteligentes e apoiadas em um instrumental teórico adequado, verifica-se que há uma convergência de temas nas ficções das duas escritoras, sobretudo quando as protagonistas são mulheres – as personagens das duas escritoras padecem dos mesmos males e, em vários momentos de suas vidas, enfrentam a opressão, a dor, o sofrimento e a solidão. Nas considerações finais, há um parágrafo que vale a pena ser transcrito, pois sintetiza, de forma clara e objetiva, os principais pontos de contato entre as personagens da escritora portuguesa e da cabo-verdiana: Enfim, se em diversos momentos de nossas análises verificamos que as personagens da escritora portuguesa e da caboverdiana divergem, diferenciam-se nas atitudes e perante os dramas e conflitos que vivenciam, notamos que todas se solidarizam pelo sentimento de solidão, que irmana as personagens de todos os contos analisados neste livro. Assim, as narrativas produzidas pelas duas escritoras apresentam “mulheres-sós” [...] que estabelecem um elo entre a realidade portuguesa e a de Cabo Verde, ao expressar a alma feminina oprimida pelos homens, pelo preconceito e pela sociedade, num dilema que parece não ter nenhuma solução seja em terras europeias, seja em solo africano. (RODRIGUES e BOTOSO, 2011, p. 116-117).

Portanto, consideramos que se trata de uma obra relevante para os estudos comparados entre as literaturas africanas e europeias, assunto que vem merecendo a atenção dos meios acadêmicos de todas as partes do mundo, e desvelando a preocupação de estudiosos e críticos em estudar textos que antes eram considerados como inferiores, escritos por minorias, tais como aqueles produzidos por mulheres. Assim, o livro valoriza os escritos de autoria feminina, ao estabelecer analogias e diferenças entre as personagens das escritoras mencionadas e exaltar a construção do feminino em seus textos. Além disso, o livro de Camila Rodrigues e Altamir Botoso é extremamente didático, com uma linguagem objetiva e sucinta, fato que contribui para uma leitura agradável e proveitosa e merece ser lido por todos aqueles que apreciam a literatura de autoria feminina produzida na contemporaneidade.

REFERÊNCIA RODRIGUES, Camila e BOTOSO, Altamir. Palavras compartilhadas: figuras femininas em contos de Orlanda Amarílis e Maria Judite de Carvalho. Bauru: Canal6, 2011, 128 p.

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