REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA • ANO V • N0 10 • IFSP - CAmPuS SERTãOzINhO • JuNhO / 2013 • ISSN 1984-8625
Corpo Editorial Editor-chefe Altamiro Xavier de Souza - IFSP Editor substituto Weslei Roberto Cândido - UEM Conselho Editorial Altamir Botoso – UNIMAR * Ana Cristina Troncoso – UFF * Andréia Ianuskiewtz – IFSP * Anne Camila Knoll Domenici – IFSP Antonio Sergio da Silva – UEG * Antonio Sousa Santos – UFVJM * Carlos Alexandre Terra – IFSP * Gabriel Roberto Martins – IFSP Janete Werle de Camargo Liberatori – IFSP * José Carlos de Souza Kiihl – FATEC * Mauro Nicola Póvoas – FURG * Plínio Alexandre dos Santos Caetano – IFSP Reinaldo Tronto – IFSP * Rodrigo Silva González – UFV * Whisner Fraga Mamede – IFSP * Conselho Consultivo Alexandre do Nascimento Souza – USP Alexandre Henrique de Martini – IFSP Álvaro José Camargo Vieira – PUC-SP / FIT Amadeu Moura Bego – IFSP Amanda Leal Oliveira – USP Amanda Ribeiro Vieira – IFSP Ângela Vilma Santos Bispo – UFRB Araci Molnar Alonso – USP/EMBRAPA DF Cintia Almeida da Silva Santos – IFSP Cristiane Cinat – UNESP Denise Paranhos Ruys – IFSP
Eduardo André Mossin - IFSP Eliana de Oliveira – FACFITO Emanuel Carlos Rodrigues – IFSP Eulália Nazaré Cardoso Machado – IFSP Josilda Maria Belther – IFSP Kjeld Aagaard Jakobsen – USP Leandro Dias de Oliveira – UFRRJ Luciana Brito – UENP / UEL Luiz Carlos Leal Júnior – IFSP Magno Alves de Oliveira – IFB Marina P. A. Mello – FACFITO / UNICAIEIRAS Marsele Machado Isidoro – IFSP Nadja Maria Gomes Murta – UFVJM / PUC-SP Pedro Cattapan – UFF Pierre Gonçalves de Oliveira Filho – FAMEC Ricardo Castro de Oliveira – UFSCAR Rita de Cássia Bianchi – UNESP Ronaldo de Oliveira Rodrigues – UFPA Rosana Cambraia – UFVJM Tânia Regina Montanha Toledo Scorparo – UENP Vágner Rodrigues de Bessa – UFV Wellington Luiz Alves Aranha – UNESP Monitoria Gabriel Roberto Martins – IFSP Designer Gráfico Nildo Xavier de Souza Diretor Geral do IFSP - Campus Sertãozinho Lacyr João Sverzut Reitor do IFSP Eduardo Antonio Modena
* Membros do Conselho Editorial que participam do Conselho Consultivo também.
REvISTa CIEnTíFICa ElETRônICa ISSn 1984-8625 Fundada em 2008 Peridiocidade Semestral
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Chegamos ao 10º número! E, o mais importante, chegamos fortes, com disposição de elevarmos o padrão da Iluminart. Transformá-la cada vez mais em um farol, um canal de comunicação entre o IFSP e a comunidade acadêmica de um modo geral; pois através de pesquisas transformadas em artigos conseguimos aprender sobre o que se produz interna e externamente à Instituição. São artigos recebidos de todas as regiões do Brasil, com diversidade de temas, assuntos e estilos de escrita. Internamente, o IFSP passa por um período de transição. O processo de escolha do novo reitor – o primeiro eleito pelos seus pares (o reitor anterior foi eleito ainda como Diretor Geral e transformado em pro-tempore pelo Ministro da Educação) – foi desgastante para toda comunidade, evidenciando a falta de maturidade política de seus membros, quer sejam candidatos, simpatizantes, eleitores quer sejam organizadores do processo eleitoral. Cada segmento em seu papel mostrou o quanto estamos longe de sermos uma democracia participativa madura e saudável. Toda esta experiência, na visão da Comissão Eleitoral Central – CEC – está registrada em seu relatório final sobre o que aconteceu em 2012. O Conselho Editorial da Iluminart resolveu publicar este relatório na sua íntegra, com o objetivo de fazer um registro histórico através do olhar do órgão oficial escolhido para conduzir este complexo processo eleitoral. Além de escolher o reitor em 26 campi espalhados pelo estado, a CEC ficou responsável em conduzir a eleição de sete diretores gerais de campi. Como outras versões sobre os fatos podem ser apresentadas, foi escolhido o relatório aprovado pelo Conselho Superior do IFSP.
No momento em que escrevo estas palavras, no Brasil estão ocorrendo diversas manifestações que começaram devido ao aumento da passagem de transporte público urbano. Este motivo, sem dúvida, é a “gota d’água” que faltava em um mar de insatisfações com nosso sistema político – no qual os “nossos” representantes não nos representam e os poderes constituídos cada vez mais se distanciam dos anseios e necessidades da população. Vivemos a falta de um serviço público com qualidade em todos os setores – menos na cobrança de impostos - e a sensação de impunidade aos erros e desvios cometidos pelos detentores do poder – no Executivo, Legislativo e não menos no Judiciário fez a população ir às ruas. O que resultará disto? Não podemos prever. Mas, assim como no IFSP, precisamos amadurecer enquanto nação. A transição, em geral, é difícil, muitas vezes dolorida, porém necessária. Faz-se imprescindível encontrar novas formas de compartilhar as decisões e responsabilidades; elaborar mecanismos de ajustes ao caminho traçado em prol do bem maior – seja ele qual for, e, respeito, tanto pelos indivíduos e sua história pessoal quanto pela comunidade. Chegamos ao décimo número comemorando o trajeto percorrido pela Iluminart, o momento do IFSP e do Brasil, sabendo que há muito a ser feito, mas com plena convicção de que é possível fazê-lo. Altamiro Xavier de Souza Editor Chefe Docente do IFSP – Campus Sertãozinho altamirox@gmail.com
“Uma coisa é pôr ideias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias.” (Guimarães Rosa).
Podem as palavras compor a verdadeira ordem das revoluções e compreender os movimentos de agitação política que ocorrem no país? Talvez não possam, mas são com palavras e discursos que se constroem um mundo melhor ou pior. Tudo começa, atiça-se ou se incendeia por meio dos signos verbais que se tem à disposição. A Revista Iluminart em sua décima edição olha o mundo por meio das palavras, seu veículo mais forte de transmissão das ideias, das pesquisas e dos ideais que surgem nas salas de aula, no silêncio das pesquisas em uma escrivaninha, na tentativa de diálogo em busca da democracia política e educacional das organizações escolares do país. Ao seu modo, a presente edição retrata este momento de agitação e de efervescência das ideias que proliferam em todas as partes mais recônditas do Brasil. Os três primeiros artigos retratam o surgimento e desenvolvimento da educação profissional no país, desde seus primórdios até a constituição dos chamados Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia. O tema do quarto artigo continua sendo a educação. Muda-se apenas a perspectiva de análise, agora a geografia e o seu campo de aplicação: o município de Sumaré-SP. O quinto artigo também trilha os caminhos educacionais, versando sobre o PROEJA-FIC, que visa analisar os processos de avaliação diagnóstica a fim de melhorar o ensino/ aprendizagem desse público aprendiz. Ao prosseguir na leitura, encontra-se uma reflexão sobre o romance Tess of the d’Urbervilles, de Thomas Hardy e o contexto da revolução industrial que afeta os modos de produção na zona rural inglesa. Embora seja um artigo sobre literatura, o olhar sobre a sociedade continua a permear este número da Iluminart. Sai-se da Inglaterra e chega-se a uma das maiores metrópoles do mundo com a análise do romance O sol se põe em São Paulo, de Bernardo Carvalho, momento em que questões de identidade e espaço são discutidas por meio da pesquisa apresentada; assim viaja-se do campo para a cidade. Após tomar este breve fôlego pela literatura, o IFSP volta a ser o centro das investigações novamente. O artigo discute a formação do Instituto Federal de São Paulo pelo viés da CTS – Ciência, Tecnologia e Sociedade – e sua importância para compreender a regulação democrática dentro deste centro educacional.
Na sequência o leitor encontrará uma pesquisa na área de psicodiagnóstico, focando as relações entre mãe e filha, por meio de um estudo qualitativo que busca conhecer os motivos dos desajustamentos geradores de sofrimentos psíquicos. A educação volta a ser a pauta do próximo artigo. A discussão gira em torno da ampliação do acesso à internet nos ambientes educacionais como forma de alcançar a democratização da informação, que hoje se transformou em um bem precioso. O leitor do presente número também encontrará um estudo sobre a aplicação do sistema de gestão Lean Six Sigma, que tem por objetivo evitar os desperdícios. Desta forma, o artigo mostrará como foi a implantação desse método de produção em uma empresa real, possibilitando avaliar sua eficácia. A área de química é contemplada com o estudo sobre a aplicação do software Blender para o uso no ensino de conceitos químicos; por meio dele o objetivo é facilitar o ensino/aprendizagem dos alunos, substituindo modelos estáticos de reações químicas por representações dinâmicas proporcionadas pelo programa de animação Blender. Além disso, a revista apresenta o artigo de renomados autores da área de Matemática que discute conceitos de ciclos minimais, vértices neutrais e não-neutrais em torneios. Certamente, leitores especializados em estudos matemáticos terão um ótimo material em que basear novas pesquisas e aprofundar seus conhecimentos. Para terminar, há a resenha sobre o livro A presença do folhetim na minissérie Incidente em Antares, um estudo dedicado à adaptação do romance de Érico Veríssimo para uma série televisiva. Esperamos que este número da Iluminart mesmo sendo organizado com palavras arranjadas, sirva de instrumento para pensar este Brasil feito de “pessoas de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias”, melhorando a qualidade de vida delas, por meio dos estudos críticos que aqui se apresentam. Afinal, para que servem os estudos, senão para alterar o país onde vivemos? Weslei Roberto Cândido Editor Adjunto Docente da UEM – Universidade Estadual de Maringá weslei79@gmail.com
Ana Clédina Rodrigues Monteiro / Ana Lúcia Braz Dias / Célia Maria Carolino Pires / Harryson Júnio Lessa Gonçalves
Ana Clédina Rodrigues Monteiro / Ana Lúcia Braz Dias / Célia Maria Carolino Pires / Harryson Júnio Lessa Gonçalves
Ana Clédina Rodrigues Monteiro / Ana Lúcia Braz Dias / Célia Maria Carolino Pires / Harryson Júnio Lessa Gonçalves
Alexander da Silva Lima
Aline Graciele Mendonça Isaías Eliseu da Silva
Júlio César Alexandre Júnior
Marcel Pereira Santos / Luzia Sigoli Fernandes Costa
Thalita alita Lacerda Nobre / Lidiane Chaves de Oliveira Lima
Thânia ânia Sucupira / Kleuma Pimentel
Rodrigo Ribeiro de Oliveira / Jose Claudemir Schmitt / Iris Bento da Silva / Fernando Nascimento Zatta
Emanuel Carlos Rodrigues / Arthur Mendes de Lima / Arthur Aquino Vilela José Carlos S. Kiihl / Gino Tironi / Alexandre C. Gonçalves Hicléa Luzia Costa Ton Pauletti
Altamiro Xavier de Souza / Marcelo Velloso Heeren / Marcos Roberto Ruybal Bica
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ARCAS E TRAJETÓRIAS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL PARTE 1: PRIMEIROS QUATROCENTOS ANOS DE HISTÓRIA DO BRASIL (1500 A 1900)
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MARCAS E TRAJETÓRIAS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL PARTE 1: PRIMEIROS QUATROCENTOS ANOS DE HISTÓRIA DO BRASIL (1500 A 1900) Harryson Júnio Lessa Gonçalves Célia Maria Carolino Pires Ana Lúcia Braz Dias Ana Clédina Rodrigues Monteiro
RESUMO: Este artigo tem como objetivo apresentar os principais fatos históricos que antecederam o surgimento da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT) no Brasil. Os dados apresentados originaram-se de uma pesquisa qualitativa de natureza fenomenológica, sendo coletados a partir da revisão de literatura especializada e de documentos históricos (legislações). O trabalho apresenta um recorte dos fatos que impulsionaram o surgimento das Escolas de Aprendizes Artífices – marco histórico da institucionalização da Educação Profissional no Brasil. Tal recorte se insere em um projeto de maior amplitude, que se preocupou com a inserção do ensino de Matemática na Educação Profissional e nos currículos dos cursos de Matemática, com o intuito de contribuir com estudos que auxiliem na compreensão do ensino da matemática neste segmento de ensino. PALAVRAS-CHAVE: Educação Profissional; História da Educação; Educação Brasileira.
MILESTONES AND TRAJECTORIES OF PROFESSIONAL EDUCATION IN BRAZIL: “FIRST 400 YEARS” OF THE HISTORY OF BRAZIL (1500 - 1900) ABSTRACT: The objective of this article is to present the historical facts that precede the creation of the Federal Network of Professional, Scientific and Technological Education (Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica - RFEPCT). For this end we present the historical events in the first four-hundred years of the history of Brazil which had an impact in the creation of the Schools for Apprentice Craftsmen (Escolas de Aprendizes Artífices) in 1909 – a historical milestone of the institutionalization of Professional Education in Brazil. The study was outlined as a qualitative research of phenomenological nature, in which the data was collected and organized from a review of the specialized literature and historical documents (legislation). Emphasis will be given to mathematics curricula, with the objective of contributing to the study of mathematics education in this type of institution. This analysis is important for presenting historical fragments
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HARRYSON JÚNIO LESSA GONÇALVES / CÉLIA MARIA CAROLINO PIRES
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with the aim of preserving and rescuing elements of the memory of the Brazilian Professional Education. KEYWORDS: Profession Education; History of Education; Brazilian Education.
No Brasil, a formação para o trabalho ocorreu desde a colonização do país, uma vez que a coroa portuguesa possuía interesses na exploração da Colônia e por isso necessitava do auxílio da mão de obra para erguer as construções que abrigariam os exploradores e para o extrativismo. Assim, tornou seus primeiros artífices os índios e os escravos. Conforme aponta Fonseca (1986), devido ao direcionamento do trabalho manual se voltar para essa população naquela época, o povo habituou-se a relacionar a formação laboral como destinada somente a sujeitos das mais baixas categorias sociais. O direcionamento de trabalhos pesados e das profissões manuais aos escravos, não só agravou o pensamento generalizado de que os ofícios eram destinados aos deserdados da sorte, como também impediu, pelas questões econômicas, que os trabalhadores livres exercessem outras profissões. Outro fator que contribui para essa mentalidade foi a educação oferecida pelos padres jesuítas destinar-se primordialmente aos filhos dos nobres da Colônia. (Garcia, 2000) Fonseca (1986) afirma que tais situações eram tão enraizadas que uma das condições para que indivíduos desempenhassem funções públicas era de nunca o candidato ter trabalhado em serviços manuais. Com a descoberta das primeiras minas de ouro em Minas Gerais, no século XVIII, o rei de Portugal tratou de organizar sua extração. Nesse contexto, a coroa portuguesa, interessada nesta nova fonte de lucro e vivendo o declínio do comércio do açúcar, começou a cobrar “o quinto”, que nada mais era do que o imposto cobrado pela coroa portuguesa às Casas de Fundição, que correspondia a 20% de todo o ouro encontrado na colônia. A descoberta desse minério e o início de sua exploração nas regiões auríferas (Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso) provocaram uma “corrida pelo ouro” para essas regiões. Com a criação das Casas de Fundição e de Moeda, surge a necessidade de um ensino visando à formação de artífices para o exercício de trabalhos mais especializados nessas Casas, para que pudessem auxiliar no manuseio de determinadas ferramentas ou o domínio de técnicas específicas. Segundo Garcia (2000) esse ensino diferenciou-se daquele realizado nos engenhos durante a época, o qual voltava-se para a produção de açúcar, considerando-se os seguintes aspectos: i) o ensino realizado nas Casas só era destinado aos filhos de “homens brancos” empregados nas próprias Casas. ii) aqueles que aprendiam o ofício nos engenhos, faziam-no de
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forma assistemática e não precisavam provar o seu conhecimento prático por meio de exames, enquanto que nas Casas de Moeda, pela primeira vez, estabelecia-se uma banca examinadora que deveria avaliar as habilidades dos aprendizes adquiridas em um período de cinco a seis anos. Os que eram bem sucedidos neste exame recebiam uma certidão de aprovação. Neste mesmo período, surgem nos Arsenais da Marinha do Brasil, os centros de aprendizagem de ofícios, voltados originalmente para as atividades de construção e reparo de embarcações, uma vez que essas atividades até então eram realizadas em estaleiros particulares e de forma artesanal. Para compor tais centros de aprendizagem de ofícios foram trazidos operários especializados de Portugal e recrutados aprendizes da colônia. Segundo Fonseca (1986), os recrutamentos ocorriam inclusive durante a noite e todo aquele que fosse encontrado vagando pelas ruas depois do toque de recolher era levado pela patrulha do Arsenal. Também se recorria aos chefes de polícia para que enviassem presos que tivessem alguma condição de trabalhar para compor tais centros. Apesar do ensino profissional no Brasil ter-se iniciado nessa época, em decorrência da proibição das fábricas, ocasionada pelo alvará1 assinado por D. Maria I, em 5 de janeiro de 1785, tal ensino permaneceu estagnado durante um longo período. O referido alvará trazia a seguinte descrição: Eu a rainha. Faço saber aos que este alvará virem: que sendo-me presente o grande número de fábricas, e manufaturas, que de alguns anos a esta parte se tem difundido em diferentes capitanias do Brasil, com grave prejuízo da cultura, e da lavoura, e da exploração das terras minerais daquele vasto continente; porque havendo nele uma grande e conhecida falta de população, é evidente, que quanto mais se multiplicar o número dos fabricantes, mais diminuirá o dos cultivadores; e menos braços haverá, que se possam empregar no descobrimento, e rompimento de uma grande parte daqueles extensos domínios, que ainda se acha inculta, e desconhecida: nem as sesmarias, que formam outra considerável parte dos mesmos domínios, poderão prosperar, nem florescer por falta do benefício da cultura, não obstante ser esta a essencialíssima condição, com que foram dadas aos proprietários delas. E até nas mesmas terras minerais ficará cessando de todo, como já tem consideravelmente diminuído a extração do ouro, e diamantes, tudo procedido da falta de braços, que devendo empregar-se nestes úteis, e vantajosos trabalhos, ao contrário os deixam, e abandonam, ocupando-se em outros totalmente diferentes, como são os das referidas fábricas, e manufaturas: e consistindo a verdadeira, e sólida riqueza nos frutos, e produções da terra, as quais somente se conseguem por meio de colonos, e cultivadores, e não de artistas, e fabricantes: e sendo além disto as produções do Brasil as que fazem todo o fundo, e base, não só das permutações mercantis, mas da navegação, e do comércio entre os meus leais vassalos habitantes destes reinos, e daqueles domínios, que devo animar, e sustentar em comum benefício de uns, e outros, removendo na sua origem os obstáculos, que lhe são prejudiciais, e nocivos: em consideração de tudo o referido: hei por bem ordenar, que todas as fábricas, manufaturas, ou teares de galões, de tecidos, ou de bordados de ouro, e prata. De veludos, brilhantes, cetins, tafetás, ou de outra qualquer qualidade de seda: de belbutes, chitas, bombazinas, fustões, ou de outra qualquer qualidade de fazenda 1
Devido consideramos a importância histórica deste documento, resolvemos transcrevê-lo na íntegra.
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de algodão ou de linho, branca ou de cores: e de panos, baetas, droguetes, saietas ou de outra qualquer qualidade de tecidos de lã; ou dos ditos tecidos sejam fabricados de um só dos referidos gêneros, ou misturados, tecidos uns com os outros; excetuando tão somente aqueles dos ditos teares, e manufaturas, em que se tecem, ou manufaturam fazendas grossas de algodão, que servem para o uso, e vestuário dos negros, para enfardar, e empacotar fazendas, e para outros ministérios semelhantes; todas as mais sejam extintas, e abolidas em qualquer parte onde se acharem nos meus domínios do Brasil, debaixo da pena do perdimento, em tresdobro, do valor de cada uma das ditas manufaturas, ou teares, e das fazendas, que nelas, ou neles houver, e que se acharem existentes, dois meses depois da publicação deste; repartindo-se a dita condenação metade a favor do denunciante, se o houver, e a outra metade pelos oficiais, que fizerem a diligência; e não havendo denunciante, tudo pertencerá aos mesmos oficiais. Pelo que: mando ao presidente, e conselheiros do Conselho Ultramarino; presidente do meu Real Erário; vice-rei do Estado do Brasil; governadores e capitães generais, e mais governadores, e oficiais militares do mesmo Estado; ministros das Relações do Rio de Janeiro, e Bahia; ouvidores, provedores, e outros ministros, oficiais de justiça, e fazenda, e mais pessoas do referido Estado, cumpram e guardem, façam inteiramente cumprir, e guardar este meu alvará como nele se contém, sem embargo de quaisquer leis, ou disposições em contrário, as quais hei por derrogadas, para este efeito somente, ficando aliás sempre em seu vigor. (BRASIL, 1785, paginação irregular)
Somente com a chegada da família real no Brasil, em 1808, o país retoma o avanço industrial. Em 1º de abril de 1808, D. João VI assina um novo alvará revogando o documento anterior de D. Maria I que proibia as indústrias manufatureiras no Brasil. Eu, o príncipe regente, faço saber aos que o presente alvará virem: que desejando promover e adiantar a riqueza nacional, e sendo um dos mananciais dela as manufaturas, e melhoram, e dão mais valor aos gêneros e produtos da agricultura, e das artes, e aumentam a população dando que fazer a muitos braços, e fornecendo meios de subsistência a muitos dos meus vassalos, que por falta deles se entregariam aos vícios da ociosidade: e convindo remover todos os obstáculos que podem inutilizar, e prestar tão vantajosos proveitos: sou servido abolir, e revogar toda e qualquer proibição, que haja a este respeito no Estado do Brasil, e nos meus domínios ultramarinos, e ordenar que daqui em diante seja o país em que habitem, estabelecer todo o gênero de manufaturas, sem excetuar alguma, fazendo os seus trabalhos em pequeno, ou em grande, como entenderem que mais lhes convém, para o que. Hei por bem revogar o alvará de cinco de janeiro de mil setecentos oitenta e cinco e quaisquer leis, ou ordens que o contrário decidam, como se delas fizesse expressa, e individual menção, sem embargo da lei em contrário (BRASIL, 1808, paginação irregular)
Com a abertura dos portos ao comércio estrangeiro e, ao mesmo tempo, ao permitir a instalação de fábricas manufatureiras no Brasil, D. João VI criou o Colégio de Fábricas, que representou o primeiro estabelecimento instalado pelo poder público no Brasil, com a finalidade de atender à educação dos artistas e aprendizes. Garcia (2000) salienta que esses aprendizes vinham de Portugal, atraídos pela abertura dos portos e das indústrias. Com o interesse de melhor estruturar a colônia e assim oferecer melhores condições para o estabelecimento da corte portuguesa no Brasil, D. João VI resolveu investir na formação de
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profissionais, a ser realizada, conforme citado, na própria colônia, uma vez que até então a formação de membros da nobreza ou elite ocorria fora do Brasil ou, quando realizada no local destinava-se a clérigos, artilheiros e construtores de fortificações, tendo-se em vista as necessidades da colônia na época. Vale ressaltar que o surgimento da Academia Real Militar no Rio de Janeiro, em 1810, proporciona a criação do primeiro curso completo de Ciências Matemáticas2, sendo oficialmente a primeira instituição brasileira a se dedicar ao ensino superior de matemática. Em 1821, D. João VI volta a Portugal e seu filho D. Pedro I, em 7 de setembro de 1822, proclama a Independência do Brasil. Em 1824, o príncipe regente outorga a primeira Constituição Brasileira, que no Art. 179 cita que a "instrução primária é gratuita para todos os cidadãos." Contudo, para suprimir a carência de professores, em 1823, é instituído o Método Lancaster, no qual um aluno treinado, chamado de decurião, ensinava um grupo de dez alunos (decúria) sob a rígida vigilância de um inspetor. Vale ressaltar que neste contexto, o ensino deixa de ser de domínio do Estado e se abre para a iniciativa privada. Deste período até 1826, perpassando pela instauração do império em 1822 e pela instauração da Assembleia Constituinte de 1823, não houve evolução considerável no âmbito do ensino profissional brasileiro e, conforme aponta Garcia (2000), a mentalidade continuou a mesma, ou seja, destinando-se aos “humildes, pobres e desvalidos”. Em fevereiro de 1825, a Coroa encaminhou um aviso aos presidentes das províncias, solicitando que apresentassem informações sobre a situação da instrução em cada uma delas. Justificou que era indispensável conhecer o que se encontrava estabelecido, para se pudesse melhorar ou aumentar os meios de instrução, segundo as necessidades e circunstâncias particulares das diferentes povoações e que desejava receber a relação de todas as cadeiras de primeiras letras e de gramática latina, retórica, lógica, geometria e línguas estrangeiras. (BRASIL, 1885) Os presidentes deveriam informar ainda os “lugares em que se acham já instituídas como os que por sua população merecerem a criação de outra”. Deveriam informar também o ordenado dos professores e os subsídios arrecadados a favor das escolas. Todos esses dados eram necessários para que a Assembleia Legislativa pudesse dirigir-se com sabedoria em tão importante matéria, facilitando e generalizando a instrução como origem infalível e fecunda da felicidade dos povos. (idem) Em 1826, um decreto institui quatro graus de instrução: Pedagogias (escolas primárias), Liceus, Ginásios e Academias. Neste contexto, o ensino de ofícios foi incluído na 3ª série das escolas primárias e, depois, nos estudos de desenho dos Liceus, necessários às artes e ofícios. 2
Na primeira tentativa de se criar uma universidade no Brasil, a Ordem Católica fundada por Inácio de Loyola (Inacianos) manteve uma Faculdade de Matemática na Bahia no século XVIII, que foi rejeitada pelo Rei de Portugal (ZICCARDI, 2009).
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No ano seguinte à promulgação do referido decreto a Comissão de Instrução da Assembleia Geral (Câmara dos Deputados) elaborou um projeto que resultou na Lei de 15 de outubro de 1827, o qual organizou o ensino público pela primeira vez no Brasil. Para Fonseca (1986) [...] a tentativa de organização do ensino revelava uma tendência à evolução do conceito dominante sôbre o ensino profissional, pois mostrava que a consciência nacional começava a se preocupar com o problema e a influir no espírito dos homens públicos, que o traziam a debate no Congresso, numa demonstração de que principiavam a ficar imbuídos das idéias mais largas de estender a todos o ensino de ofícios. (FONSECA, 1986, p. 138)
Apesar de não existirem à época professores com formação em docência a referida Lei de 15 de outubro de 1827, que cria as escolas de primeiras letras, menciona o ensino de Matemática em seu artigo 6o, prevendo que: Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil. (BRASIL, 1827/2012 – grifo nosso)
Vale ressaltar que a Academia Real Militar no Rio de Janeiro, a qual destinava-se à formação de Oficiais de Artilharia, Oficiais Engenheiros e Oficiais da Classe de Engenheiros geógrafos e Topógrafos, passando a admitir a partir do ano de 1833 que não-militares frequentassem seus cursos, desenvolvia o ensino básico de Matemática e Ciências Físicas e Naturais, possuindo as seguintes cadeiras: o
1 ano – Aritmética, Álgebra Elementar, Geometria e Trigonometria Plana e Desenho; o 2 ano – Álgebra Superior, Geometria Analítica, Cálculo Infinitesimal e Desenho; o 3 ano – Mecânica Racional Aplicada às Máquinas, Física Experimental e desenho; o 4 ano – Trigonometria Esférica, Astronomia e Geodésia. (ZICCARDI, 2009, p. 39)
Tal fato denota que o ensino de Matemática fazia parte dos currículos dos cursos de formação profissional, mesmo quando ainda não havia docentes formados em Matemática no Brasil. Ou seja, tal ensino era promovido pelos próprios agentes militares, engenheiros ou profissionais formados em áreas diversas que possuíssem conhecimentos acerca da Matemática e alguma aptidão para o ensino. Em 12 de agosto de 1834 houve a publicação da Lei no 16 (Ato Adicional à Constituição), a qual dispunha que as províncias passariam a ser responsáveis pela administração do ensino primário e secundário. No documento, competia às Assembleias Legislativas Provinciais legislar
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ARCAS E TRAJETÓRIAS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL PARTE 1: PRIMEIROS QUATROCENTOS ANOS DE HISTÓRIA DO BRASIL (1500 A 1900)
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sobre a instrução pública em estabelecimentos próprios a promovê-la, não compreendendo as faculdades de Medicina, os cursos jurídicos, academias já existentes, e outros quaisquer estabelecimentos de instrução que, para o futuro, fossem criados por lei; além de promover, juntamente com a assembleia e o governo geral, a organização da estatística da província, a catequese, a civilização dos índios e o estabelecimento de colônias. Em 1835, graças à referida Lei, surge, em Niterói, a primeira Escola Normal do País, dedicada à formação de professores. Quanto a esse fato, Fonseca (1986) aponta que: Só por um milagre essa falta de orientação única dos ensinos elementares e secundário não levou o Brasil à fragmentação, pois são êles os elementos mais fortes da formação da unidade espiritual de um povo, fatôres que dão um denominador comum às tendências e aspirações das diversas regiões de um país. (FONSECA,1986, p. 140)
Em 1852, o vereador Manuel Araújo Porto Alegre apresenta um projeto que aludia à ideia de se criar estabelecimentos de ensino de ofícios que não levassem em conta o estado social de seus alunos. Essa ideia representou uma reação formal à mentalidade dominante da época que associava tal ensino a estudantes carentes, mas não passou de um projeto (FONSECA, 1986). Em 1851, um decreto legislativo autorizava o Governo a reformar o ensino primário e secundário no Município da Corte. Três anos depois, o Decreto no 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854, punha em execução o Regulamento da Instrução Primária e Secundária da Corte. A Reforma Couto Ferraz, como ficou conhecida, definia os requisitos necessários ao exercício do magistério primário: ser brasileiro, maior, ter moralidade e capacidade profissional. Com a finalidade de avaliar esse último requisito, instituía o exame escrito e oral, criando, para tanto, uma comissão de examinadores nomeados pelo Governo (MATTOS, 2000). O Decreto previa asilo para os menores abandonados, onde estes receberiam instrução primária e, posteriormente, seriam encaminhados aos Arsenais da Marinha Imperial ou às oficinas públicas ou privadas para aprenderem um ofício. Art. 62. Se em qualquer districtos vagarem menores de 12 annos em tal estado de pobreza que, alêm da falta de roupa decente para freqüentarem as escolas, vivão mendicidade, o Governo os fará recolher a huma das casas de asylo que devem ser creadas para este fim com hum Regulamento especial. Em quanto não forem estabelecidas estas casas, os meninos poderão ser entregues aos parochos ou coadjutors, ou mesmo aos professores dos districtos, com os quaes o Inspector Geral contractará, precedendo approvação do Governo, o pagamento mensal da somma precisa para o supprimento dos mesmos meninos. Art. 63. Os meninos, que estiverem nas circunstancias dos Artigos antecedentes, depois de receberem a instrução do primeiro grão, serão enviados para as companhias de aprendizes dos arsenaes, ou de imperiaes Marinheiros, ou para as officinas publicas ou particulares, mediante hum contracto, neste ultimo caso, com
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os respectivos proprietários, e sempre debaixo de fiscalisação do Juiz de Orphãos. Áquelles porêm que se distinguirem, mostrando capacidade para estudos superiores, dar-se-há o destino que parecer mais apropriado á sua intelligencia e aptidão. (BRASIL, 1854, paginação irregular)
Concordando com Garcia (2000), observa-se que o referido Decreto fortalece mais uma vez a ideia que o papel dos ofícios destinava-se aos menores abandonados. Salienta-se, neste período, o seguinte contexto social: população de cerca de 5.520.000 habitantes, sendo desses 2,5 milhões de escravos; ensino descentralizado e sem informações educacionais nacionais; imigração europeia, os colonos trazendo a cultura da valorização da educação para todos; na região sul, os colonos criam seus próprios sistemas de ensino; início da industrialização e introdução das ideias liberais e demandas por educação escolar. Em 1856 ocorre a criação do Collégio Nacional para Surdos-Mudos, que em 1857 denominou-se de Imperial Instituto dos Surdos-Mudos. Tal instituto visava oferecer uma educação intelectual, moral e religiosa aos surdos que se achassem nas condições de recebê-la e preparálos segundo a aptidão e necessidade de cada um ao exercício de uma arte mecânica ou liberal. O Instituto Nacional de Surdos de Paris [...] tinha por base, no século XIX, o desenvolvimento da aquisição da fala e o aproveitamento dos restos auditivos dos surdos. Deste Instituto vem o fundador da primeira escola para a educação dos surdos no Brasil, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, criado em 1856 por Ernest Huet. (PINTO, 2006, p. 4)
O Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, conforme disposto no artigo 2o do regulamento interno, tinha por finalidades a educação intelectual, moral e religiosa dos surdos (PINTO, 2006). Recebia alunos de ambos os sexos, devidamente vacinados e com idade entre nove e quatorze anos. O curso completo tinha seis anos, sendo que a formação dos meninos era voltada para o ensino agrícola e a das meninas tinha ênfase nas atividades do lar. Ao completar dezoito anos, ou os seis anos de permanência, os alunos eram obrigados a deixar o Instituto. De acordo com a Notícia do Instituto dos Surdos-Mudos no Rio de Janeiro, do Dr. Tobias Leite, publicada em 1877, a finalidade do Instituto era de oferecer ao surdo “instrucção litteraria e ensino profissional”. A instrucção litteraria é dada em 6 a 8 annos, e comprehende: o ensino da lingua portugueza pelo meio da escrita, da arithimetica até decimaes com applicações às necessidades da vida commum, da geometria plana com applicações á agrimensura, da geographia e história do Brazil, e noções da historia sagrada. O modo pratico do ensino da lingua portugueza é o prescrito no livro Lições de Linguagem Portugueza, extrahidas de diversos methodos em uso nos institutos da Europa, com as modificações que a localidade, a occasião, a intelligencia, O temperamento a indole, a idade e os habitos do alumno exigem.
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Servem de assumpto para as lições de linguagem escripta os objectos que existem e os factos que se dão, ou que de propósito se praticão no Instituto. Para auxilio e complemento desse ensino intuitivo e visual, possue o estabelecimento e faz uso constante de uma numerosa colleção de estampas de origens allemã e franceza, representando acções, factos e cenas da vida real no mundo exterior, e bem assim de um apparelho para o ensino da arithimetica, de uma coleção completa de pesos e medidas do systema metrico, de figuras geometricas de madeira, mappas e globos geographicos. As lições que começão pela fórma imperativa e continuão pela interrogativa, passão pouco a pouco á fórma narrativa, em que os alumnos são obrigados não só a apresentar narrações do emprego do seu tempo no intervallo de uma aula á outra, como a fazer descripções dos quadros que lhes são indicados pelo professor, e a narrar por escripto os factos que virão praticar ou que praticarão nos passeios fora do Instituto. O ensino da palavra articulada ainda não começou, por não estar ainda provida a cadeira dessa materia, creada pelo regulamento, como mais um meio de instrucção litteraria. Desde a 14ª lição do compendio os alumnos começão a copiar da lousa, letra por letra, e palavra por palavra, e finalmente a lição que o professor lhes deu na taboa negra, na qual também escrevem, e assim aprendem a calligraphia. O ensino do desenho é dado por modêlos gradativos desde a linha recta até o sombreado fuzain. A educação profissional é dada por ora: Na officina de sapateiro, que faz todo o calçado necessário para os alumnos e para os particulares que o encomendão; Na officina de encadernação, que encaderna os livros das Repartições Publicas e de particulares. Logo que o numero de alumnos fôr sufficiente, outras officinas serão estabelecidas. Ao artefactos das officinas dá-se um valor, do qual metade é recolhido ao Thesouro nacional como indemnização da matéria prima, a outra metade é recolhida á Caixa Economica, e escripturada em cadernetas no nome do alumno, que retira capital e juros quando deixa o Instituto. Há alumnos que fazem o peculio de 150 réis (LEITE, 1877, p. 5-8 apud SOARES, 1999, p. 84-85 – grifo nosso).
Apesar de consideramos a importância e necessidade de criação do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos no que tange ao contexto pedagógico e educacional da Educação Especial no Brasil, destacamos que o ensino dedicado ao mundo do trabalho, que no início se destinou aos silvícolas, depois aos escravos, e em seguida aos órfãos e aos mendigos, mais tarde passou a atender outros excluídos, como os surdos, corroborando, assim, a mentalidade hegemônica da época: de que tal ensino era destinado aos menos favorecidos. Segundo Fonseca (1986), o ato de 25 de agosto de 1873 fixava o orçamento para os exercícios de 1873 a 1875, e autorizava o governo a fundar dez escolas primárias no município da Corte. Aproveitando-se deste fato, o Conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira assinou o Decreto no 5532, de 24 de janeiro de 1874, que criava as dez escolas autorizadas, determinando que a última delas seria para executar o estabelecido pelos artigos 62 e 63 do Decreto no 1.331A/1854 (citado anteriormente), servindo de Casa de Asilo, que funcionaria com o regulamento que o Governo Imperial expedisse. Por esse regulamento, Decreto no 5849, de 9 de janeiro de 1875, a
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Casa de Asilo passava a chamar-se de Asilo dos Meninos Desvalidos, o qual foi inaugurado em 14 de março de 1875, no Rio de Janeiro, na presença do Imperador e do Conselheiro João Alfredo. Posteriormente, em 1910, o Asilo passou a se chamar Escola Estadual João Alfredo. Ao fundar o Asilo dos Meninos Desvalidos, João Alfredo não tinha em mente apenas prestar apoio assistencial, mas sim educar meninos de 6 a 12 anos. No entanto, conforme Fonseca (1986), a característica do estabelecimento era mais de asilo do que de uma escola profissional, mesmo que no artigo 9º do regulamento (Decreto no 5849/1875), fosse disposto se oferecesse a instrução aos asilados: Artº 9º - O ensino do Asilo compreenderá: § 1º - Instrução primária de 1º e 2º gráo. § 2º - Álgebra elementar, geometria plana e mecânica aplicada às artes. § 3º - Escultura e desenho. § 4º - Música, vocal e instrumental. § 5º - Artes tipográficas e litográficas. § 6º - Os ofícios mecânicos de: Encadernador; Alfaiate; Carpinteiro, marceneiro, torneiro e entalhador; Funileiro; Ferreiro e serralheiro; Surrador, correeiro e sapateiro. (FONSECA, 1986, p. 164-165)
Pelo Decreto no 8910, de 17 de março de 1883, foi dado novo regulamento ao Asilo, “incluindo-se no curso de letras o ensino de história e geografia do Brasil e, na parte profissional, a prática de exercícios físicos e de agricultura” (FONSECA, 1986, p. 153). Destaca-se a importância dada à álgebra elementar e à geometria plana como necessários para a instrução elementar dos asilados, corroborando uma concepção de artes liberais na formação profissional da época. Ressalta-se a Matemática relacionada com as artes liberais e, possivelmente, percebida como necessária à formação laboral (GONÇALVES, 2012). Os últimos anos do Império e as primeiras décadas de implantação do projeto político republicano foram períodos históricos marcados por consideráveis mudanças sociais e econômicas no País, provocadas pela extinção da escravidão, pela consolidação do projeto de imigração e pela expansão da economia (MANFREDI, 2002). Conforme retrata Fonseca (1986), ao final do período imperial e um ano após a abolição da escravatura no Brasil, o número total de fábricas instaladas era de 636 estabelecimentos, com um total de aproximadamente 54 mil trabalhadores, para uma população total de 14 milhões de habitantes, com uma economia acentuadamente agrário-exportadora, com predominância de relações de trabalho rurais pré-capitalistas. Desse período até 1909, fundaramse mais 3.362 fábricas. A quantidade de operários empregados naquelas indústrias, que em 1889
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era de 24.369 homens, em 1909 já subira para 34.362. Demonstra-se, assim, um crescimento exponencial da indústria brasileira. No período da República Velha, que perpassa desde a proclamação da república até a ascensão de Getúlio Vargas, em 1930, o Brasil investiu em um processo de industrialização forte e independente, passando por várias transformações visando à implementação da indústria brasileira. Contudo, por falta de um planejamento e de uma economia interna consolidada, na prática, resultou-se em um endividamento do País. No decorrer da Primeira Guerra Mundial, instaura-se o capitalismo industrial no Brasil, mas o setor econômico continuou subordinado à cultura do café, que dependia da importação de máquinas. A autonomia econômica em relação ao café iniciou-se na década de 30 (OHLWEILER, 1990). Na época, a produção brasileira estava concentrada nos setores têxtil e de alimentos, em substituição aos artigos de importação que sofreram escassez no período da I Guerra. As indústrias concentravam-se em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco e Paraná. Os imigrantes eram os responsáveis, em grande parte, pela força de trabalho nas fábricas brasileiras, e o capital nacional predominava. Na produção de energia elétrica e companhias ferro-carris concentrava-se o capital estrangeiro. Nesse período, vários setores da sociedade começaram a demonstrar interesse de que se estabelecesse no Brasil um ensino que preparasse o trabalhador para as atividades da indústria; era necessária a melhoria da mão de obra, justificada pelo aumento de indústrias no País (GARCIA, 2000). A Constituição da República de 1891, que instituiu o Sistema Federativo de Governo, consagrou também a descentralização do ensino e a dualidade de sistemas, que delegou à União a criação e o controle do ensino superior e o ensino secundário; aos Estados coube criar e controlar o ensino primário e o ensino profissional (ROMANELLI, 1980). Em 1906, o então presidente do Estado do Rio de Janeiro, Nilo Peçanha, por meio do Decreto no 787, de 11 de setembro, fundou no Estado do Rio de Janeiro quatro escolas profissionais: Campos, Petrópolis, Niterói, e Paraíba do Sul, sendo as três primeiras para o ensino de ofícios manufatureiros e a última para a aprendizagem agrícola. Por meio do Decreto no 1008, em 15 de dezembro, foi criada também a escola de Resende, destinada ao ensino agrícola. Conforme aponta Cunha (2000), embora essas escolas tivessem vários aspectos que as diferenciassem (regime de internato ou externato, idade de ingresso, rigidez da disciplina, currículo, entre outros) estavam todos orientados para a consecução do mesmo fim: formação de força de trabalho industrial em termos técnicos e ideológicos.
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Apesar de criadas originalmente para “educar” os menores desvalidos, devido à inexistência de programas e por apresentarem a ciclos acadêmicos indefinidos, bem como a falta de professores preparados e instalações e maquinários inadequados, estes estabelecimentos tiveram vida curta, duraram pouco mais que um ano (GOMES, 2004). No mesmo ano, além dessas ações, outros fatores foram essenciais para a implantação de uma Educação Profissional no País. Um deles foi a declaração de Afonso Pena, então Presidente da República, em seu discurso de posse, no dia 15 de novembro de 1906: “A criação e multiplicação de institutos de ensino técnico e profissional muito podem contribuir também para o progresso das indústrias, proporcionando-lhes mestres e operários instruídos e hábeis”. Segundo Brandão (1999), se, por um lado, o discurso parece marcado pela ideia simplista de que formando mão de obra "hábil" para a indústria teríamos como consequência o seu desenvolvimento, por outro, demonstra já alguma preocupação com a necessidade de providências para o desenvolvimento industrial do País, ao mesmo tempo em que explicita também a necessidade de formar um trabalhador nesse sentido. Assim, o Senado, por meio da Comissão de Finanças, aumentou a dotação orçamentária para os Estados instituírem escolas técnicas e profissionais elementares, sendo criada, na Estrada de Ferro Central do Brasil, a Escola Prática de Aprendizes das Oficinas do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro (SAMPAIO, 2010). Em dezembro de 1906, ocorreu o “Congresso de Instrução”, na cidade do Rio de Janeiro. A partir deste evento foi apresentado ao Congresso Nacional um anteprojeto de lei para promoção do ensino prático industrial, agrícola e comercial, nos estados e na capital da República, a ser mantido pelo Governo da União e parceria com os Estados, onde os Estados arcariam com a terça parte das despesas (CUNHA, 2000). O anteprojeto previa a criação de campos e oficinas escolares, assim como institutos profissionais. Esses seriam implantados em cada município, em número correspondente à população. A proposta era de oferta de cursos (diurnos e noturnos) variados: ensino prático elementar de comércio e indústria; ensino prático e elementar de agricultura; serviços domésticos; internato de ensino prático industrial e agrícola para “menores desamparados e viciosos”; campos de experiência e demonstração; cursos industriais, agrícolas e comerciais; cursos de aprendizagem de ofícios nos quartéis e nos navios de guerra; cursos de aprendizagem agrícola para os praças. De acordo com o anteprojeto, vislumbrou-se, no currículo de formação geral dos cursos, a Matemática, por meio dos seguintes componentes curriculares: aritmética, geometria plana, desenho linear, elementos de trigonometria, elementos de geometria descritiva.
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Inicialmente o anteprojeto foi esquecido nos arquivos da Câmara dos Deputados, sendo baixado somente três anos depois um decreto presidencial que criava as escolas de aprendizes artífices que, apesar de não ter a mesma amplitude, convergia com o anteprojeto em diversos pontos (CUNHA, 2000). Deste modo, o presidente Nilo Peçanha, em 23 de setembro de 1909, assina o Decreto no 7.566, criando em diferentes unidades federativas, sob a jurisdição do Ministério dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio, dezenove Escolas de Aprendizes Artífices, destinadas ao ensino profissional, primário e gratuito para os “desafortunados”. Tal fato representa marco histórico na criação da atual Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Como se pôde observar a partir dos fatos relatados neste texto, o caráter da educação profissional apresentado no período que compreende os primeiros quatrocentos anos do Brasil mostra-se voltado primordialmente para as populações marginalizadas da época e que apesar da evolução do ensino profissional ao longo dos primeiros anos da História da Educação no Brasil esse estigma permaneceu de maneira muito forte. Observa-se também a presença do ensino de Matemática nos currículos dos cursos primários e secundários, o que denota que sua aproximação das artes liberais durante o período observado e, possivelmente, percebido como necessário à formação laboral.
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MARCAS E TRAJETÓRIAS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL PARTE 2: DAS ESCOLAS DE APRENDIZES ARTÍFICES À REFORMA CAPANEMA Harryson Júnio Lessa Gonçalves Célia Maria Carolino Pires Ana Lúcia Braz Dias Ana Clédina Rodrigues Monteiro
RESUMO: Este artigo tem como objetivo caracterizar elementos da evolução da Educação Profissional no período histórico compreendido entre a criação das Escolas de Aprendizes Artífices (1909) à Reforma Capanema (anos 40 e 50). Para tanto, tem-se como elemento norteador da análise elementos sociais e pedagógicos das referidas reformas educacionais. Ressalta-se que tal período de análise é marcado por momentos que marcaram a trajetória histórica da atual Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT). O estudo foi delineado como pesquisa qualitativa de natureza fenomenológica, no qual os dados foram coletados e organizados a partir de revisão da literatura especializada e de documentos históricos (legislações). PALAVRAS-CHAVE: Educação Profissional; História da Educação; Educação Brasileira.
MILESTONES AND TRAJECTORIES OF PROFESSIONAL EDUCATION IN BRAZIL: FROM THE SCHOOLS FOR APPRENTICE CRAFTSMEN TO THE CAPANEMA REFORM RESUMO: The objective of this article is to characterize elements of the evolution of Professional Education in Brazil, in the period between the creation of the Schools for Apprentice Craftsmen (1909) and the Capanema Reform (1940s and 50s). For this end we analyse social and pedagogical elements of the aforementioned educational reforms. The historical period in question was important in the creation of the present Federal Network of Professional, Scientific, and Technological Education. The study was qualitative in nature and done by a review of the specialized literature and historical documents (legislations). The importance of this analysis lies in the preservation or restauration of elements of the memory of Brazilian Professional Education. KEYWORDS: Professional Education; History of Education; Brazilian Education.
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O presente artigo busca destacar determinados fatores que contribuíram para a evolução da Educação Profissional no período compreendido entre a criação das Escolas de Aprendizes Artífices (1909) e a Reforma Capanema (anos 40 e 50). Assim, o texto foi organizado em três períodos da História da Educação Profissional: Escolas de Aprendizes Artífices, Liceus Profissionais e a Reforma Capanema. 1
ESCOLA DE APRENDIZES ARTÍFICES O presidente Nilo Peçanha, em 23 de setembro de 1909, assina o Decreto no 7.566, criando em
diferentes unidades federativas, sob a jurisdição do Ministério dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio, dezenove Escolas de Aprendizes Artífices, destinadas ao ensino profissional, primário e gratuito para os chamados “desafortunados”, conforme previsto no 2o Artigo do Decreto no 7.566: Nas Escolas de Aprendizes Artifices, custeadas pela União, se procurará formar operarios e contra-mestres, ministrando-se o ensino pratico e os conhecimentos technicos necessarios aos menores que pretendem aprender um officio, havendo para isso até o numero de cinco officinas de trabalho manual ou mecânico que forem mais convenientes e necessárias no Estado em que funccionar a escola, consultadas, quanto possível, as especialidades das industrias locaes. (BRASIL, 1909 apud FRAJUCA; MAGALHÃES, 2009, p. 92)
Os cursos, cujos programas eram aprovados pelo ministro, funcionavam em regime de externato, com aulas das 10 horas até às 16 horas. O Artigo 6o do referido Decreto assinala que tinham preferência os desfavorecidos de fortuna, e eram requisitos de acesso: i) idade mínima de 10 anos e de no máximo 13 anos; ii) não sofrer moléstia infectocontagiosa, nem ter defeito que impossibilite o aprendizado do ofício. Em seu Artigo 8 o o Decreto cita que cada escola deverá ofertar dois cursos noturnos: i) primário – obrigatório para os alunos que não sabiam ler, escrever ou contar e ii) desenho – para os alunos que necessitavam dessa disciplina para aprendizagem do ofício. Segundo Cunha (2000), a rede de escolas não inovou muito em termos ideológicos e pedagógicos, ao menos no início de seu funcionamento, porém mostra-se como grande novidade à estrutura do ensino, por constituir, provavelmente, o primeiro sistema educacional de abrangência nacional. O Decreto no 7.763, de 23 de dezembro de 1909, dispõe que, caso existisse em um estado um estabelecimento do tipo das escolas de aprendizes artífices, custeado e subvencionado pelo respectivo estado, o governo federal poderia deixar de instalar aí a escola de aprendizes e artífices, auxiliando o estabelecimento estadual com uma subvenção igual à cota destinada à instalação e custeio de cada escola. Deste modo, cada estado receberia essas escolas, com exceção do Rio Grande do Sul, onde já
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funcionava o Instituto Técnico Profissional da Escola de Engenharia de Porto Alegre, mais tarde denominado Instituto Parobé. O Decreto no 9.070, de 25 de outubro de 1911, declara este Instituto como Escola de Aprendizes Artífices, enquanto não fosse estabelecida a escola da União – o que nunca veio a existir. Também não foi instalada uma escola de aprendizes artífices no Distrito Federal por já existir o Instituto Profissional Masculino. Legislações posteriores chegaram a prever a criação da Escola do Distrito Federal, porém a mesma não chegou a ser implantada. Assim, dos vinte estados, apenas dezenove receberam a Escola de Aprendizes Artífices. Na capital do estado de São Paulo, o início do funcionamento da escola ocorreu no dia 24 de fevereiro de 1910, instalada precariamente em um barracão improvisado na Avenida Tiradentes, sendo transferida, alguns meses depois, para as instalações no bairro de Santa Cecília, à Rua General Júlio Marcondes Salgado, no 234, lá permanecendo até o final de 1975 (FONSECA, 1986), quando foi transferida para o bairro Canindé, à Rua Pedro Vicente, no 234 – sua atual localização (IFSP – Campus São Paulo e reitoria). Com exceção da escola do estado do Rio de Janeiro, as escolas foram instaladas sempre na capital dos estados, independente se elas eram populosas ou se a produção manufatureira fosse intensa; deste modo, o critério de dimensionamento do sistema e de localização das escolas não correspondiam à dinâmica da produção manufatureira (CUNHA, 2000). Tome-se como exemplo a instalação da escola no estado de Santa Catarina em Florianópolis, mesmo sendo Blumenau o centro agrícola e manufatureiro do Estado. Na Tabela 1, percebe-se que a variável “número de operários” nem sempre acompanhava o quantitativo de alunos matriculados nas Escolas de Aprendizes Artífices; como exemplo extremo, se tem São Paulo, Minas Gerais e Bahia, que possuíam um número baixo de aprendizes artífices em relação ao número de operários do estado. Em contrapartida, os estados da Paraíba, Paraná e Espírito Santo concentravam, proporcionalmente aos outros estados, muitos aprendizes artífices em relação ao número de operários. Assim, “o dimensionamento do sistema e a localização das escolas de aprendizes artífices mostraram-se inadequados aos propósitos de incentivar a industrialização pela formação profissional sistemática da força de trabalho” (CUNHA, 2000, p. 71). Tabela 1 - Distribuição do número de estabelecimentos industriais, de operários (1907) e de alunos nas Escolas de Aprendizes Artífices (1911), segundo unidades da federação. Unidade da Federação Amazonas Pará Maranhão Piauí Ceará
o
N de Estabelecimentos 92 54 18 3 18
o
N de Operários 1167 2539 4545 355 1207
o
N de Alunos EAA 70 95 104 85 100
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Rio Grande do Norte Paraíba Pernambuco Alagoas Sergipe Bahia Espírito Santo Rio de Janeiro Distrito Federal São Paulo Paraná Santa Catarina Rio Grande do Sul Minas Gerais Goiás Mato Grosso Brasil
15 42 118 45 103 78 4 207 670 326 297 173 314 531 135 15 3258
2062 1461 12042 3775 3027 9964 90 13632 35243 24186 4724 2102 15426 9555 868 3870 151840
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83 134 125 151 120 70 166 282 121 293 130 61 93 108 2391
FONTE: Centro Industrial do Brasil, O Brasil, suas Riquezas Naturais, suas Indústrias. Rio de Janeiro, Oficinas Gráficas M. Orosco e C., 1909, v.III. (CUNHA, 2000, p. 69) NOTA: EAA = escolas de aprendizes artífices
O artigo 2o do Decreto no 7.566, de 23 de setembro de 1909, apontava que as Escolas de Aprendizes Artífices deveriam ofertar até cinco oficinas de trabalho, manual ou mecânico, que fossem mais convenientes e necessárias no estado e, quando possível, as escolas deveriam consultar as especialidades das indústrias locais. Cunha (2000) aponta que a maioria absoluta das escolas ensinava alfaiataria, sapataria e marcenaria; outras oficinas eram ensinadas em número menor, predominando o ensino artesanal (pintaria, ferraria, funilaria, selaria, encadernação e outros). A Escola de Aprendizes Artífices de São Paulo, devido às condições de crescimento industrial do estado, levou o maior esforço de adaptação das oficinas às exigências fabris. Assim, desde o início de sua existência, a escola oferecia ensino de ofícios de mecânica, eletricidade e tornearia. Deste modo, na contramão das demais escolas, em São Paulo, a formação dos artífices centrou-se em oficinas ligadas à indústria, em detrimento de um ensino artesanal. A realidade das escolas era de mestres despreparados, devido principalmente à excessiva liberdade que os programas educativos conferiam aos diretores; isso gerou um mau funcionamento das escolas, transformando-as em simples escolas primárias em que se fazia alguma aprendizagem de trabalhos manuais. Apenas em 1926, foi estabelecido um currículo padronizado para todas as oficinas, expresso na Consolidação dos Dispositivos Concernentes às Escolas de Aprendizes Artífices, promulgada por portaria do ministro da Agricultura, Indústria e Comércio. De acordo com a Consolidação, o currículo permaneceu sendo de quatro anos, com mais dois complementares. Os dois primeiros anos letivos destinavam-se aos trabalhos manuais, com estágio prévocacional da prática dos ofícios, e ocorriam paralelamente aos cursos primários e de desenho. Para os anos letivos seguintes, foram estabelecidas oito seções destinadas ao ensino de ofícios manuais (trabalhos de madeira, trabalhos de metal, artes decorativas, artes gráficas, artes têxteis, trabalhos de
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couro, fabricação de calçados, confecção de vestuário) e uma seção destinada ao ensino de técnicas comerciais. A escola poderia oferecer mais que cinco oficinas, desde que houvesse espaço físico no edifício e no mínimo 20 aprendizes para o ofício. O curso primário funcionaria das 17 horas às 20 horas, com a finalidade de ensinar a leitura e escrita, aritmética até regra de três, noções de geografia do Brasil e a gramática elementar da língua nacional. O curso de desenho, que funcionava no mesmo horário, compreendia o ensino de desenho de memória, do natural, de composição decorativa, de formas geométricas e de máquinas e peças de construção, obedecendo aos métodos mais aperfeiçoados (CUNHA, 2000). As aulas teóricas e práticas, segundo a Consolidação, não deveriam ter duração inferior a 50 minutos. De acordo com a disposição das disciplinas, conforme a matriz curricular apresentada no Quadro 1, percebe-se a atenção dada ao ensino de Matemática para os artífices, garantindo uma formação primária de letramento e de base para a formação profissional. Ressalta-se a aritmética, álgebra, desenho e escalas, trigonometria e geometria presentes na formação matemática dos artífices. Quadro 1- Matriz Curricular das Escolas de Aprendizes Artífices 1º ano Leitura e escrita Caligrafia Contas Lições das coisas Desenho e trabalhos manuais (estágio pré-vocacional da prática dos ofícios) Ginástica e canto Total 2º ano Leitura e escrita Contas Elementos de geometria Geografia e história pátria Caligrafia Instrução moral e cívica Lição das coisas Desenho e trabalhos manuais (estágio pré-vocacional da prática dos ofícios) Ginástica e canto Total 3º ano Português Aritmética Geometria Geografia e história pátria Lições das coisas Caligrafia Instrução moral e cívica Desenho ornamental e de escala Aprendizagem nas oficinas (aprendizagem do ofício propriamente dito)
Aulas por semana 8 2 6 2 15 3 36 Aulas por semana 6 4 2 2 2 1 2 16 3 38 Aulas por semana 3 3 3 2 2 2 1 8 18
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Total
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42 4º ano
Português Aritmética Geometria Rudimentos de física Instrução moral e cívica Desenho ornamental e de escala Desenho industrial e tecnologia Aprendizagem nas oficinas (aprendizagem do ofício propriamente dito) Total 1º Ano Complementar Escrituração de oficinas e correspondência Geometria aplicada e noções de álgebra e de trigonometria Física experimental e noções de química Noções de história natural Desenho industrial e tecnologia Aprendizagem nas oficinas (aprendizagem do ofício propriamente dito) Total 2º Ano Complementar Escrituração de oficinas e correspondência Álgebra e trigonometria elementar Noções de física e química aplicada Noções de mecânica História natural elementar Desenho industrial e tecnologia Aprendizagem nas oficinas (especialização) Total
Aulas por semana 3 3 3 2 1 6 6 24 48 Aulas por semana 4 4 4 3 9 24 48 Aulas por semana 3 2 3 2 2 9 27 48
FONTE: Gonçalves (2012)
Para Fonseca (1986), no currículo estabelecido pela Consolidação houve a primeira tentativa de elevação do nível desse ramo de ensino, deixando de ser primário. Ou seja, apesar de ser considerado de nível primário, no ensino profissional já se incluíam noções de trigonometria e elementos de álgebra. Após muitos anos depois seria reconhecida essa necessidade e o ensino profissional passaria a ser considerado de nível médio, paralelo ao ensino secundário. O corpo docente era formado por professores e mestres de oficina, sendo esta estrutura alvo de insistentes e rigorosas críticas por parte do Serviço de Remodelação do Ensino Profissional Técnico. Conforme Fonseca (apud CUNHA, 2000), os professores primários não sabiam lidar com os conteúdos escolares adequando-os para o ensino profissional, e os mestres de ofício, vindos diretamente das fábricas, seriam homens sem a necessária base teórica, com a capacidade presumida de transmitirem aos seus discípulos os conhecimentos empíricos. Assim, pressupõe-se a fragilidade de uma possível articulação interdisciplinar dos conteúdos de natureza propedêutica com a aprendizagem do ofício.
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Em 1930, o funcionamento das escolas de aprendizes artífices passa a ser responsabilidade do então criado Ministério da Educação e Saúde Pública. Neste contexto, foi implantada a Inspetoria do Ensino Profissional Técnico, que passava a supervisionar as Escolas de Aprendizes Artífices. Essa Inspetoria foi transformada, em 1934, em Superintendência do Ensino Profissional. Foi um período de grande expansão do ensino industrial, impulsionada por uma política de criação de novas escolas industriais e introdução de novas especializações nas escolas existentes. Em 1931, ocorrem mudanças significativas no contexto da educação brasileira. Uma série de decretos efetivou as chamadas Reformas Francisco Campos – o primeiro titular do recém-criado Ministério da Educação e Saúde Pública. Essa reforma, de 1931, foi marcada pela articulação junto aos ideários do governo autoritário de Getúlio Vargas e seu projeto político ideológico, implantado sob a ditadura conhecida como “Estado Novo” (MENEZES; SANTOS, 2002a). São alguns Decretos oriundos da reforma: i) Decreto no 19.850, de 11 de abril de 1931, que criou o Conselho Nacional de Educação; ii) Decreto no 19.851, de 11 de abril de 1931, que dispôs sobre a organização do Ensino Superior no Brasil e adotou o regime universitário; iii) Decreto no 19.852, de 11 de abril de 1931, que dispôs sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro; iv) Decreto no 19.890, de 18 de abril de 1931, que dispôs sobre a organização do Ensino Secundário; v) Decreto no 19.941, de 30 de abril de 1931, que instituiu o ensino religioso como matéria facultativa nas escolas públicas do País; vi) Decreto no 20.158, de 30 de junho de 1931, que organizou o ensino comercial e regulamentou a profissão de contador; vii) Decreto no 21.241, de 14 de abril de 1932, que consolidou as disposições sobre a organização do Ensino Secundário. Segundo estudiosos da história da Educação Matemática, a Reforma Francisco Campos é considerada um marco no ensino da Matemática no Brasil, devido, na ocasião, o então Ministro da Educação e Saúde Pública ter convidado o professor Euclides Roxo para elaborar uma proposta para a reformulação do ensino brasileiro, o que favoreceu o fortalecimento do campo do ensino da Matemática, conforme descreve Pires (2008). Euclides Roxo teve papel importante, ao propor a unificação dos campos matemáticos – Álgebra, Aritmética e Geometria – numa única disciplina, a Matemática, com a finalidade de abordá-los de forma articulada inter-relacionada, uma vez que anteriormente cada um deles era estudado como disciplina independente. Euclides defendeu ainda a idéia de que o ensino da geometria dedutiva deveria ser antecedido de uma abordagem prática da geometria. (PIRES, 2008, p. 15)
Euclides Roxo era professor do Colégio Pedro II e, em 1927, propôs uma reformulação radical no ensino da Matemática à Congregação do Colégio. Baseado em estudos de Felix Christian Klein (matemático alemão), propôs a referida unificação da disciplina.
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O ideário viabilizado no Colégio Pedro II se fez presente na proposta de Euclides Roxo ao Ministério da Educação e Saúde Pública que foi plenamente aceita, abarcando-se na Reforma Francisco Campos. 2
LICEUS PROFISSIONAIS As escolas de aprendizes artífices se mantiveram funcionando até 13 de janeiro de 1937, com a
assinatura da Lei no 378, por Getúlio Vargas que, em seu artigo no 37, transformava essas escolas em Liceus Profissionais, destinados ao ensino profissional em todos os ramos e graus. Essa alteração ocorreu pela própria necessidade de mudança dado o desenvolvimento industrial que Getúlio Vargas almejava para o país. (BRASIL, 1937a) Em seguida, em 10 de novembro do mesmo ano, outorga-se a Constituição Brasileira de 1937 – a primeira a tratar especificamente de ensino técnico, profissional e industrial – estabelecendo no artigo 129: Art 129 - A infância e à juventude (sic), a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais. O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais. É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera da sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado, sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo Poder Público. (BRASIL, 1937b, paginação irregular)
Apesar da Constituição se reportar ao termo “educação”, para Garcia (2000), nesse período houve uma desvinculação total entre formação profissional e educação, uma vez que aos trabalhadores era destinada uma formação voltada para o adestramento, treinamento, visto que a indústria ainda era bastante elementar, baseada no artesanato e manufatura, com poucas exigências de uma mão de obra que fosse mais qualificada. Nota-se ainda que o ensino técnico, profissional e industrial no período continua associado às classes menos favorecidas. A denominação de Liceu Profissional perdurou até o ano de 1942, quando o Presidente Getúlio Vargas, já em sua terceira gestão no governo federal (10/11/1937 a 29/10/1945), baixou o Decreto-lei no 4.073, de 30 de janeiro, definindo a Lei Orgânica do Ensino Industrial, que preparou novas mudanças para o ensino profissional (GONÇALVES, 2012).
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REFORMA CAPANEMA Em 1942, um conjunto de importantes leis (leis orgânicas do ensino) foi aprovado, sob o
comando do então Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema Filho, mudando consideravelmente o cenário da educação brasileira. Tais leis estruturaram o ensino industrial, reformularam o ensino comercial, criaram o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), trazendo, assim, mudanças significativas ao ensino secundário. Tais mudanças são conhecidas como Reforma Capanema – conforme Quadro 2. Quadro 2- Decretos-lei da Reforma Capanema DECRETO-LEI 4.073 4.048 4.127 4.244 6.141
DATA 30 de janeiro de 1942 22 de janeiro de 1942 25 de fevereiro de 1942 9 de abril de 1942 28 de dezembro de 1943
EFEITO organizou o ensino industrial instituiu o SENAI estabeleceu as bases de organização da rede federal de estabelecimentos de ensino industrial organizou o ensino secundário em dois ciclos: o ginasial, com quatro anos, e o colegial, com três anos reformulou o ensino comercial
FONTE: Gonçalves (2012)
No contexto do ideário do Governo Vargas, o ministro Capanema é mais explícito ao sugerir mecanismos para a ampliação da influência do governo na educação. É com a educação moral e cívica que se cerra e se completa o ciclo da educação individual e coletiva e é por ela que se forma o caráter do: cidadãos, infundindo-lhes não apenas as preciosas virtudes pessoais senão também as grandes virtudes coletivas que formam a têmpera das nacionalidades - a disciplina, o sentimento do dever, a resignação nas adversidades nacionais, a clareza nos propósitos, a presteza na ação, a exaltação patriótica. (MENEZES; SANTOS, 2002b, paginação irregular)
Para uma melhor compreensão deste segmento de ensino, fruto da Reforma Capanema, apresentar-se-á agora uma síntese da organização dos ensinos industrial e comercial no período, tomando como referência as legislações acima, bem como a estruturação do ensino secundário. 3.1 ENSINO INDUSTRIAL O ensino industrial brasileiro, de grau secundário, era destinado à preparação profissional dos trabalhadores da indústria e das atividades artesanais e, ainda, dos trabalhadores dos transportes, das comunicações e da pesca.
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Os cursos eram organizados em dois ciclos, conforme apresentado no Quadro 3, e em três modalidades: Cursos Ordinários (Quadro 4), Extraordinários (Quadro 5) e Avulsos ou de Ilustração Profissional (Quadro 6). Quadro 3- Organização do Ensino Industrial – Ciclos 1º. CICLO Ensino Industrial Básico Ensino Maestria Ensino Artesanal Aprendizagem
2º. CICLO Ensino Técnico Ensino Pedagógico
o
FONTE: Decreto-Lei n 4.073 de 30 de janeiro de 1942
A) Cursos Ordinários: No Quadro 4 são apresentadas as características dos cursos ordinários do Ensino Industrial. Quadro 4- Ensino Industrial – Cursos Ordinários CURSO INDUSTRIAIS
MAESTRIA
ARTESANAIS APRENDIZAGEM
TÉCNICOS
PEDAGÓGICOS
DESCRIÇÃO Aprendizagem de ofícios de longa formação profissional. Requisitos: a) 12 a 17 anos; b) educação primária completa; c) capacidade física e mental para os trabalhos escolares; d) aprovado em exame vestibular. Conferia diploma de artífice. Alunos já diplomados, destinados à formação para exercício da função de mestre. Requisitos: a) concluído o curso industrial; b) aprovado em exame vestibular. Conferia diploma de mestre. Ofícios com formação reduzida. Conferia certificado. Ensino metodológico de ofício aos aprendizes dos estabelecimentos industriais, em períodos variáveis e sob regime de horário reduzido. Conferia certificado. Ensino de técnicas próprias ao ensino de funções de caráter específico da indústria. Requisitos: a) concluído o primeiro ciclo do ensino secundário (ginasial) ou o curso industrial na mesma área pretendida: b) capacidade física e mental para os trabalhos escolares; c) aprovado em exame vestibular. Conferia diploma correspondente à técnica Formação de pessoal docente e administradores para o ensino industrial. Requisitos: a) concluído o curso técnico ou de maestria; b) aprovado em exame vestibular. Conferia diploma correspondente à ramificação pedagógica estudada.
o
DURAÇÃO 4 anos
2 anos (poderia ser oferecido em regime parcelado) VARIÁVEL VARIÁVEL
3 a 4 anos
1 ano
FONTE: Decreto-Lei n 4.073 de 30 de janeiro de 1942 NOTA: Em todos os cursos havia a necessidade de se apresentar prova de não possuir doença contagiosa e de ser vacinado.
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B) Extraordinários: No Quadro 5 são apresentadas as características dos cursos extraordinários do Ensino Industrial. Quadro 5- Ensino Industrial – Cursos Extraordinários CURSO QUALIFICAÇÃO APERFEIÇOAMENTO / ESPECIALIZAÇÃO
DESCRIÇÃO Qualificação profissional destinada a jovens e adultos não diplomados ou habilitados Destinado a trabalhadores já diplomados. Tem por finalidade, respectivamente, ampliar os conhecimentos e capacidades ou ensinar uma especialidade definida a trabalhadores diplomados ou habilitados em curso de formação profissional de ambos os ciclos, e, bem assim, a professores de disciplinas de cultura técnica ou de cultura pedagógica, incluídas nos cursos de ensino industrial, ou a administradores de serviços relativos ao ensino industrial.
o
FONTE: Decreto-Lei n 4.073 de 30 de janeiro de 1942
C)
Avulsos / Ilustração Profissional
Destinados a dar aos interessados em geral conhecimentos de atualidades técnicas, no Quadro 6 são apresentadas a classificação dos cursos de acordo com o tipo de estabelecimentos. Quadro 6- Estabelecimentos de Ensino Industrial ESCOLAS
CURSOS Técnicos Maestria Industriais Pedagógicos Industriais Maestria Pedagógicos Artesanais Maestria Pedagógicos Aprendizagem
TÉCNICAS
INDUSTRIAIS ARTESANAIS APRENDIZAGEM o
FONTE: Decreto-Lei n 4.073 de 30 de janeiro de 1942
Os cursos de aprendizagem poderiam ser oferecidos por qualquer estabelecimento de ensino industrial, bem como os cursos extraordinários e avulsos (Quadro 6). A organização curricular dos cursos industriais, maestria e técnicos era composta por disciplinas de cultura geral e por disciplinas de cultura técnica. Nos cursos pedagógicos, a organização curricular era centrada em disciplinas de cultura pedagógica. Nos cursos industriais, de maestria, técnicos e pedagógicos as disciplinas Educação Física e Educação Musical eram obrigatórias para todos os alunos, assim como a disciplina Educação PréMilitar, para todos os homens, e a disciplina Educação Doméstica, para todas as mulheres – com exceção do curso de maestria oferecido em regime de habilitação parcelada, em que os alunos eram
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dispensados dessas disciplinas. Os estabelecimentos de ensino poderiam incluir a Educação Religiosa entre as práticas educativas dos alunos dos cursos industriais, sem caráter obrigatório. Era assegurada aos portadores de diploma, conferido em virtude de conclusão de curso técnico, a possibilidade de ingresso em estabelecimento superior para matrícula em curso diretamente relacionado com o curso técnico concluído. No Distrito Federal foi instituída a Escola Técnica Nacional, com oferta dos cursos apresentados no Quadro 7. Quadro 7- Cursos Escola Técnica Nacional CURSOS TÉCNICOS a) curso de construção de máquinas e motores; b) curso de eletrotécnica; c) curso de edificações; d) curso de pontes e estradas; e) curso de indústria têxtil; f) curso de desenho técnico, g) curso de artes aplicadas; h) curso de construção aeronáutica.
CURSOS INDUSTRIAIS a) curso de fundição; b) curso de serralheria; c) curso de caldeiraria; d) curso de mecânica de máquinas; e) curso de mecânica de precisão; f) curso de mecânica de automóveis; g) curso de mecânica de aviação; h) curso de máquinas e instalações elétricas; i) curso de aparelhos elétricos e telecomunicações, j) curso de carpintaria; k) curso de alvenaria e revestimentos; l) curso de cantaria artística; m) curso de pintura; n) curso de fiação e tecelagem; o) curso de marcenaria; p) curso de cerâmica; q) curso de joalheria; r) curso de artes do couro; s) curso de alfaiataria, t) curso de corte e costura; u) curso de chapéus, flores e ornatos; v) curso de tipografia e encadernação; z) curso de gravura.
CURSOS PEDAGÓGICOS a) curso de didática do ensino industrial; b) curso de administração do ensino industrial.
FONTE: Gonçalves (2012)
Foi instituída também, no Distrito Federal, a Escola Técnica de Química, com a finalidade de ministrar o curso de Química Industrial. Em Ouro Preto, foi instituída a Escola Nacional de Minas e Metalurgia com a finalidade de ministrar o curso de mineração e o curso de metalurgia. As Escolas Técnicas, apresentadas no Quadro 8, entraram em funcionamento imediatamente à aprovação do Decreto-lei, salvo as de Niterói, de Salvador, de São Paulo e de Belo Horizonte, cujo início de funcionamento ficou na dependência de que para as mesmas fossem construídas e montadas novas e próprias instalações. As Escolas Industriais de Salvador, de Campos, de São Paulo e de Belo Horizonte foram transferidas à administração estadual ou foram extintas à medida em que começaram a funcionar as Escolas Técnicas de Salvador, de Niterói, de São Paulo e de Belo Horizonte.
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Quadro 8- Escolas Técnicas e Escolas Industriais ESCOLAS TÉCNICAS 1) Escola Técnica de Manaus, com sede na
ESCOLAS INDUSTRIAIS 1) Escola Industrial de Belém, com sede na capital
capital do Estado do Amazonas; 2) Escola Técnica de São Luiz, com sede na
do Estado do Pará. 2) Escola Industrial de Teresina, com sede na
capital do Estado do Maranhão; 3) Escola Técnica do Recife, com sede na
capital do Estado do Piauí. 3) Escola Industrial de Fortaleza, com sede na
capital do Estado de Pernambuco; 4) Escola Técnica de Salvador, com sede na
capital do Estado do Ceará. 4) Escola Industrial de Natal, com sede na capital
capital do Estado da Bahia; 5) Escola Técnica de Vitória, com sede na
do Estado do Rio Grande do Norte 5) Escola Industrial de João Pessoa, com sede na
capital do Estado de Espírito Santo; 6) Escola Técnica de Niterói, com sede na
capital do Estado da Paraíba. 6) Escola Industrial de Maceió, com sede na
capital do Estado do Rio de Janeiro; 7) Escola Técnica de São Paulo, com sede na
capital do Estado de Alagoas. 7) Escola Industrial de Aracajú, com sede na
capital do Estado de São Paulo; 8) Escola Técnica de Curitiba, com sede na
capital do Estado de Sergipe. 8) Escola Industrial de Salvador, com sede na
capital do Estado do Paraná; 9) Escola Técnica de Pelotas, com sede no
capital do Estado da Bahia. 9) Escola Industrial de Campos, com sede no
Estado do Rio Grande do Sul; 10) Escola Técnica de Belo Horizonte, com sede
Estado do Rio de Janeiro. 10) Escola Industrial de São Paulo, com sede na
na capital do Estado de Minas Gerais; 11) Escola Técnica de Goiânia, com sede na
capital do Estado de São Paulo. 11) Escola Industrial de Florianópolis, com sede na
capital do Estado de Goiás.
capital de Santa Catarina. 12) Escola Industrial de Belo Horizonte, com sede na capital de Minas Gerais. 13) Escola Industrial de Cuiabá, com sede na capital de Mato Grosso.
FONTE: Gonçalves (2012)
3.2 ENSINO COMERCIAL O ensino comercial tinha como finalidade: i) formar profissionais aptos ao exercício de atividades específicas no comércio, bem como de funções auxiliares de caráter administrativo nos negócios públicos e privados; ii) oferecer uma sumária preparação profissional destinada ao exercício das mais simples ou correntes atividades no comércio e na administração; iii) aperfeiçoar os conhecimentos e capacidades técnicas de profissionais diplomados. Os cursos do ensino comercial eram organizados nas seguintes categorias:
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A) CURSOS DE FORMAÇÃO: O curso comercial básico destinava-se a ministrar os elementos gerais e fundamentais do ensino comercial, enquanto os cursos comerciais técnicos eram destinados ao ensino de técnicas próprias ao exercício de funções de caráter especial no comércio ou na administração dos negócios públicos e privados – conforme apresentado no Quadro 9. Quadro 9- Organização do Ensino Comercial – Ciclos 1º. CICLO
2º. CICLO
Curso Comercial Básico (quatro anos de duração)
Cursos Comerciais Técnicos (três anos de duração): Comércio e Propaganda, Administração, Contabilidade, Estatística, Secretariado
FONTE: Gonçalves (2012)
Os cursos de formação eram compostos por disciplinas de cultura geral e cultura técnica. A legislação da época não preconizava nenhum currículo específico para os cursos de formação, bem como para os demais cursos. As escolas tinham a incumbência de constituir seus currículos. B) CURSOS DE CONTINUAÇÃO: Os cursos de continuação, que também se denominavam cursos práticos de comércio, considerados de primeiro ciclo, destinavam-se a oferecer a candidatos não diplomados no ensino comercial uma sumária preparação profissional que os habilitasse às mais simples ou correntes atividades no comércio e na administração. C) CURSOS DE APERFEIÇOAMENTO: Os cursos de aperfeiçoamento poderiam ser de primeiro ou de segundo ciclo, e tinham por finalidade proporcionar a ampliação ou aprofundamento dos conhecimentos e capacidades técnicas de profissionais diplomados. QUADRO 10- Estabelecimentos de Ensino Comercial ESCOLAS ESCOLAS COMERCIAIS ESCOLAS TÉCNICAS DE COMÉRCIO
CURSOS Curso Comercial Básico Cursos de Continuação Cursos de Aperfeiçoamento Cursos Comerciais Técnicos (Comércio e Propaganda, Administração, Contabilidade, Estatística, Secretariado) Cursos de Continuação Cursos de Aperfeiçoamento
FONTE: Gonçalves (2012)
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Conforme apresentado no Quadro 10, havia dois tipos de estabelecimentos de ensino comercial: escolas comerciais e escolas técnicas de comércio. 3.3 ENSINO SECUNDÁRIO O Ensino Secundário tinha como finalidade: i) formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a personalidade integral dos adolescentes; ii) acentuar e elevar, na formação espiritual dos adolescentes, a consciência patriótica e a consciência humanística; iii) dar preparação intelectual geral que possa servir de base a estudos mais elevados de formação especial. O ensino secundário era composto por dois ciclos: i) Ginasial (duração de quatro anos) destinado a oferecer aos adolescentes os elementos fundamentais do Ensino Secundário; ii) Curso clássico ou científico (duração de três anos) - tinha por objetivo a consolidação, o desenvolvimento e o aprofundamento da educação ministrada no curso. No curso clássico, a formação enfatizava o estudo de Filosofia e de Letras Antigas, enquanto que no curso científico a ênfase maior era dada ao estudo de Ciências. Os cursos eram compostos pelos componentes curriculares organizados em três grupos, conforme apresentado no Quadro 11. QUADRO 11- Disciplinas Ensino Secundário GINASIAL
CIENTÍFICO / CLÁSSICO
I. LÍNGUAS: Português, Latim, Francês e Inglês
I. LÍNGUAS: Português, Latim, Grego, Francês, Inglês e Espanhol
II. CIÊNCIAS: Matemática, Ciências Naturais, História Geral e do Brasil; Geografia Geral e do Brasil III. ARTES: Trabalhos Manuais, Desenho, Canto Orfeônico
II. CIÊNCIAS E FILOSOFIA: Matemática, Física, Química, Biologia, História Geral e do Brasil; Geografia Geral e do Brasil, Filosofia III. ARTES: Desenho
FONTE: Gonçalves (2012)
As disciplinas do 2O ciclo dos cursos científicos e clássicos eram distribuídas conforme disposto no Quadro 12. QUADRO 12- Organização curricular do 2o ciclo do Ensino Secundário
1º SÉRIE
CIENTÍFICO
CLÁSSICO
Português Francês Inglês Espanhol Matemática
Português Inglês ou Francês Latim Grego Espanhol Matemática
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2º SÉRIE
3º SÉRIE
Física Química História Geral Geografia Geral Português Francês Inglês Matemática Física Química Biologia História Geral Geografia Geral Desenho Português Filosofia Matemática Física Química Biologia História Geral Geografia Geral Desenho
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História Geral Geografia Geral Português Inglês ou Francês Latim Grego Espanhol Matemática Física Química História Geral Geografia Geral Português Grego Latim Filosofia Matemática Física Química Biologia História do Brasil Geografia do Brasil -
FONTE: Gonçalves (2012)
A Educação Física e a Educação Religiosa eram, nos estabelecimentos de Ensino Secundário, uma prática educativa para todos os alunos, sendo a primeira obrigatória até a idade de vinte e um anos. Os programas de ensino de religião e o seu regime didático eram fixados por autoridade eclesiástica. A lei orgânica do Ensino Secundário determinava que os estabelecimentos de Ensino Secundário tivessem cuidado especial e constante na educação moral e cívica de seus alunos, buscando neles como base do caráter, a compreensão do valor e do destino do homem, e, como base no patriotismo, a compreensão da continuidade histórica do povo brasileiro, de seus problemas e desígnios, e de sua missão em meio aos outros povos. A legislação recomendava um tratamento peculiar ao Ensino Secundário feminino: i) deveria ser oferecido em estabelecimentos com exclusiva frequência feminina ou, nos estabelecimentos de Ensino Secundário frequentados por homens e mulheres, era a educação das alunas ministrada em classes exclusivamente femininas; ii) incluir-se-ia, na terceira e na quarta série do curso ginasial e em todas as séries dos cursos clássicos e científicos, a disciplina de economia doméstica; iii) a orientação metodológica dos programas tinha em mira a natureza da personalidade feminina e, bem assim, a missão da mulher dentro do lar.
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Ressalta-se a importância dada à Matemática, presente em todos os ciclos e séries. Essa reforma consolidou alguns aspectos anteriormente contemplados na Reforma Francisco Campos e que estavam sob o risco de serem suprimidos diante dos ataques dos defensores do ensino clássico, cuja expressão maior era o padre Arlindo Vieira. Assim, na Reforma Capanema consolidou-se a vitória de Euclides Roxo e dos defensores de um ensino escolar mais científico, já anteriormente implementado pela Reforma Francisco Campos, em cujo currículo o ensino de Matemática e o de Ciências passaram a ter um maior destaque (GONÇALVES, 2012). A Reforma Capanema é considerada uma reforma elitista, pois aponta dois caminhos na formação do cidadão brasileiro, induzindo uma manutenção do status quo: i) Educação destinada à Elite: Ensino primário, Ensino Secundário (ginasial e científico ou clássico) e Ensino Superior; ii) Educação destinada às classes populares: Ensino Primário e cursos profissionalizantes. De acordo com as análises empreendidas neste estudo, a legislação que regulamentou este sistema de ensino não explicitava uma articulação entre os três tipos de ensino (Secundário, Industrial e Comercial); ou seja, os currículos, possivelmente, não garantiam aos estudantes migrarem de um tipo de formação para outra, o que reforça os aspectos de divisão entre o ensino destinado às elites e as classes de menor poder econômico. As escolas industriais e comerciais tinham liberdade para definir seus próprios currículos de formação profissional, devendo garantir que as disciplinas de cultura geral atendessem as demandas das disciplinas de cultura técnica, bem como viabilizassem a possibilidade de continuidade dos estudos: no caso dos cursos básicos (industrial básico e comercial básico), de prosseguirem no 2º ciclo do ensino profissional (cursos técnicos), suprimindo a lacuna do 1º ciclo (ginasial); no caso da formação técnica, de prosseguirem a uma formação superior na mesma área da técnica.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Os paradoxos percebidos na trajetória histórica da Educação Profissional caracterizam-se por
meio de encontros e desencontros entre a Educação Profissional e a Educação Básica e Educação Superior, bem como sua importância para a sociedade industrializada – ora destinada aos menos favorecidos, ora para garantir uma educação de qualidade para a elite. Todavia, essa trajetória foi importante tanto para resolver o problema da qualificação da população e, consequente, desenvolvimento do país, quanto para a consolidação da educacional profissional brasileira.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRANDÃO, Marisa. Da arte do ofício à ciência da indústria: a conformação do capitalismo industrial no Brasil vista através da educação profissional. In: SENAC. Boletim Técnico do SENAC. São Paulo, vol.3, no 25, 1999. Disponível em: <http://www.senac.br/ informativo/bts/253/boltec253b.htm>. Acesso em: 01 mar. 2011. BRASIL, Lei no 378, de 13 de janeiro de 1937: dá nova, organização ao Ministério da Educação e Saúde Publica. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1930-1949/l0378.htm>. Acesso em: 23 fev. 2013. BRASIL, Constituição (1937): Constituição dos Estados Unidos do Brasil - 10 de novembro de 1937. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao37.htm>. Acesso em: 23 fev. 2013. BRASIL. Ministério da Educação. Governo Federal. Expansão da rede federal de educação profissional, científica e tecnológica. Disponível em: <http://redefederal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=501&Itemid=166>. Acesso em: 13 mai. 2011. CUNHA, Luiz Antônio. O ensino de ofícios nos primórdios da industrialização. São Paulo: Unesp, Brasília: Flacso, 2000. FONSECA, Celso Suckow da. História do ensino industrial no Brasil. Rio de Janeiro: SENAI, Vol.1, 1986. FRAJUCA, Carlos; MAGALHÃES, Nadja Simão. Retrospectiva histórica da legislação que criou a rede federal de educação profissional e tecnológica. Revista Sinergia, São Paulo, v. 10, n. 2, p.91-105, jul./dez. 2009. Semestral. GOMES, Luiz Claudio Gonçalves. Imagens não contidas: Escola de Aprendizes Artífices de Campos (1910-1942). Dissertação (Mestrado em Educação). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2004. GONÇALVES, Harryson Júnio Lessa. A educação profissional e o ensino de matemática: conjunturas para uma abordagem interdisciplinar. 178 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: São Paulo, 2012. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. "Reforma Francisco Campos" (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002a. Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp>. Acessado em 23 fev. 2013. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. "Reforma Capanema" (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002b. Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp>. Acessado em 23 fev. 2013. PIRES, Célia Maria Carolino. Educação matemática e sua influência no processo de organização e desenvolvimento curricular no Brasil. In: Bolema, Rio Claro, v. 29, no 21, pp.13-42, abr. 2008. Quadrimestral. SAMPAIO, Juarez Silva. O componente curricular educação física no Ensino Médio integrado da Escola Agrotécnica Federal de Santa Inês/BA. 79 f. Dissertação (Mestrado em Educação Agrícola), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro: Seropédica, 2010.
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MARCAS E TRAJETÓRIAS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL PARTE 3: DOS ANOS 60 AO SURGIMENTO DOS INSTITUTOS FEDERAIS Harryson Júnio Lessa Gonçalves Célia Maria Carolino Pires Ana Lúcia Braz Dias Ana Clédina Rodrigues Monteiro
RESUMO: Compreender a História da Educação Brasileira faz parte do processo de reconhecimento de sua evolução e das suas perspectivas futuras. Nesse sentido, este artigo tem como intuito caracterizar elementos da evolução da Educação Profissional no período compreendido entre os anos 60 ao momento atual, reconhecido como de expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT). Para tanto, tem-se como eixo norteador das análises elementos sociais e pedagógicos. O estudo foi delineado como pesquisa qualitativa de natureza fenomenológica, no qual os dados foram coletados e organizados a partir de revisão da literatura especializada e de documentos históricos (legislações). PALAVRAS CHAVE: Educação Profissional; História da Educação; Educação Brasileira.
MILESTONES AND TRAJECTORIES OF PROFESSIONAL EDUCATION IN BRAZIL: FROM THE SIXTIES TO EMERGENCE OF FEDERAL INSTITUTES ABSTRACT: Knowing the history of Brazilian education is part of the process of recognizing its evolution and its future perspectives. It is in this sense that this article takes as its main objective the delineation of elements of the evolution of Brazilian Professional Education in the period from 1960s to the present moment, which is characterized by an expansion of the Federal Network of Professional, Scientific, and Technological Education (RFEPCT). For this end we analyze social and pedagogical elements in the history of the period. The study was qualitative in nature and done by a review of the specialized literature and historical documents (legislations). KEYWORDS: Professional Education; Education History; Brazilian Education.
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Este artigo tem como objetivo caracterizar elementos da evolução da Educação Profissional no período que compreende os anos 60 ao momento atual – reconhecido como de plena expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT). Como eixo norteador das análises buscou-se elementos sociais e pedagógicos das referidas reformas educacionais. O estudo caracteriza-se ainda como pesquisa de cunho qualitativo de natureza fenomenológica, no qual os dados foram coletados e organizados a partir de revisão da literatura especializada e de documentos históricos (legislações). 1
DA ERA JK À DITADURA MILITAR Em 24 de agosto de 1954, com o suicídio de Getúlio Vargas, surgiu uma lacuna no cenário
político brasileiro, bem como na herança política do País. Para substituí-lo, tentaram lançar uma candidatura de “união nacional”, com a adesão de dois dos maiores partidos políticos da época: o Partido Social Democrático (PSD) e a União Democrática Nacional (UDN). Eles teriam um candidato único, que uniria a direita e o centro. Porém, em 10 de fevereiro de 1955, o PSD homologou o nome de Juscelino Kubitschek (JK) como candidato à presidência da República, contrariando, assim, a ideia de candidatura única do PSD e UDN (COUTO, 2011). JK sabia que precisava do apoio de uma base sólida e da aceitação popular, como tinha o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), partido de Vargas e que tinha João Goulart como candidato à presidência. Poucos dias após a homologação de JK como candidato do PSD, o PTB selou acordo, tendo João Goulart (Jango) concorrendo como vice-presidente. Houve várias tentativas dos “anti-getulistas” para inviabilizar a campanha JK, apoiada, inclusive, pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). A UDN, com intenções explícitas de impedir a qualquer custo a vitória de JK, era a principal rival dessa coligação. Nas eleições de 3 de outubro de 1955, JK elegeu-se com 36% dos votos válidos, contra 30% de Juarez Távora (UDN), 26% de Ademar de Barros (PSP) e 8% de Plínio Salgado (PRP). Naquela época, as eleições para presidente e vice não eram vinculadas, mas Jango foi o melhor votado para vice, recebendo mais votos do que JK, e pôde, em 31 de janeiro de 1956, sentar-se ao lado de seu companheiro de chapa para governar o País (COUTO, 2011). O governo de JK entrou para a história brasileira como a gestão presidencial na qual se registrou o mais expressivo crescimento da economia. Na área econômica, o lema do governo foi "Cinquenta anos de progresso em cinco anos de governo". Em 16 de fevereiro de 1959, por meio da Lei no 3.552, o governo concedeu aos estabelecimentos de ensino industrial mantidos pelo MEC personalidade jurídica própria e autonomia didática, administrativa, técnica e financeira. A referida lei garantiu ainda maior
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participação de servidores na gestão administrativa e pedagógica das referidas instituições de ensino; com isso, potencializou-se a formação de profissionais, mão de obra indispensável diante do processo de aceleração da industrialização do País. A partir da autonomia dada pela Lei no 3.552/1959, as escolas foram constituídas como entidades autárquicas, vinculadas ao MEC, sob a denominação de Escolas Técnicas Federais. Conforme aponta Couto (2011), em 3 de outubro de 1960, houve nova eleição para presidência da república. O candidato apoiado por JK, marechal Teixeira Lott, foi vencido pelo candidato oposicionista, Jânio Quadros, ex-governador de São Paulo, apoiado pela UDN. Jânio obteve 48% dos votos válidos, em um total de quase 6 milhões de votos, a maior votação nominal obtida por um político brasileiro até então. Quem se elegeu para vice-presidente foi João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Em 25 de agosto de 1961, enquanto João Goulart realizava uma missão diplomática à China comunista, Jânio Quadros renunciou ao cargo de presidente. As lideranças militares tentaram impedir a posse de Jango, pois viam nele a volta do getulismo e até a ameaça de uma república sindicalista. O presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, foi empossado interinamente presidente (COUTO, 2011). Neste contexto, em 20 de dezembro do 1961, foi aprovada a Lei no 4.024, primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), sancionada pelo então presidente João Goulart, quase trinta anos após ser prevista pela Constituição de 1934 (SAVIANI, 2003). A LDB de 1961 organizou o sistema de ensino em três graus: primário, médio e superior. A educação de grau primário era composta pelo pré-primário (escolas maternais e os jardins de infância) e pelo primário (duração de quatro anos e obrigatório para as crianças a partir dos sete anos). A educação de grau médio era composta por dois ciclos: ginasial (duração de quatro anos e acesso a partir de exame de admissão) e o colegial (duração mínima de três anos e acesso a partir da conclusão do 1o ciclo). A educação de grau médio poderia ocorrer nos seguintes formatos: • Ensino Secundário: Ginasial – quatro anos de duração. O curso era composto por nove disciplinas anuais: uma prática vocacional (ofertadas de acordo com as necessidades e possibilidades locais), cinco a sete disciplinas obrigatórias pelos sistemas de ensino, e uma ou duas disciplinas de livre escolha pelos estabelecimentos de ensino.
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Secundário – mínimo de três anos de duração. As duas primeiras séries eram compostas por oito disciplinas, além das práticas educativas, sendo de cinco a sete disciplinas obrigatórias pelo sistema de ensino e uma ou duas disciplinas de livre escolha pelos estabelecimentos de ensino. A terceira série do ciclo colegial era organizada por um currículo diversificado, que visava ao preparo dos alunos para os cursos superiores e compreendia, no mínimo, quatro e, no máximo, seis disciplinas, podendo ser ministradas em colégios universitários. • Ensino Técnico (industrial, comercial e agrícola): Ginasial – quatro anos de duração. O curso era composto por disciplinas específicas do ensino técnico e quatro disciplinas do curso ginasial secundário, sendo uma de livre escolha pelo estabelecimento de ensino. Secundário – mínimo de três anos de duração. O curso era composto por disciplinas específicas do ensino técnico e quatro disciplinas do colegial secundário, sendo uma de livre escolha pelo estabelecimento de ensino. No ensino técnico industrial, entre o ginasial e o colegial, poderia haver um curso pré-técnico de um ano de duração, composto por cinco disciplinas do curso secundário colegial secundário. Neste caso, no 2o ciclo industrial, poderia haver apenas disciplinas específicas do curso técnico. • Formação de Professores para o Ensino Pré-Primário e Primário - O Ensino Normal tinha por fim a formação de professores, orientadores, supervisores e administradores escolares destinados ao Ensino Primário, e o desenvolvimento dos conhecimentos técnicos relativos à educação da infância. Escola Normal de Grau Ginasial – quatro anos de duração. O curso era composto por, além das disciplinas obrigatórias do curso secundário ginasial, disciplinas de preparação pedagógica. Conferia o diploma de regente de ensino primário. Escola Normal de Grau Secundário – mínimo de três anos de duração. O curso era destinado a alunos concluintes de qualquer curso ginasial. Conferia diploma de professor primário. Os institutos de educação, além dos cursos de grau médio, ministravam cursos de especialização, de administradores escolares e de aperfeiçoamento, abertos aos graduados em escolas normais de grau colegial.
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Ressalta-se que a formação de professores para o Ensino Médio era feita nas faculdades de filosofia, ciências e letras; e a de professores de disciplinas específicas de Ensino Médio Técnico, em cursos especiais de educação técnica. O Ensino Superior tinha por objetivo a pesquisa, o desenvolvimento das ciências, letras e artes, e a formação de profissionais de nível universitário. Nos estabelecimentos de ensino superior, eram oferecidos os seguintes cursos: a) Graduação – abertos à matrícula de candidatos que haviam concluído o ciclo colegial ou equivalente e obtido classificação em concurso de habilitação; b) Pós-Graduação – abertos à matrícula de candidatos que haviam concluído o curso de graduação e obtido o respectivo diploma; c) Especialização, aperfeiçoamento e extensão, ou quaisquer outros – a juízo do respectivo instituto de ensino, abertos a candidatos com o preparo e os requisitos que viessem a ser exigidos. Com a LDB de 1961, a ideia de que a Educação Profissional era destinada aos sujeitos das mais baixas categorias sociais começou a mudar, pois foi equiparado ao ensino acadêmico propedêutico. No entanto, conforme aponta Manfredi (2002, p. 103), “mesmo após a promulgação da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em fins de 1961, a dualidade estrutural ainda persistiria, embora se tivesse garantido maior flexibilidade na passagem entre o ensino profissionalizante e o secundário”. Na data de 31 de março de 1964 o Brasil sofre um golpe militar que afastou o presidente João Goulart, na ocasião assumiu provisoriamente a presidência Ranieri Mazzilli (presidente da Câmara dos Deputados) e o Marechal Castelo Branco em definitivo. O Regime Militar no Brasil (1964 a 1985) teve cinco presidentes e uma junta governativa – findou-se com a eleição indireta em 15 de janeiro de 1985 de Tancredo Neves (GONÇALVES, 2012). O regime caracterizou-se por promover ações e declarações pelas quais a classe política fortaleceu a chamada linha dura do regime militar, dentre elas a colocação em prática de vários Atos Institucionais (AI), culminando com o AI-5 de 1968: a suspensão da Constituição de 1946, a dissolução do Congresso Brasileiro, a supressão de liberdades individuais e a criação de um código de processo penal militar que permitiu que o Exército brasileiro e a polícia militar do Brasil pudessem prender e encarcerar pessoas consideradas "suspeitas", sem qualquer revisão judicial (GONÇALVES, 2012).
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Neste contexto, em 11 de agosto de 1971, foi publicada a segunda Lei de Diretrizes Bases da Educação Nacional, Lei no 5.692, pelo então presidente militar Emílio Garrastazu Médici. A Lei fixava as diretrizes para os ensinos de primeiro e segundo graus e possuía as seguintes características:
Artigo 1º – Os ensinos de 1o e 2o graus tinham como objetivo proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de autorrealização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania;
Artigo 7º – inclusão da Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde como matérias obrigatórias do currículo, além do ensino religioso de matrícula facultativa;
Artigo 20 – ensino de 1o grau obrigatório dos 7 aos 14 anos;
Artigo 11 – ano letivo de 180 dias e semestre letivo de 90 dias;
Artigo 25 – educação a distância como possível modalidade do ensino supletivo;
Artigos 30 e 77 – formação mínima do professor para o ensino de 1ª a 4ª série do 1o grau dar-se-ia em habilitação específica do 2o grau para o magistério; e a formação preferencial do professor para o ensino de 1º e 2o graus, em cursos superiores de graduação (licenciatura de curta duração para o 1o grau e licenciatura de plena duração para o 2o grau);
Artigo 33 – formação preferencial dos especialistas da educação em curso superior de graduação ou pós-graduação;
Artigo 39 – remuneração de professores e especialistas de ensino de 1o e 2o graus conforme a maior qualificação em cursos e estágios de formação, aperfeiçoamento ou especialização, sem distinção de graus escolares em que atuam;
Artigos 43 – dinheiro público não exclusivo às instituições de ensino públicas;
Artigo 59 – os municípios deviam gastar 20% de seu orçamento com educação; não era prevista dotação orçamentária para a União ou os estados;
Artigo 64 – permitia experiências pedagógicas com a devida aprovação dos Conselhos de Educação.
Assim, o currículo da educação nacional era composto por um núcleo comum obrigatório, definido pelo Conselho Federal de Educação (CFE), e uma parte diversificada, definida pelos Conselhos de Educação para atenderem às necessidades e possibilidades concretas, às peculiaridades locais, aos planos dos estabelecimentos e às diferenças individuais dos alunos. Além
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MARCAS E TRAJETÓRIAS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL PARTE 3: DOS ANOS 60 AO SURGIMENTO DOS INSTITUTOS FEDERAIS
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do núcleo comum, o CFE estabelecia o mínimo a ser exigido por cada habilitação profissional ou o conjunto de habilitações afins do 2o grau. As disciplinas, áreas de estudo e atividades do núcleo comum e da parte diversificada, com as disposições necessárias ao seu relacionamento, ordenação e sequência, constituíam o currículo pleno do estabelecimento de ensino. O primeiro grau era composto por oito anos letivos, com carga horária anual mínima de 720 horas. Era destinada à formação de crianças e pré-adolescentes na idade escolar de 7 a 14 anos, tendo, como requisito de acesso, a idade mínima de sete anos. Era prevista no capítulo “Do Ensino Supletivo”, a oferta de cursos ou exames que visavam a suprir a escolarização regular para os que não a tinham seguido ou concluído na idade própria. Em complementação à escolarização regular e integrado a uma ou mais séries das quatro últimas do 1o grau (destinada a alunos de 14 a 18 anos), ou à do 2o grau, poderiam ser oferecidos cursos intensivos de qualificação profissional. O Segundo Grau era composto por três a quatro séries anuais, conforme previsto para cada habilitação, com carga horária mínima de 2.200 horas ou 2.600 horas, respectivamente, de efetivo trabalho escolar. O requisito de acesso ao 2o grau era a comprovação do 1o grau completo ou de estudos equivalentes. A finalização do 2o grau dava direito ao aluno prosseguir os estudos em nível superior. Os estudos correspondentes à 4ª série do 2o grau poderiam ser aproveitados em cursos superiores. O 2o grau poderia ser oferecido por meio de estudos supletivos (cursos ou exames), destinados a adultos que não cursaram este nível de ensino em idade escolar própria. Esses cursos, bem como os de 1o grau, possuíam estrutura, duração e regime escolar ajustados às finalidades desta modalidade de ensino, podendo ser oferecido na modalidade presencial ou a distância. Assim, conforme observado, a Lei no 5.692 torna compulsoriamente profissional todo o ensino de 2o grau. A ideia era formar técnicos em regime de urgência, visando ao desenvolvimento do País. Isso refletiu em um aumento no número de cursos técnicos e de pessoas matriculadas. Nesse tempo, as Escolas Técnicas Federais aumentaram expressivamente o número de matrículas e implantaram novos cursos técnicos. No que diz respeito à Educação Profissional, a Lei no 5.692/1971 não vingou, visto que não havia condições objetivas de se transformar todo o ensino público de 2o grau em profissionalizante – de acordo com a perspectiva de articulação entre educação geral e formação profissional (MANFREDI, 2002). Deste modo, a lei foi sofrendo, em curto espaço de tempo, várias modificações, até se chegar em 1982, com a Lei no 7.044, que extinguia a “Educação Profissional” por “Preparação para o Trabalho”.
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CRIAÇÃO DO SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA Gonçalves (2012) afirma que, em continuidade à trajetória histórica da Educação
Profissional, em 30 de junho de 1978, o presidente Ernesto Geisel, por meio da Lei no 6.545, transformou três Escolas Técnicas Federais (Paraná, Rio de Janeiro e Minas Gerais) em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET). A Lei no 8.711, de 28 de setembro de 1993, transformou a Escola Técnica Federal da Bahia em CEFET. Essas mudanças visavam a ampliar a esfera de atuação destes estabelecimentos de ensino (conforme redação dada pela Lei no 8.711/1993) para: I)
ministrar ensino em grau superior: i) de graduação e pós-graduação lato sensu e stricto sensu, visando à formação de profissionais e especialistas na área tecnológica; ii) de licenciatura, com vistas à formação de professores especializados para as disciplinas específicas do ensino técnico e tecnológico;
II)
ministrar cursos técnicos, em nível de 2o grau, visando à formação de técnicos, instrutores e auxiliares de nível médio;
III) ministrar cursos de educação continuada visando à atualização e ao aperfeiçoamento de profissionais na área tecnológica; IV) realizar pesquisas aplicadas na área tecnológica, estimulando atividades criadoras e estendendo seus benefícios à comunidade mediante cursos e serviços. Conforme apontado anteriormente, a eleição de Tancredo Neves, em 15 de janeiro de 1985, pôs fim ao Regime Militar. Contudo, o então presidente Tancredo Neves faleceu um mês depois de sua eleição – ocupando José Sarney (vice-presidente) o seu cargo. Durante o Governo de José Sarney, no dia 5 de outubro de 1988, foi promulgada uma nova constituição reestabelecendo as liberdades civis e o fim da censura. Por fim, após 29 anos desde a última eleição direta, foi organizada em 1989 uma eleição presidencial, elegendo-se Fernando Collor de Mello. “Collor não termina seu mandato. Acusado por atos de corrupção e para evitar a cassação do seu mandato, renuncia. Assume o vice-presidente, Itamar Franco, ex-prefeito de Juiz de Fora e ex-Senador da República pelo estado de Minas Gerais” (PALMA FILHO, 2010, p.122). Itamar Franco, pela Lei no 8.670 de 30 de junho de 1993, criou os estabelecimentos de ensino profissional federal apresentados no Quadro 1.
Quadro 1- Escolas criadas no governo Itamar Franco
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ESCOLAS TÉCNICAS FEDERAIS Porto Velho – Rondônia Rolim Moura - Rondônia Santarém – Pará Palmas – Tocantins Roraima
ESCOLAS AGROTÉCNICAS FEDERAIS Ceres – Goiás Codó – Maranhão Colorado do Oeste – Rondônia Guanambi – Bahia Santa Inês – Bahia Senhor do Bonfim – Bahia Rio do Sul – Santa Catarina Sombrio – Santa Catarina São Gabriel da Cachoeira – Amazonas Dourados – Mato Grosso do Sul
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ESCOLAS (TÉCNICAS) INDUSTRIAIS Sobral – Ceará Coelho Neto – Maranhão Parnaíba – Piauí Ponta Porã – Mato Grosso do Sul
FONTE: Gonçalves (2012)
Além dessas, conforme o anexo II da referida lei, foram criadas 33 unidades descentralizadas subordinadas às já existentes Escolas Técnicas Federais ou aos CEFET. Em 8 de dezembro de 1994, pela Lei no 8.948, foi criado o Sistema Nacional de Educação Tecnológica,
transformando
cada
Escola
Técnica
Federal,
progressivamente,
quando
demonstrasse condições apropriadas, em CEFET. Tal transformação ocorreria mediante decreto específico para cada instituição e em função de critérios estabelecidos pelo Ministério da Educação, levando em conta infraestrutura física, laboratórios e equipamentos adequados, condições pedagógicas e administrativas e os recursos humanos e financeiros. Conforme retrata Frajuca e Magalhães (2008, p. 101), “com a transformação, as instituições passaram a ter uma autonomia maior, passando a ofertar cursos superiores de tecnologia, licenciaturas, bacharelados (engenharias em sua maioria), especialização, mestrado e doutorado”. Nas eleições presidenciais realizadas em outubro de 1994, Fernando Henrique Cardoso (FHC) é eleito no primeiro turno e assume seu mandato em 1o de janeiro de 1995 e se reelegeu após quatro anos, assumindo a presidência da República por oito anos, até 1o de janeiro de 2003. A participação social e o clima democrático impactou o campo educacional, levando à promulgação da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Brasileira (LDB). Tal lei dispunha de um capítulo sobre a Educação Profissional separado da Educação Básica. Em sua essência, a lei superava os enfoques de assistencialismo e de preconceito social contido nas primeiras legislações de Educação Profissional do País, fazendo uma intervenção social crítica e qualificada para tornar-se um mecanismo para favorecer a inclusão social e democratização dos bens sociais de uma sociedade. A lei possibilitava o sistema de certificação profissional, que permitia o reconhecimento das competências adquiridas fora do sistema escolar.
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O Decreto no 2.208/97 alterou o disposto na LDB referente à Educação Profissional, determinando a articulação da Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPTNM) com a Educação Básica. Definiu ainda que, para a elaboração das diretrizes curriculares para a EPTNM, deveriam ser realizados estudos de identificação do perfil de competências necessárias à atividade requerida, ouvidos os setores interessados, inclusive trabalhadores e empregadores. Em meio a essas polêmicas e complexas transformações da EPTNM brasileira, retomouse, em 1999, o processo de transformação das Escolas Técnicas Federais em CEFET, iniciado em 1978 (GONÇALVES, 2012). Em 18 de janeiro de 1999, por meio de decreto presidencial, a Escola Técnica de São Paulo mudou sua denominação para Centro Federal de Educação Tecnológica de São Paulo (CEFETSP), ampliando suas possibilidades de atuação e objetivos – inclusive com oferta de cursos superiores. O Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP) é uma iniciativa do Ministério da Educação (MEC) que busca desenvolver ações integradas da educação com o trabalho, a ciência e a tecnologia, objetivando a implantação de um novo modelo de educação profissional que propicie a ampliação de vagas, a diversificação de oferta e a definição de cursos. Teve seu marco inicial em 24 de dezembro de 1997, quando foi assinado, pelo governo brasileiro, um contrato de financiamento com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), no valor de 250 milhões de dólares, aos quais se soma contrapartida nacional de mais 250 milhões de dólares, dos quais 50% são originários do orçamento do MEC e 50% do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), perfazendo um total de 500 milhões de dólares. O Proep visa à implantação da reforma da educação profissional, especialmente no que diz respeito às inovações introduzidas pela LDBEN, abrangendo tanto a melhoria de aspectos técnico-pedagógicos como a expansão da rede de educação profissional mediante parcerias com os Estados e com instituições do segmento comunitário. (ORGANIZACIÓN DE ESTADOS IBEROAMERICANOS, 2003, pp. 140-141).
Conforme apresentado, em 24 de novembro de 1997, o presidente FHC assinou um acordo de empréstimo1 o com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) totalizando 500 milhões de dólares visando o aprimoramento da Educação Profissional no país. 3
GOVERNO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES E A REDE FEDERAL O Governo Lula compreende ao período da história política brasileira que se inicia com a
posse de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da república – eleito pelo Partido dos Trabalhadores –, em 1o de janeiro de 2003. Em outubro de 2006, Lula se reelegeu para seu segundo mandato na presidência, tendo sua estada na presidência concluída em 31 de dezembro
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o
"Acordo de Empréstimo e o Contrato n 1052" (OC/BR)
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de 2010. Para Gonçalves (2012), a gestão Lula iniciou-se dando segmento à política econômica do governo anterior. Contudo, o PROEP foi desativado, logo nos primeiros meses de 2003. Com a publicação da Lei no 11.195, em 2005, ocorreu o lançamento da primeira fase do Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica do Governo Lula, com a construção de 64 novas unidades de ensino (GUIMARÃES, 2011). No mesmo ano, conforme Gonçalves (2012), o CEFET do Paraná passou a ser Universidade Tecnológica Federal do Paraná, e foi lançado o Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos (CNCT) – mecanismo de organização e orientação da oferta nacional dos cursos técnicos de nível médio. O Decreto no 5.840, de 20 de dezembro de 2006, instituiu, no âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), cujo objetivo era a oferta de cursos e programas de Educação Profissional destinados à formação inicial e continuada de trabalhadores e à EPTNM. No mesmo ano, é lançado o Catálogo Nacional dos Cursos Superiores de Tecnologia, para disciplinar as denominações dos cursos oferecidos por instituições de ensino. Em 29 de dezembro de 2008, por meio da Lei no 11.892, o governo Lula reorganizou a RFEPCT onde os CEFET, as Escolas Agrotécnicas, as Escolas Técnicas Federais e parte das escolas técnicas vinculadas às universidades se uniram para formar os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. A RFEPCT cobre todos os estados brasileiros, oferecendo cursos profissionalizantes nas mais diversas áreas, níveis e modalidades. O “carro-chefe” da RFEPCT são os Institutos Federais; estes possuem uma concepção de organização pedagógica verticalizada da Educação Básica à Educação Superior, pois permitem uma atuação dos docentes nos diferentes níveis de ensino e um compartilhamento pelos alunos dos espaços de aprendizagem, incluindo os laboratórios, possibilitando o delineamento de trajetórias de formação que podem ir do curso técnico ao doutorado (PACHECO, s/d). Os Institutos Federais, no desenvolvimento de suas ações, garantem a oferta de 50% de suas vagas para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPTNM) e 20% para cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica, com vistas à formação de professores para a Educação Básica, sobretudo, nas áreas de Ciências e Matemática, e para a Educação Profissional. Como aponta o próprio secretário de Educação Profissional e Tecnológica, Eliezer Pacheco: A criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia dá visibilidade a uma convergência de fatores que traduzem a compreensão do atual governo quanto ao papel da educação profissional e tecnológica no contexto social do Brasil e deve
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ser reconhecida como ação concreta das atuais políticas para a educação brasileira. Esta compreensão considera a educação profissional e tecnológica estratégica não apenas como elemento contribuinte para o desenvolvimento econômico e tecnológico nacional, mas também como fator para fortalecimento do processo de inserção cidadã de milhões de brasileiros. (PACHECO, s/d, p. 11-12).
Deste modo, os Institutos Federais têm como pressuposto, conforme o discurso do secretário, a inclusão social de brasileiros no mundo do trabalho, apresentando uma preocupação tanto na esfera sociocultural quanto econômica; ou seja, estimular e apoiar processos educativos que levem à geração de trabalho e renda e à emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico local e regional, conforme disposto na lei de criação (Lei no 11.892/2008). Conforme o artigo 2o da lei de criação, os Institutos Federais caracterizam-se como instituições de Educação Superior e Educação Básica, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de Educação Profissional e Tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas. A referida lei equipara os Institutos Federais às Universidades Federais para efeito da incidência das disposições que regem a regulação, avaliação e supervisão das instituições e dos cursos de Educação Superior. A lei concede autonomia para os Institutos Federais para criarem e extinguirem cursos (presenciais e a distância) nos limites de sua área de atuação territorial, bem como para registrar diplomas dos cursos por eles oferecidos. Concede, ainda, a estes, papel de acreditador e certificador de competências profissionais. Assim, Os Institutos Federais, com uma proposta singular de organização e gestão, no diálogo com as realidades regional e local e em sintonia com o global, costuram o tecido de uma rede social capaz de gerar, em resposta às demandas de desenvolvimento sustentável e inclusivo, arranjos e tecnologias educacionais próprios. Vislumbra-se que se constituam um marco nas políticas educacionais no Brasil, pois desvelam um projeto de nação que se pretende social e economicamente mais justa. Na esquina do tempo, essas instituições podem representar o desafio a um novo caminhar na produção e democratização do conhecimento. (PACHECO, s/d, p. 24)
Por fim, os Institutos Federais tem o papel de desenvolver uma Educação Profissional e Tecnológica a partir de processo educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho buscou contribuir para a reflexão acerca dos elementos relativos à Educação
Profissional brasileira, favorecendo a compreensão de seu estado atual a partir do cenário de reformas na Educação Profissional e Tecnológica no País. Assim, aponta para a realização de novos estudos que possibilitem uma análise crítica destas políticas, visto que estas têm demandado um exponencial crescimento, nos últimos anos, conforme os dados apresentados na Tabela 12, e de investimentos públicos neste segmento de ensino. Tabela 1- Quantitativo de escolas por presidentes PRESIDENTE Nilo Peçanha (1909-1910) Hermes da Fonseca (1910-1914) Wenceslau Braz (1914-1918) Delfim Moreira (1918-1919) Epitácio Pessoa (1919-1922) Arthur Bernardes (1922-1926) Getúlio Vargas (1930-1945 / 1951-1954) Gaspar Dutra (1946-1951) Café Filho (1954-1955) Juscelino Kubitschek (1956-1961) João Goulart (1961-1964) Ranieri Mazzilli (1964-1964) Castelo Branco (1964-1967) Costa e Silva (1967-1969) Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) Ernesto Geisel (1974-1979) João B. Figueiredo (1979-1985) José Sarney (1985-1990) Fernando Collor de Mello (1990-1992) Itamar Franco (1992-1995) Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010)
CRIAÇÃO/FEDERALIZAÇÃO DAS UNIDADES 20 01 01 01 03 01 15 11 01 07 08 01 02 09 02 01 04 11 04 26 11 214
FONTE: Sítio da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação. NOTA: Os números correspondem às unidades criadas ou federalizadas pelos presidentes.
Conforme dados do MEC3, 72% dos alunos de nível médio que estudaram em escolas técnicas federais entre 2003 e 2007 encontram-se empregados. Desses, 65% trabalham em sua
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Os dados estatísticos apresentados neste tópico foram extraídos do portal do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), em específico do documento Sinopse das Ações do Ministério da Educação – disponível em: <http://gestao2010.mec.gov.br/download/sinopse_acoes_mec.pdf>. Acessado em: 19 fev. 2013. 3 Pesquisa Nacional de Egressos dos Cursos Técnicos da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica (20032007) – Fonte: SETEC/MEC. Disponível em: <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CCoQFjAA&url=http%3A%2F%2Fpor tal.mec.gov.br%2Findex.php%3FItemid%3D%26gid%3D6696%26option%3Dcom_docman%26task%3Ddoc_download& ei=R2mtUbnxNpLa8AS_34CYDQ&usg=AFQjCNHR20hvuTU1cdQ34dCRf5nG4Nqnrg&sig2=jiANX__YMSwRc38hePKDw&bvm=bv.47244034,d.eWU>. Acesso em: 04 jun. 2013.
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área de formação ou em áreas correlatas. Os dados foram pesquisados junto a 153 instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Uma expansão tão acelerada e significativa justifica-se devido ao contexto do crescimento econômico do País, merecendo uma atenção vigilante no que tange a qualidade do ensino ofertado por este segmento de ensino, principalmente na forma com que estes currículos têm se constituído frente às demandas do mundo do trabalho anteriormente apresentadas. Os paradoxos encontrados na trajetória histórica da Educação Profissional brasileira percebida por meio de encontros e desencontros entre a Educação Profissional e a Educação Básica, bem como sua importância para a sociedade industrializada – ora destinada aos menos favorecidos, ora para garantir uma educação de qualidade para a elite – repercutem nos desafios percebidos pelas instituições na busca por uma identidade própria de instituições de ciência e tecnologia que vislumbram uma formação contextualizada e que atenda as demandas do mundo do trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COUTO, Ronaldo Costa. Juscelino Kubitschek. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara: Senado Federal, Edições Técnicas, 2011. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/7549/JK_couto.pdf?sequence=1>. Acesso em: 22 fev. 2013. FRAJUCA, Carlos; MAGALHÃES, Nadja Simão. Retrospectiva histórica da legislação que criou a rede federal de educação profissional e tecnológica. Revista Sinergia, São Paulo, v. 10, n. 2, p.91-105, jul./dez. 2009. Semestral. GONÇALVES, Harryson Júnio Lessa. A educação profissional e o ensino de matemática: conjunturas para uma abordagem interdisciplinar. 178 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: São Paulo, 2012. GUIMARÃES, Everton Lopes. A trajetória profissional dos egressos do curso técnico em agropecuária do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas – IFNMG campus Januária. 53 f. Dissertação (Mestrado em Ciências). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro: Seropédica, 2011. MANFREDI, Silvia Maria. Educação profissional no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002. ORGANIZACIÓN DE ESTADOS IBEROAMERICANOS. Educação profissional. In: _____. Sistema nacional educativo do Brasil. Madri: OEI, Ministério da Educação do Brasil. 2003, pp. 134-141. Disponível em: <http://www.oei.es/quipu/brasil/educ_profesional.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2013. PACHECO, Eliezer. Os Institutos Federais: uma revolução na educação profissional e tecnológica. Brasília: MEC, s/d. Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000013531.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2013. PALMA FILHO, João Cardoso. A educação brasileira no período 1960-2000: de JK a FHC. In Caderno de formação: formação de professores - educação cultura e desenvolvimento - História da Educação. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. v. único. 184p. Disponível em:
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<http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/171/1/Caderno_mod2_vol1.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2013. SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação: trajetória, limites e perspectivas. 8 ed. Campinas: Autores Associados, 2003.
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A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO DE CAMPO NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: “FIOS E DESAFIOS NO ENSINO DA CARTOGRAFIA ESCOLAR” Alexander da Silva Lima.
RESUMO: O presente trabalho se propõe a analisar criticamente a importância do trabalho de campo no ensino de Geografia nas séries iniciais do Ensino Fundamental; tomaremos como exemplo as aulas de campo da Professora Esperança (nome fictício) em um quarto ano, realizadas no Município de Sumaré – SP. A Rede Municipal de Ensino de Sumaré – SP, conta desde 2008 com o Atlas Escolar de Sumaré, um material didático elaborado com a finalidade de promover ‘identidade e pertencimento’ por meio do conhecimento sobre o lugar (Sumaré). Assim, além de entender a importância do trabalho de campo nas aulas de geografia, procuramos entender também os fios e desafios encontrados no ensino de cartografia. PALAVRAS-CHAVES: Trabalho de campo; Atlas Escolar; Prática Docente; Espaço Geográfico.
THE IMPORTANCE OF FIELDWORK IN EARLY ELEMENTARY EDUCATION SERIES: MEANS AND CHALLENGES IN CARTOGRAPHY TEACHING”
ABSTRACT: This essay aims to critically analyze the importance of fieldwork in Geography teaching in the early grades of elementary school. We will take as an example the fieldwork classes of Teacher Hope (fictitious name) in a fourth grade, held in the city of Sumaré – SP. The Teaching Municipal Department of Sumaré has had the School Atlas of Sumaré since 2008, a teaching material developed with the aim of promoting “identity and belonging” through the knowledge about the place (Sumaré). Thus, in addition to understanding the importance of fieldwork in Geography, we also attempt to understand the means and challenges found in cartography teaching. KEYWORDS: Fieldwork; School Atlas; Teaching Practice; Geographical Space.
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INTRODUÇÃO Para entender o uso do atlas escolar é necessário também entender o “saber” docente
obtido atráves das experiências cotidianas, por meio de uma pesquisa que aconteça e emerja do
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cotidiano. Quando buscamos pesquisar sobre as práticas cotidianas sob uma perspectiva do uso do atlas escolar, esta nos revela o entendimento de outras lógicas. Assim, procuramos buscar nos depoimentos e relatos da professora Esperança (nome fictício) as suas práticas espaciais que acabam por se “desenrolar” na sala de aula, porém muitas vezes superando os limites “impostos” pelos muros da escola (trabalhos de campo). Assim, quem fala necessita de alguém que escute, quando a professora Esperança fala os alunos ouvem, construindo laços que geram confiança e ajudam construir uma trama de sentidos, como coloca Lacoste: É claro que se pode falar de tudo [...] de forma maçante e monótona, mas, frequentemente, o professor é “levado” pela história que ele conta, pois ela é apaixonante e basta que ele tenha talento e que saiba conduzir o “suspense” para manter a respiração presa em seus jovens auditores e isso é, para ele, bastante gratificante. (p. 248, 1984)
Para Certeau (1999) todo relato é uma prática espacial; porém, apesar da importância dos relatos, das histórias, da memória da professora Esperança é necessária a possibilidade de experimentação de atividades que envolvam tempo e espaço, podendo contribuir para o desenvolvimento da criança. Este artigo, que está baseado teórico-metodologicamente na obra “A invenção do cotidiano” (1999), de Michel de Certeau, objetiva mostrar que os trabalhos de campo1 desenvolvidos pela professora Esperança são fortes aliados na busca dessas práticas espaciais de (re) conhecimento e experimentação da realidade cotidiana dos alunos. Nesta tarefa importante de interpretar e compreender o mundo, o atlas escolar se destaca na função pedagógica, concebendo as noções de ambiente, território, lugar e espaço. Se por um lado as “práticas do espaço” correspondem a uma disciplina ou um “espaço disciplinador”, como atribui Certeau (1999), por outro surgem por vezes alguns procedimentos resistentes permeados de astúcias e teimosia. Dessa maneira, no consumo dos bens culturais e materiais, existem sempre (re)apropriações e (re)significações. Destacam- se assim a importância da cidade, do bairro, da escola, da rua, da sala de aula; acontecimentos e lugares, que afinam ou desafinam as relações que envolvem a experiência do sujeito com o lugar. Nas séries iniciais do ensino fundamental, a aprendizagem da criança se dá por meio da aquisição e compreensão simbólica do espaço historicamente construído, o que vai além das relações espaciais topológicas. Apesar dos vários agentes educativos (família, livros, sociedade, etc.) é no professor que buscamos a melhor compreensão sobre a função pedagógica da geografia na manipulação de instrumentos (atlas escolar) auxiliando a criança na apropriação no e do espaço. Assim, pesquisar !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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!A!Professora!Esperança!realizou!dois!trabalhos!de!campo,!o!primeiro!no!dia!01/06/2011!ao!entorno!da!escola!e!o! segundo!no!dia!14/09/2011!na!região!central!de!Sumaré!–!SP.!
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A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO DE CAMPO NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: “FIOS E DESAFIOS NO ENSINO DA CARTOGRAFIA ESCOLAR”
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no/do cotidiano escolar é também entender as marcas de fazer dos professores que vão ‘ajustando’ e reorganizando o cotidiano de suas práticas, no caso da professora Esperança os seus “[...] relatos efetuam [...] um trabalho que, incessantemente, transforma lugares em espaços ou espaços em lugares” (CERTEAU, 1999, p. 203). Procuramos compreender melhor o cotidiano docente, através das observações dos trabalhos de campo realizados em uma sala do quarto ano do ensino fundamental (Ciclo I), pela professora Esperança. Considerando que o atlas escolar não pode ser concebido com um “livro de receitas”, mas um instrumento de representação da realidade – e assim, não sendo a própria realidade –, cabe portanto a esta pesquisa buscar entender a “transposição” entre a representação e a realidade. A professora Esperança busca esta “transposição” atráves dos trabalhos de campo, que são divididos em três durante o ano letivo, a saber: um primeiro no bairro ao entorno da escola; o segundo na região central da cidade e o terceiro em outras regionais da cidade. No nosso caso, os trabalhos de campo acompanhados foram o primeiro e o segundo. Percebemos que este trabalho de campo inicia-se na sala de aula, com um roteiro préestabelecido pela professora, contendo as principais ruas e os pontos de parada. Na segunda etapa temos a ida à campo pelos alunos; nesta ocasião eles anotam todas as suas observações pessoais e as informações passadas pela professora; finalizando já em sala de aula, a professora (re) constrõe o percurso focando com o apoio dos alunos as principais observações culminado com a criação e a construção das legendas. 2
O ESPAÇO COMO “LUGAR PRATICADO” Sabemos que ao longo da história da Geografia o espaço geográfico foi interpretado de
várias maneiras, e assim, não é nosso interesse retomar tal debate ou ainda “coroar” como mais importante uma visão de espaço geográfico em detrimento a outras. Segue no mesmo caminho, de ter múltiplas interpretações, o conceito de cotidiano nos estudos da prática escolar. Sobre este tipo de pesquisa, André (2009, p. 42) pontua que: [...] o estudo da prática escolar não pode se restringir a um mero retrato do que se passa no seu cotidiano, mas deve envolver um processo de reconstrução dessa prática, desvelando suas múltiplas dimensões, refazendo seu movimento, apontando suas contradições, recuperando a força viva que nela está presente”
Não partilhamos da ideia de pesquisas ‘do’ cotidiano escolar por acreditar que essas pesquisas acontecem ‘no’ cotidiano escolar, ou ainda, pesquisas ‘sobre’ o cotidiano escolar
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(ANDRÉ, 2009). Assim, faz- se necessário reconhecer qual o autor tomaremos como referência para a pesquisa no/do cotidiano. Na metodologia utilizamos a pesquisa qualitativa participante; em relação à bibliografia houve uma aproximação maior com os escritos de Michel de Certeau por acreditarmos da mesma forma na possibilidade de “travessia” oferecidas pelo relato. Onde o atlas escolar demarca (fronteiras) os relatos de vida da professora Esperança realizam uma travessia (ponte). Ressaltamos alguns valores importantes na construção do pensamento crítico sobre o espaço, valores estes observados no trabalho de campo tais, como: cooperação do grupo envolvido e principalmente o desenvolvimento da sensibilidade e da percepção. No trabalho de campo realizado no dia 14/09/2011, em cada nova “parada” proposta no roteiro elaborado pela própria Professora Esperança, percebemos as explicações (teoria) se misturando com a própria história de vida (prática) da Professora Esperança. Assim, parafraseando Certeau, os relatos da Professora Esperança efetuam um trabalho que, incessantemente, transforma “lugares em espaço” ou “espaços em lugares”. Em Certeau (1999) espaço é um lugar praticado, essas práticas podem ser encontradas da mesma maneira, na proposta do atlas escolar municipal de Sumaré – SP, “As identidades se dão por vínculos a lugares, acontecimentos, histórias pessoais, formação de grupos..., representam o que é considerado pertencimento”. (ALMEIDA, 2008, p. 10). Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa “prática” significa: Ato ou efeito de praticar; Uso, esperiência, exercicio; Rotina, hábito; Saber provindo da experiência; Técnica; Aplicação da teoria; Discurso rápido; Conversação; conferência; Licença concedida a navegantes para comunicarem com um porto ou uma cidade. (1986, p.1377, grifo nosso)
Se o espaço é concebido sob a ótica de Certeau como o lugar praticado; para que a aprendizagem do aluno nas séries iniciais do ensino fundamental crie bases sólidas para a “iniciação cartográfica” é necessário e indispénsavel que os professores conheçam o espaço praticado do aluno. Destacamos aqui como exemplo um trecho do trabalho de campo realizado pela professora Esperança no dia 01/06/20122. Professora: [pergunta aos alunos] Esta rua é movimentada? Alunos: Sim.
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!Percurso!realizado!ao!entorno!da!escola.!
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A professora refere- se à Rua Geraldo de Souza, onde se localiza o portão de entrada da escola, ou seja, a rua que os alunos geralmente conhecem nos horários de entrada e saída [horário de aula do período da tarde]. Professora: [insiste na pergunta] Esta rua é movimentada? Alunos: Sim. Professora: Mas, ela esta vazia agora! Alunos: “silêncio”. Observamos neste pequeno e simples relato da aula de campo a importância do “lugar” praticado pelos alunos, e que, apesar da rua estar vazia no momento da realização do trabalho de campo, as respostas dos alunos não podem ser consideradas erronêas, mas o ponto de partida para o trabalho do professor. Quando falamos do ‘lugar praticado’ (neste caso, a Rua Geraldo de Souza), estamos dizendo que ao tomarem posse dos significados expressos pela linguagem, as crianças os aplica a seu universo de conhecimento. Assim: [...] nos cabe estabelecer que, com o auxílio da linguagem, a criança entende a si mesma de modo diferente do que entende o adulto com o auxílio da mesma linguagem. Isto significa que os atos de pensamento, realizados pela criança por meio da linguagem, não coincidem com as operações produzidas no pensamento do adulto quando ele pronuncia a mesma palavra. (VYGOTSKY, 2010, p.216)
A importância do processo de aprendizagem escolar está em dar novos contornos aos significados que continuam a ser transformados durante todo o desenvolvimento do indivíduo. A Rua Geraldo de Souza é ‘praticada’ pelos alunos nos horários de entrada e saída, quando existe uma grande agitação; alunos, pais, automóveis, ônibus, buzinas, guardas de trânsito etc. Enfim, a concepção do aluno sobre esta rua ser movimentada está correta, pois é como eles a percebem nas suas vivências cotidianas. Quantas vezes dentro da sala de aula os alunos são considerados “errados” por responderem ou escreveram coisas que não se enquadram na concepção “adulta” de certo e errado? 3
ENTRE FRONTEIRAS E PONTES: DO ATLAS AO COTIDIANO. De uma geografia preestabelecida, que se estende (se a gente se limita apenas à casa) desde os quartinhos, tão pequenos “que não se pode fazer nada neles”, até ao legendário celeiro, desaparecido, “que serve para tudo”, os relatos cotidianos contam aquilo que, apesar de tudo, se pode aí fabricar e fazer. São feituras de espaço. (CERTEAU, 1999, p. 207, grifo nosso).
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Nas nossas observações em sala de aula percebemos claramente que a professora Esperança ultrapassa as fronteiras físicas da sala de aula, seus relatos de vida constroem pontes onde seus alunos podem ultrapassar a demarcação do próprio mapa. Utilizamos os termos fronteiras e pontes por acreditar assim como Certeau (1999) na oposição de dois movimentos que se cruzam, um estabelecendo e o outro ultrapassando limites. Em todas as aulas observadas da professora Esperança nota- se uma contextualização entre o atlas escolar de Sumaré e sua própria história de vida, como no trabalho de campo realizado no dia 14/09/2012. Em uma das paradas a professora Esperança comenta sobre o prédio onde atualmente funciona o Tribunal de Conciliação e Justiça Arbitral da Região Metropolitana de Campinas (Figura 01). Professora: Crianças; olhem este prédio, ele é novo ou velho? Alunos: Novo. Professora: Mas vocês notaram que apesar de ser novo a sua arquitetura é a mesma que os prédios mais antigos? Professora: Ele foi demolido, porém era tombado pelo patrimônio público e foi novamente construído da mesma forma que era antes. Ele pertencia ao Sr. Attilio Foffano, um comerciante. Alunos: Nossa! Ele era rico? Professora: Era uma pessoa importante da cidade; meu avô fazia compras nesta mercearia [antes funcionava uma mercearia no prédio], ainda tenho a sua caderneta onde marcava as compras [este tipo de caderneta era muito utilizada no passado, onde as pessoas compravam ‘no fiado’], vou trazer para vocês darem uma olhada. Alunos: Nossa que legal [os alunos demonstram uma expressão de entusiasmo]. Com o mesmo entusiasmo, tornou- se possível imaginar um passado onde a vida era mais simples, sem tantas complicações como nos dias atuais; por detrás de um simples caderno de fiados existia credibilidade, laços construídos a partir da confiança do vendedor na palavra do comprador, que tinha mais valor que um documento. Remetendo ao Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, a palavra fiado nos remete a: “Que tem fé ou confiança. Vendido a crédito” (1986, p. 773). Em tempos de cartão de crédito e transferências on-line sob policiamento dos comprovantes impressos, a venda à fiado remete a um tempo de confiança que parece não mais existir. Da mesma maneira que no passado existia a confiança na palavra do cliente em comprar fiado, percebo que os alunos demonstravam confiança nas palavras da professora Esperança (ou
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como definiu tão bem o Novo Dicionário Aurélio, “[...] tem fé ou confiança”). Entre as fronteiras e as pontes notamos a importância dos relatos de vida da professora Esperança; por um instante os alunos também são personagens dos seus relatos, existe um “convite” para que possam entrar no seu mundo, como Certeau (1999, p. 209) enfatiza: “o relato tem inicialmente uma função de autorização”. A atenção e o silêncio dos alunos nos momentos de “partilha” que a professora Esperança proporciona somente são quebrados pela poluição sonora da cidade (motores, buzinas, etc.). Esse “mergulho” da professora Esperança no passado buscando explicações para o presente se aproxima do conceito da paisagem que não é criada de uma única vez. Para Milton Santos (1998), é criada em processos de acréscimos e substituições, que é na realidade um conjunto de objetos que têm idades diferentes, heranças de momentos distintos. Assim, temos a ideia de não permanência; ou seja, a paisagem também sofre mudanças. Segundo Milton Santos (1998) a paisagem é a realidade histórica, associada com o espaço social: É a sociedade, isto é, o homem, que anima as formas espaciais, atribuindo-lhes um conteúdo, uma vida. Só a vida é passível desse processo infinito que vai do passado ao futuro, só ela tem o poder de tudo transformar. (SANTOS, 1998, p.88)
É possível afirmar que na educação ainda se prioriza “o que ensinar” em detrimento sobre “como ensinar”. Muitas vezes o modo como o conteúdo é transmitido (palavra esta, por si só, que indica uma via única de aprendizado) pode induzir o aluno a uma apropriação errônea da realidade me que vive. O atlas escolar somente irá alcançar a sua verdadeira proposta que é a do “pertencer” quando o professor conseguir superar as fronteiras criando pontes que liguem teoria à prática. Concordamos com Oliveira (2008, p. 23- 24), quando enfatiza que o valor do mapa está naquilo que o professor se propõe a fazer com ele: [...] a função do mapa depende do uso que o professor quer do mesmo; se o professor não sabe o que quer que o mapa mostre, nenhum mapa se apresenta como bom: todos serão distorções da realidade. O valor do mapa está naquilo que o professor se propõe a fazer com ele.
E continua: Portanto, o mapa é um instrumento na mão do professor; é um modelo da realidade que ele aplicará e adaptará às diversas situações e necessidades que se apresentem durante as suas aulas, durante as suas relações didáticas com os alunos.
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Para Certeau (1999) as narrativas são vistas como relatos assim: “onde o mapa demarca, o relato faz uma travessia” (1999, p. 215); se considerarmos que o relato é um ato culturalmente criador torna-se possível afirmar que a professora Esperança vai proporcionando novas possibilidades para esta travessia, criando condições para que os alunos consigam ir além das demarcações do atlas. A criança relaciona os objetos conforme se desloca e explora o ambiente, vai criando coordenadas espaciais; este é o grande desafio, uma vez que o espaço é algo contínuo, a noção que a criança tem sobre os objetos e as relações entre eles são construídas ao longo do seu desenvolvimento. A importância do atlas escolar neste contexto está naquilo que a professora Esperança se propõe a fazer com ele, e a apropriação do conteúdo pela criança esta intimamente ligada à maneira como a professora irá apresentá-lo. Desta forma, o conteúdo tem significados que não são vazios. O conteúdo se transforma na forma. Ou seja, se a forma também é conteúdo no contexto escolar, a apresentação do conhecimento em formas diferentes lhe dá significações diferentes e o altera como tal. [...] além, disso, tem consequências para o grau de apropriação possível do conhecimento para os sujeitos. (EDWARDS, 2003, p. 69)
A importância dos relatos da professora Esperança em relação à concepção de Certeau (1999) em “A invenção do cotidiano”, se aproximam pelo fato de que um mapa pode até demarcar, pode estar definido, mas o percurso é sempre uma incógnita e depende das ocasiões de cada instante. Tanto em Certeau como nas aulas da professora Esperança, as novas espacialidades são formadas a cada instante, a cada nova aula ou a cada novo passo. A construção didática da professora Esperança ultrapassa a “fronteira” do atlas, não é só um desenho, é agora uma representação do real, assim: “[...] ‘muda’ a fronteira em ponto de passagem, e o rio em ponte” (CERTEAU, 1999, p. 214). Buscamos no cotidiano o entendimento do uso do atlas escolar, através do que Certeau denomina como “artes de fazer”, a saber: táticas de resistência que vão alterando os objetos e os códigos, e estabelecendo uma (re-)apropriação do espaço e do uso ao jeito de cada um. Neste caso, destacamos o termo “(re-)apropriação” que remete ao “não lugar” como “espaço de fuga”, o “fazer diferente e fora dos padrões convencionais”. Concordamos com Certeau em relação ao espaço ser um local “praticado”, e assim: Um lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência [...] Um lugar é portanto uma configuração instantânea de posições. Implica uma indicação de estabilidade. Existe espaço sempre que se
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tomam em conta vetores de direção, quantidade de velocidade e a variável tempo. O espaço é um cruzamento de móveis. (CERTEAU, 1999, p. 201- 202)
É algo como afirmar: “o lugar ‘ocupado’ é o lugar ‘transformado’ passando à condição de lugar ‘praticado’”, e “de certo modo animado pelo conjunto dos movimentos que aí se desdobram” (CERTEAU, 1999, p. 202). Os trabalhos de campo realizados pela professora Esperança proporcionam a construção de identidades pelos alunos que são “convidados” a praticar e experimentar o lugar público; assim, a rua geometricamente definida torna- se espaço pelo caminhar dos alunos. Em cada ponto de parada definido pela professora Esperança no trajeto do trabalho de campo existe o relato, uma espécie de bricolagem, fragmentos e lembranças, colados e justapostos com o intuito de produzir sentido a estes locais, como podemos perceber em outro fragmento do trabalho de campo realizado no dia 14/09/2011: Professora: Olhem este [...] prédio (Figura 02)... era a subprefeitura, sabem o que é isso? Alunos: Não. Professora: Antes Sumaré era distrito de Campinas, portanto não tínhamos ainda um prefeito, então aqui era a subprefeitura. Leandro: Professora, é para anotar a data? [O aluno Leandro consegue perceber detalhes, como a data de construção dos prédios mais antigos que aparecem na entrada do prédio próximo a bandeira do Brasil] Professora: Sim, pessoal. Prestem atenção no que o Leandro falou, antes os prédios traziam a data que foram construídos; neste caso é de 1913, podem anotar, está na entrada atrás das bandeiras. Professora: [continua a explicação] Depois da emancipação funcionou aqui a câmara de vereadores, depois um pronto socorro. A professora Esperança relata uma passagem da sua infância, comentando que veio até este prédio quando ainda funcionava o pronto-socorro e que viu uma pessoa ferida e que nunca mais se esqueceu deste fato. Interessante como a professora cria relações de fatos reais, unindo passado e presente, fatos justapostos, pedaços de histórias que são remendadas e coladas, uma bricolagem que ajuda na criação de sentidos dos locais visitados. Dificilmente as crianças se esquecerão das funções que este prédio desempenhou durante o tempo, pois os relatos da professora Esperança criam pontes que aproximam e dão sentidos para as crianças. Percebemos
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em Lacoste (1984, p. 248) essa preocupação da geografia em dar sentido ao discurso, uma vez que: O discurso geográfico evoca, na maioria das vezes, permanências ou fenômenos que evoluem sobre tempos relativamente longos ou muito longos; só raramente se trata de mecanismos ou acontecimentos. Nas descrições ou explicações geográficas não há qualquer “suspense” para manter o interesse dos alunos e é preciso muito talento e competência para que um tal discurso não acarrete aborrecimento.
Os relatos proporcionam a ideia de algo que não existe mais ̶ neste caso das funções desempenhadas pelo prédio, e as trazem para a realidade próxima do aluno, entre o que existe e o que é resíduo histórico na paisagem, já que: [...] a combinação de elementos dos campos visuais presente e passado num único campo de atuação leva à reconstrução básica de uma outra função fundamental: a memória, que, além de tornar disponíveis fragmentos do passado, transforma- se em um novo método de unir elementos da experiência passada com a presente. (ALMEIDA, 2006, p. 20- 21)
Michel de Certeau compara o espaço à palavra e o lugar à enunciação; assim no momento que a professora Esperança compartilha suas lembranças de infância com seus alunos, suas palavras são atualizadas. Da mesma forma, as ruas são constantemente atualizadas e transformadas pelos transeuntes. Os relatos da Professora Esperança misturam passado e presente, e no futuro quando for ‘exigido’ da criança o agrupamento de informações passadas e presentes é através da memória que a criança irá chegar ao resultado. Em relação a esse campo temporal necessário para a ação, Almeida (2006, p. 21) enfatiza: O campo temporal para a ação, então, estende- se para frente e para trás, e a atividade futura é representada por signos. Estes criam as condiçõesm para o desenvolvimento de um sistema único que inclui elementos efetivos do passado, presente e futuro.
Pesquisar no/do cotidiano escolar nos permite ‘captar’ essas “artes de fazer” da professora Esperança; esse caminho de investigação constitui-se num objeto de reflexão para entendermos como os professores se ‘ajustam’ diante de uma nova ferramenta de apoio escolar [atlas municipal]. Essas invenções, como reconhece Certeau, são as formas dos professores reorganizarem o cotidiano de suas práticas.
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A QUESTÃO DA IDENTIDADE EM SUMARÉ Como as pessoas utilizam o sistema de representação e do espaço, seja ele da sua
escola, do seu bairro ou da sua cidade, tem relações muito próximas com as suas práticas cotidianas, ou seja, representam a maneira como nos apropriamos do espaço. Segundo Certeau (1996, p. 45), é dentro de um determinado ‘espaço’ que pode ser um bairro, que se configuram e ‘brotam’ as condições favoráveis para as relações cotidianas de reconhecimento: O bairro é, por conseguinte, no sentido forte do termo, um objeto de consumo do qual se apropria o usuário no modo da privatização do espaço público. Aí se acham reunidas todas as condições para favorecer esse exercício: conhecimento dos lugares, trajetos cotidianos, relações de vizinhança (política), relações com os comerciantes (economia), sentimentos difusos de estar no próprio território (etologia), tudo isso como indícios cuja acumulação e combinação produzem, e mais tarde organizam o dispositivo social e cultural segundo o qual o espaço urbano se torna não somente o objeto de conhecimento, mas o lugar de um reconhecimento.
Dessa maneira, indagamos se Sumaré é apenas um lugar de conhecimento, ainda que os seus moradores não se sintam pertencentes a ele, ou já podemos classificá-lo como um lugar de reconhecimento, onde a maioria compactua o conhecimento do lugar, o trajeto e o seu cotidiano. Para compreendermos melhor a questão do pertencimento na cidade de Sumaré, recorremos ao livro “Migração em Sumaré: O tempo e o espaço do migrante” (2009), de Francisco Antonio de Toledo, carinhosamente chamado de Professor “Chico”. Além de escritor, o querido Professor Chico também foi por um longo tempo professor de História na rede de ensino de Sumaré; conhecê-lo pessoalmente, foi muito esclarecedor no sentido de “nortear” as questões relacionadas aos sentimentos de “pertencimento” à cidade. Em entrevista com o Professor Chico no dia 20 de agosto de 2012, ele afirmou que “Sumaré ainda está buscando a sua identidade”. Entendemos que o agrupamento dos vários fatores isolados explica a questão do pertencimento em Sumaré; ou seja, a questão da migração impulsionando o rápido crescimento urbano, a infraestrutura insuficiente, a especulação imobiliária, o encontro do migrante com uma nova ‘cultura’, o crescimento urbano desordenado criando vazios urbanos etc. Diante de tal realidade, a figura do educador se torna ainda mais importante, visto que entender a criança que frequenta a(s) escola(s) é também entender suas raízes; mesmo se já nascidas em Sumaré “filhos da terra” seus pais ou avós são provavelmente migrantes e, portanto, trazem marcas que devem ser compreendidas. O próprio Professor Chico, ao prefaciar seu livro anteriormente citado, comenta a importância de entendermos melhor esta “construção” da cultura local:
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As mudanças ocorridas com o advento dos migrantes, envolvidos no processo de industrialização da região, caracterizam uma nova cidade, totalmente diferente, irreconhecível e incompreensível para o espectador que não acompanhou sua trajetória. (TOLEDO, 2009)
Quando o Professor Chico comenta que: “Sumaré ainda está buscando a sua identidade” nos aproximamos de Stuart Hall (2006, p.39), que reconhece que “em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento”. Para reforçar seu argumento, Hall (2006, p.48) complementa: “as identidades [...] não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação”. Dentro da sala de aula todas as identidades se encontram, se misturam, se atraem, conquistam, e principalmente nos ensinam em noções de respeito à diversidade que se aprende o que realmente significa “pertencer”. O exemplo dessas “múltiplas identidades” pode ser percebido na sala de aula da Professora Esperança, que conta com: vinte alunos da Regional Centro, cinco da Regional Nova Veneza, dois da Regional Picerno e três da Regional Área Cura3. A partir do momento que a Professora Esperança “transforma” o saber em prática, como nos trabalhos de campo e nas suas narrativas de vida, remete os alunos ao passado, porém criando uma ponte com o presente. Podemos dizer que a professora está construindo “sentidos”, e que sem os mesmos uma nação, uma cidade ou mesmo um bairro não constroem identidade. Se trocarmos a palavra nação por cidade encontraremos novamente nas palavras de Hall o sentindo de identidade que procuramos, pois “esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagem que dela são construídas” (2006, p. 51, grifo nosso). Este breve exame sobre o que é identidade e, se realmente Sumaré passa por uma crise de identidade, nos demonstra que a cultura local, seja ela “original” no sentido de não ser copiada de outros lugares, ou “enriquecida” pelos migrantes, é que se torna o ponto de convergência entre os vários “pertencimentos”; se os migrantes ainda não reconhecem Sumaré como um local de pertencimento é através do tempo, como apontou o Professor Chico, que estes retalhos irão ser costurados, formando uma imensa colcha, constituída por vários panos, de várias cores e texturas, porém pertencentes a uma única identidade: Sumaré. Assim, nos ensina Hall (2006, p.65), que “quando vamos discutir se as identidades [...] estão sendo deslocadas, devemos ter em mente a forma pela qual as culturas [...] contribuem para “costurar” as diferenças numa única identidade”. E, ao contrário do que se pensa a “construção” do que chamamos aqui de identidade, geralmente não se processa em um ambiente repleto de !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 3
!Atualmente,!a!administração!pública!adota!uma!divisão!do!território!em!seis!Administrações!Regionais:!Regional!do! Centro,!Nova!Veneza,!Matão,!Área!Cura,!Maria!Antonia!e!Picerno.!
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estabilidade e calma, no caso de Sumaré este cenário sempre foi repleto de lutas e resistência. Na construção do “pertencimento”, Hall (2006, p. 85) aponta que “o fortalecimento de identidades locais pode ser visto na forte reação defensiva daqueles membros dos grupos [...] dominantes que se sentem ameaçados pela presença de outras culturas” . Todavia, a reação não surge apenas do grupo dominante, e no caso de Sumaré é marcante a organização e a resistência do grupo mais ‘fraco’, os migrantes. A luta difícil nem sempre deixou o recém-chegado tomar consciência dos seus direitos e do nível de desumanidade q que era submetido. Só nos anos 80, quando a população de Sumaré passava de 100 mil habitantes e o número de migrantes estava por volta de 90 mil, e quando acontece no país à crise econômica da “década perdida”, essa multidão acorda, se organiza e protesta. (TOLEDO, 2009, p.38)
Segundo Marx (apud HALL, 2006, p. 34) os “homens [...] fazem a história, mas apenas sob as condições que lhes são dadas”; Sumaré está construindo a sua história, os migrantes que são a maioria na cidade, tem fortes vínculos com seus lugares de origem, porém negociando com a nova cultura. A identidade de uma cidade surge quando um grupo começa a ‘lutar’ pelos seus direitos reivindicando uma cidade para todos; essa busca pela identidade pode ser simbolizada principalmente à partir de 1983 com a nomeação do primeiro vereador operário migrante da cidade de Sumaré, chamado Cícero Teixeira de Freitas (TOLEDO, 2009). Mas, torna-se possível apontar que, em vez de uma identificação única e excludente, existem várias identificações; e que em vez de “sumareense foi...”, ou “sumareense é...”, pensamos em “sumareenses foram, são e podem vir a ser...” (ALMEIDA; CABRINI; COLÇALVES, 2008, p. 10). 5
CONSIDERAÇÕES FINAIS Afinal, os trabalhos de campo realizados pela Professora Esperança, conseguem
aproximar o atlas escolar do espaço real do aluno? Nesta faixa etária (7 a 11 anos), as noções espaciais, projetivas e euclidianas ainda estão em construção (ALMEIDA E PASSINI, 2006), portanto ainda é difícil a criança realizar uma correspondência do espaço real (concreto, vivido e experimentado) com as simbologias exigidas para as representações gráficas (abstração). Nas relações topológicas o referencial para a localização é o próprio corpo da criança, ou seja, “[...] os referenciais são estabelecidos pela projeção dos eixos do esquema corporal, os objetos não podem ser situados em conjunto, mas uns em relação aos outros” (ALMEIDA, 2006, p. 55, grifo do autor). Em relação ao trabalho de campo e o uso do mapa, a professora Esperança possibilita ao aluno alcançar uma (re) organização e configuração do espaço; essas “estruturas mais
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complexas” que serão adquiridas irão ajudar futuramente na compreensão das coordenadas geográficas. O que denominamos de estruturas mais complexas seriam na realidade a construção de noções de proporcionalidade, horizontalidade e verticalidade; de posse dessas novas aquisições os alunos poderão interpretar mapas projetivos e euclidianos. Pois, estas são aquisições complexas, que vão se formando em diferentes situações por meio de relações entre o que o aluno já sabe e novas informações, observações etc., até que se forme uma rede conceitual, sobre localização e orientação espacial. (ALMEIDA, 2006, p. 57. Grifo do autor)
A forma que a Professora Esperança encontrou para que a vida não parasse na porta da sala de aula foi de “trazer a vida para a sala de aula” e “levar a sala de aula para a vida”. Participamos de dois trabalhos de campos que demonstraram que esta ferramenta (trabalho de campo) pode ajudar muito na aproximação do material didático (atlas escolar) com o espaço (lugar praticado). Entendemos que o espaço realiza- se enquanto vivenciado, ou seja, o lugar se torna espaço quando é praticado pelo indivíduo, através do movimento e das várias dinâmicas realizadas nas suas (re-) significações. Somente com essas práticas poderemos alcançar a verdadeira essência do Atlas Escolar que é a de deslocar-se para uma instância mais abrangente: a cultura (ALMEIDA, 2008). Se considerarmos, por exemplo, que a cartografia tem como principal finalidade entender o mundo, cabe principalmente ao educador a tarefa da alfabetização cartográfica, visando o desenvolvimento de estruturas que ofereçam condições necessárias não apenas ao uso escolar do mapa, mais principalmente no seu uso cotidiano. A importância dos trabalhos de campo da professora Esperança está em compreender que os alunos das séries iniciais do ensino fundamental já sabem muito sobre os seus lugares de convivências diárias (identidades); sabem fazer “mapeamentos” dos lugares que conhecem, porém ainda não dominam a linguagem cartográfica (fronteira). A aproximação entre a obra de Certeau, o atlas escolar e a prática docente da professora esperança está em discutir a identidade, o reconhecimento e a apropriação do lugar. Como as pessoas utilizam o sistema de representação e do espaço, seja ele da sua escola, do seu bairro, da sua cidade tem relações muito próximas com suas práticas cotidianas, ou seja, representam a maneira como nos apropriamos do espaço. O atlas é um meio e nunca o fim para esta apropriação. A forma como o professor irá utilizá-lo pode transformá-lo em uma ponte, que aproxima o seu sistema de signos com o real do aluno, ou o contrário também, servindo como uma fronteira quase intransponível.
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A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO DE CAMPO NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: “FIOS E DESAFIOS NO ENSINO DA CARTOGRAFIA ESCOLAR”
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ALMEIDA, Rosângela D. Do desenho ao mapa: Iniciação cartográfica na escola. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2006. ALMEIDA, Rosângela D; PASSINI, Elza Y. Espaço geográfico, ensino e representação. 14. ed. São Paulo: Contexto, 2006. ALMEIDA, Rosângela D. Uma proposta metodológica para a compreensão de mapas geográficos. In: ALMEIDA, Rosângela D. (org). Cartografia escolar. São Paulo: Contexto, 2008. ALMEIDA, Rosângela D; CABRINI, Conceição; GONÇALVES, Amanda R. Caminhos de um trabalho Colaborativo. In: ALMEIDA, Rosângela D; CABRINI, Conceição. (orgs). Sumaré na sala de aula: pesquisa colaborativa e experiências de ensino. Sumaré, SP: Prefeitura Municipal/ Secretaria Municipal de Educação, 2008. ANDRÉ, Marli Eliza D.A. Etnografia da Prática Escolar. 16. ed. Campinas, SP: Papirus, 2009. CERTEAU, Michel de. A invenção do Cotidiano: 2. Morar, cozinhar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. CERTEAU, Michel de. A invenção do Cotidiano: 1 artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. EDWARDS, Verônica. Os sujeitos no universo escolar. São Paulo: Editora Ática, 2003. FERREIRA, Aurélio Buarque H. Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986. HALL, Stuart. A identidade na pós- modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. LACOSTE, Yves. A geografia serve antes de mais nada para fazer a guerra. São Paulo: Papirus, 1984. OLIVEIRA, Lívia. Estudo metodológico e cognitivo do mapa. In: ALMEIDA, Rosângela D. (0rg). Cartografia escolar. São Paulo: Contexto, 2008. SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1998. TOLEDO, Francisco A. Migração em Sumaré: o tempo do migrante. Guararema, SP: Anadarco Editora, 2009. VYGOTSKY, Lev S. A construção do Pensamento e da Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
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AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA INICIAL EM TURMAS DO PROEJA-FIC: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA Aline Graciele Mendonça RESUMO: O presente trabalho, de estudo bibliográfico, tem como objetivo subsidiar professores que lecionam nas turmas dos cursos PROEJA – FIC - Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, Formação Inicial e Continuada com o Ensino Fundamental - acerca da avaliação da aprendizagem, propondo a utilização de fichas diagnósticas como registro de avaliação inicial, a ser realizada com os alunos no início do curso, para levantamento de conhecimentos prévios, possibilitando conhecer a realidade dos mesmos. Esse registro do perfil da sala, elaborado pelo professor, demonstrando quais conhecimentos esse considera necessário à sua disciplina, contribuirá para elaboração de estratégias de ensino e planejamento de atividades voltadas a uma aprendizagem significativa, proporcionando aulas contextualizadas e melhorando a motivação dos alunos para aprendizagem. PALAVRAS-CHAVE: Séries iniciais do Ensino Fundamental; Educação de Jovens e Adultos; Educação Profissional; Avaliação da aprendizagem.
INITIAL DIAGNOSTIC EVALUATION IN CLASSES OF THE PROEJA-FIC: CONTRIBUTIONS FOR A SIGNIFICANT LEARNING ABSTRACT: The present work, a bibliographic study, aims at subsidizing teachers who teach classes in PROEJA - FIC - National Program for Integration of Professional Education with Basic Education in Modality of Youth and Adult Education, Initial Formation and Continued with Elementary School - about learning evaluation, proposing the use of diagnostic cards as records of the initial evaluation, to be performed with students at the beginning of the course, to detect their previous knowledge, thus enabling the teacher to know their reality. This register of the class profile, elaborated by the teacher, demonstrating what knowledge he/she considers necessary to his/her discipline will contribute for the elaboration of teaching strategies and planning activities aimed at meaningful learning, providing contextualized lessons and improving student’s motivation for learning.
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ALINE GRACIELE MENDONÇA
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KEYWORDS: Initial series of Elementary School; Education for Youths and Adults; Professional Education; Evaluation of learning.
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INTRODUÇÃO Muitas vezes é preciso reconstruir o olhar, num movimento que requer a desconstrução do modo como se interpreta a realidade e se organiza a vida. (ESTEBAN, 2003, p. 26)
A educação profissional vem se expandindo consideravelmente nos últimos anos, sendo questão de reflexão e debates. A crescente demanda por formação profissional no país vem gerando um grande aumento na expansão de escolas de educação profissional e aumento na oferta de vagas em todos os ramos de atividades. Essa preocupação se estende também a Educação de Jovens e Adultos - EJA. Para integrar educação profissional e EJA, o Governo Federal instituiu com o Decreto nº 5478, de 24 de Junho de 2005, o PROEJA - Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e adultos - com o objetivo de ampliar a oferta de vagas no ensino médio para os jovens e adultos e oferecer a este público a possibilidade de frequentar um curso que integrasse a formação profissional e a formação básica, superando a dualidade trabalho manual e intelectual. Desde sua instituição o Programa vem evoluindo e se ampliando, tendo dois marcos importantes desde sua criação em 2005. O primeiro foi em 2006, pelo decreto nº 5.840, de 13 de julho, que revoga o decreto anterior supramencionado, aumentando a abrangência do PROEJA para o público do ensino fundamental da EJA, uma vez que, no decreto anterior, esses cursos eram destinados apenas aos alunos da EJA que estivessem cursando o ensino médio, última etapa da educação básica. (BRASIL, 2012a) O segundo ocorrido em 2009, buscando a ampliação da oferta de formação para trabalhadores, ocorreu pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – SETEC do Ministério da Educação- MEC que convidou as Instituições Federais a firmarem parcerias e implantar o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, Formação Inicial e Continuada com o Ensino Fundamental, denominado PROEJA FIC, ofertado a alunos não alfabetizados, que iriam iniciar a EJA no primeiro ano do ensino fundamental. (BRASIL, 2012c)
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Esse estudo é resultado de reflexões originadas após trabalho em uma dessas parcerias entre uma instituição federal e prefeituras para a oferta de turmas de PROEJA –FIC, cujo público de alunos, em sua maioria, não eram alfabetizados e estavam iniciando o primeiro ciclo do ensino fundamental, denominado de Termo I. Nesta parceria os alunos da EJA possuíam uma carga horária de 1400h, sendo um projeto integrado de 1200h da EJA e 200h de qualificação profissional. Portanto lecionavam para os alunos, professor alfabetizador e professores da área profissionalizante. (BRASIL, 2012b) É no contexto desses cursos, voltados a formação profissional e a alfabetização nas séries iniciais do ensino fundamental que desenvolvemos os estudos acerca das contribuições da avaliação diagnóstica inicial, como um instrumento importante que considera a realidade local das turmas no processo ensino/aprendizagem. Como afirmam Gadotti, Freire e Guimarães (1995) e Barcelos (2009) se partirmos do contexto, da realidade dos educandos, reconhecendo sua história, sua percepção de mundo damos voz para que, a partir de seus saberes, construam novos. Porém “se o ponto de partida está em nós, os chamados intelectuais, não há nenhum outro caminho se não o do autoritarismo”. (GADOTTI; FREIRE; GUIMARÃES, 1995, p.55) Refletindo as afirmações dos autores supramencionados, temos a clareza da importância de valorizar e reconhecer a realidade do estudante, tornando sua aprendizagem significativa, possibilitando participarem ativamente da construção desse processo. Essa aprendizagem significativa faz grande diferença para os alunos da educação de jovens e adultos, que chegam às salas de aula, na maioria em período noturno, depois de um dia inteiro de trabalho e precisam ser motivados à participação, ao diálogo, à aprendizagem e não submetidos a conteúdos totalmente descontextualizados de suas realidades os fazendo se sentirem como “peixes fora d’água”. Subsidiados nesse enfoque de aprendizagem significativa, consideramos a avaliação uma estratégia mediadora desse processo, em que destacamos a importância de realizar uma avaliação diagnóstica inicial e registrar seus resultados para contribuir no planejamento do professor e no acompanhamento da evolução do aluno quanto a aprendizagem.
2
AVALIAÇÃO NO PROEJA – FIC E A UTILIZAÇÃO DE FICHAS DIAGNÓSTICAS INICIAIS Um referencial importante que aborda a aprendizagem significativa no PROEJA – FIC é
seu Documento Base (MEC, 2007), que aponta como princípio de fundamentação do PROEJA a aprendizagem e os conhecimentos significativos:
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A aprendizagem significativa é o processo pelo qual um novo conhecimento relaciona-se com os anteriormente construídos, ou seja, com os conhecimentos prévios. Do mesmo modo, os conhecimentos significativos são aqueles que se relacionam com a vivência, a prática e o cotidiano do trabalhador e que lhe permitem, a partir da motivação, a aquisição de novos conhecimentos. (MEC, 2007, p. 29)
O documento aborda vários outros princípios para fundamentação do PROEJA, dos quais citamos também o da avaliação enquanto processo, sendo concebida como diagnóstico orientador para promoção da aprendizagem. (MEC, 2007) Para que a avaliação realmente contribua para aprendizagem dos alunos necessita ser contínua, reflexiva, com a finalidade de impulsionar, pelo acompanhamento, a aprendizagem do aluno e não apenas aprová-lo ou reprová-lo. Nesse contexto não utilizamos a avaliação apenas para classificar o aluno em aprovado ou reprovado, mas sim para mediar sua aprendizagem, com análises, interpretações, investigações de como o aluno está se desenvolvendo cognitivamente, por meio de diversos instrumentos, sejam verbais, escritos, coletivos, prevalecendo os aspectos qualitativos sobre os quantitativos, como propõe a atual lei de diretrizes e bases da educação nacional nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, em seu artigo 24, inciso V, alínea a: “V - a verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios: a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;” Conforme Hoffman (2009) a avaliação tem que ser mediadora, acompanhar o aluno em todo o processo, sendo essa realizada com base em alguns princípios, que consideramos importantes para o trabalho com as turmas do PROEJA: -oportunizar aos alunos muitos momentos de expressar suas ideias; -oportunizar discussão entre os alunos a partir de situações desencadeadoras; -realizar várias tarefas individuais, menores e sucessivas, investigando teoricamente, procurando entender razões para as respostas apresentadas pelos estudantes; - em vez de certo/errado e da atribuição de pontos, fazer comentários sobre as tarefas dos alunos, auxiliando-os a localizar as dificuldades, oferecendo-lhes oportunidades de descobrirem melhores soluções; -transformar os registros de avaliação em anotações significativas sobre o acompanhamento dos alunos em seu processo de construção de conhecimento. (HOFFMAN, 2009, p. 65-66)
Por serem, os alunos do PROEJA- FIC, na grande maioria, adultos ou idosos, esses possuem muitas experiências de vida, por isso a importância de oportunizar, durante as aulas, que relacionem o conhecimento aprendido com suas vivências, assim a comunicação verbal se torna um bom instrumento avaliativo nas aulas profissionalizantes, em que os professores relatam dificuldades em avaliar por serem alunos ainda analfabetos, com dificuldades em se manifestarem
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AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA INICIAL EM TURMAS DO PROEJA-FIC: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA
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pela escrita. Outro fato a se considerar para o ensino nessas turmas é a dificuldade de memorizar, encontrada algumas vezes, daí a importância da realização de várias tarefas, menores, sucessivas e constantes, não deixando para avaliar apenas no final de um módulo ou bimestre, pois isso prejudicaria a intervenção das dificuldades do aluno, sendo o ideal a cada aula retomar o assunto abordado e já avaliar o que os alunos conseguiram assimilar ou não, servindo esta avaliação para o planejamento da aula posterior. Por fim citamos a correção das atividades avaliativas, em que a autora menciona ser necessário comentar a devolutiva dos resultados ao invés de apenas os aferir em certo ou errado, possibilitando, com esses comentários, a reflexão e a aprendizagem dos alunos. Conforme Esteban (2003, p. 134) “A avaliação faz parte do ato educativo, do processo de aprendizagem.
Avalia-se
para
diagnosticar
avanços
e
entraves,
para
intervir,
agir,
problematizando, interferindo e redefinindo os rumos e caminhos a serem percorridos.” Baseandose nessa concepção de avaliação enquanto processo e não enquanto produto, que trataremos da avaliação diagnóstica inicial, como instrumento orientador do processo de ensino e aprendizagem. A avaliação enquanto processo de acompanhamento da aprendizagem, pode ser norteadora do planejamento de nossas metodologias de ensino, tornando sua realização, no início do curso, essencial para sabermos que conhecimentos prévios nossos alunos possuem referente ao conteúdo que pretendemos trabalhar. Depresbiteris e Tavares (2009, p. 47) afirma que “Graças ao que o aluno já sabe, pode fazer a primeira leitura do material e atribuir o primeiro significado ao processo de aprendizagem. A aprendizagem é mais significativa quanto mais relações com o sentido o educando for capaz de estabelecer.” Para realização da avaliação inicial é necessária uma visão ampla e detalhada pelo professor de sua disciplina, conhecendo quais conhecimentos prévios são necessários para a aprendizagem de seus alunos. Nesta avaliação inicial o professor irá conhecer o perfil da sala, podendo comparar o saber do aluno com o saber pretendido, enxergando a contradição que existe em ambos e assim planejar atividades para que o aluno também enxergue esta contradição entre o seu saber inicial e o saber pretendido pelo professor. Após esta etapa fica mais fácil para o professor elaborar sua intervenção para que o aluno supere seu conhecimento inicial e aprenda o saber pretendido pelo professor, ou seja, pelas intervenções realizadas por meio de questionamentos do professor acontece a superação dos conhecimentos prévios pelos alunos. (ARNONI, 2007) Por ser o PROEJA um projeto em parceria é importante que tanto os professores envolvidos na aprendizagem da alfabetização (Professores da EJA), quanto os professores das disciplinas profissionalizantes dialoguem e troquem informações sobre esta avaliação inicial. O
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registro da avaliação é essencial para subsidiar o planejamento do professor e para que ao final do curso ele possa comparar a evolução dos alunos. Esse registro pode ser feito de diversas maneiras como relatórios, fichas, mapas, das quais sugerimos as fichas diagnósticas iniciais, para construção de um perfil da sala constando os conhecimentos verificados acerca da escrita, do cálculo, do conhecimento dos números, da utilização destes em sua vida, das experiências profissionais ou até mesmo das atividades do lar realizadas por estes até a data atual. Questões sociais também podem ser incluídas nessas fichas. As fichas diagnósticas, que nesse trabalho, vamos chamar de iniciais, por serem aplicadas no início das aulas são registros de um instrumento avaliativo voltado a conhecer o que o aluno sabe sobre o conteúdo a ser abordado. No caso da Educação de Jovens e Adultos-EJA, séries iniciais do ensino fundamental, o conteúdo principal é a alfabetização tanto da linguagem escrita quanto matemática. Nesse contexto as fichas serviriam para conhecer o que os alunos sabem sobre a linguagem escrita e sobre os números. Tal conhecimento pode ser verificado por meio de entrevistas, avaliações orais ou escrita, demonstrando o que ele conhece sobre o código escrito. Para exemplificar o registro por fichas diagnósticas, expomos algumas possibilidades, demostradas nos quadros 1, 2 e 3, apresentadas em cursos de capacitação de professores do PROEJA em uma escola técnica profissionalizante do interior do estado de São Paulo: Quadro 1- Exemplo de ficha diagnóstica inicial para professores da EJA Escrita
Realiza
Quanto à leitura
Sabe Nome do Aluno
escrever seu nome completo Sim/não
cálculos O que sabe
Utiliza a
sobre a
escrita em
escrita
alguma
Realiza algumas Não lê
ocasião
leituras com
Realiza
muita dificuldade
leitura
“silabando”
Conhece
mentais no
os
dia a dia
numerais
para fazer compras, por exemplo.
Fonte: Mendonça (2012)
No Quadro 1 encontramos sugestões de conhecimentos acerca da alfabetização para subsidiar o trabalho dos professores que lecionam a parte regular dos cursos PROEJA-FIC, os professores da EJA. É importante que esse professor, após diagnóstico da sala, compartilhe os resultados com os professores que lecionam a parte profissionalizante buscando uma integração dos cursos, favorecendo o trabalho de ambos. Alfabetização é a base para construção de uma sociedade democrática conhecedora de seus direitos e deveres por influenciar no pensar dos homens diante da realidade que estão
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AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA INICIAL EM TURMAS DO PROEJA-FIC: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA
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inseridos. Como retrata Pedro Demo (2006, p. 28) “O sentido mais profundo da alfabetização é propiciar
ao
aluno
oportunidade
de,
sabendo
ler
e
escrever
compreensivamente,
significativamente, tomar conta de seu destino com autonomia”. Nesse contexto alfabetizar vai muito além de decodificar símbolos, significa escrever e ler, não só palavras, mas todos os símbolos existentes, ou seja, ler o mundo ao qual se está inserido, compreendendo-o e o transformando. Seu ensino envolve várias dimensões devendo ser ensinado sistematicamente abrangendo habilidades técnicas e de linguagem escrita, “sendo que uma complementa a outra e devem ser ensinadas simultaneamente, garantindo uma aprendizagem eficaz, que dê autonomia de leitura ao aluno e que seja significativa garantindo a ele a possibilidade de refletir criticamente.” (MENDONÇA, 2011, p. 39)
A avaliação diagnóstica inicial possibilita demonstrar quais
conhecimentos os alunos possuem sobre a escrita possibilitando ao professor elaborar estratégias voltadas a realidade de sua sala, podendo atuar nas dificuldades dos alunos contribuindo para o avanço dos mesmos. Conforme Weiz e Sanches (2006, p. 93), “conhecer essas ideias e representações prévias ajuda muito na hora de construir uma situação na qual o aluno terá de usar o que já sabe para aprender o que ainda não sabe.”. A ficha diagnóstica traz informações acerca de todos os alunos, quanto a escrita e a leitura, uma vez que por serem jovens, adultos ou idosos já tiveram contato com a escrita ou com a leitura informalmente no decorrer da vida. Muitos alunos que ingressam na EJA conhecem as letras, sabem escrever seu nome, decodificam algumas palavras, mas não possuem leitura fluente e compreensiva. Outros conseguem até ler algumas palavras, das quais tiveram mais contato em seu dia-a-dia, mas não conseguem escrever, nem codificar outras palavras. Temos também aquele que não consegue escrever seu próprio nome, sentindo-se constrangido quando o educador solicita que coloque seu nome nos trabalhos. Portanto a sala da EJA é bastante heterogênea, sendo imprescindível conhecer essa realidade para iniciar o trabalho. Este é o papel das fichas diagnósticas iniciais, mostrar uma visão geral ao professor sobre o que seus alunos sabem sobre a escrita. Ter essa ficha diagnóstica da sala de aula possibilita ao professor utilizar como estratégia de ensino os agrupamentos, agrupando os alunos de acordo com suas dificuldades, de modo que uns possam contribuir para aprendizagem do outro: Agrupar os alunos deve ser uma ação intencional e criteriosamente planejada pelo professor. Tal ação deve estar baseada em três aspectos: o conhecimento dos alunos sobre o que se pretende ensinar, as características pessoais dos alunos e a clareza do objetivo da atividade que se pretende propor. (SÃO PAULO, 2007, p. m2u2t6 1, grifo nosso)
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O trabalho com agrupamentos é um valioso instrumento em salas heterogêneas, porém para ter um bom resultado o professor precisa conhecer seus alunos, tanto as características pessoais, para não correr o risco de agrupar alunos que não se suportam, quanto o conhecimento prévio dos alunos sobre o conteúdo a ser abordado, de modo que nos agrupamentos todos participem ativamente, propiciando a troca de conhecimentos na resolução das atividades. Outra vantagem da utilização das fichas diagnósticas é poder trabalhar diretamente com as dificuldades que os alunos apresentaram em seus conhecimentos prévios, além de servir também como objeto de acompanhamento do aluno, permitindo ao professor saber como o aluno ingressou e como está evoluindo em sua aprendizagem ao comparar resultados de avaliações no decorrer do ano com esta sondagem inicial. A ficha diagnóstica aqui mencionada é um exemplo podendo ser modificada pelo professor de acordo com suas necessidades, por exemplo, incluir o que os alunos gostariam de aprender a ler, pois muitos querem apenas ler a bíblia, poder preencher um cupom de promoções no supermercado, etc. Conhecer essas necessidades de leitura gera dicas ao professor de materiais para trabalhar em sala de aula, tornando a aula significativa. Destacamos também a importância das fichas diagnósticas para os professores que lecionam a parte profissionalizante dos cursos do PROEJA – FIC, como instrumento para o professor elaborar suas aulas e saber quais recursos utilizar, como por exemplo, em uma sala que muitos dos alunos não escrevem nem o próprio nome, fica inviável realizar atividades individuais escritas, devendo o professor ser escriba e leitor nessas atividades, utilizando mais recursos visuais, orais e práticos. Quadro 2- Exemplo de ficha diagnóstica inicial PROEJA-FIC - curso: auxiliar eletricista Já trabalhou? Se sim Conhecimentos prévios sobre prática em Facilidade em
instalações elétricas
especificar dois últimos empregos Função
Consegue se trabalhar em grupo
desempenhada
Nome do
expressar
participando das
Aluno
com clareza
atividades
Apenas
Já trabalhou na
Sim/não
concretamente.
realiza
área.
Sim/não
Nenhum
alguns reparos na residência
Fonte: Mendonça (2012)
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Não
Sim. Especifique
Nunca
1º
2º
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Quadro 3 - Exemplo de ficha diagnóstica inicial PROEJA-FIC - curso: manutenção de computadores e instalação física de redes Já trabalhou? Se sim quais os dois Conhecimentos prévios sobre informática Facilidade em Consegue
trabalhar em
Nome
se
grupo
do
expressar
participando das
Aluno com clareza Sim/não
- Função desempenhada
atividades concretamente. Sim/não
últimos empregos
nenhum
Utiliza o
Possui curso
computador
básico de
de vez em
informática,
quando, mas
mas não
não possui
possui
nenhum
computador e
curso.
não o utiliza.
Possui curso e utiliza com frequência o
nunca
1º
2º
computador.
Fonte: Mendonça (2012)
Nos Quadros 2 e 3 temos exemplos de Fichas diagnósticas a serem realizadas em dois cursos profissionalizantes do PROEJA-FIC. Importante salientar que as questões elaboradas nesses dois quadros são apenas de referência, devendo estas serem elaboradas pela equipe de professores com formação na área técnica profissionalizante, uma vez que possuem o conhecimento específico necessário, como argumenta Depresbiteris e Tavares (2009, p. 64) “(...) seja qual for o instrumento a ser elaborado, é pré-requisito ter referencial do que deve ser ensinado e avaliado.” Com o mesmo objetivo da ficha diagnóstica inicial para professores da EJA, as fichas desenvolvidas nas disciplinas profissionalizantes possibilitam aos professores uma visão inicial da realidade de seus alunos, seus conhecimentos acerca do conteúdo a ser ensinado. Para um professor que irá ensinar informática, por exemplo, saber se seus alunos conhecem ou sabem usar o computador, ligar, desligar, acessar a internet, já é um requisito para o preparo de suas aulas, pois muitas vezes os alunos do PROEJA nunca tiveram acesso a um computador. Em acordo com os pensamentos de Weiz e Sanches (2006), o conhecimento acerca do que o aluno sabe possibilita ao professor elaborar atividades possíveis, ou seja, desafiadoras, mas não tão difíceis e distantes da realidade deles ao ponto que não consigam desenvolvê-las. Questões voltadas à realidade do aluno, como se ele tem facilidade em trabalhar em grupo, se expressar, ou até se já trabalhou, são importantes para a proposta de agrupamentos, já mencionada anteriormente, e também para contribuir com temas para as aulas profissionalizantes, de modo que o professor possa relacionar o que o aluno conhece com o conteúdo a ser aprendido. Podemos citar como exemplo, a contribuição de um aluno que já realiza pequenos
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reparos elétricos em casa, podendo relatar exemplos do que faz, possibilitando ao professor mediar se ele faz corretamente ou não, se conhece as regras de segurança, etc. Estas fichas exemplificadas nos quadros 2 e 3 podem ser preenchidas por meio de entrevistas, com a ajuda do professor alfabetizador, por meio de dinâmicas, aulas práticas, relatos orais, enfim, observações nos primeiros dias de aula. O essencial é o professor possuir nesses primeiros dias o perfil de sua sala, apoiando-o para elaboração de estratégias e metodologias de ensino. Conforme Bloom, Hastings e Madaus (1983, p. 17) o professor quando planeja sua aula pode supor as características de seus alunos para sua disciplina, porém essas suposições podem não ser precisas e no decorrer da disciplina terá que rever as estratégias de ensino que planejou, por isso é necessário que o professor realize o diagnóstico das “características relevantes de seus alunos na época em que ingressam no curso ou programa. Ele deve ter conhecimento da prontidão de seus alunos para as tarefas de aprendizagem (...)”
3
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar a educação de Jovens e Adultos não alfabetizados e integrar esta à qualificação profissional é um dos desafios dos cursos na modalidade PROEJA – FIC. Esse desafio envolve muitas questões não abordadas nesse texto, como integração curricular, politicas públicas, inserção social e outras, porém a possibilidade de conhecer esse público de alunos no seu ingresso, com registros específicos que possibilite aos professores envolvidos, no lugar de suposições de perfis de alunos, terem dados reais, que constem o que eles precisam saber sobre seus alunos, pode contribuir com a qualidade de ensino e influenciar nessas outras questões não abordadas, principalmente na elaboração do currículo integrado. Alguns poderiam considerar “perda de tempo” ter que elaborar essas fichas e as refletir, porém no decorrer do ano perceberá que se trata de “ganhar tempo”, desenvolvendo atividades pertinentes
à
realidade
dos
alunos, motivando-os
à
aprendizagem
significativa. Esse
conhecimento acerca de seus alunos evita aulas descontextualizadas, nas quais os professores preparam com muita qualidade e dedicação, porém durante sua realização se decepcionam com o resultado das mesmas não obtendo dos alunos o retorno idealizado. As fichas diagnósticas apresentadas são como apoio, devendo o professor as elaborar com base em suas experiências profissionais e seus conhecimentos específicos a cerca da disciplina, sendo muito importante todo esse processo ter sentido para o professor, que deve ter clareza dos objetivos que pretende alcançar. Os saberes dos alunos diagnosticados devem
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AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA INICIAL EM TURMAS DO PROEJA-FIC: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA
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contribuir para o planejamento das aulas e para a avaliação dos mesmos, sendo essa vista como processo de acompanhamento da aprendizagem. Esclarecemos que a avaliação diagnóstica inicial é apenas uma etapa da avaliação da aprendizagem, devendo ser dialogada com os alunos e comparada com as demais avaliações no decorrer do período, de modo que o professor possa acompanhar a evolução de sua sala e refletir continuadamente sua prática e que o aluno possa ter clareza do quanto aprendeu e do quanto ainda precisa evoluir. Trata-se de um contínuo: avaliar, executar, refletir, avaliar, executar, refletir em que tanto professor quanto alunos participam ativamente do processo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARNONI, M. E. B. Metodologia da Mediação Dialética. In:OLIVEIRA, E. M.;ALMEIDA, J. L. V.; ARNONI, M. E. B. Mediação dialética na educação escolar: teoria e prática. São Paulo: Edições Loyola, 2007. p. 119-171. BARCELO. V. Formação de professores para educação de jovens e adultos. 3 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.108 p. BLOOM, B. S; HASTINGS, J. T; MADAUS, G. F. Manual de Avaliação Formativa e Somativa do aprendizado escolar. Tradução de Lilian Rochlitz Quintão, Maria Cristina Fioratti Flores e Maria Eugênia Vanzolini. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1983. p. 05-20. BRASIL. Decreto nº 5.840, de 13 de julho de 2006. Institui, no âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, p. 7, 14 jul. 2006. BRASIL. Decreto nº 5478, de 24 de Junho de 2005. Institui, no âmbito das instituições federais de educação tecnológica, o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA. Diário Oficial da União, Brasília, p. 4, 27 jun. 2005. BRASIL. Lei n° 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, p. 27833, 23 dez. 1996. BRASIL. Ministério da Educação - MEC. PROEJA: apresentação. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12288&Itemid=567>. Acesso em: 17 nov. 2012a. BRASIL. Ministério da Educação - MEC. PROEJA: apresentação/ perguntas e respostas sobre Proeja. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12288&Itemid=567>. Acesso em: 17 nov. 2012b. BRASIL. Ministério da Educação - MEC. PROEJA: saiba mais. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12294&Itemid=569>. Acesso em: 17 nov. 2012c. DEMO, P. Alfabetização e Letramento. In: Leitores para sempre. Porto Alegre: Editora Mediação, 2006. p.13-42.
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ALINE GRACIELE MENDONÇA
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Literatura Inglesa
De Wessex para o munDo: a universaliDaDe de Tess of The d’Urbervilles
isaías eliseu Da silva Graduação em letras e mestrado em estudos literários na universidade estadual paulista – unesp – FCl – araraquara. Docente na Faculdade de Tecnologia – FaTeC - mococa. Contato: isaiaseliseu@gmail.com
DE WESSEX PARA O MUNDO: A UNIVERSALIDADE DE TESS OF THE D’URBERVILLES Isaías Eliseu da Silva
RESUMO: O presente artigo acondiciona uma reflexão sobre o caráter universal do romance Tess of the d’Urbervilles, de Thomas Hardy. Ambientado no cenário rural inglês, Tess não se limita pelas fronteiras do regionalismo, no que diz respeito à narração de uma história que se foca sobre aspectos particulares do campo. O enredo do romance dramatiza situações que aludem à transformação do modo de produção provocado pelos efeitos da Revolução Industrial e tais ocorrências puderam ser constatadas em toda a sociedade: não apenas no campo, mas também na cidade. Desse modo, busca-se mostrar que os entraves apresentados aos personagens e, sobretudo à protagonista, ao longo do romance, não são meros acontecimentos de um drama amoroso que tem como personagem principal uma bela camponesa. São, irrefutavelmente, demonstrações das angústias que perturbavam o indivíduo daquela época em qualquer ambiente onde estivesse. PALAVRAS-CHAVE: Tess of the d’Urbervilles; Universalidade; Século XIX; Sociedade; Literatura Inglesa. FROM WESSEX TO THE WORLD: THE UNIVERSALITY OF TESS OF THE D’URBERVILLES ABSTRACT: This article brings a reflection on the universal aspect of the novel Tess of the d’Urbervilles, by Thomas Hardy. Set in the English countryside, Tess is not limited by the frontiers of regionalism, concerning the telling of a story focused on particular aspects of the country. The plot of the novel dramatizes some situations that allude to the transformation of the mode of production provoked by the effects of the Industrial Revolution and these facts could be seen in the whole society: not only in the countryside, but in the city as well. This way, the intention is to show that the obstacles faced by the characters and, overall by the protagonist, throughout the novel, are not mere happenings of a love drama whose main character is a beautiful country girl. They are, surely, depictions of the anguish that disturbed the individuals of that time wherever they were. KEYWORDS: Tess Of The D’urbervilles; Universality; XIX Century; Society; English Literature.
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ISAÍAS ELISEU DA SILVA
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Tess of the d’Urbervilles (1891) é um dos principais romances do escritor inglês Thomas Hardy, que tinha predileção por movimentar enredo e personagens sobre o ambiente rural da Inglaterra. Esta característica já incitou o questionamento do valor literário da ficção de Hardy, pois, culturalmente, tem-se a cidade como o lugar da sofisticação e do alto conhecimento, em contraposição ao campo, compreendido simplistamente como provedor, bucólico e inocente. Raymond Williams (2011) declara que a obra de Thomas Hardy perde muito de sua importância analítica, no que diz respeito à representação das experiências trazidas com a mudança no modo de viver e produzir, à dificuldade de escolha das personagens e às complicações geradas pela transformação do contexto sociocultural, quando o trabalho do escritor é examinado como sendo de vertente regionalista. Diz o crítico: Esse reconhecimento, mesmo quando feito com intenção de elogio, é acompanhado da ideia de que sua obra está cada vez mais distante de nós: de que Hardy não pertence ao nosso mundo, nem mesmo ao século XIX, mas é apenas o último representante da velha Inglaterra rural ou do campesinato. (WILLIAMS, 2011, p. 328).
Para ele, tais mudanças e complexidades não advêm apenas do jogo entre a vida no campo e a vida na cidade, mas de um processo histórico muito mais complexo, ligado à questão da educação e seus laços com o avanço social que ocorre no interior da sociedade de classe. Efetivamente a paisagem rural é preponderante como espaço no romance e esta ambientação é claramente identificável como sendo Wessex, situado ficcionalmente na porção sudoeste da Inglaterra. Entretanto, o tratamento da cor local subjaz à relevância dos eventos que ali ocorrem, dada a significativa envergadura das ações e dos entraves vividos pelas personagens. Alka Saxena e Sudhir Dixit (2001, p. 52) reconhecem, do mesmo modo, a importância secundária de atribuir a Hardy a classificação de regionalista: Yet, Hardy in his characters and their presentation and their inter-relationship with the setting, rises much above the narrow bounds of regionalism. The settings and characters, though identifiable with the place and spirit of their time have that 1 element of universality which renders them timelessness and universality .
Os motivos e temas presentes na obra não são exclusivos do mundo rural. São apresentadas aflições e tormentas que assolam tanto o camponês no ermo espaço em que se encontra, quanto o citadino que habita as grandes cidades equipadas com a modernização.
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Contudo, na apresentação de suas personagens e na relação destas com o ambiente, Hardy avança muito além das estreitas fronteiras do regionalismo. O espaço e as personagens, embora identificáveis com o local e o espírito da época, possuem aquele elemento de universalidade que lhes confere imortalidade e universalidade. (SAXENA; DIXIT, 2001, p. 52; tradução nossa).
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Dúvidas existenciais, questionamentos religiosos e conflitos morais dizem respeito à sociedade marcada pela heterogeneidade e pela gana de se desvencilhar de antigas amarras. A divisão de classes era marcante no período em que Thomas Hardy viveu: “In the midnineteenth century social class was an omnipresent fact, visible in where people lived, what they wore and ate, how and where they were educated, what occupation they followed, and how much money they earned”
2
(INGHAM, 2009, p. 9). Segundo Ingham (2009), Thomas Hardy desejava
expor essa dicotomia: “Hardy in later life was always anxious to stress this division between the two sections of the working class […]”3 (INGHAM, 2009, p. 9). Mas é preciso ressaltar, uma vez mais, que, embora o interesse do escritor não fosse pela condição da Inglaterra em geral, mas pelo mundo rural de Wessex, sua obra expressa as condições da época: Nonetheless the half-real, half-imaginary account of Wessex draws its factual basis from roughly contemporary conditions. He is a social novelist, but not in the usual sense. He is engaged with two interlocked subjects which become the almost obsessive focus of his later novels [Tess e Jude são os seus últimos romances]: what he comes to perceive as the similar injustice in the conventional treatment of the working classes and of women, both of which he relates to the question of 4 social mobility […]. (INGHAM, 2009, p. 104).
Dessa forma, Wessex transforma-se em metonímia de um espaço mais amplo, apontando para a possibilidade de uma leitura que supere as fronteiras do regionalismo, como entendem os próprios críticos: Hardy, for all the pains he takes to present before us the geographical landscape of Wessex, never lets us forget even for a moment that his Wessex is a part of the life of the whole human race. The local characteristics and the scenes of Wessex are seen in relation to ultimate destiny and this makes them individual and 5 universal at the same time. (SAXENA; DIXIT, 2001, p. 55-56).
Thomas Hardy viveu em meio a grandes mudanças, quando a economia da Inglaterra experimentava períodos de prosperidade e depressão. 2
Em meados do século dezenove, a classe social era um fato onipresente, visível no local onde as pessoas viviam, no que elas vestiam e comiam, em como e onde eram educadas, na profissão que seguiam e na soma de dinheiro que ganhavam. (INGHAM, 2009, p. 9; tradução nossa). 3 Hardy, no final da vida, esteve sempre ansioso para destacar essa divisão entre as duas partes da classe trabalhadora [...]. (INGHAM, 2009, p. 9; tradução nossa). 4 Todavia, o caráter meio real, meio imaginário de Wessex extrai sua base fatual das ásperas condições da época. Ele é um romancista social, mas não no sentido usual. Está comprometido com dois assuntos interligados que se tornam o foco quase obsessivo de seus últimos romances: aquilo que vem a perceber como a injustiça similar no tratamento convencional tanto das classes trabalhadoras quanto das mulheres, ambos relacionados à questão da mobilidade social. (INGHAM, 2009, p. 104; tradução nossa). 5 Hardy, por todo o esforço que empreende para apresentar-nos a paisagem geográfica de Wessex, nunca nos deixa esquecer, sequer por um momento, que seu Wessex é uma parte da vida de toda a raça humana. As características locais e as cenas de Wessex são vistas ligadas ao destino final e isso as torna individuais e universais ao mesmo tempo. SAXENA; DIXIT, 2001, p. 55-56; tradução nossa).
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In the 1850s and 1860s followed the so-called ‘high-Victorian’ period of prosperity for the middle and upper classes and of relative adequacy for their ‘inferiors’ […]. But the boom ended about 1873 as one phase of industrial development worldwide gave place to another […]. A long depression then persisted through the 6 1880s and into the mid-1890s. (INGHAM, 2009, p. 32-33).
No campo da ciência e da tecnologia as alterações também foram marcantes. Essa ebulição leva o homem do período a achar-se perturbado e em crise com seu próprio interior: ele procura o senso de individualidade perdido, questiona valores pessoais, sociais e morais e, desta forma, imbrica-se num complicado conflito de personalidade. A inquietação trazida pela modernidade abre caminho para a eclosão do Modernismo, movimento do qual Thomas Hardy é precursor. Em Tess of the d’Urbervilles, a protagonista delineia a figura do “indivíduo sem lugar” do Modernismo por meio de suas experiências malogradas. Não há esperança para Tess, seu desenlace é fatal. As pressões pessoais, a constituição e o fracasso dos relacionamentos são a base para a temática da ‘mudança’ a todo momento procurada pela personagem; primeiramente, a transformação aparece como possibilidade de sucesso e, em seguida, é a oportunidade de redenção. A eclosão da Revolução Industrial na Inglaterra, no século XVIII, apresenta-se como fator determinante para a substituição da antiga ordem de relações comerciais intensificada em meados do século XIX, o que dinamizou a vida em sociedade, recrudesceu a avidez pelo lucro e pelo capital financeiro e imprimiu ao mundo o frenético ritmo da urgência e da competitividade. Na segunda metade do século XIX o progresso foi notório (HOBSBAWN, 1978): estradas de ferro, automóveis tracionados pelo motor à combustão, energia elétrica e os benefícios dela decorrentes tornaram, sem dúvida, a vida mais confortável; por outro lado, a excessiva valorização do aspecto material do mundo subjugou o homem aos ditames de uma vida vazia de significado e lançou-o numa complicada crise de identidade. Patricia Ingham (2009, p. 53) declara sobre Hardy que “what determined the nature and quality of life in his rural society, however, was the wider society […] of which the West Country was a part and to which Hardy moved as a young man”7. A prosperidade, a depressão, a Guerra da Crimeia, a exposição de 1851 no Illustrated London News que declarava não ser Londres
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Nas décadas de 1850 e 1860 seguiu-se o denominado “alto período vitoriano” de prosperidade para as classes média e alta e de relativa adequação para os seus ‘inferiores’ [...]. Mas o crescimento estagnou-se por volta de 1873, quando, mundialmente, uma fase do desenvolvimento industrial foi substituída por outra. [...]. Uma longa depressão persistiu, então, desde a década de 1880 até meados dos anos 1890. (INGHAM, 2009, p. 32-33; tradução nossa). 7 Entretanto, o que determinava a natureza e a qualidade da vida em sua sociedade rural era a sociedade mais ampla [...] da qual West Country fazia parte e para a qual Hardy mudou-se quando jovem. (INGHAM, 2009, p.33; tradução nossa).
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apenas a capital de uma grande nação, mas a metrópole do mundo (INGHAM, 2009) faziam parte do contexto sócio-histórico em que viveu Hardy e sobre o qual escreveu. Neste ambiente convulsivo, dadas as condições de mudanças contundentes, valores canonicamente consolidados passaram a ser questionados e as certezas mais substanciais também foram abaladas. A família, esteio da sociedade, viu-se à beira de uma situação de instabilidade e a fé cristã foi arrefecida perante o pensamento eminentemente cientificista dos últimos cinquenta anos do século XIX (BURGESS, 2006). Thomas Hardy viveu nesse ambiente em transformação, em que o avanço tecnológico notável dá-se graças à introdução: da rede ferroviária, das bicicletas, dos carros e aviões, do telégrafo e do telefone. O que afetou de fato o escritor foram as descobertas científicas nos campos da astronomia, da geologia e a teoria da evolução: “For him speed of travel, ease of communication, and developments in the visual medium were as nothing compared with the shattering implications for humanity of what scientists like Herschel, Lyell, and Darwin had discovered”8 (INGHAM, 2009, p. 153). As descobertas dos astrônomos mostraram a Thomas Hardy que o mundo era insignificante diante de um universo infinito. O escritor manifesta essa visão em sua obra Two on a Tower (1882). É da torre, que compõe o título, que o astrônomo amador, Swithin St. Cleeve, volta o seu telescópio para os céus. Nesse jogo entre a grandiosidade do universo e a pequenez humana, Hardy desenvolve seu trabalho com a perspectiva alternando descrições panorâmicas com microscópicas, conforme destaca Ingham: Such recurrently panoramic perspectives alternate with a microscopically detailed focus famously illustrated by the contrast between the description of Tess seen from so close that the strands of colour in her irises are visible to the narrator and the view of her standing upon ‘the hemmed expanse of verdant flatness, like a fly on a billiard table of indefinite length, and of no more consequence to the 9 surroundings than that fly’. (INGHAM, 2009, p. 156).
No campo das Ciências Naturais, destaca-se o trabalho de Charles Darwin, A origem das espécies (1859), estudo que defende a teoria da evolução das espécies através do processo da seleção natural, ou seja, o homem é resultado de um processo de desenvolvimento de formas de vida menos complexas, contrariando a hipótese bíblica do criacionismo. Com apoio na afirmação 8
Para ele, a velocidade das viagens, a facilidade da comunicação e os desenvolvimentos no meio visual eram nada, comparados às perturbadoras implicações que as descobertas de cientistas como Herschel, Lyell e Darwin traziam para a humanidade. (INGHAM, 2009, p. 153; tradução nossa). 9 Tais perspectivas recorrentemente panorâmicas alternam-se com um foco microscopicamente detalhado, notoriamente ilustrado pelo contraste entre a descrição de Tess vista de tão perto que as linhas de cores em suas íris são visíveis ao narrador, e sua permanência sobre ‘a vastidão limitada da indistinção verdejante, como uma mosca sobre uma mesa de bilhar de extensão indefinida e de nenhuma outra consequência aos arredores além daquela própria mosca’. (INGHAM, 2009, p. 156; tradução nossa).
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de Darwin que declara existir a herança genética, Hardy escreve suas obras A Pair of Blue Eyes (1873) e The Woodlanders (1887) mas
é em Tess (1891) que explora integralmente essa
questão, seguindo de perto as ideias do evolucionista. The extension of the idea of heredity to the transmission of traits more than the physical fascinates Hardy because it involves the question of free will, an aspect of casuality which preoccupies him. [...]. The validity of this belief is raised in a dramatic form in Tess. She herself seems to feel trapped like the speaker in [the 10 poem by Hardy] ‘The Pedigree’ after the affair with Alec. (INGHAM, 2009, p. 170).
O romance, concebido sob a égide desta efervescência cultural, no ano de 1891, traz em seu enredo a trajetória de Tess, uma jovem camponesa, cujo pai – John Durbeyfield – é descendente direto de uma antiga e já extinta família aristocrata – os d’Urbervilles – que remonta à Idade Média e ao poder dos senhores feudais naquele modelo de organização social. John Durbeyfield desconhecia sua ascendência nobre até o momento em que o sacerdote Tringham o fez saber numa conversa à beira da estrada: ‘ […]. I am Parson Tringham, the antiquary, of Stagfoot Lane. Don’t you really know, Durbeyfield, that you are the lineal representative of the ancient and knightly family of the D’Urbervilles, who derive their descent from Sir Pagan D’Urberville, that renowned knight who came from Normandy with William the Conqueror, as 11 appears by Battle Abbey Roll?’ (HARDY, 1994, p. 4).
O conhecimento desta informação faz com que John Durbeyfield embrenhe-se numa empreitada de recuperação do prestígio familiar e numa consequente busca por ascensão social. Seu maior trunfo para esta tarefa é a filha Tess que, por sugestão da mãe, Joan Durbeyfield, parte de Marlott para Trantridge, onde reside uma família rica com o vultoso sobrenome d’Urberville. A intenção deste gesto é reivindicar o parentesco entre as duas famílias e aproximar os Durbeyfield do status que ostentavam seus antepassados. A partir da viagem de Tess à propriedade em Trantridge dão-se os contratempos e os logros que o enredo prepara para a protagonista: lá ela conhece Alec, ardiloso e galanteador que se constitui, ao longo da trama, no principal percalço para a vida de Tess. Ele a persegue por
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A extensão da ideia da hereditariedade ligada à transmissão de traços mais que físicos fascina Hardy, porque envolve a questão do livre arbítrio, um aspecto da casualidade que o preocupa. [...]. A validação dessa crença é levantada de maneira dramática em Tess. Ela mesma parece sentir-se numa armadilha, como o eu-lírico no [poema de Hardy] ‘The Pedigree’, após o caso com Alec. (INGHAM, 2009, p. 170; tradução nossa). 11 Sou o padre Tringham, antiquário de Stagfoot-Lane. É verdade que não sabe, Durbeyfield, que é representante em linha direta da antiga família de cavaleiros dos d’Urbervilles, cuja descendência vem desde Sir Pagano d’Urberville, célebre cavalheiro que veio da Normandia com Guilherme, o Conquistador, como está nos Arquivos de Battle Abbey? (HARDY, 1981, p. 16).
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períodos esparsos e cruciais na trajetória da jovem e é responsável pelo desenlace da protagonista, por ser o opressor uma figura representativa de um passado que condena, no âmbito da sociedade repressora da época. Ao passar por Trantridge e envolver-se com Alec, Tess é fadada a perambular numa busca irremediável por um lugar que a acolha. Esta movimentação tanto diz respeito à procura por um local que pudesse propiciar sua subsistência, dadas as circunstâncias econômicas, quanto também é a ânsia por refugiar-se do juízo castrador da sociedade moralista. Na passagem pela queijaria Talbothays, Tess conhece Angel, que logo se configura como uma personagem antagônica a Alec. É dirigida àquele a devoção amorosa da jovem e ambos nutrem um sentimento afetivo recíproco que culmina no casamento. No entanto, o passado de Tess é implacável: ao saber que a esposa se envolvera com Alec e com ele tivera um filho, Angel abandona o lar e deixa Tess à conta de suas próprias forças. Rejeitada pelo marido e proscrita pela sociedade, a protagonista amarga duras provações e se sujeita a tarefas árduas para garantir seu próprio sustento. Açoitada pelas dificuldades da vida de uma mulher sem marido naquele ambiente social, Tess sucumbe à insistência de Alec que reaparece e a leva para um balneário, onde se instalam numa pensão. Dá-se, então, o arrependimento de Angel, que retorna a Tess e a encontra com Alec. Surpresa com a volta do marido e movida por um impulso de paixão, Tess assassina Alec com um golpe de faca e foge com Angel até que, ao fim e ao cabo, é presa e condenada à morte. Todo o enredo é ambientado numa porção rural da Inglaterra, região que circunda o local de nascimento de Thomas Hardy. Wessex é o espaço preferido do autor e constitui cenário recorrente em toda a sua obra. O apreço pelo torrão natal e a insistência em utilizá-lo como referência em seus grandes romances fazem com que a produção de Hardy seja compreendida, muitas vezes, sob a ótica do regionalismo, numa perspectiva reducionista de abordagem que destaca o pitoresco e o choque entre campo e cidade. Muito mais do que um retrato despretensioso da Inglaterra rural, Tess of the d’Urbervilles é um receptáculo que acondiciona algumas das tensões mais vigorosas da época em que se passa o romance, segundo Thomas Hardy. Na Inglaterra, os anos que se estendem de 1837 a 1901 são conhecidos como o período vitoriano, pois correspondem ao reinado da rainha Vitória, soberana que conduziu o país ao apogeu econômico, garantindo-lhe lugar de destaque na geopolítica mundial. Evidentemente, o desenvolvimento atingido não extinguira de todo as mazelas sociais. Pelo contrário, o avanço tecnológico colaborou para que se realçasse a distância, então, gritante entre ricos e pobres. Sob vários aspectos, foi uma época de progresso – construção de estradas de ferro, navios a vapor, reformas de todos os tipos –, mas foi também uma época de
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dúvida. Havia pobreza demais, injustiça demais, feiúra demais e muito pouca certeza sobre a fé ou a moral – tornou-se assim uma época de cruzados, reformadores e teóricos. (BURGESS, 2006, p. 215).
A figura da monarca foi tomada em sua gravidade como exemplo de retidão de caráter que balizara o comportamento social da época. Vivia-se sob uma aura de extremo conservadorismo, em que a moral era tema de suma importância e muito se primava pela boa conduta na família e na sociedade. Os tabus como o sexo e o cientificismo materialista eram ainda mais recalcados por conta desta moralidade convencional e da doutrina anglicana que ainda exercia grande influência no modo de agir das pessoas. Esse aparato de comportamento que havia se instalado na sociedade refletia-se na literatura: os romances eram dotados de conteúdo altamente moralizante, com uma linguagem ornamental e, através de exemplos da ficção, visavam alertar os leitores sobre a necessidade de se acautelarem. Na materialidade diacrônica da literatura, está o romance Tess of the d’Urbervilles disposto na extensão deste período denominado vitoriano. Entretanto, a data de 1891 é mais propriamente um ponto que se situa na transição entre a literatura vitoriana e o Modernismo do que um momento que possa conter a essência da filosofia do vitorianismo. Para o crítico Anthony Burgess (2006, p. 244), a duração do reinado da rainha Vitória não corresponde inteiramente ao período vitoriano na literatura: O reinado da rainha Vitória terminou em 1901, mas a era vitoriana já havia terminado há cerca de vinte anos. Aquele espírito peculiar a que chamamos “vitorianismo” – uma mistura de otimismo, dúvida e culpa – começou a desaparecer com homens como Swinburne, o rebelde, Fitzgerald, o pessimista, Butler, o satírico, e outros mais. A literatura produzida de 1880 a 1914 se caracterizou quer pela tentativa de encontrar substitutos para uma religião que parecia estar morta, quer por uma espécie de vazio espiritual – um sentido da inutilidade de se tentar acreditar em alguma coisa.
Como verificado, o teor das obras literárias sinaliza uma guinada a partir das últimas décadas do século XIX. A moralidade obsessiva começa a dar lugar a uma temática permeada pelo pessimismo e pelo desapego à fé cristã. Este novo rumo que norteia os escritores daí em diante tem sua origem na efervescência cultural da época advinda de trabalhos revolucionários de filósofos e cientistas. Charles Darwin foi um desses estudiosos que desestabilizaram uma concepção humana convencional e conseguiu prestígio com a publicação de A origem das espécies, em 1859, afirmando que a vida no planeta, como a conhecemos hoje, é o resultado de processos evolutivos de formas de vida menos complexas. O cristianismo sofre, então, um duro golpe, pois a assertiva de Darwin vai de encontro à teoria bíblica do criacionismo, que admite ter sido Deus o criador do homem e de tudo o que há no universo.
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Na esteira das inovações no campo do pensamento humano surgem ainda Marx, que em 1867 publica O capital, em que expõe uma nova maneira de organização social fundada na “interpretação materialista da história” (BURGESS, 2006, p. 215), Nietzsche, com sua teoria niilista, que em 1882 publica A gaia ciência, em que se encontra a célebre afirmação de que Deus está morto, e ainda Sigmund Freud, precursor da psicanálise, para quem o homem é guiado por seu próprio inconsciente. Mas as grandes influências no trabalho de Thomas Hardy são: Charles Darwin (The Origin of Species, 1859); Gideon Algernon Mantell (The Wonders of Geology, 1838), Herbert Spencer e Auguste Comte. The co-existence of such writers as these along with the major poets is an indication of the interlocking of the two in the nineteenth century. The connection is sharpened by the fact that both kinds of writers shared a common medium. The distinction between literary language and other kinds is of course arbitrary. Readers today accept a historian and essayist like Carlyle as a writer of literature’; 12 but in the nineteenth century all serious writers shared a common language. (INGHAM, 2009, p.73).
Sob esta conjuntura surge Tess of the d’Urbervilles, num período que, embora cronologicamente se rotule vitoriano, ultrapassa a fronteira de seu tempo mesclando na literatura, de forma crítica, o tradicionalismo virtuoso da sociedade conservadora que ficava para trás, com prenúncios daquilo que se exploraria exaustivamente no Modernismo que despontava: o homem em crise consigo mesmo por se achar sozinho no mundo, desprovido do suporte espiritual que o fortificava e buscando um porto seguro a que se ancorar. Ao comentar uma conversa entre Angel e Tess em que a camponesa declara sua impressão sobre as incertezas da vida, o narrador enfatiza a aura sob a qual viviam as personagens e que influenciava as percepções da jovem: “She was expressing in her own native phrases – assisted a little by her Sixth Standard training – feelings which might almost have been called those of the age – the ache of modernism”13. (HARDY, 1994, p. 159-160, grifo do autor). Tess relata em seu discurso toda a frustração que obtivera em decorrência de sua empreitada em Trantridge. O medo da vida, as dúvidas sobre o futuro e a sensação de estar
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A coexistência de escritores como esses e os principais poetas é uma indicação da ligação entre eles no século dezenove. A conexão é reforçada pelo fato de que os dois tipos de escritores compartilhavam um meio comum. A distinção entre a linguagem literária e outros tipos de linguagem é, obviamente, arbitrária. Os leitores de hoje aceitam um historiador e ensaísta como Carlyle como um escritor de literatura; mas no século dezenove, todos os escritores sérios compartilhavam uma linguagem comum. (INGHAM, 2009, p. 73; tradução nossa). 13 Estava externando nas suas próprias expressões nativas – auxiliada nalguma coisa pela sua formação do Sexto Grau – sentimentos que quase podiam ter sido chamados os da época – o mal do modernismo. (HARDY, 1981, p. 149-150, grifo do autor).
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vivendo em uma sociedade vigilante e de visão castradora são ocorrências que sintetizam o ambiente sob o qual esteve o homem daquele tempo. Essas incertezas e desencontros compõem o tratamento que Hardy dava a seus romances, expondo abertamente as relações sexuais sem os sentimentalismos que os romances tradicionais apresentavam e que o aproximavam do trabalho dos naturalistas. Por isso, a crítica, muitas vezes, os condenava, como é o caso, citado por Ingham, de Margaret Oliphant, que escreveu sobre Jude The Obscure (1895), de Thomas Hardy, reprovando tanto Hardy quanto Zola na Blackwood’s Magazine: ‘The present writer [Margaret Oliphant] does not pretend to a knowledge of the works of Zola, which perhaps she [Margaret Oliphant] ought to have before presuming to say nothing so coarsely indecent as the whole history of Jude in his relations with his wife Arabella has ever been put in English print […]’; she [Margaret Oliphant] then adds a comment which is of interest: ‘[…] that is to say, from the hands of a Master. There may be books more disgusting, more impious as regards human nature, more foul in detail, in those dark corners where the 14 amateurs of filth find garbage to their taste’. (apud INGHAM, 2009, p. 96).
Thomas Hardy nasceu em 1840, em Dorset, numa porção rural da Inglaterra que passava por transformações e conflitos oriundos da Revolução Industrial que se iniciara em meados do século XVIII. Portanto, Wessex – Dorset e os condados adjacentes – embora ainda apresentasse uma estrutura campesina, já experimentava os sabores de uma indústria que emergia vigorosamente na cidade grande – a primeira estrada de ferro de Dorchester foi instalada quando o escritor tinha apenas sete anos (CIVITA, 1971). Depois de ter exercido a profissão de arquiteto em Londres, Hardy retorna a Dorset, em 1867, onde começa sua carreira de escritor. Profundamente arraigado à sua terra natal, Wessex torna-se a ambientação preferida para seus romances, daí muito da crítica considerá-lo um escritor regionalista. Em Tess of the d’Urbervilles elementos das vidas urbana e rural coexistem, mas não devem ser vistos como antagônicos; as descrições do maquinário que equipa as propriedades rurais produtoras, antes de revelarem a invasão da tecnologia urbana no campo, marcando a mudança de uma forma de produção obsoleta por outra mais rentável, sugerem a adesão do homem às facilidades da industrialização que se apresenta para servi-lo.
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‘Esta escritora [Margaret Oliphant] não aspira a um conhecimento das obras de Zola, embora devesse tê-lo antes de presumir algo tão grosseiramente indecente nunca antes colocado na literatura inglesa, como é o caso da história de Jude em suas relações com a esposa Arabella [...]’; ela, então, acrescenta um comentário que interessa: ‘[...] ou seja, das mãos de um Mestre. Haverá livros mais repugnantes, mais ímpios a respeito da natureza humana, mais asquerosos nos detalhes naqueles cantos escuros onde os apreciadores da depravação satisfazem-se com o lixo’. (OLIPHANT apud INGHAM, 2009, p. 96; tradução nossa).
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A convivência do homem e da máquina no romance é pacífica. Também não deve esta coexistência do urbano e do rural ser encarada como o marco da primeira transformação do modo de produzir, pois, quando se pretende estabelecer um ponto fixo para a mudança que ocorreu do velho modo de vida rural para a organização urbana trilha-se sobre um terreno muito instável, porquanto, na crítica historiográfica, há quem diga que esta transformação tenha ocorrido predominantemente a partir da Primeira Guerra Mundial – como é o caso de George Ewart Evans (1996) em The pattern under the plough. Hardy trata da mudança ocorrida depois da década de 1830 e, se seguirmos, num movimento retroativo, o que Raymond Williams (2011) intitula “escada rolante”, chegaremos à referência de uma mudança dessa ordem na Idade Média. “Até onde nos levará essa escada rolante? Uma resposta óbvia: ao Éden; mais adiante teremos de voltar a esse jardim tão conhecido”. (WILLIAMS, 2011, p. 27). Na verdade, o que caracteriza essa mudança é a profusão de valores religiosos, humanísticos, políticos e culturais, que têm significados diferentes em épocas diferentes. A presença do mundo rural na obra de Thomas Hardy é o resultado de sua própria experiência de vida, mas não se deve limitar a intenção do autor ao puro antagonismo entre campo e cidade, numa relação respectiva de explorado e explorador. Atenuada a importância de se considerar Hardy um escritor que se vale apenas da descrição da vida em sua terra natal, nota-se que as personagens que povoam o romance Tess of the d’Urbervilles, por exemplo, não representam apenas as mudanças que ocorrem numa forma de vida, mas ilustram as pressões psicológicas que oprimem a todos no nível social, ou seja, o desamparo e a decadência que acometem o campesinato, na obra, não são resultado da exploração selvagem do campo pela cidade, mas o esboço de uma situação mais ampla de desespero e fracasso, segundo a representação de Thomas Hardy. Não é a cidade a única, ou sequer a principal responsável pela mudança da dinâmica da vida no campo; o êxodo rural que leva para os grandes centros a mão-de-obra mais especializada das fazendas é fomentado pelas transformações que o próprio campo experimenta: trabalhadores que têm seu contrato de aluguel vencido e não conseguem a renovação veem-se obrigados a deixar a terra que não mais os abriga. É, propriamente, um processo autodestrutivo. They [Hardy’s novels] suggest not just a growing preoccupation with the rural problem, nor even a growing sense that an earlier way of life was inevitably vanishing. They suggest something more disquieting: a gathering realization that that earlier way did not possess the inner resources upon which to make a real fight for its existence. The old order was not just a less powerful mode of life than 15 the new, but ultimately helpless before it through inner defect. (HOLLOWAY, 1963, p. 53). 15
Eles [os romances de Hardy] sugerem não apenas uma preocupação crescente com o problema rural, tampouco uma percepção crescente de que um modo de vida primitivo fosse, inevitavelmente,
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A decadência do antigo modo de produção é inevitável e acontece de maneira irreversível. Ao relatar o fracasso de Tess, Thomas Hardy anuncia também a queda da antiga ordem, como observa John Holloway (1963, p. 56): Yet it remains true that in these later works the essence of plot, the distinctive trajectory of the narrative, is the steadily developed decline of a protagonist who incarnates the older order, and whose decline is linked, more and more clearly, 16 with an inner misdirection, an inner weakness.
Dessa forma, as transformações do sistema político e econômico adquirem um caráter interior, intrínseco ao próprio contexto em que ocorrem, dada a ineficiência da antiga ordem que, então, cede lugar ao novo modo de produção com seus efeitos e influências sobre os indivíduos representados no romance sob a forma de personagens dotadas de um profundo desconforto psicológico, reflexo do próprio processo de desestruturação administrativa por que passava aquela sociedade. Esta ocorrência em Tess of the d’Urbervilles mostra uma percepção apurada do autor em relação à dicotomia campo/cidade num nível muito mais humanístico ao invés de puramente mecânico ou realista. Os romances de Hardy denunciam muitas das aflições que ainda assolam o homem contemporâneo e o contraste entre o novo e o velho explicita a dificuldade inerente ao processo de mudança. Neles há sempre a presença acentuada de um velho mundo rural: velho em seus costumes e na memória, mas velho também num sentido relativo aos novos tempos de educação formal, velho enquanto parte da história, e mesmo da préhistória: a consciência da transformação adquirida através da instrução. Nos grandes romances de Hardy, de vários modos diferentes, a experiência da mudança e da dificuldade da escolha são centrais, até mesmo decisivas. (WILLIAMS, 2011, p. 327-328).
O mundo rural em Tess of the d’Urbervilles também é o mundo da tradição, das superstições e da sabedoria popular. A Sra. Durbeyfield, símbolo da típica camponesa, consulta suas práticas supersticiosas e delas conclui que a filha conquistará a simpatia da senhora d’Urberville e, por conseguinte, o coração de algum distinto cavalheiro. Eis a confissão a seu marido: desvanecedor. Eles sugerem algo mais inquietante: uma percepção conclusiva de que aquele modo primitivo não possuía recursos internos pelos quais valeria a pena resistir para mantê-lo. A velha ordem não era apenas um modo de vida menos poderoso do que o novo, mas definitivamente inútil perante ele por conta de deficiência interna. (HOLLOWAY, 1963, p. 53; tradução nossa). 16 Entretanto é verdade que, nestas últimas obras, a essência do enredo, a trajetória distintiva da narrativa, é o declínio constante desenvolvido por um protagonista que encarna a ordem mais antiga e cujo declínio está ligado, cada vez mais claramente, com uma má orientação interior, uma fraqueza íntima. (HOLLOWAY, 1963, p. 56; tradução nossa).
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‘[...] Well, Tess ought to go to this other member of our family. She’d be sure to win the lady – Tess would; and likely enough ‘twould lead to some noble gentleman marrying her. In short, I know it.’ ‘How?’ 17 ‘I tried her fate in the Fortune-Teller, and it brought out that very thing!... […]’ (HARDY, 1994, p. 29, grifo do autor).
Por outro lado, o mundo urbano é tido como a possibilidade de mudança, de ascensão social, é o lugar em que residem as oportunidades mais promissoras para os filhos de todas as famílias. Na casa dos Clare, Félix e Cuthbert estudaram em Cambridge e recebem o apreço dos pais pelo posto eminente que alcançaram, enquanto Angel, que renunciara à religião, não conquistou um título acadêmico e, então, limita-se ao trabalho na terra como um estagiário para que um dia possa vir a ser um proprietário. Essas condições de vida díspares impostas pelo campo e pela cidade remontam à percepção que se criou ao longo da história das sociedades de que a vida simples no campo ligase à candura, à paz, à tranquilidade, enfim, à desafetação propiciada por uma existência muito próxima ao estado natural das coisas, ao passo que, na cidade, o dinamismo da vida decorre do fato de ser este o espaço das conquistas humanas, da ilustração e da troca de informações. Portanto, muito além desse traço regionalista que invariavelmente recai sobre Hardy ao escrever sobre Wessex, devem-se apreender as implicações que subjazem ao antagonismo entre o rural e o urbano, que, na verdade, apenas servem de palco para a representação de outros expedientes dicotômicos: a tradição e a erudição, os ricos e os pobres, a avidez pela conquista e a frustração, articulados sob a égide da ideologia dominante.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BURGESS, Anthony. A literatura inglesa. 2. ed. Tradução de Duda Machado. São Paulo: Ática, 2006. CIVITA, Victor (Ed.). Os imortais da literatura universal: Thomas Hardy. São Paulo: Abril Cultural, 1971. EVANS, George Ewart. The pattern under the plough. Londres: Faber & Faber, 1996. HARDY, Thomas. Tess. Tradução de Neil R. da Silva. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981.
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[...] Bem, Tess deve ir à casa desse outro membro de nossa família. É certo que ela, Tess, conquistaria a dama; e é quase certo que isso faria um nobre cavalheiro casar-se com ela. Enfim, eu sei disso. - Como? - Olhei o destino dela no Revelador da Sorte, e foi justamente isso mesmo que deu... [...] (HARDY, 1981, p. 37, grifo do autor).
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HARDY, Thomas. Tess of the d’Urbervilles. Londres: Penguin Books, 1994. HOBSBAWN, Eric John. Da revolução industrial inglesa ao imperialismo. Tradução de Donaldson Magalhães Garschagen. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1978. HOLLOWAY, John. Hardy’s major fiction. In: GUERARD, Albert J. (Org.). Hardy: a collection of critical essays. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1963. INGHAM, Patricia. Thomas Hardy. Londres: Oxford University Press, 2009. SAXENA, Alka; DIXIT, Sudhir. Hardy’s Tess of the d’Urbervilles. New Delhi: Atlantic Publishers and Distributors, 2001. WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na história e na literatura. Tradução de Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
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Literatura Brasileira
UM ESTUDO DO ESPAÇO, IDENTIDADE E DO NARRADOR EM O SOL SE PÕE EM SÃO PAULO, DE BERNARDO CARVALHO
JúLIO CéSAR ALExANDRE JúNIOR Graduado em Letras Vernáculas e Clássicas. Lidrina - UEL. Atualmente é estudante de PósGraduação lato sensu do Curso de EspecializaEstadual de Londrina – UEL. Contato: julio_cajr@hotmail.com
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UM ESTUDO DO ESPAÇO, IDENTIDADE E DO NARRADOR EM O SOL SE PÕE EM SÃO PAULO, DE BERNARDO CARVALHO Júlio César Alexandre Júnior
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo investigar e discorrer sobre a obra O sol se põe em São Paulo, de Bernardo Carvalho, um dos mais renomados autores da literatura brasileira contemporânea. Nessa obra, verificaremos o espaço urbano no qual o narrador-personagem está inserido, visto que, desprovido de identidade, ele é um estranho em meio à sociedade na qual vive perambulando. Assim, brevemente, discorreremos, também, sobre o narrador segundo as considerações de Walter Benjamin. PALAVRAS-CHAVE: O sol se põe em São Paulo; Bernardo Carvalho; Walter Benjamin; Identidade; Espaço.
A STUDY OF THE SPACE, IDENTITY AND NARRATOR IN O SOL SE PÕE EM SÃO PAULO, BY BERNARDO DE CARVALHO ABSTRACT: This paper aims to investigate and to discuss the work O sol se põe em São Paulo, by Bernardo Carvalho, one of the most renowned writers of contemporary Brazilian literature. In this work, we’ll find the urban space in which the narrator-character is inserted, since deprived of identity, he is a stranger in the midst of society he lives wandering. So, briefly, we will discuss also about the narrator according to the considerations of Walter Benjamin. KEYWORDS: O sol se põe em São Paulo; Bernardo Carvalho; Walter Benjamin; Identity; Space.
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INTRODUÇÃO Publicado em 2007, a obra O sol se põe em São Paulo, de Bernardo Carvalho, é um dos
romances que, em aspectos recorrentes, traz, conforme Alves (2011):
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O esfumaçamento das fronteiras entre o real e o fictício; a narrativa repleta de acontecimentos, desencadeados em rede e profusamente; o gosto pelo tom de mistério a percorrer as linhas do texto, nisso se podendo ver, não raro, a forma de uma narrativa policial; o entrelaçamento de vozes, personagens e situações, levando com frequência ao questionamento de identidades.
O escritor carioca publicou, além da referida obra a ser estudada, Aberração (1993), que é uma coletânea de contos, e os romances Onze (1995); Os Bêbedos e o Sonâmbulo (1996); Teatro (1998); As Iniciais (1999); Medo de Sade (2000); Nove Noites (2002), que levou os prêmios Portugal Telecom e Machado de Assis, da Biblioteca Nacional; Mongólia (2003), que levou os prêmios Jabuti e APCA; e Os filhos da mãe (2009). Beatriz Resende (2008), em Contemporâneos: expressões da literatura brasileira no século XXI, afirma que Bernardo Carvalho é um consagrado escritor e defensor da literatura brasileira de ficção. Se ainda coubessem classificações ou rótulos para um autor definitivamente consagrado como Carvalho, eu diria que se trata, por excelência, de um defensor da literatura de ficção, e ainda de um romancista a ser apreciado especialmente pelos viciados em ficção (RESENDE, 2008, p. 90).
Sobre o romance de Carvalho, Beatriz Resende (2008, p. 90) afirma: Nesse romance [O sol se põe em São Paulo], mais do que em qualquer outro, a matéria é a ficção, a literatura e, eventualmente, a reflexão sobre literatura, seja a desenvolvida por Paul Valéry, que é tomado como epígrafe do volume, “[...] estranhos discursos, que parecem feitos por um personagem distinto daqueles 1 que os diz e dirigir-se a outro, distinto daquele que os escuta” , seja a do próprio autor.
Diante disso, o presente artigo tem por objetivo investigar e discorrer sobre a obra O sol se põe em São Paulo, de Bernardo Carvalho, que é considerado um dos mais renomados autores da literatura brasileira contemporânea. Na referida obra, verificaremos o espaço urbano no qual o narrador-personagem está inserido, visto que, desprovido de identidade, ele é um estranho em meio à sociedade na qual vive perambulando. Assim, brevemente, discorreremos, também, sobre o narrador seguindo os estudos de Walter Benjamin.
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DO ESPAÇO... Uma das tarefas da literatura ao estudar o espaço urbano não é apenas a representação
ficcional específica, mas, sobretudo, do homem nele inserido, sujeito para aquilo que o reserva da !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 1
Epígrafe inicial do romance de Bernardo Carvalho (2007, p. 7).
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sociedade, do tempo, e dos valores que determinam aquele universo em que vive. Assim, conforme Hissa (2006, p. 90), “na cidade o ambiente é o homem: é feito de suas amarguras e sonhos. Na cidade, as densas relações entre os indivíduos estimulam o conflito e a contradição, mas, também, a aproximação entre o eu e o outro”. No âmbito da literatura, a representação do urbano, e o homem que nele vive, toma vulto a partir do advento da modernidade, período que se inicia com a Revolução Industrial, no século XVIII, estendendo-se pelos séculos XIX e XX, e tem na Revolução Francesa (1789) um dos seus principais marcos. Assim, a cidade e a vida do homem ocidental passam por transformações expressivas. Algumas dessas transformações são o declínio do regime feudal e a ascensão da burguesia e da indústria, esta assentada no regime capitalista. No Brasil, essas transformações se iniciam a partir das primeiras décadas do século XX. O país sofre um processo de transformação e modernização e a literatura, como não podia ser diferente, acompanha essas mudanças, tanto na linguagem, na forma de se expressar, quanto nos temas que aborda. Conforme Silva (2009, p. 274), na literatura, “uma das características da ficção brasileira da contemporaneidade é que ela é urbana”. Assim, será na cidade que tudo se converge e se propaga, pois é este o ambiente do homem contemporâneo. Conforme Hissa (2006, p. 86), a cidade é feita de outros microcosmos, “de diversos lugares que vão se inserindo nos interstícios do urbano, onde a vida, repleta de relações, se desenvolve”. A partir do século XX, portanto, com os efeitos do sistema capitalista e da industrialização em crescimento nas grandes cidades, nota-se que a paisagem urbana aparece na literatura como algo fragmentado, ou seja, com os benefícios da industrialização e urbanização, que de certa forma trouxeram riqueza aos grandes centros urbanos, por outro lado, vemos o problema da infraestrutura, como a formação de periferias. Em O sol se põe em São Paulo, uma das características recorrentes na obra de Bernardo Carvalho é a aproximação com a realidade, pois, em um determinado momento, menciona-se a cidade sendo alvo de ataques pelo crime organizado - Primeiro Comando da Capital – PCC, ocorrido em 2004. A cidade vinha sofrendo uma série de ataques do crime organizado. Pelas estimativas oficiais, mais de cem pessoas foram assassinadas, entre policiais, civis e criminosos. Os números na verdade eram quase o dobro. Os ataques se dirigiam a delegacias de polícia, ônibus e bancos. E a polícia se vingaria nos dias seguintes, matando a torto e a direito, contanto que fossem pobres, os que depois seriam chamados de suspeitos nos laudos do Instituto Médico Legal. Naquela tarde de segunda-feira, depois de três dias de ataques pouco noticiados, um carro da polícia foi metralhado num bairro de classe média alta. E o efeito dos boatos bastou para deixar a população em pânico e levar o comércio a fechar as portas, embora as autoridades insistissem em tentar convencer a cidade sitiada de que
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tudo estava sob controle. Mesmo as ruas mais tranquilas foram tomadas de carros de gente que saía às pressas do trabalho e tentava chegar sã e salva em casa no meio da tarde. E eu me vi no meio de um congestionamento tentacular. Não havia nem saída alternativa (CARVALHO, 2007, p. 26).
Mesmo com a proximidade com a realidade, o narrador descreve a cidade de São Paulo de acordo com suas impressões, negativamente. Conforme Alves (2011, p. 8-9): A espacialidade ficcional, baseada na cisão concreta e na existência real da cidade de São Paulo, estabelece um confronto entre a subjetividade do personagem e a realidade objetiva, ou seja, o narrador descreve a cidade de acordo com a sua impressão deixando explícito seu negativismo. Apesar da aproximação com a realidade, sabemos que se trata de um universo ficcional, com isso, Carvalho amarra a ficção a uma outra noção de real, um real trágico e inevitável, ao mesmo tempo performático e irrepresentável.
Ainda em relação à cidade de São Paulo, o narrador-personagem apresenta críticas acerca da cidade de São Paulo. Ele, o narrador, a define como uma caricatura de cidades europeias e norte-americanas, especificamente com Nova York, a qual julga como “uma modernidade de fantasia, deformada, a materialização impotente de querer se imaginar num outro lugar mas já não saber como retornar a ele” (CARVALHO, 2007, p.28). A esse respeito, o narrador assim se expressa: A Liberdade é um desses bairros de São Paulo que, embora em menor escala do que nas regiões mais ricas, e por isso mesmo de um modo às vezes até simpático, ressalta no mau gosto da sua rala fantasia arquitetônica o que a cidade tem de mais pobre e de paradoxalmente mais autêntico: a vontade de passar pelo que não é. O pôr-do-sol em São Paulo é reputado como um dos mais espetaculares, por causa da poluição, eu disse ao homem de lábio leporino. Só fui entender que São Paulo era uma cidade monumental – mas onde os monumentos não existiam; eram por assim dizer invisíveis – no dia em que sonhei que dirigia um carro, de monumento em monumento, pelas ruas vazias de uma tarde de domingo, no inverno, uma estação que aqui também não existe. Eram monumentos que eu nunca tinha visto antes, e que só existem no meu sonho, em lugares onde a realidade se erguem os prédios mais decrépitos ou as fantasias arquitetônicas mais tolas e não menos pavorosas. São Paulo não se enxerga – ou não chamaria periferia de periferia. Não é só eufemismo. Chamam-se excluídos aos oitenta por cento da população. Não é à toa que é uma cidade de publicitários. Em São Paulo, publicidade é literatura, expliquei ao homem de lábio leporino, em inglês, sem deixar claro se fazia uma crítica ou me justificava. É uma cidade que quer estar em outro lugar e em outro tempo. E essa vontade só a faz ser cada vez mais o que é e o que não quer ser. As mansões mouriscas e ecléticas do começo do século XX (a maioria derrubada) e os prédios mediterrâneos, neoclássicos, florentinos e normandos construídos há poucas décadas revelam o atraso do presente. Cada imigrante, achando que transplantava o estilo da sua terra e dos antepassados, acabou construindo para a caricatura local (CARVALHO, 2007, p. 13-14).
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Verificam-se as atitudes críticas do narrador em relação à cidade de São Paulo, quando atesta que o bairro da Liberdade possui o “mau gosto da sua rala fantasia arquitetônica o que a cidade tem de mais pobre e de paradoxalmente mais autêntico: a vontade de passar pelo que não é” (CARVALHO, 2007, p. 13). Portanto, o bairro da Liberdade é um dos lugares que São Paulo adquiriu, mas não possui suas características próprias e sim a do outro, a do estrangeiro. O narrador afirma, ainda: Quase cem anos depois, o poder do novo dinheiro ergueu em São Paulo – uma cidade sitiada pela miséria e pelo crime, dos quais esse mesmo poder se alimenta embora tente em vão excluí-los – prédios de estuque, que foram batizados de “estilo florentino”, na tentativa de imitar a antiga Nova York. Não é só que esteja tudo fora do lugar. Está tudo fora do seu tempo também. Na Liberdade, nem mesmo um bêbado, ao sair trôpego de um restaurante, acreditando que é escritor, pode achar que está numa viela tranquila dos subúrbios de Tóquio e não numa megalópole violenta do Terceiro Mundo. E, no entanto, é disso que as ruas de São Paulo tentam convencer que passando por elas: que está em outro lugar, num esforço inútil de aliviar a tensão e o incômodo de estar aqui, o mal-estar de viver no presente e de ser o que é (CARVALHO, 2007, p. 14-15).
Com a fragmentação do espaço urbano, vemos também a fragmentação do indivíduo neste espaço. Conforme mencionamos, ao estudar a cidade, analisamos também o sujeito inserido neste espaço urbano, pois este determina o universo em que o sujeito vive. Assim, evidenciamos esta fragmentação do individuo na obra O sol se põe em São Paulo, de Bernardo Carvalho, cujo narrador-personagem, por exemplo, é marcado pelo deslocamento, ou seja, a personagem perambula pelas ruas da grande São Paulo, em Promissão (cidade do interior do Estado de São Paulo) e, por fim, em Tóquio, para desvendar uma história narrada por Setsuko, a dona do restaurante, que atribui uma missão ao narrador de transmitir sua história. Conforme Alves (2011), “o
questionamento
da
identidade
é
algo
a
aparecer
reiteradamente
nos
romances
contemporâneos e a construção das personagens em O sol se põe em São Paulo é um exemplo cabal disso”.
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DA FALTA DE IDENTIDADE... Contado em primeira pessoa, a obra O sol se põe em São Paulo narra a história de um
grupo de japoneses que migraram para o Brasil no início da Segunda Grande Guerra e se prolonga no Brasil dos dias atuais. Em princípio, relatar-se-á linearmente a história de um triângulo amoroso testemunhado por Setsuko, a dona do restaurante, localizado no bairro da Liberdade, em São Paulo, e nascida em Osaka: Michiyo, moça de boa família; Jokichi, filho de um rico industrial; e Masukichi, um obscuro ator de teatro japonês. À medida que a leitura avança, dá lugar a outras
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histórias. O narrador, que é contratado para relatar a história da dona do restaurante, desdobra-se ora em histórias que fornecem pistas, ora que intensificam os mistérios em torno do triângulo amoroso, que permeia o romance. Durante a narrativa, segundo Alves (2011), “a discussão em torno da identidade é construída por meio de um entrelaçamento, de um jogo de perspectivas diversas, que insistentemente se dobram e se desdobram na formação da complexa teia narrativa”. Dessa forma, para corroborar a questão da alteridade durante a narrativa, Resende (2008) afirma: Bem a maneira de Bernardo Carvalho, a narrativa vai se desdobrando, uma versão gerando outra, lugares e personagens saindo uns de dentro dos outros nessa história que começa no Japão da Segunda Guerra Mundial para terminar em São Paulo, neste início do século XXI (RESENDE, 2008, p. 91).
Ao contar a história de orientais na obra, verifica-se aquilo que é estranho para o narrador, ou seja, um estrangeiro para nós mesmos2, i.e., um estranho vivendo um seu próprio país. Conforme Alves (2011, p. 7), “o narrador-personagem, no romance, sente-se estrangeiro porque recalca aquilo que outrora fora familiar: sua ascendência nipônica”. Desta forma, constamos um indivíduo fragmentado em seu meio. Stuart Hall (2006, p. 12) afirma, por sua vez, que “o sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias e nãoresolvidas”. Trata-se, portanto, de um mundo ficcional despossuído de experiências significativas, de um indivíduo não possuidor de uma identidade, errante em meio à sociedade na qual vive, portanto, um estrangeiro, “aquele que não faz parte do grupo, aquele que não ‘é dele’, o outro” (KRISTEVA, 1994, p. 100). O espaço nas narrativas contemporâneas é um sentimento de estranheza, de desterritorialização, de não pertencimento a lugares exclusivos, colocando em dúvida a própria identidade do sujeito: estar em trânsito torna-se uma necessidade e a marca mais característica do sujeito contemporâneo (ALVES 2011, p. 4).
A primeira mostra de um sujeito não possuidor de uma identidade neste espaço fragmentado é com relação ao narrador. Este é um sujeito que se autodefine com um sujeito fracassado, o qual está desempregado e foi abandonado pela esposa, que o troca por outro. “Passado quase dez anos sem dar as caras, agora que estava desempregado e separado da minha mulher, depois de me foder por nada, trabalhando como redator de comerciais de uma agência de publicidade, eu voltava de vez em quando ao Seiyoken” (CARVALHO, 2007, p. 11). !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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KRISTEVA, Julia. Estrangeiros para nós mesmos. Trad. Maria Carlota Carvalho Gomes. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
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Narrando a história, o narrador-personagem já não conta mais sua história de vida, nos primeiros capítulos, portanto, vemos a história sendo entrelaçada com os acontecimentos passados de Setsuko, que narra sua história oralmente; e o narrador, que a transfere para o meio da escrita, tornando-a um romance. Alves (2011) atesta: O narrador continua a narrar, mas sua história pessoal já não mais está em cena, mas sim a do outro. Nesse sentido, é possível ver um deslocamento da identidade da narração, pois há, no mínimo, o entrelaçamento de duas vozes: a de Setsuko que conta, oralmente; e a do narrador, que reconta por meio da escrita, do romance (ALVES, 2011, s/p).
Para corroborar a questão da identidade, durante o romance, evidenciamos a troca ou crise de identidades de Jokichi, marido de Michiyo. Durante a guerra, o pai de Jokichi contrata um funcionário de sua empresa, Seiji, para assumir o lugar de seu filho, pois este foi convocado para lutar pelo seu país, o Japão, na Segunda Guerra Mundial. O funcionário que foi no lugar de Jokichi vem a falecer durante uma batalha. Ao retornar para sua cidade, Jokichi descobre que seu pai faleceu durante um ataque das forças inimigas e descobre que fora considerado morto. Após várias tentativas frustradas, humilhantemente, consegue sua verdadeira identidade. E foi só voltar a Kobe, e ao tentar pôr em ordem o que havia sobrado dos papeis da família, que Jokichi descobriu estar ele próprio oficialmente morto [...]. Diante do caos em que o país havia se convertido, não restava a Jokichi muito a fazer senão esperar o final da guerra. Tentou corrigir a impostura e recuperar sua identidade. Mas àquela altura seus esforços foram inúteis [...]. Só um ano depois da rendição, quando começavam a se dissipar as incertezas quanto ao futuro do país ocupado, foi que afinal conseguiu provar oficialmente a sua identidade, não sem antes ter de passar por um processo absurdo de humilhação, como desertor, para não sujar a memória do pai, para salvá-lo (CARVALHO, 2007, P. 46).
Outra forma de crise de identidades é a de Setsuko, que, a partir de estudos da antroponímia significa corte, cisão, é, na realidade, Michiyo. Durante a narrativa, o narrador, após a descoberta do verdadeiro nome da dona do restaurante Seiyoken, diz que o romance inicia-se, quando se descobre a verdadeira identidade de Setsuko ou Michiyo. A cisão, portanto, do romance, inicia-se quando da descoberta da verdadeira identidade da dona do restaurante, e o narrador começa uma busca pelas histórias de Masukichi, Michiyo e Jokichi em Tóquio. Agora era a minha vez de sentir a dor dos personagens que tudo perdem. O meu romance começa aqui. Quando voltei na semana seguinte, para o nosso quarto encontro, a casa de Setsuko já não existia. Em apenas uma semana, puseram-na abaixo (CARVALHO, 2007, p. 93).
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Em O sol se põe em São Paulo, não são só Setsuko e Jokichi que enfrentam crises de identidades, mas também outras personagens como Seiji, o primo do imperador (o qual está no Brasil e é assassinado por Masukichi, que assume a identidade, no Brasil, de Teruo) e o próprio narrador. Dessa forma, Alves (2011) afirma que o narrador sente a necessidade de transformar o relato oral de Setsuko/Michiyo em um romance, e, assim, torna-se o personagem que investiga a história do triângulo amoroso: Paralelamente à história desse romance, mediante pequenas incursões no decorrer da narrativa, mais acentuadas no início e, principalmente, após o desaparecimento de Setsuko, desenvolve-se também a história do próprio narrador. Este se vê fortemente enlaçado pela história que estava incumbido de transformar em romance, transformando-se ele próprio em uma das personagens, na busca de solução para o relato suspenso, inacabado de Setsuko em razão de sua saída repentina de cena (ALVES, 2011, s/p).
É após iniciar o romance que o narrador atribui ser o seu, este, ao ser lançado na ficção, participa como um detetive, pois irá desvendar a história do triângulo amoroso das personagens. O narrador-personagem desloca-se para o Japão para entregar uma carta de Setsuko para Masukichi, um ator de teatro kyogen, uma versão cômica do teatro nô. No Japão, o narrador sente-se como um estrangeiro, recebendo olhares desconfiados das pessoas a sua volta e com as quais cruza pela rua. Esbarrei em dois ou três pedestres. Em geral desviavam de mim como do demônio. Estava perdido. Resolvi pedir informação a alguém – não havia um único ocidental na rua. Me dirigi a um homem de terno, em inglês. E, se num primeiro momento ele chegou a mostrar alguma boa vontade, fugiu de mim assim que percebeu que eu era estrangeiro. Eu tentava me aproximar das pessoas, em inglês, e todas fugiam de mim. Desviavam-se, olhavam para o chão, fingiam que não me viam, que não me ouviam. Uma mulher chegou a apertar o passo, como se eu fosse um mendigo bêbado a importuná-la, enquanto eu a acompanhava, repetindo “por favor, por favor”. Eu era a lepra (CARVALHO, 2007, p. 106-107).
O narrador-personagem não tem sucesso em encontrar o ator do teatro cômico, mas, ao final, a carta ou o romance encerra-se ao ser transmitido pelo homem do lábio leporino para sua esposa e, finalmente, à filha de Jokichi, a qual havia cortado relações com o pai antes de falecer. “O homem com lábio leporino terminou de ler a carta, em silêncio, em Tóquio, olhou para a mulher ao meu lado e, ao lhe estender as folhas manuscritas, repetiu o mesmo que eu tinha lhe proposto no início da noite e que agora peço a você também”, eu disse à filha mais velha de Teruo – em nome de quem ele havia deixado de contar – quando ela me procurou em São Paulo, e lhe entreguei este romance: “Leia isto” (CARVALHO, 2007, p. 164).
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Diante das várias vozes que compõem o romance: narrador, Setsuko (Michiyo), vinculam-se a crise ou falta de identidade das personagens. Conforme Postal (2011): A identidade de escrita de Bernardo Carvalho, sua figuração, é uma construção teórico-ficcional a respeito de identidades, transversas e inconstantes, que firmadas na incompletude e fragmentação são o retrato impreciso, e, portanto, o mais fiel possível, da nossa contemporaneidade (POSTAL, 2011, s/p).
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A NARRATIVA SEGUNDO WALTER BENJAMIN... Em O narrador (1936), de Walter Benjamin, o mesmo atesta que o ato de narrar uma
história está em processo de extinção, pois os narradores, depois do pós-guerra e as narrações das ações da experiência estão desaparecendo. É a experiência de quase a arte de narrar está em vias de extinção. São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente se se pede num grupo que alguém narre alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências (BENJAMIN, 1987, p. 197-198).
Benjamin (1936) ainda afirma que a figura do narrador só se torna planamente tangível se temos presente o camponês sedentário e o marinheiro comerciante. Além deste, a verdadeira natureza narrativa possui uma dimensão utilitária. “Essa utilidade pode consistir seja num ensinamento moral, seja numa sugestão prática, seja num provérbio ou numa norma de vida – de qualquer maneira, o narrador é um homem que sabe dar conselhos” (BENJAMIN, 1987, p. 200). Uma das questões que Benjamin levanta para a extinção do narrador ocorre a partir do surgimento do romance, no início do período moderno. “A origem do romance é o indivíduo isolado, que não pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupações mais importantes e que não recebe conselhos nem sabe dá-los” (BENJAMIN, 1987, p. 201). Tomando por base as considerações de Benjamin sobre a extinção da narrativa, observamos, em O sol se põe em São Paulo, que outros elementos estéticos da narrativa suplantam esse declínio da narrativa propriamente dita, quando, por exemplo, o narrador utiliza a intertextualidade com outros romances, neste caso, romances de Junichiro Tanizaki, que, na realidade, são bases para contar a história de Setsuko ou Michiyo; ou menção à literatura, pois, acredita-se que a literatura, no romance, fora a causa da morte de Jokichi ou a morte de um narrador-escritor de juventude. Franco (2011, s/p.) atesta que “Tais possibilidades narrativas puderam ser observadas tanto nos projetos estéticos que as prefiguram e chegam a subverter quanto na história que se quer ser contada”.
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Para Franco (2011), em O sol se põe em São Paulo, podemos atribuir às características de um narrador ideal, segundo Benjamin, para as personagens do referido romance: o narrador é o marinheiro, Setsuko/Michiyo representa o marinheiro e o camponês sedentário. Possivelmente, em seus primeiros 20 ou 30 anos, viveu no Japão, continente de tradições que se perpetuam, conhecedora, portanto, da cultura japonesa em suas variadas formas (teatro, lendas, natureza, literatura). Nos anos 50, depois da segunda grande guerra, veio para o Brasil, o outro lado do mundo. A viajante, agora em outra esfera e outro espaço, passa ser a contadora da história que irá instigar o jovem de raízes também japonesas, mas pouco conhecedor de sua cultura ascendente. Mas a grande questão aqui, não se trata mais de promover um “intercâmbio de experiências”, como assinalava Benjamin (FRANCO, 2011, s/p).
A personagem Jokichi diz: “Ninguém nunca vai poder contar nada. Quem conta são os outros”, “ele me disse quando me procurou para anunciar que estava morrendo. E eu entendi naquela frase um pedido” (CARVALHO, ano, p. 160). Deste modo, verificamos que Setsuko ao contar a história, oralmente, e o narrador-personagem transmite-a primeiramente ao homem do lábio leporino, seguido de sua esposa, e a filha de Jokichi, por fim, ficam evidenciados elementos estéticos que fazem com que a narrativa não possua formas para que possa ser perpetuada.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto, no presente artigo tratamos do romance O sol se põe em São Paulo, do
escritor Bernardo Carvalho. Na análise efetuada, foi possível verificar como se caracteriza o espaço urbano no qual o narrador-personagem está inserido, uma vez que, conforme salientamos anteriormente, desprovido de identidade, o referido narrador-personagem é um estranho dentro da sociedade na qual vive perambulando. Assim, brevemente, discorreremos, também, sobre o narrador dentro da obra, partindo das considerações de Walter Benjamin. Conforme mencionado, ao estudar a cidade, analisamos também o sujeito inserido neste espaço urbano, pois tal espaço determina o universo no qual o sujeito vive. No espaço fragmentado, que se configura em O sol se põe em São Paulo, encontramos sujeitos fragmentados. Assim, Postal (2011, s/p.) afirma: As personagens se reelaboram na missão e preenchem sua vida com as vidas outras a serem resgatadas e contadas para salvar do esquecimento o que buscam, mas nesse processo não se salvam a si mesmas. Mostram-nos que a fragmentação e a incompletude são chaves possíveis para compreendê-las e a nós mesmos quando confrontados com tamanhas angústias e com a facilidade de abandonar as identidades pré-enigmas por existências transitórias vividas no centro da incompreensão e insolubilidade dos mistérios.
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Em Contemporâneos, no ensaio “Bernardo Carvalho e o Trágico Radical”, Resende (2008), uma das estudiosas da literatura de Carvalho – em entrevista acompanhada de Pécora -, atesta ser Carvalho um dos melhores escritores da contemporaneidade e finaliza, tecendo o seguinte comentário sobre o romance: Você quer literatura de verdade? Quer verificar se o romancista realiza o que o teórico afirma de verdade? Então mergulhe em O sol se põe em São Paulo e não pense que as suas 164 páginas não vão dar trabalho. Citando outro título do romance de Coetzee, eu diria que enfrentá-las é uma forma de ocupar o tempo À espera dos bárbaros (RESENDE, 2008, p. 92).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, C. M. Espaços Urbanos Contemporâneos em O Sol se Põe em São Paulo. In: ReVele, nº 3. Agosto/2011. p. 01-15. Disponível em http://www.letras.ufmg.br/cpq/revista%20revele/Revista_tres/ESTUDOS%20LITER%C3%81RIOS/ 05ESPA%C3%87OS%20URBANOS%20CONTEMPOR%C3%82NEOS%20%20CANDICE%20ALVES.pdf. Acessado em 08 de setembro de 2012. ALVES, R. C. S. Os desdobramentos narrativos em O Sol se põe em São Paulo, de Bernardo Carvalho. In: XII CONGRESSO INTERNACIONAL DA ABRALIC, 2011, CURITIBA. Anais do XII Congresso Internacional da Associação Brasileira de Literatura Comparada. Curitiba, 2011. Disponível em http://www.abralic.org.br/anais/cong2011/AnaisOnline/resumos/TC0688-1.pdf. Acessado em 07 de setembro de 2012. BENJAMIN, Walter. O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e Técnica, Arte e Política. Trad.: Sérgio Paulo Rouanet. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 197-221. CARVALHO, Bernardo. O sol se põe em São Paulo. São Paulo: Cia das Letras, 2007. FRANCO, Adenize. O romance contemporâneo de língua portuguesa em Bernardo Carvalho e Francisco José Viegas. In: XII CONGRESSO INTERNACIONAL DA ABRALIC, 2011, CURITIBA. Anais do XII Congresso Internacional da Associação Brasileira de Literatura Comparada. Curitiba, 2011. Disponível em http://www.abralic.org.br/anais/cong2011/AnaisOnline/resumos/TC0318-1.pdf. Acessado em 08 de setembro de 2012. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad.: Tomaz Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. HISSA, C. V. Ambiente e vida na cidade. In: BRANDÃO, C.A. L. As cidades da cidade. Belo Horizonte: UFMG, 2006, p. 81-92. KRISTEVA, Julia. Estrangeiros para nós mesmos. Trad. Maria Carlota Carvalho Gomes. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. POSTAL, Ricardo. O mais longe ir: identidades transversas em Bernardo Carvalho. In: XII CONGRESSO INTERNACIONAL DA ABRALIC, 2011, CURITIBA. Anais do XII Congresso Internacional da Associação Brasileira de Literatura Comparada. Curitiba, 2011. Disponível
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em http://www.abralic.org.br/anais/cong2011/AnaisOnline/resumos/TC0716-1.pdf. Acessado em 12 de setembro de 2012. RESENDE, Beatriz. Bernardo Carvalho e o Trágico Radical. In: Contemporâneos: expressões da literatura brasileira no século XXI. Rio de Janeiro: Casa da Palavra: Biblioteca Nacional, 2008, p. 77-92.
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O INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SÃO PAULO: A IMPORTÂNCIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIDADE PARA O ENSINO Marcel Pereira Santos Luzia Sigoli Fernandes Costa
RESUMO: Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) correspondem ao estudo da inter-relação existente entre a Ciência, a Tecnologia e a Sociedade. Os estudos de CTS surgiram há cerca de três décadas e se iniciaram a partir de novas correntes de investigação em filosofia e sociologia da ciência e de um incremento da sensibilidade social e institucional sobre a necessidade de uma regulação democrática das mudanças científico-tecnológicas. Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia foram criados em 23 de dezembro de 1909, por meio do Decreto nº 7.566, com a denominação “Escolas de Aprendizes Artífices”, destinadas ao ensino profissional, primário e gratuito. Em 1937, transformaram-se em “Liceus Profissionais”, destinados ao ensino profissional de todos os ramos e graus. Em 1942, passaram a denominar-se “Escolas Industriais e Técnicas”; em 1959, “Escolas Técnicas Federais”. No ano de 1994, a Lei nº 8.948 transformou as Escolas Técnicas Federais em “Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFETs”. Em 1998, pela Lei nº 11.892, os Centros Federais de Educação Tecnológica transformaram-se em “Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia”; com esta última transformação, os popularmente conhecidos Institutos Federais passaram a ter status de universidade, trabalhando com a tríade: ensino, pesquisa e extensão. Este estudo discorre especificamente sobre o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) sob o viés da CTS, portanto, pretende-se discutir a importância da CTS no contexto do IFSP. PALAVRAS-CHAVE: Ciência; Tecnologia e Sociedade; Pesquisa Científica; Institutos Federais de Educação; Ciência e Tecnologia.
SÃO PAULO STATE FEDERAL INSTITUTE OF EDUCATION, SCIENCE AND TECHNOLOGY: THE IMPORTANCE OF SCIENCE, TECHNOLOGY AND SOCIETY TO EDUCATION ABASTRACT: Science, Technology and Society (STS) are related to the study of the interrelationship between Science, Technology and Society. The STS studies began about three decades ago, emerging from researches of the philosophy and sociology of science, as well as an increment of social and institutional sensibility related to the necessity of a democratic regulation of Revista(Iluminart(|(Ano(V(|(nº(10(|(ISSN(1984(;(8625(|(Jun/2013(|((125(
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scientific and technological changes. The Federal Institutes of Education, Science and Technology were created in December, 23, 1909, through the Decree-Law 7.566, receiving the title “Apprentice Craftsmen School”, oriented to non-profitable primary professional education. In 1937, they became the “Professional Secondary School”, destined to professional education in all areas and degrees. In 1942, they received the title “Technical and Industrial Schools” and, in 1959, “Federal technical Schools”. In 1994, the Decree-Law 8.948 turned them into “Federal Centers of Technological Education”. In 1998, through the Decree-Law 11.892, they became the “Federal Institute of Education, Science and Technology”; with this last transformation, the well-known Federal Institutes reached the status of universities, becoming devoted to the triad: teaching, researching and the furthering of knowledge. This paper specifically studies the São Paulo State Federal Institute of Education, Science and Technology, through the STS view. Therefore, the purpose is to discuss the importance of the STS in the Federal Institute context. KEYWORDS: Science; Technology and Society; Scientific Research; Federal Institute of Education; Science and Technology.
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INTRODUÇÃO: CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE (CTS) Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) corresponde ao estudo da inter-relação existente
entre a Ciência, a Tecnologia e a Sociedade, que, de acordo com Pinheiro et al. (2009), constituise um campo de trabalho que se volta tanto para a investigação acadêmica quanto para as políticas públicas. Os estudos de CTS surgiram há cerca de três décadas. Segundo Bazzo et al. (2000), iniciaram-se a partir de novas correntes de investigação em filosofia e sociologia da ciência e de um incremento da sensibilidade social e institucional sobre a necessidade de uma regulação democrática das mudanças cientifico tecnológicas. Anterior a este momento, durante a Segunda Guerra Mundial, de acordo com Cerezo (2002), a ciência e a tecnologia ajudaram decisivamente os Estados Unidos a vencerem a guerra; fato importante foi em julho de 1945, com a explosão de teste no Novo México, quando Bush entrega ao presidente Truman o relatório que Roosevelt encomendara um ano antes: Science – The Encless Frontier – “Ciência: a fronteira infinita”. Definiam-se as linhas mestras da futura política científico-tecnológica norte americana, destacando-se o modelo linear de desenvolvimento, cujo bem-estar nacional dependeria do
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financiamento da ciência básica e o seu desenvolvimento, sem interferências, ou seja, a necessidade de se manter a autonomia da ciência para que o modelo funcionasse. Na década de 1950, há indícios de que este modelo linear de desenvolvimento estava falhando, com o surgimento da guerra fria. Assim, a União Soviética estava na vanguarda da ciência e da tecnologia, desde então: as coisas não fizeram mais que piorar, observando-se o acúmulo de uma sucessão de desastres vinculados ao desenvolvimento científico-tecnológico: vazamentos de resíduos poluentes, acidentes nucleares em reatores civis e de transportes militares, envenenamentos por produtos farmacêuticos, derramamentos de petróleo, etc. Tudo isso não fez senão confirmar a necessidade de se revisar a política científico-tecnológica e de sua relação com a sociedade. Foi um sentimento social e político de alerta, de correção do otimismo do pósguerra, que culminou no simbólico ano de 1968, com o ápice do movimento de contracultura e de revolta contra a guerra do Vietnã. Os movimentos sociais e políticos opositores ao sistema fizeram da tecnologia moderna e do Estado tecnocrático o alvo da sua luta (CEREZO, 2002, p. 6).
Cerezo (2002) afirma que, imediatamente depois da guerra, até cientistas já se preocupavam com o uso militar inadequado das novas tecnologias, dos seus descobrimentos; assim, neste contexto, surgiu o interesse por estudar e ensinar a dimensão social da ciência e da tecnologia. Baseado em Pinheiro et al. (2009), os anos 1960 e 1970 foram marcados por uma intensa revisão do modelo linear, que teve como principal objetivo rever o processo de delineamento científico-tecnológico. Buscou-se, assim, a participação pública com iniciativas relacionadas à regulação da ciência e da tecnologia. Essa revisão fez com que surgisse o movimento CTS por volta de 1970, como forma de rever, entender, propor e, principalmente, tomar decisões em relação às consequências decorrentes do impacto da ciência e da tecnologia na sociedade contemporânea. Como já referenciado no início desta seção, Bazzo et al. (2000) afirmam que os estudos de CTS surgiram há três décadas e, de acordo com Cerezo (2002), iniciaram a mudança da imagem acadêmica da ciência e tecnologia, em que o ponto-chave é apresentado não como um processo ou atividade autônoma, que segue uma lógica interna de desenvolvimento em seu funcionamento, mas como um processo ou um produto inerentemente social. Assim, surgem elementos não técnicos (valores: morais, religiosos, profissionais, econômicos) que desempenham um papel decisivo em sua gênese e consolidação. Pinheiro et al. (2009) ressaltam que a CTS trouxe como um de seus lemas a necessidade de o cidadão conhecer seus direitos e obrigações, de pensar por si próprio, ter uma visão crítica
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da sociedade onde vive e, especialmente, de ter a disposição de transformar a realidade para melhor. Segundo Castells (1999), a sociedade pode entrar num processo acelerado de modernização tecnológica capaz de mudar o destino das economias, do poder militar e do bemestar social em poucas décadas ou anos. Assim, a habilidade ou inabilidade de as sociedades dominarem a tecnologia e, em especial, aquelas tecnologias que são estrategicamente decisivas em cada período histórico, traça seu destino a ponto de se poder dizer que, embora não determine a evolução histórica e a transformação social, a tecnologia incorpora a capacidade de transformação das sociedades, bem como os usos que as sociedades, sempre em um processo conflituoso, decidem destinar ao seu potencial tecnológico. Portanto, ratifica-se a necessidade de se discutir os anseios da sociedade com os avanços científicos e tecnológicos alcançados com o passar dos anos. Os aspectos sociais são considerados como fundamentais para o entendimento do fenômeno científico-tecnológico e dos impactos para a sociedade causados pelos avanços da ciência e tecnologia, desde consequências sociais até ambientais. Bazzo (2010) afirma que essas novas concepções levam-nos a indagar em que condições econômicas, políticas e culturais a ciência e a tecnologia estão sendo produzidas. Ressalta que é preciso tornar possível o exame das relações entre os saberes e as aplicações técnicas, entre as práticas tecnológicas e suas repercussões. Segundo Cerezo (2002): Autores chamam a atenção sobre as problemáticas consequências, de natureza ambiental e social, que tem o atual e vertiginoso desenvolvimento científicotecnológico, consequências sobre as quais é necessário fazer uma reflexão e propor linhas de ação. Na mira dessas linhas se encontrariam problemas como o da equidade na distribuição dos custos ambientais da inovação tecnológica, o uso impróprio de descobertas científicas, as implicações éticas de algumas tecnologias, a aceitação dos riscos de outras tecnologias, ou inclusive a modificação na natureza do exercício do poder devido à atual institucionalização da assessoria especializada (CEREZO, 2002, p. 7).
A sociedade consolidou e começou a utilizar como prática cotidiana o questionamento dos impactos dos avanços; já não se aceita somente os avanços da ciência e da tecnologia, sem a consideração do tudo o que se envolve no processo de produção. Segundo Valério e Bazzo (2006), deve-se lançar reflexões sobre o papel da ciência e da tecnologia na sociedade contemporânea, esta é uma tarefa ao mesmo tempo infindável e imprescindível. Infindável porque, ao invés de gerar respostas cabais, este exercício reflexivo alimenta crescentemente o repertório de questões sobre as quais se devem debruçar, questões como os
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impactos que ocorrem. É imprescindível porque se torna cada vez mais evidente a influência da ciência e da tecnologia na nossa cultura com o viés social. Assim, cientistas e não-cientistas precisam agora de um maior contato com as discussões substanciais sobre o impacto da ciência e tecnologia sobre os valores humanos e éticos. Portanto, o enfoque CTS busca entender os aspectos sociais do desenvolvimento tecnocientífico, tanto com relação aos benefícios que esse desenvolvimento possa trazer, como com relação às consequências sociais e ambientais que poderá causar. Com o viés da ciência, tecnologia e inovação, podem-se discutir as questões sociais; como destaca Silva e Melo (2001), o bem-estar da humanidade está intrinsecamente ligado aos avanços do conhecimento. Sem conhecimento, sem ciência, sem tecnologia e sem inovação, não é possível garantir a sustentabilidade para os bilhões de seres humanos que consomem os recursos do globo terrestre, ou administrar e prover de serviços essenciais uma sociedade urbana, na qual milhões de pessoas convivem em espaços cada vez mais limitados. Tampouco é possível preservar, para as gerações futuras, a herança natural que recebemos de nossos ancestrais, muito menos superar os graves desequilíbrios sociais. No longo prazo, a sobrevivência da humanidade depende da gestão adequada do meio ambiente global e, para isto, é preciso poder prever as consequências das intervenções cada vez mais importantes dos seres humanos sobre o seu hábitat. Isto significa, em última análise, um projeto sustentável de geração de riqueza e de desenvolvimento econômico para o Brasil nesta e em décadas futuras. A formulação de diretrizes estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação para a qualidade de vida na próxima década deve ser, assim, uma prioridade para a comunidade científica, para o sistema produtivo e para a sociedade brasileira (SILVA; MELO, 2001, p. 85).
É necessário que a sociedade disponha de capacidade para inovar, ou seja, para aplicar o conhecimento na solução de problemas concretos enfrentados pela sociedade, para gerar novos produtos e processos; criar e aproveitar oportunidades de ganhos privados e sociais, produzir e distribuir riquezas e gerar para a própria sociedade o bem-estar.
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CTS NA EDUCAÇÃO Já a CTS com o viés educativo difundiu-se nas últimas décadas; em específico, a partir da
década de 80. Em nível internacional, impulsionou os periódicos da área de Ensino de Ciências e Matemática a publicarem vários artigos sobre o tema; Pinheiro et al. (2009) destaca as revistas: Revista Science & Education e International Journal of Science Education; destaca também a Revista(Iluminart(|(Ano(V(|(nº(10(|(ISSN(1984(;(8625(|(Jun/2013(|((129(
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existência da International Organization for Science and Technology Education (IOSTE), que realizou, em 2008, seu décimo terceiro simpósio internacional, com o intuito de discutir assuntos que envolvem o contexto científico-tecnológico e social. Denominado por Pinheiro et al. (2009) como “enfoque CTS no contexto educativo”, percebe-se a necessidade de renovar a estrutura curricular, colocar a ciência e tecnologia vinculadas às novas concepções sociais; questionar as formas herdadas de estudar e atuar sobre a natureza, as quais devem ser constantemente refletidas. Sua legitimação deve ser feita por meio do sistema educativo, pois só assim é possível contextualizar permanentemente os conhecimentos em função das necessidades da sociedade; questionar a distinção convencional entre conhecimento teórico e conhecimento prático, assim como sua distribuição social entre 'os que pensam' e 'os que executam', que reflete, por sua vez, um sistema educativo dúbio, o qual diferencia a educação geral da vocacional; combater a segmentação do conhecimento, em todos os níveis de educação; promover uma autêntica democratização do conhecimento científico e tecnológico, de modo que ela não só se difunda, como também se integre na atividade produtiva das comunidades de maneira crítica. Segundo Bazzo (2000), os estudos CTS têm por finalidade promover a alfabetização científica, mostrando a ciência e a tecnologia como atividades humanas de grande importância social, por formarem parte da cultura geral nas sociedades modernas. Trata também de estimular ou consolidar nos jovens a vocação pelos estudos da ciência e da tecnologia, mostrando com ênfase a necessidade de um juízo crítico e uma análise reflexiva bem embasada das suas relações sociais. Esse campo de estudo trata também de favorecer o desenvolvimento e a consolidação de atitudes e práticas igualitárias referentes às questões de importância social relacionadas com a inovação tecnológica ou a intervenção ambiental. Propicia o compromisso a respeito da integração das mulheres e minorias, assim como o estímulo para um desenvolvimento socioeconômico respeitoso com o meio ambiente e equitativo com relação às futuras gerações. Assim, Pinheiro et al. (2009) ressaltam que: a importância de se discutir com os alunos sobre os avanços da ciência e da tecnologia, suas causas, consequências, interesses econômicos e políticos, de forma contextualizada, está no fato de que devemos conceber a ciência como fruto da criação humana. Por isso ela está intimamente ligada à evolução do ser humano, desenvolvendo-se permeada pela ação reflexiva de quem sofre/age as diversas crises inerentes a esse processo de desenvolvimento (PINHEIRO et al. 2009).
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Portanto, consolida-se a importância da CTS no ensino, com objetivos de proporcionar ao aluno conceitos críticos e não somente habilidades técnicas; dessa forma, Bazzo (2010) afirma que se devem tornar os jovens “criativos e críticos” em relação às realizações da ciência e da tecnologia, já que, em inúmeras situações, eles participam de sua criação. Os estudos em CTS precisam ajudá-los a pensar a respeito das aspirações de seus colegas e da sociedade, e, acima de tudo, precisam levá-los a pensar, em um processo coletivo, nos resultados e consequências dos artefatos científico-tecnológicos. Além disso, apontar na direção do pensamento crítico da riqueza de valores culturais e das dimensões morais da vida. Praia e Cachapuz (2005) apontam fatores que direcionam a CTS para o pensamento crítico: provocar uma viragem do “conhecimento em si” para o “conhecimento em ação”; revalorizar o trabalho que requer competências práticas; modificar as expectativas de grupos sociais face ao ensino; reconhecer a inevitável ligação de uma educação científico-tecnológica a uma educação para os valores.
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CTS E O INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SÃO
PAULO A Educação Profissional e Tecnológica (EPT), atualmente assim denominada, recebeu destaque no ano de 2009; desde então, diferentes atividades estão sendo desenvolvidas para que esta seja cada vez mais valorizada e reconhecida. Existem, por parte do Governo Federal, iniciativas, tais como a realização de fóruns, eventos e a expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, que completou seu centenário no ano de 2009. O histórico disponível no site do IFSP (IFSP, 2011) apresenta a trajetória da instituição que compõe esta Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, também conhecida como Rede Federal. O IFSP foi criado inicialmente como Escola de Aprendizes e Artífices em 23 de setembro de 1909, com projeto inicial para formação de operários e contramestres; no período, foi criado, no Brasil, um total de dezenove escolas de Aprendizes e Artífices. Dos anos 60 a 90, o IFSP era denominado Escola Técnica Federal de São Paulo, ministrava cursos técnicos de nível médio em Mecânica e Edificações; posteriormente, passou a ministrar cursos técnicos em Eletrotécnica, Telecomunicações, Processamento de Dados e Informática Industrial. Em 1987, foi inaugurada a segunda Escola Técnica Federal de São Paulo no município de Cubatão (litoral paulista) e, em 1996, foi inaugurada a terceira escola no município de Sertãozinho
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(interior do Estado de São Paulo). A partir de 2000, a instituição sofreu novas mudanças, transformando-se em CEFET-SP, acarretando sua reformulação e expansão. A Lei nº 11.892 de 28 de dezembro de 2008 criou a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e também os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Essa Lei foi sancionada pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva: Art. 1º Fica instituída, no âmbito do sistema federal de ensino, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, vinculada ao Ministério da Educação e constituída pelas seguintes instituições: I - Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia - Institutos Federais; II - Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR; III - Centros Federais de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca CEFET-RJ e de Minas Gerais - CEFET-MG; IV - Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais. Parágrafo único. As instituições mencionadas nos incisos I, II e III do caput deste artigo possuem natureza jurídica de autarquia, detentoras de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar. Art. 2º Os Institutos Federais são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas, nos termos desta Lei (BRASIL. Presidência da República, 2008).
A transformação dos CEFETs em Institutos Federais teve como base a necessidade de adequação à nova realidade da Rede Federal, assim como o estatuto atribuído aos Institutos Federais, tendo estes plena autonomia administrativa, financeira e pedagógica, equiparando-se às universidades federais, ou seja, os Institutos Federais trabalhariam, além da vertente ensino, também as vertentes da pesquisa e da extensão. No Estado de São Paulo, existem 28 campi nas respectivas cidades: São Paulo, Cubatão, Sertãozinho, Guarulhos, Caraguatatuba, São João da Boa Vista, Bragança Paulista, Salto, São Roque, São Carlos, Campos do Jordão, Barretos, Suzano, Catanduva, Araraquara, Itapetininga, Birigui, Piracicaba, Boituva, Capivari, Matão, Avaré, Hortolândia, Presidente Epitácio, Registro, Votuporanga, Jacareí e Campinas. Como parte das iniciativas do Governo Federal em torno da EPT em 2009, foi criada a Lei nº 11.940, de 19 de maio de 2009, a qual: Art. 1º define em todo o território nacional o ano de 2009 como o ano da educação profissional e tecnológica; Art. 2º estabelece o dia 23 de setembro como o dia nacional dos profissionais de nível técnico (BRASIL. Presidência da República, 2009).
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A EPT está na agenda do Governo Federal; tem-se, no momento, a Expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, somada a tantas outras ações e iniciativas para se discutir a EPT no Brasil. Enxerga-se este um propício momento para discutir o papel da pesquisa e da extensão no IFSP. Nos Institutos Federais, destaca-se de acordo com Santos (2012), a abordagem em CTS já se inclui na agenda de discussão na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, haja vista que foi um dos temas discutidos no Fórum de Ciência, Tecnologia e Sociedade, promovido pelo Instituto Federal de Santa Catarina no ano de 2010. Na oportunidade, Bazzo (2010) retrata, em suas pesquisas, a importância da abordagem CTS na educação, em específico na profissional e tecnológica, como tentativa de ofertar uma educação consciente para formar, além de técnicos, também cidadãos dotados de capacidade crítica e reflexiva sobre o uso da tecnologia e o desenvolvimento científico consciente e social. De acordo com Santos (2010), devido à não neutralidade do homem em relação à ciência e à tecnologia, surge a necessidade de discutir, levar aos cidadãos a oportunidade de enxergar além do que é imposto, mudar o discurso existente que está enraizado, não permitindo o pensar diferente e, desta forma, o agir consciente. De acordo com Cerezo (2002), todos os níveis educacionais são apropriados para se discutir essas mudanças em conteúdos e metodologias; neste contexto, os Institutos Federais possuem papel importante, pois oferecem à sociedade meios para se discutir e pensar sobre os avanços da ciência e tecnologia, uma vez que comportam em sua estrutura a pluralidade curricular, abarcando diferentes modalidade de ensino. Assim, proporcionam aos cidadãos condições de trabalharem com as técnicas existentes no mercado de trabalho e também desenvolver o senso crítico. De acordo com o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) do IFSP: Além da oferta de cursos técnicos e superiores o IFSP, atuará na formação inicial e continuada de trabalhadores, bem como na pós-graduação e pesquisa tecnológica. Deverá atuar no desenvolvimento da cultura, do empreendedorismo e cooperativismo, e no desenvolvimento socioeconômico da região de influência de cada campus, da pesquisa aplicada destinada à elevação do potencial das atividades produtivas locais e da democratização do conhecimento à comunidade em todas as suas representações. A Educação Científica e Tecnológica ministrada pelo IFSP é entendida como um conjunto de ações que buscam articular os princípios e aplicações científicas dos conhecimentos tecnológicos à ciência, à técnica, à cultura e às atividades produtivas. Este tipo de formação é imprescindível para o desenvolvimento social da nação sem perder de vista os interesses das comunidades locais e suas inserções no mundo cada vez mais regido por aqueles que dominam conhecimentos tecnológicos, integrando o saber e o fazer por meio de uma reflexão crítica das atividades da sociedade atual, em que novos valores reestruturam o ser humano.
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Assim, a educação exercida no IFSP não estará restrita a uma formação estritamente profissional, mas contribuirá para a iniciação à ciência e a promoção de instrumentos que levem à reflexão sobre o mundo e as tecnologias (IFSP, 2008, p. 40).
Ao verificar-se o enfoque na CTS pelo IFSP, destaca-se a importância da pesquisa aplicada, quando Herrera (1971) afirma que a pesquisa aplicada é realizada com base em determinados objetivos específicos que dizem respeito à sociedade.
Por sua vez, Linsingen
(2007) aponta que a imagem da tecnologia como ciência aplicada contribui para a concepção pedagógica adotada na educação tecnocientífica, sendo esse um dos principais motivos de se buscar, nos ensinos de CTS, uma re-significação dessa prática educacional, para uma maior compreensão de suas implicações. Baseado em Silva e Melo (2001), as boas práticas educacionais estão associadas às boas universidades e centros de pesquisa. Para haver quadros qualificados receptivos à inovação, na quantidade requerida, é preciso que a educação seja estendida ao maior número possível de brasileiros e que os talentos com vocação para o trabalho intelectual tenham oportunidade de acesso à educação, independentemente de sua origem social. Trata-se, portanto, de colocar em movimento e reforçar este círculo virtuoso de avanço do conhecimento, que é a base da criação de uma sociedade do aprendizado brasileira, nacional na sua cultura, universal no seu conhecimento.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando-se os assuntos discutidos, desde as definições de CTS como o estudo da
inter-relação existente entre Ciência, a Tecnologia e a Sociedade, com o viés educativo, em que Pinheiro et al. (2009) afirmam que se devem questionar as formas herdadas de estudar e interferir na natureza; assim, apresentam-se algumas considerações preliminares acerca deste estudo. Buscou-se demonstrar a relevância de se discutir os estudos de CTS para o IFSP, tendo em vista o caráter histórico e a missão do IFSP. Além disso, também procurou-se ressaltar os fatores que contribuem para o norteamento do ensino e da pesquisa dentro do IFSP e, assim, visualizar as novas tecnologias e o desenvolvimento com enfoque social, demonstrando a importância da pesquisa aplicada com foco nos anseios da sociedade. Fez parte do enfoque, ainda, discutir a CTS dentro de uma instituição pública de ensino, cujo objetivo é a utilização e compreensão das tecnologias em favor da sociedade. Essa 134(((|(Revista(Iluminart(|(Ano(V(|(nº(10((|(ISSN(1984(;(8625(|(Jun/2013%
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discussão também é a discussão da maneira como o IFSP se posiciona diante desta questão, no valor depositado, desde os discentes, docentes, técnico-administrativos, assim como também toda a sociedade. Diante dos objetivos fins do IFSP, não há como dissociar CTS deste contexto; quanto mais apresentações, análises e reflexões forem feitas diante da temática da CTS, maior será a possibilidade do IFSP educar sua comunidade com compromisso social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAZZO, W. A. et al. O que são e para que servem os estudos em CTS. 28. 2000. Congresso Brasileiro de Educação em Engenharia. Disponível em: <http://srv.emc.ufsc.br/nepet/Documentos/310.pdf>. Acesso em: 24 maio 2012. BAZZO, W. A. Ativismos CTS na educação tecnológica. In: FÓRUM CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE, 2010. Trabalhos apresentados.. Florianópolis, SC: IFSC, 2010. Disponível em: <http://forumcts.ifsc.edu.br/apresentacoes/apresentacao_mesa2_walter_antonio_bazzo.pdf>. Acesso em: 24 maio 2012. BRASIL. Presidência da República. Lei nº 11.182, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Brasília, DF, 29 dez. 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11892.htm>. Acesso em: 20 set. 2010. BRASIL. Presidência da República. Lei nº 11.940, de 19 de maio de 2009. Estabelece 2009 como Ano da Educação Profissional e Tecnológica e o dia 23 de setembro como o Dia Nacional dos Profissionais de Nível Técnico. Brasília, DF, 19 maio 2009. Disponível em: <http://www.leidireto.com.br/lei-11940.html>. Acesso em: 19 set. 2010. CASTELLS, M. A sociedade em rede: A era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1, 617 p. CEREZO, J. A. L.. Ciência, Tecnologia e Sociedade: o estado da arte na Europa e nos Estados Unidos. In: SANTOS, L. W. et al. (Org.). Ciência, tecnologia e sociedade: o desafio da interação. Londrina: IAPAR, 2002. 273 p. HERRERA, A. Ciencia y Politica em America Latina. México: Siglo XXI Editores, 1971. INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SÃO PAULO (IFSP). Conselho Superior. Plano de Desenvolvimento Institucional. São Paulo, 2008. Disponível em: <www.ifsp.edu.br>. Acesso em: 20 set. 2010. INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SÃO PAULO (IFSP). Histórico da Instituição. São Paulo, 2011. Disponível em: <http://189.108.236.229/internet/index.php?option=com_content&view=article&id=73&Itemid=59&li mitstart=2>. Acesso em: 20 jul. 2011. LINSINGEN, I. Perspectiva educacional CTS: aspectos de um campo em consolidação na América Latina. Ciência & Ensino, Campinas, v. 1, número especial, dez. 2007. Disponível em: <http://www.ige.unicamp.br/ojs/index.php/cienciaeensino/article/view/150>. Acesso em: 14 nov. 2012. Revista(Iluminart(|(Ano(V(|(nº(10(|(ISSN(1984(;(8625(|(Jun/2013(|((135(
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PRAIA, J.; CACHAPUZ, A. Ciência-Tecnologia-Sociedade: um compromisso ético. Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad. Buenos Aires, v. 2, n. 6, p. 173-194, dez. 2005. Disponível em: < http://redalyc.uaemex.mx/pdf/924/92420608.pdf> Acesso em: 19 nov. 2012. PINHEIRO, N. A. M. et al. O contexto científico-tecnológico e social acerca de uma abordagem crítico-reflexiva: perspectiva e enfoque. Revista Iberoamerica de Educación, v. 1, n. 49, mar. 2009. Disponível em: <http://www.rieoei.org/2846.htm>. Acesso em: 09 nov. 2012. SANTOS, C. A. S. A não neutralidade do homem: Ciência e Tecnologia nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. In: MIOTELLO, V.; HOFFMANN, W. A. M. (Orgs.). Apontamentos de estudos sobre Ciência, Tecnologia & Sociedade. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010. 462 p. SANTOS, C. A. S. As unidades de informação dos Institutos Federais no apoio ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia: um estudo de percepção sociocognitiva com o uso do protocolo verbal em grupo. 2012. 248 f. Dissertação (Mestrado em Ciência, Tecnologia e Sociedade) - Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos. SILVA, C. G.;, MELO, L. C. P. Ciência, Tecnologia e Inovação: Desafios para a sociedade brasileira: Livro Verde. Brasília, DF: Ministério da Ciência e Tecnologia, Academia Brasileira de Ciências, 2001. 250 p. Disponível em: <http://www.fsm.com.br/web/web2007/biblioteca/images/biblioteca/livro_verde_mct.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2012. VALÉRIO, M.; BAZZO, W. A. O papel da divulgação científica em nossa sociedade de risco: em prol de uma nova ordem de relações entre ciência, tecnologia e sociedade. Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología, Sociedad e Innovación, Oviedo, n. 7, set./dez. 2006. Disponível em: <http://www.oei.es/revistactsi/numero7/articulo02b.htm>. Acesso em: 09 nov. 2012.
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COMPREENDENDO A RELAÇÃO MÃE E FILHA EM UMA EXPERIÊNCIA EM PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO INFANTIL Lidiane Chaves de Oliveira Lima Souza Thalita Lacerda Nobre
RESUMO: O objetivo deste trabalho é apresentar, por meio de um relato de experiência em Psicodiagnóstico Interventivo Infantil, um modo de compreender e acolher a relação entre a criança e seus pais, especificamente no que tange ao relacionamento mãe e filha. Trata-se de um estudo qualitativo com o objetivo de descrever aspectos psicológicos obtidos por meio da entrevista semidirigida com os pais, anamnese, observação lúdica e aplicação de testes projetivos. Os instrumentos utilizados comprovaram a riqueza que o processo Psicodiagnóstico proporciona: compreensão e mudanças emocionais para a criança e para seus pais. O processo serve para esclarecer o significado do desajustamento do paciente abrindo possibilidade de compreensão de sua problemática e intervenção nos aspectos determinantes dos desajustamentos responsáveis por seu sofrimento psíquico. PALAVRAS-CHAVE: Psicodiagnóstico Infantil; Intervenção; Dinâmica Familiar; Psicanálise
UNDERSTANDING THE RELATIONSHIP BETWEEN MOTHER AND DAUGHTER IN A CHILD INTERVENTIVE PSYCHODIAGNOSIS EXPERIENCE ABSTRACT: The purpose of this work is to present, through the Child Interventive Psychodiagnosis experience, a way to understand and accept the relationship between patients (children) and their parents, especially in regard to the relationship between mother and daughter. This is a qualitative study aiming to describe the psychological aspects obtained by semistructured interview with parents, anamnesis, ludic observation and use of projective tests. The instruments used proved the richness of the processes of change and understanding provided by Psychodiagnosis. The process serves to clarify the meaning of the patient’s maladjustment and it helps them to understand their situation and intervene in determining aspects of mismatches which are responsible for their psychological suffering. KEYWORDS: Child Psychodiagnosis; Intervention; Family Dynamics; Psychoanalysis.
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INTRODUÇÃO Segundo Cunha (2000, p.26), o psicodiagnóstico é um processo científico, limitado no
tempo, que utiliza técnicas e testes psicológicos (input), individual ou não, seja para entender problemas à luz de pressupostos teóricos, identificar e avaliar aspectos específicos, seja para classificar o caso e prever seu curso possível, comunicando os resultados (output), na base dos quais poderão ser propostas soluções. Diante disso, o Psicodiagnóstico Interventivo oferece aos psicólogos (neste caso, estagiários do curso de Psicologia) um modelo de identificação profissional, sem propriamente ficar atrelado às atuações de psiquiatras, pediatras, neurologistas, etc. Porém, nem sempre foi assim, o processo psicodiagnóstico, em sua tradição, de acordo com Ocampo e Arzeno (1981) tinha o objetivo de: O psicólogo tradicionalmente sentia sua tarefa como o cumprimento de uma solicitação com as características de uma demanda a ser satisfeita seguindo os passos e utilizando instrumentos indicados por outros (psiquiatra, psicanalistas, pediatra, neurologista, etc.). O objetivo fundamental de seu contato com o paciente era, então, a investigação do que este faz frente aos estímulos apresentados". (OCAMPO e ARZENO, 1981 in: DONATELLI, 2005 p.25)
A autora enfatiza que o processo do psicodiagnóstico investigativo visa compreensão globalizada do paciente e não apenas, aspectos ou partes que correspondem determinados testes psicológicos. Porém entender o paciente implica os significados que atribuem as experiências, sendo necessário compreendê-la em seus contextos a partir das suas vivências. Segundo a autora Donatelli (2005), Fischer foi precursora na escrita sobre o psicodiagnóstico nos Estados Unidos na década de 70 (do século XX). Ancona-Lopez iniciou seus trabalhos, sobre este tipo de atividade, na década de 80 no Brasil, buscando romper com o modelo norte-americano proposto, tornando-o um processo ativo e cooperativo. Sendo assim, além do objetivo investigativo, o que fundamentalmente passou a caracteriza-lo foi a possibilidade de intervenção. A este respeito, Ancona-Lopez escreve o seguinte: "o psicodiagnóstico é uma atividade que veio se desenvolvendo paralelamente à própria Psicologia e à profissão de psicólogo, recolhendo suas práticas nas inúmeras teorias que procuram conhecer e compreender o homem" (ANCONA- LOPEZ, 1995 p.28 apud PUCCINELLI; BONFIM 2003-2005). No processo Psicodiagnóstico, as questões trazidas pelos clientes são ao mesmo tempo investigadas e trabalhadas a fim de que se possam construir em conjunto possíveis modos de compreendê-las. Portanto, é um processo que visa identificar forças e fraquezas no funcionamento psicológico e permitir que o indivíduo possa adequar-se à realidade, diminuindo, assim seu sofrimento, independente da psicopatologia identificada que possa o acometer. 140!!!|!Revista!Iluminart!|!Ano!V!|!nº!10!!|!ISSN!1984!;!8625!|!!Jun/2013&
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! COMPREENDENDO A RELAÇÃO MÃE E FILHA EM UMA EXERIÊNCIA EM PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO INFANTIL
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No caso estudado, o objetivo foi investigar se a queixa trazida pelos pais da paciente (criança) está relacionada com o meio escolar e se havia a interferência familiar nas questões emocionais da criança. Embora este seja o objetivo de qualquer intervenção psicodiagnóstica, a finalidade deste estudo, em específico, foi o de obter clareza e não se impor no lugar de quem detém o saber mas, dialogar com os clientes no sentido de construírem juntos possíveis modos de compreensão acerca do que estaria acontecendo com a criança. Como define Cunha (2000), o psicodiagnóstico é um processo científico porque deve partir de um levantamento prévio de hipóteses que serão confirmadas ou não através de passos predeterminados e com objetivos precisos. É necessário esclarecer aos pais sobre os passos processo do psicodiagnóstico, assim como o período, ou seja, o número aproximado de sessões, o termo de consentimento livre e esclarecido e o limite de faltas, tudo baseado em um contrato de trabalho entre os pais do paciente (criança) e o psicólogo (neste caso, a estagiária do curso de Psicologia). Acerca do contrato de trabalho, Cunha (2000, p.107) refere que envolve o comprometimento de ambas as partes a fim de cumprirem certas obrigações formais. O psicólogo pode realizar a aplicação de testes durante certos números de sessões, cada um com duração prevista e programado pelo próprio profissional. Quando são necessários vários tipos de informes ou laudos mais elaborados, o tempo estimado para a sua confecção deve ser computado na duração do processo. Portanto, é importante que haja flexibilidade do profissional, já que pode ser necessária, algumas vezes, a revisão do desenvolvimento do processo. Isso ocorre, principalmente, a medida que novos dados surgem e as hipóteses necessitam ser confirmadas. O plano de avaliação, de acordo Cunha (2000, p.26), é estabelecido com base nas perguntas ou hipóteses iniciais, definindo-se não só quais os instrumentos necessários, mas como e quando utilizá-los. Por meio dos métodos estabelecidos descritos pela autora, é importante pensar sobre os instrumentos mais adequados para se investigar algumas hipóteses levantadas. Entretanto, depois de selecionados os pontos relevantes, levantam-se os dados que podem ser interrelacionados com as informações clínicas bem como com a história pessoal do paciente. Os resultados são comunicados ao paciente, e podem oferecer subsídios para recomendações pós processo. Cunha escreve ainda, que o processo psicodiagnóstico poderá seguir diversos caminhos e, isto irá depender dos motivos manifestos e latentes da consulta. A detecção destes norteará o elenco de hipóteses inicialmente formuladas, e auxiliam na delimitação da estratégia do processo de avaliação.
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MATERIAL E MÉTODOS Este trabalho começou a ser elaborado a partir da realização da atividade de estágio em
Psicodiagnostico do curso de graduação em Psicologia. Este se constitui de uma avaliação psicodiagnóstica de uma criança de 7 anos, do sexo feminino, atendida no Centro de Psicologia Aplicada da Universidade Paulista UNIP, na cidade de Santos-SP. Os atendimentos eram realizados por uma dupla de estagiários e supervisionados pela professora da disciplina correspondente, do curso de Psicologia. No primeiro atendimento, obtivemos a informação de que os pais haviam procurado o serviço. Nesta ocasião, explicou-se sobre os objetivos do processo e estabeleceu-se o contrato. É importante especificar que, antes de serem atendidos, os casos, no CPA da UNIP passam por um processo de triagem realizado pela Coordenadora da Clínica com os pais da criança, a fim de avaliar o tipo de serviço a ser encaminhado dentro da clínica ou fora dela. A triagem conforme Cunha (2000, p.50) é fundamental para avaliar a gravidade da crise, pois, nesses casos, torna-se necessário ou imprescindível o encaminhamento para um apoio se o caso necessitar de intervenção médica. Embora não pareça tão óbvio, o clínico que trabalha sozinho também terá que fazer a triagem de seus clientes e encaminhar aquele que não julgar adequado atender, conforme sua especialidade e competência. Após a realização da triagem, fez-se a entrevista inicial onde, embora seja sugerida a presença de ambos os pais, é frequente que compareça só a mãe, o que aconteceu no caso atendido. Desta maneira, comunicou-se com base em Donatelli (2005), sobre o fato de o Psicodiagnóstico ser um processo cujo objetivo é compreender aquilo que ocorre com a criança e com eles, pais, na relação com o filho, dos motivos que levam a criança a apresentar determinados comportamentos. O primeiro encontro é um dos mais importantes. Foi através dele que se desenvolveu a base de todo o trabalho realizado com a criança. Um dos critérios para a realização é a empatia, o estabelecimento de um vínculo de confiança entre o psicólogo (neste caso, a estagiária) e a paciente. Para Aberastury (1982 p.82) é necessário que essa entrevista seja dirigida e limitada de acordo com um plano previamente estabelecido, porque não sendo assim, os pais, embora conscientemente venham falar dos filhos, tem a tendência de escapar ao tema, fazendo confidências sobre suas próprias vidas e deixando a criança em segundo plano. A entrevista tem o objetivo de que nos falem sobre a criança e sobre a relação com ela, não devemos abandonar este critério durante todo o tratamento.
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No primeiro momento, a mãe relatou que a criança é muito dispersa, "não se concentra em nada, nada mesmo, nem em televisão ela se interessa" (sic). Quando se trata de trabalhos realizados com crianças, Aberastuy (1982) comenta que o vínculo se multiplica, pois também acabamos trabalhando com os pais, com os quais devemos ter certo cuidado para não demonstrarmos preferência por um do que pelo o outro criando certo desconforto por parte de um deles, embora inevitavelmente se produza um melhor entendimento por uma parte. O mais importante no momento é buscar o conhecimento, estar atento(a) e manter o foco na criança, refletindo e analisando sobre o que os pais estão querendo nos dizer. A mãe informou que a criança foi diagnosticada, desde muito nova, com uma doença auditiva denominada "Mastoidite"1. No que tange a educação, de acordo com a mãe, seus filhos obedecem a critérios rígidos. Não podem ficar na rua, não podem brincar na casa de amigos e tem horário a cumprir. Segundo suas informações, a criança faz amizade com muita facilidade, isso a preocupa muito, pois ela chega a dizer para outras pessoas que não tem ninguém com ela. Conforme Aberastury (1982), não se considera conveniente finalizar a entrevista inicial sem ter conseguido os dados básicos que necessitamos conhecer antes de ver a criança como: motivo da consulta, história da criança, como transcorre um dia de sua vida atual e por último como é a relação dos pais entre si, com os filhos e com o meio familiar imediato. Diante dos dados obtidos, podem-se observar os sofrimentos e frustrações que a mãe se encontra, mergulhada em mares de perguntas esperando respostas que naquele momento não era capaz de serem respondidas. Orientamos a mãe a acreditar em seu esforço e seu potencial, pois estaríamos disponíveis para ajudá-la realizando as intervenções necessárias. Ao pedir tal cooperação, devemos ter em mente as dificuldades que os pais têm em enfrentar quando levam uma criança à análise. Para a mãe, mesmo a rotina diária da criança perturbada pode constituir pesado fardo. Além disso, deve ser muito penoso que os parentes ou vizinhos observem os sintomas de seu filho. Tudo isso constitui um dano ao seu narcisismo. O fato de a filha necessitar de orientação psicológica é ainda mais sério, podendo representar, muitas vezes, para os pais, uma prova de patente fracasso por parte deles (KLEIN, apud KRIS, 1970, p.23). Após a entrevista inicial, a sessão seguinte foi marcada pela realização da entrevista de Anamnese com os pais: Para Cunha (2000 p.59), a história pessoal pressupõe uma !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 1
De acordo com Bittencourt (2002), Mastoidite aguda é uma infecção bacteriana localizada no processo mastoidite (uma estrutura do osso temporal), a proeminência situada atrás da orelha. Comumente, este distúrbio ocorre quando uma otite média aguda não tratada ou tratada de modo inadequado dissemina-se do ouvido médio até o osso circunjacente (osso temporal) e atinge esta estrutura. Revista!Iluminart!|!Ano!V!|!nº!10!|!ISSN!1984!;!8625!|!Jun/2013!|!!143!
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reconstituição global da vida do paciente, como um marco referencial em que a problemática atual se enquadra e ganha significação. Ocorreu na segunda e terceira sessão, pois não foi possível colher todos os dados no mesmo encontro devido à demanda de sofrimentos trazidos pelos pais. Sendo assim, houve a necessidade de entregar o questionário de anamnese aos pais, a fim de responderem em casa o restante das perguntas. Entregaram-no na sessão seguinte onde pudemos contar apenas com a presença da mãe. Na sessão seguinte conversou-se sobre as respostas e como ambos completaram ao questionário. Investigamos qual dos dois teve mais participação nas respostas, visando esclarecer as queixas de modo abrangente, como os pais compreendem a criança e quais foram os sentimentos gerados, buscando estabelecer uma relação de colaboração. De acordo com Aberastury, as perguntas desenvolvidas na anamnese não podem ter um tom de interrogatório, levando os pais ao subjulgamento, ao contrário, deve-se tentar aliviar a angústia e a culpa que o conflito observado na criança desperta. Portanto, o psicólogo deve assumir, desde o primeiro momento, o papel daquele que ajuda, que se interessa pelo o problema ou sintoma da criança. (ABERASTURY, 1982, p.81) Ao serem revistas algumas respostas permitiu-se ver e sentir as emoções que os pais refletiram a cada pergunta e em especial a cada etapa da vida do filho. Isso nos deu condições para observar tanto o comportamento verbal como o não verbal enquanto falavam da criança. Durante o atendimento, pode ser observado a segunda queixa trazida pelos pais. Enfatizaram que há algum tempo o hábito de a criança mentir é frequente e isto ocorre tanto em casa quanto na escola. A respeito da primeira queixa trazida pela mãe na entrevista inicial (referente ao fato da criança não se interessar pelos estudos), levantou-se a hipótese de uma tendência materna a autocobrança e consequentemente, a possibilidade da transferência desse comportamento à menina. O pai, ao falar, demonstrou a angústia ao apontar as exigências que a esposa deposita nos filhos. Citou que percebe que as crianças tem medo da mãe. Ficou evidenciado, também, o sentimento de culpa que possivelmente a mãe carrega em cobrar a filha, com receio de que a menina estivesse apresentando alguns tipos de comportamentos por sua influência. Durante a entrevista de anamnese foram percebidos fatos inesperados, como se os pais estivessem passando por uma turbulência. Durante o processo terapêutico da paciente, os pais tiveram a tendência a experimentar momentos de reflexão e também depressão. A próxima etapa do processo foi compreendida pela observação Lúdica: Foi a primeira sessão que ocorreu com a criança. Iniciamos perguntando à criança se tinha entendimento do que estava fazendo ali, a mesma respondeu que não, sendo assim, a explicamos, brevemente sobre os
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objetivos do processo psicodiagnóstico, buscando utilizar uma linguagem que a mesma pudesse entender. A entrevista lúdica é fundamental e de grande valor para o diagnóstico, nesta ocasião, o paciente expõe suas necessidades por meio de associação livre, sem que hajam interrupções, consideradas inconvenientes para o momento. De acordo com Aberastuy (1978, apud CUNHA, 2000 p.98), "não há necessidade de uma caixa com material lúdico exclusiva para cada criança, considerando que qualquer tipo de brinquedo, mesmo que sejam os mais simples, oferecem possibilidades lúdicas projetivas para o diagnóstico.". Acreditamos que a não utilização de uma caixa exclusiva para as crianças, facilitou na observação da interação entre elas, o que acreditamos ter servido de amplo material para o processo realizado. Quanto às propostas de realização das atividades em grupo, a criança demonstrou estar bem receptiva. Segundo Cunha (2000), Freud foi o primeiro estudioso que refletiu sobre a função e o mecanismo psicológico da atividade lúdica infantil. Assim, para Freud, as crianças repetem nas suas brincadeiras tudo o que na vida lhes causou profunda impressão, e brincando se tornam senhoras da situação. Portanto, de acordo com o autor as crianças brincam para entender, na realidade, o que ocorre em seu mundo interno (FREUD 1976, apud CUNHA, 2000 p.97). A análise do brincar da criança permitiu o conhecimento de dados significativos, o que possibilitou a interpretação dos mesmos. Interpretar conforme Freud (apud CUNHA, 2000 p.97), significa: “traduzir os motivos (problemas, necessidades, pressões...) encontrados no repertório das histórias, em termos dos fatores internos e externos da personalidade da criança (sentimentos, tendências e atitudes íntimas subjacentes, ambientes, pessoas, objetos que operam sobre ele)". Uma das brincadeiras realizadas pela criança foi a de se dirigir ao telefone, diante desta situação pudemos observar a necessidade que sente em comunicar-se em seu meio familiar e escolar. Em um momento posterior, a criança pega a folha de sulfite, começa escrever o cabeçalho e logo em seguida passa a desenhar. Lembramos da primeira queixa trazida pela mãe, que a filha não se importava em fazer lição. Segundo a mãe nos relatou, a criança é dispersa em seu comportamento em casa e na escola. A atitude da criança quando escreve e desenha demonstrou ser centrada e atenciosa no que faz, com muita naturalidade. Inclusive, em uma das vezes, a criança perguntou se o modo como escreveu e pintou estava bom, se estava certo. Aberastury (1982, p. 49) escreve que, não raro, as crianças que têm dificuldades no colégio costumam brincar de escola, tomando o papel de professores severos, que castigam e repreendem as crianças que sempre se enganam e não aprendem.
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Em um momento posterior, a criança passou a contar histórias dos Três Porquinhos e do Chapeuzinho Vermelho, por meio dos fantoches, dando ênfase a interpretação do Lobo Mau. É na situação do brinquedo, que a criança procura se relacionar com o real, experimentando-o ao seu modo, procurando construir e recriar essa realidade. Através do brinquedo, a criança não só realiza seus desejos, mas também domina a realidade, graças ao processo de projeção dos perigos internos sobre o mundo externo. O brinquedo é, então, um meio de comunicação, é a ponte que permite ligar o mundo externo e o interno, a realidade objetiva e a fantasia (FREUD 1976, apud CUNHA, 2000 p.97). Diante do relato da mãe de que os irmãos brigam quando estão juntos, mas quando a criança está sozinha sente falta dele, notou-se que a criança, ao brincar com os fantoches retrata o afeto que sente pelo irmão e que talvez as brigas sejam proporcionais para chamar a atenção da mãe. Segundo o pai, a mãe dá mais atenção ao filho mais velho do que para a filha. Já nas palavras da mãe é o pai que "mima e paparica" a filha. Analisando o caso, podemos compreender que a criança possa estar se sentido no centro de um conflito familiar. No brincar com o conjunto de cozinha supomos que a criança estivesse se colocando no papel da figura paterna. Recordou-se que na segunda entrevista com os pais, o pai falou que uma das coisas que mais gosta de fazer é cozinhar, que nas horas vagas faz bicos como churrasqueiro. Diante dos dados fornecidos supomos que o comportamento da criança diante das iniciativas de preparar e servir, seja visualizado pela criança as regras impostas pelos pais no ambiente familiar. As observações que fizemos no decorrer das brincadeiras de jogos de cozinhas da criança, juntamente com os desenhos elaborados por ela nos proporcionaram perceber o quanto as cores utilizadas dizem respeito de suas características. A respeito da cor marrom, segundo Bédard (2010, p.37), a criança que emprega com frequência pode ser aquela que aprecia a segurança, boa alimentação, uma cama fofa e a roupa confortável. Quando a cor está bem integrada no conjunto de desenho, pode demonstrar uma criança estável, minuciosa, paciente por natureza, ainda que com as reações um pouco lentas. A escolha de brinquedos e jogos segundo Cunha (2000, p.100), está relacionada com o momento evolutivo emocional e intelectual em que a criança se encontra. Neste sentido, a fim de se obter mais dados para o diagnóstico infantil, realizou-se uma entrevista de acompanhamento com os pais: esta aconteceu no 5º encontro. Perguntou-se aos pais se haviam percebido alguma alteração no comportamento da criança durante o período do processo de psicodiagnóstico. De acordo com Kris (1970 p.21), é comum os pais procurarem atendimento psicológico para os filhos durante o período de latência, pois é o período em que os conflitos tornam-se mais
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aparentes, apesar de que, antes disso, já deviam haver indícios de situações conflituosas, que muitas vezes, ficam mascaradas. Quando feita a pergunta a respeito do comportamento da criança, ambos esboçaram sorriso na face e o pai falou que ela agora estava mentindo mais do que antes. Foi perguntado se poderiam relatar pelo menos uma mentira. A mãe começou a contar com riqueza de detalhes, incluindo datas, locais e pessoas. A mãe relatou que foi obrigada a bater na criança, porque ela a havia induzido a acreditar que o irmão mais velho havia comido alguns chocolates que estavam na geladeira. A todo instante a mãe repetia que não bateu pelo fato da criança ter comido os chocolates, mas sim por ter mentido e culpado o irmão. Pelo relato da mãe este fato levou dois dias até a confissão da criança. Percebe-se a importância do meio, caracterizado inicialmente pela família, para o desenvolvimento emocional. Na falta de provisões ambientais adequadas, patologias diversas podem se desenvolver e para Winnicott (1971, p. 16) a sintomatologia da criança reflete doença em um ou ambos os pais ou na situação social, sendo isso que necessita de atenção. As estratégias de intervenção podem variar desde consultas terapêuticas pontuais com a criança e familiares, até casos em que se observa a necessidade de uma psicoterapia mais demorada ou intensa (incluindo-se orientação familiar). A mãe contou que na escola haviam mudado, na mesma semana, a criança de sala de aula. Perguntou-se se a mãe sabia o motivo da mudança. A mãe informou que era porque a criança estava tendo problemas de convivência com os outros alunos. No entanto, a mãe disse que no dia anterior a entrevista a criança havia retornado para a sala antiga. Os pais, principalmente a mãe, estavam muito apreensivos porque a professora havia convocado-a para uma reunião na escola no dia seguinte da sessão. Aproveitou o momento para argumentar que seria realmente muito importante a presença da mãe na escola, e que é sempre importante buscar saber sobre a vida escolar do (a/s) filho (a/s). De acordo com a informação da mãe, a criança iria à escola, aliás, já havia dito a ela que se por acaso fosse expulsa da escola ela não a colocaria em nenhuma outra e sim colocaria a criança para trabalhar. A mãe disse que mostrou a criança que se ela não estudasse seria como uma menina de rua, teria que se sujeitar aos outros e era isso que mãe temia. Neste momento perguntamos aos pais se autorizariam que fosse realizada uma visita à escolar a fim de que se extraíssem mais dados sobre o comportamento da menina. Ambos consentiram. Ainda nesta ocasião, buscamos investigar sobre a afetividade da família. Os pais responderam que a criança é realmente bastante afetuosa, quer sempre estar no colo, fica
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chamando principalmente a mãe, que confessou que em certos momentos chega a gritar por não aguentar mais ouvir a criança chamando-a. O pai disse que a mãe não sabe falar com as crianças, principalmente com filha. Já com o filho mais velho a mãe demonstra um pouco mais de tolerância. O pai informou que a mãe, ao falar com as crianças, já vai dando beliscões nos braços, relatou demonstrando com gesto na própria mãe. Quando perguntei aos pais como dedicam seu tempo no seu dia para estar com os filhos, eles disseram que não tem tempo, que trabalham muito, que tem várias atividades. O pai acorda às 3h30min para ir para a empresa onde trabalha como motorista e que ainda presta serviços como churrasqueiro para complementar a renda familiar. O pai disse que, às vezes, saem para que as crianças possam andar de bicicleta, mas que logo cansa e volta para a casa. O pai informou que não aguenta o pique das crianças. A mãe disse que de vez em quando vai ao shopping e considera esse o melhor passeio para a filha. Aproveitamos para explicar que talvez fosse interessante que os pais reservassem um tempo para estar com as crianças, conversarem, brincarem, fazerem refeições, etc. Ambos concordaram com a ideia e ali mesmo se comprometeram com a mudança. Neste momento perguntou-se se os pais gostariam que fôssemos a casa deles para fazer uma visita e eles concordaram imediatamente. Mas observou-se que ao decorrer das sessões com a criança os pais demonstraram resistência com relação à visita domiciliar, não podendo esta ser concretizada. Para Kris (1970, p.21), durante a análise, a mãe deve suportar as relações cada vez mais estreitas da criança com o psicólogo. A criança em vez de confiar seus segredos e dar sua afeição somente à mãe, leva uma importante parte deles ao profissional. A mãe pode se sentir excluída e é provável que algum ciúme se torne presente. Neste momento compartilhei minha percepção sobre a criança, seu comportamento durante as sessões. Assim expliquei aos pais que se observou que a criança como já mencionado anteriormente é muito afetuosa, porém muito exigente com ela mesma, que não aceitava errar. A mãe imediatamente identificou este comportamento consigo mesma. Disse que a filha havia herdado a tendência a ser boa com os outros, porém, bastante exigente. Outra estratégia utilizada foi a oficina de Criatividade com o objetivo explorar o desenvolvimento e a criatividade da criança. Através dos dados obtidos se pode levantar hipóteses importantes para o processo Psicodiagnóstico. Foi proposta a criança que iríamos usar a criatividade por meio do material, como: revista, tesoura, cola e cartolinas. A primeira observação se deu por meio do recorte de algumas figuras: a primeira era uma mulher segurando uma criança e a segunda era a de um bebê. Correlacionando esta figura com os dados obtidos em anamnese, pudemos compreender que algumas questões relativas a relação da menina com a mãe tornavam-se evidentes.
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Poucas foram as vezes que a criança demonstrou resistência, mas nas últimas sessões a percebemos um pouco retraída. Então se sugeriu à criança que desenhasse e, novamente o coração, como temática, apareceu. O que nos chamou a atenção foi o desenho de um dos corações estarem divididos ao meio. O lado direito estava pintado de cinza e vazio, o lado esquerdo estava colorido com tinta marrom com mais quatro corações pequenos, um do lado do outro na seqüência, (escreveu um, dois, três e quatro) e "Pai, Mãe, Irmã e embaixo saindo da sequência Irmão", pois segundo a criança o nome do irmão não coube. Questionamos a criança sobre o desenho, entretanto, conseguiu-se colher alguns dados importantes, quando relatou com muita fragilidade que o coração ficava bravo e triste, "é aqueles meninos que mexem com meu irmão, eles xingam, falam um monte de palavrão, ai meu pai e minha mãe vai lá, briga, resolve e vem embora" (sic). No terceiro momento (encontro), quando a criança pegou uma folha e começou desenhar, o primeiro desenho foi uma casa no canto inferior esquerdo. A casa possuía porta com uma fechadura pequena na lateral, janelas abertas e telhados. A estagiária perguntou de quem era a casa. A criança respondeu que era dela. E quem morava na casa? "Minha família... meu pai, minha mãe (calou-se), meu irmão, meu avô e minha avó" (sic). Após isto, pediu para sair da sala e beber água. Logo em seguida, voltou e desenhou um caminho de flores colorido no canto superior direito seguindo em direção para baixo até o final da folha. Observamos que no momento em que a criança pede para ir beber água, tivemos a percepção que algo a incomodou profundamente, o ego da criança. Portanto, o questionamento levantado fez com que a criança se lembrasse de coisas que não gostaria de lembrar. Levantamos a hipótese de que no momento que foi convidada a pensar a respeito de sua família (e por isso, seus conflitos), a criança talvez tenha se sentindo um pouco ansiosa, então foi preciso beber o copo d'água para tentar aliviar o sofrimento que provavelmente estava sentido naquele momento. Ao retornar desenhou um caminho de flores colorido no canto superior direito seguindo em direção para baixo até o final da folha. Com relação ao desenhar as flores, levantamos a hipótese de que agora estava tudo bem, com a percepção de que algo fora renovado. Pudemos observar conteúdos primitivos da criança, transformando a angústia em um simples rabisco. Freud (1976, apud CUNHA, 2000 p.97) entende que "o brincar não é só um passatempo para viver situações prazerosas, mas também uma maneira de elaborar circunstâncias traumáticas". No quarto encontro observamos uma marca saliente em seu olho direito, no qual parecia ser de um "soco", a área do olho direito estava com uma coloração arroxeada. E no lado esquerdo próximo a boca uma espécie de queimadura de "cigarro". Ao questionarmos a criança a
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respeito dos sinais em seu rosto, logo respondeu "a minha mãe disse que eu já acordei assim", e com relação à boca disse que bateu. O próximo assunto que a estagiária propôs foi a atividade do “Monstro”. As orientações foram: "O monstro ficou famoso no lugar onde ele vivia". "É claro você como repórter precisava entrevistá-lo". Então a criança desenhou conforme foi informado. O monstro tinha a boca fechada, braços grandes e olhos arregalados.
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Nas atividades oferecidas durante o processo, a criança representou parte de seus sentimentos, que nos deram notícias sobre seu mundo interno. Analisamos dados impossíveis de serem obtidos somente por meio da linguagem falada, mas que são carregadas de ricos conteúdos comunicados pela via do desenho. Uma outra forma de estratégia utilizada durante o processo foi a Visita Escolar/ Domiciliar: Essas visitas segundo Donatelli (2005) têm como objetivo entender a criança em relação às circunstâncias em que vive. Na visita a escola foi possível observar as instalações, conservação e ambiente físico. Perguntou-se ao responsável sobre as condições de ensino, o desempenho escolar e o relacionamento da criança com os colegas e os professores. A sala da menina era composta de 27 alunos, observou-se, logo no início que a professora tem pouca autonomia com relação à sala de aula, já que a turma estava bem agitada. Em entrevista com a professora, obtivemos dados sobre algumas questões, em especial a queixa levantada pela mãe a respeito da "dificuldade de aprendizagem" e do comportamento da criança. Segundo a professora, a criança não apresenta nenhum tipo de dificuldade nos estudos, fez elogios a ela dizendo que era uma boa aluna, dedicada, só que algumas vezes não conseguia ficar quieta em seu lugar. A professora continuou a oferecer informações dizendo que, até mesmo a pedido da mãe a criança, a menina senta na primeira fileira da sala de aula e ela, como professora, acredita ser esta atitude uma boa maneira de afastar a criança da bagunça. Levantei com a professora sobre o assunto relacionado à "mentira" (também referida na entrevista inicial). A professora notou alguns comportamentos diferentes. Mas de acordo com ela faz parte da fase que a criança está atravessando, mas que precisa se ficar atento para o costume não se tornar frequente. A professora, então mostrou o caderno da criança. O que chamou atenção foi em uma lição, onde se pedia para a criança "desenhar a sua história preferida" e a história que a criança desenhou foi a do "Lobo Mau" e mais abaixo o desenho da família. Em seguida verificou-se os desenhos da criança aparentemente nada fora do normal do que apresentou durante as sessões, como o desenho da casa, o coração e sua família. Porém, ao observar alguns desenhos como, por exemplo, "desenhar e contar história do Lobo Mau", notamos o coração e desenho da família frequentes. Para Bédard (2010, p.26), no caso de não ter sua origem numa supervalorização anterior, os desenhos repetitivos podem resultar muito reveladores. A criança que viveu uma experiência feliz procura reproduzir as emoções experimentadas, busca recriar o estado anímico vivido durante esta situação agradável. Caso contrário, a criança que não conseguir aceitar uma determinada situação pode também se servir do desenho repetitivo para nos fazer saber o que incomoda.
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Portanto, ao analisarmos onde se desenhou uma casa grande, cuja parede possui cor marrom, porta na cor vermelha, fechadura, uma janela e o teto com transparência, a criança expressou estar vivendo uma fase mais emotiva que racional, é sempre bem receptiva e aparenta estar disposta a mudar. Ainda segundo a autora, crianças assim necessitam ser constantemente estimuladas e motivadas, não porque, sejam especialmente indolentes ou preguiçosas, mas porque, de algum modo poderá desenvolver potencialidades para o futuro (BÉDARD 2010, p.4142).
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Na devolutiva com a criança foi possível observar, minuciosamente, as suas características, como: espontânea, carismática, afetuosa e curiosa, que a levou ao aspecto de liderança. A menina quis interagir com todas as crianças, exceto uma. Deste modo, a criança ofereceu a percepção de ter aproveitado até o último minuto a oportunidade que teve naquele momento, além de ter demonstrado uma preocupação constante em agradar a todos.
Em um dos momentos, a menina utilizou uma arma de fogo para brincar. Neste momento, percebeu-se uma necessidade da mesma demonstrar conteúdos de raiva, hostilidade. Como material para a devolutiva, preparamos alguns slides em animação de computador compondo uma história denominada: "O Mundo da Chapeuzinho". Ao contar a história, percebeuse que, no momento em que foi pronunciado o episódio "O Lobo" e o seu nome era "Mentiroso", a criança apoiou a sua cabeça sob o colo da estagiária, demonstrando um certo recuo, com a percepção de que poderia estar se identificando com a personagem. Outro momento importante foi quando mostrou-se um slide que trazia a mensagem: "dentro do coração da chapeuzinho vermelho morava a família (mamãe, papai, irmãozinho e chapeuzinho)". Nesta ocasião, a criança se encolheu totalmente e abraçou as pernas da estagiária, demonstrando, segundo podemos interpretar, uma necessidade de se sentir acolhida e amada pela família.
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Ao se despedir a criança deixou nítido seus sentimentos de afetividade e gratidão pelo processo psicodiagnóstico. Pareceu-nos ter se sentido acolhida em seu sofrimento.
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ANÁLISE E DISCUSSÃO Aberastury (1982, p. 139) afirma: “o psicanalista de crianças enfrenta-se com duplo problema de transferência: do paciente e dos pais. Entramos com este tema num ponto fundamental da técnica de crianças: o relacionamento com os pais e sua inclusão no tratamento da criança".
Na devolutiva com a mãe, foi perguntado como a criança se comportou no período em que estava sendo assistida no Psicodiagnostico. A mãe relatou que o comportamento continuava o mesmo. No começo do mês houve uma reunião de pais, onde o professor de Educação Física se queixou do comportamento da menina. Segundo a mãe, ele parecia estar "boicotando" a criança, falando da sua cor (morena), seus cabelos, enfim suas características. De acordo com a mãe, informou ao professor que procurou ajuda psicológica para acompanhar a criança com esta dificuldade. A mãe, disse que o professor ignorou qualquer resultado que pudesse vir. Portanto qualquer resultado iria comprovar o que ele estava falando, em palavras do professor segundo a mãe, "ela é terrível (M.), bate em todos só arruma confusão". A mãe queixou da postura do professor com a direção da Escola que exigiu que a criança fosse mudada de sala, pois não "aquentava tanta reclamação". Ao chegar em casa a mãe falou que deu uma "cintada" na criança pois não suportava mais aquela situação. Ela falou que deu uma bronca na criança, comunicou que estava de castigo, não iria participar da festa junina e das prendas que haveria na escola e nem da festa junina da escola do irmão. Além disso, se continuasse agindo da mesma maneira, iria leva-la ao Conselho Tutelar ou internar em uma escola. Para completar o castigo, pediu para que o filho mais velho não mais a deixasse assistir o DVD que a menina ganhara da estagiária na devolutiva. Percebemos neste sentido, que a reação da mãe foi de direcionar ataques destrutivos como tentativa de inviabilizar qualquer mudança nas atitudes da menina a partir do processo psicodiagnostico. Acreditamos que o “boicote” que a mãe, possivelmente, projetou no professor de educação física venha, em grande parte, dela mesma em relação à sua filha. É interessante notar também, que além de tomar tais atitudes, a mãe enfatizou bem seus comportamentos perante a filha na ultima entrevista do processo psicodiagnostico, o que nos leva a entender que houve uma necessidade de não deixar que qualquer trabalho realizado por nós pudesse gerar frutos tanto para a menina quanto para o contexto familiar. Mesmo assim, procuramos enfatizar os aspectos positivos da personalidade da criança e, logo em seguida, perguntamos sobre a questão da menina ter o habito de mentir. A resposta da Revista!Iluminart!|!Ano!V!|!nº!10!|!ISSN!1984!;!8625!|!Jun/2013!|!!155!
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mesma nos surpreendeu quando disse que este comportamento havia diminuído. Porém, quando pedimos para que ela nos oferecesse mais informações a mesma respondeu que havia adotado a medida de belisca-la todas as vezes que mentisse e, por essa razão, a menina estava preferindo dizer a verdade. Interviemos de modo que a mãe pensasse que a criança talvez estivesse precisando de um pouco de atenção de afeto materno, pois a possibilidade da criança estar agindo de tal modo, talvez seja uma forma de pedir carinho. Ressaltou à mãe que criança pode estar sofrendo por excesso de pressão tanto escolar quando familiar, que este tipo de atitude ai sim podia vir atrapalhar no desenvolvimento de criança. Portanto, explicamos à mãe que a paciente é uma criança que tem um bom potencial intelectual e afetivo, porém precisaria ser estimulada. Com relação às mentiras, sugerimos que a mesma valorizasse os momentos em que a filha falasse a verdade e que pudesse haver uma espécie de “pacto” familiar pela verdade. Acreditamos que a mãe tenha sentido muita dificuldade em permitir que o processo psicodiagnóstico auxiliasse sua família e sua filha, por isso, percebemos pouca possibilidade de êxito neste processo no que tange a modificação de dinâmica familiar, porém, podemos acreditar que o psicodiagnóstico teve algumas boas repercussões na menina, já que, conforme a mãe mesmo citou, ela queria assistir o DVD contendo a “historinha” com a devolutiva a todo o momento.
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CONCLUSÃO O caso em questão trouxe dados significativos para que pudéssemos perceber a
influencia do relacionamento familiar, principalmente da relação da mãe com a filha no comportamento de uma criança. Através dos métodos aplicados como observação Lúdica e Oficina de Criatividade, a criança expressou o quanto eram especiais aqueles momentos em que poderia brincar, falar e, o mais importante, o sentir-se acolhida. Assim, pode-se compreender que o psicodiagnóstico pode ir além de uma investigação, mas trouxe a possibilidade de intervenção, nos proporcionou o acolhimento dos sentimentos da criança e permitiu a criação de um vinculo afetivo entre paciente e terapeuta, ocorrido por meio da interação com os brinquedos, da escuta e da reflexão. Sendo assim, acreditamos que, pelo menos para a criança, abriu-se possibilidades para novos olhares.
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! COMPREENDENDO A RELAÇÃO MÃE E FILHA EM UMA EXERIÊNCIA EM PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO INFANTIL
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A família é o espaço de acolhimento e saúde, conforme entende Winnicott (1971), mas nem sempre as famílias apresentam as condições para um bom desenvolvimento de seus integrantes, como observado no caso apresentado. Ao iniciar a orientação, acreditamos que a mãe sentiu-se angustiada diante de alguns conteúdos internos conflituosos. Isto, possivelmente, foi o estopim para que esta agisse de maneira a inviabilizar qualquer escuta ou orientação sobre sua filha e sua família. No caso estudado, além da psicoterapia da criança foi necessário o encaminhamento da mãe para outras formas de atendimento. Na orientação, ora a mãe expressava conteúdos relativos à filha e à relação mãe-filha, ora trazia conteúdos dela própria. Assim acredita-se que o acolhimento das questões descritas foi a escolha pertinente para a vinculação emocional com a menina e com a mãe, porém acreditamos que o processo psicodiagnóstico, assim como qualquer outra forma de intervenção psicológica, somente terá a validade e a profundidade que aquele que recebe o serviço lhe der.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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A SOCIEDADE DIGITAL E A GESTÃO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA: O PAPEL DA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NA ESCOLA Thânia Sucupira Kleuma Pimentel
RESUMO: O momento civilizatório atual é único: a principal riqueza gerada pela sociedade é a informação. Sendo assim, suas instituições precisam ser redimensionadas, no sentido de adequar-se a esta nova realidade. Nesse sentido, este trabalho pretendeu discorrer acerca da sociedade contemporânea, comunicando-se em linguagem digital ultraveloz, expondo a evolução relacionada aos avanços das tecnologias de comunicação e seus reflexos na educação pública. Sem dúvida, o progresso informacional está provocando grandes alterações no curso do desenvolvimento humano, redefinindo a natureza das relações interpessoais e destas com os conhecimentos.
Isto
exige
um
redirecionamento
da
gerência
institucional
para
novas
possibilidades organizacionais, em especial, nos ambientes que tratam dos processos de formação. Sobretudo, as novas ferramentas estão influenciando a epistemologia, levando a sociedade a refletir acerca da necessidade de reestruturar a produção e socialização de saberes, modernizando currículos, ampliando conteúdos e diversificando metodologias. Na gestão educacional pública, o papel da coordenação pedagógica, como articuladora de recursos para a melhoria dos processos de ensino-aprendizagem, é estratégico para promover a inserção das novas tecnologias no cotidiano escolar. Enfim, atualizar a Educação requer superar grandes desafios, relacionados com a democratização de equipamentos, ampliação do acesso à internet Banda Larga e qualificação específica do corpo docente, além da criação de legislação regulamentar e adoção de métodos formais que orientem e aperfeiçoem o uso da internet na escola. PALAVRAS-CHAVE: Tecnologias de Informação de Comunicação; Educação; Coordenação Pedagógica.
THE DIGITAL SOCIETY AND THE MANAGEMENT OF THE PUBLIC EDUCATION SYSTEM: THE ROLE OF THE SCHOOL TEACHING COORDINATOR ABSTRACT: The present moment in the evolution of our society is unique – never before, have we had access to such a wealth of information. Given this new paradigm, public institutions need to
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be re-dimensioned, in order to fulfill their role in society adequately. In this context, the present study discusses contemporary society, the ability to communicate in ultra-rapid digital language, the evolution of the technological advances in communication systems and the effects of this process on the public education system. This growth in access to information is provoking major changes to the process of human development, redefining the nature of interpersonal relationships, and the way people interact with available knowledge. This demands the redimensioning of institutional management within the context of new organizational options, in particular, educational environments. Above all, these new tools have had epistemological consequences, forcing society to reflect on the need to restructure the production and socialization of knowledge, modernize curricula, expand their content, and diversify their methods. At the management level in the public school system, the teaching coordinator plays a strategic role in the articulation of resources for the improvement of the teaching and learning processes, and in particular the integration of new technologies in the school routine. Ultimately, updating the education system will require the overcoming of major challenges, such as the democratization of equipments, the amplification of access to broad band internet, and specific training for teachers, as well as the creation of appropriate regulatory legislation and the adoption of formal methods for the supervision and optimization of the use of internet in schools. KEYWORDS: Information and Communication Technology; Education; Coordination of Teaching Activities.
1 INTRODUÇÃO As tecnologias sempre acompanharam a civilização, segundo Tofller (1997), desde o homem primitivo, dependente da narrativa para construção de sua memória social, suas histórias, lendas, mitos, cantigas e saberes, até o homem moderno, da era industrial, com diversos códigos e veículos de comunicação em massa, testemunhando o crescimento e a riqueza do registro social. Mais recentemente, a revolução informacional vem promovendo grandes transformações na sociedade, expandindo, a proporções absurdamente espantosas, sua capacidade para acessar, reter, manipular e comunicar informações, mudando substancialmente a natureza das relações humanas e as necessidades relacionadas com a formação dos indivíduos (KENSKI, 2010).
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A SOCIEDADE DIGITAL E A GESTÃO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA: O PAPEL DA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NA ESCOLA
Segundo Valente (1993b), as novas tecnologias desafiam a Educação institucional, alterando
radicalmente
as
condições
necessárias
à
aprendizagem
e
impondo
o
redimensionamento da concepção pedagógica: reformulação dos currículos, aperfeiçoamento pedagógico para o corpo docente e uma nova postura, frente aos objetos de conhecimento. Morin (2001) acrescenta que é preciso repensar as estruturas e os processos de apreensão/construção do conhecimento, abandonando o modelo tradicional, que privilegia partes em detrimento do todo, para a busca de um modelo adequado às demandas da sociedade do conhecimento, cujos conteúdos se estruturam em relação com o global, o contextual, o multidimensional e o complexo, em suas dimensões: histórica, social, psicológica, política, afetiva e ecológica. Este novo paradigma educacional requer resgatar, valorizar e considerar todos os saberes acumulados ao longo da história, inclusive aqueles estabelecidos pela sabedoria popular tradicional, para fazer frente aos desafios gerados pelas contradições do mundo atual: global nos limites, complexo em sua natureza e multidimensional na forma. Entre as funções da coordenação pedagógica, conforme Vasconcellos (2002) ressaltamse: garantir a universalidade dos conteúdos instrucionais e a qualidade da educação ofertada ao corpo discente, oportunizando ao corpo docente a qualificação e atualização da sua prática, frente às novas tecnologias, bem como manter a escola equipada adequadamente e funcionando com eficácia e eficiência.
2 METODOLOGIA Para Gil (1999), a leitura da produção acadêmica disponível oferece elementos para caracterizar e aprofundar o conhecimento da realidade social, permeada de contradições que se transcendem, dando origem a novas contradições, em um movimento que requer dialética para entender sua lógica. Dito de outra forma, rever os autores que estudaram o fenômeno do desenvolvimento social a partir da inovação tecnológica relacionada à cultura de informação e comunicação possibilita conhecer a evolução da sociedade e entender as transformações ocorridas nas interações entre as pessoas e destas com a produção de conhecimentos, identificando as relações entre as varáveis e aprofundando a visão do todo. Sobretudo, conhecer a realidade dos sujeitos envolvidos nas práticas educativas é condição essencial para a práxis emancipadora (FREIRE, 1996), constituindo-se no ponto de
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partida para a percepção da identidade cultural e base para a reflexão crítica e intervenção, buscando superar as problemáticas existenciais e efetivar uma educação libertadora. Partindo deste pressuposto, pesquisar as mudanças ocorridas na sociedade, a partir das inovações tecnológicas, pode fundamentar a visão da nova perspectiva epistemológica e oferecer bases para a reestruturação da Educação: conceitos, métodos e recursos, humanos e materiais.
3 REFERENCIAL TEÓRICO 3.1 A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA DA SOCIEDADE E A ERA DA COMUNICAÇÃO Em Castells (1999), a engenhosidade humana, aliada às demandas de sobrevivência, deu origem às mais diferenciadas tecnologias, do uso da pedra lascada ao advento da linguagem, por exemplo e, desde então, o domínio tecnológico determina a supremacia e o ritmo de desenvolvimento nas diversas culturas. A humanidade evolui amparada, por um lado, pelo avanço científico e tecnológico e, por outro, pela difusão da informação em ritmo cada vez mais crescente, abrangente e veloz, a ponto da inovação tecnológica utilizada a serviço da sofisticação dos sistemas de informação conduzir as culturas para uma transformação radical na constituição de sua memória social. Assim, o avanço das tecnologias de transmissão, recepção e processamento de dados como, rádio, TV, DVD, PC, Internet amplia e aproxima conteúdos e pessoas, redefinindo os conceitos de linguagem, espaço e tempo, introduzindo novas formas de socialização e comunicação, em ambientes reais ou virtuais e reconfigurando os processos de (re)criação e promoção do conhecimento. Na esteira de Tofller (1997), o momento atual é sem precedentes, no qual as tecnologias de informação e comunicação dominam a vida das pessoas, atingindo todas as dimensões de suas vidas, exigindo delas enorme capacidade de adaptação, flexibilização e proatividade. O computador, à disposição da produção de conhecimento, proporciona condições absolutamente originais para a construção da memória e registro social, permitindo a comunicação de maneira extensiva e ativa e impulsionando o diverso, o múltiplo, o dinâmico e o interativo. Em síntese: penso, logo posso. Enfim, as novas tecnologias estão impulsionando a Educação para novas perspectivas pedagógicas e metodológicas, que privilegiem não só o conhecimento sistematizado, mas também o pensamento crítico, a autonomia para resolver problemas, habilidades de comunicação ubíqua e disposição para o trabalho colaborativo.
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3.2 A SOCIEDADE DIGITAL E A EDUCAÇÃO INSTITUCIONAL As diretrizes educacionais estabelecidas nas políticas públicas buscam não apenas formar o indivíduo para sua inserção na camada produtiva da economia, segundo as necessidades e leis do mercado de trabalho, mas também proporcionar a ele o acesso às inovações tecnológicas favoráveis à melhoria da sua qualidade de vida, visando ao seu desenvolvimento pessoal, afetivo e social. Atualmente, conforme Papert (2008), principalmente na escola pública, baseada em técnicas e métodos ultrapassados, o cotidiano escolar é pouco atraente para a aprendizagem, provocando uma reflexão acerca da necessidade de reestruturação da Educação, a fim de readequá-la às necessidades impostas pelo dinamismo do progresso tecnológico. Para o autor, no passado, a formação institucional delimitava área de conhecimento e definia previamente tempo, espaço e currículo para sua consecução. Atualmente, esta concepção foi revista, não apenas no que se refere aos conteúdos, em constante atualização, mas também com relação às noções de espaço e tempo, bem como natureza das relações professor, aluno e conhecimento sistematizado. Em Kenski (2010), a Educação institucional necessita acompanhar esta evolução tecnológica, habilitando o educando neste novo ambiente informacional para atuar de forma autônoma, dinâmica, crítica e resolutiva, além dos limites dos espaços escolares, em atitude individual ou em projetos colaborativos, promovendo uma aprendizagem significativa, mais expontânea e natural. Segundo Prata; Nascimento (2007), introduzir na rotina pedagógica a interação com recursos didáticos eletrônicos estimula o desenvolvimento, tornando o ato de educar mais agradável e motivacional, em especial quando as atividades pedagógicas aproximam os conteúdos de forma atrativa e prazerosa, associando a prática educativa a um universo de objetos de aprendizagem, diverso em conteúdos, formatos e linguagens. Assim, as tecnologias informacionais estão redimensionando a construção de saberes, tornando os conhecimentos menos palpáveis, agilizando e horizontalizando a organização, análise, relação, integração e aplicação das informações, propiciando as interações e trocas nas redes sociais e favorecendo a obsolescência e contínua reestruturação dos conteúdos. Todavia, superar o arcaísmo e mudar o paradigma educacional esbarra em barreiras econômicas, operacionais e culturais, como, por exemplo, a dificuldade de aquisição de equipamentos, acesso à Internet de qualidade, falta de qualificação específica do corpo docente para utilizar pedagogicamente as ferramentas e a resistência ao novo, por parte dos educadores.
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Entretanto, além da necessidade de modernização da infraestrutura e dos processos educacionais é preciso evitar o mau uso da tecnologia por parte dos aprendizes, coibindo interações inadequadas nas redes sociais, controlando tempo excessivo em navegação e impedindo a visualização de conteúdos impróprios, que dispersam a atenção e prejudicam a concentração diante dos conhecimentos verdadeiramente significativos para sua formação cidadã. Neste sentido, cabe ao governo criar políticas de inclusão digital nas escolas públicas, incentivando, com programas federais, a aquisição de equipamentos e a adaptação pedagógica à cultura digital, ou seja, é responsabilidade urgente do Estado inserir seu povo na nova sociedade informacional. E mais, utilizar-se de todos recursos possíveis para desenvolver diretrizes curriculares que organizem os conteúdos, atendendo às novas especificidades educacionais, leis normativas que regulamentem o uso da rede, baseando-se na ética e justiça e métodos de ensino inovadores, capazes de consolidar, na prática educativa, estratégias didáticas apropriadas para implantação das novas tecnologias nos sistemas de ensino. Face ao exposto, é urgente rever nossa concepção epistemológica, e da própria Educação, para a convivência nesta sociedade informacional, considerando a celeridade do progresso tecnológico, impondo às culturas grandes desafios e demandando uma aprendizagem inovadora, que possa formar não só para a cidadania, mas instrua com ferramentas tecnológicas adequadas para acompanhar a multiplicidade, complexidade, diversidade, rapidez e dinamismo da atualidade.
3.3 A FUNÇÃO DA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NA INSTITUIÇÃO ESCOLAR Conforme Vasconcellos (2002), a escola é um espaço privilegiado para proporcionar a formação necessária à socialização do indivíduo nas suas dimensões pessoal ou profissional, promovendo e facilitando o desenvolvimento de todas as pessoas que integram a comunidade escolar, cabendo ao coordenador pedagógico uma posição estratégica, uma função complexa e um grande desafio: ser o catalisador da comunicação entre a equipe gestora, o corpo docente e toda a comunidade escolar. Em outras palavras, o trabalho do coordenador diz respeito à sua própria essência, enquanto educador, uma vez que gerenciar o pedagógico é conhecer, entender e articular satisfatoriamente elementos humanos, recursos materiais e fatores políticos envolvidos no contexto escolar, de forma a garantir processos exitosos de aprendizagem e a própria excelência da formação humana.
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Para Franco (2008, p. 128) “coordenar o pedagógico será instaurar, incentivar, produzir constantemente um processo reflexivo, prudente, sobre todas as ações da escola, com vistas à produção de transformações nas práticas cotidianas.” Dito de outra forma, um ambiente dialógico e reflexivo favorece a práxis transformadora e o alcance da qualidade total nos processos de ensino-aprendizagem. A função exige conhecer a infraestrutura física e as especificidades de sua clientela, adaptando recursos, identificando capacidades e potencialidades dos profissionais e capacitando o corpo docente para acompanhar a evolução tecnológica, com relação a equipamentos, técnicas e métodos capazes de aperfeiçoar o trabalho pedagógico. No entanto, pela subjetividade intrínseca, é sempre difícil compreender o ser humano, em sua complexidade interior. No contexto pedagógico, esta problemática reflete-se nos conflitos relacionais, comprometendo o sucesso dos planos, dificultando a relação entre coordenador e professor, repercutindo em atitudes de rotulações e preconceitos, favorecendo tendências moralistas e desviando do objetivo principal do grupo: o êxito da Educação. Na verdade, nas relações interpessoais, o olhar sensível ao outro é condição essencial para construir um relacionamento saudável e produtivo. Estimulando no grupo de trabalho valores como solidariedade, confiança, respeito e tolerância, positivos para as relações profissionais, a gestão eficaz proporciona ao ambiente institucional um clima harmonioso de convívio, em que todos se respeitam e se unem para a realização da missão política e pedagógica da instituição. Segundo Vasconcellos (2002), a gestão democrática é sempre o melhor caminho, ao propiciar um relacionamento interpessoal de verdadeira participação e interatividade, onde todos da comunidade da escola contribuem, aproveitando os potenciais individuais, capacidades técnicas e competências pessoais distintas e estimulando a união dos esforços para a realização dos projetos. Para tanto, a formação do gestor inclui desenvolver e aprimorar habilidades pessoais de sensibilidade e criatividade, além de visão estratégica da instituição, gerenciamento dos seus recursos e o conhecimento do perfil do público a ser atendido, exigindo do profissional atualização tecnológica constante diante dos avanços de técnicas, métodos e equipamentos e a perspicácia do olhar futurista, antecipando-o, frente às demandas educacionais, buscando a excelência da Educação e melhoria constante nos processos de ensino e aprendizagem. Enfim, é importante considerar que para coordenar o pedagógico não basta dominar saberes, possuir habilidades didáticas, conhecer conteúdos disciplinares e ter competências político-administrativas. A práxis pedagógica necessita mais habilidades, como sensibilidade, criatividade e criticidade, além da dialogicidade para compreender a realidade sociopolítica, suas
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contradições, exigências e desafios do cotidiano escolar, em um processo contínuo de ação/reflexão/ação (FREIRE, 1996).
3.4 A MODERNIZAÇÃO DA ROTINA PEDAGÓGICA Graças às políticas públicas de incentivo ao uso de novas tecnologias em ambientes educacionais (ver www.socinfo.gov.br) é cada vez mais comum encontrar instituições, mesmo nas regiões menos desenvolvidas das cidades, equipadas com laboratórios de informática, promovendo a inclusão digital, escolar e social: maior sistematização do ensino, acesso à Banda Larga e mais recursos materiais, técnicos e pedagógicos para os processos de ensino e aprendizagem. Assim, computadores, telefonia móvel, TV, CD, DVD, câmeras de vídeo, a Internet, Blogs, o E-mail, as listas de discussão, sites de relacionamento e uma extensa lista de tecnologias digitais remotas ou não permitem a interatividade com nível, grau e proporções em parâmetros nunca vistos, acelerando os eventos, agilizando a comunicação e facilitando a qualificação e aperfeiçoamento. Além do mais, a cultura material permite, viabiliza e amplia as possibilidades de desenvolvimento, inclusive sob modelos não tradicionais, através da educação à distância, por exemplo, formando, capacitando e permitindo acesso a uma infinita gama de especializações em todos os níveis e em condições de espaço e tempo absolutamente inovadoras. Neste contexto, o coordenador pedagógico atua também como o intermediador de mudanças, facilitando ao professor a percepção, reflexão e superação das eventuais problemáticas, como a estagnação que acomoda, buscando introduzir e consolidar na rotina pedagógica o uso das novas tecnologias, proporcionando ao grupo novas direções de trabalho e o salto profissional qualitativo. Se, por um lado, boa parte dos professores já evidencia o interesse pelas novas tecnologias e busca a atualização profissional, modernizando métodos e processos de aprendizagem, por outro, vários docentes evitam mudanças, em parte pela ausência de vontade política, mas também por dificuldades de acesso de toda ordem, já que a qualificação depende de recursos diversos, condições específicas e horário disponível. Muitos fatos, entre os que representam conquistas e perdas, acompanham a história, levando o professor, muitas vezes, à desmotivação para busca de mais qualificação, gerando baixa autoestima ao profissional e crescente descrédito na profissão. Muitos fatores atravancadores do progresso são impostos de cima para baixo, comprovados no fracasso de
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políticas e propostas educacionais, porém, outros são decorrentes dos reflexos das dificuldades da realidade social. Realmente, só é possível aperfeiçoar um processo quando se tem a humildade de reconhecer as falhas e deficiências existentes. Portanto, avaliar é parte dos planos, identificando as ações que estão dando certo para fortalecê-las e as que estão dando errado, para corrigi-las. Em especial, é importante aceitar o erro como parte do processo de acerto, aprendizagem e desenvolvimento. Para tanto, o coordenador pedagógico deve estar atento a sua própria qualificação, buscando continuamente as melhores fontes teóricas, pesquisando, conhecendo e utilizando as inovações tecnológicas e estabelecendo esta cultura na comunidade, em especial no corpo docente da escola, de formação contínua, qualificada e direcionada para as demandas e desafios no cotidiano da prática educativa. Em especial, conforme Vasconcellos (2002), cabe ao coordenador o papel de traçar metas e projetos a curto, médio e longo prazo, junto com a direção e professores, sem perder a perspectiva de uma educação qualitativa, restabelecendo a inclusão, dinamizando a escola, transformando-a em um espaço moderno e atraente e resgatando no aluno a autoestima e esperança. Finalmente, tão importante quanto viabilizar e estimular nas instituições o uso das inovações tecnológicas, universalizando o acesso aos equipamentos e promovendo a formação especializada, à coordenação pedagógica cabe, também, facilitar a capacitação da equipe profissional para lidar com a tecnologia com proatividade, de forma crítica, criativa, autônoma e responsável.
3.5 LIDERANÇA E GESTÃO DE PESSOAS No contexto histórico da humanidade, as qualidades envolvidas nos conceitos de liderança e gestão de grupos possuem destaque especial no desenrolar das relações interpessoais. Segundo Bueno (2007), liderança, como função de chefia, é uma forma de dominação e comando, baseada no prestígio individual e aceita pelos dirigidos. A exemplo de muitas outras tecnologias desenvolvidas ao longo do tempo para atender a necessidades envolvidas em guerras e conflitos (CASTELLS, 1999), o ambiente de disputa, controle político, domínio econômico e tecnológico e busca por hegemonia territorial representaram campo especialmente favorável ao exercício e aprimoramento desta ferramenta relacional.
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Em Almeida (1996), a liderança autoritária é centralizada no líder, que concentra as decisões, estabelecendo tarefas e determinando os grupos que executarão os planos. Este modelo de liderança desestimula a criatividade das pessoas, impedindo ou limitando a iniciativa e a espontaneidade, resultando em um ambiente de trabalho marcado por frustração e tensão permanentes. Entretanto, o conceito de liderança vem sendo reconstruído na atualidade, conforme trabalhos de Almeida (1996), Lück (2000), Kuazaqui (2005) e Salles (2009), ganhando outros contornos mais apropriadas às características da sociedade atual, em constante processo de transformação, renovação e dinamização nas relações interpessoais, baseado em um movimento de crescente globalização e busca da democratização. Assim, dirigir é coordenar e integrar ações para atender a finalidades específicas, servindose de habilidades de comunicação para transmitir ideias e influenciar pessoas ou grupos, alcançar resultados e concretizar objetivos e metas comuns, incluindo no processo a previsão, planejamento e organização da função de cada integrante e do grupo (ALMEIDA, 1996). Faz-se mister, em lugar de identificar indivíduos que possuam traços inatos de personalidade próprios de líder, capacitar e treinar pessoas, de forma a torná-las aptas para a percepção e compreensão do todo, definição de tarefas e consideração dos elementos subjetivos que permeiam as relações interpessoais, como confiança, respeito e amizade. Sendo a liderança baseada em negociação, conforme nos mostra Lück (2000), saber comunicar democraticamente é essencial à função, considerando e valorizando as diversas competências dos integrantes da equipe e inspirando para que todos assumam, naturalmente e em conjunto, a responsabilidade de cooperar em todas as etapas das ações: planejamento, coordenação e desenvolvimento. Kuazaqui (2005) enriquece o conceito, agregando ao perfil atitude, englobando entre as funções a estruturação dos planos, distribuição das ações, orientação das funções, coordenação dos processos, controle dos resultados, motivação estimulante e crítica construtiva, sempre com vistas ao alcance das metas e objetivos pré-determinados nos planejamentos. Desta forma, o gestor não faz críticas individuais, ele analisa fatos e eventos do ponto de vista coletivo, buscando corrigir desvios através da promoção do diálogo saudável e procura manter o espaço de trabalho envolvido em atmosfera de solidariedade e união, repercutindo em bons níveis de resultados e produção. No setor público, conforme Salles (2009), os gestores estão em cargos efetivos, comissionados ou nomeados politicamente, em contratos terceirizados, com prazos de vigência ou como estagiários. Após a reformulação, transformação e consolidação do novo modelo de serviço prestado aos cidadãos gerenciar envolve uma nova postura, frente ao público.
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Para o autor, a partir de 2007, com o Plano Bresser, o serviço público foi modernizado, reduzindo a hierarquização e buscando metas de excelência de atendimento. Este modelo administrativo exige do gestor uma atitude inovadora, com habilidades para negociação, postura motivacional, conhecimentos sobre o desenvolvimento e gerenciamento de recursos humanos e materiais, delegação de tarefas e cobrança de resultados, além de domínio da legislação e administração de recursos financeiros.
4 A GESTÃO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA Na Carta Magna de 1988, em seu art. 205, a Educação é um direito de todos os brasileiros, sendo, portanto, sua oferta dever do Estado e da família. A Política Educacional estabelece os programas que orientam o gerenciamento escolar, estruturando o funcionamento das institucionais e garantindo o bom desenvolvimento do serviço nos espaços escolares. Através do sistema público federal, a Lei garante instrução para os níveis médio e superior e no estadual e/ou municipal para o nível fundamental. A Educação básica, nos primeiros nove anos de formação, é dever do Estado, disponível a todos de forma gratuita e obrigatória e ofertada pelos governos municipais e/ou estaduais, sendo regulada, fiscalizada e financiada pelo Governo Federal. O Poder Legislativo regulamenta a ação nas instituições, bem como as condições necessárias para a execução, e o Poder Judiciário encarrega-se de fiscalizar o cumprimento das Leis, garantindo ao povo acesso ao ensino básico de qualidade, independente de sua condição social e econômica, localização geográfica, raça ou necessidades especiais. Conforme Lück (2000), por tratar da administração dos diversos elementos que vão compor a materialização da oferta de ensino ao povo, a gestão pública escolar é um processo extremamente complexo, que abrange recursos humanos, patrimônios materiais e recursos financeiros públicos, em um espaço dinâmico e variado em acontecimentos, repleto da subjetividade e singularidade humana e permeado por dificuldades diversas. Neste sentido, não é possível definir um modelo universal de formação para o gestor, capaz de contemplar todas as situações que acontecerão no cotidiano escolar e as condições em que se desenrolarão. Tampouco, um conjunto prescrito de aptidões, competências e habilidades suficientes para prepará-lo para o trabalho. Contudo, as políticas educacionais concedem autonomia às instituições escolares para construir seu projeto político-pedagógico, considerando suas especificidades estruturais,
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necessidades particulares e características próprias, de público e comunidade, em função da finalidade precípua da Educação: levar o educando à aprendizagem significativa e de qualidade. O projeto político-pedagógico estabelece objetivos e metas para o sucesso do plano, mostrando as condições em que a escola se encontra, as necessidades para o aperfeiçoamento da prática pedagógica, o papel de cada ator envolvido e o caminho para o desenvolvimento das estratégias, incluindo mecanismos de avaliação das ações, análise crítica, reflexão e revisão das práticas. Todavia, garantir Educação pública de qualidade requer uma gestão democrática, não apenas porque está previsto na Lei, mas principalmente porque é uma oportunidade de estimular a participação de todos no cotidiano escolar, contribuindo com ideias, apresentando questionamentos e propondo soluções para as problemáticas que surgem no desenvolvimento do trabalho educativo.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Isto posto, a conclusão a que se chega é que para recuperar a função principal da escola, enquanto espaço formal dedicado ao desenvolvimento pessoal, social e afetivo do indivíduo, é urgente
considerar
a
necessidade
de
atualização
da
gestão
da
Educação
pública,
institucionalizando o uso das novas tecnologias no cotidiano escolar. Contudo, modernizar os processos educativos demanda um conjunto de recursos materiais para equipar escolas com laboratórios de informática, salas de multimídias e ilhas digitais e também investimentos direcionados para a qualificação específica da equipe de educadores aprenderem a lidar com as máquinas, explorando pedagogicamente os sistemas informacionais. Portanto, ao gestor público cabe a responsabilidade de oportunizar as condições estruturais, ao coordenador pedagógico a missão de implantar as mudanças na escola, garantindo a democratização tecnológica e a inclusão digital para a sociedade como um todo e aos educadores a tarefa de preparar as gerações para lidar com as novas tecnologias de forma saudável e satisfatória. Por fim, este trabalho espera colaborar para a compreensão dos fenômenos sociais e tecnológicos, em especial aqueles que interferem no aperfeiçoamento da qualificação pessoal e influenciam a melhoria das relações nos ambientes de Educação, desenvolvendo, atualizando e transformando processos de aprendizagem e formação cidadã, para o enfrentamento e superação dos desafios advindos do mundo globalizado.
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A SOCIEDADE DIGITAL E A GESTÃO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA: O PAPEL DA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NA ESCOLA
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LEAN SEIS SIGMA (LSS): A IMPLANTAÇÃO DO LSS COMO RESULTADO DA APRENDIZAGEM E EXPERIÊNCIA ATRAVÉS DE UM LABORATÓRIO DE APRENDIZAGEM (LA) ! Rodrigo Ribeiro de Oliveira Jose Claudemir Schmitt Iris Bento da Silva Fernando Nascimento Zatta ! RESUMO: Lean Six Sigma (LSS) é um programa de gestão focado na redução de desperdícios, por meio de melhoria contínua, que utiliza a coleta e análise rigorosa de dados, com a finalidade de reduzir as variabilidades de um processo, para um nível em que a falha é extremamente improvável. O presente estudo teve como objetivo descrever o processo de implantação do Lean Six Sigma (LSS) em uma empresa real, “ABC”, por meio de um programa denominado Laboratório de Aprendizagem (LA). Esse laboratório tem como função realizar o treinamento de uma equipe multifuncional, para depois disseminar os princípios do LSS para toda organização, considerando a combinação dos princípios de Lean manufacturing com a metodologia Six Sigma para uma abordagem de melhoria contínua. A implantação do programa LSS e o alcance dos resultados dependem do comprometimento de toda a organização e requer uma mudança de cultura, questão que não é tão fácil de ser obtida, pelo fato de exigir estratégias bem elaboradas e sustentadas por parte das organizações. O processo de implantação do programa LSS foi realizado mediante observação in loco de um dos pesquisadores. A concepção, desenvolvimento e implementação do LA do LSS apresentados neste estudo fornece uma abordagem simples dos passos da experiência, mostrando que o LSS é eficaz para atingir melhorias significativas com aumento da eficiência operacional. Como resultado, ficou claro que o uso do LA possibilita uma implantação mais consistente e um melhor entendimento do conceito LSS pela a organização. PALAVRAS-CHAVE: Lean Manufacturing; Six Sigma; Lean Six Sigma; Laboratório de Aprendizagem.
LEAN SIX SIGMA (LSS): THE IMPLEMENTATION OF LSS AS A RESULT OF LEARNING AND EXPERIENCE THROUGH A LEARNING LAB (LA) ABSTRACT: Lean Six Sigma (LSS) is a management program focused on reducing waste by means of continuous improvement, using the accurate collection and analysis of data, in order to Revista!Iluminart!|!Ano!V!|!nº!10!|!ISSN!1984!;!8625!|!Jun/2013!|!!177!
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reduce the variability of a process, to a level that failure is extremely unlikely. The present study aimed to describe the process of deploying Lean Six Sigma (LSS) in a real company, "ABC", through a program called Learning Lab (LA). This laboratory is to conduct the training function of a multifunctional team, and then disseminate the principles of the LSS for the entire organization, considering the combination of the principles of lean manufacturing with Six Sigma approach to continuous improvement. The LSS program implementation and achievement of results depend on the commitment of the entire organization and requires a culture change, an issue that is not so easily obtained, because it requires well-designed and supported strategies by both organizations. The process of implementing the LSS program was conducted by on-site observation of one of the researchers. The design, development and implementation of the LSS LA presented in this study provides a simple approach of the steps of the experiment, showing that the LSS is effective to achieve significant improvements to increase operational efficiency. As a result, it became clear that the use of LA deployment enables a more consistent and a better understanding of the concept LSS by the organization. KEY WORDS: Lean Manufacturing; Six Sigma; Lean Six Sigma; Learning Lab.
1
INTRODUÇÃO Ao longo das últimas duas décadas, as organizações industriais adotaram uma ampla
variedade de programas de gestão, especialmente como um mecanismo de redução de custos na perspectiva de aumentar sua competitividade. Um desses programas adotados é o Lean Six Sigma, que advém do Lean Manufacturing (Manufatura Enxuta) e do Six Sigma (Seis Sigma). Para Snee (2010), LSS é a última geração de abordagens de melhoria. Ambos têm raízes diferentes, Seis Sigma (SS) foi criado pela Motorola e posteriormente adotado por organizações americanas, entre elas a General Electric e Allied Signal. Enquanto que a Manufatura Enxuta foi desenvolvida pela Toyota, uma empresa japonesa, e tem sido utilizado por muitas empresas (GEORGE, 2002; PEPPER e SPEDDING, 2010). A questão chave que impulsionou o desenvolvimento do Six Sigma, segundo Arnheiter e Maleyeff (2005) foi a necessidade de melhoria da qualidade na fabricação de produtos complexos, com um grande número de componentes, que muitas vezes apresentavam, no final, uma elevada porcentagem de produtos defeituosos. A força motriz que impulsionou o desenvolvimento da gestão enxuta no Japão, foi a necessidade, logo após a Segunda Guerra Mundial, de se obter mais recursos naturais. Dessa
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forma, o programa se sustentou na eliminação de desperdícios (GODINHO e FERNANDES, 2004). Tanto o Lean como o Six Sigma se desenvolveram em um completo sistema de gestão. A efetiva implantação desse sistema envolve mudança cultural nas organizações, novas abordagens para a produção e serviços aos clientes e um alto grau de formação e educação dos trabalhadores, desde a gerência até o chão de fábrica. Com isso, os dois programas apresentam algumas características comuns, tais como a ênfase na satisfação do cliente, a alta qualidade dos serviços, e a formação e capacitação dos trabalhadores (BENDELL, 2006). Com raízes diferentes, mas com objetivos semelhantes, o Enxuto e o Seis Sigma são eficazes por si próprios. No entanto, as melhorias propostas pelos programas não são facilmente percebidas. Algumas organizações que adotaram um dos programas, já chegaram a essa conclusão, pois o processo para se alcançar as melhorias envolve a reengenharia do funcionamento da empresa e o apoio integral aos sistemas de melhoria (PEPPER e SPEDDING, 2010). Tendo em vista que, eventualmente, pode atingir um ponto de retorno decrescente, nesse sentido, as organizações começam a procurar outras fontes para criar uma vantagem competitiva. A partir disso, naturalmente, as organizações com o Enxuto estudarão as organizações Seis Sigma, e organizações Seis Sigma analisarão o gerenciamento Enxuto. Diante desse contexto, o presente estudo pretende apresentar o processo de implantação do Enxuto e do Seis SigmaP por meio de um estudo de caso em uma empresa real, que adotou o processo de implantação dos programas através de um LA industrial.
2
REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 SEIS SIGMA O programa Seis Sigma foi desenvolvido pela empresa norte-americana, Motorola, em 1987, com o objetivo de competir com seus concorrentes que vinham apresentando produtos de qualidade superior a um custo mais baixo. Seu objetivo principal era aproximar-se de zero defeito. Entre o final da década de 1980 e o início de 1990, a Motorola obteve ganhos de 2,2 bilhões de dólares com o Seis Sigma. Segundo Arnheiter e Maleyeff (2005) com a divulgação do sucesso da Motorola, outras empresas, como Allied Signal, General Electric, entre outras, passaram a utilizar o programa.
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Para Montgomery (2010) enquanto metodologia de melhoria contínua da qualidade, Seis Sigma não apresenta grandes saltos qualitativos, porém, o programa aproveitou conceitos já desenvolvidos e utilizados por outras técnicas de melhoria da qualidade, fundamentada nas idéias de Shewhart, Deming e Juran, entre outros. Dentre os dados reaproveitados citam-se, a análise e controle estatístico de processos, análise do fluxo dos processos, simulação, entre outros. Agora, o programa também se mostrou inovador, principalmente quanto ao foco estratégico adotado na definição dos processos a serem aprimorados, e ao critério na definição das metas de melhoramento. O programa Seis Sigma traduz os esforços de melhoria das organizações na meta específica de reduzir defeitos para próximo de zero, afirma Arnheiter e Maleyeff (2005) e Spina (2007). O programa objetiva atingir em determinados processos o máximo de 3,4 defeitos por milhão de oportunidades. Quando se fala em um processo Seis Sigma, significa redução da variabilidade de um parâmetro para uma taxa de 3,4 falhas por milhão de oportunidades, ou seja, 99,99966% de perfeição. Nesse sentido, Arnheiter e Maleyeff (2005) salientam a importância do programa para determinados setores industriais, como por exemplo, aeroespacial, nucleares e para dispositivos médicos, dos quais exigem uma qualidade excepcional, para evitar a perda catastrófica da vida humana. Tais produtos ou serviços devem alcançar quase que “perfeita” qualidade. Da mesma forma, as empresas que fabricam produtos menos complexos, mas que vendem em grande volume, também precisam focar a qualidade superior, tornando essencial a aplicação desse conceito. Na abordagem Seis Sigma, projetos estratégicos, com metas e prazos bem definidos, são conduzidos por equipes formadas por especialistas na metodologia, chamados de Green Belts ou Black Belts, e por líderes, ou champions, que são os responsáveis por remover as barreiras que surgirem para o desenvolvimento desses projetos (RODRIGUES, 2006 apud BARRETO, 2010). De acordo com George (2004) e Rodrigues (2006), o programa Seis Sigma é divido em cinco fases pela metodologia DMAIC: D (Define – Definir); M (Measure – Medir); (Analyze – Analisar); I (Improve – Melhorar) e C (Control – Controlar), ilustrado no quadro 1. O método DMAIC apóia-se em outras metodologias de qualidade, utilizando o Diagrama de Causa e Efeito, também conhecido como diagrama de espinha de peixe ou diagrama de Ishikawa, que consiste em um método que contribui para pesquisar raízes de problemas a partir de questões como: o que, onde, como e por que. Estas perguntas contribuem para sistematizar o problema e, algumas vezes, a resposta fica explícita no diagrama (SLACK, et. al., 2008 apud BARRETO 2010).
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Quadro 1- Metodologia DMAIC. FASES
DMAIC Definir os processos críticos e os objetivos diante do
Iniciação
D
negócio e das expectativas e necessidades dos clientes.
Planejamento
M
Execução
A
Medir o desempenho do processo e identificar os problemas e intensidades dos mesmos. Analisar o desempenho e as causas dos problemas. Melhorar
Finalização
I
o
processo
eliminando
os
problemas,
reduzindo os custos e agregando valores para o cliente.
Controle
C
Controlar o desempenho do processo.
Fonte: Barreto, 2010. Slack, et. al. (2008 apud BARRETO, 2010) afirmam que pela adoção de metodologias de qualidade, o programa Seis Sigma constitui uma ferramenta de análise de processo adequada e eficaz para o setor produtivo e de serviços por verificar cada etapa do processo e o desempenho operacional da organização. Arnheiter e Maleyeff (2005) asseguram que o programa Seis Sigma pode trazer um significativo retorno financeiro através da redução da taxa de defeitos, da redução do número de reclamações e da melhoria da satisfação dos clientes. É interessante avaliar que o valor da produção ou serviço de uma organização não inclui apenas qualidade, mais disponibilidade, confiabilidade, desempenho, entrega e serviço pós-venda. 2.2 MANUFATURA ENXUTA Manufatura enxuta tem sido a palavra de ordem na área de fabricação. O conceito surgiu no Japão após a Segunda Guerra Mundial, quando os japoneses perceberam que não podiam arcar com enormes investimentos necessários para construir instalações semelhantes as dos Estados Unidos. O Enxuto foi adequado às dimensões de negócios das organizações, resultando no pensamento enxuto, que é a filosofia operacional ou um sistema de negócios, como forma de alinhar em sequência, as ações que criam valor, realizando atividades ininterruptas e de forma eficaz, podendo oferecer aos clientes, o que eles querem, no tempo certo (BARRETO, 2010).
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De acordo com Womack, et. al. (1992 apud GODINHO FILHO e FERNANDES, 2004), foram Eiiji Toyoda e Taiichi Ohno, da Toyota, que perceberam que a manufatura em massa não funcionaria no Japão e, então, adotaram uma nova abordagem para a produção, a qual objetivava a eliminação de desperdícios. Para conseguir esse objetivo, técnicas como produção em pequenos lotes, redução de set up, redução de estoques, alto foco na qualidade, dentre outras, foram utilizadas. Pepper e Spedding (2010) citam duas razões para que as empresas automotivas dos EUA quisessem implantar a filosofia Enxuta, em suas fábricas. Em primeiro lugar, essas empresas estavam em concorrência direta com a Toyota, e estavam perdendo sua participação de mercado para essa indústria japonesa. E, em segundo lugar, o mercado foi se tornando cada vez mais exigente. As fábricas japonesas foram continuamente superando as americanas. Na década que vai de 1968 a 1978, a produtividade nos EUA aumentou 23,6 %, enquanto os japoneses tiveram um impressionante aumento de 89,1 % (TERESKO, 2005 apud PEPPER e SPEDDING, 2010). Arnheiter e Maleyeff (2005) mencionam que a atividade meta do Enxuto é a eliminação de desperdício, de modo que todas as atividades ao longo da cadeia de valor possam criar valor, como uma perfeição. As atividades na cadeia de valor podem ser classificadas em atividades que agregam valor, atividades necessárias e de desperdícios no processo. As atividades que agregam valor, segundo Santos Neto (2006) são aquelas que transformam matéria-prima e informações em peças ou produtos, pelos quais o cliente está disposto a pagar. As atividades necessárias como aquelas atividades que precisam ser feitas, mas que não agregam valor e as de desperdícios no processo, como atividades que consomem recursos ou matérias-primas, mas não contribuem diretamente para o produto. Discorrendo um pouco sobre o Sistema Toyota de Produção, do qual, o Enxuto se originou, Oliveira (2010) explica que seu princípio básico é o não-custo. Este foi o primeiro conceito desenvolvido com base para o gerenciamento da produção, ou seja, é o início da minimização dos custos. Segundo este conceito, a origem dos lucros não é obtida pela fórmula “Custo + Lucro = Preço de venda”, e sim por, “Preço – Custo = lucro”. Fazendo uso deste conceito, conclui-se que a única maneira de aumentar os lucros é pela eliminação dos custos, uma vez que o preço de venda é definido pelo mercado. Montgomery (2010) concorda com os outros autores citados no texto, mencionando que os sistemas de produção Enxuto são projetados para eliminar o desperdício. Os resíduos gastam desnecessariamente um longo tempo de ciclo ou tempo de espera entre as atividades de trabalho de valor acrescentado. Os resíduos podem também incluir o retrabalho, sucata e excesso de estoque. Para Pepper e Spedding (2010) o principal alvo da mentalidade enxuta tem como foco cada produto e seu fluxo de valor (identificação de atividades de valor agregado e sem valor
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agregado), e a eliminação de todos os resíduos, ou desperdícios, em todas as áreas e funções dentro do sistema. Para atingir esse objetivo Womack e Jones (1996 apud PEPPER e SPEDDING, 2010) identificaram sete formas usadas no programa: 1 – Super produção; 2 – defeitos; 3 – estoque excessivo; 4 – processamento inadequado; 5 – transporte excessivo; 6 – tempo de espera; e 7 – movimento desnecessário. Quando elimina-se os desperdícios do processo, o tempo do pedido e seu respectivo pagamento é comprimido. Como resultado, se obtém tempos de ciclos e de distribuição menores, maior qualidade e menores custos (ERLICH, 2002 apud SPINA, 2007). A implantação da filosofia Enxuta requer uma abordagem sistêmica, na qual diversos aspectos do processo são modificados e constituem a essência de sua implantação, ponderam Corrêa e Gianesi (1993 apud BARRETO, 2010). Dentre eles, citam-se: •
comprometimento da alta administração: mudança da mentalidade enxuta;
•
medição e avaliação de processos: indicadores de desempenho;
•
estrutura organizacional: especialistas devem capacitar os operadores a assumir responsabilidades (ex.: qualidade, manutenção, dentre outros);
•
organização do trabalho: ambiente de trabalho favorece flexibilidade, comunicação e trabalho em equipe; e
•
conhecimento de processos e fluxos: compilação de fluxos de materiais e informações.
2.3 PROGRAMA LEAN SIX SIGMA O programa Lean Six Sigma é uma metodologia de melhoria da qualidade, que apresenta foco na variabilidade dos processos e objetiva a redução de falhas ou defeitos por meio do arcabouço de técnicas e ferramentas estatísticas da qualidade (SPINA, 2007). Conforme Arnheiter e Maleyeff (2005) existem alguns benefícios que podem ser obtidos através da combinação dos programas Enxuto e Seis Sigma. As organizações que utilizam o Enxuto devem fazer mais uso de dados, na tomada de decisões, e o uso de metodologias que provocam uma abordagem mais científica da qualidade. Uma empresa competitiva deve ter produtos de alta qualidade e proporcionar uma elevada qualidade dos serviços. Já as organizações Seis Sigma devem incluir treinamento pelo método de gestão Enxuta, eliminando
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todas as formas de desperdícios, como kaizen, redução de tempo de setup, e mapeamento do fluxo de valor. Para Arnheiter e Maleyeff (2005) as teorias da gestão de sistemas operacionais ainda estão em evolução. Embora ambos os programas, tanto o Enxuto, como o Seis Sigma representa o estado-da-arte, pois cada sistema dá propriedade a certas facetas do desempenho organizacional. Portanto, em um ambiente altamente competitivo, retornos decrescentes podem ocorrer quando estes programas são executados isoladamente. A experiência tem mostrado que as empresas que fazem um trabalho eficaz de implantação do LSS obtêm os seguintes retornos: as grandes empresas, retornos de 1 a 2% sobre as vendas/ano e empresas de pequeno e médio porte, retornos de 3 a 4% das vendas/ano (SNEE, 2004 apud SNEE, 2010). Estas porcentagens se traduzem em economias consideráveis. Por exemplo, uma empresa com $ 10 milhões em vendas/ano, com índice de 3% de economia irá gerar $ 300 mil na economia de cada ano. Segundo Snee (2010) a emoção cresce quando você percebe a economia acumulada ano a ano, exemplo: uma empresa recebendo 2 % a.a., recebem retornos de 2 % no primeiro ano, 2+2=4 % no segundo ano, 2+2+2=6 por cento no terceiro ano, etc. Pepper e Spedding (2010) garantem que a integração Enxuta e Seis Sigma proporciona muitas oportunidades de melhoria para uma organização. Na visão de Ferguson (2007 apud BARRETO, 2010) o Enxuto e o Seis Sigma são dois programas distintos com finalidades similares, onde o Seis Sigma faz o papel de programa, e o Enxuto, uma filosofia. Para o autor, alguns projetos Seis Sigma perdem o valor assim que diminui a visibilidade, já a filosofia Enxuta não, pois é transmitida a todas as partes da empresa. Dessa forma, o Enxuto é uma ferramenta de transformação, enquanto o Seis Sigma é apenas uma gestão de mudança. Seis Sigma tem início, meio e fim com a metodologia DMAIC, já o Enxuto, faz parte da vida da empresa e de seus profissionais. No contexto de combinação dos programas, Arnheiter e Maleyeff (2005) sugerem algumas melhorias, começando pelo Enxuto, que deve integrar o uso de dados orientados a tomar decisões e também adaptar uma abordagem mais científica para a qualidade dentro do sistema. Por outro lado, Six Sigma precisa adotar uma abordagem mais ampla de sistemas, considerando os efeitos do desperdício, como um todo e, portanto, os níveis de qualidade e variação. De acordo com Spina (2007) a metodologia LSS é abordada na literatura de forma muito genérica e conceitual, pois são raras as publicações que demonstram aplicações práticas ou descrições detalhadas de casos de sucesso. Nesse sentido, Bendell (2006 apud Pepper e SPEDDING, 2010) corrobora com Spina, alegando que o conceito LSS ainda não está totalmente
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maduro em uma área específica de pesquisa acadêmica, principalmente como abordagem para a melhoria do processo. Seis Sigma complementa a filosofia Enxuta, na medida em que fornece as ferramentas e know-how para lidar com problemas específicos, que são identificados ao longo da jornada Enxuta: “Lean elimina o ruído e estabelece um padrão” (PEPPER E SPEDDING, 2010). Para sintetizar as melhorias que um programa integrado do LSS pode oferecer, utilizou-se a Figura 1 do estudo de Arnheiter e Maleyeff (2005). O eixo horizontal representa a perspectiva de valor para o cliente, incluindo qualidade e desempenho nas entregas. O eixo vertical representa o custo do produtor para fornecer o produto ou serviço ao cliente. De acordo com qualquer sistema, as melhorias serão feitas, mas essas melhorias vão começar a se contrapor, em certo ponto no tempo. Com Seis Sigma sozinho, o nivelamento de melhorias pode ser devido à ênfase na otimização da qualidade mensuráveis e métricas da entrega, sem ignorar as mudanças nos sistemas operacionais básicos para remover atividades desnecessárias. Com uma gestão Enxuta sozinha, o nivelamento das melhorias pode ser devido à ênfase na racionalização do fluxo de produtos, sem pelo menos uma forma científica relativa à utilização de dados estatísticos e métodos de controle de qualidade. Fonte: Arnheiter e Maleyeff (2005).
Figura 1: A vantagem competitiva do Lean, Six Sigma. De acordo com a Figura 1 pode-se perceber como cada abordagem pode ganhar se vista como um quadro único, e que o equilíbrio pode ser alcançado se os sistemas forem efetivamente reunidos. Essa é a chave conceito de integração das duas abordagens de melhoria contínua, como um estado de equilíbrio deve ser atingido entre os dois, afastando-se de uma míope abordagem em qualquer direção, arriscando tornar-se demasiadamente pobre e, portanto, rígida nas respostas ao mercado e posteriormente, com impacto na criação de valor. Revista!Iluminart!|!Ano!V!|!nº!10!|!ISSN!1984!;!8625!|!Jun/2013!|!!185!
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Na visão de Pepper e Spedding (2010) LSS pode ser integrado para formar uma ferramenta de gestão coerente para o processo de melhoria. O Enxuto reforça a filosofia da estrutura, fornecendo uma direção estratégica e uma base para melhoria, orientando a dinâmica geral do sistema, informando o estado atual das operações. A partir disso, identifica o pensamento enxuto e as áreas fundamentais para a melhoria. Uma vez que esses pontos críticos foram identificados, o Seis Sigma oferece um foco, a metodologia do projeto de melhoria com base para os pontos quentes e, finalmente, conduz o sistema para o estado desejado, conforme Figura 2. Fonte: Pepper e Spedding (2010).
Figura 2: Modelo conceitual de Lean Seis Sigma. Segundo Thomas, et. al. (2009) o emprego de um quadro operacional padrão para implementar o Lean e abordagens Seis Sigma é visto como passo óbvio e necessário para que as empresas obtenham benefícios simultâneos de estratégias de ambos. Para isso, a DMAIC é usado como o principal sistema funcional para implementação do LSS. A Figura 3 mostra o desenvolvimento do quadro conceitual do LSS. As principais fases da abordagem integrada LSS são: (1) Definição – qual é o problema? Será que existe? (2) Medida – como é o processo de medida? Como é o desempenho? (3) Analisar – quais são as causas mais importantes de defeitos? (4) Melhorar – como podemos eliminar as causas dos defeitos? (5) Controle – como podemos manter as melhorias? Fonte: Thomas, et. al. (2009)
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! LEAN SEIS SIGMA (LSS): A IMPLANTAÇÃO DO LSS COMO RESULTADO DA APRENDIZAGEM E EXPERIÊNCIA ATRAVÉS DE UM LABORATÓRIO DE APRENDIZAGEM (LA)
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! Figura 3 – Esboço da abordagem Lean Seis Sigma.
Ainda Snee (2010) assinala que talvez o benefício maior do LSS é a sua capacidade de desenvolver um quadro de grandes líderes. LSS fornece os conceitos, métodos e ferramentas para processos de mudanças. LSS é, portanto, uma ferramenta de processos de mudança, de desenvolvimento de liderança eficaz na medida em que prepara os líderes para o seu papel, levando a mudança.
2.4 LABORATÓRIO DE APRENDIZAGEM As organizações atuais são diferentes das do passado, isso, devido às profundas transformações na maneira de trabalhar, nos processos de fabricação e no perfil do trabalhador. Percebe-se que outro recurso, além dos ativos físicos e financeiros, denominado conhecimento, mostra-se como forte poder de agregar valor à organização. Conforme Gdikian, et. al. (2009) as organizações de destaque, tanto no cenário internacional quanto no nacional, são aquelas que investem no capital intelectual e estão constantemente reaprendendo. É importante destacar que há dois tipos de conhecimento. São eles: Tácito: que está profundamente enraizado e se refere a experiências. Explícito: que pode ser facilmente processado.
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Segundo Jacobsen e Moretto Neto (2009), o desafio encontrado pelas empresas está em conseguir transformar conhecimento tácito em explícito, ou seja, formalizar e disponibilizar aquele conhecimento que está na mente de alguém. A conversão de conhecimento tácito em explícito (e vice-versa) pode ser feita mediante quatro processos: •
Socialização (tácito em tácito – conhecimento compartilhado);
•
externalização (tácito em explícito – conhecimento conceitual);
•
combinação (explícito em explícito – conhecimento sistêmico); e
•
internalização (explícito em tácito – conhecimento operacional). O conhecimento é gerado no momento em que as pessoas fazem comparações, medem
as consequências do uso de informações, estabelecem conexões e realizam conversações. Segundo Angeloni (2009) o compartilhamento do conhecimento revela-se um dos fatores que envolvem a gestão do conhecimento, e sua prática torna-se imprescindível, uma vez que nada adianta dispor de conhecimentos importantes se estes não são partilhados. Dessa forma, de acordo com Raposo (2006) a aprendizagem e a gestão do conhecimento nas organizações passam a ser o diferencial competitivo e a condição essencial para o sucesso do negócio, sua manutenção e perenidade. Mas, conforme Campos et al. (2009) a transferência do conhecimento tem sido o principal gargalo no processo de gestão do conhecimento, uma vez que diversos elementos determinantes estão enraizados em pessoas ou locais específicos. As grandes empresas possivelmente têm dificuldade em disponibilizar e disseminar conhecimentos, em razão da estrutura hierárquica ainda predominante e do grande número de empregados, o que exigirá delas, além de estrutura de tecnologia da informação mais consistente, mudanças comportamentais e culturais. Além disso, é necessário repensar o processo de circulação do conhecimento para que ele possa ser realmente compartilhado (CAMPOS et al, 2009). Conforme Raposo (2006) a organização que aprende é vista como um tipo particular de organização, que utiliza estratégias e ferramentas para promover processos de aprendizagem. Estudos têm demonstrado que a apreensão de algo de forma descontextualizada, tão ao gosto da fragmentação do pensamento cartesiano e tão comum no cotidiano, pode ter efeito em curto prazo, mas é inócua em longo prazo. Não é por acaso que, quando conectadas à histórias, metáforas, imagens, isto é, quando envolvem memória vivencial e elaboração mental, informações têm possibilidade de ser guardadas por longo tempo (VERGARA, 2011). Nesse sentido Corrêa, et. al. (2001) mencionam o LA. Tal estrutura tem como finalidade, transformar o conhecimento tácito em conhecimento explícito e resgatar o tácito, através da 188!!!|!Revista!Iluminart!|!Ano!V!|!nº!10!!|!ISSN!1984!;!8625!|!Jun/2013$
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prática deste processo. Suas principais atividades abrangem a realização de materiais didáticos para as escolas, e a elaboração de manuais para usuários de produtos industriais.
3
MÉTODO DE PESQUISA O método de pesquisa deste estudo foi o estudo de caso com observação participante. Yin
(2010) denomina a observação participante como uma modalidade especial de observação, no qual o pesquisador não é apenas um observador passivo, ou seja, ele participa do processo. O pesquisador assume uma variedade de funções dentro do estudo de caso, e pode, de fato, participar dos eventos que estão sendo estudados. Segundo Gil (2009) a observação participante consiste na participação real do pesquisador na vida da comunidade, da organização ou do grupo em que é realizada a pesquisa. O observador assume, pelo menos até certo ponto, o papel de membro de grupo. Neste estudo, um dos pesquisadores participou diretamente na observação e das atividades desenvolvidas no laboratório de aprendizagem de uma empresa “ABC” do ramo têxtil, situada no interior do estado de São Paulo. Essa empresa, cujo nome será omitido, opera com aproximadamente
200
funcionários
compondo
uma
Joint
Venture,
entre
dois
grupos
(Multinacionais) e vem operando a mais de uma década. Atualmente ela busca um padrão de classe mundial. Dessa forma, implantou o LSS no início do ano de 2010. Para tanto, propôs um laboratório de aprendizagem do LSS na realização do treinamento da equipe de trabalho. O pesquisador participou também dos treinamentos no laboratório de aprendizagem da empresa real nos meses de janeiro e fevereiro de 2011. Durante a realização do treinamento, o pesquisador realizou observações e coletou dados para este estudo. Entre as interferências de estudo de caso, foram observadas a participação dos candidatos e seu empenho em assimilar o conhecimento que lhes era passado. Após o término do treinamento, foram feitas algumas perguntas aos participantes, de forma aleatória e informalmente quanto ao aprendizado e às experiências adquiridas. 4
ESTUDO DE CASO: DESENVOLVIMENTO DO LABORATÓRIO DE APRENDIZAGEM A implantação bem sucedida do LSS requer estratégias bem elaboradas por parte da
empresa, com propósitos bem definidos e comprometimento de toda a organização, exigindo também uma mudança de cultura, para tornar o processo de implantação que por si só é muito difícil, numa tarefa com mais comprometimento e facilitações. Segundo Jeyaraman e Teo (2010) os funcionários devem estar conscientes das necessidades de mudança. Com o propósito de
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disseminar os princípios do LSS para toda organização de uma forma organizada, moderada e sustentável, buscando o comprometimento de toda a equipe, foi proposto um treinamento no laboratório de aprendizagem. A empresa adotou uma forma de implantar o Lean Manufacturing junto ao Six Sigma, utilizando o seu pessoal já treinado como Green Belt. Primeiro para treinar o pessoal em White Belt, em nível de operação, obtendo um maior resultado de conhecimento do sistema, após então implantou a metodologia enxuta. Os encontros foram realizados semanalmente nos meses de janeiro e fevereiro de 2011. Os participantes foram selecionados em função da área de trabalho e pelo departamento de Recursos Humanos em função do comportamento com segurança. A experiência no laboratório de aprendizagem foi realizada em oito passos, que serão descritos a seguir: •
Primeiro passo: Obter no início do programa o comprometimento e apoio da alta direção. É muito importante a participação inicial da direção comprometendo-se com o programa, apoiando e solicitando o comprometimento da equipe multidisciplinar, pois são esses os propagadores do conceito LSS para a fábrica;
•
Segundo passo: Escolher o time multidisciplinar em conjunto com a direção e os coordenadores da implantação do programa. Nesse tempo é proposta a montagem de várias equipes, sendo que cada uma representará uma mini-fábrica. Essas deverão fabricar um determinado item, que pode ser algo de fácil montagem e produção como, por exemplo, caixas de papel com variação de cores e detalhes representando o processo da fábrica. Dessa forma, monta-se o laboratório de aprendizagem, que contém as mini fábricas, com todas as funções de uma fábrica real (compras, almoxarifado, produção). As mini fábricas são colocadas em pontos estratégicos, localizados em salas diferentes. O coordenador do trabalho elabora uma planilha na qual serão anotados os pontos de melhorias das fábricas indicados pela equipe, como por exemplo, tempo de produção, tempo de transporte, gargalos, dentre outros. Neste passo as equipes são treinadas em LSS;
•
Terceiro passo: Apresentar para a equipe, o item que a mesma terá que fabricar e as suas fases de produção. Fica a cargo da equipe a ordenação das funções dentro da mini fábrica. Durante este tempo são realizados os relatos ou coleta de dados das ocorrências apresentadas durante a produção do item;
•
Quarto passo: Estabelecer um tempo para a produção, após esse tempo, a produção é parada, pois o tempo determinado é um dos critérios estabelecidos para a produção de um determinado item.
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Quinto passo: O coordenador deve relatar aos participantes, os dados coletados durante a produção nas mini fábricas, ressaltar os pontos que podem ser melhorados para o aumento da produtividade, para o ganho de tempo da produção, a eliminação de gargalos e balanceamento de linhas, dentre outros. Nesse momento, são apresentados à equipe multifuncional os conceitos do LSS e suas ferramentas;
•
Sexto passo: Propor à equipe multifuncional comprometida, após conhecer os conceitos apresentados, uma nova meta de produção para aplicar em suas mini fábricas. Observa-se que as melhorias implantadas, por meio do LSS, estão demonstradas no mapa do fluxo de valor, balanceamento da linha, gargalos de produção e qualidade do posto;
•
Sétimo passo: Coletar novamente os dados das equipes e apresentá-los ao coordenador, ressaltando os pontos de melhorias;
•
Oitavo passo: Incentivar a equipe na elaboração de novas propostas de melhorias e apresentá-las ao time. De posse dessas propostas, planejar as equipes kaizen para implantá-las, de maneira que a fábrica obtenha melhores resultados. Conforme Figura 3. Fonte: O autor.
Análise feita pelo coordenador da implementação dos conceitos LSS Implementação do conceito LSS pelas equipes de trabalho
Início da fabricação do item Parada para avaliação do trabalho realizado pelas equipes Aplicação do conceito LSS Definição do item a ser fabricado pelo coordenador Montagem das equipes de trabalho Definir um grupo multidisciplinar
Figura 3 – Passos da experiência do laboratório de aprendizagem.
5
RESULTADOS E DISCUSSÕES Por meio do laboratório de aprendizagem foi possível observar os pontos fortes e fracos da
organização da equipe de trabalho envolvida na experiência no laboratório por meio do estabelecimento das metas e condições de trabalho para a empresa.
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Nessa experiência na empresa real “ABC” foram propostas algumas melhorias pela equipe multifuncional, a serem aplicadas na fábrica. Dentre as melhorias sugeridas, foram selecionadas as seguintes ações como resultado da experiência adquirida no LA: •
Melhoria no setup, utilização das ferramentas com menor tempo para troca;
•
eliminação de paradas da linha, por falha no processo durante a produção;
•
eliminação de falhas ocasionadas em componentes de máquinas;
•
melhoria no fluxo de material, seguindo o mapa do fluxo do valor futuro;
•
melhoria no gerenciamento das peças de manutenção (spare parts) dentro do almoxarifado de manutenção; e
•
melhoria na qualidade do posto gargalo. O plano gerencial para a empresa “ABC”, como resultado final da experiência no
laboratório, prevê uma redução do tempo de setup na ordem de 15%, após a implantação das melhorias. Ainda existe a perspectiva de uma redução de 15% do valor de custo do estoque de peças armazenadas no almoxarifado de manutenção. O sistema de controle de estoque passará a trabalhar com o giro e a consignação de peças com fornecedores externos. Uma vez implementado o sistema de peças de reposição próximo à máquina (tear) com pequenos quites de manutenção, que facilitará a troca rápida das peças. Essas primeiras melhorias alavancaram o Overall Equipment Effectiveness (OEE) (a equação do OEE pode ser vista na equação 1) em 10%. A eficiência global do equipamento é a primeira combinação da qualidade e produtividade, uma busca do LSS. Quanto aos processos de qualidade foi estimada uma melhoria de 20% na execução dos processos. Essas melhorais fazem parte do plano diretor da fábrica e com a conclusão do plano diretor existe um prêmio pelos trabalhos.
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS Através do experimento no laboratório de aprendizagem da empresa “ABC” pode-se
concluir que essa ferramenta de aprendizagem se mostra bastante inovadora. Ela possui um método de trabalho que se traduz em eficiência e eficácia para a implantação do programa LSS. As expectativas do estudo foram alcançadas, uma vez que tal experiência demonstrou de maneira simples e organizada, como ocorre a implantação de programa LSS dentro de uma organização.
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Essa experiência também demonstrou que essa prática induz uma motivação maior entre a equipe de trabalho, pois prova que as oportunidades de melhorias estão apenas esperando para serem alcançadas. E ainda, que todos estão envolvidos no processo. Ficou claro, no laboratório, que as pessoas têm o conhecimento do que pode ser melhorado e quais ações são necessárias, no entanto, para que algo aconteça, é imprescindível um alto grau de seriedade e comprometimento no trabalho. No momento que se abrem as oportunidades para um operador expor suas dificuldades, demonstrando a ele o quanto se pode ganhar com a eliminação de um defeito no processo, o trabalho torna-se mais produtivo, originando uma maior motivação, participação e entrosamento da equipe. Nesse contexto, a mudança de cultura não chega a ser uma imposição, mas sim, uma aceitação de que algo melhor está sendo feito. O medo do novo traz dúvidas, preocupações, e se não houver o rompimento dessas barreiras, não existirá a condição essencial para o sucesso, manutenção e perenidade do processo gerencial da implantação da ferramenta do negócio. Através do laboratório de aprendizagem pôde-se trabalhar o conceito LSS, procurando mostrar que o objetivo é melhorar o desempenho do negócio, sem desvalorizar o trabalho da equipe, pois são estes os profissionais que mais conhecem a máquina e representam, em grande parte a vida da empresa. Esse olhar que é buscado no laboratório de aprendizado é uma fixação dos conceitos de LSS. Com relação à aprendizagem, as pesquisas provam que a melhor maneira de se absorver um conceito é colocá-lo em prática.
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UTILIZAÇÃO DE SOFTWARE LIVRE BLENDER COMO FERRAMENTA PARA A CONSTRUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO FACILITADOR DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM EM QUÍMICA Emanuel Carlos Rodrigues Arthur Mendes de Lima Arthur Aquino Vilela
RESUMO: A compreensão de conceitos químicos está relacionada principalmente com a visualização do nível microscópico. Sob este aspecto, os recursos das tecnologias de informação e comunicação podem facilitar o ensino e a aprendizagem destes conceitos, uma vez que auxiliam na representação do nível microscópico de um fenômeno químico. A utilização de softwares surge como uma nova opção no ensino de Química, podendo substituir as representações pictóricas, esquemáticas e os modelos estáticos por ferramentas que permitem a visualização de representações de modelos dinâmicos, proporcionando condições aos alunos de desenvolverem a compreensão conceitual, sem que haja apenas o uso mecânico dos conceitos. O presente trabalho teve como objetivo proporcionar aos alunos o contato com software livre de animação gráfica Blender e o desenvolvimento de competências e habilidades que auxiliaram no desenvolvimento de uma animação representativa de uma reação química de equilíbrio químico, bem como no material instrucional (tutorial) para construção desta animação. PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Química; Equilíbrio Químico; Animação; Software Blender.
USING FREE SOFTWARE BLENDER AS A TOOL FOR TEACHING AND LEARNING CHEMISTRY ABSTRACT: The understanding of chemical concepts has been related to the visualization of the microscopic level. In this respect, the resources of information and communication technologies can enhance the teaching and learning process since they assist in representing the microscopic level of a chemical phenomenon. The use of software emerges as a new option in the chemistry teaching that may replace the pictorial schematic and static models for tools that allow viewing of representations of dynamic models, providing conditions for students to develop conceptual understanding without only the use of mechanical concepts. The present study aimed to provide
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EMANUEL CARLOS RODRIGUES / ARTHUR MENDES DE LIMA / ARTHUR AQUINO VILELA
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the contact of students with free graphic animation software Blender and the development of skills and abilities that helped in the development of an animation representing a chemical reaction chemical equilibrium as well as instructional material (tutorial) for construction this animation. KEY WORDS: Chemistry Learning; Animation; Blender Software.
1
INTRODUÇÃO
1.1 AS DIFICULDADES EM SE ENSINAR E APRENDER QUÍMICA O ensino de Química ainda se apresenta pouco motivador em função principalmente de seu caráter fragmentado, desconexo da realidade e descomprometido com a formação do cidadão. Aliado a isso, muitos professores priorizam um ensino no qual prevalece apenas a memorização de conteúdos (CHASSOT, 1995). Ensinar Química nas escolas de Ensino Médio e nas Universidades não tem sido uma tarefa fácil para muitos professores, uma vez que a compreensão de conceitos químicos está relacionada principalmente com a visualização do nível microscópico. Vários conceitos são caracterizados por um alto grau de abstração e muitas vezes, distante do alcance dos sentidos humanos (MEDEIROS; MEDEIROS, 2002). Outro fator que corrobora para as dificuldades em se ensinar Química é a dimensão simbólica, na qual substâncias, partículas e transformações são representadas por meio de símbolos, fórmulas e equações químicas, caracterizando uma materialização semiótica da realidade. Segundo Hoffman e Laszlo (1991), as representações simbólica e microscópica evoluíram de analogias fenomenológicas de experiências sensoriais no nível macroscópico, e que permite a utilização de uma linguagem comum para a comunidade científica. A literatura apresenta diferentes estudos sobre como promover o entendimento conceitual em estudantes de Química, seja no Ensino Médio ou no Superior. Nesses estudos percebeu-se a dificuldade dos estudantes em dominar o simbolismo químico, inclusive tratando equações químicas com viés matemático, ao invés de pensar nas mesmas como representações de processos dinâmicos e interativos. (WU; KRAJCIK; SOLOWAY, 2001; KOZMA; RUSSEL, 1997). Assim, vislumbra-se no campo do ensino e aprendizagem em Química que o aluno se aproprie de conceitos que lhes permitam correlacionar fenômenos em sua dimensão simbólica e microscópica.
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! ! 1.2 A
UTILIZAÇÃO DE SOFTWARE LIVRE BLENDER COMO FERRAMENTA PARA A CONSTRUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO FACILITADOR DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM EM QUÍMICA
UTILIZAÇÃO
DE
RECURSOS
DAS
TECNOLOGIAS
DE
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INFORMAÇÃO
E
COMUNICAÇÃO NO ENSINO DE QUÍMICA A sociedade atual oferece uma grande diversidade de inovações tecnológicas que permeiam a vida de um cidadão, seja no ambiente de trabalho ou doméstico. É notório que a escola também deva se utilizar destas novas tecnologias. O computador, por exemplo, constitui um recurso didático que pode enriquecer e diversificar significativamente o processo de aprendizagem em Química. As novas tecnologias proporcionam oportunidades para a criação de ambientes de aprendizagem, trazendo problemas do mundo real para a sala de aula, tornando o currículo mais interessante, bem como propiciam suporte e ferramentas para o aumento da aprendizagem (GRECA; RIBEIRO, 2003). Ressalta-se ainda que tais recursos originam oportunidades para "feedback", reflexão, revisão, construção de comunidades locais e globais, que incluem professores, administradores, alunos, pais e cientistas e expandem oportunidades para o aprendizado do professor (ESQUEMBRE, 2002). Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999; BRASIL 2002) também reforçam estas ideias ao apontar a necessidade dos estudantes em reconhecer e avaliar o desenvolvimento tecnológico contemporâneo, suas relações com as ciências e seu papel na vida humana, assim como a sua presença no cotidiano e seus impactos na vida social. Os recursos das tecnologias de informação e comunicação podem facilitar a aprendizagem de conceitos químicos, uma vez que auxiliam na representação do nível microscópico de um fenômeno químico. Desta forma, a utilização de softwares surge como uma nova opção no ensino da Química, podendo substituir as representações pictóricas, esquemáticas e os modelos estáticos por ferramentas que proporcionam visualização de representações de modelos dinâmicos, proporcionando condições aos alunos de desenvolverem a compreensão conceitual, sem que haja apenas o uso mecânico dos conceitos envolvidos nos fenômenos estudados (RAUPP et al, 2010; MELO e MELO, 2005). A utilização de recursos computacionais está relacionada com a abordagem cognitivista, na qual a construção do conhecimento é contínua e caracterizada pela formação de novas estruturas mentais que não existiam no indivíduo anteriormente. O aluno aprende por si próprio a buscar as informações e a construir modelos através da aquisição de instrumental lógico-racional. O objeto é assimilado e associado a esquemas mentais, baseando-se na tentativa e erro, na pesquisa e na solução de problemas (EICHLER e DEL PINO, 1988). Contudo, a participação do professor é fundamental neste processo. Este deve criar condições para o aluno fazer a transição entre a simulação e o fenômeno no mundo real (SOUZA et al, 2004).
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Do ponto de vista da Química, o computador pode ser uma ferramenta importante na visualização e compreensão de diferentes conteúdos entre eles na simulação de reações químicas, nas previsões de fenômenos, na comparação de dados qualitativos e quantitativos, na obtenção e avaliação de resultados experimentais, além de permitir a representação molecular por meio de imagens tridimensionais de moléculas e compostos iônicos (SOUZA et al, 2004; RAUPP et al, 2010; MELO e MELO, 2005). Segundo Raupp et al (2010), além dos diferentes usos e aplicações, pode-se dizer que a utilização dos computadores pode contribuir diretamente para o ensino de Química pelos seguintes motivos: [...]1. computadores atraem e motivam os estudantes a aprender; 2. aumentam a produtividade e eficiência dentro de um laboratório; 3. exploração e experimentação em laboratórios podem ser encorajadas através do computador; 4. aumenta-se a capacidade de compreensão e memorização devido a rapidez de realimentação de informações no computador; 5. o aprendizado visual é intensificado; 6.
o
computador
permite
aos
estudantes
a
aprendizagem
e
o
desenvolvimento autodidático; 7. o uso do computador em problemas simples pode ser estendido ao laboratório e também, após o entendimento do estudante, ser proposto algo mais complexo; 8. computadores estão fazendo parte do ensino escolar e preparam os alunos para o mercado de trabalho. Por outro lado, a simples adição do computador ao ensino não garante o sucesso da aprendizagem, e inclusive pode ampliar as dificuldades e problemas que já existem. Portanto, o seu uso na educação deve ser muito bem planejado, visando a sua harmonia, com técnicas, estratégias e métodos de ensino que aproveitem suas potencialidades. Desse modo, devem-se conhecer os recursos disponíveis, suas limitações e as exigências relacionadas com a sua utilização (GIORDAN, 2005). Em linhas gerais, a utilização de software educativo e da Internet permite um trabalho mais personalizado, pois o professor pode adequar o programa às necessidades e ao ritmo do aluno. E como mediador nesse processo, o professor propicia a construção significativa do conhecimento, favorecendo a aprendizagem (SCATTONE, 2004; MORAN et al, 2000). A literatura relata como uma competência importante para o professor saber utilizar as novas tecnologias da informação e da comunicação, no qual necessita empregar editores de
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UTILIZAÇÃO DE SOFTWARE LIVRE BLENDER COMO FERRAMENTA PARA A CONSTRUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO FACILITADOR DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM EM QUÍMICA
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textos, explorar as potencialidades didáticas dos programas e saber comunicar-se por meio da telemática (MEC, 1999; PERRENOUD, 2000). Por outro lado, verifica-se que os professores da área não se encontram devidamente seguros e preparados para utilizá-los (MELO e MELO, 2005). Para superar estas ansiedades e dificuldades, cabe ao professor se atualizar e assim estar apto para as novas realidades (MORAN et al, 2000).
1.2.1 SIMULAÇÕES E ANIMAÇÕES NO ENSINO DE QUÍMICA As simulações e animações podem ser vistas como representações ou modelagens de objetos específicos reais ou imaginários, de sistemas ou fenômenos, experimentos perigosos ou de realizações muito caras, assim como os que envolvem fenômenos muito lentos ou extremamente rápidos, todos estão dentro da classe de eventos a serem alvos prioritários de simulações computacionais no ensino da Química (MEDEIROS; MEDEIROS, 2002). Animações computacionais são geradas a partir de aplicativos gerais de edição gráfica, sem necessariamente incluir valores empíricos de propriedades das substâncias ou das transformações. As simulações computacionais são geradas a partir de aplicativos específicos para estudo de propriedades de substâncias e transformações químicas, e estão intimamente relacionados ao ambiente de pesquisa cientifica. Segundo Giordan (2005), nas situações de simulação, desencadeia-se um jogo entre os elementos e as relações, que devem manter correspondência com seus análogos no plano do fenômeno. É nesse palco de simulações que podem se formar ambientes estimuladores para a criação de modelos mentais pelo sujeito, que passa a reconhecer nos modelos ora simulados a primeira instância de representação analógica da realidade. Entende-se por modelo mental a representação interna de informações que corresponde, analogamente, ao estado de coisas que estiver sendo representado. Assim, modelos mentais são análogos estruturais do mundo. (JHONSON-LAIRD, 1983; MOREIRA, 1996). Nessas situações, o sujeito se percebe diante de uma representação da realidade, obrigando-se a formular a sua própria, que venha a se ajustar àquela em simulação. Neste sentido, os programas de criação e edição de imagens podem ser de grande utilidade para que os professores consigam proporcionar condições aos alunos de, a partir da modelização de determinado fenômeno, desenvolverem a compreensão conceitual dos estudos desenvolvidos, não mais fazendo o uso errôneo ou mecânico dos conceitos que envolvem os fenômenos estudados.
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O EQUÍLÍBRIO QUÍMICO O conceito de Equilíbrio Químico se apresenta como um conceito difícil de compreender
tendo em vista o grau de abstração necessário. Este pode ser rigorosamente descrito pelas leis da termodinâmica. Essa ciência, que trata das situações gerais de equilíbrio, não se preocupa com as causas das transformações, mas somente com os estados de equilíbrio. Para uma determinada reação química, a termodinâmica tem a capacidade de predizer qual será a proporção de reagentes e produtos no estado de equilíbrio, mas nada pode dizer sobre os caminhos que a reação seguiu. As etapas (mecanismo) da reação são tratadas dentro de outra ciência complementar, a Cinética Química (SABADINI; BIANCHI, 2007). Assim, é comum os alunos associarem o estado de equilíbrio químico à ausência de alterações no sistema, o que inclui a concepção de que a reação não acontece mais, ou seja acreditam em um equilíbrio estático. Um sistema está em equilíbrio dinâmico quando aparentemente está estabilizado, mas trocas ou compensações entre partes do sistema e sua vizinhança continuam a ocorrer. Já o equilíbrio estático ocorre quando atinge a estabilidade em um certo estado e cessam as trocas e compensações entre partes do sistema ou entre o sistema e sua vizinhança. (MORTIMER; MACHADO, 2003). Dependendo da reação envolvida, o equilíbrio pode ocorrer a velocidades rápidas ou lentas e ainda envolver reagentes perigosos para sua experimentação. A compreensão acerca do equilíbrio químico é, muitas vezes, dificultada por aplicações acríticas de conceitos e devido à ênfase nos mecanismos e cálculos numéricos. Muitos alunos são capazes de calcular constantes de equilíbrio através das concentrações de reagentes e de produtos e conseguem prever se o equilíbrio se desloca no sentido de favorecer a formação de reagentes ou de produtos, mas apresentam compreensão superficial sobre o equilíbrio em nível atômico-molecular. Por outro lado a maioria dos livros didáticos de Química apresenta desenhos que somente descreve ou ilustra algum sistema, mas sem fundamentar a discussão em relação aos conceitos científicos (EICHLER; DEL PINO, 2010). O uso do modelo molecular de bolas também é um elemento que deve ser enfatizado. Modelos moleculares desse tipo podem ser ótimos paradigmas de ensino, pois permitem que os alunos “vejam” os átomos. Todavia, a utilização dos mesmos nos livros dá-se por meio de representações
bidimensionais,
que
nem
sempre
são
facilmente
“visualizadas”
tridimensionalmente pelos alunos. Essa é, sem dúvida, uma limitação dos materiais impressos (EICHLER; DEL PINO, 2010). Tal fato aliado à necessidade de se compreender o nível microscópico da reação justifica a necessidade de se utilizar animações e simulações computacionais. O presente projeto considerou para estudo e confecção do tutorial a reação entre as espécies gasosas de gás
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hidrogênio (H2) e iodo (I2), com a formação de iodeto de hidrogênio gasoso (HI), conforme equação representativa: H2(g) + I2(g)
1.2.3
2 HI(g)
(1)
O SOFTWARE LIVRE: BLENDER O software livre e aberto Blender foi desenvolvido pela Blender Foundation, uma
organização independente, agindo como uma corporação sem fins lucrativos de utilidade pública e tem com um de seus objetivos permitir o acesso da comunidade mundial de Internet para a tecnologia 3D em geral. O mesmo permite confeccionar imagens e animações que podem ser perfeitamente utilizadas nas diferentes áreas da educação. A comunidade seguidora desta plataforma de software já desenvolve programas educacionais na área da física, mas não há registros na área da Química (BLENDER, 2010). O
programa
pode
ser
adquirido
no
seguinte
endereço
eletrônico:
http://www.Blender.org/Blenderorg/Blender-foundation.
2
MATERIAL E MÉTODOS
2.1 A CRIAÇÃO DO TUTORIAL Inicialmente foi feita a proposta de realização do projeto aos alunos do segundo ano do Curso Técnico Integrado em Automação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do campus de Itumbiara (IFG/Itumbiara). Três alunos demonstraram interesse e se reuniram semanalmente para discussão e execução do projeto. O projeto foi executado no laboratório de informática do campus IFG/Itumbiara. A princípio, estes alunos se ambientaram com o software livre Blender e verificaram a sua aplicação na construção de animação gráfica de equilíbrio químico. A versão utilizada do programa foi a 2.6.2. Após o domínio das ferramentas básicas, o grupo de trabalho focou na construção de um tutorial que contivesse as instruções básicas e também as instruções para uma animação simulando uma reação química.
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2.2 APRESENTAÇÕES DO TUTORIAL E DAS POTENCIALIDADES DO SOFTWARE LIVRE BLENDER AOS DISCENTES DO CURSO DE LICENCIATURA EM QUÍMICA DO IFG (CAMPUS ITUMBIARA) Foi realizado um encontro no laboratório de informática do IFG/Itumbiara visando apresentar as possibilidades do programa Blender na construção de simulações e animações para o ensino de Química. O encontro foi coordenado pelo professor da disciplina de Metodologia do Ensino de Química, no qual participaram sete alunos do 6o período de licenciatura em Química. No mesmo encontro foi apresentado o programa, bem como o tutorial desenvolvido. Os alunos puderam refazer os passos do tutorial e criar a animação proposta.
3
RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 O SOFTWARE LIVRE BLENDER Neste trabalho foi utilizada a versão 2.6.2 do software livre Blender. Analisando as potencialidades do software verificou-se que o programa Blender se apresentou como uma ferramenta útil para a criação de animações e simulações, especialmente em Química. Esta potencialidade vem ao encontro do desejo de se compreender o equilíbrio em nível atômicomolecular, o que otimizaria a discussão e a aprendizagem dos conceitos científicos (EICHLER; DEL PINO, 2010). Entretanto, o programa se mostrou de difícil manuseio e aprendizagem, até mesmo das funções operacionais básicas, uma vez que ele trabalha com a concepção de teclas de atalho, além de apresentar centenas de funções diferentes. Destaca-se também que o programa permite a sua utilização em língua portuguesa, porém nem todas as suas opções se encontram nesta língua, permanecendo boa parte destas em inglês. Para superar estes desafios, os colaboradores fizeram a leitura de memoriais disponíveis em sites da rede mundial de computadores.
3.2 A ANIMAÇÃO DE EQUILÍBRIO QUÍMICO Em um primeiro momento foi realizada aula expositiva com auxílio de equipamento multimídia para os colaboradores do projeto compreenderem o tema equilíbrio químico. Para fins
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de confecção do tutorial de animação de equilíbrio químico, procurou-se utilizar uma reação química de fácil entendimento e visualização (1). Para a sua construção, tomou-se como modelo de átomo esferas rígidas e a união destas resultando na imagem das moléculas dos gases em questão. A figura 1 apresenta imagem da animação do equilíbrio na plataforma Blender desenvolvida neste projeto.
Figura 1: Imagem da animação do equilíbrio na plataforma Blender
3.3 O TUTORIAL A criação do tutorial foi a etapa determinante deste projeto. Este teve como objetivo concentrar todas as informações necessárias para que um leigo obtivesse êxito em sua primeira tentativa de manuseio e criação de animação gráfica no software Blender. O resultado final do tutorial é apresentado no quadro 1. Quadro 1 - Tutorial para desenvolvimento de animação no programa Blender FORMAÇÃO DA MOLÉCULA DE I2 Passo
Procedimento
Descrição da Ação
1
Clicar no ícone Blender na área de trabalho
Abre o programa Blender
2
Clicar na tecla A duas vezes
Seleciona a figura inicial, luz e câmera.
3
Clicar na tecla delete + ok
Deleta todas a figura inicial, luz e câmera.
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4 5 6
Clicar na barra de espaço + Add + Mesh + Uvsphere + Ok
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Insere esfera que representará um átomo.
Clicar na barra de espaço + Add + Mesh +
Insere outra esfera que representará um
Uvsphere + Ok
átomo.
Clicar na tecla G e com o mouse levar a esfera ao contato da outra
Formação de molécula biatômica de I2.
FORMAÇÃO DA MOLÉCULA DE H2 7 8 8
Clicar na barra de espaço + Add + Mesh + Uvsphere + Ok
Insere esfera que representará um átomo.
Clicar na tecla S e com o mouse diminuir o
Diminui o átomo de Hidrogênio
tamanho da esfera. Clicar fora da esfera. Clicar na barra de espaço + Add + Mesh +
Insere outra esfera que representará um
Uvsphere + Ok
átomo.
Clicar na tecla S e com o mouse diminuir o 9
tamanho da esfera (deixar do tamanho da
Diminui o átomo de Hidrogênio
esfera do passo 8. 10
Clicar na tecla G e com o mouse levar a esfera ao contato da outra
Formação de molécula biatômica de H2.
PREPARANDO A MOVIMENTAÇÃO DAS MOLÉCULAS 11
Clicar B e segurando botão esquerdo do Clicar G e levar a molécula (utilizando setas de
12
Selecionar a molécula de I2
mouse selecionar a molécula de I2 movimentação) para o canto esquerdo da tela e
Leva a molécula de I2 para o canto esquerdo da tela
clicar na tela + A 13 14 15
Repetir o passos 11 e 12 e levar a molécula de H2 para a direita
Levar a molécula de H2 para o canto direito.
Clicar B e selecionar a molécula da esquerda
Seleciona molécula
Clicar object (menu de opções inferior à esquerda)
16
Clicar Insert Keyframe
17
Clicar Loc
Informa localização da molécula
18
Clicar setinha sobe (↑)
Cria frame (pedaço do filme)
Clicar G e movimentar a molécula para a direita 19
cerca de 2 cm (utilizando setas de movimentação) clicar na tela
20
Repetir passos 14 a 19 para a movimentar a
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molécula da direita Repetir os passos anteriores diversas vezes até 21 22
que as 2 moléulas se choquem Após o choque repetir passos anteriores para fazer as moléculas se afastarem Fazer o número de moléculas que achar necessário para exemplificar as reações químicas pertinentes
3.4 A APLICAÇÃO DO TUTORIAL EM ALUNOS DO CURSO DE LICENCIATURA EM QUÍMICA Os colaboradores do projeto em conjunto com o professor da disciplina de metodologia de ensino de Química decidiram aplicar o tutorial em sala de aula de alunos do 6° período do curso de Licenciatura em Química. Inicialmente foi feita uma investigação prévia sobre o entendimento dos alunos sobre o conceito de equilíbrio químico. Em seguida foi apresentada aula expositiva sobre o conceito de equilíbrio químico baseando-se principalmente na equação (1). Posteriormente foi aplicado o tutorial em sete alunos do 6o período do curso de Licenciatura em Química do IFG/Itumbiara. Para o desenvolvimento do tutorial, o programa foi previamente instalado em todas as máquinas do laboratório de informática do campus do IFG/Itumbiara. Entretanto, foi apresentado a estes alunos os caminhos e a facilidade de obtenção do mesmo via Internet. Em seguida foi distribuído aos alunos via e-mail o tutorial criado para se fazer a animação do equilíbrio proposto. Cabe aqui destacar o comportamento proativo e de animosidade dos alunos da licenciatura em se utilizar o computador para se aprender um conceito químico. Isto corrobora com a ideia de que as novas tecnologias proporcionam oportunidades para a criação de ambientes de aprendizagem e propiciam suporte e ferramentas para o aumento desta aprendizagem (GRECA; RIBEIRO, 2003). Reforça também a necessidade de se reconhecer e avaliar o desenvolvimento tecnológico contemporâneo e suas relações com as ciências e com o cotidiano (BRASIL, 1999; BRASIL, 2002). Para se avaliar o grau de envolvimento dos alunos foi feita uma pesquisa de opinião com os mesmos. Nesta pode-se constatar que os sete alunos da licenciatura acharam válida a proposta de se utilizar uma animação no ensino do conceito de equilíbrio químico. Verificou-se também a dificuldade de se trabalhar com novas tecnologias, uma vez que 71% dos alunos (5 alunos) conseguiram concluir com êxito a animação proposta. Dois alunos não conseguiram finalizar a animação em virtude de algumas dificuldades com o programa. Isto demonstra que o uso de novas tecnologias na educação deve ser muito bem planejado e deve-se conhecer os
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recursos disponíveis, suas limitações e as exigências relacionadas com a sua utilização (GIORDAN, 2005). Pode-se observar que o tutorial apresentado é uma ferramenta útil para que pessoas leigas frente ao programa Blender possam adquirir gratuitamente e utilizar o mesmo. A totalidade dos alunos (100%) assinalou positivamente a utilização do programa e de animações para facilitar o ensino de química em sua futura prática docente. Foi unânime também a opinião de que as animações facilitam o processo de ensino e aprendizagem de conceitos químicos.
4
CONCLUSÃO O presente trabalho conseguiu proporcionar aos alunos do curso técnico a possibilidade
do contato com o software livre de animação gráfica Blender. Este possibilitou o desenvolvimento de competências e habilidades que ajudaram no processo de aprendizagem em Química. O projeto permitiu avaliar o software, bem como desenvolver e confeccionar material instrucional (tutorial) para a construção de animações, em específico a animação sobre equilíbrio químico. O tutorial foi testado por alunos do curso de Licenciatura em Química do IFG/Itumbiara e constatouse a operacionalidade do tutorial uma vez que 71 % dos alunos conseguiram concluir a animação. Conclui-se também que as novas tecnologias podem ser exploradas e utilizadas no ensino de conceitos de Química.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Literatura Brasileira
RESENHA O FOLHETIM TELEVISIVO: A ADAPTAÇÃO DE INCIDENTE EM ANTARES PARA A TELEVISÃO
HIcLéA LuzIA cOSTA TON PAuLETTI Mestre em Letras pela universidade de Marília-SP-uNIMAR, docente da rede estadual de ensino (São Paulo) graduada em Letras pela Fundação Regional Educacional de Avaré e Pós-Graduada em Gestão Escolar-Faculdades Integradas de Botucatu.
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RESENHA: O FOLHETIM TELEVISIVO: A ADAPTAÇÃO DE INCIDENTE EM ANTARES PARA A TELEVISÃO
Hicléa Luzia Costa Ton Pauletti
O livro A presença do folhetim na minissérie Incidente em Antares, de autoria dos professores Ângela Aparecida Batista Conversani e Altamir Botoso, objetiva estudar elementos da narrativa folhetinesca que se encontram presentes na minissérie Incidente em Antares, adaptada do romance homônimo do escritor gaúcho Érico Veríssimo (1905-1975) e apresentada pela Rede Globo de televisão em 1994, às 21:30. A referida obra está dividida em quatro capítulos, conta com um prefácio elaborado pelos autores e dois anexos, o primeiro, com dados da minissérie que, originalmente, possuía 12 capítulos e foi transformada em DVD, de 3h36’, e o segundo, que apresenta um quadro das minisséries globais, no período de 1982 a 2008. No primeiro capítulo, cujo título é “Érico Veríssimo: o escritor, o tradutor”, procura-se fornecer os dados mais relevantes da vida do escritor, que nasceu em Cruz Alta, Rio Grande do Sul; são elencadas as adaptações de seus textos para o cinema, teatro e televisão (CONVERSANI e BOTOSO, 2010, p. 20-21), além de se mencionar as obras traduzidas por Érico Veríssimo e se busca caracterizar o referido autor como um dos principais nomes do movimento modernista brasileiro. No capítulo dois, “O universo do folhetim”, os autores traçam um panorama sobre o romance folhetim, desde o seu surgimento na França, no século XIX, sua chegada aos jornais brasileiros até o século XX, quando se pode notar que o folhetim sobreviveu e continua sendo uma das marcas fundamentais das telenovelas e minisséries atuais (CONVERSANI e BOTOSO, 2010, p. 50). As minisséries e o seu formato são abordados no capítulo terceiro – “Teledramaturgia brasileira: as minisséries”. Nesse capítulo, conceitua-se o que é uma minissérie: uma produção televisiva, com cerca de vinte capítulos aproximadamente (podendo variar, de dois ou três até a sessenta capítulos), que recebe mais investimentos e cuidados na produção, escalação de elenco, pode basear-se em obras literárias ou não, é direcionada a um público mais seleto e exigente, com temáticas ligadas à realidade nacional e apresentadas depois das dez horas da noite (CONVERSANI e BOTOSO, 2010, p. 54-55). Além disso, são mencionadas e comentadas, nessa parte do livro, as adaptações das obras de Érico Veríssimo para a televisão e o cinema e, em Revista!Iluminart!|!Ano!V!|!nº!10!|!ISSN!1984!;!8625!|!Jun/2013!|!!241!
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particular, a transposição do romance Incidente em Antares para o audiovisual, realizada por Charles Peixoto e Nelson Nadotti. Finalmente, em “Marcas do folhetim na minissérie Incidente em Antares”, que é o quarto capítulo do livro, os autores levantam elementos que comprovam a existência de traços do modelo folhetinesco por meio de duas duplas amorosas que inexistem no romance: Pudim de cachaça/Erotildes e Pedro Paulo/Valentina. Os dois primeiros fazem parte do universo dos mortos e os outros dois pertencem ao mundo dos vivos. Vale ressaltar que o foco central, tanto da narrativa ficcional quanto da televisiva, é o fato de que sete mortos insepultos, devido a uma greve dos coveiros, levantam-se de seus caixões e retornam à cidade de Antares para exigir seus sepultamentos e revelam à população antarense os crimes, os roubos e a violência praticada por eminentes membros da sociedade de Antares, tais como o Coronel Vacariano, o juiz, o delegado, o médico etc. Conforme atestam os autores, “a presença do romance-folhetim configura-se na minissérie, basicamente, pela inclusão dos dois casais” (CONVERSANI e BOTOSO, 2010, p. 103), que são o alcoólatra Pudim de cachaça e a prostituta Erotildes, ambos fazem parte do grupo dos sete mortos, e o padre Pedro Paulo e a mulher do juiz, Valentina, e tal inclusão teve o objetivo de fazer com que o telespectador se identificasse com o modelo folhetinesco, básico e essencial nas telenovelas, ao qual ele já se habituou. Se, na transposição do romance para a tela, os autores não empregassem a fórmula do folhetim, a minissérie poderia até ser rejeitada e transformar-se num fracasso de audiência. Desse modo, o recurso da utilização do folhetim permitiu que ela fosse bem sucedida, garantiu uma ótima audiência e tornou-se uma das minisséries mais assistidas pelo público da Rede Globo, evidenciando “o fôlego do folhetim que é a estrutura sobre a qual se assentam todas as narrativas televisivas [...], sejam elas novelas ou minisséries” (CONVERSANI e BOTOSO, 2010, p. 64). Depois de feitas as observações sobre o conteúdo da obra em apreço, resta dizer que se trata de um estudo bem elaborado, com uma linguagem clara e precisa, que valoriza tanto o romance quanto a minissérie, inclusive desfazendo certos mitos de que as adaptações de romances poderiam desmotivar a leitura por parte do público. Os autores, pautados pelas considerações de Antonio da Silveira Brasil Jùnior, Elisa da Silva Gomes e Maíra Zenun Oliveira (apud CONVERSANI e BOTOSO, 2010, p. 65) enfatizam que a exibição de minisséries baseadas em romances nacionais ou estrangeiros estimula a venda de tais obras, chegando a números realmente elevados, mesmo no caso de minisséries consideradas como fracasso de audiência, caso de Os Maias. Além dos fatores expostos acima, cumpre acrescentar que o livro A presença do folhetim na minissérie Incidente em Antares é uma leitura estimulante, agradável, que instiga o leitor a
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ler/reler romance e a ver/rever a sua transposição televisiva. É, sem dúvida, uma contribuição a todos os estudiosos que se dedicam à abordagem de adaptações de obras literárias para o cinema e a televisão.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA CONVERSANI, Ângela Aparecida Batista e BOTOSO, Altamir. A presença do folhetim na minissérie Incidente em Antares. Bauru: Canal 6, 2010, 120 p.
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Relatório de finalização Comissão Eleitoral Central - CEC
Processo de Eleição para Reitor e Diretores Gerais de Campi - 2012.
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - IFSP
São Paulo Fevereiro de 2013
Sumário 1. Apresentação
03
2. Início do processo eleitoral e definição das comissões eleitorais
04
2.1- Membros eleitos para a Comissão Eleitoral Central
06
2.1.1- Representantes do Corpo Docente
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2.1.2- Representantes do Corpo Técnico Administrativo
06
2.1.3- Representantes do Corpo Discente
06
2.2- Primeira mesa diretora da CEC
06
3. Definição dos Códigos Eleitorais
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4. O processo eleitoral
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5. O processo de votação
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5.1 – 1º Turno
11
5.1.1 - Processo de votação específico no Campus São Paulo 5.1.2- Justificativas para adiamento do pleito de Diretor no Campus São Paulo
12 13
5.2 – 2º Turno
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6. Recursos jurídicos
15
7. Votação e homologação dos resultados
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7.1- Votação 1° turno: Reitor
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7.2- Votação 1° turno: Diretor Geral de Campus
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7.3- Votação 2° turno
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7.4- Resultados finais – Homologação
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8. Dificuldades do processo eleitoral
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9. Sugestões para o próximo pleito
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10. Agradecimentos
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11. Equipe final da CEC
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1.Apresentação: O presente documento tem por finalidade registrar a primeira eleição para Reitor e Diretor Geral de alguns campi que compõe o IFSP, ocorrida no segundo semestre de 2012. Outras eleições para cargos de direção já foram realizadas na Instituição, porém, esta foi o primeiro pleito após a Lei 11.892 de 29 de dezembro de 2008 – que estabelece os Institutos Federais – e contou com a participação da comunidade dividida da seguinte forma: - Reitoria - Campus: • Araraquara;
• Registro;
• Avaré;
• Salto (e seus campi avançados
• Barretos;
Boituva e Capivari);
• Birigui;
• São Carlos;
• Bragança Paulista;
• São João da Boa Vista;
• Caraguatatuba;
• São José dos Campos;
• Catanduva;
• São Paulo;
• Cubatão;
• São Roque;
• Guarulhos;
• Sertãozinho (e seu campus
• Hortolândia;
avançado Matão);
• Itapetininga;
• Suzano;
• Piracicaba;
• Votuporanga.
• Presidente Epitácio; - Polos EaD: • Araraquara;
• Itapetininga;
• Barretos;
• Jaboticabal;
• Franca;
• São João da Boa Vista;
• Guaíra;
• Serrana;
• Itapevi;
• Tarumã.
- PROEJA – FIC: • Itapetininga;
• Francisco Morato;
• Osasco;
• Itapevi.
• São Bernardo do Campo; O total de eleitores aptos a participarem do processo pode ser divido em: ELEITORES
DOCENTES
1066
ADMINISTRATIVOS
709
DISCENTES
21516
Este é o relatório de finalização do processo eleitoral do período 2012.
2. Início do processo eleitoral e definição das comissões eleitorais: O processo eleitoral do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) teve início no dia 31 de agosto de 2012 com a resolução n° 714, expedida pelo presidente do Conselho Superior (CS), Reitor Arnaldo Augusto Siquielo Borges. O objetivo deste pleito foi escolher o novo Reitor, e também escolher novos diretores para os campi de Caraguatatuba, São João da Boa Vista, Guarulhos, Sertãozinho, São Paulo, Cubatão, Salto e São Carlos para início de mandato em Janeiro de 2013. O IFSP terminava a sua participação na greve nacional. Vários campi aderiram integralmente, outros parcialmente e alguns não aderiram, o que resultou em calendários de atividades diferentes em cada unidade, fato este que interferiu decisivamente em algumas decisões tomadas ao longo das atividades.
Após o início do processo, a Gerência Educacional de cada campus ficou responsabilizada por formar a Comissão Eleitoral Local (CEL) própria, cujos membros foram nomeados através da portaria n° 2859 de 21 de setembro de 2012. Cada CEL foi formada por membros das 3 categorias distintas – docentes, administrativos e discentes, sendo 3 titulares e 3 suplentes de cada categoria. Por sua vez, estas comissões ficaram responsáveis por, na sua primeira reunião, eleger os membros da Comissão Eleitoral Central (CEC), cuja composição deveria seguir a mesma forma de representação das CELs. A nomeação dos integrantes escolhidos pelos seus pares foi realizada através da portaria n° 2923 de 28 de setembro de 2012. A CEC, em sua primeira reunião, elegeu seu presidente, vice-presidente, primeiro e segundo secretários, nomeados pela portaria n° 2963 de 3 de outubro de 2012. A escolha dos membros da CEC foi marcada pela natural divergência entre integrantes dos campi mais antigos e dos novos, do campus da capital e os do interior e litoral, ou seja, posições políticas antagônicas em um Instituto imenso e diversificado. Não foi um processo simples e harmonioso, muito pelo contrário. Entre a deflagração do processo eleitoral e o início efetivo das atividades da CEC passaram-se um pouco mais de 30 dias, tornando o calendário estreito para um processo eleitoral de qualidade, seja pela parte operacional seja profundidade das discussões políticas no IFSP. A formação da CEC afetou os trabalhos das CELs que cederam seus membros, pois somente os titulares destas poderiam compor a Comissão Central. Devido à presença quase integral de servidores e discentes locados no interior do estado, as reuniões presenciais foram substituídas por reuniões através de videoconferência. Os servidores não foram dispensados de suas obrigações rotineiras em seus campi, o que os obrigou a uma sobrecarga de trabalho e, quando necessário, viagens exaustivas. Além de ser a primeira eleição para Reitor do Instituto, os servidores que tinham participado de comissões eleitorais anteriores não foram envolvidos, resultando em equipes – tanto CEC quanto CELs - inexperientes para efetuar o processo, tanto sobre aspectos legais e jurídicos quanto operacionais. Os efeitos da inexperiência, grandes distâncias entre os campi, aliada ao prazo exíguo foram sentidos ao longo de todas as atividades, tornando o processo, em vários momentos - confuso e conturbado.
2.1- Membros eleitos para a Comissão Eleitoral Central: 2.1.1- Representantes do Corpo Docente: Altamiro Xavier de Souza – Titular (Campus Sertãozinho) Edson Murakami – Titular (Campus Salto) Rogério Tadeu de Silva – Titular (Campus São Roque) Marcos Roberto Ruybal Bica – Suplente (Campus Birigui) Marcelo Velloso Heeren – Suplente (Campus São João da Boa Vista) Chester Contatori – Suplente (Campus São Paulo) 2.1.2- Representantes do Corpo Técnico Administrativo: Elaine Cristina dos Santos – Titular (Campus São João da Boa Vista) Sheyla Gorayeb Silva – Titular (Campus Caraguatatuba) Henrique Buzeto Galati – Titular (Campus Araraquara) Reginaldo Vitor Pereira – Suplente (Campus Salto) Luiz Henrique Meschiatti – Suplente (Campus Sertãozinho) Mario Luiz Gusson Martins – Suplente (Campus São Paulo) 2.1.3- Representantes do Corpo Discente: Larissa Carvalho Dantas – Titular (Campus Salto) Alfredo Spada Neto – Titular (Campus São João da Boa Vista) Anthony Freitas Leal dos Santos – Titular (Campus Sertãozinho) Fabrizio Laertes de França – Suplente (Campus Bragança Paulista) Ana Carolina de Almeida Carreira Toschi – Suplente (Campus São Paulo) Valderi Silveira Pinto Júnior – Suplente (Campus Cubatão) 2.2- Mesa diretora da CEC: Altamiro Xavier de Souza – Presidente Sheyla Gorayeb Silva – Vice-presidente Henrique Buzeto Galati – 1º Secretário Larissa Carvalho Dantas – 2º Secretário
3. Definição dos Códigos Eleitorais: Após a nomeação da composição da CEC, seus membros tiveram 10 dias para desenvolver e encaminhar para aprovação do CS, o código eleitoral do processo de reitor e outro código eleitoral para o processo de diretores de campi. A CEC elaborou-os e encaminhou para aprovação do CS, entretanto, este modificou diversos itens. As alterações, além de corrigir falhas legais, modificaram pontos estruturais do texto descaracterizando os códigos propostos pela CEC. O CS aprovou os novos códigos sem reencaminhar antes para os membros da CEC, o que gerou descontentamentos de seus membros e por parte da comunidade do IFSP, já que o decreto n° 6986 de 20 de outubro de 2009, expedido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que regulamenta as eleições nos Institutos Federais do Brasil, explicita que somente “compete ao CS deflagrar os processos de consulta a que se refere o art. 2o, e deliberar sobre a realização dos pleitos em turno único ou em dois turnos”. Paralelo a isto, houve um entendimento por parte do CS de que os campi avançados não deveriam eleger o diretor do campus sede, o que gerou uma batalha política entre os campi envolvidos, tornando o ambiente ainda mais hostil e explosivo. Outro ponto que gerou bastante discussão foi o fato - após interpretação errônea do decreto n° 6986 de 20 de outubro de 2009 por parte da CEC -, de que cabia a ela analisar e homologar as candidaturas dos diretores. Esta atribuição pertence à CEL do campus cuja eleição para diretor ocorra, de modo que os Códigos aprovados precisavam ser revistos. No dia 24/10/12 realizou-se uma reunião com a participação dos membros da CEC, os presidentes das CELs envolvidas na questão dos campi avançados/campi sede, todos os candidatos a reitor e diretor cujo objetivo era estabelecer um consenso sobre as diversas questões que permeavam a eleição e para que os códigos pudessem atender às necessidades do IFSP através de um processo democrático. Como não houve consenso entre as partes e persistia a incerteza sobre a legalidade da intervenção do CS nos códigos eleitorais, a CEC, ao final desta reunião, decidiu paralisar a eleição em todas suas atividades e reunir-se novamente com o CS.
Na reunião extraordinária do Conselho Superior do IFSP, do dia 26/10/12, houve a determinação de se aguardar um parecer jurídico da Advocacia Geral da União (AGU) sobre a competência do CS em alterar a Minuta do Código Eleitoral proposta pela Comissão Eleitoral Central, além de esclarecer a questão dos campi avançados/campus sede. A resposta da Procuradoria – Parecer Nº 59/2012/PF-IFSP/PRF-3ª R/PGF/AGU – foi emitida em 29/10/2012. A CEC reuniu-se no dia 31/10/12 com a procuradora do IFSP Luciana Oliveira Sakamoto Silva, e o representante do Presidente do CS, prof. Gersoney Tonini Pinto. Ficaram esclarecidas as competências de ambas, sendo que à CEC cabe estabelecer as normas, porém, estas podem ser aprovadas pelo CS, ou não. Para evitar novos conflitos de interesse a CEC decidiu aceitar as alterações realizadas pelo CS. Após o parecer da procuradoria os códigos foram novamente alterados em alguns pontos e homologados pelo CS. É importante ressaltar que os códigos eleitorais utilizados no processo eleitoral não foram os códigos elaborados pela CEC no início do processo, mas sim, a terceira versão, segunda apresentada pelo CS.
4. O processo eleitoral: O processo eleitoral teve início no dia 31/08/2012 e foi finalizado – nesta etapa – no dia 18/12/2012. Ao final da reunião do dia 24/10 – citada anteriormente - a CEC, devido a toda confusão estabelecida, decidiu suspender o processo eleitoral visando restituir a ordem e definir os critérios para o pleito. Durante o período em que a procuradoria avaliava os questionamentos sobre as modificações e interferência nos códigos, e a participação dos integrantes dos campi avançados na escolha dos diretores dos campi sede, o processo eleitoral esteve paralisado. Esta medida, aliada à precariedade do processo, agravou o problema do calendário, pois o prazo para finalizar o processo de escolha dos representantes coincidia com o término das atividades escolares. Para agravar ainda mais o quadro, houve um feriado prologando durante este período e os campi apresentavam calendários de atividades diferentes devido à
greve de 2012, de modo a prejudicar a participação da comunidade pela sobrecarga que agora não era mais exclusividade da CEC e das CELs, e sim de todo IFSP. Tendo em vista o pouco tempo para o desenvolvimento da campanha e para os debates etc., a CEC solicitou, em reunião realizada no dia 06/11/12, autorização do CS para que fosse feito junto ao Ministério da Educação (MEC) um pedido de prorrogação do processo eleitoral para o ano de 2013, solicitação esta negada. Decorrente desta negativa, novos desdobramentos atribularam ainda mais o processo eleitoral. Membros de diversas CELs e da CEC renunciaram - por motivos diversos - às suas funções, sobrecarregando os que continuaram o trabalho. Os motivos para renúncia foram desde a discordância pessoal sobre a condução do processo até o alinhamento político com algum candidato. A estes fatos soma-se a necessidade de regularização da CEC, pois o parecer da Procuradora favorável à participação dos campi avançados nas eleições dos respectivos campi sede selou o entendimento errôneo do CS de que os campi avançados poderiam ser tratados como entidades distintas. A composição da CEC foi determinada com a participação de, em alguns casos, três CELs, quando deveria haver somente uma com direito a voto. Em consulta às CELs sobre a manutenção da CEC original, houve o entendimento da maioria pela continuidade da mesma na condução dos trabalhos. Porém, após a reformulação da CEL do campus Salto – inicialmente consistiam em três: Salto, Boitúva e Capivari, mais dois integrantes foram afastados da CEC por não terem sido eleitos para a Comissão Local única reelaborada nestes campi. Após estas definições, o processo eleitoral reiniciou-se no dia 06/11/2012 com todas as atividades inerentes às comissões e aos candidatos. Foram homologadas as candidaturas de reitor pela CEC e para diretor geral pelas respectivas CELs. Somente após a homologação é que os candidatos foram liberados para realizarem de forma oficial a campanha. Algumas reclamações foram recebidas, pois candidatos estavam desrespeitando o código eleitoral ao antecipar suas campanhas. A CEC entendeu que antes desta homologação não poderia considerar o servidor como candidato, de modo a não caber nenhuma sanção ao mesmo. Este vácuo no processo eleitoral precisa ser sanado para as próximas eleições.
Nesse período os candidatos tiveram a prerrogativa de visitar os campi para campanha eleitoral, porém, precisavam agendar a visita com a CEL. A questão da comunicação precária entre as partes, aliada à necessidade de viagens a diversos campi em poucos dias, não permitia a agilidade necessária em um processo desgastante e dispendioso como este, prejudicando sobremaneira a apresentação das propostas dos candidatos. Foram realizados 2 debates para reitor: o primeiro no campus Sertãozinho e outro no campus São Paulo. Além disso, cada CEL realizou debates para diretor de acordo com o calendário do campus. Cabe aqui registrar a participação dos estudantes do campus São Paulo na preparação, organização e participação no debate. As regras do mesmo foram elaboradas em conjunto pela CEC e entidades representativas dos estudantes. A CEC achou melhor mediar o debate, por entender que algumas situações poderiam expor sobremaneira o estudante envolvido na mediação, porém, as entidades estudantis mostraram forte maturidade nas questões formuladas e nas decisões sobre recursos ao longo da atividade. O calendário foi seguido e o primeiro turno da eleição para reitor ocorreu no dia 28/11/2012 juntamente com a eleição para diretor dos campi que apresentaram 3 candidatos ou mais – São Paulo, Caraguatatuba e Cubatão. Na sequência, a CEC analisou a documentação (atas das mesas receptoras e apuradoras) de todos os campi e, devido a algumas irregularidades, as urnas dos campi de São João da Boa Vista, São Paulo, Birigui, Capivari (campus avançado), Serrana (polo EaD), São José do Rio Preto (polo EaD) foram anuladas. No campus São Paulo, em razão de problemas ocorridos durante os processos de votação e apuração, as urnas com votos para reitor e também para diretor foram anuladas. O processo de eleição para diretor do campus São Paulo foi cancelado e será realizado em 2013. Adicionalmente, foram apresentados alguns recursos pela comunidade do IFSP – principalmente candidatos e apoiadores – pedindo o cancelamento do processo eleitoral, situação na qual a CEC, em sua maioria, não achou prudente. Homologados os resultados do primeiro turno (comunicado 12/2012 da CEC) no dia 30/11/2012, as comissões eleitorais e os candidatos iniciaram, imediatamente, suas atividades para o segundo turno.
Cada CEL definiu as datas para os debates de diretor em suas unidades e a CEC definiu o campus Caraguatatuba, e o dia 05/12/12, para o debate entre os dois candidatos a reitor. Este foi o modo de contemplar o litoral, já que o interior e a capital tiveram a oportunidade no primeiro turno. A votação ocorreu no dia 12/12/2012 e definiu o novo reitor do IFSP e também os diretores dos campi que participaram do processo eleitoral.
5. O processo de votação: 5.1 – 1º turno: A votação de 1º turno para reitor do IFSP e para diretor dos campi ocorreu no dia 28 de novembro de 2012, estando previsto para iniciar às 08h00 horas e término às 21h00 horas. Todas as cédulas foram confeccionadas pelos membros da CEC na reitoria, sendo necessário que os membros das CELs fossem até São Paulo para buscar as cédulas bem como as atas das mesas receptoras, apuradoras etc. Durante a votação ocorreram alguns contratempos em diversos campi. Concretamente, apuraram-se os seguintes equívocos: a) divulgação da lista de votantes no dia anterior e no dia da votação para algumas unidades, situação não condizente com o prazo estabelecido pelo código eleitoral; b) as listas estavam em alguns casos fora de ordem alfabética e/ou de curso, dificultando sobremaneira a votação dos discentes; c) o pleito iniciou com atraso em alguns colégios eleitorais; d) houve, em alguns lugares, imensas dificuldades (antes e durante o pleito) de captar servidores interessados em assumir as mesas receptoras, as quais, ademais, deveriam ter um integrante de cada segmento, evitando-se ao máximo a presença de membros da CEC como receptores de votos; e) as atas de recepção de votos foram, em alguns campi, preenchidas incorretamente ou entregues em branco, inviabilizando, com isso, o cômputo exato dos votos, o que, ao final da apuração, fosse virtualmente impossível fechar de maneira transparente as atas de apuração. Por estes motivos as urnas do campus São Paulo, São João da Boa Vista e Birigui; o campus avançado Capivari e os polos EaD Serrana e São José do Rio Preto foram anuladas – como dito anteriormente. Outro problema identificado foi a interpretação errônea, por parte de alguns presidentes de CELs, do código eleitoral sobre o processo de apuração, ocasionando
uma apuração fechada aos membros das juntas apuradoras e fiscais e sem divulgação imediata dos dados. A CEC não se atentou ao fato de realizar a divulgação imediata aos servidores dos resultados parciais de cada junta apuradora, o que gerou muita insatisfação da comunidade. Os membros das CELs novamente tiveram que se deslocar para São Paulo para entregarem todo material da eleição.
5.1.1- Processo de votação específico no Campus São Paulo (SPO): A votação de 1º turno para reitor do IFSP e para diretor do campus SPO ocorreu, assim como em todos os lugares, em 28 de novembro de 2012, estando previsto para acontecer entre 08h00 e 21h00. Como procedimentos básicos de votação, transcrevem-se abaixo alguns artigos do Código Eleitoral para Diretor, segundo os quais: Art. 24 No dia da votação, em presença dos fiscais e antes de iniciados os trabalhos, a mesa receptora fará a conferência das urnas. Art. 25 Por ordem de chegada, o votante se identificará mediante a apresentação de documento oficial com foto, apondo sua assinatura, em seguida, na lista de eleitores correspondente. Parágrafo único. São considerados documentos oficiais, que habilitam o voto: Carteira de Identidade (RG), Identidade Funcional (identificação profissional ou de entidade de classe), Certificado de Reservista, Carteira de Trabalho e Previdência Social, Carteira Nacional de Habilitação (com foto), Passaporte e, no caso dos discentes, Carteirinha de Estudante. Art. 26 Ao entregar a cédula, deverão ser mostradas ao votante as assinaturas dos integrantes da mesa contidas na cédula [...] Ainda de acordo com o Código, em seu Art. 31, sobre o processo de apuração dos votos, consta-se que “Nos campi em que ocorrer eleição para diretor-geral, a apuração desse processo não poderá preceder ao de reitor”, sendo a simultaneidade das apurações para reitor/diretor “a cargo das Comissões Eleitorais Locais” (Art. 31). Iniciada a apuração, seu encerramento se daria com a conferência das atas das mesas receptoras, lavrando-se as atas de apuração (conforme Art. 33). Por fim, o Art. 34 considera que:
Contadas as cédulas depositadas em cada urna, a mesa apuradora verificará se seu quantitativo corresponde ao número de votantes. § 1º Serão anuladas as cédulas que contiverem sinais de rasura e/ou identificação do votante e aquelas em que não se consiga identificar a intenção do eleitor. § 2º Será anulada a cédula em que mais de um nome de candidato for assinalado. Concretamente, apuraram-se os seguintes equívocos do dia: a) a lista final dos estudantes aptos a votar, cuja geração estaria a cargo da CEC e publicada uma semana antes do pleito, chega às mãos da CEL somente no próprio dia 28/11/2012 por volta das 06h00; ou seja, duas horas antes do início das votações. Este problema ocorreu porque a CEC percebeu que alguns dados recebidos por setores diferentes da escola (Coordenadoria de Registros Escolares – CRE e Diretoria Geral do campus, por exemplo) apresentavam fortes diferenças, demonstrando a fragilidade das informações institucionais. A conferência destes dados nos campi menores foi possível, mas em São Paulo, demorou sobremaneira. b) tais listas estavam totalmente fora de ordem alfabética e/ou de curso, dificultando a votação dos discentes. Neste caso, a CEL SPO necessitou, às pressas, gerar uma lista junto à CEC, desta vez, em ordem alfabética. Disso posto, o fato é que se iniciou o pleito com duas horas de atraso. c) Houve imensas dificuldades (antes e durante o pleito) de captar servidores interessados em assumir as mesas receptoras, as quais, ademais deveriam ter um integrante de cada segmento, evitando-se ao máximo a presença de membros da CEC como receptores de votos. Neste caso, o pequeno envolvimento de parcela de membros da CEL SPO (final de ano letivo, o que tornou extremamente complicado a dedicação dos servidores e estudantes) e o distanciamento da CEC – apesar de dois de seus membros serem ativos na CEL SPO, prejudicou o planejamento para as ações do dia da votação, o que refletiu na dificuldade de participação da comunidade nas mesas receptoras e apuradoras. d) Também, as atas de recepção de votos foram preenchidas incorretamente ou entregues em branco, inviabilizando, com isso, o cômputo exato dos votos, o que, ao final da apuração, fosse virtualmente impossível fechar de maneira transparente as atas de apuração, sendo as mesmas entregues sem a devida conferência por parte da CEL SPO. A apuração na unidade terminou às 6h do dia 29/11/12.
5.1.2- Justificativas para adiamento do pleito em SPO: Obviamente, os erros acima elencados e a impugnação das urnas repercutiram de forma muito negativa na comunidade. Após reuniões e conversas com Sr. Dr. Procurador do Ministério Público da União, Sra. Dra. Procuradora da Advocacia Geral da União, membros da CEC e da CEL, Magnífico Senhor Reitor do IFSP e candidatos inscritos para o pleito de Diretor do campus SPO decidiu-se adiar o pleito exclusivamente de diretor para o 1º semestre de 2013, mantendo a data do segundo turno da eleição para reitor, como previsto no Código Eleitoral, para o dia 12 de dezembro de 2012. São justificativas para tal que: a) Não se descumpriu a simultaneidade das duas eleições (reitor/diretor). b) a impugnação das urnas para reitor em SPO (e em alguns outros campi) não anula a existência do pleito de 1º turno para reitor – ademais de não ter prejudicado as posições entre os candidatos mais votados. c) A impugnação das urnas para diretor do campus SPO não significa, igualmente, a não ocorrência do pleito em tal unidade. d) As dificuldades de realização de dois turnos em dezembro agravariam os erros do 1º turno, além de impossibilitarem a presença importantíssima do segmento de discentes, cujos calendários letivos estavam já se encerrando. e) Finalmente, por se considerar muito mais racional corrigir os erros cometidos num processo menos apressado, com maior participação da comunidade nas funções de recepção e apuração de votos, inclusive. Disso, conclui-se adiar o pleito, mantendo-se o mesmo Código Eleitoral em vigor, os mesmos candidatos inscritos e a mesma CEL, cuja saída ou ingresso de componentes é matéria de foro interno de tal Comissão. 5.2 – 2º Turno: A votação de 2º turno para reitor do IFSP e para diretor dos campi ocorreu no dia 12 de dezembro de 2012, estando previsto para iniciar às 08h00 horas e término às 21h00 horas. Pelas dificuldades encontradas no 1° turno, a CEC enviou todo o material (cédulas de votação, lista de votantes, atas de votação) por e-mail para que as
CELs imprimissem e organizassem o material para o dia da votação. Adicionalmente, a CEC confeccionou documento enviado para todas as CELs com as orientações necessárias para o preenchimento das atas, bem como para a logística durante o período de votação. A experiência adquirida por todos envolvidos no primeiro turno foi fundamental para que o pleito ocorresse de maneira mais tranquila e não houvesse incidentes que prejudicassem a lisura do processo. Não houve impugnação de nenhuma urna no IFSP, as apurações foram abertas e os resultados fornecidos paralelamente à apuração nos diversos campi. O campus São Paulo demonstrou toda sua capacidade de superação ao realizar a eleição para reitor de forma tranquila, eficiente e eficaz, já que não houve erro registrado em nenhuma das atas – tanto de votação quanto de apuração e nenhum recurso foi apresentado. Todos os mesários compareceram e comprovaram o potencial do maior e mais antigo campus do IFSP.
6. Recursos jurídicos: Ao longo do processo eleitoral foram apresentados alguns recursos tratando sobre questões pessoais entre os candidatos (caso de Cubatão) e uso indevido do nome de setor de trabalho (caso da Pró-reitoria de Ensino - PRE). Houve também a reclamação por parte de alguns servidores sobre a presença do prof. Chester Contatori na CEC, já que o mesmo trabalha diretamente com o candidato Garabed Kenchian. A CEC encaminhou a análise desses casos – pela clareza das questões - sem grandes dúvidas jurídicas. O caso do prof. Chester foi resolvido com a renúncia do servidor às Comissões Central e Local. Os membros da CEC não interferiram nesta decisão pessoal do membro da equipe, porém, cabe ressaltar o quanto o servidor foi correto ao longo de todo período que participou das Comissões. Os outros dois casos (Cubatão e PRE) foram indeferidos pela CEC. Ao final do primeiro turno foram formalizados, de acordo com as regras estabelecidas no código eleitoral, os seguintes recursos referentes ao processo eleitoral: Campus São Paulo: a) Processo 23059.524689/2012 – 35 por Cristiane Ayako Feitosa;
b) Processo 23059.006428/2012 – 38 por Wilson de Andrade Matos e; c) Processo 23059.006427/2012 – 93 por Maria Lúcia Amaral. A análise dos três processos foi descrita no item 4.1.1, não cabendo mais nada esclarecer. Campus Caraguatatuba: a) Processo de Wanderson Reis contra o candidato Adriano Barbosa e; b) Processo de Júlio César Salgado contra o candidato Adriano Barbosa.
A análise feita pela CEC chegou às seguintes conclusões: 1. Após recursos impetrados por Wanderson Reis e Júlio César Salgado à CEL Caraguatatuba, referentes ao uso da máquina pública pelo diretor em exercício e candidato Adriano Barbosa, a CEC, ao ater-se ao Código Eleitoral, analisa não ter competência jurídica para avaliar o caso. Sendo assim, resolveu acatar a posição da CEL Caraguatatuba de não homologar o resultado do primeiro turno e suspender o processo eleitoral de diretor no referido campus. 2. A CEC fez a solicitação ao Presidente do Conselho Superior que encaminhe o caso para a Advocacia Geral da União, de modo a verificar como proceder sobre a denúncia, apuração dos fatos, as devidas punições aos envolvidos e a continuidade do processo eleitoral. O pedido dessa análise e possível abertura de processo administrativo devem ocorrer neste primeiro semestre de 2013.
7. Votação e homologação dos resultados: Para o computo do resultado utilizamos os seguintes dados*: TOTAL DE ELEITORES APTOS – ELEIÇÃO DE REITOR DOCENTES
1066
ADMINISTRATIVOS
709
DISCENTES
21516
* Dados oficiais fornecidos pela Pró-Reitoria de Desenvolvimento Institucional – PRI. A data limite de entrada para servidores e discentes foi 31/08/12 – deflagração do processo eleitoral no IFSP através da Portaria nº 714.
7.1- Votação 1° turno: Reitor: A participação da comunidade do IFSP pode ser representada da seguinte forma:
Tabela de votantes primeiro turno Seguimento
Válidos
Brancos
Nulos
Total
Peso
Docentes
945
11
8
964
29,55%
Administrativos
608
4
9
621
28,63%
Discentes
6006
55
126
6187
9,31%
Cada seguimento representa 1/3 da totalização dos votos, em que são computados somente os votos válidos. Os resultados preliminares do 1° turno para a eleição de reitor do IFSP foram divulgados no dia 30/11/2012 pela CEC, como segue abaixo: Resultado preliminar – 1º turno – eleição Reitor Nome
Total de votos válidos
% final*
1
Lourdes F.B. Carril
564
6,16
2
Ricardo Dias
75
0,26
3
Carlos Frajuca
135
1,46
4
Diva V. Novaes
307
2,11
5
Silmário B. dos Santos
936
8,13
6
Garabed Kenchian
1469
14,62
7
Antonio C.F. Bragança P.
958
9,83
8
César da Costa
276
1,21
9
Fátima B.B. Delphino
1161
8,89
10
José Guilherme de Almeida
157
0,61
11
Eduardo A. Modena
1521
13,20
* Respeitada a fórmula que se definiu no caput do Art.13 da Lei nº 11.892 de 29/12/2008.
Após a análise dos recursos apresentados ao final do 1° turno, em 04/12/2013 foram divulgados os resultados para o cargo de reitor: Resultado final – 1º turno – eleição Reitor Nome
Total de votos válidos
% final
1
Lourdes F.B. Carril
445
6,82
2
Ricardo Dias
71
0,22
3
Carlos Frajuca
61
0,43
4
Diva V. Novaes
207
1,68
5
Silmário B. dos Santos
878
11,06
6
Garabed Kenchian
1113
16,18
7
Antonio C.F. Bragança P.
654
10,61
8
César da Costa
179
1,17
9
Fátima B.B. Delphino
710
6,38
10
José Guilherme de Almeida
69
0,37
11
Eduardo A. Modena
1078
12,99
De acordo com o código eleitoral, os 2 candidatos que apresentassem maior percentual de votos no primeiro turno estariam classificados para a disputa do 2° turno. Nesse sentido, foram classificados para o 2° turno os candidatos Garabed Kenchian e Eduardo Antônio Modena. 7.2- Votação 1° turno: Diretor Geral de Campus: Os resultados preliminares do 1° turno para a eleição de diretores de campi do IFSP foram divulgados no dia 30/11/2012, como segue abaixo: CARAGUATATUBA Nome
Total de votos válidos
% final
1
Wanderson Reis
97
13,36
2
Júlio César Salgado
110
12,41
3
Adriano Barbosa
166
37,60
4
Erico Costa
66
7,63
Total de votos válidos
% final
CUBATÃO Nome 1
Robson Nunes
461
43,27
2
Marcelo Bergamaschi
102
7,65
3
Humberto Hickel
78
23,60
4
Elifas Levi
Renunciou
----
Total de votos válidos
% final
SÃO PAULO Nome 1
André Luiz da Silva
230
13,96
2
Carlos Alberto Vieira
285
19,52
3
Fábio da Silva Bortoli
72
3,29
4
José Luiz Azzolino
178
6,65
5
Luis Cláudio M. Lima Jr.
592
16,40
6
Wilson de Andrade Matos
125
4,03
O candidato que obtivesse o percentual maior do que a soma de todos outros candidatos seria eleito no primeiro turno, como foi o caso de Caraguatatuba e Cubatão. Os campi que apresentaram menos de 3 candidatos para o cargo de diretor realizaram o pleito coincidindo com o 2° turno para reitor. 7.3- Votação 2° turno: Tabela de votantes 2º turno – eleição Reitor Seguimento Docentes
Válidos
Brancos
Nulos
Total
Peso
907
7
19
933
28,36%
Administrativos
604
43
18
625
28,39%
Discentes
3013
18
63
3094
4,67%
Como dito anteriormente, cada seguimento representa 1/3 da totalização dos votos, em que são computados somente os votos válidos. Os resultados preliminares do 2° turno para a eleição de reitor do IFSP e diretores gerais foram divulgados ao longo da apuração, no dia 12/12 e madrugada do dia 13/12/2012 pela CEC, como segue abaixo: Reitor: Prof. Eduardo Antonio Modena: 2813 votos - 37,05% Prof. Garabed Kenchian: 1711 votos - 24,38% Diretores Gerais: Guarulhos Prof. Joel D. Saade: 185 votos - 43,05% Prof. DelfIm P.C. Júnior: 75 votos -19,59% Salto Prof. Francisco Rosta Filho: 253 votos - 36,02% Prof. José Antonio Neves: 214 votos - 31,15% São Carlos Profa. Wania Tedeschi: 68 votos - 35,37% Prof. Natanael C. Pereira: 40 votos - 32,76% São João da Boa Vista Prof. Eduardo M. Moreira: 255 votos - 36,87% Prof. Hélio S. Rios: 145 votos-31,79% Sertãozinho Prof. Lacyr J. Sverzut: 175 votos - 46,79%
7.4- Resultados finais – Homologação: Como não houve nenhum recurso impetrado no 2º turno da eleição, os resultados foram apresentados pela CEC em reunião extraordinária do Conselho Superior no dia 18/12/12 e as seguintes posições deliberadas: a) Aprovação por unanimidade e homologação do nome do PROF. EDUARDO ANTONIO MODENA como Reitor eleito do IFSP; b) Aprovação e homologação do nome do PROF. EDUARDO MARMO MOREIRA como Diretor Geral eleito do Campus São João da Boa Vista; c) Aprovação e homologação do nome do PROF. JOEL DIAS SAADE como Diretor Geral eleito do Campus Guarulhos; d) Aprovação e homologação do nome do PROF.FRANCISCO ROSTA FILHO como Diretor Geral eleito do Campus Salto; e) Aprovação e homologação do nome do PROF.LACYR JOÃO SVERZUT como Diretor Geral eleito do Campus Sertãozinho; f) Aprovação e homologação do nome do PROF. ROBSON NUNES como Diretor Geral eleito do Campus Cubatão; g) A CEC entendeu ser necessário apurar os fatos de três recursos apresentados à CEL de Caraguatatuba antes de reconhecer o resultado, porém o CS resolveu homologar o nome do PROF. ADRIANO BARBOSA como Diretor Geral eleito do Campus Caraguatatuba e abrir processo para apuração dos fatos relatados nos recursos; h) Devido à impugnação de todas as umas de São Paulo no primeiro turno, o CS aprovou a alteração da eleição no Campus São Paulo para início de 2013.
8. Dificuldades do processo: O processo eleitoral foi deflagrado tarde demais, o que comprometeu a participação mais efetiva dos estudantes e esclarecimentos por parte dos candidatos sobre seus planos para o IFSP. Além disso, ocorreu com grandes dificuldades e fortes entraves. Desde o início, as discrepâncias políticas entre membros das comissões, candidatos e comunidade em geral do IFSP geraram grandes embates, acusações e animosidades; situação que dificultava, atrasava e comprometia a qualidade e continuidade dos trabalhos. Some-se a isto o número reduzido de servidores com tempo hábil para trabalhar na eleição, a quantidade de campi envolvidos – que cobrem o Estado de São Paulo e interesses, muitas vezes distantes do cenário educacional esperado pela envergadura do Instituto. Houve, sem dúvidas, grande incerteza se os prazos determinados no código eleitoral e pelo CS seriam cumpridos. Paralelamente, os problemas de ordem administrativa da expansão e gigantismo do IFSP - por exemplo, a inexistência de dados institucionais definitivos sobre a realidade acadêmica do Instituto, não permitindo dados exatos sobre o número de votantes aptos na eleição, também atrapalharam a realização e qualidade das ações dos envolvidos diretamente com o pleito. Devido ao pouco tempo para campanha eleitoral, os candidatos não conseguiram visitar todos os campi antes do primeiro turno. Por isso, alguns fizeram verdadeiras epopeias durante a semana chegando a visitar 3 campi por dia. Poucos eleitores puderam ter contato com eles para que efetuassem uma escolha consciente e madura do destino do IFSP. O fato de os funcionários não terem se afastado de suas funções normais durante o pleito prejudicou os servidores que se candidataram, pois além de arcar com todos os custos da campanha - como deslocamentos, alimentação e estadia, precisaram repor todas as aulas perdidas – no caso de docentes. O mesmo pode-se dizer dos membros das Comissões Eleitorais – principalmente os da CEC, que precisavam se
deslocar para a Reitoria na cidade de São Paulo e, ao retornar, também reporem suas aulas (docentes) e suas funções diárias (administrativos). O atraso nas diárias foi um entrave, pois as despesas pessoais sempre foram altas, sendo que às vezes, os membros das Comissões precisavam se deslocar em veículos próprios ou passagens pagas pelo próprio servidor. Sem sombra de dúvidas os estudantes foram os mais prejudicados ao longo de todo processo. Aqueles que participaram das comissões estavam em final de semestre, com todas as provas e atividades de seus cursos e tiveram que fazer muitos esforços para contribuir com a eleição e cumprirem suas obrigações estudantis. Os outros sofreram pela quase total desinformação gerada pela falta de campanha efetiva e extrema confusão suscitada por calendários diversos – misturando atividades de meio e final de semestre, pois a greve foi parcial, como dito no início deste relatório. O resultado foi a pequena participação dos estudantes na votação nos dois turnos, principalmente no segundo turno, pois em muitos lugares o ano letivo já estava quase concluído e poucos ainda frequentavam os campi. O desestímulo dos estudantes também pode ser creditado à composição do resultado da votação, pois o número muito desproporcional de discentes aptos a votarem em relação aos docentes e administrativos, aliado à alta evasão – sentida na Instituição, mas sem dados comprovados – gerou forte sentimento de impotência na categoria. Outro fator de complicação foi a diversidade e quantidade dos modelos de unidades e sistemas de ensino vinculados ao Instituto. São campi, campi avançados, polos EaD (em cidades com campus e outras sem), EJA PROFIC etc. Essa complexidade reflete principalmente no dia da votação onde equipes precisam ser deslocadas para diversos locais e coletarem os votos de estudantes, muitas vezes avessos ao problemas diários da Instituição. A falta de experiência dos membros das Comissões, em especial da CEC, pode ser considerado como fator preponderante para os problemas no primeiro turno da eleição. A constatação disto está no êxito da eleição no segundo turno, onde nenhum problema relevante foi observado, o que comprova a experiência adquirida ser fundamental para qualidade do pleito.
A CEC não conseguiu estabelecer mecanismo de comunicação eficiente com as CELs, o que gerou muito mal-estar, erros grosseiros e evitáveis, além de muitos boatos. As causas para este problema foram: 1. O sistema de videoconferência esteve sem condições de uso em 80% do processo; 2. O sítio eletrônico das eleições no IFSP não foi realizado devido à desistência – cujos motivos são desconhecidos - do membro da CEC que se propôs a fazê-lo. É importante ressaltar que várias tentativas de contato foram realizadas sem sucesso e naquelas efetivadas, o responsável sempre assegurou estar finalizando o sítio; 3. O e-mail institucional não funcionou, obrigando a CEC a disponibilizar outro comercial, às pressas; 4. A desistência pura e simples de alguns membros de CELs, sem comunicado oficial e sem designação de novos membros para compô-las; 5. O pequeno número de integrantes que efetivamente participaram das atividades da Comissão Central – com o agravante de permanecerem em suas atividades rotineiras no IFSP.
9. Sugestões para o próximo pleito: Diante desta análise sobre todo o processo eleitoral, acreditamos que seriam necessárias algumas mudanças para o próximo processo eleitoral. Seguem sugestões: 1. Adequação do período escolar com a eleição, sendo atividade prevista no calendário anual do Instituto; 2. Prazo maior para a realização do pleito; 3. Composição da CEC independente da composição das CELs, evitando o enfraquecimento das duas; 4. Manutenção de alguns servidores participantes em eleições anteriores, tanto na CEC quanto nas CELs;
5. Desvinculação dos membros da CEC das atividades cotidianas no IFSP para dedicação ao processo eleitoral; 6. Normas para o período pré-eleitoral, com as sansões previstas a quem cabe aplicá-las; 7. Desvinculação dos servidores candidatos para realização de campanha; 8. Disponibilização de verba específica para cobrir os gastos da eleição; 9. Orientação jurídica para a CEC durante o processo eleitoral; 10. Maior autonomia para a CEC e menor interferência do CS – definição clara do papel de cada um na eleição; 11. Maior disponibilidade da estrutura do IFSP para a CEC desenvolver todas as atividades inerentes ao processo eleitoral; 12. Propor ao governo que incremente algum mecanismo na fórmula da porcentagem do voto, levando em consideração o alto grau de evasão escolar – o que torna muito inferior o peso da categoria discente no computo final. 13. Realizar atividades conjuntas entre as Comissões, os candidatos e os estudantes – o debate no primeiro turno em São Paulo demonstrou grande qualidade, de modo a comprovar à Instituição que a participação dos estudantes precisa ser estimulada.
10. Agradecimentos: A CEC agradece o apoio constante e profissional dos servidores do Gabinete da Reitoria, das Pró-Reitorias, do setor de Informática, de Comunicação e de Transporte do IFSP. Nosso agradecimento à Diretoria do Campus São Paulo por ceder suas dependências para reuniões e debate, além de veículos em momentos cruciais da eleição. Agradecemos também aos Diretores e comunidade de Sertãozinho e Caraguatatuba por cederem o espaço e nos receberem tão gentilmente nos debates de 1º
e 2º turnos. Os Diretores de todas as unidades contribuíram muito para execução do pleito. Não poderíamos deixar de agradecer aos membros das diversas CELs, que tanto trabalharam, discutiram, compreenderam, reclamaram, sofreram pela desorganização em alguns momentos, aprenderam e executaram suas tarefas em todo processo. Agradecemos aos críticos e cítricos que estiveram sempre contribuindo para o processo, às vezes de forma dura e até injusta, mas sempre honestamente – falta de amadurecimento político da Instituição. O canal construído pelo grupo de e-mails intitulado IFSP- interior foi fundamental neste processo. Aos estudantes nossa gratidão e pedido de desculpas por terem sido os mais prejudicados neste pleito. Nosso desejo de que as próximas Comissões trabalhem muito melhor na defesa do interesse desta classe tão importante do Instituto. Finalmente, agradecemos aos candidatos e desejamos que os eleitos possam contribuir para transformar nosso Instituto em um lugar mais maduro politicamente, humano (mais nas virtudes do que nos defeitos) e protagonista da verdadeira educação de qualidade em nosso Brasil.
11.Equipe final da CEC: Ao longo de todo o processo eleitoral muitos membros da CEC foram saindo, cada um com sua justificativa. Neste sentido, ao final da eleição permaneceram na CEC apenas os membros listados abaixo, todos titulares e suplentes ao mesmo tempo; os cargos eram o que menos importava. - Alfredo Spada Neto; - Altamiro Xavier de Souza; - Ana Carolina de Almeida Carreira Toschi; - Elaine Cristina dos Santos; - Luiz Henrique Meschiatti; - Marcelo Velloso Heeren; - Marcos Roberto Ruybal Bica; - Mario Luiz Gusson Martins; - Sheyla Gorayeb Silva.
O presente documento foi elaborado por: Altamiro Xavier de Souza, Marcelo Velloso Heeren e Marcos Roberto Ruybal Bica. S達o Paulo, 18 de fevereiro de 2013. ______________________________________________
Altamiro Xavier de Souza Presidente da Comiss達o Eleitoral Central - 2012