O MANTO DA SENHORA DA OLIVEIRA
INSTITUTO PORTUGUÊS DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO
MANTO DE NOSSA SENHORA DA OLIVEIRA MUSEU DE ALBERTO SAMPAIO 窶「 GUIMARテウS
Ficha Técnica Direcção
Ana Isabel Seruya Mário Pereira
Textos
Clara Vaz Pinto - coordenação História de Arte - Clara Vaz Pinto Materiais e Técnicas - Paula Maria Tomaz, Cristina de Oliveira Diagnóstico e Tratamento - Cristina de Oliveira, Paula Maria Tomaz Conservação Preventiva - Anabela Almeida, Cristina de Oliveira
Conservação e Restauro
Gabriela Carvalho – coordenação Paula Maria Tomaz Cristina de Oliveira
Estudos laboratoriais
Carmo Serrano Ana Mesquita e Carmo Lília Esteves
Documentação fotográfica
Pedro Sousa – coordenação IPCR Jorge Oliveira – fot. 4, 5, 6, 7, 20, 21, 22, 23, 32, 34, 35, 54, 65 Cristina de Oliveira e IPCR Paula Maria Tomaz - restantes fotografias Anabela Almeida – fot. 52 IPCR Carmo Serrano – fot. 17,18 e gráficos - A, B IPCR Ana Mesquita e Carmo - gráficos- C, D DDF/José Pessoa - fot. 2,3,8,10,11,15 DDF/Carlos Monteiro - fot. 1,14,38 DDF/Luís Pavão - fot. 12 DDF/Arnaldo Soares - fot. 13 Clara Vaz Pinto – fot. 44, 37
Figuras Edição Digitalização Design gráfico Impressão Agradecimentos
Cristina de Oliveira - F, G; esquemas das fotos - 5, 7 Clara Vaz Pinto - esquema da foto - 38 Rui Ferreira da Silva- coordenação Alexandre Pais, Nazaré Garcia Escobar Nuno Diogo Luísa Casella, Élia Roldão, Daniel Cristo(Luís Pavão, Lda.) In Two, design António Coelho Dias, S.A. Museu de Alberto Sampaio, Guimarães Celina Bastos Miguel Garcia
ISBN Depósito legal
972-99476-1-9 220604/04
Apoio Instituto Português de
© Instituto Português de Conservação e Restauro Rua das Janelas Verdes, 1249-049 • Tel.: 213 934 200 · Fax: 213 970 067 · e-mail: ipcr@ipcr.pt * As metodologias de Conservação e Restauro descritas nesta publicação foram estudadas especificamente para o núcleo/peça intervencionado (a), não devendo ser entendidas como normativas para trabalhos em espécies, aparentemente, afins. * O IPCR não pretende com esta publicação estabelecer normas de actuação mas divulgar uma orientação ética de Conservação e Restauro, demonstrando, simultaneamente, as possibilidades de conhecimento alcançadas pela interdisciplinariedade dos diversos ramos do saber. * O relatório detalhado do Departamento de Estudos de Materiais encontra-se disponivel em www.ipcr.pt
Projecto “ Estudos e Investigação sobre o Património Cultural” Ana Isabel Seruya – Directora do IPCR Mário Pereira – Subdirector do IPCR Subordinados ao projecto "ESTUDOS E INVESTIGAÇÃO SOBRE O PATRIMÓNIO CULTURAL", viabilizado pelo apoio do Programa Operacional da Cultura,desenvolveram-se trabalhos que incidiram sobre um diversificado leque de tipologias de bens culturais. Todas as intervenções, quer fossem em áreas em que é comum intervir, como é o caso da pintura, da escultura, dos têxteis, ou da ourivesaria, quer em outras em que é o menos frequente, como globos ou armaduras de laca, tiveram como preocupação um mesmo denominador - o seu elevado grau de complexidade e o facto de serem peças emblemáticas do nosso Património. O Instituto Português de Conservação e Restauro quis, com estes "Estudos", cumprir uma das suas mais importantes atribuições: efectuar trabalhos de Conservação e Restauro de bens culturais de reconhecido valor histórico, artístico, técnico ou científico que possam constituir-se como referência da actividade de salvaguarda e conservação do património cultural, nomeadamente no que diz respeito ao trabalho em equipa pluridisciplinar, ao campo do diagnóstico, do estudo dos materiais e das técnicas, às abordagens e metodologias de intervenção e, também, à formação de uma nova geração de conservadores-restauradores. Por outro lado, o processo de renovação e actualização dos equipamentos dos laboratórios e das oficinas herdados do Instituto de José de Figueiredo, ajustando-os às novas exigências técnico-científicas do estudo e conservação dos bens culturais, constituíram um contributo essencial para garantir o enquadramento adequado à prossecução deste projecto. A designação de estudos não foi abusiva porque quis o Instituto que estes trabalhos se inserissem num projecto de divulgação para dar a conhecer novas metodologias de intervenção e o que isso supõe do conhecimento das técnicas da produção artística e da ciência dos materiais. Cada intervenção implica uma abordagem interdisciplinar que nos permita conhecer e caracterizar a realidade intrínseca de cada peça e, só a partir desse momento, determinar a metodologia de intervenção mais adequada à sua natureza. Queremos deixar claro que o estudo conducente ao conhecimento dos materiais, o desenvolvimento científico para obtenção de análises e interpretações mais esclarecedoras e a definição de critérios de intervenção, passam, hoje, por vários saberes que convergem no estudo aprofundado de cada peça. Como intervenções modelares que pretendíamos que fossem, escolhemos criteriosamente as peças que foram objecto destes “Estudos”. Assim, tivemos a "sorte" de poder contar com um vasto leque de peças paradigmáticas do que se desejava para cada tipologia de bens. Na pintura, ao escolhermos as “Tábuas da Charola do Convento de Cristo” e o “Políptico da Misericórdia de Ferreira do Alentejo”, demos sequência e profundidade aos trabalhos que já vínhamos desenvolvendo sobre a Pintura Quinhentista Portuguesa. Na escultura, o “Presépio da Basílica da Estrela” apresentou-se-nos como aquela opção que simultaneamente nos propiciava o desenvolvimento do estudo iniciado com o projecto Policromia e nos permitia estudar as terracotas enquanto suporte artístico. Num momento em que se acompanha com interesse os estudos da arte luso-oriental, a nossa proposta para o
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estudo das lacas e a apropriação e domínio da sua tecnologia de conservação e restauro, pelo que, com recurso a especialistas mundialmente reputados, intervencionámos um “Biombo chinês”, do Museu Nacional de Arte Antiga (4 folhas) e do Museu dos Condes Castro Guimarães (5 folhas) e uma “Armadura japonesa”, do Museu Municipal da Figueira da Foz. Nesta vasta área de expressão artística foi ainda estudado e intervencionado um “Biombo de papel”, do Museu Nacional de Arte Antiga,de produção macaense,com representações de batalhas da Guerra da Restauração. Porque temos um património cartográfico notável e uma importantíssima colecção de globos, com muitos a necessitar de ser intervencionados, decidimos, com o apoio técnico da Bibliothéque Nationale de France, estudar e restaurar um par de “Globos Coronelli” (séc. XVII), pertencentes à Sociedade de Geografia, e que são dos mais espectaculares que se conhecem. Dada a importância, majestosidade e riqueza documental das “Vestes da Nossa Senhora da Oliveira”, algumas oferecidas por D. João V, não podíamos deixar de estudar, consolidar e conservar este importante conjunto de vestes do Museu Alberto Sampaio, de Guimarães. Dando continuidade a uma área com tradição no Instituto, decidimos aprofundar o estudo, já iniciado, de três fragmentos têxteis do relicário, dito “de D. Luís Vasques da Cunha”,do Museu Alberto Sampaio.Este estudo,de carácter introdutório,será o ponto de partida para um projecto mais vasto sobre têxteis medievais, que irá abranger um conjunto muito significativo de testemunhos provenientes de diversas instituições, nomeadamente, do Museu Nacional Machado de Castro ( Coimbra), do Museu Nacional de Soares dos Reis (Porto) e dos Tesouros das Catedrais de Lisboa e Braga. No tocante à ourivesaria, o IPCR optou por estudar e intervencionar a peça mais emblemática da ourivesaria medieval portuguesa – o “ Retábulo da Natividade”, do Museu de Alberto Sampaio. Esta peça, envolta em lendas, relacionada com a batalha de Aljubarrota e oferecida por D. João I à Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, há muito que carecia do estudo e da intervenção que agora foram efectuados. Procurámos que em todos estes "Estudos" se vivesse um ambiente de trabalho multidisciplinar. Partilhámos dúvidas e hipóteses, momentos menos bons e alegrias, que são afinal o fermento de qualquer trabalho que implica o envolvimento das diferentes personalidades, formações e sensibilidades próprias de historiadores de arte, conservadores-restauradores, físicos, químicos, biólogos, fotógrafos e bibliotecários. Mas julgamos que as obras que agora trazemos a público são bem o espelho de um empenhamento esforçado e esclarecido que pretendemos venha a ser o modus operandi no Instituto Português de Conservação e Restauro. Não poderíamos colocar um ponto final neste ambicioso programa de trabalho, sem manifestar o nosso mais vivo agradecimento a todos quantos nele colaboraram. O seu empenhamento, o seu entusiasmo e rigor científico, são uma alavanca para que possamos continuar a trabalhar, colocando a obra de arte no lugar central, deixando que seja ela, em toda a sua integridade – material e imaterial – a conduzir e a determinar as opções de qualquer projecto de intervenção. Estes "Estudos" são assim a demonstração de que há hoje novas abordagens passíveis de fazer avançar o conhecimento que temos não só das técnicas de produção artística como da História de Arte. Os historiadores, os conservadores-restauradores e os cientistas quiseram e souberam articular os seus saberes, quiseram e souberam interpretar os seus olhares e quiseram e souberam fazer uma leitura "total" da obra de arte.
INTRODUÇÃO
Isabel Maria Fernandes Directora do Museu de Alberto Sampaio
Santa Maria da Oliveira de Guimarães,ou Santa Maria de Guimarães ou Nossa Senhora da Oliveira são designações que os crentes foram encontrando para designar a Mãe de Deus venerada há séculos, há muitos séculos, na Casa de Deus vimaranense – a Igreja de Nossa Senhora da Oliveira. De Virgem em majestade, forma com que era venerada em tempos medievais, passou Nossa Senhora da Oliveira a vestir roupagem.Outros eram os tempos e os olhares dos crentes.Essa viragem – de Virgem estática sentada no trono e com o Menino ao colo, a Senhora de corpo erguido e sem Menino, mas ajaezada de celestes roupagens –, deu-se algures no final da primeira metade de Seiscentos. Sentiam-se ainda os ecos tridentinos quando, por necessidade dos homens, a Virgem em Majestade do século XIII foi «esquartejada» para poder ser vestida: tiraram-Lhe a coroa, amputaram-Lhe a cadeira, deceparam-Lhe os braços. Sacrilégio dos sacrilégios, apartaram-Na do Menino! Atentado ao Património? Talvez assim seja aos nossos olhos de homens do novo milénio, mas a verdade é que se os cónegos da Colegiada tivessem decidido mudar a imagem e fazer uma nova, esta, que os nossos olhos continuam a poder admirar,teria,talvez,sido transformada em cinzas ou enterrada em lugar sagrado.Assim era nesses tempos. Peça retirada do culto não podia ser abandonada de qualquer modo. Era uma representação da Mãe de Deus e, como tal, o seu «desaparecimento» tinha que ter tratamento digno e enterramento em lugar sagrado. Assim ficou decidido o destino de Santa Maria de Guimarães. Nessa época, para além de ser decepada e de mudar de «estilo» – de Virgem em Majestade passa a imagem de roca vestida –, muda também de nome, sendo a medieval designação de Santa Maria abandonada para passar a ser conhecida como Nossa Senhora da Oliveira. Muda a forma e a designação da Virgem, mas, continua a ser a mesma a devoção dos crentes que A mimoseiam com oferendas dignas da Mãe de Deus. De outro modo não podia ser. Desde esses primordiais anos do século XVII,em que a imagem começa a ser vestida,até aos dias de hoje,Nossa Senhora da Oliveira foi recebendo benesses várias que a aformoseiam.Vão-se sucedendo as capas,as vasquinhas,os véus,as jóias, mas é a mesma a devoção dos homens que a Ela recorrem em horas de aperto e a Ela agradecem em horas de regozijo. As sacras vestes que aqui se estudam, uma das quais oferecida pelo rei D. João V em virtude de benesses recebidas, é disso a prova evidente. Reis e Povo irmanavam-se na mesma Fé em torno da Senhora da Oliveira à qual recorriam e da qual recebiam Divina Providência. A rica veste oferecida pela régia pessoa é uma de entre as muitas vestes com as quais a Senhora foi alimentando o seu bragal. Parca roupagem subsistiu ao uso diário de uma Santa de eleição e à incúria do homem que somos. Mas, as que subsistiram vão merecer, e por certo continuarão a merecer, quer o olhar atento e interessado dos investigadores – disso é prova os textos que se seguem –, quer do público em geral que se continua a espantar com tal riqueza e com tais mãos que fadadas foram para bordar as vestes da Mãe de Deus.
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Projectos "Estudos e Investigação sobre o Património Cultural"
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Introdução
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Estudo Histórico. Conservação e Restauro 14 15 16 17 18 18 19 21 23 23 23 24 25
13 NOSSA SENHORA DA OLIVEIRA DE GUIMARÃES AS PEÇAS DO TRAJE DESCRIÇÃO Manto Corpinho Mangas soltas Saia A INDUMENTÁRIA DA SENHORA E O TRAJE CIVIL FEMININO TÊXTEIS E TRAJES MATERIAIS E TÉCNICAS Fibras têxteis Corantes Fios metálicos Estudo técnico
ÍNDICE
29 36 38 38 38 39 39 42 42 42 43 44 Glossário Bibliografia
ESTÉTICAS E ÉPOCAS O DIAGNÓSTICO DESTE TRAJE E O EDIFÍCIO DA COLEGIADA TRATAMENTO DE CONSERVAÇÃO Limpeza por aspiração Limpeza com álcool Humidificação Consolidação CONSERVAÇÃO PREVENTIVA Luz Humidade relativa e temperatura Exposição Reserva - Acondicionamento 46 47
Estudo histórico. Conservação e Restauro
NOSSA SENHORA DA OLIVEIRA DE GUIMARÃES Nossa Senhora da Oliveira, em Guimarães tem um culto referenciado desde D. Afonso Henriques (séc. XII) que a terá invocado antes da Batalha de Ourique, seria então a Senhora conhecida como Santa Maria de Guimarães. Os reis de Portugal que lhe sucederam mantêm a ligação a esta invocação, respeitando-a e venerando-a1.
actualmente o acervo do Museu Alberto Sampaio em Guimarães. É uma peça de grande equilíbrio, em madeira pintada, amputada em data indeterminada e por razões de que não ficou registo (Foto 1).
A lenda atribui à Senhora o milagre do reverdecimento de uma oliveira, segundo relata a tradição de meados do séc. XIV: desde então a invocação de Santa Maria da Oliveira vai-se sobrepondo paulatinamente à original. Já é assim que se lhe refere Fernão Lopes2 quando relata a deslocação de D. João I a Guimarães imediatamente após a Batalha de Aljubarrota (1385), ao que parece usando uma designação que figurava em documentos anteriores.Assim como esta última invocação se foi afirmando a pouco e pouco, também da mesma maneira se foi gerando e afirmando a forma Nossa Senhora da Oliveira de Guimarães, que se utiliza actualmente. Com a Restauração em 1640 e a consagração de Portugal a Nossa Senhora da Conceição, feita em Vila Viçosa por D. João IV (1646), altera-se a relação entre a Senhora, ou melhor, entre esta específica invocação da Senhora e os reis de Portugal – pode-se dizer que se secundariza,embora se mantenha sempre presente. As ofertas, reais e particulares, destinadas directamente à Senhora, ao culto e à Igreja ou para a Colegiada, foram sempre uma realidade antes e depois da fundação da nacionalidade. Se estas ofertas incluíram, ou não, representações de Santa Maria de Guimarães é algo que desconhecemos. Conhecemos, isso sim, uma imagem devocional em madeira, datada do séc. XIII. Mutilada, amputada, sem o Menino e sem coroa, é esta a sua representação mais antiga que chegou até nós e integra
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Santa Maria de Guimarães, madeira policromada, séc. XIII, MAS, inv. E 1. DDF/Carlos Monteiro
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Nossa Senhora da Oliveira, prata dourada, séc. XIV (finais), MAS, inv. O 50. DDF/José Pessoa
Datam do reinado de D. João I as ofertas reais documentadas à Senhora da Oliveira bem como a confirmação de antigos privilégios e a concessão de novos à Colegiada, extensivos a todos os que estão com ela relacionados e fonte de litígios e conflitos ao longo de toda a sua história. Uma das mais célebres ofertas de D. João I foi a do loudel3 que usou na Batalha de Aljubarrota, referido pontualmente em todos os inventários e objecto de profundo tratamento de conservação e restauro no século passado4. Ofertas de contemporâneos acontecem também e entre elas está a pequena imagem em prata de Nossa Senhora com o Menino num dos braços e na outra mão, tal como descrevem os vários inventários5, um raminho de oliveira, oferecida pelo Dr. João das Regras, já no séc. XV (Foto 2).
Com a derrota de D. Pedro na Batalha de Alfarrobeira (1449) inicia-se um período conturbado para a Colegiada, pois o Dom Prior tinha apoiado o regente D. Pedro. Vários abusos foram praticados com relativa impunidade – levou anos até a Colegiada conseguir recuperar o seu estatuto. Curiosamente é em 1450 – pouco depois da derrota de D. Pedro – que a Colegiada decide dar sepultura a quem julgasse digno desde que houvesse uma contrapartida e que esta se traduzisse em ofertas para a Colegiada. Seja por esta razão ou por outra, o certo é que as ofertas à Senhora continuaram a acontecer, como testemunha um documento de 14596. Talvez também as procissões no dia da Visitação, iniciadas em 1516 e em que saía a pequena imagem de prata de Nossa Senhora da Oliveira tenham contribuído para manter o gosto das ofertas e sobretudo desenvolver o seu culto. Isto levou, em 1585, à
Sobre a história da Real Colegiada de Guimarães, veja-se o muito documentado estudo de MORAIS, Maria Adelaide Pereira de – Ao redor de Nossa Senhora da Oliveira. Guimarães: M. A. P. de Moraes, 1998 (Braga : Barbosa & Xavier). ISBN 972-95565-5-5. 2 LOPES, Fernão – Crónica del Rei D. João I . Porto: Civilização, 1994. 3 O loudel era uma peça de indumentária militar, frequentemente acolchoada ou com várias camadas de pano, que provavelmente se usava sobre a cota de malha. 4 Restauro executado no IPCR por Maria José Taxinha, processo nº 9 (1958-1963). 5 Os diversos inventários citados ao longo do texto são uma fonte de informação preciosa e um auxiliar imprescindível na construção de toda a análise. É pois imperioso e de toda a justiça agradecer ao Museu Alberto Sampaio, na pessoa da sua Directora, Drª Isabel Fernandes, a cedência de cópia das transcrições dos Inventários de 1631, 1665, 1680, 1756, 1826 e 1912, cuja publicação está para breve. Estes documentos encontram-se no Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, em Guimarães, e todas as referências a Inventários feitas ao longo do texto reportam-se sempre a estes documentos. 6 Citado por M. Adelaide P. Moraes, op. cit., pág 46.
criação de uma confraria7 para “sua honra e louvor” e à organização de uma procissão no dia da festa da Assunção de Nossa Senhora, a 15 de Agosto. Na sequência das tarefas ordenadas pelo Arcebispo-Primaz D. Henrique, por volta de 1537 surgem referências a duas coroas para duas Senhoras: para a pequenina Nossa Senhora e para a imagem grande. Considerando que a imagem de madeira do séc. XIII tem quase o dobro do tamanho da de prata e que esta terá, por sua vez,cerca de 1/4 do tamanho da imagem actual,é de crer que estamos ainda perante as duas esculturas já referidas: a de prata e a de madeira.A mutilação da imagem de madeira poderia ter resultado duma tentativa de cumprimento dos objectivos definidos pelo Concílio de Trento (1546)8, cuja aplicação fora objecto de grande preocupação por parte do Arcebispo-Primaz D. Frei Bartolomeu dos Mártires.A esta imposição poderia ter-se-ia associado o desejo local de vestir a Senhora. Outros situam-na no séc. XVII, época em que as imagens de roca estariam já em grande favor porque se podiam vestir, permitindo assim ostentar a riqueza acumulada em trajes. Mas, talvez por imperativos financeiros, ter-se-ia optado por tentar vestir a imagem de madeira9, solução economicamente mais interessante por não obrigar à despesa de aquisição de outra imagem. Não cabe no âmbito desta investigação esclarecer esta questão, nem clarificar o que foi mutilado, quando e porquê, mas parece lógico atribuir a mutilação a adaptações tentadas no cumprimento dos objectivos do Concílio de Trento tanto mais que existiam trajes femininos no acervo do Tesouro, e não à impossibilidade financeira da Colegiada em adquirir uma imagem de roca. Ou, numa perspectiva local, talvez alguém apiedado da pobre estátua mutilada e crente no merecimento da Senhora tenha encomendado ou oferecido uma imagem de roca, maior e conforme o gosto de então ou talvez o gosto por este tipo
de imagem tenha acabado por se impor e conduzido à substituição da escultura de madeira. Certo é que duas imagens da Senhora – quais? - seguiram ainda juntas por algum tempo: a Senhora Pequenina e a Senhora, conforme nos assegura o Inventário de 1756. Ainda no tocante à introdução de uma imagem de roca, é de assinalar o facto de os Inventários registarem os nomes dos ofertantes até meados do séc. XVII e de 1680 em diante raramente aparecerem nomes associados a peças de vestuário10. Por último,ouça-se o que diz o Regimento da Sacristia em 1663: “Véspera de Natal, estará NSª vestida de branco com coroa na cabeça com o Menino Jesus na mão com a mantilha da China, a qual será lançada pelos ombros será sobraçada por cima do braço esquerdo, e a outra parte por baixo do braço direito”. Será a imagem de madeira ainda com o Menino e envolvida na mantilha? E será para a imagem de roca, sem Menino, que se determina “Aos 13 de Agosto véspera de NSª da Assunção vestir a Senhora com o seu vestido azul bordado de ouro”? Veste-se a imagem de roca, envolve-se a imagem de madeira? (Foto 3).
AS PEÇAS DO TRAJE O guarda-roupa actual de Nossa Senhora da Oliveira compreende vários conjuntos de traje antigos, alguns dos quais podemos reconhecer nas descrições que constam dos Inventários. É o caso dum conjunto em que o manto foi oferecido por D. João V e o vestido encomendado pela Colegiada. Para outros, a sua história é mais incerta e estabelecer nexos entre as peças existentes e a documentação de que dispomos, é um trabalho que se torna particularmente interessante e tanto mais quando associado às intervenções de conservação. É justamente um desses processos de conservação, que incidiu sobre um manto que integra um dos conjuntos de traje da Senhora, que propiciou este estudo. O manto cuja intervenção foi efectuada pela Área de Têxteis do IPCR foi feito para uma imagem de roca, num figurino comum aos trajes antigos ainda existentes em Guimarães e directamente relacionável com a representação em pintura e escultura de Nossa Senhora da Oliveira de Guimarães. Esta indumentária define uma forma cónica, de linhas direitas acentuadas pelo manto que envolve o conjunto,criando uma figura com majestade mas também com uma certa austeridade onde se podem reconhecer elementos arcaizantes do vestuário feminino ibérico anterior ao séc. XVII, associados a elementos mais modernos.
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Foto 3 - Nossa Senhora da Oliveira (costas), prata dourada, séc. XIV (finais), MAS, inv. O 50. DDF/José Pessoa
O conjunto, composto por quatro partes – o manto, o corpinho12 com mangas pendentes, um par de mangas justas13 e a saia – foi feito num tecido de lhama14 de prata dourada e o todo foi enriquecido com bordado a seda e elementos metálicos, em bordado aplicado e em bordado directo, apresentando ainda renda metálica dourada. De assinalar que o conjunto não é todo da mesma peça de tecido: o manto tem
O contrato foi celebrado a 7 de Junho desse ano. Veja-se MAPR, 1998, pág. 95, nota 187. A imagem mutilada teve braços articulados, como se tratasse de uma imagem de roca. 10 Apenas quatro identificações no inventário de 1756: D. João V, a “Irmandade”, D. Paula e Gonçalo André de Carvalho. 11 ALMEIDA, Eduardo de – Os Cónegos de Guimarães. Revista de Guimarães, vol.XXXV, nº 4 e XXXVI, nº 1/2. Guimarães: Sociedade Martins Sarmento. 12 Optou-se pelo termo corpinho sempre que se trata desta peça do traje da imagem porque não é estruturado como os corpetes do traje civil feminino e recuperou-se um termo utilizado nos Inventários. 13 O termo usado para o traje civil é manguinhos para peças semelhantes, mas aqui optou-se por uma terminologia baseada na caracterização dos elementos por se estar perante um contexto de traje de imagem devocional. 14 Tecido ou ligamento composto por tramas de ouro ou prata. 8 9
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duas cunhas triangulares ao longo de todo o comprimento feitas em tecido visualmente semelhante mas proveniente de outra peça, segundo foi possível detectar através de observação à lupa binocular. Importa ainda referir que o corpinho com mangas pendentes e o par de mangas justas foram objecto de intervenção anterior de conservação a que então não se associou um estudo histórico da peça.A saia ainda não foi intervencionada, pelo que não se dispõe de elementos informativos técnicos idênticos aos do manto (Foto 4).
Junto à orla do manto e a toda a volta, corre uma cercadura bordada que entra, com dois motivos, na zona das cunhas mas sem romper a continuidade. Esta cercadura é formada por grandes motivos florais com folhagem, em bordado aplicado embora alguns centros apresentem elementos metálicos em bordado directo, distribuídos a partir dum motivo colocado no
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Aspecto geral do manto antes do tratamento (frente)
187 cm
272 cm
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Vestes em imagem de roca.
DESCRIÇÃO
Manto
O manto tem a forma de meia elipse e está dividido longitudinalmente em três partes, unidas entre si por duas cunhas em forma de triângulos da base para o topo da elipse, a toda a altura do manto e cujos vértices tocam a extremidade circular inferior do manto, contornado por galão de renda metálica dourada, igualmente aplicado sobre as costuras de união. Na base da elipse e sensivelmente ao centro, encontram-se dois orifícios provocados pelo espigão da coroa. Do lado contrário, três lacunas correspondem aos vértices dum triângulo que se encaixa no formato da elipse (Foto 5 e esquema).
topo da elipse e que não se repete. A partir deste distribuem-se praticamente em simetria outros cinco motivos que se estendem até à base da elipse, onde se sucedem, a partir das extremidades e até às cunhas e sempre ao longo da orla. Na zona correspondente às cunhas e ao pano central, estão colocados dois motivos florais diferentes entre si e, logo abaixo e na zona das cunhas, dois pequenos elementos florais. Estes motivos apresentam elementos florais e frutos em três escalas: composições florais na escala maior, flores e frutos numa escala intermédia e pequenas flores e botões na escala menor e que pela sua preponderância vão servir como referência na análise das outras peças. Na extremidade da elipse, entre as cunhas, um motivo central composto por um ramo com uma flor e três frutos (?), unidos por folhagem, está ladeado por ramos que se desenvolvem simetricamente ao longo da orla do manto. Estes são compostos por uma grande flor e um fruto, ornado com
folhagem. Ao longo dos lados da elipse desenvolve-se uma sequência simétrica de quatro grandes motivos florais, adornados com flores ou frutos pequenos – na menor das escalas, relativamente às grandes flores, aos frutos e folhagem. Esta sequência completa-se com um motivo de escala média ao canto que resulta do agrupamento de folhagem donde parece irromper um caule rematado por uma grande flor. A esta está ligado, por um pequeno caule em bordado directo, um motivo floral pequeno em campânula mas executado em bordado aplicado e em cores que nada têm a ver com a escala cromática da cercadura, motivo este que se repete nas cunhas. Ao longo da base da elipse – a parte mais visível do manto, pois é a que envolve horizontalmente a imagem – entram também motivos florais da mesma família dos anteriormente referidos mas em que, como já se assinalou, a disposição em simetria só é válida para os dois motivos colocados entre as zonas dos cantos e as cunhas, numa sequência de A – B – V – C – B – A, em que V é idêntico a A mas invertido. Note-se que quando o manto está colocado, a parte central desta sequência é a mais visível porque fica na vertical, envolvendo a imagem e, caso o manto inicialmente fosse colocado envolvendo apenas os ombros e a nuca – não cobrindo a cabeça – como se pode ver nalgumas representações, então ficaria ainda mais visível. As cunhas, que têm a forma de triângulos estreitos e longos, são preenchidas, no espaço livre deixado pela cercadura, por uma sequência de oito motivos florais que vão diminuindo de escala proporcionalmente à redução do espaço disponível, bordados a fios de seda policromos. O campo do manto está ainda preenchido, na metade oposta à base da elipse, por dois tipos de motivos florais dispostos em vértices imaginários de dois triângulos quase concêntricos: um cravo de forte coloração vermelha que se apresenta em maior escala e compõe o triângulo exterior, sendo o motivo menor do outro triângulo uma pequena flor bordada a fios de seda policromos.
DESCRIÇÃO
Corpinho
O corpinho é constituído por um elemento justo ao tronco e cintado, com aba rodada a toda a volta, decote redondo e subido (Foto 6 e esquema). Fecha atrás com 7 ilhoses feitas em fio de seda (?) e apertaria com fitilhos de que não restam vestígios. Uma carcela de barba de baleia de cada lado da abertura proporciona-lhe alguma estrutura. Um colchete metálico fixo com ponto de agulha no centro, serviria para segurar os colares de ouro que eram colocados ao pescoço da imagem. Apresenta ainda mangas abertas muito compridas que
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Veja-se ANQUETIL, Jacques – SILK. Paris-New York: Ed. Flammarion, 1996. ISBN : 2-08013-616-X. Pág. 100.
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Aspecto geral do corpinho depois de tratamento (frente)
caiem soltas a partir dos ombros e a que chamaremos “mangas pendentes”. As mangas pendentes, com a forma de meia-lua muito alongada, são abertas à frente, estão fixas ao corpinho nos ombros por pontos de agulha e rematam, ao longo do corte, com renda metálica dourada. Estas mangas também apresentam bordado aplicado sendo os elementos com lâmina bordada directamente nos centros das flores, em três grandes motivos florais idênticos a alguns dos que se vêm no manto. Estão dispostos simetricamente numa e noutra manga – uma simetria tanto espacial como cromática – e correspondem a outros tantos motivos idênticos que aparecem quer no manto quer na saia. Não se apresentam completos, por estar o restante bordado embebido nas costuras. Na frente do corpinho a renda metálica dourada delimita uma zona triangular invertida. O bordado localiza-se nesta área central que vem desde os ombros e acompanha o decote e termina sobre a cintura, em orientação oposta à do espaço em que se inscreve. O motivo central, um vaso muito estilizado com o bocal a rasar o decote, sobrepõem-se a um motivo vegetalista que nasce no vértice do triângulo mas dando ainda espaço para uma ramagem de cada lado, de folhas alongadas e com um pequeno botão de flor ou fruto. Está bordado a fios de seda policromos e a fio laminado dourado e envolvido, ao longo do “V” correspondente aos lados do triângulo, por pequenas flores, de desenho e técnica claramente diferenciados. Na Fulgence Collection encontra-se um corpete com uma estrutura semelhante, mas em que o motivo vegetalista que nasce no vértice do triângulo não é interrompido pelo vaso15. A aba rodada que cai sobre a anca é também bordada na frente, com um motivo central em forma de triângulo disposto de tal forma que os vértices dos dois triângulos – este e o da parte de cima – coincidem no mesmo ponto. A aba apresenta, ao centro, um motivo estilizado que parece o reflexo invertido do vaso da parte de cima, mas envolvido directamente em folhagem e pequenos apontamentos florais. A partir deste elemento central e para cada lado desenvolve-se uma fina haste ondulada a que se sobrepõem uma sequência de grandes flores que vão diminuindo de escala e termina com folhagem, já na parte detrás da peça. Note-se que à simetria espacial não corresponde uma simetria cromática. D
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DESCRIÇÃO
Mangas soltas As mangas soltas – serão as mangas perdidas por vezes referidas nalguns dos Inventários? – são pequenas e justas ao braço. Enquanto que nas diversas representações da Senhora estes elementos apresentam botões junto ao punho, aqui apenas existe uma pequena abertura com vestígios de algo cosido. Podem corresponder a um vestígio de outra peça usada por debaixo do corpete no traje civil e que, por desnecessária à indumentária da Senhora, foi reduzida ao estritamente essencial e sendo, possivelmente, o critério utilizado manter apenas o que ficava visível e facilitar o vestir da imagem.
7
Aspecto geral da saia antes do tratamento (frente)
46 cm
DESCRIÇÃO
103 cm
Saia A saia, de forma trapezoidal, apresenta à frente um macho com cerca de 15 cm e é armada com pregas – cerca de 12 de cada lado – com 2 cm de profundidade e aperta atrás, com uma abertura de cerca de 30 cm. A debruar o cós, uma fita de gorgorão com 1 cm de largura, que servia para a ajustar mas cujas pontas desapareceram. Remata na orla inferior com renda metálica dourada (Foto 7 e esquema). Refira-se ainda que, além de ser forrada de tafetá de seda creme como as outras peças, apresenta, pelo avesso, uma barra de enchimento com cerca de 8 cm de altura ao longo de toda a orla inferior, em tafetá de lã vermelha e azul. Ainda no avesso da saia lê-se de diante, coincidindo com o que actualmente é a frente. Este registo não deixa de ser interessante pela informação que transmite: a necessidade de clarificar a posição da saia. Fica a curiosidade pela razão que ditou a necessidade deste registo16 bem como pela data em que foi executado. Contrariamente ao que sucede com o corpinho, a outra peça que também é coberta pelo manto, a saia é ornamentada a toda a volta.A ornamentação – bordado aplicado, com os elementos metálicos17 em bordado directo – ocupa uma faixa com pouco mais de 2/3 da altura total da saia, deixando livre a que se situa junto ao cós, muito fechada pelas pregas e oculta pela sobreposição da aba do corpinho. A decoração bordada da saia está organizada em duas faixas, que se dispõem a toda a volta. A que corre junto à orla está preenchida com grandes motivos florais idênticos aos do manto
16 17
146 cm
e das mangas pendentes do corpinho, embora a composição de cada motivo não apresente uma correspondência exacta. É de assinalar o aparecimento de um elemento que não se repete e é identificável como uma pinha.A outra faixa,que corre acima, é composta por motivos florais alongados, de maior dimensão e em que, para cada um, se utilizam alguns elementos dos motivos de referência, mas com agrupamentos diferentes e uma maior abundância de folhagem. De forma geral pode-se dizer que estes últimos motivos estão no mesmo registo dos referidos anteriormente quer esteticamente quer no tocante às escalas de representação e à escala cromática utilizada. É de assinalar, todavia, que o conceito de simetria, na disposição dos motivos dentro de cada faixa, é absolutamente inexistente quer em termos sequenciais quer em termos de motivos e nem sequer se consegue reconhecer uma simetria ou uma sequência cromática que apresente uma leitura coerente, chegando mesmo a verificar-se a re-localização de, pelo menos, um elemento.
A 24 de Maio de 1761, Pedro António apresenta uma conta em que se refere “mais hua saya da Sra q seandou a roda”.AMAP, 1551 – Recibos – Doc. 1 a 564, 1756 / 1761, C-172. Doc. 406. Poderia ser esta a peça referida? exceptuam-se as situações em que ocorre o ponto de canutilho e lantejoulas.
A INDUMENTÁRIA DA SENHORA E O TRAJE CIVIL FEMININO As peças descritas acima constituem um conjunto cujo figurino se repete nos trajes da Senhora que chegaram até nós. E repete-se também, com maiores ou menores seme-lhanças, na esmagadora maioria da imaginária alusiva à Senhora da Oliveira de Guimarães e a outras Senhoras da Oliveira18 que conhecemos directamente (Foto 8 e Foto 9).
8
Nossa Senhora da Oliveira, madeira policromada, séc. XVII (?), MAS, inv. 61-10. DDF/José Pessoa
9
Nossa Senhora da Oliveira, gravura in SOARES, Ernesto, Inventário da colecção de registos de Santos, BNL, Lisboa, 1955, p. 207.
Justifica-se assim a tentativa de estabelecer um paralelo entre este figurino de traje de imagem devocional e o traje civil feminino, visando procurar paralelos e estabelecer horizontes culturais e cronológicos e ainda tentar situá-lo no contexto quer dos trajes oferecidos à Senhora quer dos têxteis da Colegiada. Em 1649, Nossa Senhora da Oliveira é pintada por Avelar Rebelo19 naquela que é a sua mais antiga representação conhecida, ainda que num quadro que se encontra em Lisboa. Se considerarmos que Avelar Rebelo foi o pintor de D. João IV, que este rei se declarou protector da Colegiada em 1645 e declarou Nossa Senhora da Conceição a Padroeira de Portugal em 1646, esta tela que mostra a Senhora de Guimarães em toda a sua majestade quer pela composição quer pela opulência do vestido e a riqueza da coroa, tem de ser vista no enquadramento dos objectivos políticos da época: a congregação de todos numa união de esforços em torno d a i d e i a d e independência. A este esforço não é certamente alheia a proliferação de pintura alusiva ao papel desta invocação na independência do país, produzida na segunda metade do 10 Nossa Senhora da Oliveira, óleo sobre séc. XVII (Foto 10). tela, Avelar Rebelo, 1649, Lisboa. DDF/José Pessoa
18 19 20
O traje da Senhora nesta tela consta duma saia cónica, corpete com ponta alongada sobre a saia, longas mangas pendentes, mangas justas e coifa branca que envolve a cabeça e desce sobre os ombros, tapando a parte de cima do corpete – uma imagem algo rígida mas também com majestade. A envolver tudo, o manto que parece estar colocado por detrás e não sobre a cabeça da Senhora, que ostenta uma magnífica coroa. Magnífico é também este conjunto quer pelos tecidos lavrados a ouro, quer pelas próprias estrelas de ouro bordadas no manto. Este, uma peça antiga do tesouro da Senhora, aquele uma peça mais recente, se aceitarmos que é o «manto branquo a roda broslado com estrellas de ouro» referido pela primeira vez no inventário de 1631 e o conjunto saia e corpete, o «vestido de tella goarnecido com ramos de ouro e as mangas forradas de setim amarelo e capinha do mesmo» já existente aquando da realização do de 1665, o que se coadunaria com a data da tela. Tenha sido esta tela a fixar o figurino para as outras representações ou não, tenha Avelar Rebelo estado em Guimarães ou não – a coincidência entre a pintura e o inventário não é rigorosa20 importa assinalar a repetição deste figurino com um grau de variação muito pouco significativo, trate-se de estampas ou das pequenas imagens que representam Nossa Senhora da Oliveira existentes no Museu Alberto Sampaio ou em colecções particulares. Note-se ainda que uma pintura da mesma época, pertencente ao acervo do Museu Alberto Sampaio, em que um pintor desconhecido representa D.Afonso Henriques invocando a Senhora da Oliveira de Guimarães, esta é representada com um figurino idêntico (Foto 11). O traje ibérico, nomeadamente o espanhol, conheceu uma larga difusão na Europa do XVI e, apesar da severidade das cores, era extremamente rico quer pelos tecidos usados quer pela decoração. Se mais tarde perde popularidade na restante Europa em benefício da moda francesa nem por isso sofre significativas mudanças nas suas linhas gerais mas tão só ao nível dos pormenores.
11
Veja-se o traje de Nossa Senhora da Oliveira do Tortozendo em http://ubista.ubi.pt/~apombo/tortosendo/festanso.htm. propriedade da Irmandade de Nossa Senhora da Quietação (antigo Convento das Flamengas, ao Calvário), Lisboa. Por exemplo, na face da Senhora.
D. Afonso Henriques orando a Nossa Senhora da Oliveira durante a Batalha de Ourique, óleo sobre tela, Simão Álvares (?), séc. XVII (finais), MAS, inv. P 52. DDF/José Pessoa
18 19
Encontramos na pintura portuguesa e espanhola do séc. XVI e XVII figurinos que evocam directamente quer a pintura referida quer a indumentária em estudo, em que o traje se organiza em função de dois elementos autónomos: o corpete, que envolve a metade superior do corpo e uma saia cónica, para envolvimento da metade inferior do corpo21 (Foto 12 e Foto
um do séc. XVII para o XVIII, 14 figurino Corpete, séc.da XVII,transição MNT 33879. DDF/Carlos Monteiro.
embora a correspondência não seja exacta. As aproximações a este último figurino residem, para o corpinho, na introdução de barbas de baleia e na zona triangular bordada que apresenta à frente (piéce d’estomac) e também pela aba rodada e não pregueada. Para a saia, no franzido provocado pelas pregas que criam um maior volume ao nível das ancas.
12
Retrato de Senhora, autor desconhecido, óleo sobre tela, séc. XVII(1620-1640), MNAA, inv. 1280 Pint. DDF/Luís Pavão
13
13).
Retrato de D. Joana de Albuquerque, autor desconhecido, óleo sobre tela, séc. XVII, MNT, inv. 14398. DDF/Arnaldo Soares
O corpete cinge rigidamente o busto e termina em ponta que se prolonga sobre a saia que admite diversos formatos22. As mangas exteriores, presas aos ombros do corpete, são compridas, largas e fendidas a toda a altura: cortadas assim podem cair soltas, presas ao punho ou a outro ponto. Por baixo vêm-se outras mangas e, porque temos de recorrer a pintura para o estudo da indumentária da época, nem sempre é claro se pertencem ao corpete se a outra peça de vestuário. A saia é estruturada com recurso a uma peça característica do mundo ibérico – o vertugadin23 – que cria uma silhueta cónica de tal forma que a saia cai direita, aparentemente sem pregueado ou franzido na cintura. No traje feminino civil podiase usar uma saia e uma sobresaia, o que poderia ser simplificado tratando-se de vestir uma imagem.
A referência documental a uma «saia acolchoada que a Senhora sempre tem»26 pode significar que, à falta da saia estruturada ou outra, se conseguia armá-la a saia de forma a obter o volume desejado. Os elementos arcaizantes são o decote subido do corpinho e as longas mangas pendentes em forma de meia-lua muito alongada. A Virgem orante, escultura da primeira metade do séc. XVI que integra a colecção do Museu de Alberto Sampaio, atesta o arcaísmo destas mangas pendentes (Foto 15). Parece pois lícito considerar que o figurino da indumentária em estudo se aproxima significativamente do traje civil feminino ibérico do séc. XVII / XVIII todavia com alguns elementos arcaizantes perfeitamente consolidados e que se articulam bem com a forma rígida e sem movimento com que o manto é
Este figurino evolui a partir do final do XVII para um corpete rígido – com barbas de baleia e que podia apertar atrás ou à frente e, neste caso, seria recoberto com uma piéce d’estomac24 – com decote redondo e mangas curtas e,à volta da cintura,uma aba com maior ou menor volume. O figurino civil feminino do final do XVII, no tocante a peças exteriores, completava-se com uma saia, usualmente do mesmo tecido do corpete. Comprida e dupla, corresponde a uma época em que se requeria aumentar o volume na zona das ancas, conseguido com soluções estruturadas interiores e franzindo a saia na cintura25 (Foto 14). Enquanto que o traje representado na tela de Avelar Rebelo está próxima do primeiro figurino referido, já a indumentária em estudo de Nossa Senhora da Oliveira está mais próxima de 21
15
Virgem orante, calcário policromado, séc. XVI (1ª metade), MAS, inv. E 66.
colocado, quer DDF/José Pessoaenvolva ou cubra a cabeça da imagem.
Veja-se também: http://www.metmuseum.org/Works_of_Art/viewOne.asp?dep=11&isHighlight=0&viewmode=1&item=45%2E128%2E15 e http://www.abcgallery.com/V/velazquez/velazquez61.html. no séc. XVII esta ponta é comprida e arredondada. O vertugadin era uma saia rígida em forma de cone estruturada com arcos que podiam ser feitos de diversos materiais, que podiam ser visíveis na saia exterior. 24 Peça de vestuário de forma triangular, ricamente revestida ou bordada que se destinava a cobrir os fitilhos do corpete com barbas de baleia sobretudo quando atavam pela frente. Ver http://www.capitale.gouv.qc.ca/lire/publications/lexique.html. 25 Veja-se TEIXEIRA, Madalena Brás - Traje erudito em Portugal: séc. XVII a XX. s. Macau : Leal Senado de Macau, 1989. 26 Esta referência aparece primeiro no Inventário de 1636, especificando-se que é amarela, e repete-se nos seguintes. 22 23
TÊXTEIS E TRAJES Sendo este figurino o do traje da imagem de roca ainda hoje existente, a sua adopção deveria ter deixado reflexos nos registos documentais, tal como deixou noutra imaginária, quer ao nível da tipologia de peças identificáveis nos inventários quer ao nível da terminologia. No entanto, deve-se atender ao facto de se estar a registar trajes de imagem e não de pessoas, à possível presença de regionalismos no vocabulário utilizado, não esquecendo a sucessão de diferentes autores no tocante à redacção dos inventários. Ao analisar a documentação relativa ao Tesouro da Senhora convém ter presente três dados: primeiro que a imagem de prata «de Nossa Senhora com seu filho no collo de prata dourada com ramo de oliveira de prata» é, em 1631, a que sai «nas procisois27 e nas do Padrão aos Sábados». Segundo, que mais de 30 anos depois, ainda era usual colocar-lhe «Hum mantozinho azul de bolante com renda de prata que serve a imagem de Nossa Senhora da Oliveira de prata»28. Por último registe-se que nenhum dos inventários fazem menção específica quer à imagem de madeira quer a imagens de roca. Neste contexto ganha sentido o facto de as primeiras referências a têxteis constarem sobretudo de peças para envolvimento (mantos, capas, mantilhas) e que surjam imediatamente depois as crespinas e outras coifas29. Estas referências – imediatamente posteriores a 1450, data em que a Confraria oferece sepultura a quem, além de outras condições, tenha contribuído para o património da Senhora e da Colegiada – e só depois – 1585, portanto depois do Concílio de Trento – aparecem consistentemente referências a peças de vestir - brial, vasquinha, saia, gibão, chapéu e curiosamente roupão, entre outras tipologias - e muitos com os ofertantes identificados. Estas tipologias vão perdurar no rol das roupas oferecidas à Senhora, a par com as mantilhas, mantéus com seus punhetes, etc. Claramente tudo items identificáveis com o traje civil feminino que mais parecem ofertas para o Tesouro do que trajes para vestir a Senhora. Cerca de quarenta anos depois, não só o número de peças é muito maior, se mantêm a identificação dos ofertantes e surgem novos termos - corpinho, mangas, saio – como também surgem agrupamentos de peças, claramente indicando conjuntos («roupão e saia de damasco branco com seus passamanes de ouro com corpinho e mangas»)30 embora muitas vezes compostos com lógicas diferentes. É também desta altura que datam as referências ao estado de conservação – degradado – e, consequentemente, o destino das peças (destruídas ou reaproveitadas para vestimentas, por exemplo). Também pela primeira vez há notícia de que as peças «por não servir» podem ser reencaminhadas: há as que vão para a Senhora do Padrão ou para Nossa Senhora de São Torcato. Fica assim indiciado que há uma imagem da Senhora da Oliveira que se tenta vestir / que se veste: a de madeira ou a de roca?
Surgem os vestidos, sumariamente descritos (vestido ou vestido inteiro) ou com todos os items enumerados (manto,saia e gibão). Oferta feita indiscutivelmente à Senhora e cuja riqueza ainda hoje deslumbra, é o manto oferecido por D. João V que obrigou a Colegiada a encomendar o vestido. Ainda hoje existem, o figurino é idêntico ao que está em estudo e uma análise laboratorial aos tecidos de uma e outra peça seria de grande interesse. Uma das informações mais interessantes é a tripla referência a vestidos para a Nossa Senhora grande – indiscutivelmente a imagem de roca – de mantos e véus para a Nossa Senhora piquena e de véus para levar a Senhora ao Padrão, Senhora essa que já sabemos ser a imagem de prata. As peças de indumentária que figuram nos Inventários citados até final do séc. XVII correspondem à indumentária civil feminina das respectivas épocas. Esta documentação mostra-nos muitos casos de ofertas,casos de re-distribuições,reflectem aproveitamentos e reaproveitamentos à medida que os tecidos vão envelhecendo e se vão estragando. Mas neste conjunto, que se vai fazendo e desfazendo, houve também lugar para encomendas, por parte da Colegiada ou da Confraria, de trajes específicos para uma imagem de roca? A pergunta coloca-se pela seguinte razão: a documentação refere, inicialmente, vários tipos de peças com clara correspondência na indumentária feminina. Depois, o vocabulário usado começa a ser mais restrito e coloca-se a questão de saber se é porque as ofertas de peças pessoais cessaram e porquê ou se começou a haver um padrão na tipologia de indumentária ou seja, se se fixou um determinado figurino e porquê, pois a partir do único inventário conhecido do séc. XVIII, a referência sistemática que surge é a vestidos31 e a mantos, enquanto que as representações e as peças existentes coincidem também num único figurino. Onde está uma representação da Senhora em que surja um roupão, peça referida por Garcia de Resende quando descreve a comitiva que, em 1516, acompanhou a princesa D. Beatriz a Saboia – quem sabe se não será a ropa32, tão caracteristicamente ibérica e de que há inúmeros registos em inventários? Provavelmente corresponde à peça de vestuário exterior que D. Catarina de Aústria enverga na pintura que se encontra no Museu do Prado33 e que surge em tantas outras representações da época. A sequência dos argumentos apresentados permite afirmar que, à data do inventário de 1756, já existia uma imagem de roca, o figurino já estava fixado e a Nossa Senhora piquena muito provavelmente é a imagem de prata.
No Inventário de 1756 a situação muda radicalmente.Todos os pequenos items de vestuário desaparecem: já não há vasquinhas, nem briais, nem mantilhas nem coifas e tão-pouco a cabeleirinha ou as grenhas,o que não deixa de ser um pouco desconcertante. Sublinhado nosso. 27 28
Inventário de 1665. A coifa é uma peça que cobre a cabeça, com maior ou menor volume, usualmente em tecidos leves e claros, muitas vezes enriquecidos com bordados.Ver também: "Coif." Encyclopædia Britannica. 2004. Encyclopædia Britannica Premium Service.25 Aug. 2004 <http://www.britannica.com/eb/article?eu=25084>. 30 Inventário de 1631. 31 Note-se que aparecem vestidos compostos por vários elementos e "vestidos inteiros”. 32 Traje da Antiguidade Clássica:Traje e Tecidos Medievais:Traje e Tecidos Orientais:Tecidos Europeus. Lisboa: Museu Nacional do Traje, 1977 (policopiado). 33 Retrato de D. Catarina da Áustria, António Moro, 1552. Museu do Prado, Madrid, nº inv. 2109.12. 29
20 21
MATERIAIS E TÉCNICAS O estudo dos materiais, numa primeira fase, inicia-se pelo exame geral à vista desarmada, que consiste num levantamento pormenorizado dos constituintes do têxtil e do seu estado de conservação. Numa segunda fase, através da lupa binocular, faz-se a leitura de pormenores e de elementos não observáveis a olho nu e,simultaneamente,a selecção e recolha de amostras dos vários materiais para realização das análises laboratoriais (Foto 16).
16
Observação à lupa binocular.
No caso da indumentária da Nossa Senhora da Oliveira foram recolhidas amostras do manto e saia para identificação de fibras, corantes e metais. FIBRAS TÊXTEIS Conhecida desde o Neolítico, a tecelagem começou por recorrer a fibras vegetais - por serem finas e flexíveis - ou animais, como a lã e a seda, as quais, quando sujeitas a certas operações como a fiação e a torção, permitem produzir fios das mais diversas espessuras e comprimentos34. A morfologia de uma fibra - forma, estrutura e características de superfície - é determinada pela sua composição química, que lhe confere propriedades físicas e mecânicas específicas. Algumas fibras são homopolímeros, predominando nelas um único tipo de unidade, como a celulose. São exemplo de fibras vegetais com esta característica o linho, o cânhamo, o ramie e o algodão35. Destas, a única presente no manto em estudo é a fibra de linho, empregue como material de enchimento no bordado directo de lâmina36 (Foto 17).
Outras fibras são heteropolímeros, isto é, têm dois ou mais tipos de unidades,como as fibras proteicas - que podem ser formadas a partir de 20 aminoácidos diferentes37 - como a lã e a seda, predominando esta última no manto. Nos têxteis, a seda pode ser usada com ou sem sericina38, denominando-se neste caso seda desgomada, a qual é usada na maioria dos objectos têxteis aproveitando ao máximo o brilho da fibroína. As análises laboratoriais efectuadas confirmaram que os fios do tecido e do bordado das peças da Senhora da Oliveira, são de seda desgomada39 (Foto 18).
18
Corte transversal da fibra de seda do bordado.
A sericina, apesar de amarelecer facilmente, protege os filamentos de fibroína contra os danos provocados pela luz40. Assim, os tecidos desprovidos desta proteína, tendo a fibroína exposta, ficam mais vulneráveis quando em contacto com a luz41. Nesta indumentária, este terá sido o primeiro factor a contribuir para a sua extrema fragilidade, pois a teia e a trama dos fios de seda não apresentavam a camada protectora de sericina. As fibras são compostas por zonas cristalinas e amorfas. Muitas vezes a deterioração causada pela água, agentes químicos e partículas de sujidade, limita-se às zonas amorfas, mas com o tempo, esse processo de envelhecimento pode estender-se às zonas cristalinas, menos flexíveis, menos absorventes e, consequentemente, mais resistentes.
CORANTES O uso de corantes de natureza vegetal ou animal42 desenvolveu-se com a tecelagem e manteve-se inalterado até à Revolução Industrial, quando foram fabricados os primeiros corantes sintéticos. Os corantes vegetais provêm de uma grande variedade de plantas, como o lírio dos tintureiros, o índigo, o açafrão, as nozes e madeira de nogueira,a cúrcuma, a garança e o pau campeche43. Os de origem animal são obtidos a partir das secreções de vários moluscos como o Múrex Brandaris, que fornece diferentes tons de púrpura, ou de insectos secos como a cochinilha e o quermes44.
17
1
Corte transversal da fibra de linho - fio de enchimento do bordado a lâmina.
Sobre a história da Real Colegiada de Guimarães, veja-se o muito documentado estudo de MORAIS, Maria Adelaide Pereira de – Ao redor de Nossa Senhora da Oliveira. Guimarães: M. A. P. de Moraes, 1998 (Braga : Barbosa & Xavier). ISBN 972-95565-5-5. LOPES, Fernão – Crónica del Rei D. João I . Porto: Civilização, 1994. 3 O loudel era uma peça de indumentária militar, frequentemente acolchoada ou com várias camadas de pano, que provavelmente se usava sobre a cota de malha. 4 Restauro executado no IPCR por Maria José Taxinha, processo nº 9 (1958-1963). 5 Os diversos inventários citados ao longo do texto são uma fonte de informação preciosa e um auxiliar imprescindível na construção de toda a análise. É pois imperioso e de toda a justiça agradecer ao Museu Alberto Sampaio, na pessoa da sua Directora, Drª Isabel Fernandes, a cedência de cópia das transcrições dos Inventários de 1631, 1665, 1680, 1756, 1826 e 1912, cuja publicação está para breve. Estes documentos encontram-se no Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, em Guimarães, e todas as referências a Inventários feitas ao longo do texto reportam-se sempre a estes documentos. 6 Citado por M. Adelaide P. Moraes, op. cit., pág 46. 7 O contrato foi celebrado a 7 de Junho desse ano. 8 Veja-se MAPR, 1998, pág. 95, nota 187. 2
22 23
A uniformidade da cor nos têxteis45 está relacionada com a afinidade entre os corantes e as fibras, por isso adicionam-se mordentes, nomeadamente sais metálicos, como alumínio, ferro, cobre, estanho e crómio, que permitem ao corante fixar-se à fibra, podendo também influenciar a sua tonalidade. Para alargar a gama de cores e tons nos têxteis, podem-se misturar corantes e variar a quantidade e combinação de sais metálicos.O bordado no traje da Senhora da Oliveira apresenta grande riqueza de tons,obtidos através da mistura de corantes,como demonstram as análises efectuadas46 (esquema A e esquema B).
Nas análises realizadas, o encarnado dos cravos bordados no manto é de origem animal,a cochinilha.Trata-se de uma situação excepcional, porque em todas as análises feitas a cores semelhantes nas flores do traje, o tinto é de origem vegetal. Os cravos aplicados no manto sobre três lacunas apresentam um corante de origem animal comprovando, tal como se observara previamente, que não pertencem ao conjunto original das flores que decoram o traje da Senhora da Oliveira.
FIOS METÁLICOS "Fios de ouro" é uma expressão genérica para designar todo o fio dourado ou prateado utilizado no bordado ou inserido na tecelagem52. Assim, existem quatro tipos essenciais: lâmina53, fio laminado54, fio crespo55 e fio de fieira56. A composição das ligas metálicas variou ao longo dos séculos57, mas a partir do séc. XVII as ligas de cobre, eventualmente com camada de ouro,substituem as de prata58.Geralmente associavam-se os fios metálicos à seda59, por ser uma fibra nobre e com capacidade reflectora. O traje da Senhora da Oliveira é disto exemplo, não só pelo tecido que apresenta uma superfície metálica constituída pelos fios laminados de prata dourada, mas também porque o interior das flores é enriquecido com vários elementos metálicos como lantejoulas de liga de cobre, canutilhos e lâminas de ligas de prata revestidas a ouro, numa grande profusão de efeitos (esquema C, esquema D e esquema E-cf. www.ipcr.pt).
Esquema A
Esquema B
Cores
Corante
Constituintes químicos principais
Creme e Amarelos Azul
Lírio dos tintureiros Índigo
Luteolina e Apigenina Índigo
Verde
Índigo+Lírio Índigo, Luteolina e Apigenina dos tintureiros Açafrão + Garança47 Crocetina e Alizarina 48 ------------------------Cochinilha Ácido Carmínico
Rosa e salmão Castanho Encarnado
Nos bordados as tonalidades creme e amarela alteraram, devido à sua menor resistência à luz 49. As fibras castanhas (cf. nota 48) apresentam alguma desintegração devido provavelmente aos compostos utilizados no tingimento. Segundo a bibliografia consultada, o castanho, o preto, e por vezes o azul escuro eram obtidos por tingimento à base de taninos50, usando como mordente sulfato de ferro, que em reacção conjunta provoca a decomposição acelerada da celulose e das proteínas das fibras da seda51. 9
Esquema C
Gráfico da espectrometria de fluorescência de raio X do fio laminado.
Esquema D
Gráfico da espectrometria de fluorescência de raio X da lantejoula.
A imagem mutilada teve braços articulados, como se tratasse de uma imagem de roca. Apenas quatro identificações no inventário de 1756: D. João V, a “Irmandade”, D. Paula e Gonçalo André de Carvalho. ALMEIDA, Eduardo de – Os Cónegos de Guimarães. Revista de Guimarães, vol.XXXV, nº 4 e XXXVI, nº 1/2. Guimarães: Sociedade Martins Sarmento. 12 Optou-se pelo termo corpinho sempre que se trata desta peça do traje da imagem porque não é estruturado como os corpetes do traje civil feminino e recuperou-se um termo utilizado nos Inventários. 13 O termo usado para o traje civil é manguinhos para peças semelhantes, mas aqui optou-se por uma terminologia baseada na caracterização dos elementos por se estar perante um contexto de traje de imagem devocional. 14 Tecido ou ligamento composto por tramas de ouro ou prata. 15 Veja-se ANQUETIL, Jacques – SILK. Paris-New York: Ed. Flammarion, 1996. ISBN : 2-08013-616-X. Pág. 100. 16 A 24 de Maio de 1761, Pedro António apresenta uma conta em que se refere “mais hua saya da Sra q seandou a roda”.AMAP, 1551 – Recibos – Doc. 1 a 564, 1756 / 1761, C-172. Doc. 406. Poderia ser esta a peça referida? 17 exceptuam-se as situações em que ocorre o ponto de canutilho e lantejoulas. 10 11
ESTUDO TÉCNICO A arte têxtil legou-nos um património de grande riqueza de tipologias, técnicas e materiais, que são expressões da evolução tecnológica, dos novos materiais e da mudança da vida social na sua estética. Nas peças em estudo temos a considerar duas técnicas distintas: o tecido em que foi feito o traje - tecelagem e a decoração - bordado. De um princípio simples, o cruzamento de fios trabalhados no tear, constrói-se uma superfície têxtil; com a agulha e o fio formam-se padrões ornamentais de grande variedade, complexidade e beleza. Tecido O conjunto da Senhora da Oliveira foi confeccionado num tecido denominado lhama, composto por tramas de prata dourada60, que prendem em sarja 3:161 (Foto 19).
Devido a perdas de fios do bordado, foi possível observar que os tecidos de suporte variam consoante as tipologias de bordado aplicado.A maioria dos motivos neste tecido de lhama foi executada em bordado de aplicação, neste caso, seda creme com uma decoração em tecelagem. Nos pequenos motivos florais o tecido de suporte tem uma tonalidade diferente e, no caso dos grandes cravos, esse tecido é vermelho. Estes dados são importantes para a compreensão decorativa deste traje e para a confirmação de diferentes tipologias de bordados que validam a hipótese de modificações e reaproveitamentos ocasionais. O Bordado - tipologias Nestas peças observamos duas classes de bordados62: o directo e o de aplicação. O bordado directo é o bordado propriamente dito,feito com agulha e fios, atravessando o tecido e executando diversos pontos que permitem desenhar motivos ornamentais (Foto 20 e Foto 21).
20
19
Pormenor de flor em bordado directo: margarida azul na cunha do manto.
21
Pormenor do avesso da flor em bordado directo.
Pormenor da tecelagem do tecido com os fios laminados doirados - trama suplementar.
Material:
Designa-se bordado de aplicação aos motivos recortados, contornados com pontos de bordado ou fio decorativo e fixados a ponto de agulha a um suporte diferente.
TEIA Teia de fundo
Teia de ligação
Características do fio
Características do fio
fio de seda creme
fio de seda creme
Nº de cabos:
1
1
Torção:
S
S
2x32 fios/cm
26 fios/cm
Redução: Proporção:
4/1 (4 fios de teia de fundo para 1 fio de teia de ligação)
________
No caso do traje em estudo predominam os motivos florais aplicados,bordados num tecido de seda creme e depois recortados para,numa segunda fase,serem fixados ao manto a ponto de agulha, com fio de seda amarelo.Também as pequenas flores isoladas - à excepção de três cravos e três pequenas flores fixadas com fio vermelho – seguiram o mesmo processo (Foto 22 e Foto23). Na indumentária da Senhora da Oliveira os motivos bordados apresentam no avesso uma camada branca, fina e pulverulenta identificada por análise laboratorial como uma mistura de amido e cola.
TRAMA Trama de fundo
Trama suplementar
Características do fio
Características do fio
fio de seda creme
fio laminado doirado
Nº de cabos:
3
1
Torção:
Z
S, alma de seda Z
Material:
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Redução: 18
25 fios/cm
27 fios/cm
Pormenor de flor em bordado aplicado, com interior em lâmina metálica bordada directamente no manto.
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Pormenor do avesso da flor em bordado aplicado.
Veja-se o traje de Nossa Senhora da Oliveira do Tortozendo em http://ubista.ubi.pt/~apombo/tortosendo/festanso.htm. propriedade da Irmandade de Nossa Senhora da Quietação (antigo Convento das Flamengas, ao Calvário), Lisboa. Por exemplo, na face da Senhora. 21 Veja-se também: http://www.metmuseum.org/Works_of_Art/viewOne.asp?dep=11&isHighlight=0&viewmode=1&item=45%2E128%2E15 e http://www.abcgallery.com/V/velazquez/velazquez61.html. 22 no séc. XVII esta ponta é comprida e arredondada. 23 O vertugadin era uma saia rígida em forma de cone estruturada com arcos que podiam ser feitos de diversos materiais, que podiam ser visíveis na saia exterior. 24 Peça de vestuário de forma triangular, ricamente revestida ou bordada que se destinava a cobrir os fitilhos do corpete com barbas de baleia sobretudo quando atavam pela frente. Ver http://www.capitale.gouv.qc.ca/lire/publications/lexique.html. 25 Veja-se TEIXEIRA, Madalena Brás - Traje erudito em Portugal: séc. XVII a XX. s. Macau : Leal Senado de Macau, 1989. 19 20
24 25
Neste tipo de bordado de aplicação,o procedimento usual era o de colocar uma película de adesivo no avesso do bordado, de modo que o motivo ornamental não se deslocasse aquando da sua fixação. Os motivos bordados a fio de seda polícroma são executados em diferentes pontos: ponto matiz (Foto 24 e Esquema); ponto
de nó (Foto 25 e Esquema); ponto lançado (Foto 26 e Esquema); ponto pé de flor (Foto 27 e Esquema)63. Os motivos bordados com elementos metálicos são executados em pontos de ouro (Foto 28, Foto 29, Foto 3064 e Foto 3165). No contorno das flores existem dois tipos de fio laminado dourado: o laminado (com torção da alma de seda em S e torção do fio laminado em Z) e o laminado crespo duplo (com torção do fio da alma em Z e torção do fio laminado em S) (Foto 31).
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Pormenor de bordado a ponto matiz.
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Pormenor do bordado a ponto nó.
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Pormenor do bordado a ponto lançado.
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26
Pormenor do motivo “em escama” bordado a fio de seda castanho, no interior de algumas flores com ponto central (branco), composto por dois pontos: lançado e pé-de-flor.
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Pormenor do bordado com lantejoula e canutilho nos motivo “em escama”.
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Pormenor do bordado com lâmina: interior da flor da cercadura junto ao vértice do manto
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Pormenor do bordado com lâmina, com enchimento de fio de linho: interior da flor da cercadura lateral do manto.
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Pormenor do fio laminado utilizado no contorno das flores.
Identificaram-se quatro tipologias de bordado neste traje. O primeiro conjunto, em bordado aplicado, é constituído por grandes motivos florais assinalados a verde - presentes em todas as peças66: na cercadura, no primeiro motivo das cunhas do manto, em toda a saia e nas mangas pendentes. (esquema F e esquema G) Assenta num jogo de superfícies esféricas e volumes globulares parcialmente abertos, representado em escala grande, que articulam com motivos de flores, frutos e folhagem numa escala intermédia e por fim com flores, botões de flores ou frutos numa escala pequena, frequentemente a envolverem os elementos principais em cada composição. É possível identificar composições quase idênticas que se repetem em modulações próprias a cada peça, mas também as há que divergem no colorido ou que surgem uma única vez (Foto32). O segundo tipo integra pequenos motivos florais de bordado aplicado - assinalados a castanho: seis que preenchem a extremidade das cunhas e três dispostos em triângulo, todos no manto. Este segundo tipo é executado quase todo em bordado aplicado, exceptuando duas flores, alguns caules e pequenas folhas em bordado directo. Este bordado, ausente
Esta referência aparece primeiro no Inventário de 1636, especificando-se que é amarela, e repete-se nos seguintes. Sublinhado nosso. Inventário de 1665. 29 A coifa é uma peça que cobre a cabeça, com maior ou menor volume, usualmente em tecidos leves e claros, muitas vezes enriquecidos com bordados.Ver também: "Coif." Encyclopædia Britannica. 2004. Encyclopædia Britannica Premium Service.25 Aug. 2004 <http://www.britannica.com/eb/article?eu=25084>. 30 Inventário de 1631. 31 Note-se que aparecem vestidos compostos por vários elementos e "vestidos inteiros”. 32 Traje da Antiguidade Clássica:Traje e Tecidos Medievais:Traje e Tecidos Orientais:Tecidos Europeus. Lisboa: Museu Nacional do Traje, 1977 (policopiado). 27 28
Esquema L
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Esquema G
Verde - corresponde à primeira tipologia de motivos de bordado aplicado fixados nesta indumentária; Castanho - corresponde à segunda tipologia de motivos de bordado aplicado fixados nesta indumentária;Vermelho corresponde à terceira tipologia de motivos de bordado aplicado fixados nesta indumentária;Azul - corresponde à quarta tipologia de motivos de bordado directo fixados nesta indumentária.
da saia e do corpinho, com desenho simples, contornos suaves pouco recortados, não evidencia uma grande capacidade técnica, quando comparado com o anterior (Foto 33). O terceiro tipo de bordado aplicado - assinalado a vermelho surge no manto em três flores que se dispõem também em triângulo, claramente identificáveis como cravos vistos de perfil e com a particularidade de terem um cromatismo vermelho único (Foto 34 e Foto 35). O vaso estilizado no corpinho e o respectivo “reflexo” na aba com a decoração lateral, assim como um par de motivos nas 33
cunhas do manto constituem o quarto tipo de bordado, este directo - assinalado a azul. Estas flores, com grandes centros e o rebordo das pétalas revirado, numa representação com alguma perspectiva e movimento das hastes e das longas folhas quase sem recorte, assemelham-se à estilização dos vasos. Os motivos florais das cunhas mais simples, representados em plano e com um recorte vivo, dispostos numa sequência estática no limite do triângulo do corpinho, são uma nota dissonante neste conjunto. No entanto, observam-se intervenções anteriores, possivelmente motivadas pelo atrito do peitoral de ouro colocado na imagem (Foto 36).
Retrato de D. Catarina da Áustria, António Moro, 1552. Museu do Prado, Madrid, nº inv. 2109.12. Só em meados do século XIX foram produzidas fibras não naturais, a partir de material natural ou sintético. As primeiras resultam de polímeros naturais transformados como a celulose e as segundas de síntese química a partir de materiais petroquímicos. 35 TÍMÁR-BALÁZSY, Àgnes; EASTOP, Dinah - Chemical principles of textile conservation.p.3. 36 Observação do corte transversal da fibra por microscopia óptica de transmissão. 37 TÍMÁR-BALÁZSY, Àgnes; EASTOP, Dinah - Chemical principles of textile conservation. p.3. 38 Enquanto o bicho-da-seda, cuja espécie mais conhecida e usada é o Bombix mori, tece o seu casulo, segrega uma proteína líquida, a fibroína, na forma de dois filamentos gémeos revestidos por outro tipo de proteína, a sericina, que endurece em contacto com o ar. 39 Observação dos cortes transversais das fibras por microscopia óptica de transmissão. 34
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Motivo floral em bordado aplicado.
Podemos definir, no mínimo, dois momentos distintos na execução destes bordados: o primeiro em que o motivo foi bordado sobre um tecido de suporte e o segundo quando foi aplicado na peça. Por outro lado, nalguns motivos ocorreram também alterações como a destruição do centro das flores e a sua substituição por bordado metálico. A incógnita reside em saber se a destruição da área central se efectuou antes ou depois da sua aplicação na 33 Pequena flor em bordado aplicado. peça. A questão não é mera curiosidade, mas prende-se com a identificação, quer das razões justificativas, quer dos critérios estéticos que levaram à decoração deste traje.
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Cravo em bordado aplicado (frente).
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Cravo em bordado aplicado (verso).
Motivo em bordado directo no corpinho.
ESTÉTICAS E ÉPOCAS O primeiro impacto provocado por este traje reside na força visual da sua decoração, decorrente sobretudo dos grandes motivos decorativos existentes em todas as peças, que aparentam uma unidade de concepção, aliada a um jogo de formas e movimento proporcionado pela conjugação do desenho, da escala cromática explorada pelo ponto de matiz duma grande qualidade técnica de que o manto é exemplo, que enquadram e, de certa forma, se contrapõem ao desenho em curva e contracurva mas sem rupturas e menos dramático no tocante ao jogo cromático da decoração do corpinho e da aba. A ornamentação das peças inspira-se – em todas as peças decoradas e para as várias tipologias e técnicas de bordado – em motivos botânicos organizados em composições de alguma complexidade e dispostos em sequências ou isoladamente. Os motivos florais, com elementos centrais realizados numa escala de dimensão média/grande que se apresentam rodeados de pequenos elementos (flores ou frutos) de menor dimensão e de elementos vegetalistas – folhagens e, nalguns casos, flores, frutos ou bolbos numa escala de média dimensão – apresentam formas botânicas facilmente identificáveis, caso dos cravos ou das peónias, ou completamente fantasistas e, portanto, sem qualquer correspondência com a realidade como sucede nos grandes elementos florais compósitos. Já os pequenos motivos florais, frutos ou flores isoladas se integram no tipo de representações semi-naturalistas. Contudo, uma observação atenta no decorrer do estudo e intervenção permitiu identificar inúmeras truncagens nas composições dos grandes motivos florais, sobretudo ao nível das folhagens,mas que ocorre também,embora com menor incidência, ao nível dos elementos decorativos de média escala dos mesmos motivos. Ou seja, não se encontram dois motivos rigorosamente iguais e identificá-los no seu formato original é absolutamente impossível. Por outro lado, há motivos que são únicos e outros há que, sendo idênticos na forma, diferem absolutamente na cor. Tendo presente que os motivos florais de grande dimensão são obtidos pela associação de vários elementos, nomeadamente folhagem, podemos, mesmo assim, identificar dois tipos de organização dos mesmos: uma claramente sobre o eixo longitudinal e outra em que há um maior equilíbrio entre os eixos longitudinal e transversal. Em qualquer um deles há sempre um motivo grande, geralmente floral, um ou dois de média dimensão e vários motivos (flores ou frutos) de pequenas dimensões. A estruturação de cada elemento decorativo aplicado não é absolutamente rígida quer na disposição do ramo quer mesmo, embora esporadicamente, no número e tipo de elementos que o compõem. A organização espacial destes motivos respeita o princípio da simetria, num modelo que não é absolutamente rigoroso mas que, visualmente, cumpre esse objectivo. O tratamento plástico é claramente diferente entre os motivos florais grandes que integram a primeira tipologia definida e as
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pequenas flores isoladas. Isto não reside apenas numa diferença de escala ou número de elementos que entram na composição de cada um, mas podem-se localizar no recorte do motivo – contínuo e suave nos motivos pequenos –, no tratamento técnico – predominância do ponto de matiz de grande qualidade de execução nos motivos grandes –, nas opções de materiais – ausência de lantejoulas ou pontos de ouro nos motivos pequenos – e nas escalas cromáticas – opção por um matizado simples e representação em plano nos motivos pequenos. A plasticidade destes motivos não assenta meramente na justaposição das folhagens mas decorre da sua própria organização – onduladas e recurvadas, parecendo sobreporemse –, mas também na composição e apresentação em vista dos elementos florais e frutos de média dimensão, nos profundos recortes realçados pelo jogo de cores, pela ilusão de profundidade criada pelo jogo dos claro-escuros potenciado pelos matizes mas também pelo jogo do exterior-interior dado pelas pequenas flores ou frutos contidos dentro dos grandes elementos florais em que as diferenças de escala acabam por funcionar como elemento dinamizador. Este modelo barroco remete para trabalhos franceses67 e italianos68 embora claramente distinto do que ocorre no bordado civil do traje feminino em que, coincidindo com a utilização de lantejoulas e canutilho, difere nos motivos geométricos e na escala reduzida. A decoração do corpinho e da aba que têm como elemento organizador o vaso com perfil em S que se reflecte nesta, quase se poderia dizer que num jogo de espelhos, embora use linhas ondulantes na sua disposição espacial, é mais plano e apresenta um cromatismo menos dramático. É uma execução diferente, mas igualmente rica e requintada nomeadamente na utilização de elementos metálicos sobre um fundo de seda. Realizada em bordado directo, usa o contraponto de duas cores associadas a matiz no mesmo motivo e introduz o movimento quer na orientação deste quer no seu recorte, numa organização mais depurada, indiciando um momento de execução posterior e já mais aproximado ao que se fazia no tocante à ornamentação no traje civil. Note-se que a rematar e já na parte detrás da aba, portanto com pouca ou nenhuma visibilidade, apresenta folhagem em bordado aplicado do mesmo tipo da que integra os grandes motivos florais acima referidos. É uma composição que se coaduna com o bordado do traje civil durante a primeira metade do séc. XVIII – “mais planos, sem grandes relevos, com motivos menos exuberantes”, como diz Maria José Taxinha69 e que encontra um paralelo no estilo, na utilização de elementos metálicos dourados, sedas policromas e ponto de matiz nas flores num véu de ombros de grandes dimensões que integra a colecção de paramentos do Paço Ducal de Vila Viçosa70. Os seis pequenos motivos florais existentes no interior das cunhas do manto e os três localizados no seu campo, executados em bordado aplicado, obedecem a uma gramática decorativa completamente diferente e correspondem a outro momento de execução. De facto, nestes motivos, todo o sentido de volume ou movimento está completamente ausente e, sendo mais delicados, são todavia planos, com uma utilização da cor reduzida ao essencial e a exploração da policromia de
Como é demonstrado pelo estudo de preservação proteica dos tecidos ricos em sericina - BECKER,Mary A. ;WILLMAN, Polly;TUROSS, Noreen C. - «The U.S.first ladies gowns: a biochemical study of silk preservation». Journal of the American Institute for Conservation.Vol. 34, nº 2, (Summer 1995),p.141-152. Idem. 42 A maior parte dos corantes são de natureza orgânica e pertencem a três classes de compostos químicos: flavonóides (amarelos), antraquinonas (vermelhos) e indigóides (azuis). 41
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tons praticamente inexistente, indiciando um tempo de decadência da composição em que se procuram os pontos mais simples mas de efeitos mais vistosos, situável na segunda metade do séc. XIX. Os três grandes cravos predominantemente vermelhos, obtidos por um corante que não é usado para mais nenhum vermelho desta indumentária (cf. Foto 34), têm paralelos no mundo dos tecidos lavrados da segunda metade do séc. XVIII71. Além de estarem dispostos no campo do manto isoladamente, têm uma razão muito precisa para ali terem sido colocados: ocultarem três lacunas que ocorrem duma forma geométrica e por uma razão de que não ficou registo. A hipótese do manto ter sido mais comprido, com uma forma de campainha tal como os outros mantos, poderia explicar as emendas laterais que apresenta a cerca de 1/3 da frente e, assim sendo, a ponta do manto teria de ser presa sobretudo aquando das procissões o que, nalgum momento teria provocado as lacunas. Contudo ficaria por explicar a necessidade de encurtar o manto mas, analisando os fios que prendem os motivos que teriam sido deslocados, tal não se confirma. Uma segunda hipótese é ter sido removido algo que se localizava naqueles três pontos, o que torna interessante a referência a um acto de vandalismo cometido em finais do séc. XIX e que consta do último inventário dessa centúria. Sabemos que foram danificados vestidos da Senhora e uma anotação posterior informa que os danos foram sobretudo ao nível das rendas e galões72. Não sendo de pôr totalmente de parte esta última hipótese, poderia dar-se o caso de, mesmo com o actual comprimento do manto, ser necessário segurá-lo de alguma forma, em vários pontos. Tornou-se assim interessante ensaiar o traje numa imagem de roca, tanto mais que em algumas gravuras antigas e em fotografias da primeira metade do séc. XX, o manto aparece bastante aberto (Foto 37). A imagem vestida com todas as peças, tem uma imponência surpreendente, que certamente a cor e brilho original da lhama ainda mais deviam ter reforçado. Contudo, no ensaio em que se deixou o manto cair solto, este vem muito à frente, praticamente impedindo que se vejam as mangas pendentes e a saia, o que contraria toda a repre37 Ensaio do corpinho com a saia.
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sentação em pintura e escultura.A forma como cai prejudica a leitura da barra e a própria dignidade do figurino. Já com o manto aberto pelos cinco pontos referidos, toda a figura e o próprio figurino têm uma outra dignidade, reforçando indiscutivelmente a imagem de imponência e também de riqueza acima referida que seria transmitida à assistência quer aquando das Procissões quer nas cerimónias religiosas realizadas dentro da Igreja. Esta hipótese explicativa para as lacunas observadas ganha, assim consistência e plausibilidade. O conjunto em estudo corresponde a um figurino que se fixou em finais do século XVII, figurino usado numa imagem de roca de Nossa Senhora da Oliveira, de Guimarães. É um conjunto que já está referenciado em 1756, no item do Inventário desse ano que diz “outro vestido inteiro de cetim de ouro bordado de ramos de matizes”73 embora sem indicação alguma quanto à sua proveniência – oferta ou encomenda? Pode ter sido uma encomenda da Colegiada, pois em 1757 esta encarrega Pedro António de fazer “huã ornamento branco de tela de ouro do bestido de noSa senhora a Saver vestimenta e de lialmaticas e seus aparelhos” que com “mais de linhas p elle” tudo importou 7660 rs74. Implica esta nota que o tecido que sobrou da confecção de um ou dos dois vestidos de ouro da Senhora existentes em 1756, era propriedade da Colegiada que entendeu por bem rentabilizar o (muito) que sobrou. Embora a conta apresentada por Pedro António em 1757 não refira se o vestido tem ou não bordado – o que, para este alfaiate, seria secundário –, o Inventário do ano anterior diz que o vestido que aqui se estuda, tinha ramos de matizes. Importa ter presente que, no tocante aos grandes motivos que integram a primeira tipologia definida e executados em bordado aplicado, não se está perante uma solução decorativa executada com um determinado programa em função duma dada peça final. Está-se sim perante fragmentos de bordado aplicado re-unidos nesta indumentária, e em que não foi considerada a unidade de cada motivo, se é que a havia porquanto desconhecemos o seu formato original. São várias as interrogações que, nesta matéria, se colocam e algumas, no actual ponto da investigação documental, não têm respostas. Por exemplo, é impossível afirmar se esta decoração é proveniente de outra peça têxtil, ou se foram utilizados todos os elementos existentes na origem ou sequer se integravam alguma peça. De facto, é possível que tenham chegado à posse da Colegiada em separado, e esta tenha optado por os aproveitar. A favor desta hipótese testemunham as inúmeras referências a reaproveitamentos, transformações e eliminações dos items dos Inventários, nomeadamente dos têxteis. Não é crível que uma peça que integraria originalmente os grandes motivos em bordado aplicado tivesse sido omitida nos sucessivos Inventários mas, mesmo que tenha sido registada com uma identificação que nos escapou, o reaproveitamento teria sido anotado como o foram tantos outros e por maior força de razão pelo objectivo que teria tido. Pela quantidade de motivos e pela sua escala,a terem pertencido
São necessários determinados procedimentos para a sua obtenção: a planta ou parte, fresca ou seca - flores; frutos; bagas; estigmas; raízes ou cascas de árvores - é fervida, ou fermentada para se separar o extracto corante que é solúvel em água. Estes corantes, como o índigo e a púrpura, complexos de obter, têm de ser sujeitos a reacções químicas como a redução e a oxidação. 45 Os compostos químicos podem ligar-se às fibras por absorção, isto é, reacções químicas entre grupos moleculares do corante e da fibra; e por adsorção, em que o corante fica depositado à superfície da fibra e para se 44
a uma peça, deveria tratar-se de uma bastante grande quer em termos de área quer em termos de formato, fosse dum têxtil para decoração de interiores, fosse dum destinado a vestuário. Não se conhece, no vestuário civil da época, paralelos para este tipo de decoração sejam peças sejam retrato pintado coevo. Em termos de volumetria e perspectiva dos elementos decorativos, que não pela composição ou técnica, é possível estabelecer uma relação com uma capa bordada do XVIII que integrava a colecção da direcção Geral do Património Cultural e publicada em 197575. Veja-se ainda o caso do corpete existente nas colecções do Metropolitan Museum76, classificado como de produção ibérica e, ainda que, de facto, seja possível descortinar paralelos, nada tem a ver com este bordado pela forma e pela técnica. Sendo escassos os estudos sobre traje de imagem devocional, publicação recente apresentou o conjunto de trajes e acessórios de Nossa Senhora da Madre de Deus de Guimarães, oferecidos em meados do séc. XVIII pela Família Real. Não só o figurino difere, como os bordados se inserem num gosto bem diferente, já a anunciar a nova estética neoclássica, tal como acontece com trajes de outras imagens devocionais77 e muito próximos do que se passa no traje civil feminino, como referimos atrás. É ainda bem distinto do que se passa com a ornamentação do vestuário de meados do séc. XVIII, como se pode observar nos retratos régios ou mesmo numa saia bordada atribuída a D. Maria Ana Victoria de Bourbon e actualmente nas colecções da Fundação Abbeg78.
um desenho geométrico de pequenas escamas ornadas a lantejoula e canutilho, correspondendo a uma das tipologias de decoração que Maria José Taxinha coloca nos meados do XVII81. (cf. Foto 27 e esquema, p. 26). Outro exemplo remete para um têxtil das colecções do Paço Ducal deVilaViçosa82 que apresenta um elemento decorativo em volume, a deixar ver o interior numa solução muito próxima de um dos elementos bordados da peça em estudo (Foto 38 e esquema). O têxtil bordado para interiores que chegou até nós e se encontra nas colecções publicas portuguesas, integra poucas categorias - colchas, tapetes e guarda-portas entre outras - e, embora tenham certamente existido outras tipologias, as peças que as integravam ou não estão ainda referenciadas e divulgadas ou não sobreviveram. É nas colchas bordadas a fios de seda, atribuídas a um horizonte que vai de finais do séc. XVII a finais do séc. XVIII e de origem portuguesa ou, quanto muito, ibérica, que se encontram escassos paralelos na dupla escala dos motivos florais e ainda no preenchimento do interior das flores
A paramentaria portuguesa com o campo bordado – excluindo portanto os sebastos e afins – não apresenta grandes similitudes com o bordado em causa e embora as peças sejam bordadas a seda, as composições são mais depuradas e a execução, nas peças atribuídas ao séc. XVIII, também difere. Além da paramentaria italiana, também a francesa da época de Luís XIV, pelas soluções estéticas, volumes e época deve ser considerada como uma possível fonte de influência para os grandes motivos de bordado aplicado. Um excelente exemplo é a casula que se encontra no Hermitage Museum79. Ainda no tocante às grandes flores fantasistas, encontram-se paralelos no têxtil lavrado de finais do XVII, e que reforçam a colocação desta decoração na esfera da produção italiana aqui num exemplo80 onde o centro da flor apresenta um reticulado miúdo passível de comparação com o preenchimento de idênticas flores no bordado em referência, mas resolvido por
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Flor com motivo em escama com bordado aplicado, (frente da saia).
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Colcha, pormenor, MNT, inv. 17674. DDF/Carlos Monteiro.
com outros motivos, embora estas sejam representadas diferentemente (em corte ou em plano). Uma peça existente nas colecções do Museu Nacional do Traje83, em Lisboa, é um trabalho extraordinário de concepção e de execução dum bordado embora directo a sedas policromas, a proporcionar jogo de volumes e de luz ou o efeito de escamas. Extraordinário porque único exemplar duma estética rocaille no actual panorama das colchas bordadas portuguesas e extraordinário pelo domínio técnico que revela. As suas afinidades com a produção nacional estão patentes na sua organização e nos elementos compositivos, mas rompe ao nível de toda a composição do medalhão central e das soluções técnicas de execução dos elementos decorativos (Foto 39). Já num exemplar duma colecção pública francesa, um dossel para cama84 existente no Chateau de Azay-le-Rideau, encontramos um provável protótipo para esta peça quanto às
fixar precisa de substâncias auxiliares como os mordentes. Estes mecanismos são de grande complexidade, porque um corante para ser eficaz tem que conferir cor uniforme às fibras, distribuindo-a por todo o espaço dos filamentos, característica que distingue os corantes dos pigmentos. Os pigmentos são agentes de coloração que se depositam com o auxilio de aglutinantes. Cfr.TÍMÁR-BALÁZSY, Ágnes; EASTOP, Dinah - Chemical Principles of Textile Conservation. p.67. 46 A análise de corantes foi efectuada por cromatografia liquida de alta resolução com detecção de espectrometria de massa (HPLC-MS). 47 Trata-se provavelmente de garança, no entanto, não foi detectado o constituinte químico purpurina 48 Não foi viável a identificação do tipo de corante devido à impossibilidade de, em tempo útil, se ter acesso aos padrões de referência relevantes. 49 Foi identificada a presença da luteolina da classe dos flavonóides que é menos resistente à acção da luz do que os vermelhos da classe das antraquinonas, extraídas da garança e cochinilhas, e também mais frágeis que os violetas da púrpura e os azuis do indigo. Cfr.TÍMÁR-BALÁZSY, Ágnes; EASTOP, Dinah; - Chemical Principles of Textile Conservation. p.96.
soluções técnicas, mas na escala e nalguns motivos especificamente pelo desenho e pelo colorido. Na esfera do gosto italiano, é especialmente interessante um pálio de seda bordado com uma grande variedade de fios metálicos e de seda e, curiosamente, com a cena central pintada. Proveniente de Bolonha85, interessa particularmente as composições florais, extremamente exuberantes e de motivos imbricados uns nos outros, a par com ramos mais simples e mais pequenos. A coexistência deste tipo de soluções numa peça atribuída a meados do XVIII denota, no têxtil bordado religioso, a possibilidade de convivência de gostos e estilos em soluções pontuais e quase pessoais mas aceites sem perturbações. Se esteticamente este bordado aplicado se filia, a nível da feitura, num modelo barroco de finais do séc. XVII, a forma como a sua montagem é executada nas peças do traje em estudo corresponde a um gosto rococó da primeira metade do séc. XVIII. É difícil conseguir separar visualmente o efeito do bordado aplicado per si e o efeito final, após a montagem nas peças de traje, daí a razão da busca de paralelos quer para o bordado propriamente dito quer para o conjunto resultante da sua montagem. Identificadas correntes estéticas e épocas, há ainda uma linha de investigação de ordem mais concreta: qual a proveniência dos elementos de bordado aplicado da primeira tipologia e de que se tem vindo a falar? Bordados isolados ou para uma peça? Importados ou produção nacional? Peça comercial ou de aprendizagem? Não se encontrou notícia documental que pudesse esclarecer estas questões. São escassos os elementos que revelam uma segunda mão menos treinada no bordado (Foto 40 e Foto 41), mas o facto é
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Fruto da flor em bordado aplicado, no vértice esquerdo da cercadura do manto.
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Fruto da flor em bordado aplicado, no vértice direito da cercadura do manto.
que existem, o que não se parece coadunar com a hipótese de uma peça de importação e do circuito comercial. Foi possível identificar elementos em que o tecido de suporte do bordado tem uma costura o que significa que se aproveitaram vários fragmentos, unindo-os com costuras, para marcar e executar o bordado, algo que não se esperaria de um trabalho aparentemente de grande nível (Foto 42). O rebordo dos próprios motivos aparece desfiado várias vezes – algo que também não se esperaria mas decorrente de deficiente qualidade de execução ou de má qualidade do recorte? A fixação dos elementos aplicados, com fios de seda que prendem também os fios metálicos de contorno,não é tão perfeita quanto
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42
Pequeno fruto composto pela justaposição de dois elementos, na frente da saia.
seria de esperar, atendendo à qualidade técnica do bordado. Contradições suficientes para se atribuir a estes motivos uma feitura com participação de aprendizes? Defeitos suficientes para justificar uma feitura local, inaceitáveis em peças de importação? Peça importada de deficiente qualidade a justificar o reaproveitamento ou peça de produção interna? Destinado de raiz para aplicação e neste traje, ou reaproveitamento? E se proveniente de uma peça bordada, que peça? O facto de a decoração com este bordado aplicado indiciar a reutilização de uma outra peça coincide com as opções da Colegiada nesta matéria, como se vê pela leitura dos inventários e mais documentos. A dúvida que se coloca é relativa ao momento em que o bordado aplicado é colocado nas peças: durante a sua execução ou após a mesma? As mangas pendentes do corpinho dão-nos uma resposta: é visível que o bordado aplicado foi colocado antes da confecção das mesmas porque está embebido nas costuras do figurino. Já a saia e o manto nos dão outra resposta: aqui os motivos sobrepõem-se às costuras de união de panos. Execução das peças que compõem o
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Bordado dobrado para o interior da bainha no corpinho.
conjunto em momentos diferentes? Colocação do bordado aplicado em momentos diferentes para cada peça? Intervenções de recuperação feitas em época incerta? (Foto 43) Interrogações a conjugar com uma informação técnica: a existência de bordado directo nos motivos aplicados. Este bordado directo corresponde à aplicação de lâmina de ouro enquanto a aplicação de lantejoulas e canutilho parece ser coetânea da realização do bordado, porque é feita sobre o tecido em que o bordado foi executado (embora haja reaplicação de algumas lantejoulas que apanha os dois tecidos).
Os taninos são obtidos dos frutos, das raízes e das cascas de determinadas árvores, sendo os seus compostos misturas de polifenóis. O sulfato de ferro transforma-se em ácido sulfúrico com a humidade da atmosfera. 52 Alguns autores apontam a utilização de fios dourados na tecelagem como tendo surgido nos meados do terceiro milénio a.C. O fio de ouro foi desenvolvido na China, que também detinha o monopólio da sericicultura, até ao Império Bizantino no séc.VI. As técnicas de produção chinesas foram lentamente disseminadas através do Islão e das regiões cristianizadas da famosa Rota da Seda. Cfr. HIGGINS, J.P.P. - Cloth of gold: A History of metallised Textiles. London:The Lurex Company Limited, 1993. p. 15 a 16. 53 Tira metálica estreita e fina obtida por corte de uma folha ou por laminagem. 51
preocupação, nesta primeira metade do XVIII desenvolve-se, em Guimarães e para a Colegiada, um quadro propício à execução do traje em estudo com as características que temos vindo a enunciar. Confeccionado o corpinho, foi este ornado com bordado directo ao gosto da época. Para o realçar e – quem sabe? – para aproveitar uma peça em desuso, recorreu-se a peças de bordado aplicado que existiam em abundância. Alguma – pouca – folhagem foi aproveitada para a aba do corpinho a fechar o desenho atrás, mas grande parte distribuiu-se pelo manto, numa barra a toda a volta com dois apontamentos sobre as cunhas, e então, a mesma mão que bordou o corpinho, veio bordar duas flores idênticas às que colocara na aba. Houve ainda o suficiente para preencher quase toda a saia e dar por encerrada a primeira fase deste traje. A44aplicação de lâmina a eliminação de bordado Flor com interior bordado implicou a lâmina no ombro da manga pendente do corpinho. que já
estava realizado nessas zonas e incluiu também a eliminação do tecido de suporte – terá sido ditado pela necessidade de melhor fixar os grandes motivos ao traje? Ou para enriquecer este conjunto? Ficam duas hipóteses para uma questão que não é solúvel no momento (Foto 44). As questões sem resposta, as dúvidas que ainda não podem ser clarificadas mas também as conclusões a que foi possível chegar quer quanto ao figurino, quer quanto ao núcleo de bordado aplicado mais importante e ainda quanto à montagem de todos os elementos permitem, perante esta peça de cunho barroco e nascida sob o signo do gosto rococó, apresentar uma hipótese explicativa para a montagem deste conjunto. Já há muito que a Senhora da Oliveira de Guimarães não era a invocação preferida dos Reis de Portugal, não era a ela – ou só a ela – que se pedia a protecção do reino. Esse encargo tinha sido entregue ao cuidado da Senhora da Conceição de Vila Viçosa. Mas é à Senhora de Guimarães que se pedem duas peças de vestuario para ajudarem na cura da grande doença que atingiu D. João V, em 174486. Em Guimarães, outra invocação da mesma Senhora ganha prestígio pela devoção que lhe tem o Reverendo Luís António da Costa Pego. Capelão de D. João V, decerto falou ao monarca da sua devoção a Nossa Senhora da Madre de Deus de Guimarães e do seu voto em oferecer ao Convento da Madre de Deus de Guimarães as imagens da Senhora,do Menino e de S.José.Em 1748 chega a Guimarães o grupo escultórico acompanhado duma deslumbrante oferta real: a coroa de ouro da Senhora, o resplendor de S. José e um riquíssimo conjunto de vestidos bordados e ornados. A importância dos ofertantes e a imponência da oferta faz com que se programem festividades para assinalar o evento. É Nossa Senhora da Oliveira que acolhe, em capela anexa, Nossa Senhora da Madre de Deus, o Menino e São José, decerto feliz com esta companhia e alegre com o belo enxoval que trazem. E os homens, como reagiram? Terá a Colegiada decidido aumentar também o enxoval da sua Senhora com vestido a estrear para a ocasião? Ou, custando-lhes que a sua Senhora fosse menos venerada e recebesse menos atenções – D. João V que deu uma belíssima coroa de ouro à Madre de Deus, ofereceu apenas um manto à Senhora da Oliveira87 e nada mais veio da Família Real – terão redobrado de cuidados para a terem sempre bem ataviada? Tenha sido por intrigas e invejas locais88, tenha sido por 54
Por alguma razão – comprimento excessivo, degradação provocada por algum tipo de suporte – houve necessidade de tapar três lacunas, talvez por finais do séc. XVIII. Os três cravos do campo do manto, em bordado aplicado, datam desta intervenção tão necessária. Bastante mais tarde, talvez na sequência das beneficiações que os vestidos necessariamente sofreram depois do atroz atentado que se fez no camarim de Nossa Senhora, numa cómoda onde estão a guardar os vestidos de uso89 em 1862, foram acrescentadas as seis pequenas flores das cunhas e as três do campo do manto, em bordado aplicado com pequenos apontamentos – quase sempre uma folhinha – em bordado directo. O conjunto agora restaurado e estudado levanta vários desafios e coloca questões que ainda não estão respondidas. Está-se perante um figurino que sobrevive de finais do séc. XVII em diante, como ficou demonstrado e perante quatro tipos de bordados que cobrem um longo período de tempo, mas correspondem a gramáticas decorativas e soluções técnicas diferentes, perante vários momentos de intervenção e uma “construção” que se inicia na primeira metade do séc. XVIII e termina na segunda metade do séc. XIX. Muitas perguntas ficaram sem resposta não só porque quer a investigação documental quer a intervenção de conservação e restauro não puderam fornecer mais dados, mas também porque esta temática – o traje de imagem devocional – é ainda uma área quase desconhecida tanto do ponto de vista histórico como do ponto de vista da história dos têxteis nesta especificidade. Estamos cientes da possibilidade dum outro nível de análise: pelo fruto e pela flor colocados no início das cunhas do manto90, pelo vaso bordado no corpinho de tal forma que o rosto da Senhora fica logo acima da folhagem e botões de flores, reconhece-se a possibilidade de uma leitura simbólica que, pela sua complexidade e pela complexidade da peça,que não se enquadrava neste projecto. O conjunto que foi a razão deste trabalho revelou-se um desafio interessantíssimo de forma alguma encerrado e perspectiva linhas de investigação em campos novos – o traje de imagem devocional, o estudo dos têxteis representados em imagens religiosas, o funcionamento dos figurinos civis no traje de imagem, entre outros – que, numa linha de investigação integrada, tornam esta temática e estes desafios um trabalho
Fio composto por lâmina de metal ou uma película de matéria orgânica dourada ou prateada, enrolada em espiral, direcção S ou Z, em volta de uma alma composta de um ou vários fios de seda, linho ou algodão. Fio laminado acrescido de um terceiro fio, cuja torção é contrária ao laminado. Fio de metal de secção circular. 57 Inicialmente, o ouro foi utilizado pelos chineses, que douravam os suportes orgânicos, cortavam-nos em tiras e depois aplicavam-nos em lâmina ou em fio laminado integrado nas tecelagens de seda. Só na Idade Média, na Europa, a técnica de ligação de metais nobres foi desenvolvida, surgindo os fios de prata revestidos com uma camada de ouro. 55 56
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O DIAGNÓSTICO DESTE TRAJE E O EDIFÍCIO DA COLEGIADA Ao longo dos tempos o edifício da Colegiada foi sendo sucessivamente ampliado, reparado, reconstruído, ao sabor do maior ou menor empenhamento de quem exercia como Dom Prior, ao sabor das disponibilidades financeiras da Colegiada ou por intervenção real para repor a dignidade do local. Águas e lamas, animais, nomeadamente ratos, obras de ampliação, descuidos e abandonos, de tudo terá havido. Nos inventários referem-se peças roídas - «quatro vestimentas de damazella verde de lã do uso dos clérigos e delas estão três com buracos dos ratos»91 - e, embora não seja na igreja da Colegiada, mas noutra igreja apesar de tudo do termo de Guimarães, está inventariada uma ratoeira! Aquando da implantação da República – há quase 100 anos – as instalações da Colegiada estiveram praticamente ao abandono e, se todo o Tesouro sofreu bastante nessa altura, mais ainda os têxteis que estiveram praticamente esquecidos. O uso que as peças tinham também terá contribuído para o seu desgaste. O Regimento da Sacristia, de 1663, é minucioso e bem claro quanto ao que se deveria usar e quando: a ser cumprido na íntegra, os paramentos e indumentária da Senhora tinham grande uso. Fosse em procissões, fosse para celebração de missas ou outra actividade de cariz religioso, os têxteis eram peças em constante uso e sujeitas a praticamente tudo. Não só o tempo – sol ou chuva, tempo seco ou húmido – mas também manipulações constantes - lavar, dobrar, desdobrar, usar - e condições de uso problemáticas não davam garantias de grande durabilidade aos têxteis. São inúmeras as referências “Desfez-se” apostas nos Inventários, são numerosos os reaproveitamentos de peças do guarda-roupa da Senhora bem como as encomendas feitas a alfaiates locais de vestimentas, conforme revelou uma pesquisa para o período de 1700-1755 o que denota uma necessidade permanente de substituição de peças. O conjunto agora em estudo permitiu a elaboração de um diagnóstico que permite apontar variadíssimas situações passíveis de terem sido causadoras dos danos identificados.Face ao exposto o Diagnóstico do Estado de Conservação refere: a superfície dos têxteis torna-os particularmente susceptíveis à sujidade e esta adere às fibras de várias formas92.Por se tratar de indumentária de imagem de culto está muito tempo exposta a poeiras, luz e humidade, fumo e cera de velas e,durante as procissões,às condições climatéricas:luz directa do sol, chuva, poeiras e, eventualmente, à manipulação de devotos.Estes vários factores vão provocar e acelerar diferentes tipos de degradação da peça (Foto 45).
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Aspecto geral do manto com alterações formais por incorrecto acondicionamento e manuseamento: dobras, rugas e vincos.
Consequentemente, verifica-se o escurecimento e o embaciamento dos metais. Neste conjunto identificou-se um destes metais como prata com percentagem de cobre, o que explica a cor esverdeada do tecido de lhama do manto. Quando retiradas da imagem, as vestes eram colocadas num cabide de alfaiate, sempre na mesma posição, cobertas por um pano branco, protecção insuficiente para poeiras e demais factores de deterioração: luz, humidade e/ou temperatura. Este suporte, inadequado para o peso do bordado e da própria veste, é causa de maior t e n s ã o p o d e n d o m e s m o i n d u z i r lacerações e rasgões. Eventualmente a peça deverá ter sido dobrada ao meio, pois apresenta um vinco bem marcado. Existem também outros vincos mais pequenos, marcados de tal modo que apresentam algumas lacerações (Foto 46). Nos objectos têxteis, materiais mais sensíveis à luz, cuja acção é irreversível e cumulativa, a seda é considerada um dos mais vulneráveis à deterioração. A consequência mais vulgar e visível é a alteração da cor, o amarelecimento dos tecidos e o desvanecimento cromático que
Sujidades várias: poeiras de superfície e incrustadas, pingos de cera.
A humidade e/ou temperatura são factores fundamentais na deterioração dos têxteis, particularmente quando possuem
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elementos metálicos. A exposição da peça a condições inadequadas e alterações súbitas de humidade e temperatura provocam a oxidação dos fios laminados e dos diferentes elementos metálicos decorativos do bordado: lâminas, lantejoulas, canutilhos e fios laminados de contorno.
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Alterações cromáticas: flor do manto com desvanecimento de tonalidades.
RINUY, Anne - «Fils d'or des textiles anciens:étude de leur mode de fabrication au cours du temps».In L'Oeuvre d'art sous le regard des science.p.131. Fios metálicos foram também utilizados noutras fibras como a lã, o linho e o algodão.
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Flor da saia com tonalidades “vivas” (esteve protegida pelo manto da acção nociva da luz).
pode mesmo ser total93. Esse desvanecimento do bordado na indumentária da Senhora da Oliveira é seguramente consequência do uso e exposição ocasional à luz do sol (foto 47 e 48). A natureza orgânica das fibras confere-lhes uma sensibilidade ao ataque biológico, por microorganismos e macrorganismos, que fragilizam as fibras,provocando diversos tipos de danos94.O ataque biológico,que ocorre por excesso de humidade,aliado a condições de sujidade, também se verificou nesta peça (foto 49).
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Qualquer alteração nas condições de luz, humidade e/ou temperatura podem induzir ou provocar reacções que modificam a estrutura das fibras, traduzindo-se no seu decaimento molecular. No caso das vestes, este fenómeno, aliado ao seu peso, uso e manuseamento, provocou rasgões, lacerações e lacunas do tecido. O bordado está pontualmente destacado porque se perderam alguns pontos de fixação,executados com fio de seda amarela.Isto poderá ser causado pelo uso - o vestir e o despir da indumentária – e também pela abrasão, neste caso particular causada pelos devotos aquando da exposição da imagem em procissão (foto 52).
Resíduos do casulo de um insecto sobre fios de bordado.
A exposição à luz, devido à radiação ultravioleta, provoca sobretudo perda de resistência e flexibilidade das fibras,e o seu endurecimento95. Nas fibras têxteis há também a considerar o fenómeno natural do envelhecimento, influenciado pelas condições ambientais e que ocorre independentemente da natureza da fibra96. O tecido do manto e da saia, encontra-se quebradiço e ressequido, situação a que se associam condições inadequadas de humidade e temperatura (foto 50).
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Destaque pontual da seda e elementos metálicos do bordado (lâmina).
A deterioração mais avançada verifica-se na seda de cor castanha, no centro de algumas flores, de tal modo que o próprio tecido do suporte do bordado está manchado de castanho e com lacunas que deixam ver o tecido do manto. Este tipo de deterioração deve-se, provavelmente, a substâncias usadas no tingimento (foto 53).
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50
O tecido apresenta-se ressequido, quebradiço e frágil com lacerações, lacunas e perdas de fio laminado.
A manipulação não é só por si responsável pela perda dos fios de fixação, embora, aliada a um mau acondicionamento, induza ao emaranhado dos fios soltos. A absorção e a perda de humidade provocam respectivamente o aumento e a diminuição de volume, com efeitos variáveis consoante as fibras97. Estas variações podem introduzir graves tensões cumulativas,que se transmitem do fio ao tecido.Como anteriormente foi referido, quando a fibra se degrada as ligações internas das suas moléculas quebram-se98,chegando à ruptura do tecido (foto 51).
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Perda extensa dos pontos de fixação dos fios laminados do tecido, com numerosos fios soltos e emaranhados.
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Pormenor do interior de flor com lacuna no bordado em seda castanha.
O mau estado do forro, situação comum neste tecido, provocado pelo contacto directo com a imagem, está patente nos vários remendos de seda em tafetá e damasco (foto 54).
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Forro do manto em mau estado: muito sujo com poeiras, manchas, ressequido, com lacerações e lacunas.
Lhama é um tecido que pode ser composto por tramas de ouro ou prata. Ponto caracterizado por efeitos oblíquos obtidos pela deslocação de um fio para a direita ou para a esquerda em todos os cruzamentos de cada passagem de trama. Define-se como uma série de números, cuja soma determina a repetição do ponto, que indicam o comprimento respectivo das lassas e dos cruzamentos e a sua divisão na repetição. Estes números podem representar-se separando-os pela palavra prende e por vírgulas ou por pontos. 62 DILLMONT,Thérèse de - Encyclopédie des ouvrages de dames. p. 192 63 www.embroiderersguild.com/sitch/sitchees/index.html. 64 10 laminas/cm. 61
TRATAMENTO DE CONSERVAÇÃO A sujidade, conjunto variado de partículas, é uma matéria estranha ao objecto têxtil, e constitui causa de degradação. Numa primeira observação,a sujidade num têxtil sobrepõe-se a qualquer apreciação estética. À lupa binocular observam-se substâncias catalisadoras que podem aumentar a acidez dos tecidos, nomeadamente grãos de poeira que cortam as fibras enfraquecidas, e substâncias como iões de ferro, que destroem totalmente a área do tecido onde estão depositados. A sujidade obscurece as cores e texturas, torna o tecido ressequido e contribui para a deterioração das fibras têxteis corantes e outros materiais constituintes. A sujidade pode também ser inerente ao próprio material do têxtil deteriorado - sujidade intrínseca -, sendo constituída por micro-partículas de fragmentos de fibras. Quando resulta do ambiente exterior à peça designa-se sujidade extrínseca. A sujidade pode potencialmente causar diversos danos no material99. As partículas de sujidade sólida100, cujas arestas são particularmente prejudiciais, causam tensão e danos mecânicos pela fricção entre as fibras, entre os fios de tecelagem e outros materiais existentes. A maioria da sujidade é constituída por poeiras superficiais, cujas partículas, de tamanho relativamente grande, pela sua forma e tamanho particulares, não ficam presas nas fibras101.
LIMPEZA POR ASPIRAÇÃO A operação de limpeza é um processo de conservação na medida em que, ao remover a sujidade, favorece o equilíbrio físico e químico do têxtil. A limpeza de superfície consiste na remoção, por meios puramente mecânicos,de sujidade que aí se acumula,tal como nos interstícios da tecelagem e do bordado, nas rugas, dobras e forro. A aspiração é um método físico que remove principalmente partículas de poeiras não agregadas e insolúveis102, podendo, no entanto, quebrar as ligações fracas entre as fibras têxteis e as partículas de sujidade. No caso de aglomerados de sujidade, como os pingos de cera da indumentária da Senhora da Oliveira, foi necessário quebrar esta massa em pequenos fragmentos com a ponta de um estilete e removê-los por aspiração103. Construiu-se um bastidor revestido de tule para proteger da sucção as zonas deterioradas da peça, particularmente os fios metálicos soltos. O tule serviu de protecção à superfície da peça durante a aspiração, e o bastidor de demarcação da área aspirada e da zona ainda por limpar (Foto 55).
Porque contém iões de metal, como por exemplo ferro, cobre, magnésio e chumbo, presentes em poeiras e produtos de corrosão, a sujidade actua como catalizador da foto-deterioração das fibras expostas à luz e particularmente aos raios ultra-violeta. Existem outros tipos de sujidade que interagem, através de reacções químicas, com fibras têxteis e corantes: partículas não agregadas e solúveis, que são sais, e algumas substâncias orgânicas e substâncias solúveis em água, que são absorvidas pelas fibras, como por exemplo, sangue, sumos, café, etc. A morfologia das fibras têxteis influencia o modo como a sujidade adere à sua superfície. Assim, as irregularidades do linho permitem que aí se depositem mais partículas de sujidade do que nos filamentos mais lisos da seda. A forma e consistência da sujidade tem um papel determinante na sua adesão ao têxtil, diferindo a sua aderência se estas partículas forem de forma esférica e soltas ou uma massa aglomerada, como por exemplo, os pingos de cera depositados no manto da Senhora da Oliveira. Aliada ao envelhecimento natural das fibras têxteis, a sujidade também se modifica com o tempo. As suas partículas alteramse, propagam-se progressivamente às fibras e, reagindo quimicamente, enfraquecem as ligações das cadeias moleculares das fibras têxteis, por vezes de modo irreversível. 65
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Limpeza por aspiração.
LIMPEZA COM ÁLCOOL A limpeza de têxteis com efeitos decorativos em metal está entre os problemas mais comuns e difíceis que um Conservador pode enfrentar. A proximidade entre a fibra têxtil e o metal torna quase impossível limpar um sem afectar o outro, pois todos os métodos de remoção dos produtos de corrosão metálica são prejudiciais para fibras e corantes104. A questão que se coloca é saber se será imprescindível limpar o metal, uma vez que numa opção meramente estética apreciar melhor a intenção artística do tecelão - a ponderação deverá ser entre uma decoração baça e escurecida e o brilho dourado ou prateado original. No entanto, a segunda opção acarreta um risco de destruição demasiado grande, em relação aos resultados estéticos alcançáveis.
9 laminas/cm. Não se considera aqui as mangas soltas porque não apresentam nenhum tipo de decoração. Veja-se a tapeçaria Ar: Luís XIV enquanto Júpiter, França, ca. 1683. Metropolitan Museum, Rogers Fund, 1946 (46.43.4). 68 Veja-se Casula, Itália (provavelmente Sicília), XVII/XVIII. Metropolitan Museum, Randazzo Family, 1984 (1984.462.1). 69 GUEDES, Maria Natália Correia ;TAXINHA, Maria José – O Bordado no Traje Civil Português. Lisboa : Direcção Geral do Património Cultural, 1975, pág. 12. 70 Veja-se Véu de Ombros, Itália, XVIII (1ª metade). PDVV, Inv. 91. In GUEDES, Maria Natália Correia ;TAXINHA, Maria José – Mantos Régios e Paramentos do Paço Ducal de Vila Viçosa. Lisboa : Fundação da Casa de Bragança, 1990. 71 Fragmento de seda creme, XVIII (meados). MNT Dep nº 922 72 Inventário de 1826 com anotação de 1862. 73 Inventário de 1756, fl. 33 e 34. 74 AMAP, Nº 1551 - Recibos - Doc. 1 a 564 - 1756/1761, Doc. 131. 66 67
No caso da peça em estudo, realizaram-se testes de limpeza, com cotonete embebido em álcool, em diferentes áreas do tecido do manto e nos bordados metálicos. Deste modo, o teste fez-se no tecido do suporte em lhama, mas nas zonas onde os fios laminados estavam emaranhados, não foi possível realizá-lo, pois fazendo estes fios parte da tecelagem, mesmo uma ligeira fricção do cotonete era suficiente para partir a própria teia de seda. Na decoração metálica do centro das flores havia partículas de sujidade - pó, gorduras e resíduos calcários - que o álcool removeu, devolvendo algum brilho à decoração, com resultados satisfatórios. Esta metodologia foi seguida apenas para os elementos metálicos decorativos das flores bordadas do manto: lâminas, lantejoulas, canutilhos, fio de contorno e renda metálica (Foto 56).
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Limpeza com álcool da decoração metálica.
HUMIDIFICAÇÃO Em virtude da sua grande dimensão e da provável falta de espaço para o guardar convenientemente, o manto foi dobrado várias vezes e de diferentes maneiras. Assim, formaram-se vários vincos e rugas que deformaram o tecido e partiram numerosos fios.A quebra dos fios fragilizou localmente as zonas dobradas e, consequentemente, surgiram lacerações na estrutura do tecido (Foto 57).
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Pormenor de vinco no manto.
Rugas e vincos são deformações muito difíceis de remover105 sendo, no entanto, possível atenuá-las com um tratamento por via húmida, que consiste na introdução de vapor de água nas fibras têxteis106. Estas também podem apresentar-se rígidas e quebradiças, devido ao seu processo natural de envelhecimento, 75
perdendo alguma da sua flexibilidade. O processo de humidificação permitirá, eventualmente, uma maior flexibilidade das fibras envelhecidas107. A percentagem de humidade presente nas fibras tende a equilibrar-se com a do seu ambiente108. O contacto directo de um têxtil envelhecido e ressequido com os grandes grupos de moléculas de água em estado líquido, pode ter um impacto muito agressivo. A penetração demasiada rápida dessas moléculas pode levar à deterioração mecânica e causar a desintegração do próprio têxtil. Assim, o processo de humidificação deverá ser rigorosamente controlado, com a introdução lenta de vapor de água no têxtil, o que minimizará o risco de danos mecânicos109 (Foto 58).
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Humidificação do manto para atenuar rugas e vincos.
No manto, a humidificação foi realizada110 lentamente e por etapas, devido às suas grandes dimensões e fragilidade. Depois da introdução do vapor de água, o tecido do manto foi mantido sob ligeira tensão, com apoio de pequenos pesos, para realinhar os fios na sua posição original.Apesar de não ter sido possível remover completamente todos os vincos, como o que divide a peça ao meio, estes ficaram atenuados, o manto recuperou flexibilidade e contribuiu-se para a preservação deste valioso conjunto têxtil (Foto 59).
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Pormenor da mesma zona sem o vinco.
CONSOLIDAÇÃO Tecidos deteriorados com áreas mais ou menos extensas, fragilizadas ou gastas,podem ser consolidados com aplicação de suportes parciais ou totais no seu avesso111.
Veja-se GUEDES, Maria Natália Correia ;TAXINHA, Maria José – O Bordado no Traje Civil Português. Lisboa : Direcção Geral do Património Cultural, 1975, págs. 64 e 65. Corpete, Europa / Península Ibérica, XVIII (3º quartel). Metropolitan Museum, Gift of Mr. Lee Simonson, 1939 (Cl.39.13.211).Veja-se em www.metmuseum.org, na página “Works of Art” Veja-se, por exemplo, o traje bordado de Nossa Senhora da Boa Morte, do Convento de Calvário de Évora in BORGES, Artur Goulart de Melo; [et ali.].Tesouros de Arte e Devoção. Évora : Fundação Eugénio de Almeida, 2003. ISBN 972-885400-3. Pág. 180 e 181. 78 Veja-se FLURY-LEMBERG, Mechtild – Textile conservation and research. Berna : Abegg-Stiftung, 1988 (pp. 24-25 ; p. 482). 79 Casula. França, XVII (final). Hermitage Museum.Veja-se em www.hermitagemuseum.org, na página “Collection Highlights”. 80 Idêntico a pormenor de Fragmento de Tecido, Itália, XVII (finais). MNT Dep nº 903. 81 GUEDES, Maria Natália Correia ;TAXINHA, Maria José – O Bordado no Traje Civil Português. Lisboa : Direcção Geral do Património Cultural, 1975, pág. 13. 76 77
38 39
Quando um tecido conserva alguma flexibilidade e resistência mecânica, mas com considerável perda de integridade - abrasão, laceração e/ou lacuna - está sujeito a uma distribuição desequilibrada das forças físicas. Estas acabarão por se concentrar, inevitavelmente, em algumas áreas, em especial nas extremidades fragilizadas, favorecendo a multiplicação e extensão dos danos. Nestes casos, a consolidação consiste no restabelecimento desse equilíbrio, aplicando um tecido de suporte ao tecido deteriorado, por meio de ponto de agulha. As estruturas flexíveis dos tecidos, obtidas pelo cruzamento de fios, tornam preferível a intervenção por ponto de agulha, por permitir a imitação da técnica original. Este processo também pode influir na flexibilidade do tecido de origem, dependendo do número de pontos e da tensão do fio de fixação. Assim, aqueles devem ser distribuídos com regularidade e segundo directrizes determinadas, segundo um dos princípios da conservação em que é sempre melhor fazer tudo o que é necessário, mas o mínimo indispensável. Um suporte deve cobrir a superfície total de um tecido quando as áreas deterioradas estão difusas o que, aliado a grandes dimensões e peso, como sucede com o manto, podem potenciar danos futuros.A decoração bordada também exerce tensões específicas que podem agravar a fragilidade do tecido. Com a consolidação num suporte total, as tensões ficam distribuídas homogeneamente, devendo respeitar-se a orientação da tecelagem, pois sendo os tecidos sistemas ortogonais, as tensões tendem a transferir-se do original fragilizado para a estrutura do suporte. A união entre o tecido original e o de suporte deve ser feita de modo que, quando a intervenção termina, o suporte não transfira tensões ao original112, impedindo o seu cair natural ou provocando ondulações e rugas indesejáveis. A posição correcta e a tensão adequada entre ambos são objectivos principais deste trabalho. A escolha criteriosa dos materiais procura manter a integridade estética e a estabilidade físico-química da peça, tendo sido seleccionada a seda como material de conservação, quer para o suporte, quer para o fio de fixação. Este material tem maior compatibilidade com a seda original do manto, reagindo de forma similar face a possíveis variações das condições ambientais e ao processo de envelhecimento.
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Consolidação das lâminas metálicas do bordado.
Em primeiro lugar é esticado o suporte de seda sobre um bastidor115 e, sobre este, sobrepõe-se o tecido do manto. Deste modo, os dois tecidos foram mantidos sob ligeira tensão com a ajuda de pequenos pesos, seguindo-se a consolidação a ponto de agulha e fio de seda natural (Foto 61). Os pontos de agulha
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Consolidação do tecido do manto a ponto de agulha.
foram executados por etapas e em pequenas áreas, para consolidar lacerações, lacunas, fixar fios laminados soltos e para que a tensão se distribuísse homogeneamente (Foto 62). Neste caso, o processo técnico deste ponto consistiu na execução de linhas paralelas entre si e perpendiculares à trama, sendo as distâncias entre elas dependentes da deterioração da área do tecido (Foto 63 e Foto 64).
A decoração bordada foi fixada a ponto de agulha113 e fio de seda natural, tingido114 num tom semelhante à cor do manto. Mereceram atenção especial os elementos metálicos lantejoulas, canutilhos e lâminas - que estavam soltos.As lâminas foram particularmente difíceis de fixar, devido à sua fragilidade e deformação. Foi necessário usar uma pequena pinça e pequenos pesos de esferas de chumbo para lhes devolver a sua forma correcta (Foto 60). O suporte total de tafetá de seda, de cor verde seco, de tom semelhante à cor actual do manto, foi fixado no avesso da peça, respeitando as suas costuras, de modo a evitar distorções e deformações. 82
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Fios laminados soltos e emaranhados.
Conjunto de Paramentos e Acessórios, Itália, XVII (1ª metade). PDVV, Inv. 56 a 66. In GUEDES, Maria Natália Correia ;TAXINHA, Maria José – Mantos Régios e Paramentos do Paço Ducal de Vila Viçosa. Lisboa : Fundação da Casa de Bragança, 1990. Págs. 36 e 37. Colcha, Portugal, XVIII. MNT Inv. nº 17674 84 ANQUETIL, Jacques – SILK. Paris-New York : Ed. Flammarion, 1996. ISBN : 2-08013-616-X.Veja-se em http://www.monum.fr/m_azay/indexa.dml?lang=fr a página “1ª étage / Chambre Bleu” 85 Palium, Itália, XVIII (meados). Igreja de São Bartolomeu e São Caetano, Bolonha, Itália. In HARRIS, Jennifer ; [et al.[ – 500 Years of Textiles . London : British Museum Press in association with The Whitworth Art Gallery, University of Manchester and Victoria and Albert Museum, 1993. ISBN 0-7141-1715-3. 86 Agradecemos à Dra. Celina Bastos a informação relativa à devolução dos dois mantos, um em 1744 e o outro em 1768. 87 Uma peça rica é certo mas, recorde-se a obrigar a Colegiada a mandar fazer um “vestido” para completar o conjunto 83
Terminada a consolidação, toda a superfície foi protegida por tule de nylon116 de malha fina, com resistência suficiente para suster as forças exercidas pelo bordado e fios laminados da tecelagem. Devido à sua elasticidade, flexibilidade e rede de malhas, o tule contribui não só para a estabilidade física da peça, mas protege-a da abrasão e manipulação (Foto 65). O forro original do manto, devido ao seu estado avançado de deterioração, foi substituído por um tafetá de seda creme. 63
Pormenor da zona com fios laminados soltos.
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Pormenor da zona anterior com fios laminados fixados.
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Pormenor macro da superfície têxtil protegida com tule.
QUADRO I / FICHAS DOS MATERIAIS Seda
Algodão
Nylon
Poliester
Características Origem
bicho da seda (Bombix mori)
pêlo da semente do algodeiro: Gossypium herbaceum, Gossypium hirsutin
poliamida fabricada a partir de síntese do polímero é fabricado a partir do ácido tereftálico um diácidos e uma diaminas (DMT) e do etileno glicol através do calor em presença de catalizadores
Descrição
filamento duplo produzido pelo bicho da seda
filamento monocelular
monofilamento
Comprimento
2700/3600 mm
12/ 55mm
variam conforme a manufactura
variam conforme a manufactura
Diâmetro Corte longitudinal
28/36 μm
15/20 μm
variam conforme a manufactura
variam conforme a manufactura
filamento com superfície lisa e homogénea dois filamentos com forma de 2 triângulos os principais constituintes são as proteínas sericina e fibroína, esta é compostas pelos aminoácidos: glicina, alanina, serina a fibroína é composta por 60 % de regiões cristalinas tornando as fibras resistentes mas menos extensíveis.
torcido com variações de direcção Forma de feijão
variam conforme a manufactura
variam conforme a manufactura
variam conforme a manufactura
variam conforme a manufactura
aproximadamente constituída por 85% de celulose
policondensado diamina e diacidos H2N(CH2)m-NH2 +
– [ OC – – COO – CH2 – CH2 – O ]p –
Corte transversal Composição química
Cristalinidade
Absorção de humidade 10% moderadamente fácil de tingir Tingimento devido aos grupos ácidos e básicos
HCOOC(CH2)nCOOH aproximadamente 75%
Composição química: Peso molecular: Ponto de ebulição: Ponto de fusão: Densidade:
7/8%
6%
1.5-3%
fácil de tingir com corantes dispersivos e ácidos
fácil de tingir com corantes dispersivos e alguns corantes
Alcool
Um líquido incolor, inodoro e transparente. Substância quimicamente inerte e estável. Água desionizada, tipo de água isenta de sais minerais que são removidos por meio de materiais poliméricos.
Liquido transparente, muito inflamável. Solvente higroscópio de odor característico.
H2O 18.02 100ºC 0º C (25ºC): 0.917 g/cm3
C2H6O 46,07 78,5ºC 117,03º C/-114ºC 0.7893 g/cm3
Corantes Dylon Marca registada que tem vários tipos de tintas para tingir tecidos e outros materiais e de diversas formas. Uma das gamas é a Muti-Purpose Dye que é uma mistura de três tipos de corantes: directos, ácidos e dispersivos. Os corantes directos tingem fibras celulósicas, os corantes ácidos tingem fibras de lã, seda e nylon e corantes dispersivos tingem alguns polímeros sintéticos.
Segundo Maria Adelaide Pereira de Moraes, os Cónegos da Real Colegiada recusaram-se a acompanhar a procissão para o Convento das Capuchinhas. Inventário de 1826, mas estão datados de 1862. Caem sobre os ombros da Senhora, como foi possível verificar no ensaio com a imagem de roca. 91 Inventário de 1756. 89 90
65-85%
50%
difícil de tingir, necessário usar corantes reactivos, directos, azóicos, corantes de enxofre e de corantes de tina
Água Características:
88
monofilamento
40 41
CONSERVAÇÃO PREVENTIVA O estado de conservação de uma obra vai depender dos materiais e métodos da sua manufactura e, na maioria das vezes, pouco ou nada se pode fazer para corrigir problemas inerentes a materiais frágeis ou a manufacturas deficientes. No entanto, a preservação de um objecto para o futuro depende muito das condições em que for mantido e, neste âmbito, muito se pode fazer para prolongar a vida da peça, através do controle do ambiente que a rodeia e assegurando um bom acondicionamento, seja em exposição, seja em reserva. Tratamentos de conservação dispendiosos e complicados serão inúteis, se as peças voltarem para ambientes que promovam a sua deterioração. É importante não esquecer que o meio ambiente em que se encontra exposto ou armazenado um objecto artístico pode actuar tanto de forma directa, provocando ou acelerando processos de alteração nos seus materiais - humidade incorrecta, temperatura incorrecta, luz, contaminação por sujidades e agentes químicos; como de forma indirecta, incrementando a actuação de outros agentes de deterioração, como os fungos ou os insectos (agentes biológicos). As vestes estiveram durante muitos anos guardadas na sacristia da Igreja da Colegiada da N.S. da Oliveira, na cidade de Guimarães. No mesmo local são guardados outros vestidos pertencentes à imagem. Ocasionalmente as vestes eram colocadas na imagem de N.S. da Oliveira, que se encontra no altar-mor da igreja e outras vezes eram escolhidas para vestir a imagem em dia de procissão, ficando desta maneira expostas às intempéries, tais como sol directo sobre a peça, chuva e as manipulações dos romeiros e demais crentes, que sempre tentam tocar na imagem da sua devoção. Depois da intervenção de conservação e restauro a que foi submetida no Instituto Português de Conservação e Restauro, a peça não voltará para a sacristia da igreja. Irá para o Museu Alberto Sampaio, em Guimarães, onde será exposta apenas temporariamente. Os objectos têxteis estão entre os objectos mais sensíveis nas colecções dos museus. Seria importante debruçarmo-nos sobre o estudo das condições para a sua exposição e reserva, incidindo no controle ambiente, sistema de exposição e acondicionamento.
LUZ A exposição à luz provoca o endurecimento das fibras, com perda de resistência e flexibilidade, sobretudo a acção da radiação ultravioleta, que debilita a peça, tornando o têxtil quebradiço. A consequência mais vulgar e imediatamente visível é alteração de cor, que se manifesta sobretudo pelo amarelecimento dos tecidos e pelo desvanecimento cromático, que pode levar a um completo desaparecimento da cor. O desvanecimento dos tintos é irreversível e varia conforme o tipo de tinto e processo de aplicação. Estes processos de alteração são acelerados na presença de temperaturas altas,
humidade relativa elevada e poluentes atmosféricos. Os danos causados pela luz, cumulativos e irreversíveis, vão depender não só da intensidade da luz e da quantidade da radiação ultravioleta, como também do tempo de exposição. O nível de iluminação para peças com esta sensibilidade, não deverá ser superior a 50 lux (nível mínimo recomendado para uma visibilidade adequada). Nas fontes de luz, a radiação ultra-violeta não deverá ultrapassar os 75 μW/lúmen, devendo para isso ser colocados filtros de UV ou então, utilizarem-se lâmpadas de tungsténio ou fibra óptica. Deve também evitar-se a proximidade das peças de fontes de luz, que possam produzir calor. Não menos importante será reduzir o tempo de exposição ao mínimo possível, o que se consegue utilizando, por exemplo, sistemas automáticos de iluminação, que acendem quando detectam a presença do visitante. Nalguns casos, poderá também optar-se pela colocação das peças em gavetas, que serão abertas apenas quando necessário. Desaconselha-se a exposição permanente das peças têxteis. Em reserva, as peças devem ser mantidas na obscuridade. As janelas, em exposições ou em áreas de reserva, devem ter filtros de UV e se possível, devem estar tapadas, com cortinas, persianas ou portadas, para eliminar a entrada de luz natural. A luz solar não deverá em caso algum incidir directamente nas peças. Outras práticas podem ser adoptadas para reduzir danos provocados pela luz, como por exemplo, em museus ou outras instituições, as luzes podem ser desligadas, sempre que não existam visitantes nas salas.
HUMIDADE RELATIVA E TEMPERATURA Valores elevados de humidade relativa, acima de 60%, aceleram quimicamente a deterioração dos têxteis e contribuem para o aparecimento de fungos. Uma HR baixa, menos de 20%, leva a uma processo de dessecação, que torna as fibras têxteis quebradiças. No espaço expositivo a humidade relativa deverá manter-se dentro de um intervalo aceitável para a conservação das obras, tendo em atenção que o importante não é criar um controle demasiado rígido, mas sim manter as condições a que as peças estão habituadas, desde que não tenham sido detectadas alterações ou agravamento da deterioração. Os têxteis são higroscópicos. As variações de HR numa sala dão origem a um processo de troca, que se estabelece até que o teor de água no objecto se ajuste à pressão de vapor de água do exterior. Estas alterações provocam a expansão e contracção das fibras individuais e, consequentemente, uma tensão mecânica permanente, que a longo termo, causa danos irreversíveis. Aconselha-se por isso, a exposição das peças têxteis em vitrine, onde as oscilações de HR são menores e menos bruscas do que as do espaço exterior, e onde a HR estabilizará ao valor médio da sala onde se encontra. Mudanças na temperatura levam indirectamente a alterações na HR, uma vez que o ar quente tem uma maior capacidade de reter vapor de água que o ar frio. Existe assim uma relação estreita entre temperatura e a humidade relativa: sempre que a
temperatura sobe a HR desce e inversamente. Nas salas de exposição ou reserva, é importante impedir que hajam grandes amplitudes térmicas. É fundamental que se realize a monitorização dos espaços para estudar o seu comportamento termohigrométrico e, mediante os requisitos em termos de conservação das obras, avaliar a necessidade da existência de sistemas de controlo da temperatura e humidade relativa ou de adoptar soluções específicas, para peças especiais.
EXPOSIÇÃO O depósito de sujidade nos têxteis, não só afecta o seu aspecto, como provoca danos nos seus materiais constituintes. Envolvendo as fibras, as partículas de poeiras, resíduos de matéria orgânica e gorduras, enfraquecem a sua elasticidade e são potenciais catalisadores da sua destruição. Constituem um meio de cultura para o desenvolvimento de microrganismos, insectos e vertebrados (ratos e aves). Uma vez a peça tratada será necessário protegê-la do pó e agentes poluentes. Uma das formas mais eficazes será a sua exposição em vitrina, escolhendo criteriosamente os materiais que a constituem. As peças estarão também protegidas do contacto directo com o público. As vitrines e suportes devem ser construídos em materiais seguros em termos de conservação; deverão utilizar-se materiais estáveis, mas, sobretudo, que sejam compatíveis e não representem nenhum perigo para o artefacto, tanto pelas suas características (deverão ser tanto quanto possível inertes), como por se degradarem e poderem libertar compostos prejudiciais,como ácidos (orgânicos e inorgânicos) e compostos de enxofre. Materiais que libertam ácidos voláteis, como por exemplo o ácido acético em madeiras como o castanho e o carvalho, podem danificar e descolorir têxteis, manchar os fios metálicos e os seus componentes. Os ácidos voláteis libertam-se de materiais como os contraplacados, aglomerados de madeiras, cartões e alguns adesivos. Os compostos de enxofre poderão provir da presença de poluentes atmosféricos, como poderão também ser libertados por adesivos utilizados em derivados da madeira ou por exemplo em tecidos de lã. Alguns plásticos, como o PVC,libertam produtos nocivos,se contiverem aditivos, tais como os plasticizantes. Os materiais seguros para estarem em contacto directo com as peças têxteis são os tecidos limpos, feltros ou malhas, tecidos celulósicos, como o algodão e o linho, que funcionam como um tampão a flutuações do ambiente; os tecidos tingidos precisam de ser testados, na solidez das suas cores. Todos os tecidos usados em exposição, devem ser previamente lavados e bem secos. Aconselha-se a utilização de produtos acid-free (pH neutro) de papel, como o tissue e alguns tipos de cartão; no caso dos plásticos, aconselha-se o polipropileno e o polietileno, que se encontram sob a forma de espumas, como o Ethafoam®, ou os acrílicos, como o Perspex®117. O suporte expositivo desempenha um papel fundamental na 92
preservação da peça. Tendo em atenção a estrutura dos vários elementos que compõem a indumentária, esta peça requer um suporte que mantenha a sua forma, colocação original e distribua adequadamente o seu peso para que não haja instabilidade. Um manequim de figura humana, apesar de muito usado na exposição de trajes, não será aqui o mais indicado. Sendo uma veste de uma imagem de culto religioso afigura-se estranho o estilo de manequim de montra, até mesmo um pouco “profano”. Por isso, seria de grande valia a execução de um manequim com uma estrutura semelhante a uma imagem de roca, tendo o especial cuidado na escolha do material constituinte118. É importante que o manequim suporte o peso da veste na totalidade, fornecendo os pontos de apoio necessários e com as dimensões correctas, afim de minimizar as tensões naturais da peça: verticais, causadas pelo peso; horizontais ou oblíquas, provocadas por decorações ou volumes desequilibrados. O peso quando localizado num só ponto ou área seria prejudicial para as fibras têxteis, porque provoca tensões que com o tempo as fragilizariam, dando origem a quebras nos fios, lacerações e rasgões. Tendo em conta que nesta indumentária a saia apresenta uma armação com roda, as vestes devem ser expostas numa estrutura em cone, de modo a que os tecidos fiquem ligeiramente inclinados, e não suspensos e sujeitos à acção do seu próprio peso, respeitando nos diferentes elementos, as suas formas individuais (Fot. 66).
42 43
66
Imagem de roca com o traje de Nossa Senhora da Oliveira.
Na limpeza da vitrine deverão utilizar-se produtos à base de água, em vaporizador e um pano, sem pêlos. Quando se limpa a vitrine por dentro, os objectos devem ser retirados e apenas recolocados, depois desta estar completamente seca.
Como, por exemplo, ligações químicas ou simplesmente inclusão mecânica nos numerosos interstícios dos fios, na estrutura escamosa da lã ou nos sulcos de outras fibras O desvanecimento dos tintos é irreversível e varia conforme o corante e o seu processo de aplicação. Organismos que sem estas condições permaneceriam inactivos,podem desenvolver-se num têxtil seja utilizando-o para nutrição seja para depositar sobre ele excrementos,frequentemente ácidos,contribuindo para a sua degradação. 95 A degradação fotoquímica pode iniciar-se na superfície da fibra que está directamente exposta à fonte de radiação, migrando para o seu interior, ocorrendo tanto nas áreas cristalinas como nas amorfas. Sendo estes materiais higroscópicos as variações súbitas na humidade relativa do ambiente e provocam uma troca contínua de água entre o exterior e o interior da obra. Se a humidade relativa descer demasiado e/ou rapidamente, o têxtil seca em excesso, sofrendo dessecação e as fibras não só encolhem mas também perdem a sua flexibilidade, elasticidade e resistência à tensão. 93 94
RESERVA - ACONDICIONAMENTO A indumentária será mantida durante a maior parte do tempo em reserva, no museu. O corpete e a saia deverão ser guardados em armários de gavetas, para armazenamento horizontal, desde que: - Não haja constrangimentos relativamente às suas dimensões,que obriguem a dobras ou vincos nos tecidos; - As peças estejam devidamente suportadas no interior, com material de enchimento (algodão ou poliéster em rama, revestido de tecido de algodão branco, sem goma); - A superfície esteja protegida com papel acid-free (pH neutro) ou pano de algodão branco, sem goma. O manto, pela sua grande dimensão, poderá permanecer enrolado num tubo, contando que o avesso esteja para o interior, de modo a evitar tensões no bordado, e o tecido separado, entre si e do contacto com o tubo, por folhas de papel acid-free (pH neutro). O rolo final será envolto em pano de algodão branco, sem goma, tal como as outras peças e aplicado depois no suporte específico de parede ou individual.
Em reserva, bem como em exposição, as peças devem ser observadas regularmente de modo a detectar alterações do seu estado de conservação, procurando vestígios do ataque de insectos, presença de bolores, etc. No manuseamento destas deverão utilizar-se sempre luvas brancas de algodão, para impedir o contacto directo com a pele, uma vez que esta segrega humidade, gordura e sais corrosivos. A tensão das fibras deve ser tida em conta e sempre que sejam manipuladas e/ou transportadas dentro do museu, as peças devem estar deitadas, por exemplo, em tabuleiros. 96
O acondicionamento para transporte das peças deve assegurar do mesmo modo uma embalagem de dimensões adequadas para a sua conservação, e que impeça o seu movimento no seu interior. Os espaços entre a peça e as paredes da caixa podem ser preenchidos com papel acid-free ou com elementos de suporte.As embalagens devem ser de material neutro e inerte, mas com solidez adequada de modo a evitar que se deformem, com consequentes danos nas peças. As caixas devem ter um registo exterior referindo a sua fragilidade e de modo a possibilitar a sua rápida identificação. Será conveniente separar os vários elementos que compõem a veste em três caixas. O manto será transportado enrolado num tubo, respeitando as recomendações atrás mencionadas. Tanto o corpete como a saia necessitam de um material de enchimento no seu interior, para evitar deformações e vincos. Poderá utilizar-se Dracalon® (fibra poliéster), um material macio e que se adapta facilmente à forma interior das peças.As peças devem ser também cobertas no final. As embalagens de transporte, especificamente conce-bidas no IPCR para esta indumentária, t a m b é m poderão ser utilizadas para
armazenamento, uma vez que possuem a resistência necessária e as características adequadas em termos da sua conser-vação. Devido à fragilidade e passibilidade de deterioração da obra face às condições que a envolvem, os cuidados referidos, de exposição e armazenamento, são essenciais para a sua preservação. Sublinha-se a necessidade de conciliar os princípios para a conservação das obras de arte com a sua fruição, de modo a salvaguardar os testemunhos históricos e artísticos que constituem o nosso património.
O envelhecimento é um fenómeno universal que se traduz em mudanças físicas e químicas dos polímeros, que resulta de uma complexa influência dos vários factores de degradação, como o ataque fotoquímico, variações de humidade e temperatura, acção de substâncias químicas externas e acondicionamentos inadequados. Uma grande e rápida absorção de humidade pode provocar tensões em objectos de maiores dimensões constituídas por fibras de naturezas diversas. As alterações súbitas de humidade relativa, catalizam o processo contínuo de troca de água entre o exterior e o interior da peça. Consequentemente ocorre o alongamento e a contracção das fibras, fios e tecidos resultando numa tensão mecânica permanente que, a longo prazo, causa danos irreparáveis. O estudo da química dos têxteis demonstra que a robustez da fibra e a sua resistência ao envelhecimento podem ser directa e proporcionalmente relacionadas com o comprimento e densidade das cadeias moleculares. 98 As cadeias tornam-se mais curtas, levando ao enfraquecimento das fibras que por sua vez se propaga ao fio, chegando por vezes à ruptura e consequentemente à laceração no tecido. 99 A classificação da sujidade pode se feita segundo: a sua origem, os danos que pode provocar à sua forma e ao de tipo de forças de adesão entre a sujidade e o têxtil. Quanto à sua origem, a sujidade resulta da função do 97
40 41
objecto têxtil e da sua manipulação como sucede com os paramentos, vestuário e acessórios. Devido ao seu uso e manipulação podem depositar-se nos têxteis diferentes tipos de sujidade: fluidos corporais (suor e gordura), partículas de pele, sangue, comida, cosméticos, poeiras, fuligem, cinzas e manchas de água, que podem levar ao aparecimento de fungos e bolores. Estas partículas de sujidade – com tamanhos inferiores a 1μm e até 20 μm - consistem em materiais inorgânicos, fibras celulósicas, fibras animais, óleos, e materiais resinosos. As partículas não agregadas e insolúveis compõem--se de partículas de poeiras, hidrocarbonetos e micro-fragmentos de fibras degradadas. 101 Muitas destas partículas, atraídas pelas cargas negativas da superfície dos têxteis, depositam-se nestes por ligações eléctricas fracas Cfr.TÍMÁR-BALÁZSY, Àgnes; EASTOP, Dinah - Chemical principles of textile conservation. p. 159-160. 102 Carbono e micro-fragmentos de fibras degradadas. 103 Foi utilizado um aspirador de sucção controlada, Museum Muntz electronic 1414 com diferentes bocais estreitos para limpar toda a superfície e o seu avesso. 100
GLOSSÁRIO Alma: fio composto por fibras têxteis à volta do qual se enrola outro fio. Canutilho: elemento decorativo metálico em forma de lâmina em espiral Cabo: termo usado para designar um dos fios unidos por uma torção, ou um dos fios de uma passagem de trama. Fio: cilindro de um comprimento indefinido, composto de filamentos têxteis reunidos entre si pela torção. Fio laminado: fio composto de uma lâmina de metal ou de uma película de matéria orgânica dourada ou prateada,enrolada em espiral, direcção S ou Z, em volta de uma alma composta de um ou vários fios de seda, linho ou algodão. Fio crespo: fio laminado acrescido de um terceiro fio de torção contrário ao do laminado. Lâmina: tira metálica estreita e fina, obtida por corte de uma folha ou por laminagem. Utiliza-se plana ou enrolada em volta de uma alma. Lamela de papel ou pele: Tira estreita e fina, constituída por uma película de papel ou pele que depois é dourada ou prateada numa das faces. Lantejoula: pequeno disco de metal, vidro ou material sintético, com orifício central por onde passa a agulha. Lhama: tecido ou ligamento composto de tramas de ouro ou prata. Ligamento: cruzamento de fio de teia com um fio de trama. Redução: Número de fios de teia ou de trama contidos num centímetro. Sarja: ponto caracterizado por efeitos oblíquos obtidos pela deslocação de um fio para a direita ou para a esquerda em todos os cruzamentos de cada passagem de trama. Teia: conjunto de fios longitudinais de um tecido. Fios estendidos no comprimento do tear e que são remetidos nas malhas do liço. Trama: fio disposto transversalmente aos fios de teia de um tecido. Torção: acção de torcer um fio ou um grupo de fios. Estado resultante da operação.A direcção da torção indica-se com as letras S ou Z. Tule: tecido feito numa grande variedade de malhas de forma geométrica de diferentes tamanhos. Muito aberto e leve pode ser feita em seda, algodão e fibras sintéticas, como o nylon, poliamida, etc.
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