Jornal
dezembro DE 2018. ANO iX. NÚMERO 35
distribuição gratuita - venda proibida
Arrocha
Jornal-laboratório do curso de comunicação social/jornalismo da ufma, campus de imperatriz
àS MARGENS
Crianças nos abrigos Página 3
Fantasma da LGBTQfobia Página 5
Reabilitar e ressocializar LORENNA SILVA
Página 7
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Arrocha
Editorial: Busca da visibilidade
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tema central desta edição do Arrocha é “Imperatriz às margens”. Com uma simples folheada de suas páginas, o leitor vai perceber do que estamos tratando. Irá travar contato com personagens comuns, muitas vezes “invisíveis”, mas que são protagonistas do cotidiano de uma cidade em constante desenvolvimento. Uma casa que abriga crianças em situação de risco. A importância da inserção social dos autistas. Os coletores urbanos, que realizam um serviço essencial. Os programas sociais que preparam alimentos como sopas para aqueles que têm fome. Centros de recuperação para dependentes químicos. O flagelo da exploração sexual e a delicada questão da prostituição. A busca de superação do vício do álcool. Os jovens adolescentes que enfrentam problemas com a lei em processo de reabilitação. E mesmo aqueles que usam tatuagem ou dreads, muitas vezes discriminados. Na página de entrevista de perguntas e respostas ou ping-pong, como costuma ser chamada, uma homenagem póstuma a uma guerreira falecida recentemente e que concedeu uma de suas últimas en-
trevistas para uma acadêmica do curso de Jornalismo da UFMA. Raimunda Gomes da Silva, ou dona Raimunda, como era conhecida, deixa para as suas companheiras a continuidade de uma jornada de lutas em prol das quebradeiras de coco babaçu, sempre em busca de mais reconhecimento social e por parte dos poderes públicos. Quem acompanha o jornal Arrocha desde a sua primeira edição sabe que, nesses quase 10 anos, de produção, a vocação desta publicação sempre foi abrir espaço para os personagens mais comuns de Imperatriz, verdadeiros responsáveis pela construção diária da história desta cidade. É dever do jornalismo, muitas vezes, equilibrar os discursos daqueles que detêm facilmente o monopólio da fala, como ocupantes de cargos públicos, com o de outros para quem o acesso à mídia é bastante dificultado por uma série de questões, entre as quais o desinteresse da própria imprensa. Nas próximas páginas, o leitor vai encontrar histórias tristes, em sua maioria, mas que representam fagulhas de esperança, já que também apontam para cenários de superação.
Ano ix. Número 35 iMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2018
CHARGE: Lorenna Silva
Agentes coletores afirmam que é raro o reconhecimento por parte da população Thaís marinho
Expediente: Publicação laboratorial interdisciplinar do Curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). As informações aqui contidas não representam a opinião da Universidade. Reitora - Prof. Dra. Nair Portela Diretor do Campus de Imperatriz - Prof. Dr. Daniel Duarte Coordenador do Curso de Jornalismo - Prof. Msc. Carlos Alberto Claudino Professores - Dr. Alexandre Zarate Maciel (Jornalismo Impresso); Dr. Marcus Túlio Lavarda (Programação Visual); Dr. Miguel Angel Lomillos (Fotojornalismo); e Dr. Marcos Fábio Belo Matos (Revisão) Equipe original: Dr. Marco Gehlen (Jornalismo Impresso); Dr. Thiago Falcão (Fotojornalismo) Jornal Arrocha. Ano IX. Número 35 Dezembro de 2018
Alunos de Fotojornalismo e Jornalismo Impresso Caroline Duarte Fernanda Pillar Gabriel Severino Giuliana Piancó Ilberty de Oliveira Jaciane Oliveira Janaína Cunha João Pedro Santos Lianna Arraes Lorenna Silva Luidianny Carvalho Maria de Fátima Maria Francineide Matheus Lopes Michele Souza Paulla Monteiro Soares Paulo Rogério Pedro Teixeira Thais Marinho Thaise Marques Valéria Cristina Monitor: Gilmar Carvalho Capa: Layana Barbosa e Aryane Santos Ensaio: Gabriella Figueiredo Núcleo de Apoio: Cássia Castro Francisco Mourão Gabriella Figueiredo Henrique Andrade Hugo Oliveira Layana Barbosa Luana Coelho Viviane Reis
Alunos de Linguagem e Programação Visual Amanda Nascimento Amanda Reis Ana Catharina Valle Ana Karla Sousa Angela Lima Ana Lecticia Bandeira André Luis Aryane Santos Bruna Madonna Carlúcio Barbosa Déborah Costa Francisco Mourão Gabriella Alves Hugo Oliveira Inghrid Keith Jeilza Cavalcante Jéssica Lima Juliana Nava Layana Barbosa Luana Carvalho Lucas Calixto Lyandro Nunes Marcilania Pereira Maria Francineide Mariana Muniz Matheus Campos Michely Alves Patricia da Silva Poliana Castro Rutielle Barrozo Silvana Bezerra Vitória Castro
Mau hábito de deixar o lixo jogado nas ruas dificulta o processo de coleta seletiva. Outra reclamação comum é ter de lidar com objetos perigosos texto: Thaise Marques diagramação: hugo oliveira
C
om o crescimento acentuado da população, o acúmulo de lixo é uma consequência. Semanalmente, a empresa responsável pela limpeza da cidade exerce o recolhimento de detritos, na maioria das vezes em anonimato, percorrendo bairros em horários estratégicos, independente da estação ou temperatura. Seus funcionários, conhecidos como garis e “margaridas”, quando são mulheres, vivem vulneráveis ao preconceito, junto à falta de reconhecimento por parte dos moradores. O recolhimento de lixo pela cidade é necessário, não só para uma boa estética urbana, mas para a saúde da população, evitando, assim, proliferação de doenças. No Brasil, o início do processo de limpeza das ruas teve início na era imperial, em meados de 1830, quando o governo, por meio da influência europeia, contratou o francês Aleixo Gary para transportar todos os detritos deixados ao longo das ruas do Rio de Janeiro para serem direcionados à Ilha de Sapucaia. Em Imperatriz, a ação ocorre todos os dias nas principais ruas do Centro e três vezes da semana
nos demais bairros. Agentes coletores recolhem os sacos, varrem avenidas e fazem manutenção de praças do município, garantindo a harmonia desses pontos. Segundo Antônio Almeida, motorista de caminhão de coleta, o emprego surgiu como um “paraquedas”. Porém, afirma ainda que é grande a falta de reconhecimento por parte da população. “Outro dia um advogado me abordou de forma grosseira para reclamar do meu serviço. Respondi que a minha capacidade era igual à dele para adquirir seu curso superior, o que me impede é a falta oportunidade. O lixo não nos torna inferiores a ninguém, nenhum emprego diminui o caráter do ser humano”. Para Antônio, o descaso começa quando habitantes não depositam seus entulhos antes ou durante a escala do dia, e passado o horário de recolhimento, reclamam do serviço dos agentes, afirmando que houve esquecimento por parte dos coletores. Saber exercer a profissão não é para todo mundo. O acúmulo de lixo dentro de caminhões de recolhimento produz gás metano e chorume, líquido tóxico que ocasiona mau odor, principalmente pelos animais em decomposição,
ou até fetos abortados e dejetos humanos, fazendo-os enfrentarem o risco de adquirir doenças como diarreia, amebíase, parasitose, entre outras. A atividade também demanda lidar diretamente com seringas contaminadas ou objetos pontiagudos, aumentando assim os riscos de contrair infecções graves. Para José da Costa, a escolha da profissão se deu não só pelo salário, mas pela fácil adaptação. Na área desde 1998, Costa, quando chegou à cidade, viu o emprego como oportunidade de vida melhor e, apesar da inexperiência, não mediu esforços para cumprir com êxito o seu papel. "Apesar dos riscos que corremos em ter que lidar diretamente com o lixo, não recebemos benefícios relacionados à saúde. Mesmo assim, as amizades dentro do serviço tornam o trabalho divertido", avalia. Muitas vezes esquecidos, poucas vezes valorizados, os serviços dos garis beneficiam todo e qualquer morador urbano. A ausência dessa profissão acarretaria em consequências drásticas no cotidiano. Contudo, ainda falta apoio e reconhecimento da população, bem como benefícios e salários dignos e compatíveis ao esforço.
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adoção Segundo a coordenadora da Casa da Criança, Maria Gorete, a falta de visibilidade aliada à burocracia do processo, são os maiores problemas enfrentados atualmente pelo abrigo
26 crianças vivem em abrigo de Imperatriz GABRIEL SEVERINO texto: GIULIANA PIANCÓ diagramação: ana karla sousa jeilza cavalcante
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rincadeiras, curiosidade, família, aprendizado. Palavras que fazem parte da construção da infância são colocadas em xeque quando o aconchego do lar é arrancado da vida dos pequeninos. Em Imperatriz, a Casa da Criança é um espaço destinado a receber essas crianças em situação de risco como abuso sexual, físico, psicológico, negligência e abandono. Crianças que não são vistas e, em alguns casos, não são lembradas pela sociedade, enquanto o tempo e a vida estão passando, e elas crescendo. Segundo balanço do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e do Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos (CNCA), no Brasil, cerca de 47 mil crianças e adolescentes crescem em abrigos e, desses, apenas 7.300 estão aptos judicialmente para serem adotados. Mas em paralelo, 33 mil pessoas estão habilitadas a adotar. O Brasil tem mais interessados em adotar do que crianças e adolescentes disponíveis para adoção. A média no cadastro nacional é de cinco pretendentes para cada criança e, mesmo assim, muitas passam a vida nos abrigos. O problema é que nem sempre elas se encaixam nos desejos de quem quer adotar. A maioria das pessoas busca, em geral, um perfil específico: bebês de até 3 anos, brancos e sem doenças congênitas. Apenas metade dos pretendentes aceitam adotar negros, e poucos estão dispostos a acolher filhos com 8 anos de idade ou mais. Imperatriz - Como Reflexo da realidade do país, existem cerca de 40 candidatos interessados em adotar e 26 crianças vivendo no abrigo. A conta não fecha, a burocracia e a lentidão dos trâmites judiciais fazem com que muitas
Antes da adoção, como medida primordial, o primeiro esforço das autoridades responsáveis é investigar se todas as possiblidades de retorno à família biológica da criança se esgotaram
crianças só possam ser adotadas tarde demais, quando já estão fora dos perfis mais procurados pelos candidatos a pais. Segundo uma das coordenadoras da Casa da Criança de Imperatriz, Maria Gorete, a maior dificuldade está em encontrar familiares que estejam em condições de receber a criança: “Milhares de crianças e adolescentes que vivem em abrigos têm família e o primeiro esforço das autoridades é fazer com que vol-
tem ao lar de origem”, aponta. Como manda a Lei de Adoção, de 2009, a prioridade é garantir o convívio da criança com a família biológica, resolvendo as situações de pobreza extrema, violência e uso de álcool e drogas. Para a coordenadora, o problema é que, enquanto isso, milhares de vidas crescem sem apoio, carinho e vivência de família. Muitas dessas crianças e adolescentes vão crescendo sem saber o básico sobre GABRIEL SEVERINO
Coordenadora Maria Gorete (esqu.) e assistente administrativa Raylene dos Santos (dir.) falam sobre as dificuldades de adoção em Imperatriz
família: “A maior demora está no processo de encontrar algum familiar que receba essa criança. Após a destituição da família, quando entram no cadastro de
“Às vezes quando perguntamos o motivo de estarem tristes, ouvimos: ‘Eu tô com saudade da mamãe’. Precisamos preparar essa criança pra tudo”
adoção, é mais rápido. Essa espera do processo total pode ir de três meses a três anos”. No momento, a casa abriga bebês de zero a um ano e crianças até os 15 anos. Maria Gorete comenta que um dos maiores problemas que enfrentam é a falta de visibilidade. “A gente enfrenta muita dificuldade, porque não existe um fundo próprio pra manter essa casa, quem mantém é a prefeitura. E você sabe que uma casa precisa de muita coisa, quando acaba algo temos que esperar uma licitação, o que é demorado. E isso é ruim quando se trata de uma casa de acolhimento para crianças”. A coordenadora acrescenta que faltam recursos: “Ainda bem que recebemos doações, é o que ajuda.
Se um menino quebra um chinelo, não tem; se precisa de uma roupa, não tem; se precisa de uma taxa pra material escolar, não tem. A falta de ajuda e visibilidade é um dos nossos maiores problemas”, conclui. “Tia, hoje vai ter visita?” - A carência afetiva é evidente, mesmo com a entrega da equipe que cuida dessas crianças abrigadas. “Uma mãe faz falta”, lembra a assistente administrativa da casa, Raylene dos Santos. “Não tem como a gente dar conta de dar atenção como queria pra cada uma das crianças de forma individualizada. Às vezes, quando perguntamos o motivo de estarem tristes, ouvimos: ‘Eu tô com saudade da mamãe’. Precisamos preparar essa criança pra tudo”, acrescenta. Quando é dia de visita, a euforia e animação tomam o lugar da monotonia da rotina da casa, e as crianças já chegam perguntando se tem lanche, é uma festa. A psicopedagoga Djenane Rodrigues comenta que a afetividade é essencial no desenvolvimento dos pequenos e reafirma a necessidade de maior atenção e políticas efetivas que visem ao seu bom estado de saúde mental e física nessa fase tão importante de sua formação: “Lugar de criança é no convívio familiar saudável, seja ele biológico ou não, e enquanto isso não acontece, políticas públicas mais efetivas se fazem necessárias para garantir seu bem-estar e desenvolvimento”.
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CULTURA Mesmo que os tatuados e membros de outras “tribos”, como os dreads, tenham conseguido amenizar os estereótipos, ainda há um caminho longo a percorrer para desconstruir preconceitos
Tatuagens e dreads ainda são discriminados PEDRO TEIXEIRA TEXTO: PEDRO TEIXEIRA DIAGRAMAÇÃO: JULIANA TAÍS VITÓRIA CASTRO
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preconceito, com ou sem palavras, com olhares e cochichos, ainda existe e é sentido em Imperatriz pelas pessoas que usam algo diferente no cabelo ou decidem desenhar uma tatuagem em seus corpos. Não é difícil encontrar, no dia a dia, pessoas com tatuagens ou que usam dreads nos cabelos, que é um estilo de penteado na forma de mechas emaranhadas, utilizado tanto por homens quanto por mulheres. Mesmo com a popularização desse tipo de cultura nos últimos tempos, o preconceito contra os adeptos ainda é perceptível em vários lugares, de diversas formas e a todo o momento, em locais como agências bancárias, nas ruas e até mesmo dentro de casa, pela própria família. Bruno Santos, de 28 anos, é estudante de Jornalismo, tem três tatuagens e diz que pretende fazer mais. Mas diz que já sentiu o preconceito de várias pessoas. “Comigo acontece no banco. Quando eu chego as pessoas me olham assim, tatuado e barbudo e já olham diferente. Houve casos em que as pessoas seguraram a bolsa quando eu passava por perto. E também das pessoas mudarem de lado na calçada”, relata. Bruno ainda conta que sente que há uma maior resistência de pessoas mais velhas. No seu caso, ele comenta que a mãe aceitou as tatuagens sem nenhuma resistência, já seu pai demorou a aceitar. As pessoas que não usam ou que não aceitam esse tipo de cul-
tura acabam, sem perceber, olhando diferente ou cochichando com o amigo do lado. E de maneira quase que automática fazem um pré-julgamento dessas pessoas. Ainda hoje, embora de maneira menos pesada, o uso de tatuagens, de piercings e de dreads é associado à marginalidade, às drogas e à delinquência. Nas grandes metrópoles, como São Paulo, e em outro estados, principalmente na região Sudeste do país, isso já é visto com naturalidade, ou pelo menos é mais tolerável. Mas em outras regiões, como o Nordeste, há maior resistência. De acordo com o professor universitário Thiago Falcão, de 38 anos, e adepto das tatuagens e piercings, “o Nordeste é sempre menos receptivo acerca disso”. Ele também diz que já sentiu preconceito das pessoas. “Em João Pessoa tinha muita gente que olhava para minhas tatuagens. Inclusive, umas velhinhas faziam o sinal da cruz pra mim”. Pessoas que gostam e utilizam dreads também sofrem preconceito. Não são somente associadas à marginalidade, mas também são tachadas de “nojentos”. Rhana Cecília Santos, estudante universitária de 22 anos, é grande adepta do uso de dreads e afirma já ter sofrido com comentários, segundo ela, “ridículos”. “Já houve vários casos. Teve uma vez que estava andando na rua e ouvi uma mulher falando: ‘Não sei como tem gente que tem coragem de usar essas tranças, que são ridículas’. Em outro caso, a pessoa perguntou: ‘Como assim tu usa isso no cabelo? Como é que lava? Cria piolho?”’.
“Comigo acontece no banco. Quando eu chego, as pessoas me olham assim, tatuado e barbudo, e já olham diferente”, relata Bruno Santos
Somos educados e orientados para lidar melhor com o que é padrão em termos estéticos, de beleza e modos de se vestir. Então, quando você se depara com algo que foge desses padrões, a tendência é rotular. De acordo com a antropóloga e professora da UFMA Emilene Sousa, as pessoas têm necessidades de classificação às vezes positivas e, outras, negativas. “A gente fica procurando elementos, símbolos, modos de classificar as pessoas. Esses elementos ou esses dispositivos de diferenciação que você coloca acabam funcio-
nando como bons classificadores. Aqueles que são tatuados, aqueles que usam dreads, então eu consigo classificar grupos a partir desses elementos. E às vezes essas classificações são negativas. Tendem a ser pejorativas e negativas. E aí chega a se pensar que todo mundo que é tatuado é marginal, todo mundo que é tatuado é vagabundo”, afirma. Emilene ainda comenta que a tatuagem já conseguiu se “elitizar”. Hoje ela não é só vista em pessoas de classe baixa, há muitos adeptos das classes média-alta e alta. “Antigamente, você não
era atendido por um médico tatuado. Algumas profissões mais formais, você jamais seria atendido por pessoas usando tatuagem. Hoje, somos atendidos por tatuados por toda parte”, lembra a antropóloga. O fato é que, mesmo que a tatuagem e as outras tribos como as dos dreads tenham conseguido amenizar os estereótipos que a sociedade cria, ainda temos um caminho longo a percorrer para que consigamos desconstruir esses preconceitos. O fato de fugir dos “padrões” não dá a ninguém o direito de desrespeitar o outro.
Do artesanato ao preconceito: a vida de um hippie em Imperatriz JACIANE OLIVEIRA TEXTO: JACIANE OLIVEIRA
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as praças de Imperatriz e na Beira-Rio não é difícil encontrar um hippie vendendo seus artesanatos. Pode ser um homem, uma mulher ou casal, eles apresentam características peculiares: em sua maioria seus cabelos são grandes, possuem corpo tatuado e, no caso dos homens, deixam a barba crescer. Já suas vestimentas são largas, folgadas e coloridas. Alguns usam sandálias de couro ou nem sequer utilizam calçados. Por apresentar esse modelo de vida, os integrantes do movimento sofrem preconceito, muitas vezes sendo taxados de “vagabundos” ou “pessoas de vida fácil”. Por trás de todo esse estilo, existe uma história e uma filosofia de vida. Historicamente, os hippies surgiram nos anos 1960, nos Estados Unidos, como um movimento de contracultura. Eles cultuavam a natureza, viviam em comunidade, eram contra a propriedade privada e o capitalismo, viviam viajando em trailers e utilizavam drogas
Franklin Alves vende pulseiras, cordões e brincos, porém reclama em relação à falta de solidariedade
como LSD e maconha. O mestre em ciências sociais e professor da UFMA, Carlos Alberto Claudino, comenta o objetivo do movimento: “Eles buscavam uma sociedade mais justa, lutavam contra o modelo capitalista e contra as guerras”. Os anos passaram e ainda é possível encontrar integrantes desse movimento, porém eles apresentam comportamentos diferenciados dos hippies originários daquela
década. O professor Carlos explica qual o perfil desse novo hippie. “Hoje existem muitos grupos de hippies que viajam pelo país inteiro. Eles têm como fonte de renda o comércio informal de produção própria de peças artesanais. Eles são nômades, a ideia principal é viajar e difundir a filosofia hippie, a forma de pensar, a de viver e a de vestir”. Franklin Alves, natural de Imperatriz, vende os seus artesanatos na Beira-Rio nos finais de semana.
Ele conta que passou a aderir ao movimento na cidade no ano de 1999. Explica que estava passando por dificuldades em sua vida pessoal e, após isso, decidiu por conta própria seguir esse estilo de vida, começando a produzir artesanato. “Fui para rua, ela foi minha faculdade. Comecei a desenvolver minha arte, a produzir meus artesanatos e melhorei minhas técnicas para criar tatuagens em henna”. O hippie explica que os materiais de fabricação são adquiridos em viagens às cidades de FortalezaCE, São Luís-MA, Marabá-PA, Maceió-AL, entre outros lugares. Também surgem do lixo, a partir do qual ele consegue reutilizar materiais como plástico, vidro e sucata. Ele comenta quais materiais são adquiridos em algumas cidades do Brasil. “Em Minas Gerais tem muitas pedras, em São Luís tem a palha, já em Fortaleza tem muito material em coco. Tudo isso eu adquiro e vou transformando em arte”. Para realizar as viagens, ele vende seus trabalhos e, quando não consegue dinheiro suficiente, vai aos postos de combustíveis pe-
dir carona aos caminhoneiros. De acordo com ele, a sociedade vê o hippie como marginal e vagabundo. Devido a essa visão, Franklin afirma que já sofreu vários casos de preconceito. “Todos os dias ouço insultos. Alguns dizem: ‘Mexe com isso não, porque é coisa de marginal!’ E também recebo olhares preconceituosos”. O vendedor disse que tenta não se abalar com os olhares, insultos e que mantém o autocontrole, pois acredita que a situação só pode ser resolvida por meio da conscientização e diálogo e não com o apelo à agressão verbal e física. O hippie enfatiza que o movimento deveria ter um apoio de órgãos governamentais no Brasil e, talvez com um suporte, seria mais fácil acabar com a visão preconceituosa, diminuindo consequentemente os casos de hostilidade contra o integrantes. Franklin afirma que esse incentivo já ocorre em outros países como Alemanha, Itália, Japão e França, onde a forma como se é tratado também é diferente, pois há valorização e reconhecimento.
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PRECONCEITO
Conceito de LGBTQfobia caracteriza a repulsa, ódio e preconceito nutridos contra a orientação sexual diferente da heterossexualidade e priva o direito e a liberdade de expressão de cada pessoa
Quem a LGBTQfobia agride em Imperatriz? GIULIANA PIANCÓ texto: gabriel severino DIAGRAMAÇÃO: SILVANA COSTA PATRICIA DA SILVA
A
violência contra a população LGBTQ+ (sigla referente a lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e identidade queer. O sinal ‘+’ corresponde a outras classificações como: intersexuais, assexuais e simpatizantes) se expressa cotidianamente. Segundo uma pesquisa realizada pela reportagem, 73 dos 82 participantes que responderam anonimamente à temática disseram que sofreram algum tipo de discriminação por causa de sua orientação sexual. Agressões verbais e psicológicas são as mais frequentes. De acordo com o grupo ouvido, os locais com a maior incidência de preconceito são: casa (28%), igreja (25,6%) e nas ruas (18,3%). O conceito de LGBTQfobia é caracterizado pela repulsa, ódio e preconceito nutrido contra a comunidade LGBTQ+. Em uma perceptiva mais densa, a LGBTQfobia recusa a igualdade em direitos da população LGBTQ+ em relação à suposta “normalidade”, ou seja, a heterossexualidade. Nas ruas, a violência é recorrente. Carlos, 21 anos, relembra o primeiro caso de homofobia sofrido por ele. “Eu saí da aula com duas amigas, um dia normal. Ao passar por dois homens na rua os ouvimos gritando ‘Olha, esse qualira tem que levar taca para aprender a virar macho!’. As pessoas que passavam começaram a olhar para mim. Ali naquele momento, meu sentimento foi de incapacidade, eu queria revidar, mas estava com medo”. Qualira é um termo maranhense usado de forma pejorativa, que se refere a um homem “afeminado”, caracterizado com trejeitos ditos femininos. A violência contra a população LGBTQ+ não é exclusividade das ruas. Muitas vezes o preconceito surge entre os próprios familiares da vítima. Jean, 26 anos, nasceu em uma família tida por aqueles que têm preconceito como tradicional. Durante anos, escondeu a sua sexualidade por medo da reprovação dos seus pais. “Minha mãe sempre dizia que não era uma pessoa preconceituosa, mas quando via um casal gay falava que aquilo ‘não era de Deus’. Nos meus 17 anos contaram a meus pais que me viram aos beijos com um menino na rua. Guardo até hoje as palavras que ouvi da minha mãe: ‘prefiro morrer, a ter um filho diferente’. Já meu pai achou que a melhor maneira de me ajudar era com o cinto”, conta. Segundo a assistente social da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), Karla Bringel, um dos grandes problemas que Imperatriz enfrenta é a falta de capacitação especializada para dar suporte à população LGBTQ+. “Nós tivemos um caso de uma criança que, quando identificada a sua orientação, procuramos propor-
A LGBTQfobia não é considerada crime, portanto, há inúmeros casos de agressões contra a comunidade que não são registrados como violência de gênero
cionar assistência necessária a ela, mas infelizmente os nossos profissionais ainda não estão preparados para trabalhar em políticas públicas para a população LGBTQ+. Depois de algumas semanas, a criança não voltou a frequentar o acompanhamento”. Intolerância- “Onde já se viu homem gostar de homem e mulher querer gostar de mulher? É errado e você vai para o inferno!”. Lucas, 20 anos, sofreu agressões verbais como essas durante toda a sua infância. Na escola, fez acompanhamento psicológico para diminuir os pesadelos que tinha. “Tentei mudar quem eu era para que não me olhassem como se eu fosse uma aberração. Eu sonhava com o julgamento e as pessoas que eu amo me dando as costas. Quando acordava, eu também achava que era uma aberração”. Ana, 23 anos, frequentou a igreja durante oito anos e não conseguia considerar certo alguém se relacionar com uma pessoa do mesmo sexo. Quando
adolescente, viu-se em um conflito: o questionamento sobre a sua sexualidade. “O processo não foi fácil. A aceitação vem cercada pelas barreiras do preconceito, do pecado, do achar que o ser diferente não é certo. O medo, esse pra mim foi a barreira mais difícil de quebrar, não sei pras outras pessoas, mas eu não conseguia me olhar no espelho e dizer ‘eu sou gay/lésbica!’, sem que o medo tomasse conta de mim. O medo do que meus pais iam pensar, de como meus amigos iam me tratar, o medo de ser olhada diferente
“Viado? Precisa apanhar para virar macho!” – Mãe do Fernando, 18 anos, após expulsá-lo de casa. e o medo de ser pecadora. Tudo isso me impediu por muito tempo de ser quem eu realmente sou, me reprimi”.
A estudante Renata, 21 anos, não ficou quieta ao se deparar com a homofobia na empresa para a qual trabalhava há aproximadamente um ano. Ela escondeu sua orientação ao perceber que a equipe da qual fazia parte era preconceituosa. “Vez ou outra eu os via jogando piadinhas em um garoto da equipe que era homossexual assumido”. Renata tinha bons resultados na empresa, era qualificada, mas a sua orientação sexual não, pelo menos para seus superiores. “Eu estava fazendo treinamento para ser promovida. Um dia, fiquei cansada de ver a galera fazendo tanta piada sem graça com o rapaz. O ápice foi quando o meu supervisor mandou um vídeo evangélico no grupo da empresa. O conteúdo? Falar mal sobre homossexualidade. Me posicionei falando que eles estavam praticando um crime, pedi que isso não se repetisse mais. Meu supervisor falou que não tinha preconceito até porque o melhor amigo dele era gay, deixei passar. Menos de uma GIULIANA PIANCÓ
semana depois fui demitida sem justa causa”. Jéssica, 23 anos, é outro exemplo. Ela estava em um bar de Imperatriz com amigos e sua namorada, Ana, 20. A noite era regada a cerveja e animação. O casal resolveu dar um selinho, afinal qual o problema? Mas havia. “Depois que eu beijei a minha namorada, vi o dono do bar fazendo um sinal negativo em nossa direção, entendi o recado e ficamos na nossa”, conta. Mesmo com o ocorrido, o grupo de amigos resolveu pedir mais uma cerveja para encerrar a noite, mas os garçons passaram a não atender mais a mesa. “Foi quando eu chamei o dono e perguntei por que ninguém nos atendia. Ele já foi logo pegando pelo meu braço e dizendo que a noite já tinha acabado e que nós deveríamos ir embora. Fiquei me questionando se foi pelo beijo, afinal, havia casais heterossexuais trocando beijos ali”. Dados alarmantes - Dados parciais divulgados pelo Ministério dos Direitos Humanos mostram que o Disque 100 recebeu em 2017, 1.720 denúncias de violência LGBTQ+. Até agosto de 2018, já foram registradas 560 denúncias. Destas, 472 (66,20%) são por discriminação, 348 (48,81%), referente à violência psicológica, 217 (30,43%) violência física e 15 (2,10%), referente à violência sexual. O relatório divulgado pelo ministério identifica ainda que os locais com as maiores taxas de violência são as ruas, com 187 (31,69%) e a própria casa da vítima, com 116 (19,66%). A LGBTQfobia não é considerada crime e, por conta disso, há inúmeros casos de agressões contra LGBTQ+ que não são registrados como violência de gênero. Sem a atenção necessária, não há como formular políticas públicas eficazes que combatam a homofobia. Diálogo, abordagem e treinamento são formas simples, mas que podem começar a reduzir o número de vítimas. Realidade regional - No Maranhão, foram registradas 10 denúncias até agosto de 2018, 66,67% a menos em comparação a 2017. No estado vigora a Lei 8.444, de 2006, que penaliza qualquer prática de discriminação em virtude da orientação sexual. Em 2018, a comunidade LGBTQ+ ganhou um novo reforço no combate e enfrentamento da violência. Por meio da Defensoria Pública do Estado (DPE), o Ministério dos Direitos Humanos aprovou o projeto “Respeitar a Diferença é Viver sem Violência”. Agora, o Núcleo Psicossocial da Defensoria conta com recursos para a formação de equipes multidisciplinares, para atender às demandas relacionadas à comunidade LGBTQ+.
Em muitas famílias, o amor não sobrepõe a orientação sexual dos filhos. O que torna comum frases como: “Seria incapaz de amar um filho homossexual!”
*A pedido dos nossos personagens e para resguardar a suas identidades, os nomes citados na matéria são fictícios.
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INFÂNCIA PREJUDICADA A violência infantil é, na maioria das vezes, fator de risco para que as crianças apresentem problemas de comportamento, ajustamento escolar e de uma percepção social negativa
Exploração sexual infantil: o perigo mora dentro de casa LORENNA SILVA TEXTO: PAULO ROGÉRIO DIAGRAMAÇÃO: AMANDA REIS INGRID KEITH
A
pesar de ser considerado crime hediondo pelas leis brasileiras, o abuso sexual de crianças e adolescentes no Brasil continua crescendo. De acordo com as estatísticas divulgadas pelos órgãos responsáveis, como o Centro de Referência Especializada de Assistência Social (Creas), em 2017, foram registrados 237 casos de estupro, sendo que, destes, 136 foram casos de abuso sexual e 36 de exploração infantil, perfazendo um aumento de 70% em relação a 2016. As origens do problema podem ser as mais variadas, desde as condições de pobreza extrema, uso de drogas e falta de serviços essenciais, como educação, moradia, transporte, até a ausência de políticas públicas que ofereçam alternativas saudáveis. Não é difícil encontrar crianças e adolescentes submetidas a essa condição pelos bairros mais pobres da cidade e, mais especificamente, às margens da BR-010, no perímetro urbano de Imperatriz. Garotas como M. R., 13 anos, moradora de um bairro pobre e populoso de Imperatriz, que marca ponto às margens da Rodovia Federal que corta a cidade. “Os meus pais não têm como me dar tudo o que preciso. Minha mãe, coitada, tem que cuidar dos cinco filhos menores que eu e ainda de meu pai, que bebe todos os dias. Como é que eu vou viver? Já tentei algum trabalho como doméstica, mas ninguém quer saber de mim. Eu acabo tendo que ajudar todo mundo lá de casa, pois precisamos comprar a comida e algumas coisinhas pra mim também. Mas se eu pudesse, não teria escolhido viver assim...” Todos os dias M.R. pode ser encontrada naquele local inadequado para uma adolescente, que
poderia estar na escola, mas, por força da situação, tem que vender o corpo ainda em formação. A mãe de M. R., que não quer ser identificada, J. B., 56, tem receio em falar do “trabalho” da filha, mas alega não ter outra opção. “Eu sei que é errado, mas foi o próprio pai dela que começou tudo, quando ‘mexeu’ com ela quando tinha apenas 11 anos. A gente morava em outra cidade, e tivemos que sair de lá. Olha, já tentei um monte de coisas, mas nada deu certo. A única alternativa foi essa. Sei que não é certo. Penso que qualquer dia eu posso ser presa e me dói ver a minha filha, tão novinha, vivendo assim, mas não tinha outro jeito. Como é que vou dar conta de tudo sozinha?”.
“Como é que eu vou viver? Já tentei algum trabalho como doméstica, mas ninguém quer saber de mim. Eu acabo tendo que ajudar todo mundo lá de casa, pois precisamos comprar a comida e algumas coisinhas pra mim também. Mas se eu pudesse, não teria escolhido viver assim...”
O pai, pouco sóbrio, não quis se pronunciar, evidenciando constrangimento pelos gestos e comportamento arredio. M. R. é apenas mais uma criança a engrossar as estatísticas de um problema que todos reprovam, porém muitos desfrutam e abusam, prejudicando as vidas inexperientes de tantas adolescentes e crian-
Violência infantil gera sérias consequências para a formação do indivíduo e compromete seu desenvolvimento emocional e social
ças que tiveram a desventura de nascerem pobres e, na maioria dos casos, negras. Meninas e meninos - A violência, no entanto, não escolhe o sexo. Tanto meninas quanto meninos são usados no comércio sexual. A principal origem dos casos está no próprio lar. Segundo informações dos poucos processos que chegam ao conhecimento da Justiça, pais, irmãos, tios, primos e outros parentes são apontados como os principais responsáveis pela exploração de crianças. Moradores da periferia de Imperatriz, temendo represálias, não denunciam os bares que, segundo J.B., são locais de exploração sexual de menores. Os donos desses estabelecimentos possuem uma estratégia específica para despistar a Justiça, ao usarem a prática de mudança de endereço
de tempos em tempos. Os frequentadores, em geral, segundo J. B., são homens de meia idade, em busca de prazer sexual fácil e barato. Estudiosos do tema preferem não usar o termo “prostituição infantil”, mas sim “exploração sexual de crianças e adolescentes” por entenderem que, para configurar o ato da prostituição, teria que haver acordo consensual entre as partes. E, definitivamente, a criança e o adolescente são “levados” à prática do ato, seja por força física, emocional ou circunstancial. “A criança ainda está em processo de desenvolvimento psicológico, físico e emocional, e a exploração afeta esse processo, trazendo sérios danos à personalidade das vítimas”, afirma Laélia Fontes, 37 anos, psicopedagoga. Em Imperatriz, os órgãos de defesa das crianças e adolescentes,
os Conselhos Tutelares, ainda não possuem um quadro de pessoal que seja adequado para atender à demanda. Também não há exemplos de punições exemplares que possam inibir a prática do comércio sexual infantil. Diversos programas têm sido criados, mas ainda não se mostram totalmente eficazes, pois em todos eles há necessidade de maior envolvimento da sociedade. Uma das opções disponíveis é o Disque 100, por meio do qual qualquer cidadão pode denunciar, anonimamente, casos dessa natureza. Outros podem vir a ser usados, especialmente os que buscam o envolvimento de toda a sociedade por meio de audiências públicas, campanhas educativas e contando com maior atuação do Estado, ao criar condições e políticas públicas que visem a proporcionar mais oportunidades de educação aos filhos e aos pais em condições de risco.
Falta de capacitação profissional torna a prostituição a última alternativa para fugir do desemprego TEXTO: LORENNA SILVA
P
ara inúmeras pessoas, a única fonte de renda é a prostituição. Apesar das novas oportunidades que surgiram no mercado de trabalho, ainda é muito difícil conseguir um emprego, seja por falta de capacitação ou por idade. Por este e outros motivos, muitas transexuais e mulheres se veem obrigadas a entrar na profissão do sexo, um mundo cheio de desafios e dificuldades. As pessoas que praticam a prostituição, apesar de exercerem uma profissão reconhecida pelo Ministério do Trabalho, ainda são alvo de preconceitos e abusos, tanto físicos como psicológicos, por parte da sociedade. Conforme pesquisas realizadas pela ONG Marias, no Brasil existe cerca de 1,5 milhão de pessoas que
vivem da prostituição, sendo 28% desempregadas e 55% necessitando ganhar mais para ajudar no sustento da família. Aproximadamente 70% das mulheres prostitutas não possuem profissionalização. Os dados são pistas de que as pessoas que exercem a prostituição têm inúmeras dificuldades para encontrar empregos considerados “dignos”. “Entrei nessa vida porque tive dificuldades para encontrar emprego. Durante as entrevistas de trabalho, os empregadores me descartavam, pois eu já tinha 25 anos e possuía dois filhos. Na época, existia discriminação com mulheres nessa idade, dava a sensação de que já estávamos mortas para o mercado de trabalho”, relata Raquel, 45 anos, que exerceu a profis-
são durante oito. “Muitas pessoas criticam, pensam que você está ali porque quer ou porque você não presta. Dizem que você poderia estar fazendo outra coisa, e, de fato, eu poderia estar fazendo outra coisa, se houvesse”, desabafa. Apesar de ser relatada como a “profissão mais antiga do mundo”, a prostituição ainda se encontra às margens. Em uma sociedade machista, na qual mulheres são consideradas inferiores aos homens, as prostitutas são alvos para ataques considerados justificados por conta de sua “conduta inadequada”. Muitas enfrentam a solidão ao serem abandonadas por seus familiares e amigos. “A prostituição é um mundo onde você não tem amigos. Então isso gera tal carência que te faz se juntar com pessoas falsas para não ficar só,
porque a solidão é muito dolorosa”, conta Scarleth, 34, prostituta há 11 anos.
sos dos cafetões e da polícia, as propinas, a repressão e a violência.
Em mundo cheio de preconceitos e exclusão, muitas profissionais sofrem exploração sexual. Em diversos casos, as mulheres e transexuais são obrigadas a realizarem atos contra suas vontades para não perder um cliente.
No entanto, a base conservadora do Congresso impede que o projeto seja colocado em votação. Além disso, militantes feministas se opõem ao projeto, pois consideram que regularizar a prostituição é naturalizar a exploração do corpo feminino, a humilhação, a deterioração da mulher e o abuso.
Regularização - Em 2012, o deputado Jean Wyllys resgatou um projeto de lei de 2003 que regulamenta a prostituição. O documento propõe mudanças no Código Penal; faz a distinção entre prostituição e exploração sexual, que é ilegal; permite a existência de casas de prostituição que também são ilegais e concede o direito de aposentadoria. Quem defende a aprovação do projeto garante que ajudaria a evitar os abu-
Enquanto os debates não chegam a um consenso, essa parcela das mulheres que exercem a prostituição permanece desamparada. A falta de uma legislação eficaz para defender e proteger seus direitos permite que diversos abusos, sejam estes físicos ou psicológicos, aconteçam.
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esperança Mulheres alcoólatras e usuárias de drogas relatam a dificuldade de superar sintomas como paranoias, insegurança e agressividade, que prejudicam sua vida em família e desempenho no emprego
Voltar a pertencer: mulheres em reabilitação Caroline Duarte
a sua recuperação, a casa feminina ainda lhe proporcionou um emprego de monitoria por um período de quatro anos. Foi necessário recuperar todo o tempo perdido. Ana agora é secretária, concluiu o Ensino Médio, fez cursos técnicos e almeja a faculdade de serviço social. Ela não só encontrou pessoas que a ampararam no processo de abstinência, mas sim que a ajudaram a crescer na vida.
TEXTO: LIANNA ARRAES DIAGRAMAÇÃO: LAYANA BARBOSA
O
vício pode levar a pessoa a uma decadência muito grande que atinge várias áreas da vida e, não sendo o suficiente, o processo de recuperação é um longo caminho a ser percorrido, com muitas lutas e por isso nem todos conseguem. O alcoólatra desenvolve paranoias, sente-se inseguro, agressivo, sendo difícil sua convivência familiar, social e no emprego. Disperso, ele reduz drasticamente a capacidade produtiva. Em relação aos dependentes de drogas, o problema se torna mais grave. Perdem a vontade de viver, ficam à margem da sociedade e, para sustento do vício, podem, em casos extremos, chegar a cometer assaltos e latrocínios. Qual a saída para essa situação? O abandono de maus hábitos, substituindo-os por costumes saudáveis que os tornam mais produtivos e satisfatórios não só no convívio familiar e social, como também nas relações sociais de trabalho. Ana Paula dos Santos, 37 anos, foi usuária de drogas e de álcool dos 13 aos 30. Nesse longo período, ela afirma que chegou ao fundo do poço, tornando-se uma moradora de rua. A solução para o seu vício foi o projeto de reabilitação Renascer, localizado em
Reunião no Renascer Feminino: mulheres tentam enfrentar o duro processo de reabilitação
Imperatriz, com funcionamento desde 2010 e atendendo a 25 mulheres em cada tratamento de seis meses de duração. “O projeto de reabilitação me deu a oportunidade para sair do mundo das drogas, sozinha ninguém consegue”. Os vícios em geral podem atrasar toda uma vida, inclusive atrapalham na hora de uma contratação para trabalho. Consumidores de álcool e drogas perdem espaço no comércio, isto porque os dependentes, mesmo que em pequena escala, ficam doentes
com maior facilidade e produzem menos. Em contrapartida, as empresas preferem trabalhadores produtivos, eficientes e com maior poder de concentração nas atividades. Mesmo com todo o auxílio, Ana enfrentou muitas dificuldades por conta do seu histórico. Apesar disso, encarou a desconfiança das pessoas e a falta de capacitação para encontrar um bom trabalho. “Tem que ter pessoas, instituições que queiram ajudar, ou alguém que não saiba do seu histórico”, defende. Após
“O projeto de reabilitação me deu a oportunidade para sair do mundo das drogas. Sozinha ninguém consegue” Dreyka Sousa, 36 anos, também teve contato com as drogas ainda muito cedo, aos 11 anos, após uma amiga lhe oferecer. A maconha, o crack e a bebida fizeram parte da sua vida desde então, até o dia em que teve uma overdose com 29 anos e foi parar em uma comunidade terapêutica. Há exatamente seis anos e 11 meses Dreyka é uma dependente em recuperação, uma mãe e trabalhadora que conseguiu mu-
dar seu destino. Ela relata que a igreja foi quem a apoiou em sua recuperação e lhe proporcionou uma oportunidade de emprego. Números - Uma pesquisa divulgada pelo IBGE em 2016, realizada com estudantes entre 13 e 15 anos, todos concluintes do 9º ano de escolas públicas e privadas em todo o país, mostra que o percentual de jovens que já experimentaram bebidas alcoólicas subiu de 50,3%, em 2012, para 55,5% em 2015; já a taxa dos que usaram drogas ilícitas aumentou de 7,3% para 9% no mesmo período. A legislação brasileira proíbe a venda e o consumo de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos, mas os números mostram que a prática é bastante diferente. O problema é mais grave entre as meninas, com 56,1% delas já tendo experimentado álcool, contra 54,8% dos garotos. Tratamentos - Alcoólicos anônimos; centros de atenção psicossocial; comunidades terapêuticas. Nos casos em que o alcoólatra deseja fazer tratamento e não consegue atendimento gratuito, ele pode recorrer à Justiça. Neste sentido, é preciso buscar o Ministério Público e levar toda a documentação que ateste que precisa de tratamento e que não conseguiu uma vaga gratuita.
Preconceito dificulta o processo de ressocialização de adolescentes que enfrentam conflitos com a lei Janaína Cunha texto: Valéria Cristina
É
o julgamento discriminatório o principal empecilho no processo de ressocialização de jovens adolescentes que já tiveram conflito com a lei. Mesmo após cumprirem as medidas socioeducativas sentenciadas pelo juiz, a reintegração desses adolescentes à sociedade torna-se difícil, principalmente pelo olhar discriminatório da própria sociedade. Carol*, 14 anos, é apenas um exemplo de vários adolescentes de Imperatriz que, mesmo após pagarem por seu erro, continuam marcados e ignorados pela sociedade. Apreendida em agosto de 2016 por tentativa de homicídio a uma colega de classe, Carol ficou retida durante 45 dias no Centro de Juventude Semear, de internação provisória (Funac). O ato foi motivado pelo bullying frequente que a adolescente sofria na escola pela colega. Mesmo tendo cumprido toda a medida sentenciada e não ter tido nenhum outro conflito com a lei, Carol conta que depois do acontecimento as pessoas a olhavam de maneira diferente. Não bastando isso, alguns chegaram a chamá-la de “assassina”. Em meio a tantos julgamentos e preconceitos, o apoio familiar foi essencial para o processo de reeducação da adolescente. “Eles me deram conselho, estiveram sempre do meu lado”, garante. Além disso, a decisão de mudar de escola também foi um fator importante para Carol. “Se eu estudasse na mesma escola acredito
que sofreria ainda mais bullying. Na escola que estudo agora não sofro mais com isso”. Família - Ana. C.S.N, mãe de Carol, relata que a família sofreu juntamente com a filha e que na época ela já havia comentado que sofria com implicância dos outros colegas. “Foi muito doloroso, a gente
“O preconceito está atrelado ao ato infracional cometido e, por não acreditar no arrependimento e no processo de reeducação desses adolescentes, a sociedade acaba dificultando a ressocialização desses jovens.’’ Para Carol (nome ficticio), mudar de escola foi uma escolha importante para seu processo de ressocialização e para seguir em frente sofreu muito. Na época ela havia me falado que alguns alunos estavam implicando com ela, mas eu não achei que seria nada grave e acabei deixando de lado”. Para a psicóloga do Centro de Juventude Cidadã – Semiliberdade (Funac), Alcilandy Teixeira de Souza, o preconceito está atrelado ao ato infracional cometido. Por não acreditar no arrependimento e no processo de reeducação desses adolescentes,
portanto, a sociedade acaba dificultando a ressocialização desses jovens. “A sociedade não acredita que o adolescente consiga internalizar a proposta das medidas socioeducativas e que realmente haverá uma mudança. Então a comunidade muitas vezes aponta, olha com receio. Eles percebem isso e acabam se colocando uma barreira”. Mais do que problemas psi-
cológicos, a psicóloga explica que o preconceito também prejudica esses adolescentes, privando -os de oportunidades como, por exemplo, o primeiro emprego e ressalta a importância do apoio familiar no processo de ressocialização. “A família deve ter consciência de que ela é coparticipativa no processo de reeducação e ressocialização desse adolescente”. Assim como Carol, existem
muitos outros jovens em Imperatriz e no mundo que sofrem com o julgamento da sociedade, mas que nem sempre possuem o apoio familiar durante os processos de reeducação e ressocialização, o que faz com que muitos desses jovens sintam-se excluídos dos meios dos quais fazem parte. É importante que haja uma reflexão da própria sociedade em relação ao julgamento direcionado a esses jovens.
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REABILITAÇÃO Atualmente Imperatriz possui sete comunidades terapêuticas voluntárias, que cuidam de dependentes químicos e oferecem acomodações e serviços de internação, como todas as refeições do dia
Centros auxiliam no combate às drogas TEXTO: João Pedro Santos DIAGRAMAÇÃO: DéBORAH COSTA rUTIELLE BARROZO Maria de Fátima
Centro Terapêutico Casa do Senhor funciona desde 2014, é mantido pela Diocese de Imperatriz e sobrevive com ajuda de colaboradores que atuam nas suas respectivas atribuições ou doações. Falta de apoio dos familiares é problema comum
A
dependência química é considerada um problema de saúde pública que atualmente atinge milhares de pessoas e afeta toda a sociedade. Mesmo sendo oficialmente uma doença diagnosticada e com possibilidade de tratamento, os dependentes químicos ainda sofrem muito preconceito. A ideia de que o vício em drogas nada mais é que um “desvio de caráter” ou “falta de vergonha na cara” prevalece em meio ao senso comum da sociedade. Atualmente Imperatriz conta com sete comunidades terapêuticas voluntárias que cuidam de dependentes químicos, que são: Projeto Missão Criança (Promic), Casa de Davi, Projeto Resgate, Fazenda Esperança, Casa do Senhor, Instituto Lugar de Ajuda e Centro Esperança. Às dificuldades do tratamento em si, intensificadas, muitas vezes, pela falta de apoio de famílias desarticuladas, soma-se um sistema público de saúde particularmente desaparelhado para tratar a dependência química. Implantada em 2014 pela Diocese de Imperatriz, a Casa do Senhor funciona como unidade terapêutica filantrópica que ajuda os dependentes químicos da cidade. O projeto conta hoje com 70 homens em reabilitação, distribuídos em três unidades que são divididas em fases por que o in-
terno irá passar até se recuperar totalmente. Por não possuir nenhum convênio com o governo e o poder público, os centros terapêuticos voluntários buscam ajuda de pessoas que queiram colaborar, seja com a força de trabalho de profissionais que atuam nas suas respectivas atribuições seja por doação de dinheiro ou alimentos não perecíveis. Para o padre Elisvaldo Cardoso, coordenador da Comunidade Terapêutica Casa do Senhor, as dificuldades para se manter um projeto como esse são enormes. “A primeira delas é a questão da manutenção, que vai desde o pagamento do talão de energia, até os alimentos básicos. Às vezes as pessoas chegam a pé, somente com a roupa do corpo, e ficam aqui durante todo o tratamento. Então, a maioria das pessoas que estão aqui são aquelas que não podem contribuir de nenhuma forma e precisam de auxílio no sentido da sua manutenção”. Com o objetivo de garantir paz e tranquilidade aos pacientes, os centros voluntários de reabilitação química em Imperatriz oferecem acomodações e serviços de internação para que eles possam receber os cuidados necessários, bem como também, café, almoço, lanche e jantar. “Os centros terapêuticos são de fundamental importância. Porque a pessoa que
usa droga lícita ou ilícita, às vezes não consegue acompanhamento psicológico e espiritual. A dependência é, como diz a própria palavra: eu dependo daquilo pra sobreviver, seja a droga lícita ou ilícita. Tem gente que trabalha, tem sua família, mas que todos os dias bebe. Então essa pessoa precisa de ajuda”, declara padre Elisvaldo Cardoso. Os centros de reabilitação são importantes tam-
“Depende muito do querer da pessoa, não é fácil, nove meses é bastante tempo” bém, em sua opinião, porque podem afastar esses dependentes de um “ambiente doentio”. “Muitas vezes a sociedade exclui o dependente químico, principalmente quem já está em situação de rua, visto como vagabundo e preguiçoso. E ninguém olha para isso como uma doença muito grave e que precisa de ajuda e tratamento”, avalia o padre. Esses espaços são fundamentais para manter o dependente abstinente das drogas até que eles tenham condições de enxergar com clareza as consequências das drogas e do alcoolismo em sua vida e se conscientizar.
E talvez aceitar que a dependência química é uma doença, como drogadicção ou alcoolismo, e ser instruído pelos profissionais dos centros de recuperação acerca das ferramentas que o ajudarão a se manter limpo após a internação no centro terapêutico, dando continuidade em seu tratamento na sociedade. Dessa forma, o profissional é de muita importância nesse processo. Nos centros terapêuticos existem pessoas que prestam auxílio apenas pela satisfação de ajudar aos que precisam. A assistente social Thamires Castro de Arruda trabalha na comunidade Terapêutica Casa do Senhor e fala a respeito da falta de outros profissionais que possam contribuir com o trabalho de voluntariado. “Muitas vezes as comunidades não têm profissional qualificado. Como é uma ONG, sobrevive por meio de doações, ajuda da sociedade. Então acabam por não ter profissionais qualificados de acordo com os cargos. O trabalho voluntário pode ser visto como uma porta, seja no mercado de trabalho, como também uma forma de ajudar o próximo”, acredita. Importância - A dependência química é uma doença que acaba se desenvolvendo em nosso meio e costuma causar grandes consequências para o indivíduo. O dependente
químico está sujeito a sofrer com problemas comportamentais e de relacionamento com as pessoas mais próximas, o que pode contribuir para que a situação se torne ainda mais complicada. O ex-dependente químico Regigleyson Viera de Sousa, que passou pelo processo de reabilitação, conta que já foi preso e até cometeu assaltos à mão armada para manter o vício. Com 26 anos, entrou no mundo das drogas e só conseguiu sair depois de ter passado pelo centro terapêutico, há cerca de um ano. Hoje, aos 33 anos, Regigleyson se sente renovado. “Quando a pessoa quer de verdade se recuperar, sair dessa vida, esse é o único lugar que é próprio daqueles que não têm pra onde ir, são rejeitados pela sociedade. Aqui é o lugar que todo mundo vai te abraçar, te acolher. Depende muito do querer da pessoa, não é fácil, nove meses é bastante tempo. Mas creio que quando a pessoa está disposta a sair daquela situação e coloca Deus em sua vida, nada é difícil. Hoje sou uma pessoa renovada, graças ao centro terapêutico”, afirma Regigleyson. Recuperar uma pessoa que se encontre nesse estado de saúde é uma tarefa realmente muito complicada, e nem sempre partirá do próprio sujeito essa vontade de se libertar da sua dependência.
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ENTREVISTA: RAIMUNDA GOMES DA SILVA
“Isso ainda não é visto como profissão” MARIA FRANCINEIDE TEXTO: MARIA FRANCINEIDE DIAGRAMAÇÃO: MARIA FRANCINEIDE POLIANA CASTRO
R
aimunda Gomes da Silva, ou somente dona Raimunda, como era popularmente conhecida, ex-quebradeira de coco, tinha 78 anos, era aposentada, e à primeira vista uma mulher simples, do campo, de estatura baixa, corpulenta e de traços definidos. Mas era só iniciar a conversa para se ver uma mulher forte, politizada, que conhecia bem a sua realidade e sabia que era necessário lutar para conseguir mudá-la. Nunca estudou, mas era uma líder nata, de visão política. Raimunda faleceu no dia 7 de novembro, poucas semanas depois de conceder esta entrevista, aqui publicada como uma forma de homenagem. Dona Raimunda ficou conhecida por sua luta na defesa dos direitos das mulheres extrativistas, as quebradeiras de coco babaçu. Essa luta trouxe grandes resultados, como a Lei do Babaçu Livre, que proíbe a derrubada de palmeiras de babaçu, e permite que as quebradeiras possam extrair o fruto das palmeiras mesmo em propriedades privadas. Ajudou a criar a Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio (Asmubip); a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Tocantins (Fetaet) e a Secretaria da Mulher Extrativista do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), da qual foi titular por dez anos. Nasceu em Novo Jardim (MA), filha de agricultores pobres, em uma família de 10 irmãos. Casou-se aos 18 anos, mas, em meio a uma relação difícil, decidiu abandonar o marido 14 anos depois e criar sozinha os seis filhos, trabalhando como lavradora. Na sua constante migração à procura de serviço, chegou ao Bico do Papagaio, na comunidade de Sete Barracas, em São Miguel do Tocantins divisa entre Pará, Tocantins e Maranhão. Venceu a peleja e se transformou em animadora e catequista da comunidade. Em 1983, um novo padre chegou a São Miguel para fermentar de vez a nascente militância de Raimunda. Era o padre Josimo Tavares, assassinado três anos depois por fazendeiros e autoridades do Bico do Papagaio. Nessa altura, a quebradeira começou a ganhar o mundo denunciando o crime contra o religioso e atuando na defesa das cerca de 400 mil mulheres que passou a representar. Protagonizou um documentário produzido pelo cineasta Marcelo Silva em 2006, no qual fala sobre sua vida e das companheiras de babaçual. Dona de vários títulos e prêmios nacionais e internacionais, dentre eles, prêmio Nobel da Paz em 2005, o título de Doutora
‘‘Antigamente a gente fazia mutirão, entrava na frente de trator, denunciava. Hoje a gente está denunciando em cima da lei. Mas pagam a multa e fazem de novo’’ Honoris Causa da Universidade Federal do Tocantins (UFT) em 2009, em 2013, recebeu o diploma de Mulher-Cidadã Guilhermina Ribeiro da Silva, da Assembleia Legislativa do Tocantins e em 2017 recebeu o diploma Mulher-Cidadã pela comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados em Brasília-DF. Nas rugas que lhe acrescentavam alguns anos ela carregava uma vida ordinária, à qual, à custa de muita batalha, acrescentou um “extra”. Quebran-
“Eles acham que para criar o gado tem que acabar com o babaçu”
do coco babaçu - e protocolos. Sempre teve na ponta da língua uma cantiga das quebradeiras, do beira-rio das lavadeiras. Raimunda estava em seu segundo casamento, com o também aposentado Antônio Cipriano, e havia adotado o seu sétimo filho, Moisés, órfão de um líder sindical assassinado por um fazendeiro na década de 1990. Devido à idade avançada e às doenças que a acometiam, dona Raimunda estava longe do ativismo. O seu nome ecoava por todo o Brasil, já que era considerada uma das mulheres mais simbólicas no estado do Tocantins por sua garra, luta e determinação. A senhora é conhecida por defender a causa das mulheres extrativistas. Hoje, esses direitos estão sendo mais respeitados do que antigamente? Sim, estão. Mas olha, é na luta, defendendo. Hoje temos a Lei do Babaçu Livre, mas tem que
fazer respeitar a lei, porque a lei foi criada no estado e no município, e mesmo assim continuam derrubando coco. E o que tem sido feito para defender o babaçu? O que você imaginar, a gente fez. Agora, nesses últimos tempos, a gente tem lutado através dessa lei. Antigamente a gente fazia mutirão, entrava na frente de trator, denunciava. Hoje a gente está denunciando em cima dessa lei. Mas depois da denúncia, os caras são multados, pagam a multa e depois fazem de novo. Eles botam veneno nas palmeiras. A chuva chega, os animais bebem da água com o veneno, a gente come os animais... Quem faz isso? São os donos da terra, os fazendeiros. Eles acham que para
“Agora ficou melhor porque tem Bolsa Família”
criar o gado tem que acabar com o babaçu. E como ficam as mulheres que trabalham nessa atividade? Elas conseguem sustentar família com o babaçu? Agora melhorou, porque tem Bolsa Família, elas recebem Bolsa Escola. Melhorou muito a condição, até mais do que as que querem entrar na quinta dos fazendeiros. Aquela atividade muito pesada diminuiu depois que elas começaram a receber essa ajuda de custo, salário maternidade, essas coisas. Por causa dessa assistência social do governo, a situação está melhorando. Melhorando, não, está dando pro pessoal ficar lá
um pouco mais, pra ir sobrevivendo. A gente sabe que não é o suficiente, está muito longe de ser suficiente, mas que pra calar a boca das pessoas que não conhecem os seus direitos, isso dá. A senhora foi a primeira mulher a ser presidente do Sindicato dos Extrativistas. Como foi essa experiência? Os homens te respeitavam? A gente não tinha para quem se queixar, então o jeito era criar o Sindicato do Trabalhador Rural. E depois a gente criou o movimento de mulheres dentro do sindicato. Os companheiros sempre me respeitaram, mas às vezes tem uma pessoa que é respeitada, mas outras não são. Você tem que fazer com que a sua categoria seja respeitada. E por isso nós criamos a Associação de Mulheres e Secretaria da Mulher dentro do sindicato, dentro do Conselho Nacional dos Extrativistas. Fomos criando essas associações para lutar para que os companheiros respeitem o direito dessas companheiras.
“Eu queria que elas tivessem mais acesso à saúde, aos estudos, tivessem uma moradia melhor” Hoje já tem muita companheira consciente dos seus direitos, da sua vida, de ser mulher. As quebradeiras já conseguiram algum resultado com essa luta? Aqui na região a gente conseguiu a questão da moradia. Isso para nós foi uma conquista muito grande. Quem construiu foi o governo, federal e estadual, mas foi por causa da nossa
luta, cobrando no dia a dia. Até foi feito um filme, o vídeodocumentário “Raimunda, a quebradeira”, do cineasta Marcelo Silva, e o governo viu a situação das quebradeiras de coco. Eu queria que elas tivessem mais acesso à saúde, aos estudos, tivessem uma moradia melhor, melhor qualidade de vida, porque isso ainda não é visto como profissão e dificulta na hora de aposentar. “Raimunda, a quebradeira”, esse título do documentário em que a senhora é protagonista a que se deve? O nome do documentário é resultado do título de doutor honoris causa que recebi da Universidade Federal do Tocantins (UFT) em 2009, por conta de minhas lutas e história. Vejo que a senhora já ganhou vários títulos e prêmios ao longo de sua vida. O que mudou de lá pra cá? Não mudou nada, continuo da mesma forma, vivendo do mesmo jeito. Agradeço por os títulos conquistados (risos). Em 2017 a senhora foi agraciada com o diploma Mulher-Cidadã pela comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados em Brasília-DF. A que se deve esse reconhecimento? Por ser mulher, por ter contribuído para o exercício da cidadania na defesa de direitos da mulher e nas questões de gênero. Hoje a senhora não exerce mais sua profissão por conta dos problemas de saúde que enfrenta. Ainda tem contato com as demais quebradeiras? Sim. Eu só as vejo, quando vêm aqui me visitar. Eu já não enxergo mais, estou completamente cega dos dois olhos, devido à catarata e a diabetes. É difícil eu sair de casa.
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SOLIDARIEDADE Donos de barracas da feira Mercadinho jogam fora todos os dias alimentos que poderiam ser reaproveitados e consumidos por moradores carentes, ONGs e projetos solidários existentes na cidade
Reutilizar e evitar o desperdício de alimentos texto: Michele Souza diagramação: bruna madonna marcilanIA PEREIRA
MATHEUS LOPES
T
odos os dias, feirantes e supermercados de Imperatriz jogam fora vários alimentos que poderiam ser reaproveitados, caso houvesse uma coleta ou, até mesmo, políticas voltadas à doação aos que mais precisam. Em uma breve volta ao Mercadinho (em qualquer dia da semana), o bairro de Imperatriz mais conhecido por suas feiras diárias e que atende a praticamente a todas as necessidades do povo imperatrizense, podese notar o grande descarte, em sua maioria, feito pelos próprios feirantes, sendo simplesmente jogados na rua, praticamente ignorando as várias pessoas na cidade que necessitam desses alimentos. Não existem projetos da Prefeitura que façam essa separação ou estimulem a conscientização sobre a distribuição desses alimentos, mas há quem precise deles. Devido ao grande número de feirantes que frequentam e vendem nas feiras do Mercadinho, não dá para afirmar a quantidade de alimentos jogados fora todos os dias, além de também não haver controle por parte dos órgãos públicos. Embora esse cenário persista, há alguns grupos de voluntários que reaproveitam parte desses alimentos e, por meio de ações sociais, conseguem alimentar várias pessoas. Reaproveitamento - Aline Bezerra Castilho montou, junto com outros voluntários de sua igreja, um grupo de pessoas que reaproveitavam restos de alimentos provenientes do supermercado Mateus. A finalidade é produzir um “Sopão Solidário”. O projeto completou cinco anos em julho e continua com o mesmo objetivo: de alimentar - todas as terças-feiras - cerca de 450 pessoas, entre elas: pacientes, acompanhantes e mendigos em frente ao Hospital Municipal de Imperatriz (Socorrão). Aline conta que, quando recebiam os alimentos, os voluntários
Aline Bezerra Castilho prepara o “Sopão Solidário” na cozinha de sua casa, feito do reaproveitamento de restos de vários alimentos faziam a separação e limpeza do que era doado, mas que hoje, com a não doação por parte do supermercado já não existe mais esse reaproveitamento. Agora, os voluntários compram praticamente todos os alimentos, mas também, algumas vezes - embora difícil de contar -, consigam apoio por parte do Banco de Alimentos da prefeitura municipal, como relata Aline. “O Socorrão atende a muitas pessoas todos os dias, de Imperatriz e, principalmente, de outras cidades da região. Essas pessoas às vezes não têm dinheiro, moram longe e/ ou a comida do hospital não consegue atender a grande demanda”, ressalta Aline, ao explicar o motivo de ter escolhido a frente do local. Ela conta que, nos últimos cinco anos, nunca deixaram de distribuir nas terças-feiras o “sopão”, mesmo diante de muitas dificuldades. “Não é fácil manter esse tipo de projeto, tirando do seu bolso e sem apoio por parte da Prefeitura”. Embora tudo desfavoreça esse trabalho, ainda assim conseguem “inspiração em Deus”. Nos momen-
tos difíceis, contam também com palavras de carinho de pessoas que reconhecem e outros que se apaixonam pelo projeto. Há aqueles que se voluntariam para ajudar na ação, desde a produção do sopão à colaboração com doações, chamados carinhosamente por Aline como “doadores fixos”.
“Não é fácil você manter esse tipo de projeto tirando do seu bolso e sem nenhum apoio por parte da prefeitura”. O “Sopão Solidário” fez nascer outro projeto também realizado pelos mesmos voluntários, que é o “Natal da Esperança”. Além de fazer uma ceia para todo o pessoal que está no hospital, com refeições que celebram e representam a festividade, também doam presentes e promovem uma festa solidária que visa a atingir de maneira esperançosa, como o próprio nome diz, todos os pacientes, fa-
miliares, funcionários do Socorrão e aqueles que por ali passam. Desperdício - O dia em que se pode perceber um enorme número de feirantes no Mercadinho é no domingo. Do início até o término da feira, há a presença do lixo orgânico. São muitos alimentos jogados ao chão, vários deles em bom estado para o consumo. Essa perda de produtos é causada pela falta de conscientização dos vendedores das barracas, como argumenta a engenheira de alimentos Thabata Miranda de Souza. Alimentos que, em sua maioria, poderia ser evitado que apodrecessem. Segundo Thabata, para uma melhor preservação dos alimentos vendidos no Mercadinho seria necessário que houvesse uma mudança na estrutura física do lugar. “A forma como os alimentos são armazenados propicia que haja maior proliferação de pragas e fungos, estragando os produtos e gerando o desperdício, já que o consumidor não leva para casa alimentos deteriorados ou com defeitos”.
Ela destaca a importância, também, da criação de uma equipe bem treinada para realizar essas avaliações sobre a qualidade das sobras para um possível consumo. “Poderia se pensar ainda em fabricação de ração animal”, relata a engenheira sobre uma outra finalidade para os alimentos. Como a maioria dos alimentos que são jogados fora aparentemente não serve para o consumo, acredita-se que estes estão corrompidos por fungos, doenças, etc. Isso faz com que pessoas coletem, de qualquer maneira, os alimentos e os levem para seus animais, como porcos, entre outros. Antônio Alves é um exemplo. Há dois anos ele, além de ser feirante no Mercadinho, faz a coleta de alimentos jogados no chão para utilizar como ração aos seus animais. De acordo com a engenheira, nem sempre a situação dos alimentos compromete o seu valor nutritivo, ou seja, muitos poderiam alimentar pessoas. Mas, ela alerta para situações em que os alimentos podem estar comprometidos e que o consumidor deve ficar atento quando tentar reaproveitá-los. “Alimentos em putrefação têm que ser descartados, pois podem ter apenas uma parte estragada, mas o todo está contaminado”. Quanto a alimentos esmagados, ela recomenda que se retirem uns dois centímetros além da parte estragada, o que deve resolver e permitir o consumo. “O mais importante, no entanto, é o preparo que deve ser feito, principalmente, à pressão e em temperatura elevada. Por isso, é adequado fazer sopa em locais que já exista a coleta”. A engenheira destaca ainda a importância da criação de incentivos voltados para a coleta e separação de alimentos. Ela sugere que sejam evitados os estragos e desperdícios, mas ressalta a importância da criação de uma equipe treinada para realizar a coleta adequada dos alimentos que ainda podem servir para nutrição de pessoas.
Distribuição de sopa alcança várias pessoas em situação de vulnerabilidade TEXTO: Paulla Monteiro Soares
LUIDIANNY CARVALHO
É
comum em Imperatriz grupos autônomos e independentes distribuírem sopas, marmitas e kits higiênicos em locais estratégicos para quem precisa. Apesar de a maioria deles partirem de igrejas, não há caráter religioso, o principal objetivo é a prática do “fazer o bem sem olhar a quem”, famoso ditado popular que incentiva gestos de altruísmo no cotidiano das pessoas. Há pelo menos três diferentes projetos fixos na cidade que agem da mesma forma e em determinados dias da semana, coordenando a distribuição de sopas em hospitais e bairros carentes. Como o trabalho é filantrópico, depende de voluntários e das doações de alguns ingredientes como abóbora, mandioca, batata, macarrão, carne e frango. Copos e colheres descartáveis são bastante utilizados para proporcionar a distribuição de sopa toda semana. De acordo com o pastor Ronaldo Sabino, co-pastor da Igreja Cristã Evangélica Maranata e coordenador
Hospitais possuem grande rotatividade e a ação acaba atingindo pessoas diferentes da ação, o “Projeto Sopão” acontece há mais de dez anos em um bairro carente chamado Jardim Tropical, onde fica situada a instituição. Ocorre todos os sábados e alcança cerca de 250 pessoas. A maioria do público são crianças
que levam vasilhas para colocar a sopa e comerem em casa junto com a família, pois a situação de pobreza e fome é comum na redondeza. Aproximadamente 15 pessoas, membros da igreja, ajudam no preparo e distribuição. “A
finalidade primordial é criar um vínculo entre a igreja e a comunidade. Acreditamos que devemos ser solidários e a igreja procura se comprometer em fazer gestos assim. O projeto é tanto para aprendermos solidariedade quanto para servir a comunidade”, explica. Outros dois grupos criados recentemente atuam nos mesmos locais. O primeiro acontece há três anos e distribui sopa e bolo toda segunda-feira nos dois hospitais municipais da cidade (HMI), conhecidos como Socorrão e Socorrinho e, respectivamente, destinados a adultos e crianças. O projeto recebe o nome de “Jesus te Ama”, com apoio da igreja Catedral da Família em que membros e voluntários preparam e distribuem sopa e bolo caseiro, doado de uma fábrica própria na cidade. Ocorre na porta dos hospitais e dentro dos quartos para que as pessoas impossibilitadas de sair não deixem de receber. O segundo grupo parte da Igreja Cristã Emanuel, que também atende ao público do Socorrão, Socorrinho e a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) nas sextas-feiras.
Costumavam entregar nas praças, mas depois que um morador de rua foi torturado, estes se escondem e procuram não dormir mais em calçadas. Como os hospitais possuem grande rotatividade e os pacientes mudam todos os dias, esse tipo de ação abrange inúmeras pessoas diferentes toda semana. É um local onde várias classes sociais se encontram em busca de um único objetivo: saúde. “Nosso propósito não é alimentar momentaneamente e ir embora, o amor ao próximo vai muito além dessa atitude. Muitos são alcançados e as pessoas ali têm valor, não importa por qual problema estão passando, podem voltar a viver felizes”, conta um voluntário do Projeto Sopão. Certamente há outras equipes desconhecidas que trabalham beneficentemente na região, além dos três grupos mencionados. Todos têm ligação com instituição religiosa, mas a religião não é discutida nessas ações, o intuito principal é o de ajudar, incentivar essa prática e estender a mão de modo simples.
Jornal
Ano ix. Número 35 iMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2018
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ATENÇÃO VALÉRIA CRISTINA
Autismo: falta de conhecimento gera preconceito TEXTO: Janaina Cunha DIAGRAMAÇÃO: ANDRÉ ZIMBAWER ANA CATHARINA VALLE
O
autismo afeta três importantes áreas do desenvolvimento: comunicação, socialização e o comportamento. Várias condições estão ligadas ao autismo e foram incluídas em apenas um diagnóstico. O Transtorno do Espectro Autista (TEA) pode ter graus de dificuldades leve, moderado ou severo e pode vir associado a outras síndromes. Fazem parte do TEA, o autismo propriamente dito, a Síndrome de Asperger, o transtorno desintegrativo da infância e o transtorno generalizado do desenvolvimento não-especificado (PDD-NOS). O direito à inclusão escolar deve ser respeitado, mas nem sempre é fácil encontrar uma escola que ofereça as condições necessárias para o desenvolvimento dos autistas. Silvana dos Santos, mãe de Víctor Hugo, de 10 anos, conta que, até os três anos de idade, o filho se desenvolveu normalmente, falou e andou cedo, interagia com todo mundo, não tinha nenhuma dificuldade, mas, de repente, parou de falar. Tudo o que havia aprendido foi regredindo. Com o passar do tempo foi observando e notou que a interação dele com outras crianças ia se tornando muito difícil. Em festinhas de aniversário ou lugares com muitas pessoas ele não queria mais entrar. “Achei estranho, nunca vi uma criança da idade dele não saber pedir nem água”, conta a mãe. Diante dos acontecimentos, a mãe decidiu levar o menino a especialistas. O diagnóstico inicial foi de que a criança não tinha nada, daí a mãe ficou mais tranquila. Depois de algum tempo, Silvana engravidou pela segunda vez e tudo se tornou mais difícil. O menino passou a rejeitá-la, os estereótipos e a perda da fala eram cada vez mais visíveis. E só depois de passar por cinco médicos e por uma série de exames foi possível receber o diagnóstico final: autismo infantil leve. A demora no diagnóstico se dá porque é feito a partir da observação comportamental da criança e acompanhamento de uma equipe de profissionais especializados, não existe exame específico para o diagnóstico.
Inclusão escolar - Encontrar um estabelecimento de ensino que aceitasse o menino foi outra batalha. Silvana conta que procurou duas escolas municipais e só na terceira tentativa encontrou uma que atendesse às necessidades do filho. Na primeira, disseram ter vaga tanto à tarde quanto pela manhã, mas depois de a mãe revelar que a criança tinha autismo, a conversa mudou: a matrícula não poderia ser realizada, pois a gestora alegou que a escola não tinha as condições especiais para Víctor e, por isso, ele não iria se desenvolver como o esperado. Já na segunda escola, não foi possível fazer a matrícula porque a faixa etária de Víctor era outra. Silvana afirma que já passava por dificuldades antes de procurar vaga no município. Na rede particular de ensino chegou ao ponto de uma atendente dizer “eu faço a matrícula dele, mas a primeira vez que ele bater em alguém não vai dar certo”. A mãe não desistiu e na terceira escola foi possível realizar a matrícula sem nenhum problema ou questionamento. A gestora recebeu a criança com toda atenção possível. “A gestora é muito competente, sabe quando a pessoa entra numa profissão por amor e não apenas pela remuneração? Assim é a dona Maria Vieira”, explica a mãe. Não foi apenas nas escolas que a mãe de Víctor sofreu preconceito. “Uma vez estava na fila de um supermercado e uma senhora chamou a gerente do estabelecimento para me tirar da fila preferencial”. Foi uma situação constrangedora. A mãe se viu obrigada a explicar seu direito de estar na fila preferencial, pois a lei garante. “Infelizmente, a lei de inclusão social diz uma coisa, mas as pessoas, a sociedade dizem outra”, lamenta Silvana. Desconhecimento - O psicopedagogo José Prado Vaz alerta aos pais para ficarem atentos ao comportamento dos filhos até os três anos e meio de vida, período em que o desenvolvimento da criança é muito acentuado. Se o pequeno não olha nos olhos, faz movimentos repeti-
VALÉRIA CRISTINA
Quanto mais cedo se descobrir o autismo, que afeta a comunicação, a sociabilização e o comportamento, mais chances a criança terá de uma vida adulta feliz
tivos, é sensível a sons, a texturas, estes são alguns dos sinais que devem ser observados pelos pais. A assistente social Thayna Chaves orienta que as famílias de autistas procurem seus direitos junto aos órgãos competentes. As pessoas com autismo e seus responsáveis legais podem se beneficiar do que a Assistência Social tem a oferecer no município onde residem. “As informações sobre esses benefícios, programas, serviços e projetos existentes e como acessá-los podem ser obtidos no Centro de Referência e Assistência Social (Cras) ou no Centro de Referência Especializada da Assistência Social (Creas) de cada cidade.” O parágrafo único do artigo 3º da Lei nº 12.764/2012 estabelece ainda que “em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2o, terá direito a acompanhante especializado.” Infelizmente, quando isso não acontece, os pais são obrigados a utilizar a lei de inclusão e impor um direito que já é garantido às pessoas com autismo.
VALÉRIA CRISTINA
Atividade pedagógica auxilia no aprendizado de Víctor, que já sofreu inúmeros preconceitos
Jornal
Ano Ix. Número 35 iMPERATRIZ, DEZEMBRO de 2018
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ENSAIO
THAIS MARINHO
ALHO
LUIDIANNY CARV
MICHELE SOUZA
GIULIANA PIANCÓ
JANAINA CUNHA CAROLINE DUARTE
GABRIEL SEVERINO
ILBERTY DE OLIVEIRA
FERNANDA PILLAR