Jornal Arrocha 38 - Movimentos Sociais

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JULHO DE 2019. ANO X. NÚMERO 38

Arrocha

JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL/JORNALISMO DA UFMA, CAMPUS DE IMPERATRIZ LUCIANA BASTOS

LYANDRO SILVA

SILVANA COSTA

LUCIANA BASTOS

LUCIANA BASTOS

PATRICIA ARAÚJO

MOVIMENTOS

SOCIAIS

LYANDRO SILVA

ANDRÉ LUÍS

FOTO: LYANDRO SILVA ANA KARLA DE SOUSA

ANA LECTÍCIA

FOTO: ANA LETÍCIA


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ANO X. EDIÇÃO 38 IMPERATRIZ, JULHO DE 2019

EDITORIAL

Arte “Sentimento coletivo”

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os adolescentes em perigo de sofrer abuso ou outras formas de violência. Os repórteres partiram a campo em busca das histórias de como os ativistas de todas essas áreas resolveram se compromissar com os seus respectivos movimentos de reivindicação de direitos e combate a formas múltiplas de opressão. Na página de entrevista, o professor e sociólogo Jesus Marmanillo faz uma análise da conjuntura atual de certo “sufocamento” e desestímulo aos movimentos relatados neste jornal. Nesta edição do Arrocha, o leitor irá encontrar histórias de pessoas que abandonaram a postura individualista e resolveram se engajar em prol do bem-estar dos seus semelhantes. Enfrentaram, por isso, muitas vezes, repressão e condenação social. Mas insistem em nutrir esse sentimento que, transcendendo qualquer sentido religioso, é, antes de tudo, “humano, demasiado humano”.

m tempos de tanto individualismo, esta edição do Arrocha quer pensar o que move o ser humano a agir em coletivo, lutar conjuntamente pelos direitos que acredita serem justos. E como se dão essas associações em uma cidade do interior do Nordeste, como Imperatriz? Tudo teve início, como vemos na página ao lado, na participação de Imperatriz como “entrada” para a Guerrilha do Araguaia, seguido da luta aguerrida pela conquista de terras nos anos 1980 e pelo movimento estudantil fortalecido dos anos 1990. As demais páginas permitem ao leitor conhecer como anda o MST na região; a ação de Ongs ambientalistas; os movimentos indígenas; a luta contra o racismo; defesa dos animais; o combate ao preconceito contra a diversidade sexual; a organização das mulheres feministas e o cuidado com as crianças e com

QUIZ LAYANA BARBOSA

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mperatriz é uma cidade que possui vários movimentos sociais, entre eles o feminista, MST, meio ambiente, indígena, negro, LGBTQI+, de proteção animal e de assistência a crianças. Mostre que você conhece as ações dos movimentos, marcando a alternativa que você mais acha adequada para cada quesito. No final, ao somar suas escolhas, saberá em qual perfil de militante você se encaixa.

Você sabia?

KELLY COSTA

CRIANÇA A - Apenas medidas básicas da Justiça são suficientes para resolver questões de violência contra crianças e adolescentes.

FEMINISMO A – A discussão sobre as questões de gênero deve ocorrer somente em locais selecionados.

MEIO AMBIENTE A – A causa da Justiça nos Trilhos é um movimento que precisa de bastante luta, mas há os seus riscos.

MST A - Muitas vezes se interessa pela causa, mas só para observar as ações do movimento.

B – O auxílio de instituições para crianças e jovens que passam por situações de extrema pobreza e violências traz um ganho positivo na formação de futuros adultos.

B – A luta por direitos que permitem às mulheres viverem plenamente em todos os lugares deve ser cotidiana e em todos os espaços possíveis.

B - No movimento, há pessoas que lutam não só pelo meio ambiente, mas também por comunidades que foram atingidas pelos desastres naturais e industriais.

B - A participação de professores que são formados dentro de assentamentos é importante porque garante políticas para ter escolas públicas nesses locais.

ANIMAIS A – Gosta de animais, mas não se tornaria um protetor ativo deles.

NEGROS A – O movimento negro diz respeito apenas a quem faz parte da população negra.

LGBTQI+ A – A luta do movimento serve apenas para anunciar sua orientação sexual.

INDÍGENA A – A luta do movimento indígena é apenas a busca por terra.

B - Dedicação e amor para proteger todos e quaisquer animais que precisem.

B - O Centro de Cultura Negra Negro Cosme tem sua importância para a cidade, por aproximar o seu público e adeptos da causa para aprofundar suas discussões.

B – A discriminação e a violência partem de um mal da sociedade, que exclui socialmente os LGBTQ+ de expressarem a sua identidade de gênero e orientação sexual de forma livre.

B – O movimento luta para manter sua identidade cultural, suas terras e pela preservação dos costumes.

A ONG Mãos que Cuidam atua em Imperatriz e disponibiliza assistência a 238 crianças e adolescentes do município. Em Imperatriz, existem grupos que têm o feminismo como a principal pauta. Entre eles MariELLas e AFIM. A cidade conta com quatro grupos de apoio aos animais: Gpai, Sarai, Gsat e Adote um Melhor Amigo.

RESULTADO

MAIORIA A Você é um militante de poucas causas. Mais chegado a uma militância individual. Quando é para defender o que acredita, vai com tudo e dedica pequenas partes do seu dia para lutar. Mas ainda tem muito o que aprender sobre os outros movimentos da sua cidade.

Expediente

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MAIORIA B Parabéns, você é um militante nota 10. Não só é conhecedor dos movimentos, como também os apoia. Defender apenas uma causa está fora de cogitação. Não se satisfaz com o chamado ‘‘fazendo minha parte’’, e vai à luta acompanhado de pessoas que também estão dispostas para formar laços de solidariedade e conquistas.

Publicação laboratorial interdiciplinar do Curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). As informações aqui contidas não representam a opinião da Universidade.

Jornal Arrocha. Ano X. Número 38. Julho de 2019 Reitora - Prof. Dra. Nair Portela | Diretor do Campus de Imperatriz - Prof. Dr. Daniel Duarte | Coordenador do Curso de Jornalismo - Prof. MSc. Carlos Alberto Claudino.

Professores: Dr, Alexandre Maciel (Jornalismo Impresso); Dr. Marcus Túlio Lavarda (Fotojornalismo), Dr. Marco Antônio Gehlen (Programação Visual) e Dr Marcos Fábio Belo Matos (Revisão)

Acessível em: imperatriznoticias.ufma.br

Alunos de Linguagem e Programação Visual

Alunos de Jornalismo Impresso e Fotojornalismo Amanda Nascimento, Ana Catharina Valle, Ana Karla de Sousa, Ana Lectícia, André Luís, André Zimbawer, Angela Lima Freitas, Layana Barbosa, Luana Carvalho, Lucas Carlixto, Luciana Bastos, Lyandro Júnior, Patricia Silva Araújo e Silvana Bezerra Costa.

Estagiário: Ilberty de Oliveira

Brenda Delmira, Carla Pereira, Francisca Nathalie, Jéssica Sousa, Mariana Albuquerque, Naum Santos, Rayssa de Sousa, Regivany Neves, Thays Gabrielle e Walison Pereira.

Capa: Ilberty de Oliveira


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MEMÓRIAS Movimento social campesino pela luta da terra resultou na conquista de 30 assentamentos, mas impulsionou os mecanismos de repressão que acabaram gerando um ambiente de muita violência

Movimentos sociais de luta e resistência

Futuro - A demanda de necessidade de conquistar novas áreas continua presente, mas o instrumento legal para isso está deficiente e há também uma mudança no perfil de algumas pessoas que lutam pela terra, tornando o cenário desanimador, na análise de Manoel da Conceição Filho. “E as próprias possibilidades legais para amparar a luta pela reforma agrária mudaram consideravelmente. Isso desanima muito, pois sem o respaldo legal, a repressão tem muita margem para se colocar contra os movimentos”, analisa o professor.

O primeiro assentamento a ser conquistado na região Tocantina foi a Vila Conceição. Os principais líderes do movimento na época, Manoel da Conceição e Luís Vila Nova, utilizavam de duas frentes, segundo esclarece o professor Manoel Filho.

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“A demanda da necessidade de conquistar novas áreas continua presente”

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“Eles tinham esse papel de liderar o processo de formação política, fortalecer a organização desses diversos grupos, até com organização regional, para poder suportar e sustentar e garantir essa luta nessas duas frentes: conquista pelo sindicato e conquista das terras”. Outros nomes de ativistas lembrados foram os de Valdinar Barros e Maria Querubina.

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história nos mostra que a questão da terra na região de Imperatriz e no Maranhão, por volta da década de 1980, foi uma luta muito grande”, analisa a professora do curso de História da Uemasul, Margarida Chaves. “Famílias de lavradores tinham roças arrancadas, casas queimadas e muitas vezes o chefe da família era morto. Eram grileiros, pistoleiros e latifundiários que se achavam no direito de ceifar vidas, como aconteceu com João Palmeira, Padre Josimo e tantos outros que morreram defendendo essa causa”, lamenta. Para Manoel da Conceição Filho, professor do curso de Ciências Sociais da UFMA e filho do líder camponês Manoel da Conceição, um dos principais líderes dos movimentos de conquistas da terra no Maranhão, os trabalhadores rurais “tinham uma capacidade muito grande de resistir e enfrentar, o que nesse período resul-

tou numa conquista de mais de 30 assentamentos”. Por outro lado, segundo Manoel, a reação dos proprietários de terra “foi muito forte, porque eles contavam com o aparato do poder público, respaldo do poder judiciário nas comarcas, poder econômico e a repressão policial. Eram muitos mecanismos simultâneos de repressão”.

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AMANDA NASCIMENTO

Professor Manoel da Conceição fala do conflito entre os trabalhadores rurais e os proprietários de terra

AMANDA NASCIMENTO

Imperatriz foi “entrada” para Guerrilha do Araguaia AMANDA NASCIMENTO

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urante a ditadura militar no Brasil (1964-1985), apesar do medo, houve quem enchesse seus pulmões de coragem e expirasse força para lutar contra a opressão. Porém, o ativismo, que ergueu milhares de brasileiros para ir à luta, não chegou com potência em Imperatriz. Por se tratar, na época, de uma cidade pequena e com histórico de coronelismo, o controle da repressão era severo. Ainda assim, o município serviu de ponto de apoio logístico para a Guerrilha do Araguaia. De acordo com o jornalista Domingos César, a história dos movimentos de contestação em Imperatriz pode ser dividida em dois momentos. Ele explica que, no início da ditadura militar, a população imperatrizense se articulava pouco. “Tinha apenas o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, dos Oleiros e a União Artística Operária e Agrícola”. A Guerrilha do Araguaia, segundo Domingos Cesar,

marcou um segundo momento, já que Imperatriz era o polo que recebia todos os guerrilheiros, muitos vindos do Sudeste. “Não havia estradas. A estrada era o próprio Rio Tocantins. Pois é daqui que se pegava um barco, descia o rio até o Araguaia, onde tinham três bases. E na época, existia um vereador, Carlos Lima, que era um cara ligado a essa questão e acolhia os guerrilheiros, como Osvaldão, Dina e tantos outros”, detalha o jornalista. A Guerrilha do Araguaia, movimento de enfrentamento ao governo militar ocorrido na região, chegou ao fim em meados da década de 1970, com o assassinato de vários jovens guerrilheiros. Hoje secretário da Ouvidoria da prefeitura de Imperatriz e ex-vereador anistiado, Carlos Lima confirma ter recebido em torno de 80 guerrilheiros em sua casa. “E esses 80 formaram mais outros 80”. Carlos Lima lembra que “foram três anos de guerrilha pesada e mais uns de articulação e preparo”. Os

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Ex-anistiado político, agora secretário da Ouvidoria da prefeitura de Imperatriz, Carlos Lima relembra momentos da Guerrilha do Araguaia

guerrilheiros vindos de campos de formação do Sul, Moçambique, Cuba e outros lugares buscavam cooptar e influenciar os camponeses da região para a guerrilha. No entanto, a estratégia foi duramente reprimida. “Mas foi um sonho impossível, deu muito trabalho. O número de homens das forças regulares era quase 30 vezes maior. Quase todos os guerrilheiros morreram, cerca de 90%. Se fosse em um país de território menor, talvez teria dado certo”, lamenta Carlos Lima.

Che Guevara teria convocado uma reunião no quarto da pensão, ocasião em que se posicionou de forma contrária à Guerrilha do Araguaia. “Nessa reunião, mais ouviu do que falou, sempre balançando a cabeça em sentido de negação. Justificou a questão continental, territorial. Mas o pessoal alegou que não tinha como recuar, pois já estavam bem avançados e muito entusiasmados”, relata Lima. Che teria ficado apenas uma noite e, no dia seguinte, prosseguido viagem.

Ações estudantis marcaram década de 1990 AMANDA NASCIMENTO

Carlos Hermes e Josias Morais (ambos de preto), em 1999, unidos a cem mil pessoas em Brasília

Che Guevara - Domingos e Carlos Lima relatam a passagem de Che Guevara em Imperatriz e região, baseada em seus testemunhos, mas que desperta dúvida entre os historiadores locais por falta de provas documentais. “Chegou aqui muito cansado, junto de dois companheiros. Passou para sentir de perto a guerrilha. Estive com ele na pensão da Dolores, na Rua XV de novembro. Estava doente, cachingando e muito apático”, garante Carlos Lima.

O movimento estudantil em Imperatriz existiu no período militar sem o viés revolucionário e progressista. Cresceu de intensidade na década de 1990, a partir da fundação da União Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES) e a organização regional do Diretório Central dos Estudantes (DCE). “Na fundação da UMES se destacam estudantes do IFMA, da rede estadual e o DCE, com destaque a Josias Morais, referência ao longo da história do movimento estudantil de Impera-

triz”, relata o professor e vereador Carlos Hermes, que esteve à frente destas atividades por 10 anos na cidade. As ações políticas do campo acadêmico e secundarista dialogavam e faziam do estudante um protagonista em processos que estavam além das questões específicas ao ensino. Como presidente da UMES, Carlos Hermes cobrou a execução da Lei Municipal 794/96, que estabelece a meia entrada. “Fazíamos movimentações em frente às casas de eventos (Flyback, Broadway, Parque de Exposições). Íamos com a farda da UMES e a lei em uma

mão e o telefone do promotor na outra”, lembra. De acordo com Carlos Hermes, a UMES atuava na rearticulação dos grêmios, formação de liderança, realização de seminários, palestras e debates com a juventude. Os militantes estudantis também não deixavam de participar dos grandes debates da cidade, como “a exemplo, a luta por trazer a CPI do Crime Organizado a Imperatriz, apoio à categoria dos professores e a ampliação de autonomia da UEMA, gerando a Uemasul”, relata Carlos Hermes.


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LUTA PELA TERRA Elas exercem papel fundamental na manutenção do MST em Imperatriz, carregando sempre mais que a luta da terra. Defendem também os direitos femininos, quebrando os paradigmas do machismo

Mulher no MST: engajamento e militância LYANDRO JÚNIOR LYANDRO JÚNIOR

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presença do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) em Imperatriz e região teve início na década de 1980, com a formação do assentamento Itacira, mais tarde denominado Vila Conceição. Este foi o marco inicial das atividades do movimento na Região Tocantina, que atualmente conta com mais de 40 áreas de assentamentos. Todas envolvem muitos conflitos, como o ocorrido no ano de 2018, com a comunidade Cipó Cortado, que sofreu com uma ordem de despejo. A reação resultou na ocupação da sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em Imperatriz, que durou três dias. Para a professora e uma das coordenadoras estaduais do MST na região, Divina Lopes, 42 anos, o Poder Judiciário "tem toda uma lógica de beneficiar os donos dos grandes latifúndios". Ela lamenta a situação comum e muito antiga na região, de grilagem de terra. "Essa é uma região de terras públicas, então temos enfrentado muito esta questão. E tem muitas áreas em que são decretadas as ações de despejo pelo juiz local e outras por fazendeiros com força particular, despejando as famílias", denuncia. Divina Lopes relata, ainda, que ocorreram várias situações de pistolagem na década de 1990

Rosimar Xavier, agricultora de 48 anos, criou seis filhos graças ao cultivo da terra. Plantando e colhendo, garante o sustento dos filhos e do marido

na região, sempre vitimizando os trabalhadores rurais. Mulheres - Assim como a professora, muitas outras mulheres se engajaram nesta causa. Os motivos variam de uma para outra. Algumas são filhas de assentados, outras fazem parte de famílias que

"Eu via as mulheres na frente. Isso foi uma das coisas que mais me marcaram na minha militância" buscam voltar às suas origens no campo, após enfrentar frustração

nas grandes e médias cidades com a falta de oportunidades. Em muitos casos, se interessaram pela causa apenas por presenciar alguma ação do movimento. Foi o que ocorreu com a coordenadora estadual Gilvânia Ferreira, mais conhecida como Vânia, que iniciou a sua

Movimento de mais de três décadas acumula conquistas na agricultura LYANDRO JÚNIOR

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produção no campo é a maior fonte de renda dos membros do MST. O plantio do arroz orgânico é parte fundamental no destaque da agricultura. Foram 27 mil toneladas do alimento produzido no Brasil na safra de 2017, sendo que 30% são exportados para países como Estados Unidos, Alemanha, Espanha, Nova Zelândia, Noruega, México e Chile.

Além desse, outros produtos são cultivados pelo movimento, como café, milho, bem como licores e óleos. E na região também existe a produção de mel e hortaliças, responsabilidade do assentamento Califórnia, distante 55 quilômetros de Imperatriz e pertencente ao município de Açailândia. O MST, por ser um movimento de caráter social, não conta com a ferramenta de arrecadação dos sindicatos, e a sua organização LYANDRO JÚNIOR

Produtos da agricultura familiar vendidos na sede estadual do MST, em Imperatriz

militância a partir da tomada de consciência acerca do que ocorria ao seu redor. Gilvânia conta que morava em uma comunidade camponesa que enfrentava uma situação gritante na questão da desigualdade. "Meu engajamento tem muito a ver com isso: de olhar a realidade e não concordar com a desigualdade, com a situação que se tinha bem posta. A relação de quem tinha muito e de quem não tinha nada", avalia. A partir desta tomada de consciência, Gilvania Ferreira presenciou greves como a dos canavieiros. "Eu via as mulheres na frente. Isso foi uma das coisas que mais me marcaram na minha militância. E isso foi que me levou a me engajar na igreja e nas lutas sociais”, relata a professora. No MST, as mulheres não são meras coadjuvantes, ocupam o protagonismo de forma muito forte. Assim como o caso da agricultora Rosimar Xavier, 48 anos, que garante o sustento dos seis filhos por meio da agricultura. Rose, como é chamada, trabalhava no cultivo da terra junto do seu marido. Agora, ela não conta mais com a parceria dele, que sofre com problemas de saúde e não trabalha mais no campo. Atualmente, Rose desempenha todas as atividades sozinha, no assentamento Califórnia, a 55 quilômetros de Imperatriz.

LYANDRO JÚNIOR

(viagens, mobilizações, discussões) é garantida pela solidariedade nacional e internacional de amigos, instituições e pela própria organização dos assentamentos. Missões - Fundado em 1984, o MST visa, a partir da Reforma Agrária, à redistribuição de terras entre camponeses e pequenos agricultores. Busca utilizar como instrumento jurídico a desapropriação, por parte do Estado, das grandes concentrações de latifúndios que estão nas mãos de um único latifundiário (dono), com base na lei Nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Conhecido em todo o país, o MST e seus integrantes sofrem com inúmeros tipos de preconceitos, até mesmo como são retratados nas mídias tradicionais. Violência, invasões e desrespeito costumam ser as faces externadas por estas mídias, que se utilizam de alguns episódios para caracterizar todo um movimento, que vive da agricultura familiar e milita a favor de causas como a dos direitos das mulheres, dos negros e até mesmo da agroecologia. Os integrantes pautam a sua trajetória no MST assim como na bandeira do movimento, que traz um trabalhador e uma trabalhadora lado a lado.

Escola Municipal Antônio Assis tem seu nome em homenagem a um mártir do assentamento Califórnia

Estudo e luta: a educação rompe cercas LYANDRO JÚNIOR

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riado em 16 de abril de 1998, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) é de suma importância para o desenvolvimento da educação. O principal objetivo é apoiar desde os cursos de alfabetização até os de pós-graduação. A coordenadora estadual Gilvânia Ferreira da Silva, que recebeu o título de Cidadã Imperatrizense pela sua luta em prol do MST e com um foco muito grande na educação, deseja que o campo cada vez mais seja um lugar de produção de conhecimento "e bom de se viver de sociabilidade e da cultura". Ela explica que o Pronera é fruto da luta dos movimentos sociais e oferece vários cursos, como os de Pedagogia, História, Geografia, Engenharia Agrônoma, Direito, Veterinária e Letras. Este último também é destinado à formação de professores. "Nós estamos preocupados com a questão das nossas escolas nos assentamentos. Elas são vinculadas ao município, nós temos que ter

professores formados dentro das comunidades que conhecem a realidade do movimento”, defende a professora Gilvânia. Os membros garantem que o MST luta por escolas públicas. A ideia é que esses estabelecimentos de ensino contem com professores que conheçam a realidade do campo. “Todas as nossas escolas são pensadas de maneira diferente. Desde a escolha do nome, que visa sempre homenagear um mártir ou alguma pessoa que contribuiu para a causa do movimento”, relata a também professora e coordenadora estadual, Divina Lopes. Como exemplo desta prática de nomeação das escolas, o estabelecimento de ensino Roseli Nunes homenageia a militante Roseli Celeste Nunes da Silva. Ela foi uma lutadora pela reforma e defensora dos direitos das mulheres. A escola, que está localizada no Assentamento Cipó Cortado, na cidade de João Lisboa, foi premiada em primeiro lugar em três categorias de um concurso promovido pelo Ministério Público.


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MEIO AMBIENTE Justiça nos Trilhos é uma rede de movimentos em luta contra os desastres socioambientais que a empresa Vale é acusada de causar nas comunidades com seu territórios cortados pelo trilho do trem

Justiça nos trilhos da estrada Carajás ANA CATHARINA VALLE ANA CATHARINA VALLE

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Rede Justiça nos Trilhos é uma articulação de organizações não governamentais, movimentos sociais e pastorais, sindicatos e grupos de pesquisas universitárias que atuam na defesa dos direitos socioambientais, trabalhando assim desde a educação de base até a área jurídica. Foi criada em 2007, com o intuito de mitigar e prevenir as violações causadas pelo setor de mineração e siderurgia no programa Grande Carajás, que engloba a usina hidrelétrica de Tucuruí, o porto da Ponta Madeira, localizado no porto do Itaqui, em São Luís e a estrada de Ferro Carajás. A entidade tem o trabalho focado nas comunidades que tiveram seu território cortado pela estrada de ferro Carajás, que tem 900 quilômetros de extensão e corta do sudeste do Pará até o sudoeste do Maranhão, passando por três estados (Pará, Tocantins e Maranhão), banhados pelos rios Xingu, Tocantins e Araguaia. Origem - A Rede Justiça nos Trilhos surgiu a partir de 2007 por uma campanha feita pelos missionários combonianos. Trata-se de uma congregação italiana da Igreja Católica, muito voltada para as questões sociais. Foi criada porque se percebia que havia muitas violações causadas pelo setor de mineração e siderurgia, uma das estruturas do projeto Grande Carajás. Os missionários combonianos

Trilho de trem da estrada Carajás, que corta Açailândia e João Lisboa, projeto que engloba o programa Grande Carajás: fiscalização é necessária

se uniram a outros movimentos, pois perceberam que já existiam entidades que atuavam nos territórios (como o MST- Movimento Sem Terra, os movimentos indígenas e as próprias associações dos moradores de Piquiá de Baixo, Alto Alegre e outras comunidades). Eles perceberam, então, que atuar juntos seria melhor do que lutar separados. Atuação - A Rede Justiça nos Trilhos atua em dois polos: um em Açailândia, que engloba esta cidade, Buriti-

cupu e Alto Alegre. E outro em São Luís, abrangendo Santa Inês, Santa Rita e Bacabeira. Segundo a assessora de comunicação da Rede Justiça nos Trilhos, Idayane Ferreira, a ferrovia corta 23 municípios. “Então, a gente se dividiu de maneira que o polo de Açailândia pudesse agregar uma quantidade de municípios até Alto Alegre. E o pessoal de São Luís agregaria de Alto Alegre para cima. A gente não atua em todos os municípios porque não é uma equipe muito grande e o nosso trabalho é mais localizado”.

A equipe da Rede Justiça nos Trilhos se divide em quatro áreas: Educação Popular, Jurídico, Comunicação e de Alternativas Econômicas. A área de Educação Popular conta com três pessoas e trabalha com formações e trabalho de base, que é basicamente articular essa população para que eles entendam quais são os seus direitos e assim eles mesmos possam cobrá-los. A área jurídica conta com quatro pessoas e organiza ações no campo do Direito, pois nas comunidades que têm seu território atravessado

pela estrada de ferro, ocorrem muitos acidentes, como atropelamento, abalroamento e colisão, por falta de passagens e sinalizações seguras na linha do trem. Também é comum a criminalização de lideranças, sejam líderes indígenas ou das associações de moradores. A área de comunicação conta com duas pessoas e tem o intuito de dar voz a essa população e mostrar os impactos que a estrada causa, não só no seu cotidiano, mas também no meio ambiente. Ainda de acordo com Idayane Ferreira, que faz parte dessa equipe, o processo de comunicação vai além de informar. Ele também ensina a comunidade a se fazer ouvida. “A gente se preocupa muito em que essas vozes sejam ouvidas e os impactos sejam mostrados e que não ouçam só o lado da empresa. Além disso, a gente também faz na equipe de comunicação um trabalho de formação com pessoas da comunidade para que elas também consigam fazer essa divulgação, possam registrar os impactos sofridos”. A área de Alternativas Econômicas, carinhosamente chamada de “euquipe” pelos membros da Rede Justiça nos Trilhos, por ser formada por apenas uma pessoa, visa a encontrar outros projetos que substituam a mineração e a siderurgia. “Se a gente está dizendo que a mineração não é a melhor opção, então que outras alternativas a gente pode indicar para substituí-la?”, argumenta uma das lideranças da Justiça dos Trilhos, que preferiu não se identificar.

Descaso com a segurança na malha causa, em média, um acidente por mês ANA CATHARINA VALLE

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ntre novembro de 2004 e maio de 2016, foram registrados 124 acidentes no trajeto maranhense da estrada de ferro Carajás, que resultaram em 26 mortes e 70 pessoas feridas, isso sem contabilizar os descarrilamentos dos trens. A maioria desses acidentes foram atropelamentos, 73 ao todo, causando 39 mortes de 2010 até 2017 (no trajeto Pará-Maranhão). A falta de sinalização, estruturas e proteções adequadas, a precariedade e ausência de cuidado com os que já existem gera, em média, um acidente por mês. “Tem lugares que não existe nenhum tipo de travessia e aí a pessoa tem que passar em cima da ferrovia para fazer as coisas do dia a dia. Às vezes, passar por debaixo do trem, porque ele costuma ficar estacionado em algumas comunidades. Então às vezes ele fica horas, dias. Imagina o seguinte: que é um trem com mais de 3 quilômetros de extensão e aí esse trem acaba modificando a dinâmica das pessoas”, detalha a assesso-

ra de comunicação da Rede Justiça nos Trilhos, Idayane Ferreira. Os tipos de acidentes mais comuns são o abalroamento, batida lateral de um veiculo em movimento em um cruzamento; a colisão, batida em outro veículo em movimento na mesma direção ou em direção contrária, que geralmente ocorre quando um trem bate em outro e o atropelamento, quando o veículo colide com a pessoa ou, como ocorre às vezes com os trens, passa por cima. Ações jurídicas - Além dos trabalhos de base no sentido de informar e capacitar os moradores das comunidades a lutarem pelos seus próprios direitos e fazerem suas vozes serem ouvidas, a Rede Justiça nos Trilhos também já entrou com medidas judiciais, expondo os problemas nas vias de acesso disponíveis para população e a falta de segurança na estrada de ferro Carajás. Essa denúncia, protocolada em 2010 e enviada ao Ministério Público Federal, visava a cobrar uma investigação mais aprofun-

dada sobre o problema e buscar resultados. Essas denúncias posteriormente resultaram em uma ação civil pública, buscando melhoria na fiscalização da Agencia Nacional de Transporte (ANTT) e a execução de medidas de segurança por parte da empresa Vale e da ANTT. A ação judicial em questão busca a implementação de medidas protetivas que proíbam que a empresa bloqueie com seus trens os caminhos usados pelas comunidades. Assim, a intenção é cobrar a fiscalização efetiva da ANTT na ferrovia com vistoria em todas as localidades por onde o trilho do trem passa e indicações de quais medidas serão necessárias para efetuar a travessia segura em todos os municípios. Atualmente, há 725 pontos na ferrovia onde existem passagens usuais de pessoas, mas apenas 156 delas seguras, sendo 109 passagens de nível, onde o cruzamento entre a linha férrea e a estrada estão no mesmo plano. Deste total, 47 são passagens superiores, nas quais esta é superior à ferro-

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Aviso de segurança desgastado em um dos poucos pontos em que ainda há sinalização via, como passarelas e viadutos. Houve uma liminar da justiça em 2016 que determinou que a ANTT realizasse vistorias em todas as localidades da estrada de ferro Carajás, no Maranhão. A vistoria foi feita apenas entre os trechos de São Pedro da Água Branca e São Luís. Limitando-se à analise das passagens de nível, a vistoria com-

provou a precariedade de várias travessias. A liminar segue em andamento e, caso seja julgada procedente, a Vale S.A será obrigada a implementar uma série de viadutos, passarelas e outras passagens adequadas sobre a ferrovia, de forma a resolver completamente todos os problemas de segurança encontrados.


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INDÍGENAS Posse de território é a maior reivindicação do movimento indígena brasileiro. O objetivo da demarcação é garantir materialmente suas áreas como forma de luta pela originalidade do seu modo de vida

“Não é apenas pela terra, e sim por direitos” ANA KARLA DE SOUSA

Representantes do povo indígena Guajajara da terra de Araribóia, após reunião com o diretor da Funai na sede de Imperatriz, onde trataram de assuntos como os problemas nas aldeias e a demarcação dos territórios indígenas do Maranhão

ANA KARLA DE SOUSA

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onda que nos move é a onda da luta por nossos direitos. Não aceitamos retrocesso, por isso lutamos”, declara a militante e coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Sônia Guajajara. “O movimento indígena me representa, é a voz do meu povo. É a ferramenta que usamos para reivindicarmos nossos direitos. Direitos da nossa terra, direitos do nosso povo”, afirma o militante indígena Kwarahy Guajajara (nome social Antônio Francisco Silva de Sousa), da aldeia Tabocal do Rio Pindaré, que trabalha estimulando a comunicação dos índios entre as aldeias. O movimento social indígena tem como principal objetivo de seu envolvimento político a conservação e delimitação de suas áreas originais, ou seja, sua aldeia, seu território, sua terra. Dentro do conceito “terra”, estão

inseridas reivindicações por educação, saúde diferenciada, respeito e reconhecimento à cultura. Além dos projetos socioeconômicos destinados aos diversos povos, áreas de preservação e fiscalização ao cumprimento de leis e demarcações. “É a partir da nossa luta por território que garantimos o nosso modo de vida”, explica Sônia Guajajara. O Censo Demográfico de 2010 contabilizou a população indígena com base nas pessoas que se declararam no quesito cor ou raça, e para os residentes em terras indígenas que não se declararam, mas se consideraram desta forma. De acordo com esse documento do IBGE, o Maranhão tinha 38.831 índios de diversas etnias, sendo que 76,3% moravam em terras indígenas. Entretanto, 9.210 estavam fora desses territórios, vivendo em cidades ou áreas não demarcadas. Na região, os indígenas são classificados em dois troncos linguísticos: Tupi-Guarani e Macro-jê. Tenetehara (Guajajara e

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Sônia Guajajara: “não aceitamos retrocesso”

Tembé), Awá-guajá, Urubu-Kaapor são povos de língua Tupi. Enquanto que os Canela Apaniekrá e Ramkokamekrá, Pukobyê (Gavião), Krikati e Timbira Krepu’Kateyé são falantes da língua Jê. No Brasil, o Censo 2010 revelou que, das 896 mil pessoas que se declaravam ou se consideravam indígenas, 572 mil, ou 63,8%, viviam na área rural e 517 mil, ou 57,5%, moravam em terras indígenas oficialmente reconhecidas. Atualmente, há no Brasil 305 povos indígenas diferentes, que falam 274 línguas. O chefe da Divisão Técnica da Fundação Nacional do Índio (Funai) de Imperatriz-MA, Francisco Martins, acredita que a defesa da causa indígena avançou. “Não que antes eles não tenham lutado, mas hoje a visibilidade da luta indígena é maior”. O movimento indígena no Brasil abrange muito mais do que apenas o território físico. Uma de suas grandes exigências é a possibilidade de manter sua cultura, seu modo de vida, sem a interferência de outros. “A gente não quer ajuda, a gente quer o que é nosso por direito”, defende a pernambucana, mãe solo, LGBTQ+, técnica em enfermagem de 25 anos que milita pela saúde e terras indígenas, Bia Pankararu. Extinção cultural - Kwarahy Guajajara acredita que existem muitos tipos de movimentos indígenas. “E o único que me sinto representado é o movimento que a Sônia Guajajara, que hoje é considerada a voz dos indígenas brasileiros, defende. Um movimento que luta pela originalidade da cultura indígena”. Ele faz questão de diferenciar esta tendência de outra que surgiu recentemente, no período das eleições de 2018, de alguns indígenas Guajajara apoiando a candidatura do atual presidente, Jair Bolsonaro. “Hoje ele é considerado um fator de risco para a extinção da verdadeira cultura indígena. Tanto para as nossas

terras, quanto para a nossa maneira de viver, crenças e costumes”, explica. Sobre o governo do atual presidente Jair Bolsonaro, Sônia Guajajara esclarece: “O governo tem iludido os indígenas, seduzindo-os com falsas ideias e promessas para conseguir apoio para o seu governo, provocando conflitos entres os povos”. Sônia Guajajara acredita que a causa indígena é humanitária. “Lutamos não apenas pela originalidade do nosso modo de vida e por nossas terras, mas também pela preservação da natureza, pela vida no planeta”.

“A única arma que nós, indígenas, devemos usar em nossa luta, é a nossa voz. Ela faz muito mais barulho do que o tiro de uma arma”

Voz feminina - Atualmente no Brasil, quando se fala em representação na política, a imagem da mulher indígena na luta por seus direitos tem estado presente no perfil da militante Sônia Bone de Souza Silva Santos, nome civil de Sônia Bone Guajajara. Sobre o movimento indígena ter como principal representação uma mulher, Sônia Guajajara afirma: “Mais mulheres precisam ter voz também. Temos muitas lideranças, muitas mulheres atuantes que estão aí na luta em igual. A diferença é que sempre uma é mais ouvida do que outra. Temos que dar oportunidades para que essas outras vozes venham a ser ouvidas”. Aos 45 anos, ela é uma das mais expressivas líderes do movimento indígena. Sendo assim, com apenas 1,52 de altura, é considerada a maior representante ativista militante dos indígenas brasileiros.

“Sônia é fruto do movimento indígena no Maranhão, e hoje se tornou a voz dos indígenas brasileiros”, explica Francisco Martins. Devido à falta de representatividade feminina e indígena no governo brasileiro, nas eleições presidenciais de 2018, Sônia candidatou-se como vice-presidenta na chapa de Guilherme Boulos pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Sônia Guajajara, em entrevista ao Site Socioambiental, em 2016, afirmou: “A gente enfrenta o preconceito duas vezes, por ser indígena e por ser mulher”. Para a militante e atual coordenadora da Organização e Articulação dos Povos Indígenas do Maranhão, Marcileni Liana Guajajara, a voz feminina dentro do movimento indígena é de grande importância, pois “isso mostra que nós, mulheres, somos capazes, sim, de estar à frente das organizações, da luta pelos nossos direitos”. Indígenas e a Lei - Após a Constituinte de 1988, processo no qual os índios fizeram-se presentes, passaram a ser assegurados os direitos à sua própria cultura, processual e às terras tradicionalmente ocupadas, impondo à União o dever de zelar pelo seu cumprimento: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá -las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, segundo consta no artigo 231 da Constituição Federal. Em 1973, foi promulgada a Lei 6.001, que ficou conhecida como “Estatuto do Índio”. Na época de sua formulação, a cultura indígena era vista como “transitória” e o índio como “relativamente incapaz”. “A partir da Constituição de 1988, os índios eram representados apenas pela Funai. Ao longo dos anos, eles passaram a ser representados por suas próprias vozes”, conforme explica Francisco Martins.


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MOVIMENTO NEGRO Glorificando o maior herói da insurreição negra, Imperatriz possui Centro de Cultura que homenageia Negro Cosme desde 2002

Negro Cosme compõe cultura imperatrizense ANDRÉ ZIMBAWER

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Maranhão conta, hoje, com mais de 700 comunidades quilombolas. Segundo o IBGE, 74% da população maranhense é negra. Em Imperatriz, no começo dos anos 1990, professores negros que chegaram à cidade para trabalhar na rede pública de ensino resolveram, por falta de um órgão que reunisse e discutisse o valor das pessoas negras, fundar, no dia 27 de março de 2002, na Academia Imperatrizense de Letras, o Centro de Cultura Negra Negro Cosme, principal entidade representativa da região. A pedagoga Izaura Silva, que é presidente do Centro, lembra que “a década de 1980 foi marcada pela discussão e organização dos movimentos sociais, inclusive do movimento negro”. Assim, eles engajaram-se nos diversos agrupamentos sociais, como clube de mães, sindicatos, movimentos de trabalhadores sem-terra e associações de moradores, motivados para debater questões gerais de organização da sociedade. “Embora sofressem discriminações, exclusão, racismo, fatos que acompanharam a vida dos negros, não se tem notícia de atividades de arregimentação desse grupo étnico para discutir problemas referentes à sua categoria

racial”, acredita Izaura Silva. A partir do mesmo ano, o CCNNC passou a organizar anualmente a Semana Municipal de Consciência Negra. O objetivo principal da instituição é levar as discussões sobre raça, gênero e empoderamento para as comunidades. Assim, o Centro utiliza desse evento para poder visitar as escolas e produzir seminários, palestras, oficinas, peças, além de mostra de trabalhos e formas mais didáticas de abordar a rica cultura negra.

“Resolvemos, por falta de um órgão que reunisse e discutisse o valor das pessoas negras, criar o CCNNC”

Identidade - A instituição decidiu homenagear Cosme Bento das Chagas, um dos maiores heróis da revolta da Balaiada no estado do Maranhão, movimento rebelde que surgiu nos anos de 1838 a 1841. Negro Cosme, como era chamado e é conhecido até hoje, foi líder da inssurreição negra. A Balaiada foi uma das maiores rebeliões populares na história do

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evido às inúmeras conquistas, no decorrer dos anos e sempre se mostrando presente na sociedade, o Centro de Cultura Negra Negro Cosme pensou uma forma de se aproximar ainda mais do seu público, fixando as suas discussões principais. A ideia resultou na criação da Companhia Afro de Teatro Reivent’art. O grupo atua junto aos jovens estudantes da rede estadual, produzindo peças e atos, sendo a única companhia de teatro afro do Sul do Maranhão. Com essas ações, inúmeros jovens começam a tomar interesse pela arte e cultura de forma simultânea. A estudante e participante da companhia de teatro, Calyne Bianca Silva, conta que conheceu o movimento negro por meio do grupo. “Uma colega me chamou para fazer uma apresentação e eu aceitei. Apresentei, participei dos festivais e acabei ficando na companhia. A melhor coisa do teatro é perder a timidez, falar diante de várias pessoas”. A Cia de teatro foi criada pelo professor Domingos de Almeida no dia 6 de setembro de 2013, na escola Urbano Rocha, em parceria com o CCNNC. O presidente da Cia, Emerson Gabriel Rodrigues, relata como ingressou

no teatro: “Quando eu entrei no ensino médio, estavam fazendo as seletivas para entrar no teatro da escola. Eu sempre quis fazer parte de algum projeto, fiz a inscrição, e entrei na Cia. No primeiro ano, estávamos ensaiando para participar do Festiafro, aqui mesmo em Imperatriz”. Logo na estreia, os espetáculos “Racismo Mata”, que é a história de um governador racista e “O Sonho de Xica do Cerrado”, uma releitura da história da personagem Xica da Silva para a realidade nordestina, foram premiados, respectivamente, em 2º e 3º lugar. “Nunca na minha vida tinha entrado em um teatro, e quando entrei já foi para interpretar e ganhar alguma coisa, foi um dia marcante na minha vida”, lembra Emerson Rodrigues. No segundo ano de companhia, o professor e presidente Domingos precisou se afastar por conta de seu mestrado. “Ficou em nossas mãos. Com muita luta, conseguimos montar uma boa peça e fomos campeões do Festiafro”. No terceiro ano, a Cia se apresentou para toda a região no Festival Maranhense de Teatro Estudantil (Femate), conquistando seis indicações. Após os prêmios, surgiram convites e oportunidades. Além do Femate, a companhia foi convidada a ir para o o Congresso Nordestino de

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país. Negro Cosme defendeu o fim da escravidão e ajudou a libertar escravos de homens brancos donos de grandes fazendas escravocratas. Reunindo milhares de fugitivos, Negro Cosme liderava um exército formado por escravos e principalmente africanos, sendo que naquela época o Maranhão tinha um grande número de negros. Fundou o quilombo de Lagoa Amarela, e nele construiu uma escola. O quilombo é localizado na cidade de ChapadinhaMA. Reconhecimento - A criação da Lei Federal n° 10.639/03 (Ensino de Historia e Cultura Africana) fez com que empresas, escolas e professores procurassem a instituição para apoio pedagógico ou palestras sobre a cultura negra, o que resultou no fortalecimento do CCNNC. Em outubro de 2007, em decorrência desta valorização, surgiu a coordenação de Educação da Igualdade Racial em Imperatriz (Ceiri). O órgão, que foi criado para a inclusão da temática Afrobrasileira e Africana no currículo escolar (Ceiri), faz parte da Secretaria Estadual de Educação (Seduc) e da Unidade Regional de Educação (URE). O Ceiri conta com ações educativas de combate ao racismo e a práticas de discriminação, apoio técnico ao professor e orientação à pesquisa.

Objetos e adereços que simbolizam o movimento negro

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Dos muros da escola para o Maranhão ANDRÉ ZIMBAWER

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Coordenadoras do Negro Cosme recebem visitantes e exibem as obras criadas por alunos nas oficinas disponibilizadas pela entidade

Pesquisadores Negros (Copenor), realizado em São Luís. “Aquilo foi tudo para mim, estar em um lugar onde todos têm o mesmo princípio, estar com várias pessoas que lutam pela mesma causa, aquilo de certa forma abriu minha cabeça. Ver vários estudos sobre a população negra foi tudo mágico”, ressalta o presidente da companhia. No mesmo ano, o grupo ganhou de novo o Festia-

fro em primeiro lugar. “Fiquei como co-diretor, ali já era um preparo para mim, conseguimos ir para o Femate, novamente, dessa vez em Alto Alegre do Pindaré. Fomos muito bem, conseguimos várias indicações e ganhamos em duas categorias”. Mas a Cia não participa só de festivais, realiza também apresentações nas universidades e eventos, e mantém um intercâmbio com uma Cia de

Alto Alegre do Pindaré. As peças procuram abordar questões sociais ligadas aos negros, nordestinos, índios, sempre ressaltando a necessidade de representar as “minorias”. Passado o ano de 2018, Gabriel foi nomeado como presidente da Cia. Dadas tantas vitórias, o grupo teatral conseguiu ganhar um edital da Fapema, e atualmente está expandindo a sua equipe.


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CÃES E GATOS Grupo voltado à proteção dos animais em situação de risco e abandono atua em Imperatriz há quatro anos, conta com 35 integrantes e já atendeu em torno de mil bichinhos com cirurgias e resgates

Proteção e caridade em prol dos animais PATRICIA ARAÚJO PATRICIA DA SILVA ARAÚJO

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m 2012, a supervisora Laudecy Bilio dos Reis, de 42 anos, se deparou com uma situação inusitada. Foi no trajeto entre sua casa e a festa em comemoração ao Dia do Trabalhador, promovida pela empresa para a qual trabalha, que ela viu uma caixa com três gatinhos abandonados. Laudecy seguiu seu caminho sem se importar com os filhotinhos que estavam no relento. Começou, então, a cair uma chuva muito forte, e ela, que já havia chegado ao seu destino, agora não conseguia parar de se lembrar nos bichinhos. “Caiu um enorme temporal e a minha mente não parava de pensar nos gatinhos pegando toda aquela chuva”. Vencida por sua consciência, Laudecy resolveu ir embora da festa e retornar ao local onde havia encontrado os felinos. Ao descobrir que eles ainda estavam lá, ela não pensou duas vezes antes de levá-los para sua casa. “Não poderia deixá-los jogados, trouxe para casa e cuidei diuturnamente”. Desde então, Laudecy se tornou uma protetora de animais. Há dois anos, ela faz parte do Grupo de Proteção Animal (GPAI), Organização não Governamental (Ong) voltada à proteção dos animais em situação de risco e abandono, em Imperatriz. O GPAI existe há quatro anos e conta com 35 integrantes, que são voluntários comprometidos com a causa animal. De acordo com Laudecy, o GPAI não possui um abrigo, então cabe aos protetores acolher provisoriamente os animais que resgatam. Na sua casa, por exemplo, além dos gatinhos Daninha, Judite, Amora, Recepcionista, Fuscão Preto, Nega, Mascote, Hebe Cortez, Gigante, Branco e Chico, sempre existem três ou mais esperando por um dono,

Adotante com o seu novo bichinho de estimação, durante feirinha realizada pelo Grupo de Proteção Animal (GPAI), que ocorreu no dia 23 de março de 2019, na Terra Zoo, em Imperatriz - MA

que os trate com tanto amor e carinho quanto ela. Todas as despesas com os bichinhos enquanto não são adotados ficam por conta dos protetores que os resgatam, inclusive os gastos com tratamentos de saúde. Para arcar com os custos, eles promovem rifas, shows de prêmios e bazar, além de receber doações de pessoas que se comovem com a situação. Trajetória - A ideia de fundar o GPAI surgiu a partir de um grupo de Whatsapp, por iniciativa de pessoas que já se dedicavam a salvar cães e gatos por conta própria, revela a vice-diretora da Ong, Paula Francinete Alves da

Silva, de 52 anos. Paula resgata animais há 15 anos e conta que o amor que sente por eles é o que a motiva. Em sua curta trajetória, o GPAI já atendeu a aproximada-

“Não poderia deixá-los jogados, trouxe para casa e cuidei diuturnamente” mente mil animais, por meio de campanhas de castração, dentre outras cirurgias, que são realizadas pela clínica de Serviço Vete-

rinário (Servet), com a qual a Ong possui convênio. De acordo com a vice-diretora, somente em 2017, 700 gatos foram castrados. Além dos atendimentos promovidos nessas campanhas, os protetores já salvaram mais de 200 pets. A Organização também realizou uma feirinha de adoções de cães e gatos. O evento aconteceu no dia 23 de março deste ano. Os bichinhos disponibilizados, além de saudáveis, foram castrados e receberam chips de identificação. Tudo por conta da Ong. O Grupo de Proteção Animal é a única Ong legalmente registrada de Imperatriz. Foi reconhecida pelo município como um serviço de utilidade pública e recebeu

moção de aplausos da Câmara Municipal. No entanto, a demanda é maior que a capacidade de ação. De acordo com o GPAI, todos os dias chegam inúmeras mensagens com pedidos de ajuda ou abrigo para animais. A Ong ressalta que a solução para o problema é a castração. Assim, além de evitar ninhadas indesejadas, os bichinhos têm sua estimativa de vida prolongada. A instituição não tem endereço físico e as ações são divulgadas em uma página no Facebook, que possui mais de 14 mil seguidores. O principal objetivo é dar mais visibilidade à causa e, desta maneira, conseguir mais adeptos.

Em Imperatriz, quatro grupos resgatam cães e gatos de rua PATRICIA ARAÚJO PATRICIA DA SILVA ARAÚJO

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cidade conta com quatro grupos comprometidos com a população canina e felina: A Sociedade de Apoio e Resgate aos Animais de Imperatriz (Sarai), Amor por Patinhas, Grupo de Socorro de Animais Sem Teto (GSAT) e o Adote Um Melhor Amigo, além da ONG, GPAI. Todos têm, em comum, o objetivo de dar alimento, abrigo e cuidados aos peludinhos. De acordo com dados do Centro de Zoonoses, em Imperatriz existem cerca de 21 mil cães e 12 mil gatos, isso sem levar em conta os que vivem na rua. O Centro não resgata animais sem uma autorização assinada pelo dono e, por consequência, não recolhe os errantes. É comum que as pessoas procurem os grupos de proteção independentes, para denunciar casos de abandono e maus tratos.

Enquanto o Sarai, Amor por Patinhas e o GSAT costumam divulgar as suas ações a partir de suas respectivas páginas no Facebook, o Adote Um Melhor Amigo expõe suas atividades por meio do Instagram. A empreendedora Marluce Araújo Gomes, integrante do último grupo, revela que o principal objetivo é construir um abrigo. Protetores - Imperatriz também conta com protetores independentes, que são verdadeiros anjos para os animais abandonados. A veterinária Clenia Maria dos Santos Jacinto Ribeiro Fonseca, de 60 anos, vê os protetores como heróis anônimos. “Fazem o que é obrigação do Estado. Sem recursos financeiros, vivem de doações”, afirma. É o caso da assistente social Mayra Magalhães Nacimento, de 38 anos, Ela já resgatou mais de 150 animais e participou da fundação do GPAI e do Sarai. O motivo de tamanha dedicação é

o amor que Mayra sente pelos animais. “Amor compaixão, vontade de fazer a diferença na vida deles”, expressa. Ela alerta sobre a importância de castrar os bichinhos de estimação e também sobre as responsabilidades do adotante. Outro protetor é o pintor Elizamar Mendes dos Santos, conhecido pelos vizinhos como “o Negão dos cachorros”. Tem seis cães em casa e alimenta mais nove que moram na rua. A autônoma Lucineide Silva de Alencar, de 50 anos, resgata animais, além de oferecer abrigo provisório para os que são acolhidos pelo GSAT. “Quando consegui minha casa, a primeira coisa que coloquei foi 27 cachorros”, expõe Lucineide. Neylianny Jéssyca Morais Barbosa, de 31 anos, que também é médica veterinária, conhece quatro protetores independentes. Para ela, a iniciativa de salvar vidas é o ato mais nobre de todos. No entanto, os voluntários da causa, além de enfrentarem dificuldades financeiras,

Protetor Elizamar Mendes dos Santos recebe doação de ração do grupo GPAI por conta das despesas geradas no resgate de cães e gatos, sofrem com o preconceito que muitas pessoas ainda manifestam. Lucineide, por exemplo, conta que é tachada de louca. A protetora Mayra revela que também recebe críticas.

Mayra explica a causa dessa reprovação. “Para muitas pessoas é perda de tempo, muita gente não dá importância para os animais. Reflexo disso é a quantidade de animais que vivem nas ruas”.


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ENTREVISTA: SOCIÓLOGO JESUS MARMANILLO PEREIRA

“Cultura individualista prejudica ativistas” ANGELA LIMA FREITAS ANGELA LIMA FREITAS

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outor em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba (PPGS-UFPB); mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA); graduado em História, Geografia e Ciências Sociais pela mesma instituição, Jesus Marmanillo Pereira, 39 anos, atua em temas relacionados às etnografias visuais, movimentos sociais e identidades coletivas. Estudou o movimento social por moradia da década de 1980, durante o seu mestrado, e o movimento dos direitos humanos durante o doutorado. Atualmente, é professor adjunto do curso de Ciências Sociais da UFMA de Imperatriz. Nesta entrevista, que tem como tema principal os movimentos sociais, o sociólogo explica como se forma um ativista, avalia o atual contexto político dos movimentos sociais, analisa as suas vitórias e derrotas e comenta, ainda, sua opinião a respeito dos movimentos online e off-line. Como se forma um ativista? A experiência que vai resultar um ativista... Quando a gente vai explicar isso na teoria, geralmente a perspectiva que se chama é a do engajamento. Existem autores que estudam engajamento político, e muitos deles têm se focado no estudo de trajetórias de vida das pessoas. Então, a formação do ativista está muito ligada à questão das experiências que a pessoa vai acumulando ao longo da vida e o próprio exercício da cidadania. Por exemplo, nas Ciências Políticas, tem um autor chamado Marcel [Prelot] que fala da cidadania como reivindicação e luta dos direitos civis, políticos e sociais. Aqueles direitos mais coletivos, os sociais, que seriam à moradia, habitação, segurança, esses que servem para distribuição de riquezas. Esses tipos de direitos são defendidos em sindicatos, surgem desses grupos específicos que estão ali, lutando por terra e educação e que se juntam em prol de interesses comuns.

“O movimento social não está sendo atacado no resultado e sim na essência, que é o espírito associativo. É pela cultura, e isso é extremamente eficaz” O que faz com que indivíduos se juntem para lutar em prol de uma causa comum? Às vezes os indivíduos são de origem social diferente, mas sempre tem um elemento que vai fazer a junção. E esse elemento está sendo analisado. Para nós, da sociologia, nesses espaços em trânsito, se o cara participou do grêmio estudantil ele vai entrar em um sindicato de trabalhadores. Do sindicato ele vai entrar no movimento comunitário da igreja. Porque o movimento social ele só se forma, ele só existe, se existir um associativismo. As pessoas vão se associando em

dificulta o processo de associação. O movimento social não está sendo atacado no resultado e sim na essência, que é o espírito associativo. É pela cultura, e isso é extremamente eficaz. O que você acha do ativismo digital e do ativismo real? Vou te falar alguns prós e contras. A internet te possibilita alastrar teus contatos, só que não gera movimento social forte. Porque o que constitui o movimento social é a característica do associativismo. A internet consegue conectar as diferenças e as distâncias, mas ela não gera a liga necessária para o enfrentamento. Esses movimentos na internet são manipulados facilmente. Quando você não tem identidade e características de um movimento social, é facilmente manipulado, porque qualquer pessoa pode se apropriar disso, porque não tem uma identidade.

Sociólogo Jesus explica que, com a cultura individualista, os ativistas não conseguem gerar o associativismo, que é o que mantém os movimentos

um sentimento coletivo. Não existe movimento social onde o individualismo impera. Qual o nosso contexto político atual em relação aos movimentos sociais? O nosso contexto político atual é de ataque aos sindicatos, ataques à UNE [União Nacional dos Estudantes], que é a organização estudantil, ataque aos professores, ataque ao sindicato dos trabalhadores em geral. São espaços que, para nós, são vitais para formar esse espírito associativo. Então, se você começa a atacar esses espaços, acabou o movimento social, acabou o exercício da cidadania de reivindicar os direitos sociais, os direitos políticos, de se organizar como um grupo. Então esse seria um dos obstáculos vividos hoje no Brasil? Para formação do ativista, sim. O principal obstáculo atual que eu vou destacar seria o ataque maciço a essas estruturas associativas, espaços que geram a coesão. A universidade é um espaço que gera concentração. Os militares, por exemplo, eram contra a concentração de pessoas na rua, se você concentrasse seria considerado um ato subversivo. Porque é perigoso as pessoas juntas, quando estão juntas elas começam a dialogar sobre seus problemas e começam a buscar soluções coletivas. E isso é perigoso para um Estado que quer se manter sem esse diálogo com a sociedade. Então, esse ataque aos espaços que geram concentração: sindicatos, universidades, qualquer tipo de associação de moradores, os conselhos também, por exemplo. Conselho do Fórum, Conselho da Saúde. São espaços que geram a concentração popular para fiscalizar e propor políticas públicas, para gerar esse diálogo entre Estado e sociedade civil. Mas gera também esse espírito associativo das sociedades civis. O governo extinguiu vários conselhos e isso é o fator: atacar esses espaços é um empecilho.

“A política pode ser feita na internet, mas o espaço consagrado da política é o espaço público, é a praça, é a rua, o protesto é na rua”

Como você vê os movimentos existentes hoje em termos de vitória e derrota? Hoje o contexto é de retrocesso total. Se for para pensar um contexto de vitória dos movimentos sociais, é mais fácil você pensar na década de 1980, que resultou lá na concentração de 1988. Atualmente a gente tem que se reinventar para tentar combater esse espírito individualista, tentar fortalecer esses espaços que estão sendo atacados. Estamos sofrendo uma derrota muito grande no âmbito da cultura, principalmente após a década de 1990, que é a década mais neoliberal do Brasil, que é a época

do [ex-presidente da República] Fernando Collor, que é uma década de consumo. Da década de 1990 para cá, esse espírito associativo, essa cultura de associação foi se diminuindo e é muito difícil pensar a forma associativa. Por exemplo, vamos pensar o movimento estudantil. Quantos grupos existem dentro do movimento estudantil? E para conseguir fazer com que haja consenso entre esses grupos é muito difícil. É uma coisa que as pessoas não entendem: se a gente não consegue criar um consenso interno entre nós, a gente vai ter que se submeter a uma coisa externa a nós, que seria o inimigo. A questão é que a cultura do individualismo faz com que cada vez mais as pessoas queiram abrir mão da sua posição e não querem ceder nada. E aí você não consegue formar uma coisa associativa e no final vai vir uma coisa externa, um Estado opressor, algo que corte direitos e a gente não consegue se mobilizar. Então a principal derrota que a gente sofre depois da forma estrutural é a derrota do individualismo, porque

“A questão é que a cultura do individualismo faz com que cada vez mais as pessoas queiram abrir mão da sua posição e não queiram ceder nada”

Mas você acha que com esse surgimento do ativismo na internet as pessoas se acomodaram? Também, porque, por exemplo, o movimento social, a essência dele, além do associativismo, existe a questão política. A citação política da relação com o Estado. Todas as políticas públicas surgem de grupos da sociedade que se mobilizam, por exemplo: o movimento negro se mobilizou e existe uma política de cotas. A política pode ser feita na internet, mas o espaço consagrado da política é o espaço público, é a praça, é a rua, o protesto é na rua. A internet é um meio de comunicação, mas a identidade você constrói na rua. A experiência que se tem na internet é uma experiência limitada. ANGELA LIMA FREITAS

Espírito associativista reuniu estudantes para lutar em prol de uma causa comum, na manifestação a favor da educação, nas ruas de Imperatriz


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LGBTQI+ Primeira edição do evento a céu aberto Rainbow Light Memorial trouxe para Imperatriz um movimento social de diversidade e conhecimento voltado para o público LGBTQI+ e a sociedade em geral

Conservadorismo ainda causa repressão LUCAS CALIXTO LUCAS CALIXTO

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m Imperatriz, existem poucos movimentos voltados para o público LGBTQI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis transgêneros, queer, intersexuais, assexuais e simpatizantes). Por ser uma cidade com traços de conservadorismo, o medo, discriminação e principalmente o preconceito acabam desmotivando aqueles que seguem essas orientações de sexualidade a organizarem ações em prol da causa. No entanto, resistem pequenos movimentos. A estudante de Medicina e organizadora do evento Rainbow Light Memorial, Mirella Bonifácio, 21 anos, comenta a realidade da comunidade LGBTQI+ na região: “Eu acho que o Nordeste como um todo é muito cheio de preconceito. O Maranhão, inclusive, é um dos estados mais conservadores, eu diria, com relação ao público LGBTQI”. Organizado pelos estudantes de Medicina da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), por meio da Federação Internacional de Associações de Estudantes de Medicina (IFSMA), foi realizada em Imperatriz dia 17 de maio de 2019, a primeira edição do evento Rainbow Light Memorial, celebrado no Dia Internacional Contra a Homofobia. Na ocasião, foi pautada a violência contra os LGBTQI+ e os preconceitos pessoais e vivenciados na sociedade. A coordenadora local de Saúde Sexual e Reprodutiva incluindo HIV e AIDS da IFSMA Brasil e da UFMA de Imperatriz, Ana Gleyce, 20 anos, explica como um movimento LGBT

ajuda a minimizar o preconceito na sociedade, no geral: “Acho que as pessoas começam a perceber que elas não estão se comportando de forma errada, entendeu? Que você não precisa ter medo de se aproximar de um evento como esse, que você não vai ser gay ou lésbica por estar auxiliando, por estar defendendo a causa e eu acho que é basicamente isso”. As dificuldades de organizar um evento para o público LGBT vão além do preconceito e aceitação da causa. Foi o que aconteceu com o estudante de Direito da Universidade Federal do Maranhão, Juliano

“Eu acho que o Nordeste como um todo é muito cheio de preconceito. O Maranhão, inclusive, é um dos estados mais conservadores, eu diria, com relação ao público LGBTQI”.

de Azevedo, 21 anos, quando foi apresentar seu projeto em São Paulo para investidores Pró-LGBT. A sua proposta não foi aceita por ser financeiramente cara e pelas dificuldades de estar organizando tudo sozinho. O objetivo de Juliano é criar uma feira comercial, artística e educacional na cidade. Toda a programação da feira seria voltada para os LGBTs mostrarem os seus trabalhos. “Eu

Primeira edição do evento Rainbow Ligth Memorial em Imperatriz: marco da luta contra a discriminação, debatendo a violência na sociedade

fui pra São Paulo apresentar para organização do TODXS e outros investidores. E como o meu projeto era muito custoso, e eu também não tive tempo de obter apoio de muitas marcas para participar, eu não consegui investimentos para tirar a ideia do papel. E comparado a outras ideias que tinham apresentado lá no evento, de outros participantes do projeto da TODXS Em-

baixadores, era bem mais arriscado investir financeiramente na minha ideia, e aí acabaram deixando de lado. Creio que o projeto não deu errado, mas ficou em ‘offline’ até eu ter mais conexões financeiras para tirar a ideia do papel”, relata. A socióloga Carmem Barroso, 49 anos, deixa claro como um movimento pode alterar toda a conjuntura de uma sociedade.

“Quando um grupo vai pra rua para buscar seus direitos, ele muda leis, ele muda paradigma, ele muda a forma das pessoas olharem para os outros”, explica. A Sociologia entende os movimentos fazendo uma análise desse fenômeno social e dando visibilidade. “A Sociologia é a ciência que vai abraçar esses movimentos”, acredita Carmem Barroso.

Lutas históricas que deram origem ao movimento LUCAS CALIXTO LUCAS CALIXTO

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preconceito, a discriminação e a violência partem de um mal da sociedade que exclui socialmente os LGBTQI+ de expressarem sua identidade de gênero e orientação sexual de forma livre. Até junho de 2018, foram registradas 713 denúncias de violência contra LGBT no banco de dados do Disque 100 (serviço de denúncia por telefone e online do Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos) em todo o Brasil. A LGBTQfobia (termo que refere à violência contra a comunidade LGBTQI+) é combatida por movimentos sociais que nasceram para lutar e defender a classe da discriminação, ódio, violência, conquistando, assim, a sua visibilidade na sociedade. Segundo o relatório anual do Grupo Gay da Bahia (GGB), a cada 20 horas um LGBT é assassinado ou se suicida vítima de LGBTQfobia no Brasil. Em 2018, 420 LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) morreram vítimas da “homolesbitransfobia”. Desses, 360 foram homicídios e 100 foram suicídios registrados pelo grupo. Houve uma pequena redução comparada ao ano de

2017. O Grupo Gay da Bahia é uma organização não governamental voltada para a defesa dos LGBT do Brasil. Fundada em 1980, a organização atualmente completa 39 anos de existência lutando contra a homofobia.

“Os movimentos sociais são ações coletivas de caráter sociopolítico e cultural, que viabilizam distintas formas da população de se organizar e expressar suas demandas por direitos sociais”.

Datas históricas - No dia 28 de junho de 1969, em Nova Iorque, aconteceu um dos primeiros movimentos de gays e travestis, cansados da violência policial sofrida, de se esconder socialmente e serem presos sem motivos. Nasceu, então, um movimento que hoje é considerado o marco zero da igualdade civil dos homossexuais no século XX. A revolta de Stonewall ficou para a história, sendo relembrado

e comemorado por todo o mundo como o Dia do Orgulho LGBTQI+ atualmente. Outra data importante comemorada pela comunidade LGBTQI+ foi quando o termo homossexualismo passou a ser condenado e foi substituído por homossexualidade, já que o sufixo “ismo” se refere à doença, e o sufixo “idade” refere ao modo de ser. A Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou no dia 17 de maio de 1990 o termo homossexualidade das classificações de doenças relacionadas à saúde. Atualmente, o dia 17 de maio é comemorado em todo o mundo o como o Dia Internacional contra a Homofobia. Movimentos da classe - No Brasil, os movimentos LGBT ficaram mais fortes logo após a primeira crise da AIDS. Organizações se formaram a partir dos anos 1980 para conquista de direitos e pela causa que matou vários homossexuais. Os movimentos sociais são ações tratadas pela Sociologia como a luta por direitos e inclusão sendo atos coletivos organizados pela sociedade civil. É o que a socióloga Carmem Barroso, 49 anos, pontua: “Os movimentos sociais são ações coletivas de caráter sociopolítico e cultural, que viabilizam

“Basta! Homofobia não!” A cada 20 horas, uma pessoa LGBT é assassinada ou se suicida, vítima de LGBTQfobia no Brasil

distintas formas da população de se organizar e expressar suas demandas por direitos sociais”. Um dos principais movimentos LGBT do Brasil ocorre anualmente em São Paulo, sendo uma das maiores comemorações dos direitos sociais dos LGBTs

do mundo. A Parada do Orgulho LGBT nasceu em 1980, para lutar pelos direitos e expor a diversidade e a liberdade. O dia 28 de junho, Dia do Orgulho LGBT, é atualmente celebrado não só em São Paulo, mas também em diversas regiões do Brasil.


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FEMINISMO Grupos feministas ganham força na cidade de Imperatriz e trazem para o centro do debate a importância dos acontecimentos vivenciados desde cedo pelas mulheres que defendem a causa

Militantes criam movimentos na região SILVANA BEZERRA COSTA

U

ma unidade poderosa e transformadora. É assim que as líderes da Articulação Feminista de Imperatriz (AFIM) e MariEllas definem a importância do movimento na cidade. As iniciativas de defesa das causas das mulheres começaram a ser articuladas pelo Centro de Promoção da Cidadania e Defesa dos Direitos Humanos Pe. Josimo (CDH-Pe. Josimo), que é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, cuja história está vinculada à luta por cidadania e pelo acesso às políticas públicas. “O Centro efetivou lutas por políticas públicas, assistência individual e coletiva às mulheres, criação de novos grupos e assessoria a entidades que se interessam pela discussão da igualdade de gênero”, explica a coordenadora geral do Centro, Conceição Amorim. O Coletivo MariEllas, por sua vez, é um movimento feminista bem novo na cidade. Fundado no início de 2017, na Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (Uemasul), o grupo conta com 20 militantes. A intenção é levantar discussões sobre as questões de gênero; convocar estudantes a participarem das atividades que promovem como coletivo, além de buscar utilizar o ambiente estudantil como ferramenta para conscientizar as mulheres. Com esse propósito, o grupo realiza reuniões, mobilizações estudantis e pesquisas sobre violência contra as mulheres dentro da Uemasul e ainda apoia eventos de fora da instituição. Eloar Nascimento, militante do Coletivo e estudante do curso de Engenharia Florestal na Uemasul, explica que seu primeiro contato

SILVANA COSTA

com assuntos sobre o Feminismo foi no ensino médio, quando descobriu que se identificava com a pauta defendida pelo movimento. A estudante, que sempre acompanhou as atividades do movimento em todo país, percebeu que várias universidades mantinham coletivos feministas, inclusive em Imperatriz. A partir dessa constatação, notou a necessidade de ser instituído algo semelhante na Uemasul. Com a ajuda de algumas companheiras, deram início, então, ao coletivo MariEllas. “Uma das dificuldades do coletivo tem sido trazer mais meninas para as atividades que nós promovemos. Mas, aos poucos, temos conseguido e acredito que futuramente teremos mais estudantes engajadas na militância dentro da universidade”, afirma Eloar Nascimento.

“Ser feminista é isso: é lutar contra todo tipo de opressão”

Consciência - Já a Articulação Feminista de Imperatriz (AFIM) é um grupo de mulheres que teve início em junho de 2013, tendo começado com mais ou menos seis companheiras. Atualmente, conta com 12 participantes fixas. A coordenadora geral do grupo, Clarícia Dallo, explica que as companheiras eram todas estudantes, a maioria do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). “Éramos um

Reunião com representantes do Fórum para montar um dossiê sobre mulheres em situação de rua que vivem em Imperatriz

grupo de amigas com assuntos em comum e dentre eles o Feminismo. Tínhamos vontade de saber cada vez mais sobre o tema e contribuir com ações que pudessem mudar nossa realidade”, relata a militante. Clarícia não se recorda exatamente quando iniciou sua luta no movimento, só lembra que as pautas feministas foram ficando cada vez mais evidentes nos encontros estudantis dos cursos de Comunicação e de História. “Ingressei em uma universidade pública em 2007 e, conforme os anos foram passando, fui me inteirando mais sobre o movimento. Em 2013, a

luta só se fortaleceu com a fundação da AFIM,” revela Clarícia Dallo. Lutar cotidianamente por direitos que permitem às mulheres viverem plenamente, e ser inconformada com a maneira com que as companheiras ainda são tratadas. Tudo isso e muito mais são motivos para defender a causa feminista. “A sociedade é muito cruel com as mulheres, atacadas de todas as formas. Por isso digo: não existe mulher que não é feminista nos dias de hoje”, acredita Eloar Nascimento. Para a militante, nenhuma se sujeitaria

Luta por mulheres é a linha de frente da resistência SILVANA COSTA SILVANA BEZERRA COSTA

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militante feminista Conceição Amorim lembra que a primeira luta que dirigiu por direitos, em 1982, na escola técnica Amaral Raposo, foi contra a mudança do uso da calça jeans no horário noturno como farda, para a calça de tergal. “Tentamos conversar com a direção da escola e ela não aceitou. Fizemos um abaixo assinado e ela rasgou e, por fim, organizamos uma assembleia geral com todos os estudantes do noturno e a diretora foi. Depois de alguns debates, aceitou a nossa proposta de manter a calça jeans como uniforme”. No entanto, no dia seguinte, como lembra Conceição, o prefeito, que era o dono da escola e esposo da diretora, mandou prender a militante e um outro colega. “Ficamos durante todo dia presos, na época, na sede da Polícia Federal, sob a acusação de querer tocar fogo na escola.” Conceição Amorim lembra que depois de serem ouvidos pelo Exército, ambos foram libera-

Conversa sobre a composição, nomeação e posse da diretoria executiva do Conselho da Mulher

dos e o tenente que tomou o depoimento, se propôs a acompanhá-los até a escola à noite para pegar as transferências sem nenhum artigo que os imputasse qualquer crime. “Ele solicitou que fosse devolvido o dinheiro da matrícula e

das três mensalidades que tínhamos pago. E disse para a diretora que, se alguém tinha praticado algum crime, tinha sido ela e quem mandou nos prender. Esse evento, ao invés de me apavorar, me impulsionou a continuar na luta”, ressalta Conceição Amorim.

Sensibilização - Já Eloar Nascimento recorda que “há mais ou menos dois anos” foi uma das responsáveis por organizar um protesto em Imperatriz em função de um caso de estupro ocorrido na cidade e cometido pelo filho dos donos de uma escola técnica, que usaram as suas redes sociais para culpabilizar a vítima. “O protesto reuniu centenas de pessoas. Foi incrível ver a mobilização de todos”. Quase que diariamente, Clarícia Dallo lê relatos ou fica sabendo de casos terríveis de violência contra a mulher no Brasil. Para a coordenadora da AFIM, os casos de estupro coletivo e crimes “passionais” são os mais chocantes. “Aqui em Imperatriz conhecemos uma moça que foi estuprada depois de uma festa e, quando o caso veio ao conhecimento do público, muitas pessoas chegaram a culpabilizar a vítima e minimizar o ato criminoso do rapaz, e isso é grave. Na época, contribuímos com a mobilização para que o estuprador continuasse preso”, esclarece a militante.

a viver sob as mesmas condições que as mulheres no passado viviam. “Ser feminista é isso, é lutar contra todo tipo de opressão”. Já para Clarícia, existem vários tipos de mulheres feministas. O que ela consegue visualizar mais claramente é que elas são conscientes das opressões sofridas pelo sexo feminino, baseadas em normas de gênero. “As coisas ruins pelas quais ela passa só pelo fato de ser mulher. E isso vai desde pequenas coisas, que são naturalizadas no cotidiano, até a banalização da morte das mulheres”, avalia Clarícia.

Conquistas dos Movimentos SILVANA BEZERRA COSTA

CDH-Pe. Josimo 1995– Participação na luta pelo fim do desmando da gestão do governo municipal. 1988- Atuação da representação do CDH-Pe. Josimo no Conselho Municipal de Saúde em Imperatriz. 1997- Organização do primeiro Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. 2000- Atuação junto ao governo municipal para implantação do Programa de Atenção Integral a Saúde da Mulher. 2001 a 2010- Atuação do CDH – Pe. Josimo no Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. 2005- Criação do Fórum de Mulheres de Imperatriz. AFIM 2013 e 2016- Cine AFIM, com temática feminista no Teatro Ferreira Gullar, na UFMA e na UEMA. 2016- Marcha Por todas Elas. 2016 e 2017- Palestras no Salimp. 2018- Contribuição em alguns grandes atos como o “Ele Não”. 2019- Oficina de Escrita Criativa para Mulheres. Mariellas 2018 - Participação do Coletivo no Ele Não. 2019 - Mobilização no 8 de Março, em 2019.


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INFÂNCIA 85% dos casos de negligência, aliciamento e exploração sexual contra crianças são cometidos pelos seus familiares

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ANA LECTÍCIA

Conselho Tutelar registra 825 casos de abuso infantil ANA LECTÍCIA

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ntre novembro de 2018 e maio deste ano, o Conselho Tutelar de Imperatriz registrou 825 processos envolvendo negligência, aliciamento e exploração sexual de crianças, sendo 85% deles cometidos pelos familiares. Para combater esta realidade, os movimentos sociais são representados pelas redes de atenção à infância e adolescência, que agregam o próprio Conselho Tutelar, a Vara da Infância e Adolescência, Defensoria Pública, Ministério Público, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREA e CRAS) e pelo menos duas organizações não governamentais (Ongs), como a Mãos que Cuidam. Oferecendo atendimento 24h, o Conselho Tutelar não é um órgão de segurança pública, mas auxilia crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade ou de risco, independentemente do horário, do local e do lugar, seja em espaço público ou privado. De acordo com o conselheiro tutelar José Dos Reis Gomes, após ocorrer a denúncia, o papel do Conselho Tutelar é averiguar os dados da pessoa, realizar um cadastro e encaminhar para a delegacia, para que seja registrado o boletim de ocorrência. A criança ou adolescente é então enviado para o Instituto Médico Legal (IML), para que seja realizada uma perícia técnica,

tal como o exame de corpo de delito. Também é feito o encaminhamento para um psicólogo para que essa criança não fique com nenhum trauma. O Conselho Tutelar realiza, ainda, buscas por informações com familiares e vizinhos, com o intuito de averiguar os relatos fornecidos pelo denunciante. Se houver indícios de crime, o caso é encaminhado para a Vara da Infância e para o Ministério Público. Outra atribuição do conselheiro tutelar é auxiliar a autoridade policial no acionamento

“Com uma rede de proteção com a participação de órgãos públicos, busca-se uma maior efetivação no serviço” de determinados serviços municipais, como o CREAS/CRAS e Centro de Atenção Psicossocial de Crianças e Adolescentes (CAPs), por exemplo. Além disso, a família da criança ou adolescente passa por uma análise para preservar sua integridade. Se não for encontrado nenhum familiar, a vítima é enviada para a Casa de Abrigo. Também é de grande importância, segundo José dos Reis, a fiscalização de bailes e boates,

embora esse papel seja atribuição da Polícia Militar, responsável pela repressão sobre estabelecimentos comerciais que infringem as leis. Desta forma, o Conselho Tutelar exerce um trabalho de prevenção, apenas norteando os proprietários dos estabelecimentos sobre o que está contido na lei e em portarias judiciais e a respeito das implicações de seu descumprimento. Com uma rede de proteção com a participação de órgãos públicos, busca-se uma maior efetivação no serviço. Cada órgão ou serviço público deve ter um setor de atendimento reservado à criança, adolescente e às suas famílias. Funac - Na estrutura do Estatuto da Criança e Adolescente consta a responsabilização do menor infrator, tendo por meta a Fundação da Criança e do Adolescente (Funac) em Imperatriz, o atendimento integral de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. De acordo com dados fornecidos pelo diretor Reydeglan Rafael Nascimento de Souza e pela vice-diretora Lilian Figueiredo, atualmente a Funac conta com 38 internos, que são enviados ao Centro de Internação, localizado no Ouro Verde, caso a pena do infrator seja no máximo de três anos. Atendendo apenas a adolescentes a partir dos 12 anos, após a chegada à Fundação da Criança e do Adolescente, o supervisor e

Negligência dos pais deixa crianças em estado de vulnerabilidade social em praça pública

segurança fazem a primeira revista, colocam o fardamento da instituição e os novos internos são informados sobre as normas da unidade. A equipe técnica é encarregada de fazer a triagem com a assistente social e o advogado. Além disso, a Funac conta com escola regular e aulas de infor-

mática, além de visitação familiar aos sábados. De acordo com Reydeglan Rafael Nascimento de Souza, as principais causas de internação se dão por roubo e latrocínio. Ele pondera que 90% dos internos vivem em situações de extrema pobreza, vulnerabilidade social e família disfuncional.

Mãos que Cuidam promove mudanças na vida de 238 crianças ANA LECTÍCIA AN

AL

Projeto social possibilita ações proativas contra violência infantojuvenil

ECT

ÍCIA

I

dealizada como projeto da igreja, a Ong Mãos que Cuidam atua desde 2012 e oferece assistência para 238 crianças e adolescentes. Cláudia Célia, fundadora do projeto, afirma que o impulso para persistir na boa ação está em sua própria infância, por ter passado, na época, por situações de extrema pobreza e de violência sexual. Ela conhece de perto os traumas físicos e psicológicos que a acompanham até a vida adulta, e dessa forma, tenta proporcionar a todas essas crianças uma infância e juventude mais justas e com amparo. A Ong atende a crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos, que, para participarem, precisam ter uma melhora no rendimento escolar. Cláudia conta, com orgulho, que já houve casos de crianças que estavam há dois anos fora do ambiente escolar e hoje são destaque na sala de aula. Contando atualmente com 12 voluntários, a Ong oferece aulas de jiu-jtsu, capoeira, ginástica, teatro e música. Todas as oficinas são ministradas por professores voluntários que, quando crianças, já rece-

beram a ajuda da entidade, assim como de alguns professores de cursos técnicos do Senac. Além disso, as mães, reconhecendo sua importância, também auxiliam com a limpeza e preparação da refeição para as crianças. Recebendo apenas apoio em

“Cláudia Célia, fundadora do projeto, afirma que o impulso para persistir na boa ação está em sua própria infância, por ter passado por situações de extrema pobreza e de violência sexual” sua grande maioria da iniciativa privada, a Ong não consegue atender a todos como gostaria. Além disso, o prédio que foi emprestado para sua atuação precisa de reforma urgentemente para oferecer conforto para as crianças que são auxiliadas pela entidade. Claudia Célia afir-

ma que a vigilância sanitária, nos últimos dias, visitou por duas vezes o local para avaliar as condições higiênico-sanitárias e encontrou irregularidades e falta de saneamento. Os responsáveis pela entidade foram orientados, então, sobre as medidas a serem adotadas, tais como colocar um piso de cerâmica, instalar um sistema de ventilação e trocar a pia que se encontra em estado bem precário. Acontece que a Ong conta apenas com doações de vizinhos, familiares, alunos de faculdades e comissões da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), sendo, dessa forma, limitado seu recurso. Porém, Claudia Célia deixou bem claro que, mesmo com essa restrição, ela e os voluntários conseguem modificar a vida de muitos por meio do principal ato de solidariedade: o amor. Cláudia Célia e todos os voluntários da Mãos que Cuidam veem com orgulho as conquistas já realizadas e também o longo caminho que precisam trilhar. De forma otimista, afirmam que pequenas mudanças nessas crianças e adolescentes formarão adultos mais conscientes e preparados.


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