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A COPA FORA DAS QUATRO LINHAS

Privação da liberdade, homofobia e clima extremo: detalhes sobre o Catar que foram muito além do futebol

Por Gabriel Pimenta e Luiza Borges

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Ao ver Lionel Messi levantar a gloriosa taça dourada em meio a uma multidão de torcedores pintados de azul e branco podemos afirmar, a Copa do Mundo de 2022 foi finalizada em grande estilo. O maior evento esportivo do Planeta Terra terminou mais uma edição com um triste fim para os brasileiros, mas muito feliz para nossos vizinhos sul-americanos. A até então bicampeã do Mundial começou sua campanha rumo ao tri de forma inesperada. Uma derrota amarga para a “inofensiva” Arábia Saudita na estreia do torneio não fez com que os Hermanos se abalassem e o sonho de ver o maior ídolo de sua história ganhar a copa se manteve vivo. Superando o também campeão mundial Diego Armando Maradona, o Argentino de 1,69 metros de altura e uma canhota incrível carregou a Albiceleste de encontro a França no estádio Lusail no Catar.

De um lado o jovem Kylian Mbappé, e do outro o veterano Lionel Messi, ambos com o mesmo sonho, levantar o troféu de ouro e serem eternizados na história com a glória eterna. O francês de 23 anos foi o grande protagonista da final, marcando três gols e acertando a cobrança na disputa de pênaltis, sendo o artilheiro do torneio. Apesar disso, o baixinho de 35 anos que chegou a marcar dois gols no jogo levou o prêmio de melhor jogador do torneio.

Enquanto de um lado da América do Sul houve muita comemoração, do outro ficou o sentimento de que poderia ter sido feito mais. A campanha brasileira foi abaixo das expectativas, com três vitórias em cinco jogos, a maior campeã do Mundial caiu nas quartas de final contra a seleção croata. Após um empate em tempo normal, Dominik Livakovi, o herói croata pegou a primeira cobrança de pênalti da seleção canarinho e, após o capitão Marquinhos chutar para fora, foi decretada a eliminação da nossa seleção. Apesar da eliminação precoce, houve coisas boas na campanha, como o gol de voleio do camisa nove, Richarlison, que venceu o prêmio de gol mais bonito do campeonato. Além disso, chegou ao fim o ciclo do técnico Tite e sua comissão dentro da seleção brasileira. O treinador já havia anunciado que deixaria o comando técnico da canarinho após a Copa do Mundo, com isso, os dirigentes da CBF passaram a procurar novos técnicos no mercado.

Importante ressaltar a campanha de seleções menores, como foi o caso da seleção do Marrocos. Os africanos foram a maior surpresa do campeonato, passando por grandes seleções. Bélgica, Espanha e Portugal foram algumas das vítimas da seleção marroquina, que também venceu Canadá e arrancou um empate da Croácia. Tudo isso levou Hakimi, Ziyech e outros bons jogadores a enfrentar a finalista França na semifinal, onde acabaram por ser eliminados. Outras seleções que também surpreenderam bastante foram Austrália, Senegal, Japão, Estados Unidos e Coréia do Sul, que alcançaram a fase de oitavas de final.

Além dos prêmios de melhor jogador do campeonato e gol mais bonito, distribuídos para Messi e Richarlison, respectivamente, A FIFA premiou a revelação do torneio e o melhor goleiro. O meia argentino Enzo Fernández levou o prêmio de revelação, enquanto o também argentino, Emiliano Martínez, levou para casa a luva dourada de melhor guarda-redes da Copa do Mundo do Catar.

O Catar

Um país com 11.571 km² (quilômetros quadrados) de extensão territorial, o que representa metade do território do Sergipe. Cerca de três milhões de habitantes e um sistema político de monarquia absolutista desde meados do século XIX, o Catar será palco do maior evento esportivo do globo. A Copa do Mundo de 2022 foi definida para acontecer no país ainda em 2010, em cerimônia realizada na sede da FIFA em Zurique.

A grande comemoração por parte dos líderes cataris ao saber que o país havia sido votado escondia polêmicas relacionadas à escolha do Catar como país-sede. A justiça dos Estados Unidos afirmou que Rússia e Catar subornaram cartolas para sediar a Copa, conforme divulgado no portal de notícias ‘Trivela’. Escândalos de violação dos direitos humanos também são frequentes no território árabe.

A escolha do país-sede para a Copa de 2022 foi realizada em conjunto com a da Copa de 2018, da Rússia, e foi feita por meio de votação do Comitê Executivo da FIFA. Atualmente denominado Conselho da FIFA, é composto de um representante por país-membro, eleitos por meio do congresso da FIFA. Atualmente o Conselho é presidido pelo camaronês Issa Hayotou, devido ao banimento do ex-presidente Joseph Blatter por conflito de interesses e por aceitar benefícios. Em 2014, uma investigação concluiu que houve compra de votos no processo de escolha do Catar como sede do Mundial.

Haveria até um brasileiro envolvido, Ricardo Teixeira, ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que votou a favor do país do Oriente Médio.

O Catar possui denúncias por ferir os direitos humanos. Por se tratar de um país com um governo autoritário e machista, as mulheres demoraram a ter direitos humanos básicos, como ler e escrever, que só foram adquiridos com a luta de grupos de mulheres, por uma igualdade de gênero, como explica a doutoranda e professora de Relações Internacionais, Rafaela Sanches.

“Podemos entender que é um governo (do Catar) extremamente conservador no que diz respeito à liberdade das mulheres, com limitação de algumas liberdades… A gente pode pensar que elas (as mulheres) têm um grau de liberdade sim, dentro dos pressupostos culturais dos costumes do país, porque do ponto de vista ocidental há sim uma rigidez muito grande na questão das mulheres, principalmente porque existem muitas proibições”, pontua.

Não apenas mulheres sofrem discriminação no país. A homossexualidade é criminalizada no Catar e pode ser punida com até três anos de prisão. Fato que levou o Comitê Organizador a anunciar que acolherá torcedores LGBTQIAP+ que estarão presentes na Copa. Mesmo assim, uma cautela deve ser adotada por parte dos torcedores. “Dentro do alcorão (livro sagrado islâmico), algumas interpretações direcionam para que a homossexualidade não seja algo aceito na religião, porém o alcorão fala que o indivíduo tem a capacidade de escolher o que ele faz com a vida, com o corpo dele, e que com isso vai sofrer as consequências. Não é um fenômeno exclusivo do islamismo, a bíblia e outros textos religiosos seguem essa mesma linha”, explica Rafaela Sanches.

Já no âmbito esportivo, a partir de 1998 foram introduzidas competições que permitiam a participação de mulheres no país árabe, já que o esporte era raramente praticado por elas antes do século 21. Em 2020, o Catar encaminhou a criação de uma seleção feminina de futebol e de uma liga nacional de futebol feminino para o país. Já em 2022 foram realizados amistosos pela recém-criada seleção em plenos estádios construídos para a Copa do Mundo desse ano.

Todos os avanços jurídicos e sociais que cresceram a partir de 1990, na questão de igualdade de gênero, partiram de mulheres, que lutaram e buscaram seu espaço em meio a uma sociedade extremamente machista. Sheikha Mozah, mãe do atual emir do Catar (chefe de estado do país) e grande influência no Oriente Médio na busca de mulheres árabes para ter os mesmos direitos que homens foi por muito tempo uma voz ativa nas questões femininas, apoiando oportunidades no ensino superior e a criação de um cargo de gabinete no governo dedicado às preocupações das mulheres. Como resultado, mulheres no Catar possuem cada vez mais oportunidades de carreira, incluindo posições de liderança, em educação, bancos, saúde e até diplomacia.

COMO O CLIMA MUDOU A COPA DO MUNDO?

Fatores climáticos foram decisivos na mudança de data da Copa. O evento, que normalmente ocorre entre os meses de junho e julho, teve seu período alterado para novembro, pois o verão catarense pode atingir temperaturas de até 40°. Mesmo assim, em novembro o país também atinge altas temperaturas, por isso não apenas os shoppings do país, mas os estádios construídos também possuem altas tecnologias de climatização, utilizando painéis solares como fonte de energia.

O processo de construção dos estádios que sediaram os jogos foi repleto de polêmicas. Em fevereiro, o jornal britânico ‘The Guardian’ revelou que mais de 6.500 trabalhadores migrantes morreram no Catar, desde a escolha da FIFA, em 2010, para o país ser sede da Copa do Mundo de 2022. Graves denúncias de trabalhadores em condições análogas à escravidão foram pauta até mesmo entre os jogadores, como acusou o jogador do Real Madrid e da seleção alemã, Toni Kroos: “os imigrantes são submetidos a jornadas de trabalho contínuas, sob temperaturas de 50ºC, não são alimentados de forma digna e não têm acesso a água potável.”, afirmou o atleta alemão, em um podcast conjunto com seu irmão, Félix Kroos.

Seguindo o mesmo caminho, no dia 24 de março de 2022, jogadores da seleção da Noruega, em partida válida pelas eliminatórias do mundial, usaram camisetas com a frase “direitos humanos dentro e fora de campo”, para denunciarem a situação dos migrantes que trabalham no Catar. Um dia depois, a própria Alemanha de Toni Kroos repetiu o gesto contra a Islândia.

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