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PRODUTOS DA TERRA: A NATUREZA EM DESTAQUE COM O MST
Desde 1984, o movimento atua, principalmente, na busca por uma reforma agrária popular
Por Rebeca Nicholls
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O Movimento Sem Terra (MST) existe desde 1984 e tem como princípios a luta pela terra, a luta por reforma agrária popular e a busca por transformações sociais. Em busca da realização desses pilares, desapropria latifúndios que não estão cumprindo a sua função social para a produção de alimentos. Mas será que é possível afirmar que a atuação do movimento contribui para a produção de alimentos saudáveis e sustentáveis e, ao fim, contribui para uma sociedade mais justa?
REFORMA AGRÁRIA POPULAR: COMO FUNCIONA?
O Brasil possui uma história muito turbulenta, não só no que tange à posse de terras, mas em vários outros aspectos. É um país que foi construído através de genocídio dos povos tradicionais, sequestro e exploração de pessoas dos mais diversos lugares da África. E que mesmo após o fim da escravidão e inúmeros documentos que declaravam não só o trabalho forçado de negros e indígenas, mas também o preconceito com essas populações algo inaceitável e criminoso, a situação para os descendentes dessas pessoas não melhorou muito.
A realidade é que enquanto negros e indígenas eram explorados, os que exploravam viviam do trabalho deles em terras que haviam recebido ao entrar no país junto com os outros portugueses. E mesmo com o passar do tempo, muitos dos descendentes dessas pessoas ainda possuem essas mesmas terras. Voltando um pouco no passado, é possível identificar que o fim da escravidão não emancipou os negros que haviam sido explorados, mas sim os deixou a margem da sociedade, sem terras ou posses.
É de extrema importância conhecer o passado de um país para entendê-lo e, no caso do Brasil, não é diferente. Quando se fala de reforma agrária popular, é preciso refletir sobre quem tem a posse das terras rurais brasileiras e o mais importante: se essas terras são produtivas. O Movimento Sem Terra (MST) trabalha principalmente por essa reforma e tem a busca por uma reforma agrária popular como um dos seus principais pilares.
O conceito de reforma agrária popular pode ser definido por uma redistribuição justa das terras. Mas essa reforma vai muito além disso, principalmente quando se trata da reforma agrária que o MST busca. Isso pois o trabalho desse movimento é buscar essa reforma de forma ativa, através de um processo que envolve a desapropriação de terras que não estão cumprindo sua função social. Agatha Azevedo, participante do coletivo de direção regional do MST na região metropolitana de Belo Horizonte, explica como a reforma agrária se relaciona com os pilares do movimento.
“O movimento funciona reivindicando a terra e distribuindo para as famílias que produzem alimentos saudáveis para o campo e para a cidade. Para fazer isso o movimento se baseia na constituição brasileira que diz sobre a função social da terra, então se a terra não está sendo usada, ela pode ser desapropriada para fins de reforma agrária. O princípio do nosso movimento é lutar por terra. As pessoas precisam de um pedaço de terra para plantar, depois lutar pela reforma agrária, que é esse contexto mais amplo, não é só a terra, mas é também saúde, educação, cultura, ter acesso à escola do campo, conseguir ir para uma faculdade e, por último, transformações sociais, porque a gente quer essa mudança para o MST, mas a gente também quer uma mudança para a sociedade.”
COMO SE FORMA UM ASSENTAMENTO DO MST?
Colheita
Desde suas origens, o Movimento Sem Terra é alvo de diversas críticas que, muitas vezes, são embasadas em informações falsas sobre o seu funcionamento. Grande parte do trabalho do MST envolve a formação de assentamentos e é justamente nesse contexto em que estão a maior parte das informações inverídicas que são divulgadas sobre o movimento.
Os trabalhos do MST são baseados na própria constituição, isso pois dentre os direitos que foram estabelecidos através da constituição promulgada em 1988 está o direito à propriedade, mas com algumas ressalvas. Toda propriedade tem que cumprir a sua função social, caso contrário pode ser desapropriada. Além disso, ao executar a desapropriação da terra, a União paga uma indenização ao antigo dono.
Agatha Azevedo explica como funciona o processo de escolha e desapropriação de terras:
“O movimento ocupa locais que não cumprem sua função social da terra, ou seja, são lugares que estão improdutivos, vazios e parados, são terras devolutas da união que também estão paradas, são terras com degradação ambientais ou com registros de trabalho escravo e são terras de latifúndios, não são pequenos sítios, são lugares enormes explorados pelo capital financeiro e que não estão cumprindo a sua função. Então não é a chácara de uma pessoa de classe média, não é uma fazenda produtiva, não é algo aleatório.”
A partir do momento em que o movimento ocupa uma terra que não está cumprindo a sua função social, essa terra se torna um acampamento do MST. As famílias passam a viver no local e se iniciam as plantações. Nesse momento o estado também é acionado para que o terreno seja desapropriado e, assim que a desapropriação é efetivada, o terreno se torna um assentamento. Atualmente o MST possui 450 mil famílias assentadas.
No campo, o movimento também busca construir escolas, tendo a educação como área prioritária. Pois o movimento entende que o ensino é parte do processo de reforma agrária. Pensando nisso, atualmente, o MST possui mais de 2 mil escolas construídas em acampamentos e assentamentos.
Por Agatha Azevedo
MEIO AMBIENTE E AGRICULTURA: O QUE É A AGROECOLOGIA E COMO O MST A UTILIZA EM SEUS ASSENTAMENTOS?
O MST é atualmente o maior produtor de arroz orgânico do Brasil e isso diz muito sobre como funciona a produção dos alimentos nos seus acampamentos e assentamentos. Procurando pensar no impacto ambiental, o movimento produz sem a utilização de agrotóxicos. Além disso, os trabalhadores sem-terra buscam utilizar ideias agroecológicas em todos os processos envolvidos na produção.
Antes de entender como o movimento utiliza a agroecologia em seus acampamentos e assentamentos é preciso entender o que é agroecologia. Esse termo vem sendo muito utilizado atualmente e traz consigo algumas particularidades. A engenheira agrônoma,pesquisadora da área de agroecologia e professora no Instituto de Ciências Agrárias da UFMG, Márcia Martins, explica sobre o conceito.
“A definição de Agroecologia está em constante construção, em movimento como devemos realmente pensar esse conceito. Ou seja, a Agroecologia é uma ciência em formação que tem o foco na prática ecológica e não se distancia do movimento político-social. Os princípios da Agroecologia orientam a agricultura rumo a sustentabilidade em todas as suas dimensões: Econômica (acesso aos mercados; geração de trabalho e renda); Ecológica (interações ecológicas nos ecossistemas; preservação dos recursos naturais); Social (inclusão das populações menos favorecidas; segurança e soberania alimentar); Cultural (respeito às tradições); Política (Organização; gestão participativa); Ética (valores morais transcendentes/ verdade, arte, bondade/ciência, cultura, religião).”
A pesquisadora explica também que a agroecologia é uma ciência ainda em formação que inclui diversas técnicas de manejo que contribuem para uma agricultura ecológica. A Agroecologia traz princípios/fundamentos que orientam uma forma de produzir que esteja próxima das multidimensões da Sustentabilidade. Esses diferentes tipos de “Agriculturas” de base ecológica possuem técnicas de manejo e de tratos culturais que podem culminar em uma agricultura de base sustentável. Algumas “Agriculturas” de base ecológica: Agricultura Orgânica; Agricultura Biodinâmica; Agricultura Natural; Sistemas Agroflorestais; Agricultura Sintrópica; entre outras. São essas diferentes formas de produzir que disponibilizam técnicas distintas”, explica.
Em seus acampamentos e assentamentos, o MST atende a lógica da agrofloresta. Em entrevista, Agatha Azevedo explica um pouco sobre esse processo.
“A gente utiliza técnicas da agroecologia nos acampamentos e assentamentos, a gente utiliza muitas caudas, plantio com solo coberto, na lógica das agroflorestas que é remontar o que a natureza construiu, aquele ciclo de abastecimento, cuidado e nutrição do solo e das plantas, tal qual era antes da terra se tornar agricultável, antes do ser humano colocar trabalho em cima dela. Então a maioria dos nossos territórios são agroecológicos e tendem a lógica da agrofloresta. A gente faz cursos de tempos em tempos de formação e a gente também tem convênios com universidades e institutos federais para que os acampados e famílias assentadas aprendam a dominar essa técnica”, ressalta.
Os Sistemas Agroflorestais (SAFs) são uma das formas de agricultura de base ecológica que fazem parte da agroecologia. Esse sistema pode ser dividido em alguns tipos, e dentre eles está a chamada “Agrofloresta”.
“Os Sistemas Agroflorestais (SAFs) e a Agricultura Sintrópica, fundamentados na Agroecologia, podem ser adotados como estratégias de reflorestamento (e produção de alimentos). SAFs são implantados de uma vez. Na Agricultura Sintrópica respeita-se a sucessão natural, ou seja, a implantação ocorre em várias etapas (como acontece em ecossistemas naturais)”, explica Márcia Martins.
A pesquisadora ressalta ainda que as SAFs são classificados em:
Sistemas Agropastoris (agricultura + pecuária)
Sistemas Silvipastoris (floresta + pecuária)
Sistemas Agrossilviculturais, a agrofloresta propriamente dita (agricultura + floresta)
Sistemas Agrossilvipastoris (agricultura + floresta + pecuária)”
Um fator muito importante para a produção de alimentos que estejam de acordo com os ideais da agroecologia é a produção de alimentos sem a utilização de agrotóxicos ou qualquer tipo de toxina que possa prejudicar não só a qualidade do solo como também a do alimento. Esse fator é também parte importante da produção de alimentos nos acampamentos e assentamentos do MST. Agatha Azevedo fala sobre a importância de uma produção que busque não utilizar agrotóxicos em seus processos:
“A gente preza pelo que a gente chama de saúde coletiva. A gente fala que saúde é a capacidade de lutar contra tudo aquilo que nos oprime, então a gente produz sem agrotóxico, mas não apenas sem agrotóxicos, sem qualquer outra forma de violência, a gente produz com base na agroecologia e não existe agroecologia sem respeito às crianças, sem respeitos as mulheres e aos iguais e ao ser humano. Então dentro dos nossos territórios todos os plantios são feitos de maneira agroecológica, provando que é possível sim produzir alimento saudável sem o uso de agrotóxicos”, justifica.
PRODUTOS DA REFORMA AGRÁRIA: O QUE É O ARMAZÉM DO CAMPO?
O MST trabalha envolvendo várias pessoas, tendo para além dos seus assentamentos e acampamentos, suas agroindústrias, cooperativas, associações, escolas itinerarias, escolas do campo e redes do Armazém do Campo. Os produtos produzidos pelo MST têm um pouquinho de cada um desses lugares. Sendo o Armazém do Campo o destino, para onde os alimentos vão após todo o processo de produção. Agatha Azevedo também explica sobre esse processo.
“Os alimentos produzidos pelo MST são enviados para as feiras locais.A gente tem algumas na região metropolitana de Belo Horizonte, mas também no interior e a gente tem as redes do Armazém do Campo que hoje é presente em diversos estados e em Minas Gerais não fica apenas em Belo Horizonte, mas em outros locais. A gente vai inaugurar um em Juiz de Fora, e temos outra filial em Montes Claros e no Jequitinhonha. Nós estamos nos estruturando para chegar em todas as regiões. O armazém do campo, tal qual todas as estruturas do movimento, participa do todo da organização. Então a militância que hoje trabalha no armazém do campo também constrói o nosso movimento, também pensa em agroecologia, alguns são filhos de acampados ou assentados, outros são acampados ou assentados, outros entraram de outras formas na luta, mas é tudo muito integrado, então há uma participação geral em todos os espaços”, ressalta.
A Natureza Em Destaque
O mundo está em um momento em que é preciso pensar no impacto ao meio ambiente em tudo o que o ser humano faz. E com a agricultura não é diferente. O último relatório do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicou que as emissões nocivas de carbono de 2010 a 2019 foram as mais altas da história. Além disso, o desmatamento da Amazônia no período de agosto de 2021 a julho de 2022 aumentou 3% em relação ao ano anterior, chegando a 10.781 km² de floresta derrubada. Dados como esse indicam a necessidade do uso de técnicas que unem a produção de alimentos com a preservação ambiental.
A agroecologia traz consigo pensamentos e técnicas que trazem alternativas à agricultura convencional. Marcia Martins explica um pouco sobre o surgimento da agricultura convencional.
“A Agricultura Convencional surgiu com a Revolução Verde. Ganhou forças, no Brasil, na década 60/70. Teve apoio das Instituições de ensino, pesquisa, extensão e assistência técnica e, também, dos bancos. Os bancos liberavam os créditos rurais mediante a apresentação de um projeto com o emprego dos pacotes tecnológicos da Revolução Verde (o uso era checado em campo). Esses pacotes tecnológicos, referenciados como ‘modernos’, eram compostos por: agrotóxicos, adubos altamente solúveis, máquinas e implementos, sementes híbridas (atualmente, sementes transgênicas também). Essa forma “moderna” de produzir gerou dependência de insumos externos à propriedade e, também, endividamento de muitos produtores (inclusive com perda de suas propriedades para pagamento de dívidas com o banco)”, explica.
Já a agroecologia traz consigo técnicas que, por serem realizadas sem o uso de agrotóxico, também pensam na preservação da flora nativa, ao dar prioridade principalmente para a produção frutas e legumes nativos. Ao produzir agroecologicamente, o MST dá um passo para uma agricultura saudável e que traz a preservação da natureza para um lugar de destaque.