Sistematização de Experiências

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Social

Série EcoSol

Caderno 02 - 2009

Sistematização de Experiências em Economia Solidária



Apresentação Introdução I - Sistematização de experiências: uma introdução ao tema - Mas o que significa “sistematizar experiências”? - E qual a diferença entre sistematizar informações e sistematizar experiências - Sistematização de experiências, avaliação de projetos e pesquisa - Acontece a sistematização sem participação? - Agora que aprendi alguma coisa, posso sistematizar? - Sistematização e comunicação II - Práticas e instrumentos para a Sistematização de Experiências - Como podemos organizar uma equipe de sistematização? - Mas eu preciso de recursos e de tempo para a sistematização - Proposta metodológica - Agora a gente já pode planejar o processo de sistematização - Recuperação, análise e interpretação crítica da experiência - Recuperação e análise de informações secundárias - Recuperação e análise de informações primárias - É a hora de construir a “linha do tempo” da experiência - Realização de entrevistas individuais - Devolução das informações: análise e interpretação crítica - Como faço agora o informe ou documento de sistematização? - Agora preciso fazer a comunicação dos aprendizados - Estratégia de comunicação - Com tudo planejado, vamos elaborar os materiais - Fica mais fácil quando promovemos eventos de socialização III - Palavras finais Bibliografia

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SISTEMATIZAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS EM ECONOMIA SOLIDÁRIA Caderno 2 da Série “Marista Social” Realização: Instituto Marista de Solidariedade - IMS Diretor: Vicente Falqueto Gerência Social – UBEE/UNBEC Gerente Social: Cláudia Laureth Faquinote Coordenação da Publicação: Rizoneide Souza Amorim Shirlei A. A. Silva Consultoria para Elaboração: Ailton Dias dos Santos Revisão, Desenho, Editoração: Marcelo Inácio de Sousa

Instituto Marista de Solidariedade SDS, Bloco F, N.27, Conjunto Baracat, Salas 113/115 CEP: 70392-900 Fone: (61) 3224.1100 - 3321.4955 Fax: (61) 3226.6422 ims@marista.edu.br http://www.ims.org.br Brasília/DF 2009


Registrar e sistematizar os conhecimentos e práticas vivenciadas por grupos e comunidades tem sido grande desafio para os movimentos sociais. O Instituto Marista de Solidariedade, percebendo esta lacuna seja junto às entidades apoiadas pelo fundo de pequenos projetos, seja no acompanhamento aos movimentos que demandam registrar seus processos e conhecimentos - em especial, junto ao movimento de economia solidária - colocou-se o desafio de contribuir com o registro de atividades e propõe a elaboração deste Caderno Temático Como Sistematizar Experiências de Economia Solidária. Esta publicação pretende subsidiar pessoas diretamente envolvidas no movimento de economia solidária visando apoiar a sistematização e comunicação das suas experiências. Não pretende oferecer uma análise teórica sobre sistematização ou sobre economia solidária, mas apresentar pistas de registro das ricas vivências sociais. Na primeira parte procura-se registrar algumas idéias e noções centrais que fundamentam a prática da sistematização de experiências: uma introdução ao tema, apresentando o significado de “sistematizar experiências”; qual a diferença entre sistematizar informações e sistematizar experiências; avaliação de projetos e pesquisa; diferenças e semelhanças entre os processos de avaliação de projetos, sistematização de experiências e pesquisa. Aborda também sistematização e participação; sistematização e lições aprendidas; sistematização e comunicação, bem como dicas para saber mais sobre o tema. Na segunda, procura-se oferecer alguns instrumentos, orientações e sugestões às pessoas diretamente engajadas na tarefa de sistematizar experiências. Mostra práticas e instrumentos para a sistematização de experiências - equipe de sistematização; recursos e tempo para a sistematização, bem como uma proposta metodológica, planejamento, recuperação, análise e interpretação crítica das experiências, e por último, a comunicação dos aprendizados. É com muita alegria que apresentamos este Caderno 02, da Série Marista Social. Boa leitura a todas/os! Cláudia Laureth Faquinote Gerente Social – UBEE/UNBEC

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Nos últimos anos temos vivenciado no Brasil uma proliferação de processos e experiências de economia solidária. Empreendimentos solidários florescem por todo o país, sem que se tenha ainda uma real dimensão dos seus impactos e das relações econômicas que eles promovem. Assiste-se à ampliação de uma intensa rede que conecta empreendedores(as), gestores(as) públicos e consumidores(as). São feiras, oficinas, redes, fóruns, programas e projetos que ocorrem em todo o país de maneira dinâmica e envolvendo uma pluralidade de grupos sociais. Sempre que oportuno, forneceremos as referências bibliográficas onde o leitor poderá obter maiores informações e conteúdos sobre os temas aqui tratados. Desta forma, procuramos atender à necessidade de um material de consulta rápida, mas que ao mesmo tempo seja um convite a outras leituras, estudos e ao aperfeiçoamento das práticas de sistematização.

I - Sistematização de experiências: uma introdução ao tema Este documento se propõe a auxiliar pessoas e organizações que se dedicam à tarefa de sistematizar experiências de economia solidária. Mas antes de adentrarmos no tema da sistematização propriamente dito, será importante refletirmos sobre o que é uma experiência de economia solidária e porque consideramos importante a sua sistematização. A noção de experiência, como utilizada aqui, refere-se a um processo de acúmulo de conhecimentos por parte de indivíduos ou grupos de pessoas. Os conhecimentos acumulados por meio das experiências não estão relacionados a procedimentos formais de ensino e aprendizagem e sim a processos vividos pelas pessoas na sua prática cotidiana nos grupos, organizações e eventos de economia solidária, entre outros. Assim, consideramos que estas experiências


produzem conhecimentos novos que são apropriados e re-trabalhados pelas pessoas em um processo rico e dinâmico.

importante lembrar

Uma experiência é o resultante de uma sucessão de tentativas, erros e acertos. Portanto as experiências podem ter impactos positivos ou negativos na vida das pessoas, grupos e organizações. Mas em ambos os casos, novas visões e novos saberes são acumulados, o que provoca uma realimentação das práticas e das escolhas anteriores. A figura abaixo procura demonstrar de maneira simplificada este fluxo de produção de conhecimentos a partir de experiências vividas.

Tentativas Erros Acertos

Experiência vivida

Novos conhecimentos acumulados

Uma vez compreendido o papel das experiências na construção do conhecimento e no aprimoramento das práticas individuais e grupais, é hora de refletirmos sobre a importância da sistematização das mesmas. Por que queremos sistematizar as experiências de economia solidária nas quais estamos envolvidos(as)? Podemos pensar em várias respostas para esta pergunta. Em geral elas

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remetem a uma constatação simples e ao mesmo tempo realista: os conhecimentos gerados nas experiências podem se perder com o passar do tempo e uma vez perdidos é muito difícil recuperá-los. É muito comum no movimento da economia solidária a constatação de que muitas experiências de grande riqueza se perdem com o passar do tempo por falta de registros e de comunicação da experiência a outros grupos. Muito freqüentemente a riqueza das experiências e os ensinamentos por elas gerados ficam guardados na memória de poucas pessoas. Como em geral as pessoas transitam por diferentes trabalhos, lugares, organizações e processos sociais e políticos, o acesso aos conhecimentos gerados pelas experiências torna-se cada vez mais restrito. O problema da perda da memória das experiências ou a dificuldade de acesso à mesma nos leva a outra constatação problemática: temos dificuldade em produzir registros das experiências e dos conhecimentos por elas gerados. A cultura brasileira é fortemente marcada pela tradição oral. Embora nas últimas décadas o país tenha avançado muito na erradicação do analfabetismo e na elevação do nível de escolaridade da população, é justo afirmar que o hábito da leitura e a habilidade para a produção de textos ainda estão restritos a uma minoria. A situação se agrava no interior do país e no meio rural. Isso explica em grande parte a nossa dificuldade em produzir registros escritos das experiências vivenciadas pelos movimentos sociais nas mais diferentes realidades. Um segundo aspecto não menos importante é o fato que dedicamos a maior parte da nossa energia na realização das ações inerentes à própria experiência e reservamos pouco espaço e tempo para processos de reflexão, análise crítica e registro dos processos vividos. Temos a clara percepção de que acumulamos muitos conhecimentos a partir das experiências práticas, mas temos grande


dificuldade para comunicar estes saberes para outras pessoas e grupos já que, quase sempre, não produzimos registros qualificados. Uma feira de economia solidária pode começar com um pequeno grupo de pessoas e organizações. Com o passar dos anos este grupo vai ampliando seus saberes, adquirindo experiências e melhorando a organização da feira, a qualidade do comércio e seus benefícios econômicos. Mas como aproveitar esta experiência acumulada para incentivar outros grupos e organizações? Como contar a outras pessoas a história social da feira? Como a sistematização pode ajudar nesse processo? A sistematização pode orientar a produção de registros e materiais de divulgação capazes de influenciar outros grupos, pessoas, gestores públicos e consumidores. Além disso, ela pode realimentar nossas práticas a partir dos aprendizados adquiridos em nossas próprias experiências. Em resumo, o objetivo central do processo de sistematização é a produção de novos conhecimentos. Agora que já discutimos a importância das experiências vividas e seu papel na produção de novos conhecimentos, é hora de buscarmos um entendimento sobre o que vem a ser uma sistematização de experiências.

Mas o que significa “SISTEMATIZAR EXPERIÊNCIAS”?

Sem a pretensão de realizarmos uma discussão teórica mais aprofundada sobre o conceito de sistematização é importante lembrar que existem várias correntes de pensamento em torno deste tema. Vamos nos basear principalmente nos enfoques, abordagens e metodologias de sistematização de experiências desenvolvidos no âmbito dos movimentos de educação popular em vários países da América Latina. Embora não seja a nossa intenção apresentar uma revisão bibliográfica sobre o tema, procuraremos citar, ao longo do texto, algumas literaturas de referência para aqueles que desejarem um estudo mais aprofundado.

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Com base na formulação resultante da Oficina Regional de Sistematização e Comunicação do Programa Especial para a Segurança Alimentar na América Central ¹, podemos considerar que a sistematização de experiências significa:

a Um processo ordenado de resgate e reconstrução das experiências vividas; a A geração de novos conhecimentos por meio da reflexão crítica realizada pelos atores que participaram diretamente da experiência;

a A produção de documentos e materiais que sirvam de suporte para a comunicação dos resultados e aprendizados da experiência, tanto no interior do grupo ou organização, quanto no seu entorno.

E qual a diferença entre SISTEMATIZAR INFORMAÇÕES e SISTEMATIZAR EXPERIÊNCIAS?

Consideramos que a sistematização de informações refere-se ao recolhimento, ordenamento, registro e classificação de dados e informações produzidos por um dado grupo, processo ou evento. A criação e implementação de banco de dados é talvez o exemplo mais significativo de um processo de sistematização de informação. Ele permite a produção de sínteses, gráficos, resumos e relatórios a partir do estoque e informações armazenadas. Já a sistematização de experiência refere-se se ao ordenamento e análise crítica dos processos vividos e aprendizados obtidos pelas pessoas que tomaram parte na experiência. Neste caso, a experiência é vista como um processo dinâmico, que ocorre durante certo período de tempo e do qual participam diferentes atores e atrizes. Por sua vez, estes possuem diferentes opiniões e visões sobre a experiência, seus pontos fortes e fracos e aprendizados obtidos. Assim, a sistematização da experiência busca resgatar e registrar aspectos objetivos e subjetivos que estão na memória das pessoas e que formam um conjunto de conhecimentos gerados no processo. Uma feira de economia solidária, por exemplo, é realizada por um grande (1) PESA/FAO. Guia Metodológica de Sistematización. Programa Especial para la Seguridad Alimentaria (PESA) em Centroamerica. Tegucigalpa, Honduras: PESA/FAO, 2004. 62p.


número de pessoas e organizações. Para cada pessoa a experiência da feira traz um aprendizado diferente e que vai se aprimorando a cada nova versão do evento. A sistematização dessa experiência ajuda a captar as diferentes visões e aprendizados para comunicá-los a outros grupos e pessoas. Considerando o entendimento acima, é possível visualizarmos várias utilidades para a sistematização de experiências e podemos agrupá-las em dois grandes grupos de idéias:

a A sistematização pode ser um importante instrumento para a geração de novos conhecimentos. Estes novos saberes poderão realimentar as práticas e as ações de pessoas e instituições inseridas na própria experiência e no seu contexto. a A sistematização se relaciona com a comunicação na medida em que permite o compartilhamento de saberes, práticas e informações entre pessoas, grupos e instituições. Ao aliarmos sistematização e comunicação podemos influenciar outros atores e atrizes externos à própria experiência, como tomadores(as) de decisão, agentes financeiros, gestores(as) públicos(as), consumidores(as) e governantes.

SISTEMATIZAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS, AVALIAÇÃO DE PROJETOS E PESQUISA

A sistematização de experiências é freqüentemente confundida com avaliação de projetos ou com pesquisa acadêmica. Sem desmerecer a importância de cada um destes processos, é importante estabelecermos as diferenças e semelhanças entre os mesmos. Ao analisarmos uma experiência podemos optar ora pela avaliação, ora pela sistematização e ora pela pesquisa. Nossa escolha vai depender, portanto, da nossa intencionalidade e dos nossos objetivos. A seguir, no quadro comparativo, é possível visualizar bem as semelhanças e diferenças entre a avaliação de projetos, a sistematização de experiências e a pesquisa.

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AVALIAÇÃO DE PROJETOS

SISTEMATIZAÇÃO

PESQUISA

Centra-se em um projeto

Centra-se em uma experiência

Centra-se em um problema

Interessam os resultados, em relação às metas programadas inicialmente

Interessam os processos, os procedimentos e o contexto

Seu interesse depende do sujeito da análise

Interessa-se em medir e comparar

Preocupa-se em refletir e aprender

Preocupa-se em analisar e comparar

O conhecimento surge a partir da avaliação

O conhecimento surge a partir da prática

O conhecimento surge da discussão teórica

Fica a cargo de especialistas

Fica a cargo de promotores e pessoas que vivenciaram a experiência na prática

Fica a cargo de especialistas

As fontes de informação são internas ou externas

A fonte de informação é interna ao sujeito

As fontes de informações são externas ao sujeito

Fonte: Hurtado (2001) – Grifos do autor.

Como vimos, em uma sistematização o objeto de conhecimento é uma prática social ou experiência de intervenção numa dada realidade. O interesse principal, neste caso, é resgatar a vivência da experiência ou da intervenção. A finalidade é aprender a partir da experiência para melhorar as práticas e as ações futuras.


Acontece a SISTEMATIZAÇÃO sem PARTICIPAÇÃO? Como visto no quadro ao lado, a sistematização tem como pressuposto que os próprios sujeitos envolvidos na experiência participem ativamente do ato de sistematizar. Mas como podemos fazer isso em situações em que os grupos populares não dominam as técnicas e metodologias de sistematização? Ou ainda mais: qual o papel dos(as) assessores(as) técnicos(as) no processo de sistematização, já que ele ficaria a cargo dos(as) próprios(as) envolvidos(as)? No Brasil, os movimentos sociais e organizações populares têm pouca tradição em processos de sistematização de experiências. O número de pessoas com conhecimento e habilidades para facilitar este tipo de processo é ainda muito reduzido. Se considerarmos grupos populares com baixo nível de escolaridade e cidadania, é pouco provável que eles tenham condições de promover e implementar, por si próprios, processos de sistematização de suas ricas experiências. Comumente, estes grupos têm que recorrer a pessoas com formação técnico-acadêmica que possam facilitar o processo, especialmente em relação à produção de documentos escritos. Porém, há uma linha muito tênue entre o protagonismo dos grupos envolvidos nas experiências e a dependência do saber técnico dos facilitadores(as) ou assessores(as) externos. Como enfrentar este dilema? Uma reposta possível à pergunta pode estar na metodologia do processo de sistematização. O método deve prever um momento inicial onde os(as) assessores(as) e os grupos façam um debate conceitual para chegar a um entendimento coletivo sobre a tarefa de sistematizar e as razões da sistematização. Após a construção deste entendimento os grupos estarão mais aptos para levar adiante a sistematização, recorrendo ao saber técnico de maneira mais consciente.

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Os(As) organizadores(as) de uma rede de produção e comercialização solidária podem, por exemplo, convidar um(a) técnico(a) para auxiliá-los na tarefa de sistematizar a sua experiência de vários anos de trabalho. Mas antes de adentrar na tarefa da sistematização é importante que os(as) realizadores(as) e o(a) assessor(a) convidado(a) estabeleçam um acordo sobre o que se espera da sistematização e como cada pessoa ou grupo pode contribuir com o processo de registro e reflexão.

Agora que APRENDI algumas coisas, posso SISTEMATIZAR?

Como vimos anteriormente, um dos objetivos da sistematização de experiência é a obtenção, registro e comunicação de novos aprendizados, que podemos chamar simplesmente de lições aprendidas. Mas o que entendemos por lições aprendidas? As lições aprendidas em uma experiência podem ser entendidas como conhecimentos novos, bem fundamentados e adquiridos por meio das ações práticas dos grupos e instituições. Estas lições podem ser generalizadas para outros grupos ou organizações e também podem reforçar a ação dos próprios agentes envolvidos na experiência (Guijt, 2002). A obtenção de lições aprendidas ocorre quando o grupo realiza e sistematiza uma reflexão crítica sobre sua própria prática e se propõe a comunicar a outros grupos os resultados desta reflexão. As lições fazem todo sentido se o grupo pretende dar continuidade à experiência ou reproduzi-la em outros contextos, evitando-se em ambos os casos cometer os mesmos erros. Com base em PESA/FAO (2004) podemos formular algumas perguntas para orientar os grupos na identificação das lições aprendidas a partir da sua experiência:


a Se fossemos recomeçar a experiência hoje, o que faríamos diferente? a O que faríamos da mesma forma? a Que novos elementos deveríamos incorporar na experiência? a Que sugestões podemos dar para o aperfeiçoamento da estratégia

e métodos de trabalho? a Quais as nossas sugestões em termos de resultados e uso dos recursos investidos na experiência? a Quais as nossas sugestões sobre a sustentabilidade da experiência? a Que dúvidas e incertezas ainda permanecem? Se retomarmos o exemplo de uma feira de economia solidária realizada a cada ano em um município, veremos que estas perguntas são feitas de forma intuitiva pelos organizadores do evento nos momentos de avaliação e planejamento do evento. O desafio está em registrar as respostas, sistematizá-las e comunicá-las.

SISTEMATIZAÇÃO E COMUNICAÇÃO

O objetivo último da sistematização de experiências é intensificar o compartilhamento de informações e aprendizados. Isto é válido tanto internamente para o grupo que vivencia a experiência quanto em relação a atores, atrizes e grupos externos com os(as) quais a experiência pode dialogar. Assim, a comunicação está presente no próprio ato de sistematizar, seja em razão das reflexões coletivas e trocas interpessoais de informações e visões, seja pela difusão dos produtos finais da sistematização para públicos externos. A comunicação dos resultados da sistematização pode se dar tanto pela produção e difusão de documentos, relatórios, publicações, material audiovisual, entre outros, quanto pela realização de campanhas de divulgação, eventos de socialização dos resultados e intercâmbios com outros grupos ou instituições. Em qualquer evento de economia solidária sempre sentimos a necessidade de

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matérias de divulgação que possam contar a história das experiências e difundir a sua mensagem. A sistematização procura responder a esta necessidade.

PARA SABER MAIS SOBRE SISTEMATIZAÇÃO... Para um aprofundamento teórico-conceitual sobre sistematização de experiências, listamos a seguir alguns textos de referência de grande utilidade e importância didática. O livro organizado por Oscar Jara Holliday (Holliday, 2006), por exemplo, oferece um importante panorama sobre o papel da sistematização de experiências em processos de construção de conhecimentos. Em linguagem acessível, o texto procura abordar as questões chave que devem orientar qualquer processo de sistematização: O que é sistematizar? Para que serve sistematizar? Como sistematizar? O Centro de Estudos e Publicações Alforja, na Costa Rica, organizou em seu sítio na internet uma biblioteca virtual de sistematização. Ali é possível encontrar tanto textos mais teóricos sobre sistematização de experiências quanto guias metodológicos e documentos com resultados de sistematizações em diversos temas e realidades. O endereço eletrônico é: http://www.alforja.or.cr/sistem/biblio.html


Você pode pesquisar em algumas REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FRANCKE, Marfil & MORGAN, Maria de la Luz. La Sistematización: apuesta por la generación de conocimientos a partir de las experiencias de promoción. Escuela para el Desarrollo – Lima, 1995. 22p. HOLIDAY, Oscar Jará. Para sistematizar experiências. Tradução: Maria Viviana V. Rezende. 2ª Edição revista – Brasília: MMA, 2006. GUIJT, I. Lesson Learned. Learning by Design. 2002, 3p (mimeo) MARTINIC, Sergio. El objeto e la sistematización y sus relaciones con la evaluación y la investigación. Medellin, 1998. 119. MORGAN, Maria de la Luz. Búsquedas teoricas y epistemologicas desde la pratica de la sistematizacion. Lima, 1996. 12p

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II – Práticas e instrumentos para a Sistematização de Experiências Para organizações ou grupos que estão enfrentando pela primeira vez a tarefa de sistematizar suas experiências inicia-se, internamente, novo processo de aprendizagem. Mas como ordenar este processo e torná-lo o mais produtivo possível? Como não nos perdermos no emaranhado de tarefas cotidianas onde a sistematização vai se inserir? Que caminhos devemos trilhar? Vamos encontrar respostas possíveis para estas questões no campo da metodologia de sistematização que, em suma, procura tratar do “como fazer”. Neste sentido, procuramos explicitar aqui os passos que são necessários percorrer para se chegar a um bom produto do processo de sistematização de experiências. O pressuposto que perpassa as sugestões e propostas aqui organizadas é de que a sistematização de experiências é uma tarefa coletiva. Portanto é preciso criar os meios e as condições para que as pessoas que foram protagonistas da experiência possam se dedicar à sua sistematização de maneira ativa e crítica. Cabe ao método de sistematização incorporar nos seus procedimentos a participação como fator fundamental. Neste sentido, os(as) facilitadores(as) da sistematização devem ajustar a metodologia, as práticas e os instrumentos para que esta participação ocorra de maneira efetiva.

Como podemos ORGANIZAR uma EQUIPE DE SISTEMATIZAÇÃO?

Como dissemos, a sistematização de experiências deve ser encarada como tarefa coletiva. Mas esta afirmação não resolve a maior parte dos dilemas de “como fazer”. A adoção de métodos participativos de sistematização não implica em que “todos façam tudo”. Isso pode, inclusive, levar a uma situação em que ninguém faça nada ou faça muito pouco para que o processo avance. A decisão de fazer a sistematização é uma decisão política e dela devem tomar


parte o maior número possível de pessoas envolvidas diretamente com a experiência. Mas a execução das tarefas específicas da sistematização pode e deve ser atribuída a uma comissão ou equipe de trabalho que deverá liderar o processo, propor métodos, agendas, cronograma, parcerias, alocação de recursos entre outros aspectos relevantes. Antes de iniciar, é de grande ajuda definir: 1. QUEM PARTICIPARÁ NO PROCESSO: Depois de identificar todos os atores e todas as atrizes que estão relacionados(as) com a experiência, é a vez de decidir quais deles e delas poderiam contribuir e ter uma participação relevante (ou útil) no processo. Ainda que seja solicitada a participação de algumas pessoas somente na hora de fornecer informações, este é um passo importante para garantir uma ampla participação, bem diversificada, no processo. Nem todo mundo tem alguma coisa para contribuir. 2. QUEM COORDENARÁ O PROCESSO: É interessante ter um(a) coordenador(a) que seja responsável por estruturar um plano de trabalho (e se empenhe para que ele seja realizado), por convocar reuniões, por assegurar a realização das diferentes atividades e por garantir que os objetivos sejam alcançados. Se o grupo tiver experiência em coordenação coletiva, pode tentar não colocar tanta responsabilidade nas mãos de uma pessoa só. Em muitos casos pode ser importante contar com a participação de facilitadores(as) externos(as) à própria experiência. Eles(elas) devem compor a equipe ou comissão de sistematização com pessoas “de dentro”. Esta é também uma boa oportunidade para se estabelecer parcerias. Por exemplo: em uma sistematização realizada por ONG no Estado de Minas Gerais a participação de um grupo de estudantes universitários (estagiários) na equipe foi de grande auxílio na condução dos eventos de sistematização (reuniões, oficinas, seminário interno), nos registros, relatoria e redação dos textos finais. Neste caso, a coordenação do processo ficou a cargo de duas pessoas: um facilitador externo e um técnico da própria instituição.

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Mas eu preciso de RECURSOS e de TEMPO para a sistematização

É preciso considerar que a sistematização de experiência envolve recursos financeiros, materiais e humanos. Entre a idéia ou o desejo de sistematizar e a obtenção dos produtos finais há que se prever o tempo que será dedicado a este trabalho, número de pessoas que tomarão parte na equipe, recursos para a realização dos eventos e contratação de facilitadores(as) externos(as), publicações, disseminação etc. Uma tendência atual é de incluir nos orçamentos de programas e projetos itens de despesas relacionados com a sistematização de experiências. Isso pode ser uma boa alternativa para aqueles grupos ou organizações que não contam com recursos próprios destinados a este fim. Outra alternativa é buscar parcerias que possam viabilizar o processo do ponto de vista dos gastos financeiros, enquanto o grupo inserido na experiência disponibiliza os recursos não monetários (tempo e dedicação das pessoas, infraestrutura para os eventos, entre outros). Ao formularmos um projeto para a realização de uma feira, por exemplo, já podemos incluir no orçamento do evento os recursos necessários para a sistematização da experiência e divulgação dos resultados. Também, é necessário definir com antecedência o tempo de duração do processo de sistematização. Ou seja, antes de começarmos o processo é importante sabermos quando ela vai se encerrar e quais são os prazos para a realização das tarefas e eventos. Uma vez que estejam resolvidas as questões relativas à equipe, recursos e tempo, podemos avançar para a definição da metodologia da sistematização. É o que discutiremos a seguir.


PROPOSTA METODOLÓGICA

Como método de sistematização é possível visualizarmos uma seqüência de etapas e passos em um processo cumulativo até a obtenção do produto final. De maneira geral podemos falar em três etapas seqüenciais e complementares: 1. PLANEJAMENTO do processo de sistematização; 2. RECUPERAÇÃO e ANÁLISE da experiência; 3. REDAÇÃO de informes e comunicação dos aprendizados. A realização de cada uma dessas etapas requer a adoção de métodos, instrumentos e práticas específicas. Na seqüência deste texto procuraremos explicitar os possíveis passos dentro de cada etapa, instrumentos e perguntas pertinentes. Longe de esgotar a discussão metodológica, a intenção aqui é difundir uma idéia simples: a sistematização de experiências é tarefa menos complexa do que se imagina e a escolha dos métodos adequados pode torná-la prazerosa e gratificante. PARA SABER MAIS, indicamos alguns GUIAS METODOLÓGICOS sobre metodologia de sistematização BERDEGUÉ, J. A.; OCAMPO, A. ; ESCOBAR, G. 2000. Sistematización de Experiencias Locales de Desarollo Agrícola y Rural - Guia de Terreno. Versión 1. Preval/Fidamerica. 26p. FARIA, A. A; FERREIRA NETO, P.S. Ferramentas de Diálogo: qualificando o uso das técnicas de DRP - Diagnóstico Rural Participativo. Brasília: MMA/IEB, 2006. 76p. HURTADO, A. Guia metodológica para la sistematización de experiencias del secretariado rural. La Paz: Secretariado Rural, 2001. 71p. PESA/FAO. Guia Metodológica de Sistematización. Programa Especial para la Seguridad Alimentaria (PESA) em Centroamerica. Tegucigalpa, Honduras: PESA/FAO, 2004. 62p.

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Agora a gente já pode PLANEJAR O PROCESSO de sistematização

Como dissemos na primeira parte da cartilha, a sistematização de experiências é ainda pouco compreendida no Brasil e freqüentemente confundida com avaliação e pesquisa. Em função disso é importante que na fase de planejamento do processo as pessoas envolvidas, os(as) protagonistas(as) da experiência façam um debate interno para aferir a sua compreensão sobre o significado da sistematização para o grupo e para suas estratégias atuais e futuras. Isso pode ser feito por meio de uma reunião preparatória e de dinâmicas do tipo “chuva de ideias” mediada por um(a) facilitador(a) com experiência no assunto. A busca de um entendimento comum sobre sistematização de experiência ajudará o grupo a decidir se realmente precisa e deseja realizar o processo, com que objetivo, com que recursos e com qual finalidade. Dito isso podemos considerar os passos que devemos percorrer até chegarmos a um bom plano de sistematização, conforme mostra a figura abaixo: ETAPA

Planejamento

PASSOS Delimitação do objetivo (por que?) Definição do objeto (o que?) Definição dos eixos (quais são os temas prioritários?) Definição do método (como será feita a sistematização?)

PRODUTOS

Plano de Sistematização

Adaptado de PESA/FAO (2004)

O plano de sistematização deve ser um documento simples, resumido e claro. Deve conter os compromissos que o grupo passa a assumir em relação ao


processo de sistematização. Trata-se de um guia que o próprio grupo estabelece e que deve contemplar os seguintes pontos: OBJETIVO da sistematização: Por que a sistematização da experiência é relevante para o grupo? Qual a intenção das pessoas ao dedicarem tempo e esforço a um processo deste tipo? A reflexão sobre os usos futuros dos resultados e produtos da sistematização devem ser elementos motivadores, assim como a possibilidade de analisar e refletir sobre um processo vivido e do qual se obtiveram aprendizados tangíveis e intangíveis. OBJETO da sistematização: Qual será a experiência a ser sistematizada? Sabemos que os processos levados a frente no âmbito do movimento de economia solidária e dos movimentos sociais de maneira geral, são de extrema riqueza e diversidade. Assim, sistematizar implica escolher, dentre tudo o que temos feito e dentro da amplitude de nossas vivências, aquelas experiências que julgamos mais relevantes e cujos aprendizados podemos disseminar para outros grupos, organizações, governos e cidadãos. EIXOS temáticos: Ao escolhermos uma experiência é preciso considerar a impossibilidade de sistematizá-la em toda a sua amplitude com os múltiplos aspectos que a perpassam. A identificação de eixos temáticos prioritários é um passo importante, pois nos permite formular perguntas mais objetivas sobre a experiência e as hipóteses que deveremos investigar durante a sistematização.

Exe mpl o

EXEMPLO de temas prioritários: se definirmos como objeto de sistematização uma dada feira de economia solidária, precisaremos encontrar dentro desta experiência, quais serão os eixos temáticos da sistematização. Alguns eixos podem ser: a) a participação das mulheres no evento (como produtoras e consumidoras); b) o tratamento da questão ambiental na feira; c) construção de parcerias para a viabilização da feira; entre outros.

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Em uma mesma sistematização é possível se considerar mais de um eixo temático. Mas é preciso ter claro que quanto mais eixos definirmos, mais trabalhosa e complexa se torna a nossa tarefa. A explicação para isso é simples: para cada eixo teremos um público específico a envolver no processo de sistematização e demandas próprias em termos de metodologia, recursos, produtos e resultados. Além disso, pode ser difícil fazer o cruzamento dos temas dentro de um único processo de sistematização, o que nos levaria a conduzir dois ou mais processos paralelos, sendo um para cada tema.

Exe m

plo

MÉT ODO

EXEMPLO de hipótese: a cada ano se observa uma melhoria substancial da feira em relação às questões ambientais. Nossa hipótese diz que esta melhoria é o resultado da parceria e envolvimento de uma organização ambientalista na coordenação do evento. Mas esta hipótese é confirmada ou rejeitada pelas pessoas que vem participando da organização da feira? A busca por respostas a questões deste tipo pode alimentar debates e análises muito ricas e, inclusive, muitas lições aprendidas. MÉTODO de sistematização: uma vez definidos os objetivos, objeto e eixos temáticos, é hora de estabelecermos quais serão os métodos, técnicas e instrumentos de trabalho que serão utilizados ao longo do processo. Mais uma vez é necessário um debate coletivo em termos da metodologia a ser utilizada. Isso pode evitar mal entendidos futuros quanto aos passos, produtos e resultados da sistematização. Uma vez que os métodos estejam bem compreendidos, as pessoas poderão se engajar com mais entusiasmo na tarefa de sistematizar.

RECUPERAÇÃO, ANÁLISE e INTERPRETAÇÃO CRÍTICA da experiência A segunda etapa do processo de sistematização é também a mais importante em termos de conteúdo. Nela serão concentrados os maiores esforços para o


resgate da memória da experiência, seja ela documental ou oral. Aqui também será possível a realização de eventos de sistematização (oficinas, reuniões, entrevistas com pessoas chave) de grande riqueza, além da obtenção dos primeiros registros escritos. ETAPA

Recuperação, análise e interpretação da experiência

PASSOS Recuperação e ordenamento de informações primárias e secundárias Análise e interpretação críticas

PRODUTOS

Registros escritos (informes técnicos)

Síntese dos aprendizados Adaptado de PESA/FAO (2004)

Procuramos compilar aqui alguns instrumentos ou técnicas úteis para a realização desta etapa. Obviamente as sugestões aqui contidas não esgotam o assunto, sendo mais um convite à pesquisa e adaptação de novos instrumentos e técnicas de sistematização. As fontes ou referências bibliográficas que consultamos para a elaboração deste material são amplamente citadas ao longo do texto e nelas poderemos encontrar muitas outras sugestões e propostas metodológicas.

RECUPERAÇÃO e ANÁLISE de informações secundárias

Não é muito comum que a implementação de uma experiência, programa ou projeto, seja acompanhada de uma estratégia de registro, armazenamento de

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dados e informações, de forma a permitir a sua utilização futura. Normalmente, os registros são produzidos, mas não de forma sistemática e quase sempre em resposta a exigências de ordem burocrática. Em geral, as organizações formais (associações, ONG´s, sindicatos etc.) dispõem de um sistema de arquivos, onde se depositam documentos que, após cumprirem sua função imediata, raramente são resgatados e analisados. A situação se agrava quando se trata de grupos informais ou de processos que envolvam várias instituições e indivíduos atuando em parceria. Aqui se observa, normalmente, o problema da dispersão dos registros. São poucas as organizações que dispõem de um sistema de arquivos eficiente em termos de gestão da informação. Fatos e acontecimentos importantes da experiência vivida são registrados em relatórios, projetos, folhetos, matérias em jornais, revistas e outros documentos escritos ou audiovisuais. Estes, muitas vezes, estão dispersos por diferentes arquivos de indivíduos ou instituições envolvidas de alguma forma com a experiência. Não raro, documentos importantes existem apenas em meio digital. Em outros casos, os arquivos digitais se perderam, restando apenas cópias impressas. Assim, um passo importante da sistematização será o resgate, reunião e ordenamento do conjunto de materiais que a experiência gerou. A equipe de sistematização terá prestado um bom serviço se, ao final do processo, disponibilizar aos interessados um arquivo sobre a experiência contendo todos os materiais resgatados e analisados. O quadro a seguir, apresentado a título de sugestão, pode ser de grande utilidade para a identificação, classificação e ordenamento dos documentos.


Modelo de ordenamento de informações secundárias sobre a experiência Documento

Fase da experiência:

Meio material

(situação inicial, intervenção, situação final)

(digital, impresso, fotocópias etc.)

Onde se encontra?

Uma vez reunidos os documentos de maior relevância para a experiência, a equipe de sistematização poderá fazer uma análise dos mesmos, tendo como orientação para a leitura os eixos temáticos, as perguntas e hipóteses contidas no plano de sistematização. Esta análise documental tem por objetivo a formulação de um roteiro semiestruturado, tanto para a realização de entrevistas individuais com pessoas-chave, quanto para as reuniões ou eventos coletivos de debate e sistematização. PLANO de Sistematização Eixos temáticos

Análise documental

Roteiro de sistematização

Entrevistas Oficinas Relatoria Informes

RECUPERAÇÃO e ANÁLISE de informações primárias Uma vez estando pronta a análise documental e de posse do roteiro semiestruturado, a equipe de sistematização poderá realizar um conjunto de entrevistas individuais e coletivas. Nesta fase, será possível resgatar visões, opiniões, análises críticas e aprendizados obtidos pela diversidade de pessoas

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envolvidas na implementação da experiência. Estes aspectos, em geral, ultrapassam em muito aquilo que está contido nos documentos. Trata-se de um estoque de informações e lições aprendidas, que vem à tona a partir da sistematização. Antes de passarmos à discussão sobre algumas técnicas e instrumentos para a recuperação e análise de informações primárias, cabe delinearmos o escopo geral de um processo de sistematização de experiência. Ele deve orientar tanto a estrutura do roteiro de sistematização quanto a realização dos eventos coletivos e a própria redação dos informes finais. Como propõe Berdegué et all (2000), o processo pode ser conduzido obedecendo-se a seguinte lógica: 1. RESGATE DA SITUAÇÃO em que se encontrava o grupo ou a organização no momento anterior à experiência ou à intervenção; 2. ANÁLISE e INTERPRETAÇÃO CRÍTICA da experiência em si; 3. ANÁLISE da SITUAÇÃO ATUAL e dos aprendizados obtidos com a experiência. Para estes três aspectos, devem ser analisados os elementos de contexto que influenciaram a experiência em cada fase. O quadro a seguir apresenta, de forma esquemática, o modelo geral de sistematização conforme citado acima.


SITUAÇÃO INICIAL

REALIZAÇÃO DA EXPERIÊNCIA

SITUAÇÃO FINAL

Descreve o problema ou oportunidade de desenvolvimento antes da experiência (intervenção) começar

O que se fez? (atividades) Quando se fez? (duração) Quem fez? (atores) Como se fez? (métodos) Com que meios fez? (custos, recursos)

Elementos de contexto As causas do problema ou oportunidade

Elementos de contexto Fatores que favoreceram a experiência

Fatores que limitavam a possibilidade de ação para resolver o problema

Fatores que dificultaram a experiência

Comparação entre a situação inicial e a situação atual Quais são os benefícios tangíveis e intangíveis? Quem tem sido beneficiado pela experiência? Elementos de contexto Fatores que ampliaram a magnitude dos efeitos ou o número de beneficiários Fatores que restringiram a magnitude dos efeitos ou o número de beneficiários

Adaptado de PESA/FAO (2004)

É a hora de construir a “LINHA DO TEMPO” da experiência Podem existir muitas pessoas capazes de contar a história da experiência, desde a sua situação inicial, passando pela sua realização, até o momento atual. Mas, no resgate da memória da experiência, a sistematização não deve se prender somente aos relatos individuais, já que cada pessoa possui um registro mental muito particular do processo vivido. O que cada um registra em sua memória reflete, muitas vezes, a sua visão de mundo e seu ponto de vista específico sobre o ocorrido.

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Ao confrontarmos depoimentos de várias pessoas sobre a experiência, muito provavelmente vamos encontrar contradições e diferentes explicações e opiniões do porque as coisas transcorreram de uma forma e não de outra. Por isso é importante que, no processo de resgate da experiência, sejam garantidos momentos coletivos de debate, onde as diferentes visões possam se manifestar livremente. Uma vez concluída a análise documental e tendo feito algumas entrevistas individuais, uma boa estratégia é realizar uma reunião mais ampla com as pessoas diretamente envolvidas com a experiência e nela propor a construção da chamada “linha do tempo”. Ela nada mais é do que a representação gráfica dos fatos e acontecimentos mais relevantes para a experiência ao longo de seu tempo de duração. Pode ser subdividida em anos ou meses, nos quais o grupo vai registrando os acontecimentos ocorridos. O uso de tarjetas e sua exposição em uma parede ou no chão facilitam a visualização da linha e a participação das pessoas na sua construção. Mais uma vez, é preciso estar atento aos eixos temáticos da sistematização. Não se trata de construir a linha do tempo de toda a experiência em sua amplitude, mas sim de como um ou mais temas prioritários foram tratados. Por exemplo: se nossa experiência for a implementação de uma feira de economia solidária em um município e nosso tema prioritário for a participação das mulheres na mesma, a linha do tempo deve considerar os fatos relevantes em relação a estes dois aspectos: a) a implementação da feira; e b) a participação das mulheres no evento. Um esquema visual para a construção da linha do tempo pelo grupo pode ser: Fatos relevantes para a feira ANO

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Fatos relevantes para a participação das mulheres na feira

2006

2007

2008


No exemplo da página anterior, a linha do tempo é representada horizontalmente, o que facilita a sua construção pelo grupo em uma parede ou mesmo no chão. Na redação dos informes da sistematização, os(as) relatores(as) poderão adotar um esquema vertical, sem comprometer o conteúdo do exercício. Além da linha do tempo, existem várias outras técnicas ou dinâmicas para trabalhos de grupos que podem ser úteis ao processo de sistematização nos seus vários momentos. As técnicas de Diagnóstico Rural Participativo (DRP), por exemplo, podem ser adaptadas para o propósito de sistematização. O Guia Metodológico “Ferramentas de Diálogo” organizado por Faria & Ferreira Neto (2006) pode ser um bom material para consulta. Nele se discute a aplicação instrumental de algumas técnicas de DRP tais como: Mapa Falado, Calendário Sazonal, Diagrama de Fluxo, Diagrama Institucional (Diagrama de Veen) e Matriz Comparativa. Algumas outras técnicas de possível utilização no âmbito da sistematização são chuva de idéias, matriz de tendências, árvore de problemas. Não sendo nosso objetivo aqui na aplicação específica de cada uma destas dinâmicas, sugerimos a consulta aos materiais citados ao longo do texto.

Realização de ENTREVISTAS individuais

Como foi dito mais acima no texto, a realização de entrevistas individuais é uma das ferramentas mais importantes para o resgate e análise crítica da experiência. Mas, a sua utilização só deve ocorrer depois de explorada a base documental sobre a experiência e a formulação do roteiro de sistematização. Estas entrevistas podem ser extremamente ricas em termos de análises e informações já que aqui as pessoas têm mais liberdade e privacidade para emitir opiniões e expressar visões sobre o processo ocorrido, o que muitas vezes não acontece quando se discute num grupo maior ou numa reunião plenária. É preciso estar atento para o fato de que, ao relatar ou analisar uma

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experiência, as pessoas raramente vão obedecer a uma linha de raciocínio do tipo: primeiro a situação anterior à experiência, depois a realização da experiência em si e por fim a situação final. Normalmente, a narrativa vai e vem, no tempo da experiência, ora refletindo sobre o seu início, ora refletindo sobre a situação final e ora tratando de outros assuntos. Caberá à equipe de sistematização estar atenta para registrar e classificar as informações e análises fornecidas de acordo com o escopo geral da sistematização. Recomenda-se a utilização de um formulário simplificado para as entrevistas, de forma a construir uma base de informações que serão depois ordenadas e tabuladas. O quadro abaixo apresenta uma proposta de formulário de entrevistas individuais que pode ser adaptada em função das necessidades da equipe de sistematização: FORMULÁRIO DE ENTREVISTAS INDIVIDUAIS MODELO BÁSICO

a Nome do entrevistado: a Nome do entrevistador: a Data: a Localidade: a Tema: Perguntas (do roteiro de sistematização) a Situação inicial

a Implementação da experiência (processo) a Situação final a Lição aprendida Adaptado de Berdegué et all (2000)


O número de entrevistas e, por sua vez, o volume de formulários aplicados, vai variar muito em função das especificidades de cada contexto e experiência. Para um reduzido número de entrevistas, a tarefa de tabular e analisar os resultados torna-se relativamente simples. Mas se o número de entrevistas aumenta, torna-se necessário um esquema de tabulação das respostas, com destaque para as idéias e observações mais importantes levantadas pelos entrevistados. O modelo de tabulação de entrevistas apresentado abaixo pode ser uma boa ferramenta, pois nos ajuda a colher das entrevistas os aspectos mais relevantes, de acordo com a estrutura da sistematização (momentos e temas prioritários). Entrevistados(as)

1

2

3

(...)

Visões e opiniões sobre a situação inicial Visões e opiniões sobre a intervenção ou experiência Visões e opiniões sobre a situação atual Lições Aprendidas Adaptado de Berdegué et all (2000)

Esta tabulação torna-se muito útil na preparação de um primeiro informe para a devolução às pessoas que estão participando do processo e para a reflexão sobre lições aprendidas. Muitas vezes, pode haver um elevado grau de discordância entre as respostas dos entrevistados. Longe de ser um problema, este aspecto pode e deve ser explorado como uma oportunidade para o aprofundamento do debate em torno dos temas abordados na sistematização. A formulação de uma matriz de concordâncias e divergências pode ser um bom instrumento para a devolução dos resultados das entrevistas durante oficinas ou reuniões com o grupo. Um modelo para este tipo de matriz pode ser observado a seguir.

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Idéias ou aspectos concordantes

Idéias ou aspectos divergentes

Situação inicial Implementação da experiência (processo) Situação final Lição aprendida Adaptado de Berdegué et all (2000)

Para a construção da sistematização, o resgate de informações visuais é tão importante quanto a análise documental. Registros fotográficos, vídeos, cartilhas, apresentações de slides e apostilas dizem muito do processo. Hoje, mais do que no passado, são muitas as pessoas que possuem pequenos equipamentos amadores de registro de áudio (gravadores), fotográfico (máquinas digitais) e audiovisual (filmadoras portáteis). Durante as atividades, quase sempre tem alguém fotografando aquilo que julga importante. Na sistematização das experiências contam as visões diversas sobre aquilo que está acontecendo, por isso é importante alguém se responsabilizar por colher este material individual disperso - que seja de interesse coletivo - para compor um grande baú de arquivos que devem ser, igualmente, avaliados e catalogados. Mas cabe o cuidado para esse exercício não se tornar apenas um amontoado de informações sem nexo, que podem por fim atrapalhar mais do que colaborar.

Devolução das informações: ANÁLISE e INTERPRETAÇÃO crítica

A partir da construção da linha do tempo e da realização e ordenamento das entrevistas individuais, a equipe de sistematização poderá iniciar o processo de redação dos informes. Mas, antes de se chegar a um texto final, é fundamental


que as informações sejam devolvidas a todas as pessoas que participam do processo. Uma boa maneira de se fazer isso é por meio de reuniões ou oficinas nas quais a equipe de sistematização apresenta textos preliminares e abre o debate sobre o seu conteúdo. Resumindo os passos e produtos da sistematização Passos do processo 1. Ordenamento e análise documental 2. Primeira oficina: resgate da experiência 3. Entrevistas individuais e/ou coletivas 4. Segunda oficina: devolução dos produtos preliminares e obtenção das lições aprendidas 5. Comunicação dos resultados

Produtos de cada passo Roteiro Linha do tempo da experiência e texto de resgate Entrevistas tabuladas / Relato preliminar Textos finais da sistematização concluídos Produtos da sistematização editados e disseminados

Como faço agora o INFORME ou documento de sistematização?

Uma vez concluídos os passos descritos acima, a equipe responsável estará em condições de redigir um informe técnico contendo as conclusões da sistematização. Vale dizer que o formato deste tipo de documento pode variar muito. Mesmo assim, optamos por sugerir aqui uma estrutura básica de tópicos e conteúdos. 1. Parte introdutória, com:

a Capa a Prefácio ou resumo executivo a Índice

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2. Parte central, com

a Problema: breve

descrição da situação inicial e do problema que a experiência procurou enfrentar a Contexto: o entorno da experiência – população, aspectos sociais e econômicos, aspectos institucionais, entre outros a Pressupostos: idéias que fundamentaram a implementação da experiência e a busca de soluções para os problemas identificados a Análise do desenvolvimento da experiência: atividades, cronograma, atores envolvidos, relação entre os pressupostos e a ação prática, erros e acertos a Resultados e impactos da experiência a Conclusões, lições aprendidas e recomendações 3. Parte final, com

a Bibliografia a Glossário a Anexos Adaptado de PESA/FAO (2004)

Agora preciso fazer a COMUNICAÇÃO DOS APRENDIZADOS

Após a elaboração dos informes e relatórios sobre a experiência, o passo seguinte deve ser o planejamento e a execução de uma estratégia de comunicação ou divulgação dos resultados e produtos. A elaboração de um Plano de Comunicação deve ser objeto de discussão coletiva, assim como a própria ação de sistematizar. Trata-se de definições com forte caráter político, já que a comunicação pode e deve influenciar atores, atrizes e decisões relacionados aos temas abordados pela sistematização. PASSOS Estratégia de comunicação Desenho e elaboração de materiais Eventos de socialização

PRODUTOS Materiais de difusão Adaptado de PESA/FAO (2004)


ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO

Na definição de uma estratégia de comunicação, algumas questões chave podem ser observadas: a Para quem se deseja difundir os resultados, conquistas e lições aprendidas com a experiência? a Qual será o público alvo da difusão? a Quais são as necessidades específicas deste público? a Que tipo de produto ou material é o mais adequado? a O que se espera conseguir como resultado da disseminação dos conteúdos da sistematização? a Quais são as expectativas em relação à comunicação e divulgação? Estas perguntas podem ser sintetizadas em uma tabela do tipo: Público-alvo da difusão Materiais mais adequados Resultados esperados

Com tudo planejado, vamos ELABORAR OS MATERIAIS

A sistematização da experiência pode gerar informes técnicos que sirvam de base para a confecção de uma variedade de materiais como artigos, cartazes, folhetos, revistas, livros, vídeos documentários, apresentações de slides, entre outros. Dependendo das capacidades instaladas nas instituições, grupos ou pessoas diretamente envolvidas com a experiência, estes materiais podem ser viabilizados internamente. Mas em muitos casos é necessário contratar serviços externos de diagramação, arte final e concepção geral dos materiais, de acordo com o plano de comunicação estabelecido.

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Fica mais fácil quando promovemos EVENTOS de SOCIALIZAÇÃO

A participação em eventos é uma excelente forma de promover a socialização e difusão dos resultados da experiência. A grande vantagem, neste caso, é a possibilidade de contato direto das pessoas que vivenciaram a experiência e do próprio processo de sistematização a um público mais amplo, que pode ser positivamente influenciado pela mesma. As inúmeras atividades que ocorrem no âmbito do movimento de economia solidária (reuniões, cursos, oficinas, feiras, encontros de redes, entre outras) já constituem um ótimo canal de difusão porque tendem a envolver um público diretamente mais interessado nos resultados das sistematizações.

III - Palavras Finais Na primeira parte deste documento procuramos mostrar algumas das idéias que servem de base para a discussão sobre sistematização de experiências. Na segunda parte organizamos um conjunto de sugestões, propostas e instrumentos de sistematização que poderão ser adaptados ao contexto do movimento de economia solidária. Ao longo de todo o texto sugerimos diversas literaturas que, inclusive, serviram de base para a elaboração deste material. Esperamos ter auxiliado no entendimento do que seja uma sistematização de experiência e reduzido parte da complexidade que envolve esta tarefa. Isso deve se somar a outros esforços coletivos e individuais como cursos, oficinas, eventos, publicações, entre outros. Esperamos ter contribuído para que as riquíssimas experiências em curso no âmbito da economia solidária no Brasil sejam potencializadas e melhor difundidas. Agradeceremos, enormemente, o recebimento de críticas e sugestões para o aprimoramento deste material, bem como reações quanto ao uso dos instrumentos de sistematizações aqui sugeridos.


BIBLIOGRAFIA utilizada para a elaboração deste texto

BERDEGUÉ, J. A.; OCAMPO, A. ; ESCOBAR, G. 2000. Sistematización de Experiencias Locales de Desarollo Agrícola y Rural - Guia de Terreno. Versión 1. Preval/Fidamerica. 26p. FARIA, A. A; FERREIRA NETO, P.S. Ferramentas de Diálogo: qualificando o uso das técnicas de DRP - Diagnóstico Rural Participativo. Brasília: MMA/IEB, 2006. 76p. FRANCKE, Marfil & MORGAN, Maria de la Luz. La Sistematización: apuesta por la generación de conocimientos a partir de las experiencias de promoción. Escuela para el Desarrollo – Lima, 1995. 22p. GUIJT, I. Lesson Learned. Learning by Design. 2002, 3p (mimeo) HOLIDAY, Oscar Jará. Para sistematizar experiências. Tradução: Maria Viviana V. Rezende. 2ª Edição revista – Brasília: MMA, 2006. HURTADO, A. Guia metodológica para la sistematización de experiencias del secretariado rural. La Paz: Secretariado Rural, 2001. 71p. MARTINIC, Sergio. El objeto e la sistematización y sus relaciones con la evaluación y la investigación. Medellin, 1998. 119. MORGAN, Maria de la Luz. Búsquedas teoricas y epistemologicas desde la pratica de la sistematizacion. Lima, 1996. 12p PESA/FAO. Guia Metodológica de Sistematización. Programa Especial para la Seguridad Alimentaria (PESA) em Centroamerica. Tegucigalpa, Honduras: PESA/FAO, 2004. 62p. Recuperação, análise e interpretação crítica da experiência.

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