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PRODUTO UNICAFES:
NOTAS SOBRE O COOPERATIVISMO SOLIDÁRIO Daniel T. Rech (1) O tema do cooperativismo solidário é instigante. Trata-se de um assunto em relação ao qual temos toda a simpatia e que todos nós queremos colocar em prática, porque somos pessoas que ainda acreditam na transformação social, na construção de uma nova sociedade igualitária e fraterna. No entanto, há de se aprofundar o debate sobre o assunto porque, por um lado, há várias interpretações do que seja cooperativismo solidário e, por outro, porque não se pode dizer que a categoria proposta atenda a todas as nossas perspectivas de atuação e de utilização de instrumental social. Assim, no meu ponto de vista, existem três tipos de cooperativismo que poderia se enquadrado na categoria de solidário, com suas características próprias e com sua carga de ideologia específica. Talvez o que nós desejamos ao falar de cooperativismo solidário reúna uma parte de um tipo, outra parte de outro e, finalmente, o resultado poderá eventualmente estar bem além do que vemos na prática. 1 – Cooperativismo Religioso É o cooperativismo visto como um instrumento de aglutinação das pessoas e recursos para superar, em conjunto e em base à inspiração religiosa, os problemas individuais e coletivos. A indicação dada pelos Atos dos Apóstolos (“Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade” – Atos 2,44-45) representava uma tradição judaica que nos anos modernos se concretizou cooperativamente no Kibbutz ou, no plural, Kibbutzin (comunidade que mescla socialismo com sionismo), nascidos na antiga Rússia e transportados para Israel após a sua refundação e que desenvolveram a agricultura de forma comunal. Este tipo de cooperativismo, representado pela posição política judaico-cristã, que no Brasil temos como exemplo mais impressionante as reduções jesuíticas do sul do Brasil, no Século XVII, apesar de profundamente comunitário, nunca teve como suporte a idéia da transformação social, mas sim da afirmação de uma identidade religiosa em que as pessoas se mantém unidas e partilham o que tem porque esta é a vontade de Deus que tudo fez e do qual tudo é e o povo que as compõem é o “povo escolhido”(2). Apesar de ser um tipo de cooperativismo solidário, não parece atender o que desejamos. 2 – Cooperativismo humanista capitalista Aqui, o cooperativismo social era visto como um instrumento para resolver, de forma conjunta, as mazelas do capitalismo. É o cooperativismo que conhecemos, surgido no fim do Século XVIII e início do Século XIX, especialmente na Europa, influenciado em grande parte pelos ideais compilados pela Revolução Francesa, como as propostas de Robert Owen e William King na Inglaterra, de Charles Fourier, Philippe Buchez e Louis Blanc na França, de Friedrich Raiffeisen e Shultze-Delitzsch na Alemanha e Luigi Luzzatti na Itália. Os Pioneiros de Rochdale, tão citados, realizaram a compilação dos seus princípios em 1844. Este tipo de cooperativismo teve variações, mas no geral, pretende enfrentar os problemas das pessoas, melhorando suas condições de vida através do esforço articulado e conjunto, na perspectiva de encontrar soluções para as graves injustiças produzidas pelo domínio do capital sobre as pessoas, seja na inter-ajuda entre os mais ricos com os mais pobres (Raiffeisen) ou na organização das comunidades para resolver problemas comuns (Luzzatti) ou na possibilidade dos trabalhadores assumirem o processo produtivo de forma autônoma (Owen). 1 Daniel T. Rech é advogado, com especialização em cooperativismo. Assessora movimentos sociais e populares, associações e cooperativas e a UNICAFES. 2 O detalhe mais impressionante da história dos kibbutzin é que a maioria dos líderes intelectuais, políticos e militares do Estado de Israel moderno foram forjados dentro deles.