RICHARD SERRA E O DESENHO caderno educativo
RICHARD SERRA E O DESENHO caderno educativo
Índice
Introdução
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Richard Serra e o desenho
9
Peso, equilíbrio e imprevisibilidade
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As escolhas de Serra
41
Redefinições espaciais
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“No desenho, estou interessado primordialmente no ‘como’. Sempre me interessei mais por processos do que por resultados. Para mim, o como é onde o sentido está.”1
Esta publicação, elaborada pelo Educativo do IMS, foi produzida por ocasião da exposição Richard Serra: desenhos na casa da Gávea, em cartaz entre 30 de maio e 28 de setembro de 2014 no IMS-RJ. Richard Serra, artista norte-americano nascido em 1939, é bastante conhecido por suas obras site-specific e esculturas de grandes dimensões, mas possui uma intensa produção em desenho, que considera igualmente importante em seu processo de trabalho. Para a mostra, o Centro Cultural do IMS-RJ passou por transformações propostas pelo próprio artista, que revelaram a espacialidade original da casa (projetada em 1948 por Olavo Redig de Campos como residência de Walther Moreira Salles), recuperando sua transparência e a relação de continuidade com os jardins criados por Burle Marx. A montagem da exposição também foi orientada por Serra, que pensou na distribuição das obras considerando os ambientes da casa e sua arquitetura. Esses aspectos são importantes para Richard Serra, cujo trabalho costuma despertar no espectador uma reflexão e uma percepção de novas relações espaciais. Nesse sentido, suas obras podem ser consideradas provocações, e seus desenhos são parte disso. 6
Cristiano Mascaro
IMS- RJ após as modificações propostas por Richard Serra para a exposição
Então, vamos conhecê-los e investigá-los? O modo como Serra os elaborou será nosso ponto de partida, já que, para ele, o processo é mais importante que o resultado.
1
“Richard Serra-Eckhard Schneider”, p. 346. Todas as citações, exceto as que apresentam informação contrária, são de textos publicados em SERRA, Richard. Escritos e entrevistas, 1967-2013. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2014. 7
A Sorrow Beyond Dreams, 1993 (bastão oleoso sobre papel duplo laminado Hiromi)
“Onde a forma corta o espaço é onde ocorre o desenho.”2 8
RICHARD SERRA E O DESENHO Artistas têm explorado as potencialidades do desenho investigando a linha, sua materialidade e as ações que são necessárias para se obtê-la. A linha pode ser, por exemplo, o que limita, um contorno, uma marca ou aquilo que corta. No desenho ao lado, foram criados espaços definidos pelas propriedades dos materiais utilizados. Em seus desenhos, Richard Serra experimenta continuamente materiais e procedimentos. Os resultados de suas experimentações refletem o processo adotado. “Em 1990, eu iniciei uma série de desenhos nos quais colocava uma tela de janela sobre uma folha de papel e empurrava um bastão oleoso na tela sobre o papel. Usava a tela para quebrar a linha, dispersar a borda, tornar difusa a linearidade da marca. Às vezes, a tela ficava inteiramente coberta de tinta, e à medida que eu desenhava não conseguia ver o que o papel estava captando. Em determinado momento, pensei: por que eu não coloco o papel sobre a tela? Eu derretia o bastão oleoso, cobria 2
“Richard Serra-Eckhard Schneider”, p. 361. 9
uma prancheta ou uma mesa com o material líquido, posicionava a tela, colocava o papel sobre a tela e trabalhava nas costas do papel. Eu só conseguia ver o resultado da minha atividade quando tirava o papel da tela. Só então podia ver os traços do material no papel. Em certo sentido, minha mão funcionava como o rolo numa prensa, como se o papel estivesse virado para baixo na placa de cobre e os resultados só fossem vistos quando ele fosse puxado da placa.”3 Tudo o que acontece durante o processo pode ser incorporado aos desenhos. Os trabalhos da série Rounds, por exemplo, surgiram assim: “Eles foram trabalhados numa mesa. Eu andava em volta da mesa para desenhá-los. Enquanto estava trabalhando, fiquei reparando que os respingos quase circulares de bastão oleoso no chão acabavam sendo tão interessantes quanto o que eu estava fazendo na mesa. Então decidi derramar bastão oleoso na frente e no centro do papel, e colocar uma tela em cima. Aí, comecei a trabalhar do centro pra fora. O processo de compressão fazia o desenho. Continuei pressionando para fora para encontrar uma borda. No desenho, trata-se de achar uma borda.” 4
3 4
10
Desenhos para o Courtauld”, p. 361. “Richard Serra-Eckhard Schneider”, p. 352.
Huddie Leadbelly, 1997 (bast達o oleoso sobre papel)
11
Willy Dixon, 1997 (bast達o oleoso sobre papel)
12
JĂĄ a sĂŠrie Drawings after Circuit foi feita a partir da obra Circuit, exposta em 1972 na Documenta de Kassel (Alemanha).
13
Alguns dos desenhos da sĂŠrie Drawings after Circuit, 1972 (bastĂŁo oleoso sobre papel jornal)
14
Circuit é composta por “quatro placas nos quatro cantos de uma sala quadrada. As bordas das placas funcionavam como linhas, e os quadrantes espaciais que resultavam da colocação das placas convergiam na direção de um núcleo. O quadrado aberto do núcleo tornava-se a intersecção perceptiva de linhas, planos e volumes.”5 Para esta obra, Serra “não queria usar o cubo da sala como um contêiner. Queria definir claramente uma outra espécie de interior – um espaço estruturado dentro do espaço dado da sala.”6
Circuit, 1972 5
“Notas sobre desenho”, p. 137.
6
“Sobre o desenho: uma entrevista – Lizzie Borden”, p. 53. 15
A série de desenhos que Serra fez posteriormente surgiu do que ele viu enquanto se deslocava pela sala, e tais registros resultaram em “um diagrama da abertura e do fechamento das placas enquanto se caminha entre elas”. 7 Isso nos indica que, em algumas situações, Serra vê seus desenhos como recurso para refletir sobre o pensamento escultural, como mostram vários desenhos de anotações que vemos em seus cadernos.
Snake Guggenheim Bilbao, 1997 (grafite sobre papel)
Double Torqued Ellipses Guggenheim Bilbao, Spain, 1999 (bastão oleoso sobre papel)
7
Texto sobre a exposição no site do IMS. Disponível em: www.ims.com.br/ims/visite/exposicoes/ richard-serra-desenhos-na-casa-da-gavea. Acesso em junho de 2014.
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Exchange, 1996 (carv達o sobre papel)
Promenade Grand Palais, Paris, 2008 (bast達o oleoso sobre papel)
Junction, 2010 (carv達o em barra sobre papel)
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Basalt Columns - Svartifoss, Iceland, 1993 (giz litográfico sobre papel)
“Eles [os desenhos em papel] são o resultado de uma tentativa de abordar e definir o que me surpreende em uma escultura, aquilo que eu não conseguia entender antes de a obra ser construída. Eles me permitem compreender aspectos diferentes da percepção assim como o potencial escultural de uma determinada escultura. (...) Eu não desenho para representar pictoricamente, para ilustrar ou diagramar obras existentes. As formas nos desenhos sobre papel se originam no vislumbre de um volume, em um detalhe, uma borda, um peso. Nesse sentido, o desenho acaba sendo um índice das estruturas que construí.”8 8
18
“Notas sobre desenho”, p. 141.
Você já pensou em como uma obra de arte foi feita? Toda obra de arte revela seu processo de fatura? Que elementos podem nos dar indícios dos procedimentos adotados? Você costuma desenhar? Que materiais utiliza? Conhecer os processos de execução alterou o seu modo de se relacionar com estes trabalhos? Por quê?
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Alguns dos desenhos da sĂŠrie Weights, 2008 (bastĂŁo oleoso sobre papel artesanal)
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Peso, equilíbrio e imprevisibilidade Agora que sabemos um pouco sobre como Richard Serra faz seus desenhos, vamos conhecer mais alguns de seus trabalhos. Primeiro vamos ver as séries Weights e Reversals. Serra tem o costume de realizar trabalhos em série. Cada trabalho é único, mas ganha força no conjunto. Comparando os desenhos ao lado, qual deles lhe parece mais pesado? O que lhe dá essa sensação de peso?
Um dos desenhos da série Weights, 2008 (bastão oleoso sobre papel artesanal)
A palavra weight significa peso em português. 21
“Uma das minhas recordações mais antigas é a de estar atravessando com meu pai a ponte Golden Gate de carro, ao amanhecer. Íamos para o Marine Shipyard, onde ele trabalhava como encanador, para ver a inauguração de um navio. Era o outono de 1943, no dia do meu aniversário. Eu tinha quatro anos. Quando chegamos, o cargueiro coberto de aço preto, azul e laranja, estava equilibrado num poleiro. Ele era desproporcionalmente horizontal e, para um menino de quatro anos como eu, tinha as laterais grandes como um arranhacéu. Eu me lembro de passear ao redor do casco com meu pai e olhar a enorme hélice de cobre, espiando através dos suportes. Então, numa lufada repentina de atividade, as estacas, as vigas, as placas, os postes, as barras, os blocos da quilha, toda a proteção foi removida; os cabos foram cortados, as correntes foram soltas, as travas foram abertas. Houve uma total incongruência entre o deslocamento dessa enorme tonelagem e a velocidade e a agilidade com que a tarefa foi executada. À medida que a estrutura de apoio foi desfeita, o navio começou a se mover para baixo, ao longo da calha, na direção do mar. Ouviu-se o som da celebração, os gritos, as buzinas, os berros, os assobios. Livre de suas amarras, com as toras rolando, o navio escorregou do berço com um movimento sempre crescente. Foi um momento de tremenda ansiedade quando o cargueiro chacoalhou, balançou, se inclinou e bateu de encontro ao mar, meio submerso, para então emergir e se levantar e encontrar seu equilíbrio. Não apenas o navio havia recobrado o equilíbrio, mas a multidão de espectadores também. O navio havia passado por uma transformação: de um enorme peso morto para uma estrutura brilhante, livre, flutuante e à deriva. O espanto e a admiração que eu senti naquele momento permaneceram. Toda a matéria-prima de que eu necessitava está contida no reservatório dessa lembrança, que se tornou um sonho recorrente.” 9 9
22
“Peso”, p. 147
Qual o desenho mais pesado que você consegue fazer? E o mais leve? Podemos sentir o peso visualmente, mas também em uma música ou em um texto. Quais sons lhe parecem pesados? E o que diria que é um som mediano, nem pesado nem leve? Liste palavras que lhe dão a sensação de peso e de leveza. Invente uma história de peso.
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Fazendo referência a alguns artistas e suas obras musicais e literárias, Serra criou desenhos que também remetem ao conceito de peso. Ao lado está a obra Cheever, mas há também os desenhos Willy Dixon e Huddie Leadbelly, que aparecem em páginas anteriores. Procure-as e compare-as. No quadro abaixo, você pode ver quem são os artistas que dão título a esses desenhos.
Cheever, 2008 (bastão oleoso sobre papel artesanal)
John Cheever (1912-1982) Contista americano, retratou a classe média de seu país no período pós-guerra e durante a Guerra Fria. Seus contos revelam conflitos e dualidades da natureza humana. Willie Dixon (1915-1992) Nascido no Mississippi, foi produtor, compositor, baixista e cantor. Um dos principais músicos do blues americano, influenciou artistas como Led Zeppelin, Bob Dylan e Rolling Stones. Huddie Leadbelly (1889-1949) Instrumentista, compositor e pesquisador americano, é considerado o precursor do blues rural. 24
Os desenhos da série Weights foram realizados em 2008, e, em 2013, Serra fez a série Reversals. Nela, algumas questões de Weights reaparecem. Você percebe a relação entre os trabalhos destas séries?
Reversals #4, 2013 (giz litográfico sobre duas folhas de papel artesanal)
Reversals #5, 2013 (giz litográfico sobre duas folhas de papel artesanal)
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Reversals #6, 2013 (giz litogrรกfico sobre duas folhas de papel artesanal)
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Reversals #8, 2013 (giz litogrรกfico sobre duas folhas de papel artesanal)
Reversals #21, 2013 (giz litogrรกfico sobre duas folhas de papel artesanal)
Reversals #15, 2013 (giz litogrรกfico sobre duas folhas de papel artesanal)
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O verso, inverso e o reverso Considerando a estrutura adotada nos trabalhos da série Reversals, vamos experimentar criar imagens buscando um equilíbrio visual? Então pegue duas folhas de papel Color Plus de alta gramatura (de pelo menos 200 g), sendo uma branca e uma preta. Marque nas duas folhas a lápis com uma dobra ou traço onde ficará a “linha” do desenho, ou seja, a divisão entre as cores preta e branca. As marcas devem ser feitas no mesmo lugar nas duas folhas: se fizer na metade do papel preto, faça também na metade do papel branco.
(na foto, mostramos um estilete, mas, se preferir, pode usar uma tesoura sem ponta)
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Em seguida, corte as folhas nas marcas e encaixe-as.
Agora observe o resultado: cada lado ĂŠ exatamente o inverso da outra.
Se quiser comparar os lados, cole as folhas, corte-as em sua metade vertical e depois as coloque lado a lado ou uma em cima da outra, como Serra optou em sua montagem. 29
Experimente também fazer outros desenhos com marcas feitas em lugares diferentes do papel.
Se realizar esta atividade em grupo, converse sobre como foi definir os pesos visuais e estruturá-los materialmente, e também como foi criar composições considerando a ideia de equilíbrio visual
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Jogo dos Reversos Considerando o que vimos sobre a série Reversals, como você criaria um jogo sobre ela? Como seriam as peças? E qual relação se estabeleceria entre elas?
Este é o Jogo dos Reversos, criado pelo Educativo do IMS para ser usado em atividades na exposição. Crie o seu também! 31
Em Reversals, cada obra é composta pela união de dois desenhos (similares aos de Weights). Mas os pares seguem uma lógica específica: cada folha apresenta campos pretos e brancos equivalentes e inversamente proporcionais entre si. A observação de diversos trabalhos da série Reversals nos dá pistas de como a superfície do papel e sua bidimensionalidade são investigadas por Serra. Nesse processo de investigação do suporte, Serra encontrou na folha de Mylar (uma espécie de folha de acetato transparente) as propriedades adequadas para a redefinição da relação figura/fundo.
Courtauld Transparency #1, 2013 (giz litográfico sobre Mylar)
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Courtauld Transparency #2, 2013 (giz litográfico sobre Mylar)
Courtauld Transparency #3, 2013 (giz litogrรกfico sobre Mylar)
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Courtauld Transparency #4, 2013 (giz litogrรกfico sobre Mylar)
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Courtauld Transparency #9, 2013 (giz litogrรกfico sobre Mylar)
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Courtauld Transparency #7, 2013 (giz litográfico sobre Mylar)
O procedimento adotado na realização destes trabalhos (Drawings for the Courtauld) permitiu que os dois lados do papel fossem utilizados, redefinindo também a ideia de frente e verso. Para conseguir desenhos nas duas faces, Serra desenvolveu um método específico: 36
“Eu cobria uma folha de Mylar com crayon litográfico derretido, deixava que ele esfriasse até um estado de semissolidez e então colocava o lado com tinta sobre uma folha em branco. Então, para desenhar, eu pressionava uma ferramenta metálica nas costas da folha opaca e coberta de tinta. Quando eu separava as duas folhas de Mylar, o crayon tinha sido transferido para a superfície da folha limpa. Assim como nos desenhos feitos através de uma tela, eu não podia ver o que estava fazendo. Os resultados eram um tanto frustrantes, porque o crayon não refletia completamente os meus movimentos. Com frequência, apenas parte das marcações era captada. Ocorreume que, se eu cobrisse duas folhas de Mylar com crayon derretido e ensanduichasse uma folha limpa no meio, eu poderia capturar minhas marcas dos dois lados da folha limpa. À medida que eu pressionava a folha de cima, mais material aderia à parte de baixo da folha limpa, e menos à parte de cima. O processo é difícil de controlar, e o resultado, impossível de prever. No entanto, ao restringir o controle, eu permiti que o material impusesse a forma. Para ver os resultados, eu tinha que remover a folha de cima e também a do meio.” 10
Você já parou para pensar como conseguimos reconhecer o que é figura e o que é fundo numa imagem? O que os diferencia? E, nos desenhos da série Drawings for the Courtauld, o que podemos definir como figura e como fundo? É possível identificá-los?
10
“Desenhos para o Courtuald”, p. 362. 37
Explorando a materialidade e sua imprevisibilidade Considerando o método utilizado por Serra na elaboração dos desenhos da série Drawings for the Courtauld, vamos experimentar fazer alguns desenhos com dupla face? Selecione materiais que considere semelhantes ao bastão oleoso – pode ser graxa, tinta plástica preta, giz pastel preto derretido. Busque outros materiais e experimente aplicar a mesma técnica com todos eles para ver os diferentes resultados. Separe três folhas de acetato e aplique o material selecionado sobre duas delas.
Em seguida, ensanduíche a terceira folha, usando por fora as folhas de acetato que já possuam algum material sobre sua superfície. 38
Faça gestos sobre a folha superior, comprimindo-a sobre as demais com as próprias mãos ou com algum material não perfurante.
Separe as três folhas e veja como ficaram. A folha do meio apresentará desenhos nas duas faces.
Analise se foi possível prever tais resultados, se foi possível controlar a matéria e de que modo ela e o suporte colaboraram para o resultado final. Se estiver realizando esta atividade em grupo, compare os desenhos obtidos, conversando sobre os materiais utilizados e os diferentes modos de compressão empregados. 39
Rift #1, 2011 (bast達o oleoso sobre papel artesanal)
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AS ESCOlHAS DE SERRA Apesar de Serra utilizar vários métodos em seus desenhos, os materiais que utiliza são, muita vezes, os mesmos. As mudanças são consequência do próprio processo de experimentação. O uso do bastão oleoso preto é frequente. Às vezes, Serra utiliza-o diretamente sobre um papel, às vezes, derrete-o, derrama-o, comprime-o. As múltiplas possibilidades de uso de um material vão surgindo ao longo do processo de experimentação. “Eu tento lidar com o processo em relação à materialidade e ver se posso mudar o procedimento, fazer algo que eu não tenha feito antes, que eu não poderia ter previsto e que seja recompensador para mim, e que talvez também o seja para outra pessoa.”11 Além do bastão oleoso, Serra utiliza carvão e crayon litográfico pretos. “O uso do preto é a maneira mais clara de se contrapor a um campo branco, não importando se você usa chumbo, carvão ou tinta. Essa é também a maneira mais clara de se contrapor sem criar significados associados.”12 As propriedades dos suportes também são determinantes. Além de papéis diversos e do Mylar, adotado principalmente por sua transparência, a tela também é utilizada em alguns trabalhos: 11
“Richard Serra-Eckhard Schneider”, p. 349
12
“Notas sobre desenho”, p. 139. 41
“A tela é o meu recurso mais eficaz para estender o desenho diretamente à parede. O papel é limitado por seu tamanho e sua resistência. Ele é muito fraco para receber diversas camadas de tinta e para aderir nivelado à parede. As telas vêm em grandes rolos que eu posso cortar no tamanho certo. Depois de ser tratada com cola de pele de coelho e gesso, a tela permanece fina, mas se torna firme e pode ser facilmente posta na parede. O papel conduz a tinta sobre a parede, enquanto, com a tela, a tinta se torna uma unidade com a superfície. O papel é sempre entendido como um veículo com tinta aplicada a ele. Eu queria que a tinta e o suporte fossem lidos como uma coisa só.”13
Pacific Judson Murphy, 1978
Para enfatizar a prioridade do processo sobre o resultado, Serra elaborou uma lista de verbos, em 1967, que abre uma série de novas possibilidades de procedimentos artísticos. 13
42
“Notas sobre desenho”, pp. 139-140.
“Tive necessidade de construir uma linguagem baseada num sistema que estabelecesse uma série de condições possibilitando a mim trabalhar de um modo não antecipado. Eu queria ser capaz de me envolver em um processo de trabalho sem ter que projetar um desenlace. Quando você lida rigorosamente com o processo, você não se preocupa com o resultado final. (...) Eu decidi fazer uma lista de verbos e sancioná-los como atividades designadas em relação ao material, ao lugar, à massa, à gravidade, ao terreno.”14
14
“Conferência Belknap”, p. 236. 43
A lista de verbos enrolar vincar dobrar armazenar arquear encurtar torcer salpicar amarrotar raspar rasgar lascar rachar cortar romper soltar remover simplificar diferir desordenar abrir misturar arremessar atar derramar pender fluir 44
encurvar levantar incrustar imprimir queimar inundar besuntar girar rodopiar apoiar enganchar suspender espalhar pendurar reubir da tensão da gravidade da entropia da natureza do agrupamento da feltragem pegar apertar empacotar pender amontoar agrupar
esparramar arranjar consertar descartar emparelhar distribuir saturar complementar rodear cercar circundar esconder cobrir embrulhar cavar amarrar prender tecer unir combinar laminar colar articular marcar expandir diluir iluminar
modular destilar das ondas do eletromagnetismo da inércia da ionização da polarização da refração da simultaneidade das marés da reflexão do equilíbrio da simetria da fricção estender quicar apagar tecer borrifar sistematizar remeter forçar do mapeamento da localização do contexto do tempo da carbonização continuar
O desenho e a ação Utilizando como referência a lista de verbos criada por Richard Serra, vamos experimentar agir sobre alguns materiais? Esta atividade deve ser feita em grupo, então reúna os amigos, os familiares e, se for professor, realize-a com seus alunos. Inicialmente, crie fichas com verbos retirados da lista de Serra e coloqueos em um saquinho ou pote, para sorteá-los. Organize os participantes em roda e entregue para cada um apenas um tipo de material específico, papel ou outro material maleável, como tecido, plástico ou borracha. Peça para que cada participante sorteie um verbo e aplique a ação sugerida sobre o material disponibilizado. Passe o material na roda para o participante ao lado para que cada um execute a ação que sorteou, trabalhando com o material do jeito que chegar à sua mão, ou seja, com as marcas já feitas pelos outros participantes. 45
Ao encerrar esta etapa, organize uma conversa. Alguém pode se tornar um mediador e questionar aspectos do processo: Foi possível realizar as ações determinadas sobre o material disponível? Em caso de negativas, por que não foi possível? A tentativa de agir sobre o material deixou alguma marca nele? Se duas pessoas realizaram uma mesma ação sobre o material, podemos perceber diferentes respostas? O que pode ter causado isso? Podemos perceber respostas semelhantes no material decorrentes de diferentes ações? Como uma ação realizada anteriormente por um participante influenciou na ação que você deveria executar? Olhando os produtos finais, é possível reconstituir a ordem das ações executadas? Ou algumas ações foram anuladas por outras?
Para Serra, a lista de verbos serviu também para tornar visível os passos da execução de uma obra, de modo que “qualquer um pode reconstruir o processo da fatura vendo o resíduo”.15 Essa preocupação está presente em diversos trabalhos, assim como a evidência da materialidade. 15
46
“Conferência Belknap”, p. 237.
Os desenhos da série Solid são outros bons exemplos de como as propriedades da matéria e de sua resposta à ação do artista são presentes nos desenhos de Serra.
Solid #1, 2007 (bastão oleoso sobre papel artesanal)
47
Solid #5, 2007 (bast達o oleoso sobre papel artesanal)
48
Como você descreveria o material utilizado nos desenhos das duas páginas anteriores? O que lhe deu essa impressão? Como o artista trabalhou com este material? Há traços do processo de fatura que nos permitam imaginar isso? Quais são eles?
49
Foto da exposição Richard Serra: desenhos na casa da Gávea por Cristiano Mascaro (detalhe)
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REDEFINIÇÕES ESPACIAIS Como dito na introdução, Richard Serra é geralmente lembrado por seus trabalhos site-specific. Esse tipo de obra, surgido em meados dos anos 1960, se define pela especificidade da sua localização. Com isso, “estabeleceu-se que as coordenadas de percepção não aconteciam somente entre espectador e a obra, mas permeavam o espectador, a obra e o lugar em que ambos se encontravam. (...) Toda relação que fosse agora percebida dependia do movimento temporal do observador no espaço compartilhado com o objeto.”16 Com esse pensamento, uma escultura não estaria apenas exposta no museu, poderia rearticular toda a espacialidade deste local. Isso não se deu apenas como um conceito, mas também pelo fato da escultura adquirir novas formas. Se antes estava sob um pedestal, agora ela poderia ser uma massa de chumbo derretido que foi derramada exatamente na linha em que a parede encontra o chão – como em Splashs, obra que Richard Serra fizera em 1968. Com este trabalho, foi possível constatar que “ao eliminar a linha de onde a parede subia perpendicularmente ao chão, Serra estava ocultando uma referência de orientação no espaço interno, declarando aquele espaço a base de uma experiência perceptiva de outro tipo”.17 16
CRIMP, Douglas. Sobre as ruínas do museu. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 137.
17
Idem, p. 134. 51
Para Serra, o que “interessa é revelar o conteúdo, o caráter e a estrutura de um espaço e de um lugar usando certos elementos para definir uma estrutura física”.18 Mas ele não nega que o contexto deste lugar também seja significativo, afinal “não há local inteiramente neutro. Qualquer contexto tem sua estrutura e suas conotações ideológicas.”19 Mas como isso se relaciona com os desenhos do artista? Serra diz que, inicialmente, “essa preocupação com os locais e os contextos tinha um paralelo no desenho na medida em que meus desenhos começaram a ocupar um lugar no espaço da parede. Eu não queria aceitar o espaço arquitetônico como um recipiente limitador. Queria que ele fosse entendido como um local em que espaços disjuntivos e contraditórios pudessem ser estabelecidos e estruturados. Em virtude de seu peso, de sua forma, de sua localização, de sua planaridade e de seu delineamento ao longo das bordas, as telas negras me permitiram definir espaços dentro de determinado recinto arquitetônico.”20 “Duas formas negras instaladas em paredes opostas encurtam a largura da sala. O recinto se torna mais estreito. A compressão do espaço é registrada de modo tátil. Decisões muito específicas devem ser tomadas para determinar o tamanho e a direção, a horizontalidade ou a verticalidade de um desenho em um espaço dado. Quanta superfície é de fato necessária para a manutenção das formas como pesos em relação ao tamanho de um dado espaço? Que cortes precisam ser feitos
52
18
“Sight Point 1971-1975/ Delineator 1974-1976 – Entrevista por Liza Béar”, p. 35.
19
“Notas estendidas de Sight Point Road”, p. 120.
20
“Notas sobre desenho”, p. 137.
para desestabilizar a experiência de um espaço? O processo de decisão é similar ao processo de concepção de uma escultura site-specific, na medida em que o local determina como eu penso sobre o que vou fazer.”21
Delineator, 1974-1975
De certo modo, a ideia de site-specific também está presente na exposição de Serra no IMS-RJ, pois, para a instalação dos desenhos, o artista solicitou a retirada dos painéis de vedação que ocultavam as paredes de vidro da casa desde a sua transformação em centro cultural na década de 1990. Com isso, foram reveladas as paredes de vidro e foi recuperada a transparência e a fluidez espacial que caracterizam o projeto original da casa. Com essa intervenção, as salas deixaram de ser espaços compartimentados e se expandiram para o jardim e o entorno, assim como os desenhos e as esculturas de Richard Serra, que não se definem apenas por suas dimensões, e sim pela relação transformadora que estabelecem com o espaço em que se situam. 21
“Notas sobre desenho”, p. 138. 53
Cristiano Mascaro (detalhe)
Richard Serra e o desenho
Conteúdo Luciana Nobre e Equipe Educativo IMS (Ana Luiza Nobre, Álea Almeida, André Vargas, Luis Felipe Cambuzano, Maíra Spilak , Maralice Camillo, Natalia Nichols, Polyana Lourenço, Roseli M. Evangelista). Projeto Gráfico e Diagramação Luciana Nobre Revisão de texto Flávio Cintra do Amaral Fotos das atividades Aílton A. da Silva, Franco Salvoni e Roseli M. Evangelista Colaboração Heloisa Espada e Giovanna Bragaglia
Instituto moreira Salles Núcleo de Educação Coordenadora de Pesquisa e Educação Ana Luiza Nobre Assistente de Coordenação Ana de Abreu Altberg Rio de Janeiro Supervisora Maíra Spilak Educadoras Álea Almeida e Polyana Lourenço Estagiários André Vargas e Natalia Nichols São Paulo Supervisora Roseli M. Evangelista Educadoras Laura Monteiro e Maralice Camillo
Capa e contracapa são detalhes da obras: Courtauld Transparency #4, 2013 Courtauld Transparency #11, 2013
Poços de Caldas Educadora Isabela Brasileiro
Agosto 2014