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CADERNOS DE
LITERATURA B R A S I L E I R A
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CADERNOS DE
LITERATURA B R A S I L E I R A
Diretor Editoral Antonio Fernando De Franceschi Editor Manuel da Costa Pinto Editor Assistente Michel Laub Ensaio Fotográfico Edu Simões Edição de Arte BEI˜ Comunicação Revisores Flávio Cintra do Amaral e Sandra Brazil Assistentes Editoriais Acássia Correia e Denise Pádua Assistentes de Produção Carla Brandão, Cecília Harumi O. Niji e Fabiana Amorim
Colaboradores: Boris Schnaiderman, Cláudio Mello e Souza, Danuza Leão, Humberto Werneck, Joaci Pereira Furtado, José Castello e Sérgio Augusto.
Foto de capa: Vitor Nogueira/Arquivo Editora Globo
Cadernos de Literatura Brasileira, número 26 – maio de 2011
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Folha de rosto, 4 Memória seletiva, 8 CONFLUÊNCIAS Danuza Leão, 24 Cláudio Mello e Souza, 26 Boris Schnaiderman, 30 RUBEM BRAGA por ele mesmo, 37 GEOGRAFIA PESSOAL, 50 inéditos, 96 ENSAIOS “O urso de Ipanema” – Humberto Werneck, 106 “Braga na fronteira” – José Castello, 114 “Flautas, melancias e colibris” – Sérgio Augusto, 124 GUIA, 130
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Folha de rosto
Astúcias do acaso A obra de Rubem Braga redimensiona o lugar da crônica como maior contribuição das letras brasileiras para a história dos gêneros literários Era uma borboleta que lhe passou roçando os cabelos, uma borboleta amarela flanando na contramão da Graça Aranha com a Araújo Porto Alegre, no centro do Rio de Janeiro. Pedestre, sem a graça leve da substância inconsútil de suas asas, deixou-se manchar do pólen que ela trazia nas antenas. Tivesse passado a mão pelos cabelos, veria o pozinho cor de açafrão, ouro puro. Logo perdeu de vista o coleóptero ondulante na confusão da cidade. Ganhou, porém, o pretexto não para uma, mas duas crônicas memoráveis. Nesse conjunto de acasos, cabem como luvas as astúcias de Rubem Braga: fazer-se ungido pela borboleta improvável que o poliniza, tornar-se então o vetor da propagação de seu herbário suspenso, transformar-se em “fazendeiro do ar” e, do alto de seu dossel, produzir uma prosa enlevada, absolutamente incomparável. Esta edição dos Cadernos de Literatura Brasileira, dedicada ao autor de A borboleta amarela, redimensiona o lugar da crônica como maior contribuição das letras brasileiras para a história dos gêneros literários – e de Rubem Braga como cronista maior dessa tradição. Ao reunir depoimentos e ensaios de escritores que com ele conviveram, mas que agora podem contemplar sua obra in absentia, ao largo da cativante presença do autor, este conjunto monográfico restaura o labor de um estilo que se impôs de modo silencioso e, por isso, nem sempre devidamente reconhecido. Afinal, os retratos do capixaba que cultivava horta e pomar numa cobertura da Zona Sul carioca e do jornalista que passou a vida escrevendo para o suporte perecível de jornais e revistas parecem imagens complementares: o “gênero menor” da
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crônica dando vazão ao apego às coisas miúdas, a anotação cotidiana como expressão de um lirismo ao rés-do-chão (mesmo que nas alturas...) e sem os voos da imaginação ou da invenção de linguagem. Braga, de fato, resistiu aos sortilégios do romance ou do conto, talvez por um temperamento que desconfiava da pretensão de renovar a ficção (um imperativo num ambiente marcado pela aventura modernista), mas talvez também por saber que, ao praticar uma escrita de “identidade escorregadia” – como sugere o ensaio de José Castello –, nosso “antificcionista” navegasse por um gênero “para o qual todos os gêneros confluem”, interrogando a ficção, embaralhando as cartas. Ainda por temperamento, Braga cultivou a arte da boutade, da tirada perfeita – como destaca Humberto Werneck no perfil do “urso de Ipanema” –, e se apropriou gaiatamente de uma crônica de Drummond (publicada sob pseudônimo) para sanar uma falta momentânea de assunto – passando a praticar sistematicamente plágios do poeta mineiro com a desculpa autoindulgente (e burlesca) de que também publicava suas fraudes oculto por um nom de plume... Sob a ironia solitária e casmurra – que levou Braga a pendurar na entrada da tal cobertura uma placa proclamando sua solteirice feliz –, havia, entretanto, um espírito apaixonado, sublimando seus amores frustrados nas crônicas em que decantava e sacralizava a beleza das mulheres. Danuza Leão e Cláudio Mello e Souza – objetos de seu amor e de seus ciúmes – dão testemunho, na seção “Confluências”, de uma amizade que sobreviveu ao rancor e aos desastres afetivos do “Doutor Rubis”. Pois havia desastres maiores, de que ele foi testemunha ocular – como relembra Boris Schnaiderman, na mesma seção, ao contrastar suas experiências como pracinha da feb, na Segunda Guerra, com as reportagens que o jornalista Rubem Braga produziu como correspondente durante a campanha brasileira na Itália. Nelas, transpira sua indignação diante da história inclemente, traduzida na imagem (mais épica do que qualquer batalha campal) do corpo dilacerado da menina Silvana, que, numa de suas crônicas mais pungentes, ele transforma em epítome da inocência martirizada. Braga era antifascista, mas também (como recorda Schnaiderman) antigetulista convicto – e a seção “Inéditos” traz, como documento de suas simpatias políticas, uma mensagem parabenizando Miguel Arraes pela eleição ao governo de
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Pernambuco, no exato momento em que as esquerdas flertavam com um populismo que levaria Braga a se afastar do cargo de embaixador no Marrocos. Além dessa breve missiva, os “Inéditos” trazem a crônica “Terraço”, belíssimo registro de uma obsessão por flores e plantas que levou o naturalista Augusto Ruschi a batizar uma orquídea recém-descoberta de Physosiphon Bragae Ruschi, mas que não impediu o jornalista, pioneiro na denúncia da devastação da flora brasileira, de alterar o projeto que Burle Marx havia feito para seu jardim suspenso, transformando-o em locus amœnus de suas meditações e reminiscências. O paisagismo literário de Rubem Braga encontra sua tradução iconográfica na “Geografia pessoal”, em que o fotógrafo Edu Simões redesenha a paisagem do Rio de Janeiro pelo prisma de vegetações que instalam a cidade como um horizonte longínquo – captando a vibração urbana por índices do cotidiano boêmio e texturas de caules retorcidos, também presentes nas praias capixabas e numa Cachoeiro de Itapemirim com angulações abissais. E se a urbe do cronista é seu jardim, Sérgio Augusto detecta o momento exato em que o familiar essay de extração inglesa e a prosa folhetinesca adquirem sotaque brasileiro na crônica – criando um novo gênero. Não por acaso, sua digressão culmina no mesmo ponto em que Alexandre Eulalio, ao escrever sobre “O ensaio literário no Brasil”, faz de Rubem Braga o tournant de uma linhagem que começa com os Essais, de Montaigne, passa pelo “ensaio doutrinal” português e começa a ter rosto próprio a partir de Lima Barreto e Humberto de Campos: “O gênero não sofre mutações profundas com o costumismo sentimental da geração seguinte, Ribeiro Couto, Manuel Bandeira, Peregrino Junior, Vivaldo Coaraci, Álvaro Moreira, autores de algumas páginas definitivas no gênero. Nem com eles, nem com o experimentalismo modernista (pois com Mário de Andrade e António de Alcântara Machado são tentadas diferentes soluções para o gênero), a crônica sofre transformações essenciais. Sem nenhum caráter urgente estas serão propostas, no entanto, por um Rubem Braga, renovador do gênero, que aproveita do modo mais pessoal algumas sugestões intimistas já esboçadas tanto pelo poema em prosa dos anos 1910 e 1920, como pelo penumbrismo sentimental à Ribeiro Couto, reformando-os com o raro sentido íntimo do coloquial e do cotidiano mágico.”
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MEMÓRIA SELETIVA
Trivial variado “O único lavrador de Ipanema”, na frase do amigo Paulo Mendes Campos, saiu de Cachoeiro de Itapemirim para espalhar sua emoção de “homem do interior” e fazer da crônica a expressão da sensibilidade brasileira 1913 Em 12 de janeiro, nasce Rubem Braga, em uma casa junto ao riacho Amarelo, afluente do Itapemirim, filho de Francisco Braga e Rachel Cardoso Coelho Braga. O casal teve 12 filhos: o primeiro deles, Jerônimo, o Braguinha, nascido em 1897, e a última, a caçula Anna Graça, nascida em 1922. Entre os dois, Carmozina, Armando, Newton, Rubem, Yedda e cinco crianças que morreram antes de completar um ano. Pouco depois do nascimento de Rubem, a família se muda para o casarão que ficaria conhecido como a Casa dos Braga, em Ca-
choeiro de Itapemirim. Situada no bairro nobre Bahia e Minas, hoje Baiminas, é um casarão de dois andares. Ex-prefeito da cidade, o pai de Rubem, Francisco Braga, já se dedicava então apenas ao Cartório Braga e à leitura dos jornais cariocas. Paulista de Guaratinguetá, Francisco Braga havia morado no Rio, na juventude, e jamais perdeu seu contato com a então capital do país.
O pai, Francisco de Carvalho Braga
A mãe, Rachel Coelho
Fotos: arquivo Roberto Seljan Braga
1913-1919 Rubinho, como era então chamado, passa a infância nas ruas de Cachoeiro de Itapemirim, correndo atrás das tropas de burros, caçando passarinho e
tomando banho de rio. Nas férias do meio do ano, a família leva as crianças à fazenda do Frade, onde Rubinho gostava de passear a cavalo. No verão, os Braga são uma das primeiras famílias a aderir ao costume de tomar banhos de mar. Passam a frequentar a praia de Marataízes, onde Francisco Braga irá construir uma casa de veraneio, em 1928. Rubinho é alfabetizado em casa, aprendendo a ler e escrever com ajuda da irmã Carmozina, que lia para o menino a revista infantil O Tico-Tico. Foi também em companhia da irmã que Rubinho foi ao cinema pela primeira vez.
Newton e Rubem Braga com o uniforme do colégio Pedro Palácios
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1922 Aos nove anos, no centenário da Independência, viaja pela primeira vez ao Rio de janeiro, em companhia da irmã Carmozina e do cunhado, Cleveland Paraíso, marido dela. Assiste ao desfile comemorativo de 7 de setembro, no Campo de São Cristóvão, à queima de fogos de artifício na Glória e à movimentação dos barcos na enseada de Botafogo. 1925 Em dezembro, chega a Cachoeiro de Itapemirim o bacharel em direito Sérgio Buarque de Holanda, convidado a dirigir o jornal Progresso, fundado naquele mesmo ano pelo caricaturista Vieira da Cunha. O futuro autor de Raízes do Brasil permaneceu sete meses na cidade, onde participou das rodas boêmias e fez amizade com um
Arquivo Roberto Seljan Braga
1919 Aos seis anos, começa a frequentar a escola, em Cachoeiro de Itapemirim. Faz os estudos primários no Centro Operário e de Proteção Mútua, e cursa o ensino secundário no colégio Pedro Palácios. Sua companhia mais constante, então, era o irmão Newton, apenas um ano mais velho, com quem disputava os jornais lidos pelo pai e aprontava na escola e na missa. Graças ao comportamento irrequieto, os dois ficaram conhecidos como “os Praga de Cachoeiro”. Rubem vai terminar os estudos em Niterói, para onde se mudará em 1928, depois de ter sido expulso do colégio Pedro Palácios por conta de um desentendimento com o professor de matemática.
A estação ferroviária de Cachoeiro de Itapemirim nos anos 1920
rapaz de 13 anos, Rubinho, que formava o Clube do Alcatrão com amigos adolescentes. 1926 No final do terceiro ano do ginásio, Rubinho ganha um concurso de redação da escola que tinha como tema “A lágrima”. Seu texto chama a atenção do professor de português Xavier do Valle. A composição, editada no jornalzinho O Itapemirim, do grêmio do colégio Pedro Palácios, é seu primeiro texto publicado. 1928 Aos 15 anos, Rubem co meça a trabalhar na Farmácia Central, que tinha seu irmão Jerônimo entre os sócios, mas logo se muda para Niterói, depois da saída tumultuada do Colégio Pedro Palácios. Em Niterói, conclui o secundário no colégio salesiano Santa Rosa. Saem seus primeiros textos no jornal Correio do Sul, de Cachoeiro. Fundado pelos irmãos Jerônimo e Armando, o periódico saía de duas a três vezes por semana. Em suas colaborações, muitas delas
intituladas “Cartas do Rio”, Rubem publica poemas, contos, artigos de cultura, política e economia. Em temas que vão do cinema ao comunismo, passando por literatura, a beleza feminina, a religião e a eutanásia, aparecem as primeiras características que o consagrariam como grande cronista. A colaboração de Rubem Braga no jornal vai até 1931. 1929 Ainda muito jovem, aos 16 anos, ingressa na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Em companhia de outros estudantes, frequenta a noite do Catete, em locais como o Bar Recreio, o Praia Bar e o restaurante Lamas. Frequenta também os teatros líricos e a Cinelândia. Em 14 de julho, um acontecimento terrível vem abalar a vida familiar dos Braga. Aos 30 anos, Carmozina, a querida irmã de Rubem, morre no Rio de Janeiro, de complicações no parto. O rapaz de 16 anos, de férias na terra natal, reage sem desespero. Mas 50 anos depois aparece, no
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nho de Yedda, irmã mais nova de Rubem. O assassinato de João Pessoa, na Paraíba, precipita a revolução. Em outubro, com o golpe de Vargas, o Correio do Sul, como outros jornais antialiancistas, é empastelado. Os Braga refugiam-se em Marataízes. Rubem, porém, está mais ocupado com as intensas dores nas costas, que o levam de médico em médico. Em dezembro, retorna a Cachoeiro para mais uma notícia terrível: a morte do pai, Francisco Braga, aos 56 anos, de complicações de diabete.
Livro de versos (1980), um poema, “A morte de Zina”, que narra sua reação dilacerada à agonia da irmã e a chegada do corpo, de trem, a Cachoeiro de Itapemirim. O jovem escritor acompanha a crise econômica americana, que derrubou o preço do café brasileiro, as discussões sobre a renovação da educação nacional, a agitação política que levou à criação da Aliança Liberal e os desdobramentos do modernismo, especialmente o movimento da Antropofagia, liderado por Oswald de Andrade, Raul Bopp, Alcântara Machado e Tarsila do Amaral. Ganha Libertinagem, de Manuel Bandeira, de presente do irmão Newton.
Arquivo Roberto Seljan Braga
1930 No começo do ano, está em Cachoeiro e passa férias em Marataízes. Inicia a publicação da coluna “Correio Maratimba”, com pequenas notas de verão, registros leves e descompromissados sobre a praia, o vento, as conversas dos maratimbas (“caipiras” do litoral, descendentes de índios e dos primeiros colonizadores). Com o acirramento das disputas políticas, porém, passa a escrever os editoriais do Correio do Sul, posicionando-se contra o avanço da Aliança Liberal de Getúlio Vargas e apoiando o candidato Júlio Prestes, que seria eleito presidente em março. Rubem retorna ao Rio de Janeiro, onde assiste ao avanço da Aliança Liberal. Em maio, morre o senador Bernardino de Souza Monteiro, líder do Partido Republicano do Espírito Santo, patrono do coronel Braga e padri-
1931 O Correio do Sul volta a circular, agora como um “órgão independente”. Em março, depois de dois anos no Rio, Rubem Braga transfere-se para Minas Gerais, onde já morava seu irmão Newton, também estudante de direito, em Belo Horizonte. O então poeta Newton Braga convive com a geração modernista mineira, reunida em torno da revista Leite Criôlo, e trabalha no Estado de Minas, di-
Rubem e Newton Braga em 1931, quando conheceram os modernistas mineiros em Belo Horizonte
rigido por Cyro dos Anjos e Guilhermino César. Depois de se formar, Newton volta para Cachoeiro para cuidar do cartório da família. Rubem herda os amigos e o emprego de Newton, que antes de retornar a Cachoeiro apresenta o irmão mais novo também à direção do Diário da Tarde, título dos Diários Associados de Assis Chateaubriand. No Rio de Janeiro, José Olympio abre a sua livraria e editora, na rua da Quitanda. Em pouco tempo, a empresa se tornará a maior editora brasileira e a primeira casa editorial de Rubem Braga. 1932 Em Belo Horizonte, Rubem continua colaborando com o Correio do Sul. Em janeiro, envia ao jornal capixaba sua primeira “Carta de Minas”. Em março, já começam a ser publicadas as primeiras reportagens de Rubem nos jornais mineiros. Sua primeira matéria é sobre uma exposição de cães. Um mês depois da estreia no Diário da Tarde, começa a escrever crônicas diárias para o Estado de Minas. Belo Horizonte, primeira cidade planejada do país, tem apenas 150 mil habitantes e os dois principais jornais são de Chatô. No círculo dos jornalistas antigetulistas, conhece Zora Seljan, uma adolescente de 16 anos, escritora e integrante do Partido Comunista mineiro. Descendente de croatas, Zora era uma mulher à frente de seu tempo: sabia guiar automóvel, gostava de mecânica e era a única mulher entre os estudantes que se reuniam
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1933 Depois de formado em Direito e trabalhando como jornalista, passa a ir cada vez menos a Cachoeiro. São desta época suas primeiras crônicas sobre a infância. Começa a se referir a si mesmo como “o velho Braga”. Em abril, ao publicar um artigo irreverente sobre Nossa Senhora de Lourdes, padroeira de Belo Horizonte, em plena Sexta-Feira Santa, é atacado pelo arcebispo da cidade. Além disso, desentende-se com a direção do Estado de Minas. O jornal decide transferi-
blicações, convive de perto com o antigetulista Carlos Lacerda. Vai morar na rua do Lavradio, no centro da cidade.
Arquivo Roberto Seljan Braga
num casarão no centro de Belo Horizonte para conspirar contra Vargas, os integralistas liderados por Plínio Salgado, Hitler e Mussolini. Rubem e Zora se apaixonam e ficam noivos, mas por conta da idade dela irão se casar apenas em 1936, depois de muitas idas e vindas do cronista pelo país, por motivos de trabalho. Com a eclosão da Revolução Constitucionalista em São Paulo, em julho, Rubem Braga é enviado pelo Estado de Minas a Passa Quatro, fronteira de Minas com São Paulo para cobrir o enfrentamento das forças legalistas e paulistas. Aos 19 anos, é sua primeira experiência como repórter de guerra. Convive bem com as tropas no campo de batalhas, mas como o seu jornal apoia os constitucionalistas, é preso pelo Exército e chega a dormir uma noite na cadeia em Divinópolis. Ao chegar de volta a Belo Horizonte, é libertado. Em dezembro, forma-se advogado. Nunca exerceu a profissão e nem foi buscar o diploma.
Rubem Braga de beca, na formatura do curso de direito
-lo para a capital paulista, onde passa a trabalhar como cronista do Diário de S. Paulo, editado então por António de Alcântara Machado, de quem Rubem se torna próximo. Suas crônicas são republicadas nos jornais dos Diários Associados, em várias capitais, o que o torna um dos nomes mais conhecidos da imprensa brasileira. Na capital paulista, Braga convive também com Oswald e com Mário de Andrade, este crítico de música do Diário. Desenvolve antipatia por Mário de Andrade – aliás, recíproca e nunca bem esclarecida. Os dois se tornam desafetos, apesar de se respeitarem e manterem relação cordial. 1934 No final do ano, transfere-se novamente para o Rio de Janeiro, a convite de António de Alcântara Machado – eleito deputado constituinte –, para trabalhar como repórter de O Jornal e cronista do Diário da Noite. Na redação de ambas as pu-
1935 Crescem os movimentos de oposição a Getúlio Vargas: de um lado, os integralistas, liderados por Plínio Salgado; de outro, os comunistas, reunidos em torno de Luís Carlos Prestes e da Aliança Nacional Libertadora, criada em março deste ano. A anl deu origem à União Feminina do Brasil, com nomes como Nise da Silveira, Eneida, Maria Werneck de Castro, e à Liga da Defesa da Cultura Popular, da qual participaram o próprio Rubem Braga, Carlos Lacerda, Aníbal Machado, Aparício Torelly, mais conhecido como o Barão de Itararé, o pintor Santa Rosa, Brasil Gérson, Murilo Miranda e Mário Martins. Todos eles se tornaram grandes amigos de Braga. Em julho, a anl é colocada na ilegalidade por Getúlio Vargas. Apesar de manter uma relação de distanciamento com os marxistas e com Luís Carlos Prestes, o cronista é identificado como comunista, pois se coloca contra o integralismo, em oposição a Vargas e é crítico ao catolicismo, a ponto de condenar a inclinação religiosa de dois dos maiores poetas brasileiros à época: Jorge de Lima e Murilo Mendes. Braga desentende-se com Alceu Amoroso Lima, diretor de O Jornal, depois da morte precoce de António de Alcântara Machado, aos 34 anos. Transfere-se para o Recife, a convite de Dario de Almeida Magalhães, para tra-
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1936 Em fevereiro, sai O conde e o passarinho, seu primeiro livro, em edição da José Olympio, com tiragem de 2 mil exemplares e capa de Santa Rosa. Apesar da recepção calorosa de crítica, a
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balhar na redação do Diário de Pernambuco, também dos Associados, que já publicava suas crônicas e onde Rubem passa a dirigir a página policial. Rubem funda e dirige no Recife a Folha do Povo, jornal porta-voz da Aliança Nacional Libertadora. O cronista permanece apenas cinco meses no Recife, mas suas colaborações na imprensa local, como as crônicas “Luto da família Silva” e “O conde e o passarinho”, estão entre as mais importantes do início de sua carreira literária. Em setembro, depois de ter sido preso no Recife, por conta de suas posições políticas, consegue um habeas corpus e decide deixar a cidade. Viaja a Porto Alegre, depois ao Rio de Janeiro, onde colabora em A Manhã, e, no fim do ano, está em Cachoeiro de Itapemirim para cobrir um congresso integralista. Em novembro, eclode a Intentona Comunista e ocorre a prisão de Luís Carlos Prestes. A repressão varguista é violenta e muitos intelectuais são presos ou perseguidos. Em dezembro, é decretado estado de sítio na capital federal. Rubem Braga está no Rio, onde trata de escapar das perseguições e prepara a edição de seu primeiro livro. No último dia do ano, escreve um prefácio a O conde e o passarinho, texto que seria retirado do livro a partir da segunda edição.
O casal Zora Seljan e Rubem Braga
vida profissional do cronista é atribulada, por conta da situação política. É obrigado a assinar textos com pseudônimos, como José Bispo, M. de Carvalho, Chico ou apenas como R. Na pensão onde vive, é conhecido por Lauro Guedes. Seu quarto chega a ser invadido e revistado pela polícia varguista. Em março, Graciliano Ramos é preso e mandado para o presídio da Ilha Grande. Procurado pela polícia, Rubem Braga decide voltar a Minas Gerais. Para viajar era necessário um salvo-conduto expedido pelo governo, mas Rubem consegue ser liberado na fronteira entre Minas e Rio graças a uma carteirinha de jogador reserva do Flamengo – o guarda que o interrogou era rubro-negro e fã de Domingos da Guia e Leônidas da Silva. Rubem volta a trabalhar em Belo Horizonte, agora na Folha de Minas. Em 14 de agosto, casa-se finalmente com Zora, e o casal decide retornar ao Rio
de Janeiro, onde se instalam em uma pensão no Catete. 1937 Em fevereiro, encontra-se algumas vezes com Graciliano Ramos, saído da prisão em janeiro. O casal Rubem e Zora abriga o romancista alagoano em um quarto na mesma pensão onde moram. Graciliano manda trazer a mulher, Heloísa, e os dois filhos para o quarto do Catete, onde viria a escrever Vidas secas, publicado no ano seguinte. Moacir Werneck de Castro, Lúcio Rangel e o jornalista Vanderlino Gonçalves também se hospedavam ali e constituíam o grupo de convivência de Braga. Em outubro, o casal muda-se mais uma vez e vai viver em São Paulo. Zora está grávida e Rubem vai dirigir um novo periódico. Junto com Affonso Frederico Schmidt, Alfredo Tomé, Nabor Caires de Brito, Oswald de Andrade e Arnaldo Pedroso d’Horta edita a revista mensal Problemas, sobre cultura e política.
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Em São Paulo, nasce Roberto Seljan Braga, único filho de Rubem. O menino tem como “madrinha” Zélia Gattai, com quem Zora aprende as primeiras tarefas de mãe. Em novembro, Getúlio Vargas institui a ditadura do Estado Novo, interrompendo o processo democrático que previa eleições em janeiro de 1938.
Fotos: arquivo Roberto Seljan Braga
1938 Com seu nome sob vigilância da censura, trabalha algum tempo com propaganda, fazendo anúncios publicitários na agência Inter-Americana, e com comércio, como representante de uma joalheria de Minas Gerais. Nessa época, trava amizade com Dorival Caymmi, por intermédio de Jorge Amado. Tornam-se grandes amigos. Convive também com o desafeto Mário de Andrade (assim como Otto Maria Carpeaux, outro dos intelectuais de sua geração por quem não nutre
Rachel Coelho Braga e o neto Roberto, filho de Rubem e Zora, em Cachoeiro de Itapemirim
Carteira da Associação Brasileira de Imprensa expedida quando o cronista tinha 27 anos
simpatias). O autor de Macunaíma, morando no Rio, tornara-se amigo da irmã de Rubem, Yedda, casada com Murilo Miranda, patrocinador da revista Dom Casmurro. Aos poucos, retoma as colaborações na imprensa. Sob pseudônimo de Chico, escreve para o jornal O Imparcial, do Rio de Janeiro. Participa, ao lado de Samuel Wainer, dos primeiros números da revista Diretrizes, lançada em maio. Samuel e a mulher, Bluma, viviam num apartamento em Copacabana, onde ocorriam as reuniões de pauta da Diretrizes, da qual participavam, além de Wainer e Braga, Moacir Werneck de Castro, Jorge Amado, Carlos Lacerda e Octavio Malta. Rubem Braga acaba se afastando de Wainer (com quem costumava ser confundido, dada a semelhança física entre os dois) depois de se envolver com a mulher dele, Bluma Wainer. Vão
retomar a amizade apenas nos anos 1960. 1939 Ainda muito visado pela polícia, por suspeita de ser comunista, Rubem decide se mudar para Porto Alegre. Depois de passar novamente por São Paulo, segue para a capital gaúcha, onde trabalha para o Correio do Povo e mantém crônicas diárias na Folha da Tarde. Fica em Porto Alegre poucos meses, de julho a outubro, quando é preso pelo Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e despachado para Santos, com destino final no Rio de Janeiro. Com medo de ser preso novamente no Rio, desembarca em Paranaguá e segue para Curitiba. Dali, consegue ajuda para ir a Natal. 1940 Volta a São Paulo, convidado pelo interventor paulista, Adhemar de Barros, a trabalhar em O Estado de S. Paulo, então sob a tutela varguista, enquanto
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Fotos: arquivo Roberto Seljan Braga
Visto de correspondente expedido pelo Departamento de Guerra dos eua em 1944
Júlio de Mesquita Filho está no exílio. Em terras paulistas convive com Clóvis Graciano, Sérgio Milliet e o casal Luís Martins e Tarsila do Amaral. 1942 Escreve para a agência de propaganda e notícias Inter-Americana. Assina o Manifesto dos Cem Intelectuais, contra o fascismo, ao lado de nomes como Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Samuel Wainer, Astrojildo Pereira e Hermes Lima.
crônicas e poemas, pela editora Brasiliense, com capa de Clóvis Graciano (uma capa de Santa Rosa, feita em 1942, acabou não sendo aproveitada). Posteriormente, as crônicas deste livro seriam reunidas, por decisão do autor, às do primeiro livro, O conde e o passarinho. Na reedição de 1982, feita pela Record, o autor preferiu retirar do volume os poemas, “que passaram a fazer parte do Livro de versos, publicados em 1980 pelas Edições
Pirata, do Recife”. Os poemas de Braga foram incluídos por Manuel Bandeira em sua antologia de poetas bissextos de 1946. Para a editora Leitura, coordena a coleção Contos do Mundo, pela qual sai o volume Os russos antigos e modernos, prefaciado por Aníbal Machado. Nessa coleção, são publicados pela primeira vez em português contos traduzidos diretamente do russo, como “O capote”, de Gógol. Em setembro, aos 31 anos, embarca com o Segundo Escalão da Força Expedicionária Brasileira para a Itália, como correspondente do Diário Carioca, para acompanhar a ação da feb na Segunda Guerra Mundial. Era um dos poucos jornalistas brasileiros na campanha, ao lado de Egydio Squeff, de O Globo, Raul Brandão, do Correio da Manhã, Joel Silveira, dos Diários Associados, e Thassilo Mitke, da Agência Nacional. Suas crônicas privilegiam o dia a dia dos soldados, homens comuns, recrutados entre o povo
1943 Por influência de Adhemar de Barros, chefia o setor de publicidade do Serviço Especial de Saúde Pública e percorre grande parte da região Norte do Brasil. O emprego o leva a conhecer a Amazônia, acompanhando migrantes nordestinos. No fim do ano, em vez de retornar a São Paulo, onde Monteiro Lobato o queria como tradutor da Brasiliense, volta ao Rio de Janeiro, onde escreve reportagens para o Diário Carioca. 1944 É editado o seu segundo livro, Morro do isolamento, de
Rubem Braga (à dir.) na Itália, como correspondente do Diário Carioca 14
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Museu da feb-rj
Correspondentes de guerra brasileiros durante a campanha da feb na Itália; Rubem Braga é o primeiro à esq., em pé
brasileiro, muitos deles analfabetos. Durante a campanha, passa por Roma (onde encontra Clarice Lispector, que acompanhava o marido, o diplomata Maury Gurgel) e Florença, cidade que o deixa extasiado. No final de 1944, é o único dos correspondentes brasileiros a acompanhar o início da batalha de Monte Castelo. Teve sua reportagem sobre a ofensiva censurada pelo dip (Departamento de Imprensa e Propaganda). 1945 Retorna da Itália em avião da Panair. Sai o livro Com a feb na Itália, da editora Zelio Valverde, com suas crônicas da Segunda Guerra escritas para o Diário Carioca. O livro seria republicado posteriormente com novo título, escolhido pelo autor, Crônicas da guerra na Itália, reunindo outros textos sobre a Campanha da Itália. Rubem Braga assina o manifesto de criação da Esquerda Democrática. Tem como companheiros de manifesto Joel Sil-
veira, Sérgio Buarque de Holanda e Manuel Bandeira. Junto com Mário Pedrosa, Lívio Xavier, João e Francisco Mangabeira, Evandro Lins e Silva e Joel Silveira, Rubem Braga apoia a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes à presidência. O grupo criaria o Partido Socialista Brasileiro. Ao lado de Fernando Sabino, Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes, Augusto Frederico Schmidt e Carlos Drummond de Andrade, está entre os intelec tuais e artistas que recepcionam o poeta chileno Pablo Neruda, no bar Alcazar, em Copacabana. 1946 Divide-se entre São Paulo e Rio. Na capital federal, volta a morar em Copacabana, com Zora. Aracy Seljan, a Momi, irmã de Zora, passa a atuar como secretária do cronista. Rubem divide o apartamento com o mineiro Paulo Mendes Campos. Além dele, tem como amigos mais próximos e queridos os mi-
neiros Fernando Sabino e Otto Lara Resende. Estreita relações com Clarice Lispector, que está de volta ao Rio e com quem vai manter intensa correspondência. Viaja à Argentina para cobrir a eleição que levaria Juan Domingo Perón (1895-1974) à presidência. Permanece dois meses em Buenos Aires. Colabora com A Manhã, o jornal humorístico de Aparício Torelly, o Barão de Itararé, para o qual tenta entrevistar Luís Carlos Prestes. Chega a encontrar-se com o líder comunista, mas a conversa vira discussão. 1947 É enviado a Paris como correspondente de O Globo, veículo para o qual escreve crônicas diárias. Na capital francesa, faz amizade com o poeta Jacques Prévert. Entre os brasileiros com quem Rubem e Zora convivem, estão Jorge Amado e Zélia Gattai, o pintor Carlos Scliar, o jornalista gaúcho Carlos Reverbel e sua mulher Olga, além do casal Carlos Thiré e Tônia Carrero. Então conhecida por Mariinha Portocarrero, Tônia era uma das mulheres mais bonitas do círculo de escritores e artistas do Rio de Janeiro. Rubem Braga a conhecia das reuniões na casa de Aníbal Machado. Em Paris, Rubem e Tônia se apaixonam e vivem um caso intenso, mas passageiro. A relação, depois, evoluiu para uma amizade duradoura. 1948 Faz 35 anos e edita Um pé de milho, pela José Olympio, com capa de Santa Rosa, reunindo crônicas publicadas no Diário Carioca e em O Globo.
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Carteira de Braga como jornalista do Diário de Notícias
Zora Seljan viaja com um grupo de artistas e intelectuais aos países da Cortina de Ferro. A viagem marca a separação do casal. Posteriormente, Zora voltaria a se casar, com o escritor Antonio Olinto. 1949 Trabalha no Diário de Notícias. Em dezembro, retorna a Paris, como correspondente do Correio da Manhã. Envia crônicas para a revista literária Leitura. Sai o volume O homem rouco, pela José Olympio. Na seleção das crônicas, Rubem conta com a ajuda de Fernando Sabino e de sua secretária Momi Seljan. Ambos participariam da preparação de todos os livros posteriores, dividindo eventualmente a tarefa com Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende. 1950 Em Paris, entrevista Jean-Paul Sartre. Por influência do filósofo francês, passa a fumar cachimbo, além do cigarro. A esse respeito, o cronista dirá que
foi seu único “desvio existencialista”. Conhece também Pablo Picasso e Marc Chagall, e estreita amizade com o poeta Jacques Prévert. Com Cícero Dias, viaja à Suíça. Em agosto, morre sua mãe. Em outubro, Getúlio Vargas é eleito presidente. Ainda em Paris, se encanta pela jovem modelo capixaba Danuza Leão, então apenas uma adolescente, que mais tarde viria a se casar com Samuel Wainer.
1951 Volta para ao Rio de Janeiro e às rodas boêmias de bares como o Amarelinho, Vermelhinho, Lidador, Westphalia e Pardellas, no centro. Em Copacabana, além do Alcazar, frequenta o Juca’s Bar (situado no térreo do Hotel Ambassador), de propriedade do amigo José Ferreira Chaves, o Juca Chaves. O Juca’s era onde Rubem se encontrava com Di Cavalcanti e Vinicius de Moraes. Em junho, Rubem é homena geado em sua cidade natal, como Cachoeirense Ausente de 1951. A data comemorativa fora criada pelo irmão Newton para homenagear os filhos ilustres da cidade. Revê as irmãs Yedda e Gracinha e o amigo Adelson Moreira. Alguns amigos do Rio o acompanham: Vinicius, Millôr Fernandes, Otto Lara e Fernando Sabino. Saem as 50 crônicas escolhidas, em edição da José Olympio, que mais tarde seria ampliada para 200 crônicas escolhidas, uma antologia dos oito primeiros livros do autor, organizada por ele mesmo.
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1952 Com o amigo Arnaldo Pedroso d`Horta, acompanha o governador Bento Munhoz da Rocha em viagem pelo Paraná. Publica uma série de reportagens sobre o progresso do estado. De volta ao Rio, funda com Joel Silveira e Rafael Corrêa de Oliveira um semanário independente, que duraria apenas 20 números: a revista Comício, de oposição ao governo Vargas. Entre os colaboradores de Comício, estavam Antonio Maria, Sérgio Porto, Newton Carlos, Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Cláudio Abramo, Lúcio Rangel, Sábato Magaldi, Paulo Mendes Campos e Clarice Lispector, sob pseudônimo de Teresa Quadros. Braga faz amizade com o poeta amazonense Thiago de Mello. Conhece também o jovem conterrâneo José Carlos de Oliveira, que se tornaria jornalista e cronista de destaque nas décadas seguintes. Em abril, Adolfo Bloch lança a revista Manchete. Com o declínio da Comício, a maioria de seus colaboradores passa a escrever para a nova publicação, inclusive o próprio Braga. É Bloch quem vai chamá-lo de Príncipe da Crônica, apelido pelo qual Braga ficou eternizado. De Sér-
Arquivo Arnaldo Pedroso d’Horta
Arquivo Roberto Seljan Braga
Viaja pelo Espírito Santo, em companhia de Carybé, para elaborar um guia de turismo do estado, a convite do governador capixaba Jones dos Santos Neves. O guia nunca seria editado, mas algumas notas de viagem seriam aproveitadas em crônicas posteriores.
Rubem Braga (à dir.) e Arnaldo Pedroso d’Horta (terceiro a partir da dir.) durante viagem pelo Paraná em 1952
gio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, por sua vez, receberia o apelido de O Sabiá da Crônica. Torna-se grande amigo e companheiro de boemia de Antonio Maria e é um dos primeiros a elogiar os poemas de Ferreira Gullar, então revisor da revista. Braga escreve também para o Diário de Notícias. 1953 Prepara o livro A borboleta amarela, que sairá em edição especial do autor, de pequena tiragem de 500 exemplares, numerados e assinados, com capa e ilustrações de Carybé. Publica Três primitivos, ensaios com teor de crônica sobre a obra dos pintores naïfs Cardosinho, Heitor dos Prazeres e José Antônio da Silva. O opúsculo sai na coleção Os Cadernos de Cultura, dirigida por Simeão Leal para o Serviço de Documentação do Ministério da Educação. Posteriormente, as crônicas do livro serão reunidas em O verão e as mulheres, junto com as crô-
nicas de A cidade e a roça. Na quarta edição, da editora Record, em 1985, o próprio Braga justifica a reorganização desse volume: “Cada edição de A cidade e a roça foi feita por uma editora – a primeira pela José Olympio, a segunda pela Editora do Autor, a terceira pela Sabiá. Só agora tomei coragem para mudar o título. É muito ruim, além de lembrar A cidade e as serras, de Eça de Queirós.” 1954 Entrevista Jânio Quadros para a Manchete. Em agosto, Getúlio Vargas se suicida. 1955 Graças a uma antiga amizade com o agora presidente João Café Filho, consegue ser indicado para um posto diplomático em Santiago. No Chile, chefia o Escritório de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil. Cria uma biblioteca na sede do escritório comercial e tenta divulgar a literatura brasileira entre a intelectualidade lo-
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cal. Mantém colaboração com a Manchete e o Correio da Manhã. O livro A borboleta amarela é publicado em edição da José Olympio.
1957 Publica A cidade e a roça, pela José Olympio. Posteriormente, os textos deste livro foram reunidos em O verão e as
Arquivo Roberto Seljan Braga
1956 Pede desligamento do pos to no Chile e deixa de colaborar com o Correio, por conta da campanha do jornal contra Café Filho. Juscelino Kubitschek é eleito presidente. Conhece a bela adolescente Ana Maria Machado, 30 anos mais jovem, e mantém uma paixão platônica pela futura escritora. Lúcio Rangel apresenta Tom Jobim a Vinicius de Moraes no Vilariño. Tom fará as composições para Orfeu negro, peça teatral de Vinicius. Rubem Braga os encontra no apartamento de Vinicius em Ipanema, passa a frequentar os ensaios da peça e chega a ser convidado a escrever a letra de “Manhã de carnaval”, composição de Luiz Bonfá. Bra-
ga, que não via a troca da poesia pela música feita por Vinicius com bons olhos, recusou-se a escrever a letra, deixando a tarefa a Antonio Maria. Em agosto, Braga passa duas semanas em Buenos Aires, de onde reporta sobre o câncer de Evita Perón. No fim do ano, vai a São Paulo para entrevistar Jânio Quadros mais uma vez. Como correspondente da revista Manchete e do jornal Diário de Notícias, Braga viaja para Nova York e Washington para cobrir a eleição, que irá levar Dwight D. Eisenhower à presidência. Na capital americana, revê a amiga Clarice Lispector, em Washington. Fernando Sabino lança Encontro marcado.
Rubem Braga chega a Santiago para chefiar o Escritório de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil no Chile
mulheres, na reedição da Record, junto com Três primitivos. 1958 Publica na Manchete a crônica “Ai de ti, Copacabana!”, um de seus textos com maior repercussão e que daria título a um novo volume de crônicas, dois anos depois. Assiste, sozinho e extasiado, em seu apartamento de Copacabana, à vitória brasileira por 5 a 2 contra os suecos, na final da Copa do Mundo. A edição das 50 crônicas escolhidas é ampliada para 100 crônicas escolhidas, em edição da José Olympio. 1959 Jânio Quadros e o Marechal Lott se lançam candidatos a presidente, para suceder Juscelino Kubitschek. Rubem apoia a candidatura janista contra Lott, que tem como vice João Goulart, considerado um herdeiro de Vargas. Posteriormente, o cronista desilude-se completamente da política e, à medida que os anos passam, interessa-se cada vez menos pelo tema. Colabora com a recém-lançada revista Senhor. 1960 Ao lado de Fernando Sabino e de jornalistas como Carlos Castello Branco, Márcio Moreira Alves e Villas-Bôas Corrêa, vai a Cuba acompanhando a viagem do candidato Jânio Quadros a Havana. Escreve uma longa crônica para a Senhor sobre a visita de Jânio à ilha. Funda, com Fernando Sabino e o advogado Walter Acosta, a Editora do Autor, que neste mesmo ano irá editar o volume
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Retorna ao Marrocos e, como embaixador, vai à Grécia e à Alemanha. Visita também Casablanca. Corresponde-se com Clarice Lispector e Marcio Moreira Alves.
Rubem Braga no Marrocos, onde assumiu o posto de embaixador brasileiro em 1961
de crônicas Ai de ti, Copacabana. O primeiro livro da casa editorial é um volume de ensaios de Jean-Paul Sartre, que neste ano visita o Brasil ao lado de Simone de Beauvoir. As capas da editora ficam a cargo da artista gráfica Bea Feitler, que já trabalhara para a Senhor. Em abril, a capital é transferida do Rio de Janeiro, com a inauguração de Brasília. Em outubro, Jânio Quadros é eleito presidente. Rubem Braga comemora a vitória tomando uísque em companhia do amigo Juca Chaves. Braga é convidado a ser embaixador, por indicação de Afonso Arinos, antigo editor do cronista em Belo Horizonte, e de José Aparecido de Oliveira, secretário particular do presidente e amigo de Rubem Braga. O escritor escolhe um posto inusitado: Rabat, no Marrocos. Rachel de Queiroz é indicada para o Ministério da Educação e Cultura, mas não aceita. Otto Lara Re-
sende recusa convite para ser assessor de imprensa de Jânio. 1961 Passa o Carnaval no Recife, a convite do governador Miguel Arraes. Em agosto, Jânio renuncia, e Braga decide entregar o posto de embaixador, para o qual seu nome ainda não havia sido formalmente confirmado. Mas João Goulart mantém o convite Transfere-se para o Marrocos, onde assume o posto de embaixador, visitando também Marrakech e Tânger. Vai ao Cairo, representar o Brasil, visita o amigo João Cabral em Sevilha, onde o poeta pernambucano é cônsul, e vai também a Uganda, na África. 1962 Está no Rio de Janeiro quando o Brasil sagra-se bicampeão mundial de futebol, na Copa do Mundo do Chile. Após a vitória brasileira, a Editora do Autor publica Drama e glória dos bicampeões, escrito por Araújo Neto e Armando Nogueira.
1963 No seu aniversário de 50 anos, está no Marrocos. Ainda no começo do ano, desliga-se do serviço diplomático quando da mudança do regime parlamentarista para presidencialista, com a efetivação de Jango como presidente. Volta ao Rio para ser operado de uma hérnia, causada por uma tosse insistente, provavelmente decorrente do cigarro, e vai morar em Ipanema. Compra uma cobertura na rua Barão da Torre, onde vai viver durantes os anos seguintes. Trava amizade com o jovem Ivan Lessa, filho do casal de amigos Orígenes e Elsie Lessa.
O embaixador e seu sobrinho e secretário Edson Braga, filho do irmão Newton, em hotel de Meknès, no Marrocos
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Faz sucesso o programa Quadrante, da Rádio Ministério da Educação e Cultura, emissora criada por Roquette Pinto. O ator Paulo Autran lê crônicas de Rubem Braga, Manuel Bandeira, Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Dinah Silveira de Queiroz e Cecília Meireles. A Editora do Autor reuniria as crônicas radiofônicas em livro.
Arquivo Editora Globo
1964 O selo Festa, de Irineu Garcia, produz discos de 45 rotações com escritores lendo suas obras. Rubem Braga a princípio resiste, por achar que tem má dicção, mas termina por gravar não apenas crônicas, mas também poemas. O clima político está acirrado entre o governo, a udn e os comunistas. Carlos Lacerda acusa João Goulart de entreguista e de tentar se perpetuar no poder. No dia 31 de março, Rubem Braga está em Petrópolis e recebe a notícia do golpe militar – ou da
“Revolução”, como se dizia – com serenidade. Apesar de suas posições políticas reticentes e de ter sido acusado de comunista muitas vezes, o novo presidente, Castello Branco, ex-integrante da feb, é simpático ao escritor. Otto Lara Resende convida Rubem Braga a escrever crônicas semanais no Jornal do Brasil. Depois das reformas editoriais implementadas por Alberto Dines, o jb se tornara o jornal mais importante do país, onde estavam nomes como Janio de Freitas, Otto Lara Resende, Fernando Sabino e o jovem Fernando Gabeira. Neste mesmo ano, é lançada a revista Realidade. Rubem publica, em sua coluna “Trivial Variado”, uma crônica denunciando as primeiras torturas praticadas pelo regime, em Pernambuco. Denuncia também a violência nos porões do Dops do Rio de Janeiro, o que dá início a um desentendimento público entre Braga e o secretário de segurança do Rio, Gusta-
vo Borges. Seus textos de teor político e econômico, além disso, causam mal-estar entre ele e o diretor do jornal, Nascimento Brito, e Rubem deixa as páginas do jb. Passa a receber cartas de pessoas presas e torturadas, de todo o Brasil. 1965 Viaja para a Índia como convidado do governo indiano. Visita Goa, de onde escreve uma crônica criticando a colonização portuguesa, o que o faz receber críticas do governo de Salazar e da imprensa lusa. A Editora do Autor publica O apanhador nos campos de centeio, de J.D. Salinger, e Redenção para Job, primeiro livro de um jovem escritor do Recife, Aguinaldo Silva, que se tornaria um bem-sucedido romancista e autor de telenovelas. Ao lado de Paulo Mendes Campos, é jurado do ii Festival de Música Popular da tv Excelsior, que tem Geraldo Vandré como vencedor. Apesar da amizade com Vinicius, irrita-se com a bossa-nova e não simpatiza com Tom Jobim. Gosta mesmo é do conterrâneo Roberto Carlos. 1966 Seu amigo Marcio Moreira Alves é eleito deputado federal. Dois anos depois, em 1968, o discurso de Moreira Alves será usado como pretexto pelos militares para decretar o ai-5.
Paulo Mendes Campos (segundo a partir da esq.), Otto Lara Resende (terceiro), Fernando Sabino (quinto) e Rubem Braga (sexto, em pé) no Rio de Janeiro, em 1963
1967 Decide constituir uma galeria de arte e, para tanto, aluga um espaço ao lado do Teatro Santa Rosa, em Ipanema. Abre a galeria Santa Rosa, com exposição de Carlos Scliar e Carybé.
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Fotos: arquivo Roberto Seljan Braga
samba-enredo da Escola de Samba Unidos de Vila Isabel. O vencedor é um jovem compositor, Martinho da Vila. É operado do pulmão, em decorrência do excesso de cigarros. Em junho, um grupo de jovens humoristas e jornalistas – Jaguar, Sérgio Cabral, Tarso de Castro, Luiz Carlos Maciel e Ziraldo – lança o Pasquim, que rapidamente se tornaria a publicação mais popular do país. Rubem, Fernando Sabino e sua mulher Lygia Marina
Depois de terem vendido a Editora do Autor para o sócio Walter Acosta, Rubem Braga e Fernando Sabino abrem a Editora Sabiá. Pela nova casa editorial, Rubem lança A traição das elegantes. A editora Sabiá publicaria também Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez, por indicação de Pablo Neruda e Carlos Lacerda. O escritor colombiano viria ao Brasil para o lançamento do livro. Ao se tornar cronista do jb, Clarice Lispector pede conselhos ao amigo e aclamado cronista. Rubem Braga torna-se amigo da jovem escritora Nélida Piñon, que lhe apresenta o argentino Manuel Puig. De Piñon, a Sabiá vai publicar A casa da paixão. Paulo Rocco em breve se tornaria gerente da editora. 1968 Recebe Pablo Neruda como hóspede na cobertura da Barão da Torre. No apartamento, reúnem-se Braga, Jorge Amado, Vinicius de Moraes, Clarice Lispector e Carlos Heitor Cony.
O acirramento da repressão política culmina com o ai-5, em dezembro, fazendo Rubem Braga redobrar os cuidados e dormir fora de casa por algumas noites. Chega a ser interrogado por um general, mas é liberado. Joel Silveira é preso em sua casa. A festa de fim de ano da editora Sabiá é adiada. 1969 Com Millôr Fernandes, participa do júri para escolher o
1970 Passa a frequentar o Antonio’s, no Leblon, novo reduto da boemia carioca, em companhia de Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Vinicius, Chico Buarque, Miguel Faria e seu filho Miguel Faria Júnior, Walter Clark e Mauro Salles, entre outros. Os dois últimos serão futuros companheiros de Braga na Rede Globo, ao lado de Otto Lara Resende. 1971 Braga e Sabino encerram as atividades da editora Sabiá. Depois a venderiam para José Olympio.
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1973 A editora portuguesa Livros do Brasil publica Os trovões de antigamente. Rubem viaja a Lisboa para o lançamento do livro e visita a Fundação Calouste Gulbenkian. Consta que se interessou mais pelos passarinhos dos jardins que pelas obras de arte do acervo. 1975 Recebe um telefonema de Armando Nogueira, diretor de jornalismo da Rede Globo, que o convida a trabalhar na equipe de jornalismo da emissora, com Walter Clark e Otto Lara Resende. Passa a escrever pequenos comentários para o Jornal Hoje, dirigido por Leda Nagle, sem compromisso de ir à sede da emissora.
1978 Sai a coletânea 200 Crônicas Escolhidas, pela editora Record, com desenho de Carlos Leão na capa. A antologia é organizada pelo próprio autor, com a ajuda de Fernando Sabino, em uma seleção de textos dos oito primeiros livros de Rubem Braga. Inicia colaboração como cronista na Revista Nacional, criada por Mauritônio Meira, ex-repórter da Última Hora, e distribuída como encarte em diversos jor-
Arquivo Roberto Seljan Braga
1977 A Editora Ática, por iniciativa do editor Jiro Takahashi, lança a coleção Para Gostar de Ler, com textos de grandes auto-
res brasileiros e espírito de convite à leitura jovem. O primeiro volume da série traz as crônicas de Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Carlos Drummond de Andrade, com apresentação de Antonio Candido. O texto de Candido, “A vida ao rés-do-chão”, se tornaria uma referência sobre a crônica brasileira.
nais do país, atividade que manteria até o ano de sua morte. Escreveria ainda, em colaborações eventuais, para outras revistas, como Visão e Veja, e jornais, como O Estado de S. Paulo, onde foi colunista. 1979 Depois de impor exigências financeiras e de autoria, aceita convite do ministro da Agricultura Delfim Netto para escrever relatórios do ministério. Como jornalista da Globo, viaja à Inglaterra e à Escócia, por convite de uma marca de uísque. 1980 Em setembro, morre o amigo Vinicius de Moraes, nascido no mesmo ano do cronista. Rubem escreve uma crônica, lamentando que desde 1913 é a primeira vez que chega a primavera sem Vinicius. Também redige um comentário emocionado para a tv Globo sobre a perda do poetinha. A crônica “Recado de primavera” dará título ao livro publicado quatro anos depois. 1982 Dá uma entrevista ao vivo para o Jornal Hoje, programa do qual é colaborador, a respeito de sua atuação como repórter e correspondente de guerra. 1983 Completa 70 anos.
Braga e o poeta Carlos Drummond de Andrade durante evento no Rio de Janeiro
1984 Sai o livro Recado de primavera, publicado pela Record. É o primeiro livro do autor com capa feita pela sobrinha, Rachel Braga, filha do irmão Newton. Publica as Crônicas do Espírito Santo, com desenho de Carybé na capa, em edição da Secretaria de Educação e Cultura do Espírito Santo.
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blioteca pública e centro cultural, um memorial em homenagem a Rubem e à família. Em companhia de Otto Lara Resende, encontra o jornalista Humberto Werneck e concede entrevista para o livro O desatino da rapaziada, de Werneck.
Rubem com o escritor curitibano Dalton Trevisan
Apesar da notória fama de recluso, casmurro e lacônico, aceita participar da série de palestras Encontro Marcado, em que fala a estudantes do Brasil inteiro sobre suas experiências de cronista e escritor. Em Porto Alegre, encontra Mario Quintana, conhece Moacyr Scliar, primo de Carlos Scliar, e a fotógrafa Dulce Helfer, que passa a acompanhá-lo nas palestras da série. Vai a Salvador, onde reencontra Carybé. Em Curitiba, conhece Dalton Trevisan. 1985 Saem Os melhores contos de Rubem Braga, com seleção de Davi Arrigucci Jr., na coleção da editora Global, dirigida por Edla Van Steen. 1987 Em abril, em Cachoeiro de Itapemirim, é inaugurada a Casa dos Braga, depois de ampla reforma, transformada em bi-
1988 Participa da Bienal do Livro, no Rio de Janeiro. Comparece ao encontro dos autores da editora Record, organizado pelo editor Alfredo Machado, ao lado de Jorge Amado, Henfil, Burle Marx e Ivo Pitanguy. Lança As boas coisas da vida, pela Record, com seleção de crônicas feita por ele e pelos amigos mais próximos. Otto Lara Resende faz a edição dos textos, e o prefácio é de Paulo Mendes Campos. 1989 Em dezembro, decide deixar de colaborar no Estadão, por conta do apoio do jornal ao candidato a presidente Fernando Collor de Mello, mas é demovido da decisão por Augusto Nunes e Fernando Sabino. 1990 No começo do ano, descobre que sofre de um câncer de laringe. Cogita ir aos Estados Unidos em busca de tratamento, mas a falta de dinheiro decorrente do confisco decretado pela então ministra da economia Zélia Cardoso de Mello o impede de viajar. Decidido pela ideia de ser cremado e não enterrado, vai sozinho ao cemitério da Vila Alpina, em São Paulo, tratar da cremação. É internado no dia 18 de dezembro e morre, no Rio de Janeiro,
em 19 de dezembro. O corpo é trasladado a São Paulo e cremado. As cinzas seguem para Cachoeiro de Itapemirim, onde são depositadas no rio Itabira, como era a vontade do cronista. 1996 O jornalista José Castello publica Na cobertura de Braga, pela editora José Olympio. 1997 Sai o livro Casa dos Braga. Memória de infância, com crônicas de Rubem Braga sobre sua infância em Cachoeiro de Itapemirim, pela editora Record. A mesma editora lança Pequena antologia do Braga, com seleção de Domício Proença Filho. 1998 A pedido de Roberto Braga, filho do cronista, Domício Proença faz uma seleção das últimas crônicas de Rubem Braga, publicadas em O Estado de S. Paulo, que são reunidas no livro Um cartão de Paris, em edição da Record. 2000 Domício Proença Filho seleciona crônicas para a coletânea Aventuras, lançada pela Record. 2002 Com seleção de Carlos Reverbel, é publicado 1939, um episódio em Porto Alegre (Uma fada no front), da editora Record, com crônicas que Braga escreveu em sua curta, mas intensa, passagem pela capital gaúcha naquele ano. 2007 Sai a biografia Rubem Braga, um cigano fazendeiro do ar, de Marco Antonio de Carvalho, pela editora Globo.
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C O NF L U Ê N C I A S
Doutor Rubis O “bicho do mato” que não fazia questão de estar na moda encantou as mulheres e cativou escritores com suas crônicas e memórias da guerra Vicente de Mello
Capixaba de Itaguaçu, a jornalista Danuza Leão mudou-se aos dez anos para o Rio de Janeiro, onde se tornou uma das maiores personalidades da vida carioca. Primeira modelo brasileira a desenvolver carreira internacional, desfilou para o estilista francês Jacques Fath nos anos 1950. Em 1954, casou-se com o jornalista Samuel Wainer, fundador do jornal Última Hora, com quem teve três filhos: a artista plástica Pinky, o também jornalista Samuel (Samuca) e o cineasta Bruno Wainer. Em 1961, uniu-se ao cronista Antonio Maria; após a morte deste, em 1964, quando já estavam separados, atuou nos filmes Terra em transe (1967) e A idade da terra (1980), de Glauber Rocha, e tornou-se consultora de moda em novelas da tv Globo. Em 1992, o guia de etiqueta Na sala com Danuza (relançado pela Companhia das Letras em 2007) fez dela uma das mais requisitadas colunistas do país. Autora de Crônicas para guardar (Arx, 2003), As aparências enganam (Publifolha, 2004) e da autobiografia Quase Tudo (Companhia das Letras, 2005), desde 2001 assina uma coluna semanal na Folha de S. Paulo.
“
Rubem gostava de mulheres bonitas, muito bonitas, e se apaixonava por elas. A beleza para ele
talvez fosse mais fundamental do que para Vinicius. Das feias, era apenas amigo. Um bicho do mato, é o que Rubem era. Falava pouco, e de maneira pouco inteligível. Às vezes,
num bar, à uma ou às duas da manhã, a porta se abria e entrava ele, sozinho, com ar assustado. Olhava e, se não encontrava os amigos, dava meia-volta e saía, com o mesmo ar assustado. Nunca vi Rubem namorando ‘firme’, como se dizia, ou saindo com uma moça, só os dois, para ‘paquerar’. Ele ficava quieto, olhando fixamente para aquela por quem no momento estava apaixonado, perdido em seus pensamentos. Se alguém falasse com ele, levava quase um susto, como se tivesse sido acordado, saindo de um sonho. Acho que era isso: ele estava sonhando. 24
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Rubem só olhava; e precisa mais? Imagino que seus amores tenham sido sempre assim, e que as mulheres caíam em seus braços devido apenas a esse olhar que não fazia nenhuma cerimônia, estivessem em grupo, estivesse a dama em questão com o marido ao lado. Em casa de Rubem só entravam aqueles de quem ele gostava muito, e esses não precisavam pedir licença para chegar. Conservava amizades de Cachoeiro de Itapemirim, onde nasceu – gente simples, com quem tinha conversas de lembrança e de roça; falavam da fábrica de pios, da fábrica de requeijão, sobre amigos comuns, de infância. Nada que ver com intelectualidades; apenas coisas banais, que fazem parte da vida de qualquer um. E quando alguém o chamava de Rubens, ele dizia, ‘Rubens, não; Dr. Rubis’ – apelido do famoso jogador rubro-negro Rubens. É comum as pessoas que saem do interior para a cidade grande e que fazem sucesso rejeitarem seu passado, mas não Rubem; nele, esse passado era muito forte, e isso fazia toda a diferença. Ele nunca deixou de ser um ‘mocorongo’, como se dizia no Espírito Santo, o que significa alguém sem jeito, meio desengonçado, quase caipira, fora de moda. Rubem nunca fez a menor questão de estar na moda, em nenhuma delas, nem de fazer sucesso de nenhuma espécie; sempre foi um sem jeito, sobretudo com as moças. Numa determinada época, havia o hábito de dar nota ao desempenho sexual dos rapazes, e Rubem sabia que, no quesito, a sua não era muito alta. Com senso de humor – um humor meio amargo –, se referia a ele mesmo como ‘Rubem, o malacama’. Sua sensibilidade era profunda. Rubem captava o que estava acontecendo, e de um aparentemente nada escrevia uma crônica perturbadora – e como escrevia bem; bem e simples. Penso que nenhum cronista foi capaz de escrever como Rubem, e dificilmente surgirá outro como ele. Houve um tempo em que Rubem começou a achar certa graça em mim; eu, muito garota, ele, um homem já maduro, que nunca tentou me conquistar como os homens tentam conquistar as moças. Nunca me disse uma só palavra, mas me olhava com uma intensidade que me desconcertava. Eu, com 17, 18 anos, nem o encorajava nem o desencorajava; na minha idade, um homem que me olhava daquele jeito dava medo, não sei bem de quê; um dia viajei, desapareci, e pronto. Quando voltei, recebi uma carta de Rubem; uma carta dura, na qual ele falava de maneira cruel do meu medo de viver. Ele tinha razão, mas não precisava me machucar tanto. Muitos anos depois, abri um baú com velhas cartas, e lá estava ela, entre outras. Tomei coragem e rasguei todas, achando que com isso estava deixando meu passado para trás e recomeçando do zero, mas qual: certas cartas, não adianta rasgar; elas continuam sempre, vivas, em nosso coração.
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Sergio Guerini
O jornalista Cláudio Mello e Souza iniciou sua carreira como repórter e crítico de cinema do Diário Carioca, tornando-se em seguida redator do Jornal do Brasil. Durante o governo Jânio Quadros, dirigiu a Fundação Cultural de Brasília; com a renúncia do presidente, voltou ao jb como editor do “Caderno B”. De 1967 a 1969, dirigiu a revista Fatos e Fotos, sendo convidado por Adolpho Bloch para ser diretor das sucursais das revistas do Grupo Bloch na Europa, inicialmente em Portugal, depois em Paris. De volta ao Brasil, trabalhou no Departamento de Projetos Especiais da Rede Globo e como editor de esportes do jornal O Globo. Criador de campanhas especiais da Central Globo de Comunicação, assumiu em 1990 o cargo de assessor da presidência da Rede Globo. Seus primeiros poemas foram publicados em 1959, por Mário Faustino, no “Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil. É autor dos livros de poesia O domador de cavalos (Record, 1978), Corpo e alma (Nova Fronteira, 1980) e O passageiro do tempo (Nova Fronteira, 1985) e do ensaio Helena de Troia: o papel da mulher na Grécia de Homero (Lacerda, 2001).
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Oh! l’automne l’automne a fait mourir l’été Dans le brouillard s’en vont deux silhouettes grises Guillaume Apollinaire, Alcools Era o Rubem Braga no telefone. O que ele queria, ele que tão pouco me falava, que ainda mal me conhecia? Apesar das esqui-
vanças vigentes, falou o mais claro possível, bem a seu modo, às vezes rude e direto (não era o caso); às vezes de maneira apenas sutil, mas logo apreensível (era o caso). Recorria talvez a esses esquemas mentais e verbais, para colher o sim que cobiçava ou para desapoquentar-se com o não que o desgostava. Nada que fosse, porém, matreiramente tramado, pois que essas manifestações me pareciam sinceras expressões de seu momento, que tanto podiam ser de tolerância quanto de impaciência. Talvez houvesse em tudo uma pontinha de malícia, mas disso eu apenas desconfiava; nunca tive certeza plena. Parecia estar sempre de mau humor; e muitas vezes estava mesmo. No fundo, a bonomia, ainda que contida, era mais perceptível do que a casmurrice que amigos e desafetos lhe atribuíam. Sim, a casmurrice, mas a casmurrice machadiana, a do Bentinho já idoso, ‘calado e metido consigo’. Era difícil, mas, com um pouco de boa vontade e um muito de admiração, ele se tornava palatável. Jamais descobri se e como, vindos de amigo recente ou antigo, o sim, qualquer sim, de fato o 26
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alegrasse; e o não, qualquer que ele fosse, de fato o aborrecesse. Do que passei a ter certeza, em resumo, é a de ter estado diante de alma delicada, mas ferozmente defendida por carapaça espiritual. Tinha o gosto de indecifrar-se. Olhar de gato dengoso, pata de urso feroz, primata renascentista. Tratou-me com uma e outra pata, sem que desses dengos e rabugens eu saísse envaidecido com alguma palavra gentil ou magoado com algum repente azedo. Sempre o aceitei; ou melhor, sempre o tolerei, tolerância que provinha de minha grande admiração pela alta qualidade de suas crônicas, que ainda hoje releio com deleite e proveito. Mas voltemos ao telefonema que tanto me surpreendeu. – Oh doutô Claudio (este doutô era outro recurso a que recorria para indicar, ao seu interlocutor, estar ele disposto a aceitar alguma intimidade). Vamos tomar um drinque? – Onde? Daí a pouco, estávamos, lado a lado, esconsos, numa das mesas de canto, bem perto do vaivém da porta que dava para a cozinha do então famoso e formoso Sachas (eram ainda os anos 60 do século passado, e bem passado). Lá estava ele, com seus ardentes matizes vermelhos, fascinantes para meus olhos amadores, matizes que ainda hoje me ardem na memória. Vi teresas e dolores, encantei-me com elas, com outras e com tudo o que lhes serviam de cenário de musical de alguma classe, a começar pelo piano galante do velho Sacha Rubin. Lá ficamos por duas ou três horas, não me lembro direito, tal a emoção de, pela primeira vez, estar (ou pensando estar) fruindo a intimidade do escritor que minha imaginação fantasiava e cujas leituras me seduziam. De repente, mais um inesperado encanto: era o Antonio Maria, que, de passagem, teve curto diálogo com o Rubem e saiu sem despedidas formais. Nem me cumprimentou, nem o Rubem se preocupou em me tirar do anonimato. Depois de Maria, houve alguns outros famosos que saudavam o cronista e me olhavam com piedade. Tinham-me na conta de um curioso anônimo. Aceitei comiseração e anonimato. Vivi essa experiência sem ressaibo de ressentimento. Acalentado por tão consagradora e incômoda noite, fui dormir. Com alegria e vergonha. Afinal de contas, e durante muito tempo, Rubem e eu trocáramos algumas poucas palavras, sem formular frase ou dito memorável. Nada além de uma delicada troca de silêncios. O que diriam, no dia seguinte, o Fernando Sabino, o Otto Lara Resende e o grupo dos mineiros que haviam tramado o encontro consagrador? De manhã, repentinamente passei do sono ao susto, com a voz que me despertava e me dava o recado: ‘O Fernando no telefone!’. Aprontei-me para ouvir queixas e restrições. A voz de ressaca não dissimulou o tom da inquietação. A alegria da voz do Fernando, no entanto, me acalmou: ‘Claudionor, o Rubem está encantado. Me disse logo: que sujeito simpático, bom papo, cara educado e, ainda por cima, bonito (ai de mim!). Bonito pra burro. Mas gostei. Traz ele aqui em casa. Mas sem exagero.’ Tudo isso me veio sem que ele e eu tivéssemos dito mais do que umas poucas e acanhadas palavras. De onde o Rubem tirara tantos motivos de aprovação? Dias depois, e por iniciativa dele, passamos a nos frequentar mais amiúde, ainda que ‘sem exageros’. 27
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Certa tarde, fomos tomar caldo de cana e comer pastel de carne numa birosquinha simpática, já desaparecida, na esquina da Jangadeiros com a praça General Osório, a meio caminho entre a minha casa e a dele. O Rubem adorava pastel. E eu detestava caldo de cana. Chegou-se a uma solução. Ele tomava a cana e eu levava os pastéis para a casa dele, onde havia sempre um bom uísque para os amigos (e para os amigos dos amigos, que a adega era generosa). Uma vez, em Gramado, ele me convocou para ir até Lajeado. Sairíamos de manhã cedo. Mas ele se demorou em ouvir o pio dos passarinhos matinais e identificá-los, um por um. De repente, cansou-se, e fomos embora, sem temer o sol, andava com rara ferocidade. O Rubem queria provar um pastel de que tivera referências sedutoras. E lá fomos, calor danado, táxi sacolejante, pastel murcho e decepcionante, acompanhado de um chopinho mofino, enjoativo de tão quente. Homem curioso, me levou depois a umas pedrarias, em busca de preciosidades. Muito ouvimos, nada compramos. Era mercadoria de segunda classe. Depois, visitamos as granjas, nas quais moças e rapazes de sotaque alemão tentaram nos ensinar, em português estropiado, a melhor maneira de plantar, colher e saborear tomates, uvas e umas laranjas pequenas e amargas. Amaríssimas, como diria o José Dias, no Casmurro. Ao sairmos do táxi, o Rubem resumiu tudo: ‘Marmoraria boa, só na Itália’. Fez uma parada, respirou fundo umas tantas vezes, e arrematou: ‘E uva, só na França’. E fomos embora. Lygia Marina e Fernando Sabino nos esperavam no bar, cuja maior atração não era o vinho dessaboroso nem o queijo massudo, mas o uísque de boa procedência e o ar refrigerado no ponto certo. Quando interrompi minha narrativa ao Fernando, olhei para o Braga: cansado da viagem da qual nem queria falar, e ainda segurando o copo gelado, dormitava sossegadamente, mas de cara fechada. Era muito raro, para quem não fosse de Cachoeiro ou de Minas, chegar ao Rubem, e por ele ser gostado, sem que tivesse o beneplácito do grupo mineiro. Explico-me. Havia, no Rio, e perdurou por longo tempo, o grupo autêntico dos mineiros, com Otto, Fernando e Hélio Pellegrino, em posição de destaque e de influência; e um outro grupo, que não queria nem podia disputar-lhe a primazia, com Paulo Mendes Campos, Autran Dourado e Marco Aurélio Mattos, a fazer o que, em teatro, se chama de comparsaria. Havia ainda os mineiros de luxo, para me valer da irônica expressão de Carlos Lacerda: eram os que, não tendo nascido em Minas, pelos mineiros foram adotados e, graças a eles, vicejaram, como Carlos Castelo Branco. O Rubem nunca pediu nem precisou da ajuda de mineiro algum para ser, desde muito antes de eles aqui chegarem, um mestre consagrado e invejado da reportagem, da língua e da literatura brasileiras. Não era ele quem gravitava em torno dos mineiros, mas os mineiros que orbitavam em torno dele. Foi sempre assim. Tinha um ponto fraco, o Rubem: não resistia a mulher bonita. Nas suas mais belas crônicas, elas lá estão, mais do que exaltadas, sacralizadas. Ou, melhor ainda, o Rubem não resistia especialmente à moça bonita. Ponto fraco coisa alguma. Para mim, era forte, fortíssimo. Toda vez que eu desejava ser bem recebido no apartamento de cobertura que o Rubem mantinha – com um cuidado de zelosa dona de casa, ali na rua Barão da Torre, de onde se via a praça General Osório e o mar infinito que ele tanto 28
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amava e cuja intimidade parecia conhecer –, toda vez que ia a essa famosa cobertura, levava comigo uma bela companhia. Depois de sermos recebidos com sorriso menos avaro, coisa rara, éramos instalados nas cadeiras do terraço. Então, o Rubem sumia e, dali a pouco, reaparecia com os dois braços cheios de florinhas e frutas viçosas, cultivadas em sua virgiliana cobertura, e com as quais retribuía a beleza que o enternecera. Depositava tudo no regaço fresco e dourado da moça, e passava a participar da conversa com surpreendente loquacidade. Pouco depois, chegava o uísque, é claro, que ele mandara servir, enquanto ia aos jardins. Parte dessa enamorada reação deixou de me intrigar quando, um dia, ao passar pela estreita entrada de seu apartamento, atentei num pequeno azulejo, castamente posto entre quadros lindos. Era desses que levam frases sábias ou graciosas. O do Rubem tinha lá, em cursivo: ‘Aqui mora um solteiro feliz’. Ao que ele acrescentou, com sua bela caligrafia: ‘Nem tanto, nem tanto!’. Rubem ficou solteiro (‘nem tanto, nem tanto’) para o resto da vida, mas sem perder a paixão pelas mulheres. Tinha encantamentos, coisa de momento, pois que paixão fiel e duradoura houve apenas uma. Foi Tônia Carrero. O que mais doía, no Braga, era o fato de a bela Tônia admirá-lo mais como escritor do que como um homem capaz de lhe proporcionar uma encantadora vida a dois. Em termos platônicos, tudo bem; em termos de Eros, nem pensar. Tive uma constrangedora e amarga notícia desse amor. Certa vez, durante algumas noites no bar do extinto Florentino, Tônia e eu tornamos pública a breve e superficial relação amorosa que, durante certo tempo, nos reuniu. Pois bem. Uma noite, combinei com o Armando Nogueira de Tônia e eu visitarmos o Rubem. Prudente, Armando telefonou para o Rubem e, com a resposta que lhe foi dada em voz dura, me ligou de volta: ‘Que venha você sem ela, ou ela sem você. Os dois juntos, jamais.’ A pata do velho urso, como dizia o Vinicius, prevaleceu ao ronronar de velho gato. Rubem sofria o amor sem ter jamais podido realizá-lo. Mas viveu dentro dele até a morte. De amor e morte, foi o que mais conheceu. Certa noite, telefonei e lhe pedi albergue. Foi conciso. ‘Pode vir.’ Ao chegar, o jantar estava pronto. Carne assada, batatas, arroz branquinho e solto. Ah, sim, ia me esquecendo da goiabada com queijo, símbolo da frugalidade da casa. Depois da comida, e com o evidente intuito de evitar uma conversa maçadora, tratou logo de me levar ao quarto de hóspedes, no mezanino, cama larga, lençóis finíssimos, silêncio, o mar ao longe – o lugar perfeito para quem pudesse ou soubesse ser feliz: ‘Se quiser uísque, tem gelo lá embaixo’. Inquieto, não bebi nem dormi. De repente, saltei da cama, refiz a mala, peguei um táxi e voltei para o apartamento do qual jamais deveria ter saído. E no qual jamais deveria ter entrado, com a esperança que o velho Dante tanto condenara. O Rubem não indagou nada. Adivinhara tudo. Lendo estava, lendo ficou. Nem respondeu ao meu muito obrigado. Sabia de tudo e não tinha nada que ver com desamores alheios. Reacomodou-se na rede, olhando a noite e pensando lá em suas coisas. Talvez naquela outra noite que se esvaiu delicadamente, numa de suas crônicas, deixando no ar ‘um leve tom de opala’. Procurei papel, nada. Queria lhe deixar um comovido bilhete de adeus. Desisti. O Rubem acha29
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ria ridículo. ‘Depois eu telefono’, pensei. Não tive muito tempo para pensar, apenas de telefonar, dias depois, sem dele ter notícia, entretanto. Pelo telefone, soube que Rubem morrera um dia antes, discretamente. Por determinação expressa, poucos amigos, por ele selecionados, cuidaram que fosse cremado, dispensando-se velório e enterro. E então o Rubem, livre das amofinações da vida, quase tanto quanto dos angustiantes mistérios da morte, se retirou do convívio de todos sem remorso nem cerimônia, um tanto machadianamente e bem ao seu estilo: de mal com os homens e, talvez, de bem consigo mesmo. Ou de mal com os dois, o que acho bem provável.
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Sergio Guerini
Boris Schnaiderman nasceu em Úman, na Ucrânia, em 1917, e aos oito anos veio com os pais para o Brasil. Formou-se engenheiro agrônomo e participou da campanha da Força Expedicionária Brasileira (feb) na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial – experiência registrada no livro Guerra em surdina (Cosac Naify, 2004). Começou a traduzir autores russos em 1944 e a colaborar na imprensa brasileira a partir de 1957, sendo convidado a lecionar língua e literatura russa na usp em 1960. Dentre seus livros, destacam-se A poética de Maiakóvski através de sua prosa (Perspectiva, 1971), Dostoiévski prosa poesia (Perspectiva, 1982), Tolstói: antiarte e rebeldia (Brasiliense, 1983), Turbilhão e semente: ensaios sobre Dostoiévski e Bakhtin (Livraria Duas Cidades, 1983) e Os escombros e o mito (Companhia das Letras, 1997) – este sobre a cultura que emergiu na Rússia após o fim do regime soviético. Além de traduções da moderna poesia russa, em parceria com os irmãos Haroldo e Augusto de Campos, verteu para o português obras de Púchkin, Dostoiévski e Tchékhov.
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Além de constituírem parte importante da obra de Rubem Braga, suas crônicas, escritas umas
em 1944-1945, outras mais tarde, constituem um documento impressionante sobre os extremos de barbárie de que o homem é capaz, mas também sobre o lirismo que o cronista soube captar nos momentos mais inesperados. Realmente, ele era a pessoa talhada para essa tarefa. Sua identificação profunda com nosso homem do povo, a sensibilidade com que soube escrever sobre a população pobre dos grandes centros e do interior, pareciam torná-lo particularmente apto para essa tarefa. 30
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Lembremos que alguns de seus primeiros trabalhos como jornalista tratavam de uma situação de guerra – no caso, a Revolução Constitucionalista de 1932, quando Rubem, então com 19 anos, trabalhou como correspondente para um jornal de Belo Horizonte. (Há um depoimento dele sobre o período publicado em 1967 no Livro de Cabeceira, revista da editora Civilização Brasileira, e transcrito pelo biógrafo Marco Antonio de Carvalho em Rubem Braga – Um cigano fazendeiro do ar.) Tenho agora em mãos seu livro que reúne a correspondência enviada da linha de frente italiana para o Diário Carioca do Rio de Janeiro: Com a
feb
na Itália. Tem as folhas amareladas e elas vão se
esfarelando enquanto o manuseio, prova palpável das restrições daquele tempo. O volume é precedido de uma nota ‘Ao leitor’, característica pelo toque de tristeza e desalento muito comum em Rubem. Segundo afirma, ele pretendia criar ‘uma espécie de cronicão da feb à boa moda portuguesa antiga’, mas ‘o sonho durou pouco’, pois os correspondentes de guerra brasileiros se chocaram com a ‘estupidez mesquinha dos feitores da imprensa sob o Estado Novo’, com as suas interdições violentas, as eliminações absurdas de textos etc. Mas, apesar de todos estes empecilhos, o resultado foi notável. Em apoio ao que estou dizendo, basta ler a primeira dessas crônicas: ‘A partida’. Todos nós que vivemos aqueles momentos sentimos a justeza das palavras do cronista. Estão ali as fortalezas embandeiradas para a despedida, as lanchas com gente acenando, e aquele pequeno barco de pesca e um pescador solitário em pé, acenando também. Tudo muito singelo e exato. Em diversas passagens, aparece claramente o Rubem Braga socialista e lutador antifascista de longa data, mas sempre contrário aos comunistas de Prestes. O livro é dedicado a dois homens do povo, um chofer e um pedreiro, que dez anos antes tombaram na cidade natal do cronista, Cachoeiro de Itapemirim, na luta contra os integralistas, bem antes do surgimento da feb. Realmente, em nossa literatura, temos aí um dos raros momentos em que há referência ao clima de guerra civil vivido pelo país antes da Intentona de 1935. Ao mesmo tempo, Rubem Braga mostra muito bem a feb como parte de uma ação mais vasta: a luta contra o fascismo em escala mundial. Nesse sentido, adquire importância especial a crônica ‘O pracinha Juan’, na qual se conta a história de um brasileiro, filho de espanhóis, criado na Espanha a partir dos cinco anos, com quem o cronista conviveu. Depois de lutar pela República na Guerra Civil, ele sofreu o diabo na Espanha de Franco, mas finalmente conseguiu ser repatriado e fez questão de continuar sua luta antifascista, dessa vez na feb. Um dos grandes momentos do livro é certamente ‘A menina Silvana’, a criança de dez anos que ele viu estendida sobre a mesa de um posto de saúde na linha de frente, quase inteiramente despida, com o corpo dilacerado pela explosão de uma granada. Sem saber se ela sobreviveu, o cronista junta este caso ao de tantas crianças martirizadas em nosso mundo inclemente. E a sua palavra fustigante volta-se contra o capitalismo, que tornou possível tamanha iniquidade. Apesar de todas essas qualidades do livro, e das crônicas escritas sobre esse tema anos mais tarde, releio sempre esses textos com um misto de fascínio e frustração. É realmente extraordinária a força com 31
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que ele captou aquele momento histórico, a humanidade que soube imprimir àquelas páginas; mas, ao mesmo tempo, não posso deixar de assinalar: ficou faltando algo. Rubem Braga estava imbuído de mentalidade antifascista e antigetulista, e tudo o que escreveu ficou marcado por essa convicção profunda. Ademais, deve-se reconhecer: ele conviveu com os soldados nas duras condições da guerra nas montanhas, na medida em que isso lhe foi permitido pelo comando. Sente-se nele forte identificação com os homens em combate. O leitor de sua obra acaba vendo naqueles homens verdadeiros lutadores antifascistas, que parecem plenamente cônscios da importância dessa tarefa. No entanto, a realidade foi outra. Já tratei do tema em meu livro Guerra em surdina e em vários outros textos, mas não há como deixar de repetir-me um pouco. Como se sabe, o afundamento de navios mercantes brasileiros próximo ao nosso litoral, com centenas de mortes, foi seguido de uma explosão popular nas grandes cidades. Manifestações promovidas por estudantes pediram então a declaração de guerra às potências do Eixo. Ao efetivá-lo, o governo parecia atender a um desejo do povo. Aquela explosão, porém, se dera nas cidades maiores e não atingira a grande massa da população. Durante anos seguidos, o governo parecia inclinar-se para as potências do Eixo. Querer que, em dado momento, o homem do povo assumisse a posição oposta era exigir demais. Lembro-me de que nós outros, convocados oriundos da classe média, ficávamos submergidos num verdadeiro mar humano, que não tinha as mesmas convicções e usava uma linguagem diferente. Costumavam dizer: ‘Fomos vendidos por dólares’. E hoje, pensando na reivindicação que houve então, por parte do governo Vargas, aos norte-americanos, de ajuda para a instalação de uma grande usina siderúrgica em Volta Redonda, constata-se que a afirmação tinha o seu fundo de verdade. Ademais, eles chegavam a dizer que nossos navios foram afundados por norte-americanos, e não por alemães ou italianos. Vem agora à memória um dia em Vada, nas vésperas de nossa partida para a linha de frente. Havia perto do acampamento um poste em que se afixavam notícias do dia. Pois bem, causou sensação a notícia de que Osvaldo Aranha deixara de ser ministro do Exército. Repetia-se: ‘Agora, nós vamos voltar, o velhinho vai nos chamar de volta. Já deve ter navio brasileiro esperando no porto para nos levar.’ Poucos dias depois, recebemos papeizinhos mimeografados com a letra do hino ‘Deus salve América’, em tradução brasileira, a ser cantada na cerimônia de nossa incorporação ao Quinto Exército norte-americano, em presença de seu comandante, general Marc Clark, e do nosso comando. Lembro-me também de um ensaio geral, quando fomos conduzidos a um campo da vizinhança, onde se concentrou todo o Primeiro Escalão da feb. Na frente, havia um estrado, onde ficou um sargento-músico, de batuta em punho. Ao lado, o general Zenóbio da Costa, comandante de nossa infantaria. Num dado momento, o sargento-músico empunhou a batuta, o general comandou: ‘Sentido!’ e, em seguida, gritou: ‘Canta, Sexto Regimento!’. Mas ouviram-se apenas umas poucas vozes de oficiais. Os soldados recusavam-se a cantar aquele hino, em que o louvor à América referia-se evidentemente à América do Norte. 32
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Lembro-me do vulto atarracado do general e de seu rosto roxo de fúria. ‘Canta, canta, Sexto Regimento!’, gritava ele, mas em vão. Comandou então: ‘Canta, Segundo de Artilharia!’ Ergui o mais que pude a minha voz de taquara rachada, acompanhando o entoar do hino pelos oficiais e uns poucos companheiros da Bateria-Comando. Alguém gritou então perto de mim: ‘Isso! Canta, escravo!’, deixando-me com as orelhas em fogo. Depois, não sei como decorreu a cerimônia da incorporação, pois fui escalado para serviço no acampamento. No entanto, aqueles homens destreinados, vindos de um país tropical e enfrentando o gelo e a neve nas montanhas italianas, revelaram-se soldados de verdade. Sempre pensei que, para lutar bem, o homem precisava estar motivado, isto é, ficar bem cônscio da justeza de sua luta. No entanto, eu os vi tornarem-se soldados da noite para o dia, naturalmente, com a maior tranquilidade. Depois, a identificação com a população civil e o contato com os resultados da invasão nazista, com seus desmandos e crueldades, fizeram o resto. E os mesmos homens que se recusaram a cantar o hino passaram a ser admirados pelos aliados e pela população. Como explicar isso? Aprendi então a admirar o nosso homem do povo e a lamentar a distância que nos separava. Eu ficava surpreendido, principalmente, com o seu senso prático e a capacidade de improvisação. Aliás, cheguei a escrever sobre isso num texto de jornal: Lembro-me agora de uns ingleses estendendo linhas telefônicas e detendo-se diante de um barranco difícil de transpor. Conferenciavam entre si, discutiam e não conseguiam resolver o problema. Logo depois, chegou um brasileiro franzino, encolhido em seu capote, armou um laço com o fio telefônico, atirou-o por cima de uma árvore e fez com que a extremidade oposta caísse do outro lado do barranco. E tudo isso em silêncio, devido à impossibilidade de comunicação. Esta agilidade e espírito inventivo de soldados que vinham de um meio mais hostil, menos urbano que o dos aliados nossos vizinhos na Itália, serviu muitas vezes de ajuda aos ingleses e norte-americanos e, neste sentido, ouvi muitos elogios a nossa gente. [Trecho, um pouco modificado, de ‘Quantas faces tem a glória?’, texto sobre o livro de William Waack, As duas faces da glória (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985), Folha de S. Paulo, 02.06.1985.] Trata-se de algo que vivi, mas não é motivo para mitificar nosso homem do povo, e nisso minha opinião coincide com a de Rubem Braga. Nosso soldado teve na Itália os seus sucessos e seus fracassos. No final das contas, atuou tão bem e tão mal como os soldados de outras nacionalidades, e isso já é muito. Mas eu, que esperava um desastre total, só posso recordar aqueles momentos com gratidão e carinho. Sempre me vem a lembrança de praças se arrastando sobre a neve, sob bombardeio, para consertar linhas telefônicas. Seriam os mesmos resmungões de Vada? Até hoje, fico intrigado com a diferença entre uma atitude e outra. 33
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Mais tarde, já de regresso ao Brasil, pude constatar claramente: aquele estado de espírito difundido entre os praças era apenas a manifestação de um tipo de mentalidade entranhada no povo. Tive uma surpresa quando fui assistir ao desfile do Segundo Escalão, de regresso ao Rio de Janeiro. Tal como em nosso caso, o percurso incluía a avenida Rio Branco, onde se armaram arquibancadas. Desci do ônibus perto da esplanada do Castelo, para ir até a avenida. Caminhei então no meio de verdadeira multidão, muitos empunhando bandeirinhas nacionais. De repente, ouvi sirenes tocando e um ruído de motocicletas em grande velocidade. Pouco depois, precedido de batedores, passou junto a mim o carro do Chefe de Estado, risonho e acenando para o povo, que gritava: ‘Getúlio! Getúlio!’ Creio que ele deve ter recebido mais aplausos que os meus companheiros do Segundo Escalão. Isso me deixou muito deprimido, pois meu estado de espírito era bem semelhante ao que Rubem Braga expressou em suas crônicas (descontadas, naturalmente, posições político-partidárias de momento). Existe ainda outro tema cuja ausência estranhei naqueles textos: a relação com os norte-americanos. Aliás, ele teve bastante contato com os ianques, mas tratou disso muito pouco. Se, durante a guerra, a censura não permitiria escrever sobre isso, depois não lhe faltou oportunidade para fazê-lo. É evidente que a saborosa história, relatada em ‘Uma certa americana’ (Crônicas da guerra na Itália), de uma aventura com a norte-americana Alice, que ele chama de Hélice, e que trabalhava no 48th Evacuation Hospital, não chega a preencher a lacuna. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer: o relacionamento entre oficiais e praças, no exército norte-americano, era muito mais humano que em nossa tropa. Um estudo brasileiro, a tese de doutoramento de Cesar Campiani Maximiano (Trincheiras da memória – Brasileiros na campanha da Itália. 1944-1945, apresentada ao Departamento de História da usp em 2004), me ensinou que isso era consequência da mobilização nos eua, com predomínio do número de convocados civis. Em todo caso, ficava bem marcada a diferença em relação a nossa tropa. No que se refere a esta, Rubem Braga teve, ao que parece, mais contato com os soldados já no front, com a infantaria, onde o perigo e as privações enfrentadas em comum acabavam com muitas das divisões correntes nas fileiras. Vêm-me à memória muitos norte-americanos, uns rapagões fortes, comunicativos, dizendo a todo momento, a propósito de qualquer empecilho: ‘Take it easy’. No entanto, esse aspecto simpático não é o que predomina em minha lembrança. Pois não há como esquecer os outros norte-americanos, a tropa de gente de cor, isto é, a 92a Divisão norte-americana. Muitos deles, em nosso país, seriam considerados brancos, mas os rigores oficiais ianques frisaram a sua ascendência africana. Os outros, os brancos, falavam deles com desprezo e diziam que era inevitável sofrerem um fracasso. Isso sempre me deixou perplexo. Já no navio-transporte, o General Mann, a separação entre negros e brancos era chocante. Parte da tripulação consistia em colored people, e eu os via ocupados sobretudo com a limpeza. Seus alojamentos eram separados dos nossos e da tripulação branca. Quando cruzávamos com eles por acaso, estavam sempre mudos e cabisbaixos. É verdade que Rubem Braga embarcou com o Segundo Escalão, viajando, pois, em outro navio. Mas será que as condições ali eram diferentes? 34
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Depois, já na linha de frente, eu via sempre os soldados da 92a Divisão comandados por oficiais brancos. Que entusiasmo eles poderiam ter? E o pior foi que o desastre esperado pelos norte-americanos brancos realmente aconteceu. Quando fomos transferidos para o setor de Monte Castelo, já tinha havido uma investida contra posições de nossa infantaria, e uma companhia chegou a efetuar retirada, após ataque da ss gritando: ‘Heil Hitler!’ Mas a transferência para outro setor evitou uma situação mais difícil para a feb. A 92a Divisão sofreu então o impacto de um ataque em grande escala e chegou a debandar. Os alemães retomaram o território que fora ocupado pelos brasileiros, inclusive a cidadezinha medieval de Barga, tomada pelos nossos soldados. Foi somente após a transferência de outras tropas para aquele setor que o 5o Exército norte-americano conseguiu retomar dos alemães aquele território. Conversei sobre o assunto da discriminação com os norte-americanos brancos. Um deles me disse então: ‘Nós sabemos que vocês é que estão certos. Em seu exército há brancos, mulatos, negros, amarelos. Mas para nós é impossível.’ Deixemos de lado, porém, essas diferenças na apreensão daquele momento histórico. Ele realmente deve ser abordado com a soma das impressões e comentários mais diversos. E agradeçamos à sorte a possibilidade de ler um autor como Rubem Braga. Na minha leitura, há um escrito que parece a síntese do que ele pretendia dizer: ‘Texto para o Caderno de guerra de desenhos de Carlos Scliar’. Realmente, com esse prefácio (reproduzido em Crônicas da guerra na Itália, que reúne o conjunto de seus textos de guerra), chega-se a um dos pontos altos da literatura que trata do homem na guerra. E não tenhamos dúvida: ao narrar a sua vivência de correspon-
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dente, nosso cronista chegou ao âmago do humano.
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rubem braga por ele mesmo
O imprudente ofício de viver em voz alta Seleção de Humberto Werneck e Michel Laub Escritor superficial entre arautos do transcendente e do sublime. Cronista modestamente resignado à tarefa de contar o que vê, sem ambição de nada inventar. Ou apenas um homem distraído e medíocre, alheio a fervorosas convicções ideológicas e espirituais. Ao longo das pequenas peças em prosa que fizeram dele o maior cronista do Brasil – e que elevaram a crônica à condição de gênero brasileiro por excelência –, Rubem Braga foi semeando esboços de autorretrato. Vazados em espontaneidade antirretórica, esses exercícios de humildade terminaram por criar o Trompe l’oeil capixaba de vida simples, que só saía de seu convívio silencioso com plantas e passarinhos para desabafar as aflições de interiorano inadaptado à cidade grande – e para responder aos feitiços e às provocações de suas mulheres. Antes, porém, de ser um registro ora enternecido, ora indignado, das doçuras e agruras cotidianas, a crônica é literatura, conhecimento pela imaginação. Por isso, esse artista da palavra imagina para si a persona do observador das superfícies, forja uma escrita que camufla habilmente as complexidades de um olhar sentimental sobre seres e coisas, simula a inocência de quem rumina suas lembranças de costas para o mundo, encerrado no microcosmo boêmio de flertes e amizades. As breves reflexões a seguir – sobre cotidiano e poder, amores e desamores, velhice e morte – foram extraídas de suas numerosas crônicas (indicadas pelo título e pela data de publicação original, que constam das diferentes antologias nas quais foram reproduzidas). Reiteram a imagem em que Braga se quis representado e, ao mesmo tempo, assinalam, pela ficcionalidade cortejada pela crônica, o valor ambíguo da confissão, do ofício de “viver em voz alta”. Vale para o autor de A borboleta amarela o veredicto de Montaigne sobre seus Ensaios: “Pintando-me para outrem, pintei-me em cores mais nítidas do que minhas cores originais. Eu não fiz o meu livro mais do que o meu livro me fez.” E se a menção ao escritor que afirmava escrever de “boa-fé”, sem qualquer fim que não fosse “doméstico e privado”, revela o diálogo íntimo da linhagem brasileira da crônica com a tradição do ensaio, encontramos nas iluminações de Rubem Braga sobre a “natureza leviana e tonta” da vida o mesmo mergulho inquieto dos grandes moralistas na universalidade daquilo que parece banal. 37
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fecho os olhos e me entrego a esse puro carinho, sem sequer me voltar para ver se é minha mãe, minha irmã ou uma doce, infeliz amiga ou apenas a leve brisa em meus cabelos.”
O homem
“Eu poderia mudar de cidade, mas afinal eu não mudo de pessoa; tenho de carregar esta minha pessoa, com seus cabelos, seus pés, joelhos, cotovelos, suas longas memórias.”
(Desculpem tocar no assunto, dezembro de 1957)
(O sono, abril de 1952)
“Não estranho muito quando sei que um sujeito a quem jamais fiz nenhum mal está fazendo força contra mim em algum setor. Não me acho simpático, e suponho que, se eu conhecesse outro sujeito igual a mim, nossas relações nunca chegariam a ser grande coisa.”
“Sou um homem do interior, tenho uma certa emoção do interior, às vezes penso que eu merecia ser goiano.” (Sizenando, a vida é triste, junho de 1958)
(Pessoas que acontecem, julho de 1963)
“Não sou cangaceiro por motivos geográficos e mesmo por causa do meu reumatismo.”
A palavra
(Ao crepúsculo, a mulher, abril de 1956)
“Sou uma máquina de escrever com algum uso, mas em bom estado de funcionamento.”
“Não sou covarde como esses equilibristas estrangeiros que passeiam sobre fios entre os edifícios. Vejo-os lá em cima, longe dos ônibus e lotações, atravessando a rua pelos ares e murmuro: eu quero ver é no chão.”
(Conversa de abril, abril de 1946) “Como se vê pela minha carreira de jornalista, nunca pretendi fazer uma obra literária, nunca planejei sequer um livro. Todos os meus livros são seleção de minhas crônicas de uma certa época. Nessa seleção elimino as que são demasiado ligadas a assuntos do momento, principalmente políticos e econômicos, e escolho as que me parecem ter algum interesse literário e que por isso envelhecem menos depressa.”
(Carta ao prefeito, junho de 1951) “Nos piores momentos de minha vida sempre senti uma imponderável mão em minha cabeça; então
Arquivo Roberto Seljan Braga
(Entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, 24.10.1987) “Confesso que escrevo de palpite, como outras pessoas tocam piano de ouvido.” (Nascer no Cairo, ser fêmea de cupim, novembro de 1951) “Há homens que são escritores e fazem livros que são verdadeiras casas, e ficam. Mas o cronista de 38
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jornal é como o cigano que toda noite arma sua tenda e pela manhã a desmancha, e vai.”
submarinos; seu traje de passeio, deles, deve ser o escafandro.”
(Manifesto, julho de 1951)
(Da vulgaridade das mulheres, março de 1949)
“Não sou um homem de inventar coisas, mas de contá-las. Seria preciso talvez dar-lhes um sentido, mas não encontro nenhum. As coisas, em geral, não têm sentido algum.”
“Fala-se muito em mistério poético; e não faltam poetas modernos que procurem esse mistério enunciando coisas obscuras, o que dá margem a muito equívoco e muita bobagem. Se na verdade existe muita poesia e muita carga de emoção em certos versos sem um sentido claro, isso não quer dizer que, turvando um pouco as águas, elas fiquem mais profundas...”
(Pescaria de barco, fevereiro de 1957) “Tanto que tenho falado, tanto que tenho escrito – como não imaginar que, sem querer, feri alguém? Às vezes sinto, numa pessoa que acabo de conhecer, uma hostilidade surda, ou uma reticência de mágoas. Imprudente ofício é este, de viver em voz alta.”
(O mistério da poesia, fevereiro de 1949) Coisas antigas
“Venho de famílias portuguesas, não digo pobres, mas de condição modesta, gente honrada e trabalhadora que, pelejando através dos séculos no cabo da enxada ou atrás do balcão, nunca teve tempo para se fazer gentleman ou ladies (...). Os costumes de minha casa são um tanto rudes, e às vezes mesmo acontece que o garçom de luvas brancas não nos serve o chá das cinco com a devida pontualidade, o que nos produz um grande abatimento moral. Enfim, nos conformamos – mesmo porque não temos luvas, nem garçom, nem chá.”
(A palavra, novembro de 1959)
Arquivo Roberto Seljan Braga
“Sou um escritor superficial, o último talvez deste país cada dia mais transcendente e sublime; pois sempre que leio os novos sinto que eles são tão profundos que só caçam suas imagens com fuzis
(Biribuva, agosto de 1948) “Fiz crônica desde Cachoeiro de Itapemirim, mas especialização ficou por conta da necessidade de ganhar um pouco mais, porque jornal sempre pagou pouco. Depois, com a crônica não precisava ir tanto ao jornal, pegar no pesado. Fiz dela uma espécie de rede particular, escrevendo várias para diferentes jornais.” “Certa vez, de brincadeira, escrevi um artigo dizendo que meu avô fora ‘bandeirante’. Antoninho de Alcântara Machado, um paulista quatrocentão, e o Oswald de Andrade acharam muita graça e ficaram meus amigos a partir disso, mas o Mário de 39
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com foto, o de uma moça da sociedade. Foi um impacto inimaginável. Não fiquei muito tempo no jornal depois disso, de qualquer forma.”
Andrade passou a implicar comigo, pelo mesmo motivo. Ele tinha a essa altura uma grande paixão pela causa paulista, o que revelou em várias crônicas. Uma delas falava de sua viagem de avião sobre o ‘chão paulista’, sobre a ‘terra paulista’, sobre ‘as nuvens paulistas’. Mário era crítico de música do Diário de São Paulo, já era um sujeito muito importante e eu era até fã dele. Mas nunca cheguei a revelar isso porque o homem não queria me ver nem pintado.”
(Entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, 24.10.1987) “1929-30 foi uma das fases mais dolorosas da minha vida; perdi duas pessoas muito queridas e minha saúde foi abalada a um ponto que saí de uma conferência de três ilustres médicos friamente resolvido a dar um tiro na cabeça, no lugar de fazer a operação que eles tinham resolvido. (Procurei um outro médico ao acaso, um profissional sem nenhum cartaz, ele resolveu o caso e eu vendi com pequeno prejuízo o revólver que já comprara de segunda mão.)”
“O sonho de todo mundo era vir para o Rio de Janeiro, mas eu me acostumei nesse vaivém. Havia também peculiaridades regionais interessantes que jamais conheceria se não fosse um itinerante. No Diário de Pernambuco, por exemplo, nunca havia sido noticiado um suicídio, mesmo quando falavam da morte de alguém por essa causa. Fui autorizado a noticiar um pela primeira vez na história da vida do jornal, que é dos mais antigos do continente. Esperei alguns suicídios de pobres, de velhos e de doentes, até que noticiei discretamente, mas
(A Revolução de 30, agosto de 1953)
Arquivo Roberto Seljan Braga
Política e visão
“Eu era antigetulista, contra aquela transição que não acabava mais desde a revolução de 1930, e tinha simpatia pela causa: meu pai era paulista. Os paulistas é que não queriam nada comigo. Morava numa pensão, da qual fui praticamente expulso sob a acusação de ‘nortista’, naquela loucura de sentimento xenófobo paulista. Um dia pedi um ovo frito e me disseram que não tinha, enquanto serviam o sujeito ao lado de omelete.” “O Partido Comunista tinha umas coisas incompreensíveis. Houve um tempo em que era regido pelo célebre ‘Artigo 13’, que obrigava seus membros a não falarem com pessoas, mesmo parentes, ‘que não fossem solidários com a causa’. Muitos amigos deixaram de falar comigo por causa disso, outros nem ligaram. Eu achava uma bobagem toda essa rigidez num ambiente aberto como o dos jornalistas, mas era assim. A exceção nesse meu comportamento independente foi o fato de ter fundado o Partido Socialista, com aquela famosa esquerda democrática que incluía Hermes Lima e João Mangabeira, dos quais era admirador e amigo.” 40
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“Minhas relações iniciais com o movimento de 1964 eram as melhores possíveis e sem dúvida eles, os militares, tomaram um país que andava ingovernável. Mas depois foi aquele embaraço de prender gente e o próprio Castello se afastou de princípios, o que não julguei inicialmente possível. Nessas condições, não dava para apoiar.”
“Meu parâmetro político sempre foi a oposição ao Getúlio, a qualquer ditadura ou também à falta de governo, como ocorreu com João Goulart ou com este que está aqui agora [governo Sarney], tão enjoado.” “Na fase do ai-5 sofri alguns percalços, mas em geral posso me considerar privilegiado, mesmo que jamais tenha deixado de dizer o que pensava em todas as circunstâncias. O curioso é que poderia até ter mantido uma embaixada na gestão Castello Branco, porque o presidente se dava bem comigo desde os tempos da Força Expedicionária Brasileira. Um dia até ele me ligou dizendo que ia fazer uma conferência na Escola Superior de Guerra e precisava, segundo argumentou, do meu testemunho. Cheguei lá e no salão havia aquele monte de milico assistindo a palestras sobre a campanha na Itália. Era o dia em que o Castello ia falar sobre o terreno em que se desenvolviam as operações. Ele disse de público que em vez de fazer uma exposição técnica preferia ler uma crônica minha a respeito. Foi bastante lisonjeiro e suscitou muitos debates.”
(Entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, 24.10.1987) “Não sou comunista nem cristão, mas apenas um homem distraído e medíocre.” (Banda branca, janeiro de 1951) “Fazer política é namorar homem.” (Entrevista à revista Isto É, 31.10.1984)
Arquivo Roberto Seljan Braga
“Guerra é coisa triste. É monótona. Brincadeira de homem. Só tem homem lá.” (Coisas antigas, novembro de 1957) Poder, tesoura e estrume
“Os animais se domesticam facilmente com um chicote na mão direita e um torrão de açúcar na esquerda. Os vegetais querem tesoura e estrume. O homem é o rei da Criação.” “Entre os homens às vezes há reis. E quando é rei de fato (...) ele monta sua máquina de mandar. São máquinas monstros de mil compartimentos complexos – masmorras e picadeiros, com aparelhos de metralhadoras, microfones, casas de moedas e medalhas, uniformes, bandeiras, talentos, alicates de arrancar unhas e técnicos em festinhas escolares, foguetes, benemerências – se a quisésseis conhecer, toda essa engrenagem de aço e sentimentos, de ouro e vaidades, de bem-aventuranças fáceis e torturas facílimas, havereis de gastar uma vida, e não conseguiríeis. Não é preciso. Afinal, tudo é simples, 41
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“Tenho visto alguma coisa e também há coisas que homens viram e me contam: a ruindade fria dos que exploram e oprimem e proíbem pensar, e proíbem comer, e até o sentimento mais puro torcem e estragam, as vaidades monstruosas que são massacres lentos e frios de outros seres – sim, por mais distraído que seja um repórter, ele sempre, em alguma parte em que se anda, vê alguma coisa”
tudo é chicote e torrão de açúcar, tudo é tesoura e estrume.”
Caricatura de Jimmy Scott
(Os fícus do senhor, agosto de 1946)
(A menina Silvana, fevereiro de 1945) O editor
“Queria editar livros, mas talvez não planejasse mesmo ser um grande editor. Eu, Fernando Sabino e Acosta fundamos a Editora do Autor, um projeto bem-sucedido, mas cujo crescimento nos assustou um pouco. Era funcionário demais, muita burocracia e o eterno receio de uma atividade que é um risco a cada novo projeto.”
A máquina e as máquinas de escrever
“O jornalismo me proporcionou duas boas oportunidades na vida: essa do Chile [onde foi chefe do Escritório Comercial da revista Manchete] e a embaixada no Marrocos. O resto do tempo foi bastante duro.”
“O que tornou o negócio inseguro para quem não tinha muito capital. Quando recebemos proposta de compra da editora José Olympio, não pensamos duas vezes e vendemos muito bem o negócio. Acho também que foi o único bom negócio que a jo fez em muitos anos.”
“Nossa profissão é dura, exige muita dedicação, batente integral anos a fio e não há compensação financeira.”
“Editar pode ser muito saudável para quem gosta desse jogo de ganhar e perder em tempo integral, mas é também aleatório, horrível pela necessidade de tratar com muita gente. Em especial, para quem se acostumou a lidar com a própria carcaça. E olhe lá.”
“Fiquei preguiçoso depois de mais de 40 anos dando um duro tremendo. Já pensou o que é ter passado tantos anos da vida trabalhando em Belo Horizonte, entrevistando cada sujeito bisonho para, como me diziam, ‘cobrir o pensamento político mineiro’? Que pensamento? Não havia pensamento algum, cansei de botar ideias inteligentes na boca daqueles políticos.”
“Não acho que a atividade intelectual seja incompatível com a do homem de negócios, mas sem dúvida que temos de distribuir muito bem o nosso tempo.”
“Para se ganhar um dinheirinho escasso, tinha-se de dar muito duro, andar de bonde para cima e para baixo. Hoje a profissão ainda tem problemas, mas quanto às condições de trabalho é um paraíso.”
“Não gosto dessa história de frequentar banco sob qualquer pretexto, de ver que o amigo banqueiro do encontro social é bem diferente na hora de fechar negócio e manda logo a gente para a financeira.”
(Entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, 24.10.1987)
(Entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, 24.10.1987) 42
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poder viver a vida por nossa conta! Só quem amou muito pode sentir essa doce felicidade gratuita que faz de cada sensação nova um prazer pessoal e virgem do qual não devemos dar contar a ninguém que more no fundo de nosso peito. Sentimo-nos fortes, sólidos e tranquilos. Até que começamos a desconfiar de que estamos sozinhos e ao abandono trancados do lado de fora da vida.” “Sentimos perfeitamente isso quando a saudade da amada nos corrói, pois então sentimos que nosso gesto mais simples encerra uma traição. A bela criança que vemos correr ao sol não nos dá um prazer puro; a criança devia correr ao sol, mas Joana deveria estar aqui para vê-la, ao nosso lado.” “O melhor é não amar, porém aqui, para dar fim a tanta amarga tolice, aqui e ora vos direi a frase antiga: que é melhor não viver. No que não convém pensar muito, pois a vida é curta e, enquanto pensamos, ela se vai, e finda.” “Antigamente era fácil pensar que a vida era algo de muito móvel, e oferecia uma perspectiva infinita e nos sentíamos contentes achando que um belo dia estaríamos todos reunidos em volta de uma farta mesa e nos abraçaríamos e muitos se poriam a cantar e a beber e então tudo seria bom. Agora sabemos que jamais voltaremos a estar juntos; pois quando estivermos juntos perceberemos que já somos outros e estamos separados pelo tempo perdido na distância. Cada um de nós terá incorporado a si mesmo o tempo de ausência. Poderemos falar, falar, para nos correspondermos por cima dessa muralha dupla; mas não estaremos juntos; seremos duas outras pessoas, talvez por este motivo, melancólicas; talvez nem isso.”
Língua
“É uma doçura fácil ir aprendendo devagar e distraidamente uma língua. Mas às vezes acontece uma coisa triste, e a gente sem querer acha que a língua é que está errada, nós é que temos razão.” (A que partiu, janeiro de 1950) Amor e desamor
“Não nego razão aos que dizem que cada um deve respirar um pouco, e fazer sua pequena fuga, ainda que seja apenas para ler um romance diferente ou ver um filme que o outro amado não verá. Têm razão; mas não têm paixão. São espertos porque assim procuram adaptar o amor à vida de cada um, e fazê-lo sadio, confortável e melhor, mais prazenteiro e liberal. Para resumir: querem (muito avisadamente, é certo) suprimir o amor.”
(Sobre o amor, etc., maio de 1948) “Cuidai amar uma pessoa, e ao fim vosso amor é um maço de cartas e fotografias no fundo de uma gaveta que se abre cada vez menos... Não ameis à distância, não ameis, não ameis!”
“Nos sentimos tão felizes e livres quando deixamos de amar. Que maravilha, que liberdade sadia em
(Não ameis à distância, setembro de 1955) 43
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“A mulher que está esperando o homem recebe sempre a visita do Diabo, e conversa com ele. Pode não concordar com o que ele diz, mas conversa com ele.”
“Ainda há pouco vi aquela a quem há tão pouco tempo eu amava tanto, e que senti? Tédio, talvez piedade, mas muito cansaço. Cansaço de não a ter, e de não a ter tido; cansaço de querer – mais sutil e venenoso que o cansaço de ter.”
(A mulher esperando o homem, novembro de 1957)
(O sono, abril de 1952) Zora e Rubem Braga/Arquivo Roberto Seljan Braga
“Já fui acusado de gostar de mulheres tristes. Não é verdade. Amo-as vivas e animais, distraídas como rolas e egoístas como gatos.” (Que venha o verão, novembro de 1948) Carta de Guia de Casados
“Depois de 25 anos de casado estou imunizado contra qualquer crise de desespero. Se me aparecer em casa, embrulhado em papel colorido, um faquir vivo com uma trombeta na mão e uma lagartixa pendurada em cada orelha pela cauda, eu o recebo de boa cara, pois imagino que deve ser alguma ideia da minha mulher, e ela sem falta me provará que aquilo é excelente.”
Mulheres
(História do caminhão, julho de 1946)
“Há mulheres tão lindas e estranhas que só acontecem pela madrugada em um grande aeroporto internacional.”
“O marido e a mulher se enganam muito suavemente no domingo – pois, como não podem inventar negócio nem hora de dentista, eles se enganam fazendo-se crer mutuamente que estão felizes em passar o dia inteiro juntos; quando vem a tarde, eles parecem irmãos, e têm paz no peito.”
(Coisas antigas, novembro de 1957) “Mulher – um belo momento da aventura do ser humano sobre a terra.”
(Domingo, agosto de 1952)
(Ao crepúsculo, a mulher, abril de 1956)
“A gente sempre sabe, de um casal de amigos, um pouco mais do que cada um dos membros do casal imagina.”
“Devia haver um santo especial para proteger a mulher esperando o homem, devia haver uma oração forte para ela rezar; ela está desamparada no centro de um mundo vazio.”
(A visita do casal, maio de 1949)
“A mulher que está esperando o homem está sujeita a muitos perigos entre o ódio e o tédio, o medo, o carinho e a vontade de vingança.”
“Há homens que não mudam de mulher pelo mesmo motivo pelo qual não mudam de casa: 44
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(Há momentos, julho de 1957) “‘Eles se separaram’ pode ser uma frase triste, e às vezes nem isso. ‘Estão se separando’ é que é triste mesmo.” “Ah, os casais de antigamente! Como eram plácidos e sábios e felizes e serenos... (Principalmente vistos de longe. E as angústias e renúncias, e as longas humilhações caladas? Conheci um casal de velhos bem velhinhos, que era doce ver – os dois sempre juntos, quietos, delicados. Ele a desprezava. Ela o odiava.)”
Jacques Próvert e Rubem Braga em Paris/Arquivo Roberto Seljan Braga
‘Nesta aqui eu pago o aluguel antigo’.”
“Sim, direis, mas há os casos lindos de amor para toda a vida, a paixão que vira ternura é amizade (...). Já me contaram, já vi. É bonito. Apenas não entendo bem por que sempre falamos de um caso assim com uma ponta de pena. (‘Eles são tão unidos, coitados.’)”
procura manter suas amizades distantes e manda longas cartas sentimentais tem sempre um ar de náufrago fazendo um apelo. Naufragamos a todo instante no mar bobo do tempo e do espaço, entre as ondas de coisas e sentimentos de todo dia.”
“Adultério devia ser considerado palavra feia, já não digo pelo que exprime, mas porque é uma palavra feia. Concubina também. Concubinagem devia ser simplesmente riscada do dicionário; é horrível. Mas do lado legal está a pior palavra: cônjuge. No dia em que uma mulher descobre que o homem, pelo simples fato de ser seu marido, é seu cônjuge, coitado dele.”
“O amigo que volta de longe vem rico de muitas coisas e sua conversa é prodigiosa de riqueza; nós também despejamos nosso saco de emoções e novidades; mas para um sentir a mão do outro precisam se agarrar ambos a qualquer velha besteira: você se lembra daquela tarde em que tomamos cachaça num café que tinha naquela rua e estava lá uma loura que dizia que etc. etc. Então já não se trata mais de amizade, porém de necrológio.”
(Sobre o amor, desamor..., setembro de 1957) “Um homem, para ser solteiro, não deve ter nem passarinho em casa; o melhor de ser solteiro é ter sossego quando se viaja; viajar pensando que ninguém vai enganar a gente nem também sofrer por causa da gente; viajar com o corpo e a alma, o coração tranquilo”.
(Sobre o amor, etc., maio de 1948) “Cada um de nós morre um pouco quando alguém, na distância e no tempo, rasga alguma carta nossa, e não tem esse gesto de deixá-la em algum canto, essa carta que perdeu todo o sentido, mas que foi um instante de ternura, de tristeza, de desejo, de amizade, de vida – essa carta que não diz mais nada e apenas tem força ainda para dar uma pequena e absurda pena de rasgá-la.”
(Apareceu um canário, maio de 1960) Sobre a amizade etc.
“É horrível levar as coisas a fundo: a vida é de sua própria natureza leviana e tonta. O amigo que
(Velhas cartas, dezembro de 1953) 45
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“Ninguém pode amar mais do que eu esta cidade do Rio de Janeiro. Ó grande beleza de cidade, ó cidade que é 20, 30, 40 cidades imprevistas, uma infiltrada na outra, esta mais colonial que Ouro Preto, aquela mais nova que Goiânia, uma de alta montanha, uma de oeste de Minas, uma toda de praia, outra de casarões de arvoredo (...), minha medíocre história anda escrita em tuas ruas e nenhuma entre as cidades é mais formosa do que tu, nem sabe mais coisas de mim. Entretanto, muitas coisas em ti me aborrecem de maneira quase dolorosa – e nada em ti e em outra cidade me aborrece tanto quanto a humilhação dos fícus.”
Arquivo Roberto Seljan Braga
O homem e a cidade
(Os fícus do senhor, agosto de 1946) Vida
“Se algum rapaz melancólico ler esta correspondência entre velhos amigos, talvez ele compreenda que ainda se pode, à tardinha, ouvir as cigarras cantar nas árvores da rua; e, na boca da noite, aprender, em qualquer porta de boteco, os sambas e marchas do Carnaval que aí vem; que às vezes ainda vale a pena ver o sol nascer no mar; e que a vida poderia ser pior se esta cidade fosse menos bela, insensata e frívola.”
“A vida também é uma imensa molecagem. Molecagem podre.” (O conde e o passarinho, fevereiro de 1935) “Quando hoje vejo moços a falar do tédio da vida, tenho inveja; nós nunca tivemos tempo para sentir tédio. Como éramos pobres, como éramos duros! Um conterrâneo que a gente encontrava na rua e nos pagava meia dúzia de chopes na Brahma parecia um enviado de Deus.”
“Assim aprendemos a amar esta cidade; se o pobre tem aqui uma vida muito dura, e cada dia mais dura, ele sempre encontra um momento de carinho e de prazer na alma desta cidade, que é nobre e grande sobretudo pelo que ela tem de leviana, de gratuita, inconsequente, boêmia e sentimental.”
(Lembranças, janeiro de 1953)
(Lembranças, janeiro de 1953) “Pinta-te qual mulher pública e coloca todas as tuas joias, e aviva o verniz de tuas unhas e canta a tua última canção pecaminosa, pois em verdade é tarde para a prece; e que estremeça o teu corpo fino e cheio de máculas, desde o edifício Olinda até a sede dos Marimbás porque eis que sobre ele vai a minha fúria, e o destruirá. Canta a tua última canção, Copacabana!”
“A vida poderia ser mais simples. Precisamos de uma casa, comida, uma simples mulher. E se deixar viver naturalmente, como as plantas e os bichos. Para me deitar e dormir entre a erva úmida e me tornar um confuso ser vegetal, um grande sossego farto de terra e de água. Ficaria verde, emitiria raízes e folhas, meu tronco seria em tronco escuro, grosso, meus ramos formariam copa densa e eu seria, sem angústia nem amor, sem desejo nem tristeza, forte, quieto, imóvel, feliz.”
(Ai de ti, Copacabana!, janeiro de 1958)
(O fiscal da noite, janeiro de 1954) 46
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Gosto de cuidar do meu jardim, que é pomar e já foi horta, e de todas essas coisas que fazem a vida amena. Ultimamente, gasto meu tempo em Ipanema. Não há nada muito especial.”
Tempo “Ultimamente têm passado muitos anos.” (A companhia dos amigos, dezembro de 1945)
(Entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, 24.10.1987)
“Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras – com flores e cantos.”
Morte
“Depois de certas agonias a feição do morto parece dizer: ‘enfim veio; enfim, desta vez não me enganaram’.”
(Despedida, março de 1957) “Quem viveu a vida sem se poupar, com a alma e o corpo, e recebeu todas as cargas em seus nervos, pode reconhecer, como nós dois, essa vaga sabedoria animal de envelhecer sem remorsos.”
“Cada um de nós tem, na memória da vida que vai sobrando, seu caminhão de lixo que só um dia despejaremos na escuridão da morte. Grande parte do que vamos coletando pelas ruas tão desiguais da existência é apenas lixo; dentro dele é que levamos a joia de uma palavra preciosa, o diamante de um gesto puro.”
(Do Carmo, novembro de 1951)
“O homem se revolta jogando sua esperança para além da barreira escura da morte, no reino luminoso que uma crença lhe promete, ou enfrenta, calado e só, a ruína de si mesmo, até o minuto em que deixa de esperar mais um instante de vida e espera como o bem supremo o sossego da morte.”
Velhice
(Coisas antigas, novembro de 1957) “No fundo do coração os moços não acreditam na velhice.”
Arquivo Roberto Seljan Braga
“Há um certo conforto íntimo em seguir um hábito paterno; uma certa segurança e uma certa doçura. Estou pensando agora se quando ficar um pouco mais velho não comprarei uma cadeira de balanço austríaca.”
(O retrato, junho de 1952) “Gostaria de passar o resto da vida num consulado em Florença, ganhando em dólar, não tendo nada para fazer e com aquela cidade fantástica à mão. O que é um sonho, porque não existe nem ao menos esse consulado.” “Ando velho para me meter no mato e o coração está meio avariado. Mesmo pescar já não vou tanto. 47
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“Não tenho medo da morte. Tenho medo da dor.”
“É costume dizer que a esperança é a última que morre. Nisto está uma das crueldades da vida; a esperança sobrevive à custa de mutilações. Vai minguando e secando devagar, se despedindo dos pedaços de si mesma, se apequenando e empobrecendo, e no fim é tão mesquinha e despojada que se reduz ao mais elementar instinto de sobrevivência.”
(Ao crepúsculo, a mulher, abril de 1956) A deus e ao diabo também
“Para ganhar o Paraíso, não basta a grande Escada das virtudes teologais; é imensamente divertido pensar que a certos varões ilustres que passam a vida cuidando minuciosamente de observar todas as regras para ganhar o Céu pode lhes faltar, na hora precisa, a escadinha pequena, feita não sei de que força ou fraqueza, feita de pequenas virtudes distraídas e puras e tão à toa que até podem semelhar vícios...”
(O motorista do 8-100, março de 1949) “Imagino que todo morto vai ficando um pouco mais discreto à medida que seus amigos e conhecidos também morrem. Quando não resta mais nenhum mesmo na terra é que ele começa a viver sossegado sua vida de morto.”
(Torre Eiffel, março de 1950)
“O pior dos mortos é que nunca telefonam. Aparecem sem avisar, sentam-se numa poltrona e começam a falar. Tocam em assuntos que já deviam estar esquecidos, e fazem perguntas demais. Subitamente fazem silêncio. Esse silêncio é constrangedor. O morto tem um ar de queixa e ao mesmo tempo um invisível sorriso de superioridade.”
“Vivo aqui sozinho. Eu e Deus. Comprei o apartamento, pago o condomínio e Deus não deixa o edifício cair.” (A casa, maio de 1957)
(Desculpem tocar no assunto, dezembro de 1957) Arquivo Editora Globo
“Já notei que as pessoas verdadeiramente sóbrias não enxergam muito; veem apenas provavelmente o que está diante de seus olhos no tempo presente. O bêbado vê o que há e o que deveria ter havido antigamente, e além o que nascerá na madrugada que ainda dorme, no limbo de trevas e luz da eternidade – embaixo da cama de Deus. Sim. Ele criou o mundo em seis dias e dormiu como um pedreiro cansado no sétimo.” (Biribuva, agosto de 1948) “Deus não tem facilidade para desenhar. Ele faz e refaz sem cessar Suas figuras, porque o erro e a desídia dos homens entorpecem Sua mão: de geração em geração, que longa paciência Ele não teve para juntar a essa linha do queixo essa orelha breve, para firmar bem a polpa da panturrilha. Sim, foi a própria mão divina em um momento difícil e feliz. Depois Ele disse: anda... E ela começou a andar entre os humanos.” (Ao crepúsculo, a mulher, abril de 1956) 48
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“Falar mal do inferno, por exemplo, é mau. Dante e outros espalharam muitas notícias falsas a respeito, e a pior delas é que para lá vão os culpados.”
“O que talvez nos preocupa um pouco é esse sentimento da continuação do mundo. Esses pequeninos e vagos animais sonolentos que ainda não enxergam, não ouvem, não sabem nada, e quase apenas dormem, cansados do longo trabalho de nascer – ali está o mundo continuando, insistindo na sua peleja e no seu gesto monótono. Nós todos, os homens, lhe daremos nosso recado; eles aprenderão que o céu é azul e as árvores são verdes, que o fogo queima, a água afoga, o automóvel mata, as mulheres são misteriosas e os gaturamos gostam de frutas. Nós lhes ensinaremos muitas coisas, das quais muitas erradas e outras que eles mais tarde verificarão não ter a menor importância.”
(Sobre o inferno, julho de 1948) Pequena antologia
“Entre um conde e um passarinho, prefiro um passarinho.” (O conde e o passarinho, fevereiro de 1935) “Cada pessoa humana é um mistério de heranças e taras.”
“Filosofar é, antes de tudo, cuspir.” (Coisas antigas, novembro de 1957)
Arquivo Roberto Seljan Braga
(Imigração, janeiro de 1952)
(Nascem varões, julho de 1949)
“Glória ao padeiro, que acredita no pão.” (Coisas antigas, novembro de 1957) “O pavão é um arco-íris de plumas. Eu sempre considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade.” (O pavão, novembro de 1958) “Que rei sou eu, Braga Sem Terra, Rubem Coração de Leão de Circo, triste circo desorganizado e pobre em que o palhaço cuida do elefante e o trapezista vai pescar nas noites de lua com a rede de proteção, e a luz das estrelas e a água da chuva atravessam o pano encardido e roto...” (Vem uma pessoa, abril de 1949) 49
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Physosiphon Bragae Ruschi – nome dado por Augusto Ruschi a uma orquídea que acabara de descobrir, em 1970 – é uma homenagem do naturalista capixaba ao conterrâneo Rubem Braga. Ecologista avant la lettre, Braga foi o primeiro jornalista brasileiro a escrever de modo sistemático sobre a destruição da natureza – além de se tornar uma espécie de porta-voz das teses de Ruschi, colocando-se a seu lado quando o governador do Espírito Santo, em represália às denúncias de devastação ambiental no Estado, quis tomar a Estação Biológica de Santa Lúcia, onde o naturalista mantinha a maior coleção de bromélias e orquídeas do mundo. A seu modo, Braga foi também um naturalista, refugiado no jardim suspenso de seu apartamento da rua Barão da Torre. A crônica “Terraço”, que permaneceu inédita em livro, pareceria obra de um taxonomista doméstico desfilando os nomes científicos das plantas que compõem seu jardim – não fosse o enxerto que ele fez na “receita” de Roberto Burle Marx, autor do projeto da cobertura em que o escritor gostava de “ficar num banco sentado, entre moitas, calado, anoitecendo devagar, meio triste, lembrando umas coisas, umas coisas que nem valia a pena lembrar”. As modificações que fez no plano original do paisagista – tirando as iúcas, “que ferem como punhais”, e atapetando o lugar com a grama japonesa fornecida pelo próprio Burle Marx, ou plantando Malvaviscus penduliflorus para atrair beija-flores (sugestão de Ruschi) – são um pendant de seu modo de transplantar para o Rio de Janeiro a sensibilidade do menino Rubinho, que cresceu trepando nas árvores de sua casa em Cachoeiro de Itapemirim. “A verdade é que o jardim reflete um pouco a gente, o meu é desarrumado como eu”, sentencia, reverberando as semelhanças que Drummond enxergou entre sua cabeleira e as raízes esbranquiçadas da Physosiphon Bragae Ruschi: “Seu caule primário é recoberto de bainhas agudas, como agudas são as observações que o Braga faz sobre a vida, os homens, as mulheres e as coisas. (...) Suas flores são comumente geminadas, raramente solitárias. Aí parece haver uma contradição com a natureza do Braga, que combina solidão e geminação, mas, pensando bem, ele é um solitário orquidáceo comunicante, raramente desligado de outra flor.”
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Em janeiro de 1963, um plebiscito decide pela volta do Brasil ao presidencialis-
mo, pondo fim à breve experiência parlamentarista após a renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961. João Goulart, vice de Jânio, assume a presidência. Rubem Braga, que ocupava o posto de embaixador em Rabat, no Marrocos, pede afastamento do cargo. Em carta ao ministro das Relações Exteriores, Hermes Lima (de quem fora aluno), ele alega que, tendo sido nomeado durante o governo anterior e como autor de “severas críticas” a Jango, seria justo que o novo presidente não tivesse a intenção de mantê-lo nas funções – e pondera: “Seria impensável, para quem me conhece, que eu procurasse dele me aproximar ou conquistar sua boa vontade por qualquer meio, agora que ele é Presidente da República”. Se a atitude de Rubem Braga poderia ser interpretada como máscara de sua aversão às tendências do novo governo, de extração getulista, o documento reproduzido na página ao lado reitera uma postura de afinidade ideológica com as esquerdas dos anos 1960, mas ao mesmo tempo de independência política e responsabilidade democrática. A carta endereçada pelo embaixador brasileiro no Marrocos ao governador eleito de Pernambuco permaneceu nos arquivos de Rubem Braga, possivelmente como cópia do original assinado pelo missivista e supostamente enviado a Miguel Arraes. O estilo, estranho ao padrão protocolar dos comunicados diplomáticos, estabelece logo na primeira linha um tom de deliciosa informalidade: “Sapo de fora não toma tabaco (...) e eu hoje sou sapo de fora (...) nada tendo a ver com a política pernambucana”, escreve Rubem Braga, para em seguida comemorar uma vitória eleitoral que poderia servir “à grande massa da gente pobre, que não tem ideologia nem partidos”. Arraes representava, àquela altura, a vanguarda dos movimentos socialistas no Nordeste – e, como prefeito do Recife, em 1961, havia convidado o cronista (fundador do Partido Socialista Brasileiro) a participar do Movimento de Cultura Popular do educador Paulo Freire e do Teatro do Estudante de Hermilo Borba Filho. Arredio em relação ao populismo ascendente (que Arraes não deixaria de endossar em sua aliança com João Goulart), Rubem Braga pouco contribuiu, porém conservou desse contato com a esquerda pernambucana uma simpatia pelas intenções progressistas de Arraes – manifesta nessa carta de felicitação que antevê, na “melancolia das revoltas anárquicas” que incendiaram o país, a semente do golpe militar que depôs João Goulart e exilou Arraes em 1964.
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O urso de Ipanema Humberto Werneck
“Sou um homem do interior, tenho uma certa emoção do interior”,
escreveu certa vez Rubem Braga, e completou: “Às vezes penso que eu merecia ser goiano”. Havia ali, naquela crônica de 1958, um pouco mais do que o típico humor bragueano. Por trás da boutade, estava um homem que, mais adiante, haveria de plantar horta e pomar, não numa fazenda ou num sítio, mas no topo de um edifício, em plena Zona Sul carioca, tornando-se, no dizer do amigo Paulo Mendes Campos, “o único lavrador de Ipanema”. O capixaba Rubem Braga, ainda que cosmopolita, era, sim, um homem do interior – não só porque tivesse nascido em Cachoeiro de Itapemirim –, e carregou essa condição por onde viveu, no Brasil e no exterior. E, se não chegou a goiano, esteve perto, já que uma fatia decisiva de seus anos de formação transcorreu entre o Espírito Santo e Goiás – em Minas Gerais. Decisiva, sim, pois foi em Belo Horizonte que ele entrou para valer no trilho do jornalismo e da crônica, gênero em que se tornaria insuperável. Foi lá que se casou com a mineira Zora Seljan, mãe de seu único filho, Roberto. Foi lá também que Rubem Braga fez preciosas, vitalícias amizades, por meio das quais, já longe de Belo Horizonte, faria outras, ainda mais sólidas, com um punhado de filhos das Gerais – entre eles, dez anos mais jovens, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Hélio Pellegrino e Otto Lara Resende, integrantes do legendário grupo que este último batizou de “Os quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse”. A história de como Rubem veio a se tornar meio mineiro é conhecida. Em 1931, com 18 anos, ele interrompe um curso de direito no Rio de Janeiro e vai prossegui-lo em Belo Horizonte, onde, para tratar-se de uma tuberculose, vivia um irmão mais velho, Newton Braga, redator do jornal
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Estado de Minas. No ano seguinte, quando tirou férias, Newton conseguiu que Rubem o substituísse, e o encaixaram na redação do Diário da Tarde, o vespertino da casa. Relutantemente, já que o moço, de saída, não causou boa impressão. “À sua chegada, foi recebido com pouca simpatia”, escreveria décadas mais tarde o jornalista Newton Prates, que era diretor do Diário da Tarde. “A turma da casa não topou muito o jeitão daquele camarada de ar agreste, mal-ajambrado, sobrancelhas cerradas, rosto fechado, arisco, desconfiado”. De má vontade, confiaram-lhe a desimportante tarefa de cobrir uma exposição de cães. O foca voltou com um texto surpreendente – tão original que o convidaram para ser, além de repórter, cronista. Na estreia, dia 14 de março de 1932, o jovem Rubem Braga falou docemente de uma garota que, “se fosse bonita, seria linda”. Entre os amigos de vida inteira que conheceu naquele seu primeiro interlúdio belo-horizontino (pois haveria outro em 1936, ano em que se casou com Zora) estavam os futuros romancistas Cyro dos Anjos e Guilhermino Cesar – colegas, na faculdade de direito, de seu irmão Newton, numa turma de que fazia parte também Tancredo Neves. Entre os colegas de jornal, Rubem ligou-se com duradouro afeto a Hermenegildo Chaves, o Monzeca, homem erudito e parnasiano empedernido – adversário em literatura, pois da turma modernista de Carlos Drummond de Andrade, com a qual no entanto confraternizava nos botecos. “Era desses boêmios que não bebem e varam a madrugada na base de cafezinhos e bate-papo”, escreveria Rubem Braga num comovido artigo sobre o “irremediavelmente bom” Monzeca. Outro companheiro de juventude foi o futuro ministro e senador Afonso Arinos de Melo Franco, sob cujo comando Rubem trabalhou no Estado de Minas e na Folha de Minas. Numa companheiragem que se nutria também de molecagens, certa vez Afonso Arinos arremedou o já inconfundível estilo do jovem colega numa crônica que assinou com as iniciais dele. Rubem, que estava em viagem, mandou-lhe um telegrama: “Afonso, não abuse do meu santo nome em vão”. Foi Afonso Arinos, chanceler do governo Jânio Quadros, quem sugeriu ao presidente que nomeasse o cronista para o posto de embaixador no Marrocos. Quando para lá seguiu, Rubem Braga levava a experiência de ter sido, por uns meses, em 1955, adido comercial do Brasil no Chile – graças, também aqui, a um amigo. Conta-se que Café Filho, tendo assumido a presi-
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dência da República em condições melindrosas, na turbulência pós-suicídio de Getúlio Vargas, chamou Rubem ao palácio do Catete e lhe pediu apoio. Nada disso, retrucou o cronista, agora você é que tem que me ajudar... Foi durante a sua curta permanência em Minas – pois em 1933 já se mudava para São Paulo, mais uma escala na sua trajetória de escriba errante – que ele conheceu Carlos Drummond de Andrade. A camaradagem lhe permitiu tomar liberdades com o poeta quando, já na capital paulista, lhe faltou assunto para a sua coluna no Diário de São Paulo. Lembrou-se então das crônicas que Drummond publicava sob pseudônimo (Antônio Crispim e Barba Azul, entre outros) no Minas Gerais, o vetusto diário oficial do governo mineiro – e, sem maior cerimônia, passou a reproduzi-las. Como reproduzia também os pseudônimos, não viu motivo para conflitos de consciência: tratava-se, afinal, de “um crime perfeito”... Décadas depois, sem uma palavra, o poeta pôs fim à amizade com o cronista, ao ficar sabendo que ele tivera um caso com sua filha, Maria Julieta. Quando, nos anos 1940, após muito borboletear por capitais brasileiras, Rubem Braga fez pouso definitivo no Rio de Janeiro, caiu e se refestelou na rede de uma vasta mineirada estabelecida à beira-mar. “Os mineiros, eu conheço os mineiros”, escreveu numa divertida crônica, “Depoimento de capixaba”, na qual, afetando ciúmes, esmiuçou as peculiaridades daquela confraria montanhesa, propensa a fechar-se sobre si mesma, num íntimo e discreto alvoroço, quando algum conterrâneo querido chegava de Belo Horizonte. O poeta Emílio Moura, por exemplo, ou Vanessa Netto, bela morena, vagamente escritora e sobretudo musa da rapaziada lítero-jornalística de Minas, entre a qual semeava imponderáveis matizes de excitação. “Eu jamais vejo Vanessa”, reclamou Rubem, “mas sei que ela veio magra ou cortou os cabelos ou engordou; creio que nenhum deles namora Vanessa, mas a presença de Vanessa e mesmo a simples iminência da presença de Vanessa é uma espécie de senha que os faz estremecer”. Adiante: “O mais que eles falam é segredo mineiro; suspeita-se de que debaixo do maior sigilo comentam pessoas de Pernambuco, do Rio Grande do Sul e outros países estranhos e certamente bárbaros; tramam ocupar novos territórios capixabas e sonham com um porto de mar – pois assim são os mineiros.” Ateu, Rubem Braga bulia com o hábito que tinham alguns deles, católicos, de assistir todo ano à cerimônia da Semana Santa no mosteiro de São
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Bento – prática para a qual chegou a inventar um nome, “almaval”, um carnaval da alma. Provocador, vez por outra lhes jogava umas farpas. Numa crônica publicada no Correio da Manhã, incitou Fernando Sabino a lhe ceder seu exemplar do Journal de André Gide – “sob a alegação”, conta o escritor mineiro, “de que aquele autor não poderia continuar na estante de um católico, por ter sido incluído no Index”. Sabino, que escrevia no jornal Comício – do qual, aliás, Braga era diretor e um dos fundadores – reagiu com humor à altura da provocação, e pôs à disposição do colega, em vez do livro de Gide, o seu Missal Cotidiano. Em outra ocasião, o cronista, que sabia ser irreverente, divertiu Sabino com uma estocada que deu num conhecido sacerdote, o padre Álvaro Negromonte, por causa de uma passagem de seu livro A educação sexual. A certa altura, Negromonte fala de uma lição aprendida com um venerando vigário, que, ao ver passar um casal de jovens de mãos dadas, o alertou: é por aí que eles começam. “O velho sacerdote que me perdoe”, observou Rubem numa crônica, “mas por onde queria que eles começassem?” Havia outros pontos em que ele não se afinava com os mineiros da sua roda. Ao contrário deles, por exemplo, não gostava de Mário de Andrade. A antipatia, mútua aliás, teria brotado de uma brincadeira de Rubem no começo dos anos 1930: cronista do Diário de São Paulo, ele inventou que era descendente de um bandeirante – o que bastou para ofender Mário, àquela altura abrasado pelo fervor estadual que a então recente e malsucedida revolução constitucionalista de 1932 havia ateado entre muitos paulistas. Sem tomar assinatura com o autor de Macunaíma, aqui e ali Braga deixava claro que não o apreciava. Quando Otto Lara Resende lhe mostrou umas cartas de Fernando Sabino escritas de Londres, em 1964, ele deu risada e comentou que o amigo às vezes escrevia “feito o Mário de Andrade, com aquela mesma veadagem”. (Ao contar a história a Fernando, Otto acrescentou dose própria de maldade: “Eu ouvi e não protestei”.) Dos quatro cavaleiros do apocalipse, dois se abrigaram à sombra de Rubem Braga quando se mudaram para o Rio, em meados dos anos 1940. Um deles foi Otto, para sempre reconhecido a seu “casmurro anfitrião”, como o qualificou num artigo. Em outro, chamou-o carinhosamente de “urso”, mas não um qualquer: um urso capaz de fabricar “seu próprio mel”. E acrescentou: “Nunca vi solitário de porta tão aberta”. Paulo Mendes Campos também provou dessa
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hospitalidade, e a creditou numa entrevista: “Quando o Rubem Braga foi para a guerra, passei a morar na casa dele, a seu convite, na rua Júlio de Castilhos, em Copacabana. Inclusive ele me deixou com a missão de tomar conta de seu filho, Roberto, então um menino.” Durante um tempo, anfitrião e hóspede tomaram ali aulas de inglês, ministradas, contou Paulo, por um cidadão britânico “que ignorava a existência de Bernard Shaw”. Às vezes, sem disposição para o the book is on the table, Rubem se enfurnava no segundo andar da casa e encarregava o amigo de dizer ao professor que ele tinha saído. A desculpa não funcionava: O gringo me empurrava com certo vigor disciplinar, subia os degraus da escada e comandava: ‘Desce, preguiçazinha, não acreditar em mentira de vagabundo’. Mr. Braga descia a esfregar os olhos e começava sonolentamente a dar sua lição de verbos irregulares. Rubem pode não ter chegado a ser fluente na língua, mas daquela peleja pode ter nascido uma de suas crônicas mais felizes, “Aula de inglês”. Rubem fez-se amigo também de Aníbal Machado, mineiro de safra mais antiga (nasceu em 1894), que lhe dedicaria um de seus raros e refinados contos, “O desfile dos chapéus”, e a cujas célebres “domingueiras”, na velha casa da rua Visconde de Pirajá, tratou de incorporar-se tão logo fincou raiz no Rio. Numa daquelas ruidosas e estimulantes reuniões, animadas pelo que houvesse de mais interessante na paisagem cultural da cidade, Rubem Braga veio a conhecer, no esplendor da beleza, um dos grandes amores de sua vida: a atriz Tônia Carrero, que todos chamavam de Mariinha (ele e Vinicius de Moraes, de Maricota), então casada com o artista plástico e jornalista Carlos Thiré. Amor não tão platônico quanto queria fazer crer a discrição de ambos, assegura Marco Antonio de Carvalho, biógrafo de Rubem, em Um cigano fazendeiro do ar. “Deixa pra lá”, encerrava o cronista quando lhe perguntavam pelo romance com Tônia. No entanto, segundo alguns depoimentos, o de Carvalho inclusive, a maior paixão de Rubem Braga teria sido Bluma Wainer, que para viver com ele chegou a se separar do marido, o jornalista Samuel Wainer. Mas ela engravidou – e o namorado, que no fundo não queria ligações muito assentadas, se mandou para Porto Alegre, enquanto Bluma, desiludida, decidia abortar. Depois de sua morte, anos mais tarde, Rubem pediu ao escultor Alfredo Ceschiatti que
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a recriasse em pedra, numa estátua que plantou no jardim de sua cobertura em Ipanema. O casamento com Zora Seljan ficaria sendo o único em sua biografia. Quando, nos anos 1950, ela se casou com o escritor Antônio Olinto, o cronista teria comentado que Zora podia ter melhorado de marido, mas de estilo, nem tanto... O fato é que, sem prejuízo de paixões de variada intensidade e duração, Rubem permaneceu sozinho até o fim. “E as belas e muitas mulheres de sua vida?”, quis saber Zuenir Ventura numa entrevista. “Deixa pra lá”, voltou a resmungar o velho urso, que então beirava os 70 anos de idade. Dizia-se satisfeito, a essa altura, por estar comemorando bodas de ouro da solteirice. Talvez para amainar veleidades femininas, mandou afixar um aviso na entrada de sua cobertura, na rua Barão da Torre: “Aqui vive um solteiro feliz”. Adquirida em meados dos anos 1960, a sua toca acumulou vasto folclore desde o início. Ao comprá-la, ainda em construção, Rubem tomou liberdades com o projeto do arquiteto Sérgio Bernardes – e mais ainda com o terraço em torno, que a rigor não lhe pertencia em exclusividade. Os demais condôminos também teriam direito a frequentá-lo, mas quando o síndico, cheio de dedos, lhe perguntou como receberia os vizinhos, Rubem não deixou dúvida: “À bala!”. Na área de que se apropriou, ele plantou árvores frutíferas, além de legumes e verduras, criando em alguns amigos o hábito de visitá-lo de sacola em punho. “Como o Braga não é nada vegetariano”, disse um dos que se abasteciam nas alturas, Paulo Mendes Campos, “costumo ir lá fazer a minha feira, e volto com as couves, as alfaces e os tomates mais legais da Zona Sul”. Da cobertura da Barão da Torre, o cronista podia divisar o estúdio de outro amigo, Millôr Fernandes, e até que espigões se interpusessem, os dois costumavam se comunicar sobre o cânion das ruas. “Todas as manhãs nos saudávamos, efusivamente”, escreveu o humorista num texto dedicado ao amigo, para ele o ser humano que mais admirou na vida. A distância não permitia troca de palavras, mas trocávamos sinais semafóricos, nos quais, diga-se de passagem, Rubem é um mestre. ‘B-o-m-d-i-a!’, sinalizava eu com esforço, já que meu semaforismo é fraco. ‘B/o/m/ d/i/a/ m/e/u/ c/a/r/o/ c/o/l/e/g/a/ d/e/ p/r/a/ç/a /e /d/e/ m/a/ d/r/u/g/a/r/!’, respondia Rubem, muito mais ágil nos braços do que na glote e na epliglote.
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O apartamento era pouso frequente do poeta João Cabral de Melo Neto quando abria no Rio algum parêntese em sua vida de diplomata. Era também escala obrigatória para Vinicius de Moraes, a quem Rubem Braga era ligado até mesmo pela circunstância de terem chegado ao mundo na fornada de 1913. “Nasci no mesmo ano que Vinicius de Moraes e o bondinho do Pão de Açúcar”, disse Rubem numa entrevista. “O bondinho é feito o Vinicius. Assusta às vezes, aquela coisa, cai, não cai, mas até hoje não matou ninguém, não.” Quando o cronista, em 1944, convertido em correspondente de guerra, mandou-lhe um postal da Itália, o poeta pescou nele um decassílabo e o tomou para epígrafe de sua “Mensagem a Rubem Braga”, (...) o bravo Capitão Braga, seguramente o maior cronista do Brasil / Grave em seu gorro de campanha, suas sobrancelhas seu bigode circunflexos / Terno em seus olhos de pescador de fundo / Feroz em seu focinho de lobo solitário / Delicado em suas mãos e no seu modo de falar ao telefone (...). A cobertura de Rubem foi cenário de uma foto célebre, singular por reunir no mesmo banco de jardim este quinteto de pesos pesados da poesia brasileira: Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, Mario Quintana e Paulo Mendes Campos. Foi também ali que se fez uma série de fotografias em que aparece um grupo de escritores integrantes do primeiro time da Editora Sabiá, criada em 1967 por Rubem Braga e Fernando Sabino. Com este, aliás, o chamado “Sabiá da crônica” tivera já outra aventura editorial, igualmente bem-sucedida, a Editora do Autor, posta de pé em 1960 e cujo catálogo incluiu, ao lado de antologias poéticas caprichadas (Drummond, Bandeira, Vinicius, Cecília Meireles, João Cabral e Augusto Frederico Schmidt, entre outros), uma floração sem precedentes de livros de crônicas – de Paulo Mendes Campos, de Sabino e do próprio Braga, em especial. Com o selo da Editora do Autor foi publicado o único romance de Otto Lara Resende, O braço direito, e seu volume de contos e novelas O retrato na gaveta. Mais que seu editado, Otto foi um dos amigos mais diletos de Rubem Braga, presente em sua vida até o final. O escritor mineiro cercava-o como poucos de atenções e carinho. Quando, em 1969, soube-se que ele tinha num
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dos pulmões um nódulo que poderia ser maligno (não era), Otto, vivendo em Lisboa como adido cultural (“adido e mal pago”, brincava), se encheu de preo cupações e, por cartas e telegramas, crivou Sabino com pedidos de notícias. Ao saber desse bombardeio postal, Rubem reagiu fazendo graça: “Sei não, o Otto está muito solidário...” Naquele momento grave, fazia piada com a frase que Nelson Rodrigues atribuíra ao autor de O braço direito, segundo a qual “o mineiro só é solidário no câncer”. Otto continuava presente 20 anos depois, quando, em maio de 1990, revelou-se em Rubem outro tumor, esse sim, maligno, na garganta, já se espalhando pelo corpo. Agoniado, o cronista ligou para o amigo: “Se eu tivesse um revólver, ia pedir a você pra me matar”. Pouco depois, no entanto, voltava a ser o Braga cáustico de sempre, quase matando Otto de rir ao lhe dizer: “Achei o médico muito entusiasmado com o meu tumor...”. Ao saber que não tinha escapatória, decidiu não se submeter a tratamentos que, além de penosos, pouco retardariam o fim. Como no Rio de Janeiro ainda não houvesse serviço de cremação, foi discretamente a São Paulo para contratar e pagar a cerimônia. “Mas onde está o cadáver?”, perguntou o funcionário do crematório da Vila Alpina. “Sou eu”, esclareceu Braga. Não iria muito longe: morreu em 19 de dezembro daquele ano. Tinha 77 anos. Fernando Sabino se lembrou então de uma conversa que tivera com ele anos antes, por ocasião da morte do poeta francês Jacques Prévert, que tinha exatamente essa idade. Os dois cronistas falavam do que matara Prévert, um câncer do pulmão – e Rubem Braga observou: “É, mas aos 77 anos sempre se morre de alguma coisa...”. Humberto Werneck, natural de Belo Horizonte (mg), é jornalista e escritor. Trabalhou em diversas publicações, como as revistas Veja, Isto É e Playboy e o Jornal do Brasil. Escreveu, entre outras obras, O desatino da rapaziada (São Paulo: Companhia das Letras, 1996), Pequenos fantasmas (São Paulo: Novesfora, 2005), O santo sujo – A vida de Jaime Ovalle (São Paulo: Cosac Naify, 2008) e O espalhador de passarinhos & Outras crônicas (Sabará: Edições Dubolsinho, 2010). Organizador da coletânea de crônicas Boa companhia (São Paulo: Companhia das Letras, 2005) e Vultos da República – Os melhores perfis políticos da revista piauí (São Paulo: Companhia das Letras, 2010), cuidou da seleção dos poemas e da edição do livro Minérios domados – Poesia reunida de Hélio Pellegrino (Rio de Janeiro: Rocco, 1994) e assinou a reportagem biográfica de Tantas palavras – Chico Buarque (São Paulo: Companhia das Letras, 2006).
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Braga na fronteira José Castello
Os amigos sempre perguntaram a Rubem Braga quando, afinal, ele
escreveria um romance. Cronista “puro-sangue”, Braga sempre foi reconhecido como um dos grandes narradores brasileiros. Por que, então, permanecia preso ao gênero “menor” da crônica? – os amigos se perguntavam. Por que não arriscava voos mais altos? Por que não escrevia o grande romance que todos desejavam ler? Por timidez? Por preguiça? Por não acreditar em si? Braga jamais se interessou em se tornar romancista. Nunca escreveu o romance que os amigos lhe pediam. O conselho sincero que eles lhe davam soava, na verdade, como a manifestação de um preconceito. Por que a crônica seria “menor” e o romance, “maior”? Por que, para se consagrar, para “amadurecer”, o escritor precisa se tornar romancista? Sim, as crônicas não costumam ter mais que duas ou três páginas, enquanto os romances se estendem a centenas. Uma crônica se escreve em duas horas; um romance, em dois ou mais anos. Mas a literatura, ele pensava, não se interessa pela contabilidade; a grandeza de um relato não se mede por seu tamanho. Em uma entrevista antiga, ele explica seu desinteresse pelo romance: “Eu não tenho imaginação. Por isso, não escrevo romances. Escrevo sobre o que vejo, escrevo sobre fatos e sobre coisas concretas. Minha imaginação é péssima”, diz. As crônicas que nos deixou, contudo, desmentem esta avaliação. Sabe-se que tentou escrever um conto, “O macaco empalhado”, a história de um símio acondicionado em palha que, um dia, moveu o polegar da mão direita. Acreditava na ideia, mas não a concluiu. Passou um longo tempo debruçado sobre os rascunhos, escrevendo e reescrevendo. Por fim, desistiu. Como sempre, o presente o venceu. Braga não aceitava que se desprezasse a crônica, gênero que sempre teve em alta conta. Acreditava que esse desprezo se explica por dois motivos. De um
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lado, o vínculo direto que a crônica tem com o cotidiano e com o circunstancial (seu pacto feroz com a realidade, posição limítrofe com o jornalismo, que lhe roubaria a condição literária). De outro – e o próprio Braga é um exemplo definitivo disso –, a aposta radical no lirismo (que a aproxima da poesia). Entre o apego à realidade, que caracteriza o jornalismo, e a opção sincera pelo lirismo, que em geral se confina na poesia, existe um grande vão. Imenso abismo, que muitos julgam ser intransponível, mas do qual a crônica moderna se apossou. Adeptos da invenção e da liberdade interior, os escritores olham o jornalismo, em geral, com desconfiança, senão com desprezo. Ele é muito rápido – quando a literatura pede lentidão. É circunstancial – o que, para muitos, é sinônimo de superficialidade. Coloca-se em uma posição de dívida constante com o real, enquanto os escritores se formam justamente na convicção de que nada devem a ninguém. O jornalismo seria “o contrário” da literatura, de modo que uma literatura que dele se aproxime – a crônica – é vista como suspeita e banal. Quanto ao lirismo, basta ver o que aconteceu com a poesia brasileira a partir da metade do século xx. Os movimentos de vanguarda e os grupos experimentais, que ali se disseminaram, desconfiavam do lirismo. Ele seria um recurso barato, de poetas que “não têm o que dizer” – e foi Bandeira quem observou que Braga tira suas melhores páginas, justamente, dessa “escassez de assunto”. O lirismo é tido, ainda hoje, como um sintoma dos aprendizes. Só grandes poetas – Bandeira, Drummond, Vinicius – estão autorizados a manejá-lo. Nas mãos erradas, da maioria, ele se torna sinônimo de fraqueza intelectual. Braga se aferrou, porém, a esses dois princípios: o apego sereno ao instante e a fidelidade absoluta à tradição lírica. Nunca se importou em ser julgado – e a crônica, em geral desprezada pela crítica, lhe trazia mais essa vantagem: ninguém se importa com ela. Com um humor sutil, ao contrário, Braga se empenhava em afirmar a inferioridade da crônica. Não chega a ser literatura, ele dizia. Não merece, pois, tanta atenção. Preferia assim – por timidez, por comodismo, por apego à liberdade – se conservar na posição de “escritor menor”. Ali se sentia mais livre. Em uma crônica publicada na Revista Nacional, em 1989, ele nega os vínculos da crônica não só com a literatura, mas também com o jornalismo. Sem esconder a ironia, mas também acreditando um pouco no que diz, escreve:
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A crônica é subliteratura que o cronista usa para desabafar perante os leitores. O cronista é um desajustado emocional que desabafa com os leitores. (...) A única informação que a crônica transmite é a de que o respectivo autor sofre de neurose profunda e precisa desoprimir-se. Braga se coloca, com isso, não só à margem da literatura, mas também à margem da imprensa. Deprecia-se? Ou, ao contrário, funda um espaço absolutamente singular de liberdade? Ao negar as identidades de escritor e de jornalista, ele, na verdade, se perfila em um intervalo entre os dois. A crônica só é publicada na imprensa por um hábito comercial. Só é confundida com literatura e, às vezes, publicada em livro por algum mal-entendido. Não está nem de um lado, nem de outro. Com isso, Braga afirma a absoluta singularidade do que escreve. Mais ainda: com essa atitude, ele se torna o fundador da crônica moderna brasileira. Um cronista não precisa de grandes temas. Pode se perder, sem culpa, nas vias secundárias do contingente e do inútil. Acredita que a crônica lhe dá essa liberdade: parece fugir aos princípios clássicos da avaliação literária. Como “gênero menor”, da crônica pouco, ou nada, se espera, a não ser que “divirta”. Eis a grande liberdade do cronista, que Braga soube não só compreender, mas da qual soube se alimentar: ela nada deve a ninguém. Nem glória, nem perfeição, tampouco rigor, ou revolução. Nada. Simplesmente escrever. Adotava para si uma definição formulada por Manuel Bandeira, que estabelece um laço crucial entre crônica e vida: “Ser cronista é viver em voz alta”. Mesmo na era dos blogs – lugar, por excelência, da confissão e da “voz alta” na web –, a crônica, ainda hoje, é desprezada por sua rapidez, sua leveza e, sobretudo, por sua dúbia atração pela verdade. Gênero do Eu, supõe-se que o cronista esteja presente, de corpo inteiro, em cada linha que escreve. A atração pela verdade, nesse caso, se manifesta no suposto desejo de confissão. Espera-se que o cronista se confesse. Espera-se que seja sincero e que diga, ou pelo menos persiga, a verdade. O leitor vê a crônica como uma conversa entre amigos. Franqueza, lealdade, afeto, tornam-se valores essenciais. Mas será? Gênero limítrofe, com um pé na realidade, outro na invenção, a crônica tem uma identidade escorregadia, e por isso levanta muitas suspeitas.
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Será verdade? Será mentira? Isso aconteceu mesmo, ou é ficção? Justamente por isso, Braga a tratava, na verdade, não como um gênero menor e circunstancial, mas, ao contrário, como o gênero dos gêneros. Lugar para o qual todos os gêneros confluem e onde todos eles se põem à prova. Talvez por isso ele se declarasse um “antificcionista”. Em suas mãos, a crônica se torna um gênero que não só relativiza, mas que desafia a ficção. Um gênero que a interroga. Esta confluência, porém, não é consequência de um projeto intelectual, só acontece “por atração”. Braga gostava de uma ideia de Décio de Almeida Prado, segundo a qual a aproximação da realidade promovida pelo cronista não é fotográfica, ou documental, tampouco se submete a um método. Escreveu Prado: “O cronista, se tem em mente algum fim, algum objetivo – o pressuposto é que não possua nenhum –, deve conduzir-nos a ele sem que o percebamos, movido aparentemente pelo método menos metódico que existe: o do assunto puxa assunto”.1 A crônica se escreve por instinto. Não tem princípios, nem mira objetivos, apenas é. Alguns aspectos, aqui, merecem destaque. Primeiro, a ideia de que o princípio dos cronistas, aquilo que os define, é não possuir um objeto. O cronista não quer revelar a verdade (como o jornalista); tampouco quer construir uma obra autônoma e singular (como o escritor). Seu interesse não está nem na realidade nem na letra, mas “entre” elas. Seu método, em consequência, sugere Almeida Prado, é “o menos metódico que existe”. O mais difícil para um cronista, portanto – aquilo que o define mesmo como cronista –, é chegar a essa terra de ninguém. Fazer da fronteira a sua casa. O cronista nada deseja. Não deve nada a ninguém. Não quer chegar a lugar algum. “Eu faço aquilo que os romancistas não têm paciência de fazer”, Braga dizia. Referia-se aos dois únicos princípios a que, a seu ver, um cronista deve se apegar: escrever sobre o que as pessoas lhe contam e escrever sobre o que vê. Sabemos, porém, que nem o relato oral nem a observação do mundo excluem a fantasia. Ao contrário: costumam ser maneiras de exercitá-la. Segundo aspecto a destacar na tese de Almeida Prado: o método (ou antimétodo) do “assunto puxa assunto”. Como não pensar na associação livre proposta por Freud? A crônica se torna, assim, aquele espaço no qual o Eu se desenrola – como um tapete que estendemos em uma sala. Como se sabe, o Eu não é o lugar da verdade, mas da imaginação. Todos construímos um Eu,
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para nossa salvação pessoal, para conseguir viver. Um Eu que nos proteja, que delimite nossas fronteiras e que nos apresente ao mundo. O Eu tem um compromisso crucial com a imaginação. Logo: desenrolar o Eu é, de alguma forma, imaginar. Fatos? Para quê? O jornalista Joel Silveira reflete sobre esse paradoxo. “Rubem Braga é o único escritor que conheço que, mesmo sem assunto, tem o que dizer. Ele enrola seu leitor nas palavras, vai enrolando, enrolando, e quando você percebe está maravilhado, mesmo sem saber com o quê.” Mais que os conteúdos, Braga valorizava a linguagem. Assunto puxa assunto, e só importa a maneira de costurá-los. O cronista, em consequência, deve estar desarmado, ou não conseguirá se entregar ao fio da linguagem. A crônica exige um espírito flutuante – e Braga foi um mestre na arte de flutuar. Mais que um gênero literário, ele considerava, a crônica é um tipo de bate-papo disperso, uma conversa-fiada. Não tem uma ordem, não segue um método, tampouco tem objetivos. Se dela nada esperamos além de alguma distração, isso não é razão para desgosto, ou para descrédito. Ao contrário: é a afirmação de um estilo. Só um cronista está realmente livre para escrever sobre um cajueiro, um vassoureiro, um caminhão, uma montanha, um pavão – temas de algumas das mais célebres crônicas de Braga. Ao contrário do que diz o mito do cronista narcisista, que só fala de si, o compromisso com a leveza lhe dá a chance de sair de si e se lançar no mundo. Sem nenhuma expectativa, sem nenhum desejo, simplesmente pela vontade de viver e de escrever. Assim, vida e escrita se misturam de modo irreversível. A proximidade com o banal não é defeito, mas qualidade do cronista. Em uma célebre crônica, “O mistério da poesia”, de 1949, Braga recorda um famoso verso de Luis de Camões: “A grande dor das coisas que passaram”. Ele se surpreende com o modo como Camões faz alta poesia com palavras simples. Escreve: “Talvez o que impressione seja mesmo isso: essa faculdade de dar um sentido solene e alto às palavras de todo dia”. Toma o poeta português como um modelo. Ao contínuo, se coloca em oposição aos poetas modernos, “que procuram esse mistério em coisas obscuras, o que dá margem a muito equívoco e muita bobagem”. Lembra que não é quando se turvam um pouco as águas que elas se tornam mais profundas. Ao contrário: o cronista só alcança a profundidade se valoriza a limpidez. O cronista precisa ver, e precisa estar livre para ver – ou não será cronista.
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Em outra crônica famosa, “Pensamentos em Itatiaia”, de 1956, ele rememora um amor antigo vivido nas montanhas. O rapaz moreno e magro que experimentou aquela paixão, ele medita, é agora “um triste senhor gordo, triste como um pobre menino falando sozinho”. Mal o leitor se comove com a dor do cronista, porém, Braga lhe dá uma rasteira. “Minha memória é arbitrária e ruim. Estremeço a uma lembrança tão viva, tão pungente, de algo que eu teria vivido neste lugar a que, entretanto, nunca vim”. O cronista sofre (e escreve) de uma dor inexistente. Trabalha, a rigor, com lembranças, e não com fatos. Lembra o que não viveu, logo faz ficção também. Fixo-me na comparação entre o cronista e aquele menino triste que fala sozinho. Também o cronista fala por falar (escreve por escrever). Fala, no fim das contas, consigo mesmo. Rumina. Deixa-se arrastar pelo rumor das palavras e a ele se entrega. Emociona-se com algo que, na verdade, não viveu – algo que apenas “se falou”. Não só as palavras são arbitrárias, a memória também. Gênero da memória, a crônica é, por isso (e não “apesar disso”), o gênero da mentira. Aqui deparamos com a sabedoria do cronista: a memória é sempre insuficiente e indigna de confiança. Vem infiltrada por fantasias e por mentiras. Relembrar, em consequência, é reinventar. Lição, aliás, sobre a qual deviam meditar os historiadores. Braga acreditava, ainda, no sentido prático da literatura. Sim, ele buscava uma literatura “útil” e a simplicidade da crônica era uma garantia disso. Recordava, a propósito, uma história que ouviu do arquiteto Carlos Leão. Um dia, Leão resolveu plantar uma videira. Comprou um tratado de agricultura e seguiu metodicamente suas instruções. A videira, porém, não vingou. Tempos depois, lê As geórgicas, de Virgílio, livro em que o poeta romano faz a apologia da vida no campo. Para sua surpresa, nele encontra instruções específicas sobre o cultivo das videiras. Tenta novamente, não mais seguindo os conhecimentos técnicos, mas as lições do poeta. A videira vinga. A tese de Braga se confirma: a literatura tem um sentido prático, pode ser útil. Braga não foi o primeiro cronista brasileiro, mas foi o inventor da crônica brasileira moderna. Desde Alencar e Machado, a literatura brasileira é fértil na produção de crônicas. O século xx nos deu grandes cronistas, como Fernando Sabino, José Carlos Oliveira, Nelson Rodrigues, Sérgio Porto, Clarice Lispector, Paulo Mendes Campos e Carlos Drummond de Andrade. Mas a
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grande síntese do gênero é de Rubem Braga. Foi, dentre todos eles, o único que arriscou todo o seu projeto literário na crônica e a ela se manteve fiel até o fim. Com ele, a crônica se torna um gênero tipicamente brasileiro. Transfere para a literatura a miscigenação, o hibridismo e o sincretismo que, desde Gilberto Freyre, definem a alma do país. É lírica, é festiva, é descompromissada. Sim: ela carrega uma visão de mundo e um projeto de sensibilidade que evoca a “mistura” brasileira. A isso se deve acrescentar a importância do prazer. A partir do século xx, crônica sem prazer não é crônica. A esse respeito, cabe lembrar o comentário de Davi Arrigucci Jr.: “A necessidade de gozar o presente antes que a vida fuja parece adquirir em Braga a dimensão do velho tema pagão do carpe diem, pois se liga diretamente ao prazer material dos sentidos”.2 Define-se, assim, o trabalho do cronista: escrever é sentir. E sentir é se conectar com o presente, com tudo o que ele tem de fortuito, de casual, de imaginoso, de falso. Rubem Braga levou seu projeto literário ao extremo. Transformou o “defeito” – como ainda hoje pensam aqueles que veem a crônica como um “gênero menor” – em glória. A crônica se dirige a qualquer um. Sim: o leitor da crônica é o leitor comum, que folheia o jornal e, por acaso, se detém na crônica. O próprio cronista se vê como um homem comum – que “escreve por escrever”, como se escrevesse por acaso também. A relação entre o leitor e seu texto deve ser igualmente casual. Nenhuma exigência, nenhuma pré-condição, nenhuma formalização. Em “Um sonho de simplicidade”, crônica de 1953, Braga se pergunta: “Então, de repente, no meio dessa desarrumação da vida urbana, dá na gente um sonho de simplicidade. Será um sonho vão?” A crônica tenta matar esta fome do simples. E o que é uma vida simples? Na mesma crônica, com outra pergunta ele mesmo responde: “A vida bem que poderia ser mais simples. Precisamos de uma casa, comida, uma simples mulher, que mais?” A resposta talvez pudesse ser: “De crônicas”. Para Braga, a crônica não é só um gênero literário, mas um prolongamento de sua alma. Nos anos 1980, em um raro discurso para os formandos da Faculdade de Filosofia da Universidade do Espírito Santo, ele diz: “No fundo talvez não seja muito bom negócio vender a alma. A alma às vezes faz falta.” Faz, ali, uma defesa apaixonada da pureza. Chega a afirmar aos jovens formandos que o melhor é “ser trouxa”. Explica: “Agir como trouxas. Sem inveja e sem rancor.” A surpreendente defesa da tolice e da inabilidade diz algo muito
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importante a respeito da crônica. O cronista é aquele que escreve sem pensar – é tolo. É aquele que escreve por escrever – é inábil. E só assim, tolo e inábil, “trouxa”, ele se aproxima do presente e se atém ao real. Ao fim de seu discurso, Braga aconselha: “Sede trouxas suavemente”. A crônica se liga, definitivamente, à vida. Se Vinicius de Moraes, como disse Drummond, foi, dentre todos os grandes poetas brasileiros do século xx, “o único que viveu como poeta”, Braga foi, provavelmente, dentre nossos grandes cronistas, o único que viveu como cronista. Que fez da vida, com todos os seus defeitos, imperfeições e ambiguidades, literatura. Que, sem nenhum pudor, desinteressado de qualquer afetação, carregou a vida para dentro da literatura. Não a grande vida dos grandes escritores, mas a vida comum e “trouxa” dos cronistas, que não passam de escritores comuns. Escrevia sobre plantas, passarinhos, crianças, amores românticos, tolices. Ocupava-se com a pequena vida de todos os dias. A uma revista de fofocas que lhe pede uma lista das dez coisas que realmente valem a pena viver, Braga enumera: 1. certas comidas da infância: aipim cozido, ainda quente, com melado de cana, por exemplo; 2. sair pela primeira vez pelas ruas de uma cidade estranha; 3. receber uma bola imprevista no meio da rua e responder com um chute perfeito; 4. ler, pela primeira vez, um bom poema; 5. ou uma bela prosa; 6. o momento em que um grande amor vira uma grande amizade, e aquele em que uma grande amizade vira um grande amor; 7. desapaixonar-se por uma mulher que apenas lhe causa aflição; 8. viajar; 9. voltar; 10. para um europeu, voltar para Paris; para um brasileiro, voltar para o Rio de Janeiro. Dez temas impecáveis para uma crônica. Dez essências. Uma teoria das pequenas coisas. Braga não é apenas, como se diz, o “príncipe da crônica”. De uma forma muito discreta – outro reflexo de sua alma de jardineiro –, ele foi seu inventor. Ainda hoje, muitos cronistas ignoram a revolução de Braga e seguem a fórmula antiga: escrevem crônicas para registrar eventos, para comentar, para interpretar, para defender ideias. Fazem jornalismo, colunismo, crítica de arte, comentário político, proselitismo – mas não escrevem crônicas. Esquecem que a crônica se tornou, a partir de Braga, o lugar do descompromisso. Uma espécie de terra de ninguém. Em uma crônica de 1956, “O crime (de plágio) perfeito”, ele ilustra essa condição. Rememora uma história
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antiga, que viveu ainda nos anos 1930, quando, incapaz de recusar o convite de um amigo, se tornou cronista de O Interventor, semanário político de São Paulo. Escreveu algumas crônicas, cansou, e resolveu desistir. Explicou ao editor, Laio Martins, que não se sentia confortável em um jornal politizado. “Então ponha um pseudônimo”, Martins, insistente, sugeriu. Mais uma vez, não conseguiu dizer não. Precisava inventar um pseudônimo e escrever a crônica prometida. Já não tinha mais entusiasmo. Desanimado, procurava um tema quando leu, no Minas Gerais, jornal oficial do governo mineiro, uma bela crônica assinada por certo Antonio João, ou Manuel Antonio. Quis saber quem era. Um amigo lhe explicou que se tratava de um pseudônimo de Carlos Drummond de Andrade. Não teve dúvidas: copiou a crônica, assinou-a com o mesmo pseudônimo adotado por Drummond, e a entregou a Laio Martins. O editor ficou entusiasmado. Publicou-a, mandou pagar e pediu uma segunda. Braga encarregou um menino de, semanalmente, copiar a crônica que Antonio João, ou Manuel Antonio, publicava no Minas Gerais. Ele devia manter a assinatura falsa e entregá-la, em seu nome, a Laio. Não sentiu remorsos. Escreve: “Carlos não sabia de nada, e o que eu fazia não era propriamente um plágio”. Entusiasmado, Laio Martins comentava na redação do semanário: “O Rubem não quer assinar, mas que importa? Seu estilo é inconfundível”. Um estilo único que, na verdade, era de todos – de Drummond, de Antonio João, de Braga – e que não era de ninguém. Pensando em Drummond, Braga se consolava: “Todos éramos felizes graças a seu trabalho: Laio, o menino, os leitores e eu – e você em Minas não era infeliz”. Não sei se a história relatada por Rubem Braga é verdadeira. Eu a leio em uma crônica – então é como se entrasse em uma dessas salas de espelhos, em que as imagens se reproduzem ao infinito, celebrando a arte da deformação. A relação da crônica com a realidade não é direta, é transversal. Não é literal, é sutil. Não importa: verdadeira ou falsa, a história relatada por Braga resume a condição ambígua do cronista. Essa é uma das características da crônica: o leitor a lê e se sente tão próximo que, de alguma forma, sente como se ela fosse sua. A fronteira entre autor e leitor se esgarça. É desde essa fronteira que Braga escreve e é na mesma posição de ambivalência que nós o lemos. Os amigos reclamavam que ele era um rabugento. De fato, apreciava a companhia dos amigos, mas gostava, talvez mais ainda, da solidão. Escreveu:
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“Eu tenho uma solidão muito cheia. Às vezes me sinto mais sozinho quando estou acompanhado.” Gênero do mundo, a crônica arrasta em silêncio, como quem não quer nada, o mundo para dentro da escrita. Crônicas são – para roubar uma expressão de Antonio Tabuchi a respeito de Pessoa – “malas cheias de gente”. Nós a olhamos de fora e vemos só uma mala fechada. Um texto, pequeno e simples, fixado no papel. Se a abrimos, porém, são laços e mais laços que se desenrolam. É toda a vida que se arrasta. Braga tinha a fama de frio e calado. Mas, por dentro, seu coração fervia. Precisava da realidade, clara, transparente, pulsante, para escrever. Viveu (escreveu) para celebrá-la. Nunca se contentou, porém, com a realidade rasteira e banal. Nivelar-se ao real, tocá-lo com o recurso das palavras, era, para ele, uma forma de elevação. Foi um entusiasmado colecionador de frases. Cai-lhe muito bem uma sentença de William Blake, que muito apreciava. Ela diz: “Aquele cuja face não dá luz jamais se tornará uma estrela”. José Castello nasceu no Rio de Janeiro, foi repórter da revista Veja, chefe de redação da revista Isto É e editor do caderno “Ideias”, do Jornal do Brasil. Mestre em comunicação pela ufrj, foi cronista e repórter literário do jornal O Estado de S. Paulo e atualmente é colunista do suplemento “Prosa & Verso”, de O Globo, além de escrever regularmente textos de crítica literária para as revistas Bravo! e Época, para o jornal Valor Econômico e para tabloide mensal Rascunho, de Curitiba, onde está radicado. Autor de Vinicius de Moraes: o poeta da paixão (São Paulo: Companhia das Letras, 1994), Na cobertura de Rubem Braga (Rio de Janeiro: José Olympio, 1996), Inventário das sombras (Rio de Janeiro: Record, 1999), João Cabral de Melo Neto: o homem sem alma (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006) e A literatura na poltrona (Rio de Janeiro: Record, 2007), escreveu os romances Fantasma (Rio de Janeiro: Record, 2001) e Ribamar (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010). Suas crônicas foram organizadas por Leyla Perrone-Moisés no volume As melhores crônicas de José Castello (São Paulo: Global, 2003).
NOTAS 1 almeida prado, Décio de. “Tentativa de crônica sobre Rubem Braga”. In Seres, coisas, lugares – Do teatro ao futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 84. 2 arrigucci jr., Davi. “Braga de novo por aqui”. In Enigma e comentário. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 33.
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Flautas, melancias e colibris Sérgio Augusto
Se literatura não é, como muitos asseguram, e jornalismo tampouco,
como outros tantos afirmam, que apito, afinal, toca a crônica? Crônicas são como “flautas de papel”, disse Manuel Bandeira, ele próprio um mestre de sua prosa fugaz, escrita em cima da hora ou de um dia para o outro, dentro de um espaço reduzido e em tom displicente, sem, pela receita do velho Eça, “a voz grossa da política, nem a voz indolente do poeta, nem a voz doutoral do crítico”. A voz da crônica é pequena, serena e clara, como a de quem conta aos amigos tudo que andou ouvindo, perguntando e esmiuçando. Apesar de ligada umbilicalmente ao jornalismo, dele se distanciou por sua inata capacidade para glosar fatos, situações e incidentes, por visar à beleza, aos sentimentos e à fantasia, não aos fatos em si e sua rápida e eficiente transmissão – uma espécie de rebeldia da palavra escrita contra a sua utilização meramente funcional pela imprensa. Melodia própria, um resíduo de beletrismo, uma capacidade de saudável autocrítica que a impede de se tomar a si mesma muito a sério – são estas as suas maiores, mas não únicas, virtudes. “A crônica é a literatura do jornalismo, assim como a melancia é o melão dos pobres”, metaforizou o crítico Wilson Martins, no meio de um arrazoado empenhado em definir as limitações do gênero e compreender as razões de sua imensa popularidade, inclusive entre aqueles que, ricos (ou menos pobres) espiritualmente, preferem o melão literário. Que é gênero eminentemente jornalístico, pelos temas, pelo estilo, pelas ambições, sobretudo pelo meio em que brotou e se estabeleceu, ninguém discute; mas sua presuntiva inferioridade só continua sendo um truísmo entre os críticos indiferentes às evidências de que não existem gêneros menores, apenas autores menores. Em caso de dúvida,
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compare qualquer obra “literária” de Augusto Cury com uma crônica de Rubem Braga ou Machado de Assis. Para Martins, só quando não se esgota com o fato que a motivou e surpreende o universal e o eterno no transitório e no local, a crônica pode transcender a índole efêmera que a insignificância e a transitoriedade quase obrigatória dos assuntos tratados parecem impor-lhe por definição e, desse modo, ter seu status elevado, conquistar por si mesma a categoria literária, façanha que pouquíssimos teriam logrado, ninguém, a seu ver, nem sequer Machado, com a mesma desenvoltura de Rubem Braga. Antes de Martins, outros críticos literários, notadamente Antonio Candido, Afrânio Coutinho e Paulo Rónai, também haviam relativizado as insufi ciências da crônica e até mesmo exaltado algumas delas. Sua despretensão, segundo Candido, não apenas “humaniza o texto” como recupera, com a outra mão, sorrateiramente, “uma certa profundidade”. Num país como o Brasil, onde se confunde “superioridade intelectual e literária com grandiloquência e requinte gramatical”, a crônica teria servido para restabelecer a superioridade da simplificação e da naturalidade. Ao contemplar a vida “ao rés-do-chão” e comentá-la por meio de uma aparente conversa fiada – é ainda Candido quem fala –, ela teria redimensionado as coisas e as pessoas, captando em suas miudezas “uma grandeza, uma beleza ou uma singularidade insuspeitadas”. De origem europeia, foi entre nós que a crônica melhor se aclimatou, já dispensada de seus compromissos com relatos históricos, com testemunhos de eventos passados (crônica vem de cronos, “tempo” em grego), mais afinada com os familiar essays popularizados na imprensa inglesa do século xix e os folhetins importados da França e da península ibérica, no mesmo período. Pelo figurino original, nosso primeiro cronista teria sido o português Pero Vaz de Caminha – hipótese defendida pelo teórico e historiador do gênero Jorge de Sá, que eu saiba, nunca contestada. Mas o fato é que ainda teríamos de esperar 300 e tantos anos e a explosão jornalístico-literária do Segundo Reinado (cerca de 30 jornais circulavam no Rio de Janeiro, na década de 1850), para vermos aqui pousar o “colibri da sociedade”, o metafórico pássaro a que Machado de Assis comparou os folhetinistas do seu tempo, os arautos de um novo estilo – mais leve, menos sisudo, mais descontraído – de fazer jornalismo, os verdadeiros ancestrais da crônica.
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A exemplo dos colibris, os folhetinistas, no dizer de Machado, também saltavam, esvoaçavam, brincavam, tremulavam, pairavam e espanejavam-se “sobre todos os caules suculentos, sobre todas as seivas vigorosas”, sobre toda a sociedade, enfim, de onde extraíam o néctar vital à sua sobrevivência. Ocupando espaço nobre nos periódicos e fundindo de forma exemplar o útil e o fútil, o sério e o frívolo, tornaram-se a leitura predileta das camadas urbanas, um emblema do mundanismo e do cosmopolitismo, uma ponte entre as esferas da alta e baixa cultura. Data de 1843 o primeiro folhetim brasileiro reconhecido como tal: O filho do pescador, de Teixeira e Sousa, narrativa romanceada, oferecida em fragmentos aos leitores do diário O Brasil. No ano seguinte, com A moreninha, Joa quim Manuel de Macedo criaria, também na imprensa, o modelo do romance urbano brasileiro. Entre 1852 e 1853, a ficção picaresca de Memórias de um sargento de milícias, publicada em série por Manuel Antônio de Almeida nas páginas do Correio Mercantil, consolidaria o gênero, então já próximo de tomar nova feição, de metamorfosear-se nos comentários ligeiros, afáveis e sem cerimônia de fatos do cotidiano e assuntos do momento a que chamamos de crônica. Mas ainda havia traços folhetinescos nos devaneios que o pioneiro Francisco Otaviano de Almeida Rosa passou a escrever no Correio Mercantil, a partir de dezembro de 1852, onde, dois anos depois, seus substitutos José de Alencar e Manuel Antônio de Almeida se revezariam num espaço intitulado “Páginas menores”, pouco depois rebatizado por Alencar de “Ao correr da pena”. Embora duvidasse que o folhetim pudesse abrasileirar-se, Machado foi um dos primeiros a provar o contrário – e com redobrado brilho depois que assumiu o papel de cronista, iniciando uma dinastia sem paralelos em outros países, em outras literaturas. Destaque para, mais ou menos por ordem de entrada em cena, Quintino Bocaiuva, França Júnior, Raul Pompeia (cujo romance O Ateneu, por ele definido como uma “crônica de saudades”, saiu primeiro em capítulos na Gazeta de Notícias), Coelho Neto, Olavo Bilac (que substituiu Machado na Gazeta de Notícias), Paulo Barreto (pseudônimo de João do Rio, o Oscar Wilde da rua do Ouvidor, nosso primeiro cronista social), Arthur Azevedo, Aluísio Azevedo, Lima Barreto, Ribeiro Couto, Humberto de Campos, Orestes Barbosa, Théo-Filho, Aníbal Machado, Marques Rebelo, Rubem Braga, Luís Martins, Álvaro Moreira, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade,
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António de Alcântara Machado, Oswald de Andrade, Silveira Sampaio, Nelson Rodrigues, Henrique Pongetti, Elsie Lessa, Clarice Lispector, Eneida, Rachel de Queiroz, Vinicius de Moraes, Paulo Mendes Campos, Stanislaw Ponte Preta, Fernando Sabino, Otto Lara Resende, José Carlos Oliveira, Marcos Vasconcellos, e por aí vai (ou vem) até nossos dias, com autores do nível de Millôr Fernandes, Carlos Heitor Cony, Luis Fernando Verissimo e Milton Hatoum. A princípio influenciados por Eça e Ramalho Ortigão, ambos republicados nas gazetas cariocas, nossos primeiros cronistas foram aos poucos se libertando da canga lusa, do português castiço e engomado, incorporando ao seu estilo toda a graça e a agilidade do coloquialismo, fundando, sem exagero, uma nova língua, a partir do português recriado nas ruas do Rio e nas conversas informais, numa antecipação do que os modernistas, com mais vigor e programaticamente, fariam para aproximar a escrita literária “do modo de falar do brasileiro”. Se ser cronista “é viver em voz alta”, como acreditava Bandeira, só mesmo escrevendo como se fala os cronistas tinham alguma chance de criar uma forma peculiar de literatura, com dimensão estética e relativa autonomia, cuja expressiva presença no conjunto da produção literária brasileira Davi Arrigucci Jr. analisou de forma admirável em dois ou três ensaios, publicados nas últimas décadas do século passado. Convicto de sua legitimidade literária e encantado com sua extrema brasilidade, o húngaro Paulo Rónai chegou a pensar em editar, na década de 1950, uma antologia de crônicas modernas para servir de introdução ao Brasil “para turistas interessados e imigrantes alfabetizados”. Ao dar-se conta de sua intraduzibilidade, arquivou para sempre o projeto. Só anos mais tarde, ao resenhar um livro da cronista carioca Eneida, tornou públicas as razões de sua desistência: Tão enraizada está ela na terra de que brotou, tão ligada às sugestões sentimentais, aos hábitos linguísticos e à realidade social do ambiente, que, vertida em qualquer idioma estrangeiro, precisaria de um sem-número de notas de pé de página para elucidar subentendidos e alusões – e essas notas matariam outra característica fundamental, a leveza. Justamente por essa leveza, boa parte dos cronistas desde sempre encarou seu ofício com reservas, quando não com um desprezo compatível com o da crí-
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tica literária. Paulo Mendes Campos e Clarice Lispector não foram os primeiros a confessar que só escreviam em jornais e revistas por necessidade financeira, que, se pudessem, se dedicariam exclusivamente à literatura e à poesia. Suas presenças na imprensa, porém, não significavam apenas mais dinheiro no fim do mês, mas também maior visibilidade e promoção extra para suas criações mais “nobres”. Cuspindo no prato em que comeu por mais de 30 anos, Olavo Bilac qualificou a si próprio e aos demais colegas como meros “profanadores da arte e ganhadores das letras”. Para o poeta que gostava de ouvir estrelas, ganhar a vida como cronista era um castigo. Não de Deus, do demônio. Segundo Bilac, o pior castigo que o diabo impunha a um escritor era condená-lo “a escrever coisas para as folhas, durante toda a vida”, tivesse ou não tivesse assunto, estivesse ou não estivesse doente, quisesse ou não quisesse escrever. Ao contrário de Bilac, o mercurial João do Rio metabolizou sem problemas sua relação com a arte de escrever coisas para as folhas. Nenhum outro cronista revelou-se tão feliz, tão realizado na profissão. Entendeu-a, acertadamente, como irmã gêmea da nascente arte cinematográfica, e aproveitou-se o quanto pôde de todas as suas potencialidades. Reflexão e comentário, desenho e caricatura, fotografia retocada, mas com vida – assim, a crônica, na visão de João do Rio, teria evoluído, até virar, “com o delírio apressado” da época, início do século xx, uma experiência cinematográfica, um cinematógrafo de letras, uma fantasia “em que o operador é personagem secundário arrastado na torrente dos acontecimentos”. Rubem Braga nunca desperdiçou seu tempo reclamando das limitações da crônica ou tentando teorizá-la. Não se sentia inferior aos ditos escritores de verdade, aos que vendiam melões literários. Numa rara alusão ao Fla-Flu alimentado pela crítica, restringiu-se a este comentário: “Há homens que são escritores e fazem livros que são como verdadeiras casas, e ficam. Mas o cronista do jornal é como o cigano que toda noite arma sua tenda e pela manhã desmancha, e vai.” E como insistissem em saber o que, para ele, afinal de contas, era a crônica, bragamente respondeu: “Se não é aguda, é crônica”.
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Sérgio Augusto é jornalista, nascido no Rio de Janeiro. Começou sua carreira como crítico de cinema na Tribuna da Imprensa, nos anos 1960. Foi crítico, repórter, redator e editor nos jornais Correio da Manhã, Jornal do Brasil, Diário Carioca e Folha de S. Paulo, nas revistas O Cruzeiro, Veja e Isto É, e nos semanários alternativos Pasquim e Opinião. Colaborou nas revistas Senhor, Diner’s, Vozes, Filme & Cultura, Nova, Leia Livros, Studies in Latin American Popular Culture, Status, Revista Civilização Brasileira, Bravo! e Bundas, entre outras. Foi repórter especial da Folha de S. Paulo de 1981 a 1996, quando passou a escrever semanalmente no jornal O Estado de S. Paulo. Publicou Este mundo é um pandeiro (Companhia das Letras, 1989), Cancioneiro Jobim (Casa da Palavra, 2000), Lado B (Record, 2001), Cancioneiro Vinicius de Moraes/Orfeu (Jobim Music, 2003), Botafogo – Entre o céu e o inferno (Ediouro, 2004), O Melhor do Pasquim (Desiderata, 2006-2009) e As penas do ofício (Agir, 2006).
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GUIA
Recados da crônica Um percurso pelas páginas do escritor que contemplou a vida no front do jornalismo literário Joaci Pereira Furtado OBRAS DO AUTOR
1. Crônicas O conde e o passarinho – Crônicas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936. O homem rouco – Crônicas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1943; 4. ed., Rio de Janeiro: Record, 1987.
Morro do isolamento – Crônicas de Rubem Braga. São Paulo: Brasiliense, 1944.
Com a feb na Itália – Crônicas. Rio de Janeiro: Zelio Valverde, 1945; 2. ed., Crônicas de guerra – Com a feb na Itália. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1964; 3. ed., Crônicas da guerra na Itália. Rio de Janeiro: Record, 1985.
Um pé de milho – Crônicas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1948; 8. ed., Rio de Janeiro: Record, 2004.
1955; 7. ed., Rio de Janeiro: Record, 1998.
A cidade e a roça – Crônicas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957. Na 2. ed., foi acrescentada a seção “Três primitivos”, com perfis dos pintores naïfs José Bernardo Cardoso Júnior, Heitor dos Prazeres e José Antônio da Silva originalmente publicados em Cadernos de Cultura. Rio de Janeiro: Ministério da Educação, 1953. A partir da 4. ed., o volume passou a se intitular O verão e as mulheres.
A borboleta amarela – Crônicas. Rio de Janeiro: José Olympio, 130
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Ai de ti, Copacabana! Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960; 28. ed., Rio de Janeiro: Record, 2010.
O conde e o passarinho & Morro do isolamento. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1961; 2. ed., Rio de Janeiro: Record, 2008. A traição das elegantes. Rio de Janeiro: Sabiá, 1967; 7. ed., Rio de Janeiro: Record, 2008.
Recado de primavera. Rio de Janeiro: Record, 1984; 8. ed., Rio de Janeiro: Record, 2008
cord, 1997; 8. ed., Rio de Janeiro: Record, 2008
O verão e as mulheres, título atribuído à 4. ed. da coletânea anteriormente intitulada A cidade e a roça. Rio de Janeiro: Record, 1986; 10. ed., Rio de Janeiro: Record, 2008
4. Poesias
As boas coisas da vida. Rio de Janeiro: Record, 1988; 9. ed., Rio de Janeiro: Record, 2010
2. Ensaios Três primitivos. In: Cadernos de Cultura. Rio de Janeiro: Ministério da Educação, 1953.
Livro de versos. Ilustrações de Ismael Caldas, Wellington Virgolino, Montez Magno, Marcos Cordeiro e João Câmara. Recife: Edições Pirata, 1980; edição comemorativa dos 80 anos do autor, com ilustrações de Carlos Scliar e Jaguar. Rio de Janeiro: Record, 1993; 4. ed., Rio de Janeiro: Record, 2002
5. Infantojuvenil O menino e o tuim. Ilustrações de Denise e Fernando. São Paulo: Quinteto, 1986.
6. Antologias
Crônicas do Espírito Santo. Vitória: Fundação Ceciliano Abel de Almeida/Secretaria de Estado da Educação e Cultura, 1984; 2. ed., ilustrações de Carybé. Vitória: Rede Gazeta de Comunicações/ Universidade Federal do Espírito Santo/Prefeitura Municipal de Vitória, 1994.
Caderno de guerra de Carlos Scliar, com texto sobre desenhos de Scliar feitos durante a Segunda Guerra, na Itália, onde o artista serviu como cabo de artilharia. Rio de Janeiro: Sabiá, 1969; 2. ed. (fac-similar), São Paulo: Imprensa Oficial, 1995; reproduzido, sem os desenhos, em Crônicas da guerra na Itália.
3. Memórias Casa dos Braga – Memória de infância. Rio de Janeiro: Re-
50 crônicas escolhidas. Organização do autor. Rio de Janeiro: José Olympio, 1951. 100 crônicas escolhidas. Organização do autor. Rio de Janeiro: José Olympio, 1958. 200 crônicas escolhidas. Organização do autor, a partir de seleção de Fernando Sabino. Rio de Janeiro: Record, 1977; 33. ed., Rio de Janeiro: Record, 2010 Para gostar de ler (com Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos). São Paulo: Ática,
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1977 (v. 1); 1978 (v. 2); 1978 (v. 3); 1979 (v. 4); 1980 (v. 5).
bé. Vitória: Departamento Estadual de Cultura, 1981.
Os melhores contos de Rubem Braga. Organização de Davi Arrigucci Jr. São Paulo: Global, 1985.
11. Adaptações
7. Antologias póstumas Uma fada no front. Organização de Carlos Reverbel. Porto Alegre: Artes & Ofícios, 1994; 2. ed., 1939 – Um episódio em Porto Alegre (Uma fada no front). Organização de Carlos Reverbel. Rio de Janeiro: Record, 2002.
Dois repórteres no Paraná. Com Arnaldo Pedroso d’Horta. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 1990.
Aventuras. Organização de Domício Proença Filho. Rio de Janeiro: Record, 2000; 2. ed., Rio de Janeiro: Record, 2002. 50 crônicas escolhidas. Organização de Mário Feijó, a partir de 200 crônicas escolhidas. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.
8. Em parceria Uma viagem capixaba de Carybé e Rubem Braga. Com Cary-
Carta a El-Rey dom Manuel, de Pero Vaz de Caminha. Ilustrações de Carybé. Rio de Janeiro: Sabiá, 1968; 3. ed., Rio de Janeiro: Record, 2004. As aventuras prodigiosas de Tartarin de Tarascon, de Alphonse Daudet. Ilustrações de Mariângela Hadad. São Paulo: Scipione, 1988. Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand. Ilustrações de Carlos Eduardo de Andrade. São Paulo: Scipione, 1988.
Pequena antologia do Braga. Organização de Domício Proença Filho. Rio de Janeiro: Record, 1997; 9. ed., Rio de Janeiro: Record, 2009. Um cartão de Paris. Organização de Domício Proença Filho. Rio de Janeiro: Record, 1997; 4. ed., Rio de Janeiro: Record, 1998.
hommes), de Antoine de Saint-Exupéry. Rio de Janeiro: José Olympio, 1940.
9. Organização e apresentação de antologias O livro de ouro dos contos russos, vários autores. Prefácio de Aníbal M. Machado, notas biográficas de Valdemar Cavalcanti e supervisão de Graciliano Ramos. Rio de Janeiro: Companhia Editora Leitura, 1944; 2. ed., Rio de Janeiro: Ediouro, s/d. Melhores poemas, de Casimiro de Abreu. São Paulo: Global, 1985.
10. Tradução Terra dos homens (Terre des
Os lusíadas, de Luís de Camões (com Edson Rocha Braga). Ilustrações de Carlos Fonseca. São Paulo: Scipione, 1990.
12. Entrevistas “Conversa de Sérgio Porto, Fernando Sabino, Rubem Braga, Vinicius de Moraes e Carlinhos de Oliveira, num bate-papo sobre vida literária”. Realidade, São Paulo, 1968. “Entrevista com os autores”. In: Para gostar de ler (com Carlos Drummond de Andrade, Fer nando Sabino e Paulo Mendes Campos). São Paulo: Ática, 1978 (v. 3).
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FORTUNA CRÍTICA
1. Dissertações e teses batista, José Geraldo. Casa dos Braga, de Rubem Braga: retratos de uma morte feliz. Dissertação de mestrado em Letras. Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora, 2006. brasil, Angela Varela. O culto e o popular na crônica de Rubem Braga. Dissertação de mestrado em Língua Portuguesa. Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1998. cunha, Edanne Madza de Almeida. Rubem Braga: uma poética do cotidiano. Dissertação de mestrado em Literatura e Crítica Literária. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2004. dias, Maria do Carmo Molina. A crônica de Rubem Braga: exercício de sedução. Dissertação de mestrado em Letras. Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista, 1996. fabrino, Ana Maria Junqueiro. Rubem Braga e a transfiguração do gênero: a crônica poética. Dissertação de mestrado em Filologia e Língua Portuguesa. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2001.
felizardo, Alexandre Bonafim. A graça poética do instante: poesia e memória na obra de Rubem Braga. Dissertação de mestrado em Letras. Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, 2006. florindo, Girlane Maria Ferreira. Braga: correspondência – Imprudente ofício é este o de viver em voz alta. Dissertação de mestrado em Literatura e Crítica Literária. Departamento de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2005. lima, Aline Rezende de Almeida. Uma poética da naturalidade: ecos de Manuel Bandeira nas crônicas de Rubem Braga. Dissertação de mestrado em Literatura e Crítica Literária. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009. milanesi, Vera Márcia Paráboli Silva Vidigal. Poética da crônica de Rubem Braga. Tese de doutorado em Letras. Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista, 1995. oliveira, Joana Leopoldina de Melo. Os espaços poéticos de um cronista contador. Dissertação de mestrado em Estudos da Linguagem. Departamento de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2009. paraense, Sílvia Carneiro Lobato. Presente, passado, memó-
ria: a crônica de Rubem Braga. Tese de doutorado em Linguística e Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1998. patrini, Maria de Lourdes. Rubem Braga: um cronista de guerra e paz. Dissertação de mestrado em Literatura Brasileira. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1991. santos, Ricardo Luis Meirelles dos. A desordem dos dias: Rubem Braga e a Segunda Guerra. Dissertação de mestrado em Teoria Literária. Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas, 2001. silva, Ana Paula Ramão da. Imagens do mar nas crônicas de Rubem Braga. Dissertação de mestrado em Letras. Centro de Letras e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Londrina, 2005.
2. Livros carvalho, marco Antonio de. Rubem Braga – Um cigano fazendeiro do ar. São Paulo: Globo, 2007. castello, José. Na cobertura de Rubem Braga. Rio de Janeiro: José Olympio, 1996.
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dubiela, Ana Karla. A traição dos elegantes pelos pobres homens ricos – Uma leitura da crítica social em Rubem Braga. Vitória: Edufes, 2007.
castello, José. “A crônica de Rubem Braga”. In Método e interpretação. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura/Comissão de Literatura, 1964.
morais, Lygia Marina. Conheça o escritor brasileiro Rubem Braga. Rio de Janeiro: Record, 1979.
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oliveira, Joana Leopoldina de Melo. “Um cronista à espera do consolo absoluto”. In: Encontro Internacional de Texto e Cultura. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2008. oliveira, Joana Leopoldina de Melo e patrini, Maria de Lourdes. “As crônicas do último ano de vida de Rubem Braga (1990)”. In: i Colóquio Nacional de Estudos da Linguagem. Natal: i Colóquio Nacional de Estudos da Linguagem, 2007. pontes, Joel. “Do velho Braga”. In O aprendiz da crítica. Rio de Janeiro: mec/inl, 1960. reverbel, Carlos. “O jornalista Rubem Braga”. In: braga, Rubem. Uma fada no front. Organização de Carlos Reverbel. Porto Alegre: Artes & Ofícios, 1994. sá, Jorge de. “Rubem Braga: o espião da vida”. In A crônica. São Paulo: Ática, 1985.
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AGRADECIMENTOS
Maria do Carmo Oliveira e Roberto Seljan Braga, muito especialmente, Eliane Vasconcellos, Rosângela Florido Rangel, Walnice Nogueira Galvão, André Seffrin, Eduardo Coelho (Fundação Casa de Rui Barbosa), Magda Tebet (editora Record), Marco Antonio de Carvalho (in memoriam) e Editora Globo
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Arquivo Roberto Seljan Braga 10 Agrad_colofon R_Braga.indd 136
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INSTITUTO MOREIRA SALLES
Walther Moreira Salles (1912-2001) Fundador Diretoria Executiva
Administração
João Moreira Salles Presidente
Flávio Pinheiro Superintendente Executivo
Gabriel Jorge Ferreira Vice-Presidente
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João Moreira Salles Presidente Fernando Roberto Moreira Salles Vice-Presidente Gabriel Jorge Ferreira Pedro Moreira Salles Walther Moreira Salles Junior Conselheiros
Odette J. C. Vieira Coordenadora Executiva de Apoio Elvia Bezerra Coordenadora – Literatura Flávio Moura Coordenador – Internet Bia Paes Leme Coordenadora – Música Sergio Burgi Coordenador – Fotografia Heloisa Espada Coordenadora – Artes Elizabeth Pessoa Odette J. C. Vieira Vera Regina Magalhães Castellano Coordenadoras – Centros culturais
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Cadernos de Literatura Brasileira À venda nas principais livrarias do país, nos espaços culturais e no site do Instituto Moreira Salles e em Portugal Número 1 – João Cabral de Melo Neto (mar. 96) Número 2 – Raduan Nassar (set. 96) Número 3 – Jorge Amado (mar. 97) Número 4 – Rachel de Queiroz (set. 97) Número 5 – Lygia Fagundes Telles (mar. 98) Número 6 – Ferreira Gullar (set. 98) Número 7 – João Ubaldo Ribeiro (mar. 99) Número 8 – Hilda Hilst (out. 99) Número 9 – Adélia Prado (jun. 00) Número 10 – Ariano Suassuna (nov. 00) Número 11 – Ignácio de Loyola Brandão (jun. 01)
Número 12 – Carlos Heitor Cony (dez. 01) Números 13 e 14 – Euclides da Cunha (dez. 02) Número 15 – Millôr Fernandes (jul. 03) Número 16 – Erico Verissimo (nov. 03) Números 17 e 18 – Clarice Lispector (dez. 04) Número 19 – Márcio Souza (dez. 05) Números 20 e 21 – João Guimarães Rosa (dez. 06) Número 22 – Edição especial – 10 anos (jul. 07) Números 23 e 24 – Machado de Assis (jul. 08) Número 25 – Mario Quintana (ago. 09) Número 26 – Rubem Braga (mai. 11)
Jornalista responsável: Antonio Fernando De Franceschi (MTb: 9.093).
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ESTA OBRA FOI COMPOSTA PELA BEI˜ • COMUNICAÇÃO EM GARAMOND E GILL SANS E IMPRESSO NA IPSis gráfica e editora PARA O INSTITUTO MOREIRA SALLES EM maio de 2011.
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