Nova Luz - por Mauro Restiffe

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Revista de fotografia

2 Andujar / Demand / Smithson / Restiffe / Eggleston / Castilho / Morris / Basetrack / Metinides 2012

Claudia Andujar Thomas Demand Robert Smithson Mauro Restiffe William Eggleston Jo達o Castilho Errol Morris


Nova Luz Um bairro hist贸rico em vias de ser reinventado Fotografias de Mauro Restiffe

Coment谩rio de Heloisa Espada






Mauro Restiffe fotografou o bairro paulistano da Luz nos últimos dois

meses, logo após a expulsão dos usuários de crack que vivem na região. A ação da Polícia Militar dispersou as pessoas com violência e foi seguida por uma nova série de demolições, iniciadas em 2010 pela prefeitura de São Paulo, quando o projeto urbanístico batizado de Nova Luz começou a ser executado. O objetivo é transformar radicalmente a antiga Boca do Lixo através de desapropriações e generosos incentivos fiscais para comerciantes, empresas e instituições que se encaixem no perfil de ocupação desejado pela prefeitura. É fácil entender o quanto o projeto é polêmico e o grau de tensão que provoca. Basta dizer que os proponentes pretendem “revitalizar” uma das áreas mais vivas da cidade, altamente movimentada pelo comércio de eletrônicos e pela venda ilegal de produtos piratas e de drogas pesadas. O cenário é emblemático para uma cidade com problemas urbanísticos crônicos. É também um prato cheio para a fotografia documental. Mas não é exatamente isso o que Mauro Restiffe faz. Sua trajetória é marcada pelo registro de acontecimentos históricos, como a posse de Lula, em 2003, e a de Barack Obama, em 2009, embora os resultados deixem claro que Restiffe desconfia da fotografia como documento. Seu trabalho é sobretudo uma reflexão sobre como ver, como se posicionar e como registrar. Uma das principais características das fotografias de Restiffe é que elas parecem muito mais antigas do que de fato são. Ele lança acontecimentos atuais, como as mudanças na região da Luz, num passado impreciso. Desde a década de 1990, o fotógrafo trabalha exclusivamente com a tecnologia analógica, usando filmes de 35 mm em preto e branco e de alta sensibilidade. Daí o granulado das imagens, que reforça a aparência antiga. Mauro também prefere os dias nublados, com luzes difusas e pouco brilho. As escolhas fazem com que suas fotos sejam densas e tenham um tom homogêneo, predominantemente cinza. A opção por uma tecnologia em vias de extinção é essencial para o sentido de suas imagens. A impressão de que são antigas chama a atenção para as precariedades estruturais que o país enfrenta de longa data, como, no caso, a dificuldade de integração da população iletrada que vive à margem das instituições. Restiffe age discretamente. Na Luz e arredores, fotografou no fim do dia, com a região quase vazia, ainda iluminada por causa do horário de verão. Suas imagens descrevem o espaço. Como em outros trabalhos, ele aqui observa as cenas à distância, sem se envolver diretamente e quase sempre do ponto de vista do pedestre. Restiffe evita o inusitado, o espetacular e o anedótico, propondo um olhar mais reflexivo e demorado sobre o mundo. Feito a convite da ZUM, este ensaio é o início de uma pesquisa sobre a região. O resultado se relaciona com outros projetos do artista sobre a situação da arquitetura moderna na cidade contemporânea, especialmente na América Latina. Seus trabalhos recentes abordam a noção de patrimônio histórico e propostas de desenvolvimento em sociedades de organização política e econômica deficiente. ///

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