DESENVOLVIMENTO E MIGRAÇÕES
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medidas concretas que possam garantir direitos mais coerentes e não-discriminatórios aos migrantes, incluindo questões como a portabilidade dos direitos sociais, o reconhecimento de qualificações e diplomas, e outras medidas no âmbito dos direitos laborais (PE, 2021b). 2.2. A COERÊNCIA “INVERTIDA”: A AJUDA AO DESENVOLVIMENTO AO SERVIÇO DA GESTÃO MIGRATÓRIA A ajuda ao desenvolvimento é utilizada, cada vez mais, para prosseguir os interesses da UE em matéria de migrações, em interligação com a abordagem securitária já referida. Apesar de o Tratado de Lisboa definir claramente a erradicação da pobreza como objetivo central da política de desenvolvimento e de o Consenso Europeu para o Desenvolvimento (2017) o reafirmar, enfatizando que “não serão desviados esforços desse objetivo” (UE, 2017)50, nem a pobreza nem questões relacionadas, como as desigualdades, são mencionadas na carta de missão da Comissária para as Parcerias Internacionais51. Em vez disso, é dada uma orientação clara para apoiar parcerias abrangentes com países de origem e trânsito dos fluxos migratórios, reunindo todos os instrumentos e influência da UE e explicitando que deverá “estar pronta para adaptar os financiamentos bilaterais para realizar os nossos objetivos sobre gestão das migrações” (CE, 2019b)52. A Agenda estratégica da UE para 2019-2024 também afirma o objetivo de dar uma prioridade mais clara aos interesses económicos, políticos e de segurança europeus, mobilizando todas as políticas para o efeito (UE, 2019). A retórica de resposta às causas profundas das migrações através da cooperação para o desenvolvimento está também cada vez mais presente nas estratégias da UE (como é o caso da Agenda Europeia para a Migração, de 2015), bem como nos acordos celebrados, nos instrumentos e programas com os países e regiões parceiras, particularmente em África. Tal parece configurar uma coerência das políticas para o desenvolvimento “ao contrário”, ou seja, uma política de cooperação para o desenvolvimento que deve contribuir e está subordinada à prossecução dos interesses no plano da segurança e das migrações (estabelecendo uma ligação clara entre estes dois últimos aspetos53) e com as prioridades e políticas consideradas estratégicas para a UE a invadirem progressivamente o espaço da política de desenvolvimento, em termos de instrumentos financeiros, acordos e programas de cooperação - tal
O artigo 208º do Tratado de Lisboa, que permanece inalterado, estabelece que o seu “objetivo central é a redução e, a prazo, a erradicação da pobreza” e o artigo 21º, relativo à ação externa da UE, refere que um dos objetivos essa ação externa é “o apoio ao desenvolvimento sustentável nos planos económico, social e ambiental dos países em desenvolvimento, tendo como principal objetivo erradicar a pobreza” (UE, 2009).
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A “carta de missão” constitui um documento que o/a Presidente da CE envia para os novos Comissários especificando o que é esperado do seu trabalho enquanto membros da Comissão e os objetivos específicos pelos quais devem responder durante o seu mandato. No caso de Jutta Urpilainen, Comissária para as Parcerias Internacionais (pasta anteriormente designada de “Desenvolvimento e Cooperação Internacional”) salienta-se que, até 2024, a prioridade é garantir que o modelo europeu de desenvolvimento é estratégico e eficaz, com uma boa relação custo-benefício e que contribui para as prioridades políticas mais vastas da UE. Estranhamente, os direitos humanos – uma área onde tradicionalmente se valoriza a liderança da UE - não são mencionados em nenhuma das cartas de missão dos Comissários com maior responsabilidade na ação externa.
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As questões sobre política migratória são geridas pelo Comissário para “Promoção do nosso Modo de Vida Europeu” (tendo o nome sido alterado de “Proteção” para “Promoção”, após diversos atores, incluindo o Parlamento Europeu, terem manifestado preocupação e desacordo).
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Esta ligação entre segurança e migrações é clara desde a Estratégia global para a política externa e de segurança da União Europeia, de 2016, em que a migrações são apresentadas como uma enorme ameaça à Europa (juntamente com o terrorismo e a segurança energética), afirmando-se então a necessidade de projetar os valores europeus e, igualmente, de tornar a política de cooperação para o desenvolvimento mais flexível e alinhada com as prioridades estratégicas da UE e os seus interesses em termos de segurança e política externa.
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