O livro do escritor

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O LIVRO DO ESCRITOR



i n s p i r a ç ã o   •   c r i a ç ã o   •   t é c n i c a



ser

E

SCRITOR


Você nasceu para escrever. E agora?

SÉRGIO RODRIGUES

Acabou que, tanto quebrou a cara por aí, você se viu forçado a reconhecer: não tem nada que saiba fazer melhor nesta vida do que escrever. Construir esculturas de palavras, pequenos objetos, biscoitos ou ensaios para uma futura pirâmide, não importa. De todo modo, escrever. Ficar horas à frente de uma tela em branco e sujar aquela planura, desenhar alguma coisa. Você talvez esteja, quem sabe, até contente com a descoberta disso que gosta de chamar para si mesmo de dom, o que de fato é. Há o que festejar, mas esta mensagem é para quem passou da fase de festa e começa a ficar, hmm, meio preocupado. Você sabe que uma decisão terá que ser tomada logo, uma decisão simples, sim ou não, A ou B. A Sim, vou encarar isso como a razão de ser da minha vida e me dedicar a escrever tão bem quanto possa, enquanto tiver forças físicas e mentais para tanto. B Não, obrigado. Fico no amadorismo, o que importa é me divertir, me expressar. Não reconheço valor na corrida insana de vocês, isso que chamam maiusculamente de Literatura. O significado de escrever para mim está acima (ou abaixo, se preferirem, não estou nem aí) disso tudo.


Veja-se que as duas respostas são igualmente corretas, o que significa dizer que são igualmente erradas. Mas têm consequências dramaticamente distintas na vida do cidadão, então convém falar um pouco de cada uma. Se escolher A, a entrega total, você terá outra bifurcação à frente: virar um doente ou um maluco. O doente sua toda a cerveja que bebeu na vida para construir um barco que não faça água, ou pelo menos um bote, antes de se lançar na caudalosa empreitada. O maluco é maluco o suficiente para, tendo entregado a alma, comprometido tudo, encarar a corredeira confiando só no próprio crawl. A opção B é a que mais frequentemente conduz a uma vida feliz ou, faltando a felicidade, pelo menos serena. Você escreve e pronto: a ênfase está na ponta do escrever, não na do ler. Você gosta que leiam, claro, de repente tem até um blog, mas não está disposto a se ralar nas ostras da autoflagelação em nome disso. Em outras palavras: podendo, você que nasceu para escrever deve ficar com B, a resposta mais leve e luminosa, a menos doentia. Mas neste ponto é preciso ter cuidado. Se você, no fundo, é um caso agudo de A, um A nato de fratura exposta, e por algum motivo escolheu B, não perca tempo: procure acompanhamento médico o mais depressa que puder.


Escrever é considerado uma profissão,mas não acho que seja uma profissão. Acho que qualquer pessoa que não tem necessidade de ser escritor, que pensa que pode fazer alguma outra coisa, deve fazer outra coisa.

Escrever não é uma profissão, mas uma vocação de infelicidade. Não creio que um artista possa jamais ser feliz. GEORGES SIMENON


ANTHONY BURGUESS

Simenon tem razão. Outro dia, meu filho de oito anos perguntou: “papai, por que não escreve por diversão?”. Até ele intuiu que o método que exerço é propenso à irritabilidade e ao desespero.[…] A ansiedade envolvida é intolerável. E — aqui discordo de Simenon — as recompensas financeiras simplesmente não compensam o dispêndio de energia, o dano à saúde causado por estimulantes e narcóticos, o medo de que a obra não seja bastante boa. Penso que, se tivesse dinheiro suficiente, desistiria de escrever amanhã.


Escrever é procurar

Escrevo como se

entender, é procurar

fosse salvar a vida de

reproduzir o

alguém. Provavelmente

irreproduzível, é

minha própria vida.

sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada.

clarice lispector


Ô ofício, ô vida. Tem gente que chama isso de profissão. Também, a exemplo de Clarice, que conheci na juventude, chamo a isso de ‘missão’, ‘mediunidade’. Não escrevo, corro atrás de mim mesmo. wilson bueno

Que me pesa que ninguém leia o que escrevo? Escrevo-o para me distrair de viver, e publico-o porque o jogo tem essa regra. fernando pessoa


Ter algo a dizer é uma questão de noites insones e preocupações e infinda racionalização de um assunto— infindas tentativas de escavar a verdade essencial, a justiça essencial. A primeira premissa é que você tem que desenvolver uma personalidade e se, sobre ela você tiver talento, tanto melhor. Mas se você tiver talento sem a consciência, você é apenas um entre milhares de jornalistas. f. scott fitzgerald


Escrever ĂŠ estar no extremo de si mesmo. j o ĂŁo c a b r a l de mello neto


Ama a tua arte sobre todas as coisas e tem a coragem, que eu n達o tive, de morrer de fome para n達o prostituir o teu talento! o l av o b i l a c


Minha única musa é o prazo de entrega. luis fernando veríssimo

— Qual a senhora diria que é a maior inspiração em seus trabalhos? — A necessidade de dinheiro, dear. d o r o t h y pa r k e r


Só é possível escrever hoje pelo prazer de escrever. Costumava haver um pequeno público aqui e ali quando Horácio, Virgílio e o pessoal do Bloomsbury estava por aí. Mas hoje tudo é confusão. Não creio que uma carreira como a minha seja possível hoje em dia, muito menos escrever a vida inteira e ganhar a vida desse jeito. Comecei a ter meus livros quando tinha 20 anos e eles continuam sendo lançados agora que tenho 74. Mas, para novos escritores – especialmente os que vão contra a corrente – não creio que exista um público grande o bastante para sustenta-lo por meio século. Mas, com certeza, o ato de escrever num mundo perdido, de inventar “novos” personagens e formar frases é recompensador em si mesmo. Se você, além disso, quer ganhar a vida, tente a carpintaria ou, se for mesmo durão, tente os roteiros de cinema. Faça qualquer coisa, menos ensinar literatura ou teoria literária. gore vidal


[Tornei-me escritor] do mesmo jeito que uma mulher torna-se prostituta. Primeiro foi para me dar prazer, depois para agradar os amigos e, por fim, foi pelo dinheiro. ferenc molnรกr


LUIS FERNA NDO VERÍSS I M O

Acho que escrever é um oficio como qualquer outro, o que não significa banalizá-lo. É claro que a gente não senta e escreve como alguém que senta e conserta um relógio, mas também não se deve mitificar demais o ato de escrever.

Só há um caminho. O que sempre houve. Que o criador de verdade tenha a força de J UAN CARLOS ONET TI

viver solitário e que olha para dentro de si. Que compreenda que não temos trilhas a seguir, que o caminho terá que fazê-lo cada um, tenaz e alegremente, cortando a sombra do monte e os arbustos anões.


A PÁGINA EM BRANCO


O verdadeiro desafio que a página em branco impõe ao escritor não é apenas o de preenchê-la e, por assim dizer, de vencê-la, mas o de fazê-la uma página nova. Escrevemos contra o vazio e no vazio, mas sobretudo escrevemos para dar origem a algo que não existia antes de nós e que passa a existir precisamente através do nosso gesto.| Amilcar Bettega

A página é comprida, está em branco, e cheia de verdades. Quando eu acabar com ela, provavelmente estará comprida, cheia, e vazia com palavras. | Jack Kerouac


As páginas ainda estão em branco, mas há uma sensação miraculosa de que há palavras lá, escritas com uma tinta invisível e clamando para tornarem-se visíveis. | Vladimir Nabokov

Não se chega à página em branco displicentemente. Você pode abordar o ato de escrever com nervosismo, excitação, esperança ou mesmo desespero —a sensação de nunca conseguir transpor completamente para a página o que está em seu coração e na sua mente. […] Deixe-me repetir: não se chega à página em branco displicentemente. | Stephen King


Conselhos a um principiante para enfrentar a página em branco: trate de driblar a tradição de chumbo acumulada e buscar percepções, ideias novas. Bem, para driblar, faz-se necessário ter lido, previamente, muito. Pode parecer paradoxal, mas só tendo-se lido muito pode-se tentar a aventura de ir em busca do frescor, do gesto que devolva à arte a potência que teve em suas origens. Por isso me surpreendem os jovens escritores que dizem escrever sem previamente ter lido muito. Aos que dizem pular Dickens e Proust quero advertir que, como a escritura é uma corrida de fundo, pode muito bem ficarem sem fôlego literário e virarem desenhistas de quadrinhos, mas não escritores. Resumindo: recomenda-se ler e ser contemporâneo. Este último parece óbvio, mas leve em conta que, na literatura, algo tão simples quanto ser contemporâneo tem se mostrado raro | Enrique Vila-Matas



Isso de página em branco é um lugar-comum tributário da mitologia do artista, seu sofrimento, seus sacrifícios. Mallarmé o levou ao extremos, com uma ironia que poucos notam: no poema, a página em branco é restaurada até recuperar sua materialidade de “vazio papel que defende sua brancura” e se soma “aos velhos jardins feitos para mostrarse”, “a claridade deserta da lâmpada” e “a jovem esposa que amamenta seu bebê” como formando um todo repudiável da vida burguesa. Seu conselho aos que temem a página em branco é enfrentar a tormenta, naufragar-se e perder-se até poder “atenderentender” o canto dos marinheiro. Temos a cabeça cheia de cantos de marinheiros, camponeses, soldados e mestres da língua: escutemo-los e deixemo-nos de frescuras domésticas como os triviais rituais do escritor que teme a folha em branco quando lhe assoma uma deplorável brancura mental. | Fogwill




ABERTURAS


D

urante muito tempo fui cedo para a cama e quando despertava no meio da noite, ignorando onde me encontrava, nem mesmo sabia quem era num primeiro instante.

Ma r c el P ro us t , No

caminho de Swan, 1913


L

evantei-me há cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não me restabeleci completamente. Das visões que me perseguiam naquelas noites compridas umas sombras permanecem, sombras que se misturam à realidade e me produzem calafrios.

grac ilian o r a m os,

Angústia, 1936


Ele — pois não poderia haver dúvidas sobre seu sexo, apesar da moda da época disfarça-lo um tanto, estava no ato de fatiar a cabeça de um mouro que balançava dos caibros.

v i r g i n i a wo o l f , Orlando, 1928


Toda g ente t i nha achado est r anha

a maneira como o

Capitão Cambará entrara na vida de Santa Fé. Um dia chegou a cavalo, vindo ninguém sabia de onde, com o chapéu de barbicacho puxado para a nuca, a bela cabeça de macho altivamente erguida, e aquele seu olhar de gavião que irritava e ao mesmo tempo fascinava as pessoas.

éric o ver í s s i m o,

O tempo e o vento: o continente, 1949


Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítima defesa — e qual defesa seria mais legítima? — logrei ser absolvido, por 5 votos contra 2, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris.

camp os d e ca rva l ho,

A lua vem da Ásia, 1956


É garantido: sou um detento de um hospital psiquiátrico; meu guardião está me observando, ele não me perde de vista; na porta há um furo para espiar, e o olho de meu guardião é do tom de castanho que não pode ver através de um tipo de olho azul como eu.

günthe r g r a s s ,

O menino do tambor, 1959


Lolita, luz da minha vida, labareda em minha carne.

v l a d i m i r n a bo kov,

Lolita, 1955


A i , me d á vontade at é de mo r r e r . Veja, a

boquinha dela está pedindo beijo — beijo de virgem é mordida de bicho-cabeludo. Você grita vinte e quatro horas e desmaia feliz. É uma que molha o lábio com a ponta da língua para ficar mais excitante. Por que Deus fez da mulher o suspiro do moço e o sumidouro do velho? Não é justo para um pecador como eu.

dalton tr ev i s a n,

O vampiro de Curitiba, 1965


D

aqui de cima, no pavimento superior, pela janela gradeada da Cadeia onde estou preso, vejo os arredores da nossa indomável Vila sertaneja. O

Sol treme na vista, reluzindo nas pedras mais próximas. Da terra agreste, espinhenta e pedregosa, batida pelo Sol embraseado, parece desprender-se um sopro ardente, que tanto pode ser o arquejo de gerações e gerações de Cangaceiros, de rudes Beatos e Profetas, assassinados durante anos e anos entre essas pedras selvagens, como pode ser a respiração dessa Fera estranha, a Terra — essa Onça-Parda, em cujo dorso habita a Raça piolhosa dos homens.

a r i a n o s ua s s un a ,

A pedra do Reino, 1970


Nonada.

guimar達 es ro s a ,

Grande sert達o: veredas, 1956


se assemelham; mas cada família infeliz é infeliz a seu modo. Todas as famílias felizes

l i ev tol s tói ,

Anna Karênina, 1877


arrastou seu pai ao longo do próprio pomar. “Pare!”, gritou por fim o velho que gemia, “Pare! eu não arrastei meu pai para além dessa árvore”. Uma vez um homem raivoso

ge rt u d r e ste i n,

The making of Americans, 1912


S

e aparecerei como herói da minha vida, ou se esta posição será conferida a algum outro, estas páginas indicarão.

c ha r l es d i c ken s,

David Copperfield, 1850


S

e querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde eu nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda essa lengalenga tipo David Cooperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso.

j.d. saling er ,

O apanhador no campo de centeio, 1951


O ve l ho chamava - se S ant i a g o . Dia ap贸s

dia, tripulando sua pequena canoa, ia pescar na Corrente do Golfo. Mas nos 煤ltimos 84 dias n茫o apanhara um s贸 peixe.

er n s t hem i n g way,

O velho e o mar, 1952


F o i um ve r 達 o est r anho e abafado , o ver達o em

que eletrocutaram os Rosenbergs, e eu n達o sabia o que estava fazendo em Nova York.

sylvia plat h,

A redoma de vidro, 1963


Eu tinha uns quatro anos no dia em que minha mãe morreu. Dormia no meu quarto, quando pela

manhã me acordei com um enorme barulho na casa toda. Eram gritos e gente correndo para todo os cantos. O quarto de dormir do meu pai estava cheio de pessoas que eu não conhecia. Corri para lá, e vi minha mãe estendida no chão e meu pai caído em cima dela como um louco.

j o s é l i n s d o r eg o,

Menino de engenho, 1932


Hoje, mam達e morreu. Ou talvez ontem, n達o sei.

albert ca m us,

O estrangeiro, 1942


N

uma manh達, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregor Samsa deu por si na cama transformado em um inseto monstruoso.

franz kafka,

A metamorfose, 1915


M

uitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo.

gabriel g a r c í a -m a r quez ,

Cem anos de solidão, 1967


VocĂŞ estĂĄ prestes a ler o novo romance de Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno.

i talo calv i no,

Se um viajante numa noite de inverno, 1979


Jamais comecei um romance com tanto receio.

w. so m e r se t maughan,

O fio da navalha, 1944



C O N SE L H O S

AO JOVEM

ESCRITOR



r ay b r a d b u r y

heloisa seixas

e.l. doctorow

Você deve se manter bêbado ao escrever para que a realidade não possa destruí-lo.

Ao escritor deve estar sozinho com sua pena — nos dois sentidos da palavra.

Escrever é uma forma de socialmente aceitável de esquizofrenia


Conselhos de

Charles BUKOWSKI

para o jovem escritor

E n tã o v o c ê q u e r se r es c r it o r

Se não explode de dentro de você apesar de tudo não faça isso. a não ser que saia sem que se peça de seu coração e sua mente e sua boca e suas entranhas, não faça isso. se você tem que sentar-se por horas encarando a tela do seu computador ou debruçado sobre sua máquina de escrever procurando as palavras, não faça isso. se você está fazendo isso por dinheiro ou por fama, não faça isso. se você está fazendo isso porque quer mulheres na sua cama, não faça isso. se você tiver que se sentar e reescrever de novo e de novo não faça isso. só pensar em fazê-lo já é um trabalho duro, não faça isso. se você está tentando escrever como alguém esquça. se você tem que esperar que venha o urro de dentro de você, então espere com paciência. se nunca vier o urro de dentro de você, vá fazer alguma outra coisa.


se você tem que ler primeiro para sua esposa ou sua namorada ou seu namorado

ou seus pais ou para qualquer um, você não está pronto. não seja como tantos escritores, não seja como tantos milhares de pessoas que chamam a si mesmas de escritores, não seja chato ou entediante e pretensioso, não se consuma com amorpróprio. as bibliotecas do mundo têm bocejado a si mesmas até o sono com o seu tipo. não aumente isso. não faça isso. a não ser que saia de sua alma como um foguete, a não ser que ficar quieto o levasse à loucura ou ao suicídio ou ao assassinato, não faça isso. a não ser que o sol dentro de você esteja queimando suas entranhas, não faça isso. quando for a hora de verdade e se você tiver sido escolhido, ele fará por si memso e manterá você fazendo-o até que você morra ou que morra dentro de você. não há outro modo. e nunca houve.


Escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca as ideias. PAB LO NERUDA


C

onselho infalível, claro, não tem. Convém que esse que queira dedicar-se à literatura vá munido de muita esperança e pouca expectativa, para não se desiludir demais.Vá crente de que não é mole. Que ninguém estoura. Que o único lugar onde o sucesso vem antes de trabalho é no dicionário, a não ser com as habituais exceções. Tem que se ter uma teimosia terrível. Tem que ter talento ou a coragem necessária para, um belo dia, se for o caso, perceber que não tem talento. Agora, quem tem talento para escrever, não tem o que temer. Ele vai e escreve, vai e escreve, vai e escreve — e um dia aquilo sai. Isso eu tenho certeza. Agora, a teimosia e a persistência são fatores indispensáveis. E acrescentaria, embora não saiba bem o que estou acrescentando, mas estou repetindo o meu amigo querido e homem sábio, Jorge Amado, que era ateu e não acreditava no sobrenatural, e que, misteriosamente, dizia: “E também um pouco de sorte, viu compadre?". E também um pouco de sorte, que eu não sei bem o que quer dizer, mas que desejo a todos. jo ã o u b aldo ri b eiro



NABOKOV

A força e a originalidade relacionadas aos primeiro espasmo de inspiração é direta-

mente proporcional ao valor do livro que o autor escreverá. Na parte mais baixo da escala, um excitação muito leve pode ser sentida por um escritor menor, observando, digamos, a interconexão entre uma chaminé de fábrica fumegante, um diminuto arbusto de lilases no quintal e uma criança com o rosto pálido; mas a combinação é tão simples, o símbolo tripartite tão óbvio, a ponte entre as imagens tão desgastadas pelos pés dos peregrinos literários e por carretas de ideias padronizadas, e o mundo deduziu tanto quanto um mediano, que a obra de ficção colocada em movimento será, necessariamente, de valor modesto. Por outro lado, não gostaria de sugerir que a urgência inicial com a grande escrita é sempre o produto de algo visto ou escutado ou cheirado ou experimentado ou tocado durante divagações cabeludas e sem propósito sobre arte-para-artistas. Ainda que desenvolver em si mesmo a arte de formar padrões subitamente harmoniosos a partir de laços bastante separados não deva ser desprezado, e ainda que, como no caso de Marcel Proust, a própria ideia de um romance possa brotar de sensações reais como o dissolver de um biscoito sobre a língua ou a aspereza de um piso descalço, seria abrupto concluir que a criação de todos os romances se baseie em uma espécie de experiência física glorificada. A urgência inicial pode se revelar em aspetos tão variados quanto são variados os temperamentos e talentos; pode ser a série acumulada de vários choques praticamente sem consistência ou pode ser uma combinação inspirada de várias ideias abstratas sem um pano de fundo físico definido. Porém, de uma forma ou outra, o processo ainda pode ser reduzido à mais natural forma de excitação criativa — uma súbita e viva imagem construída em um lampejo a partir de unidades dessemelhantes que são apreendidas todas de uma vez só, em uma explosão estelar na mente.


Regra de ouro para os escritores debutantes: “se a imaginação falhar, seja fiel aos detalhes”. ricardo piglia


Se eu tivesse que dar um conselho a um jovem escritor, eu lhe diria para escrever sobre algo que tivesse acontecido com ele; sempre é fácil dizer se um escritor está escrevendo sobre algo que aconteceu a ele ou algo que ele eu ou que lhe contaram. Pablo Neruda tem um verso em um poema que diz “Deus me proteja de inventar quando canto”. Sempre me pareceu engraçado que os maiores elogios para meu trabalho fossem dirigidos à imaginação, enquanto a verdade é que não há uma única linha em todo meu trabalho que não tenha sua base na realidade. O problema é que a realidade do Caribe parece ser a imaginação mais desvairada. gabriel garcía-marquez


A primeira condição é ter habilidade de inventar histórias interessantes. Se você escreve apenas histórias bonitas, tudo o que tem a dizer é nada, as pessoas se sentem entediadas. A segunda é trabalhar duro — apesar de não parecer, de algumas pessoas dizerem: “Eu poderia escrever um romance”. Todo o processo de criação de um livro me consome cerca de um ano de trabalho, desde a ideia, passando pelo argumento na minha cabeça, a pesquisa e, finalmente, é claro, escrevendo-o. É um trabalho mais árduo do que parece. frederich forsyth


Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muitos vivazes e claros, mas nas profundezas são tranquilos e escuros como o sofrimento dos homens. joão guimarães rosa


[A fórmula para se tornar um bom romancista é] Noventa e nove por cento de talento… noventa e nove por cento de disciplina… noventa e nove por cento de trabalho. Não se deve estar nunca satisfeito com o que se faz. Nunca está tão bom quanto seria possível. Sempre sonhe e mire acima daquilo que você sabe que pode fazer. Não se preocupe apenas em ser melhor que os seus contemporâneos ou predecessores. Tente ser melhor do que você mesmo. Um artista é uma criatura arrastada por demônios. Não sabe por que o escolheram e normalmente está ocupado demais para se perguntar isso. É totalmente amoral, pois irá roubar, mendigar, pedir emprestado ou furtar de quem quer que seja para ver seu trabalho realizado. w i l l i a m fa u l k n e r


john steinbeck

Se existe uma mágica para escrever contos, e eu estou convencido de que de fato existe, ninguém até agora foi capaz de reduzi-la em uma receita que possa ser passada de uma pessoa para outra. A fórmula parece constituir-se somente da urgência dolorosa do escritor em transmitir algo que ele acha importante para o leitor. Se o escritor tem tal urgência, ele pode, às vezes porém de modo algum sempre, encontrar a maneira de fazê-lo. Você tem que perceber a excelência que faz um bom conto ou os erros que fazem um mau conto. Porque um mau conto é apenas um conto ineficiente.


Acho tremendamente perigoso dar conselhos gerais. Creio que o melhor que se pode fazer por um jovem poeta é criticar em detalhe um determinado poema seu. Discutir com ele, se necessário; dar-lhe uma opinião, e, se houver alguma generalização a fazer, que ele mesmo a faça. Descobri que as diferentes pessoas têm maneiras diferentes de trabalhar e que as coisas lhes vêm de formas diferentes. Ao se fazer uma afirmação, nunca se tem certeza se é válida para todos os poetas em geral ou se trata-se de algo que só se aplica a si mesmo. Não creio que haja nada pior do que tentar formar as pessoas à sua própria imagem e semelhança. t. s. eliot


São Paulo, numa das epístolas do Novo Testamento, diz assim: “Amai e fazei o que quiserdes”. Acho isso muito bom. Se você ama, se você parte do princípio do amor, tudo que você fizer é bom, elevado, nobre, porque resulta de um sentimento nobre. O jovem escritor deve escrever e seguir sua inspiração, sua maneira de ser. E sobretudo não ouvir mensagem dos mais velhos. carlos drummond de andrade


Diria que ninguém precisa de conselho, que todo mundo sabe errar sozinho… em princípio. Depois diria que ele precisa assumir a poesia como um risco, fazer o melhor que possa e sair a campo sozinho, sem muletas de gente que ele suponha mais experiente. Porque essas muletas são, as mais das vezes, desfiguradoras e desestimulantes, o sujeito acaba perdendo a capacidade de andar sozinho. A prática da literatura é um risco que o sujeito tem que assumir como único responsável. A única forma de conselho e aprendizagem a que ele deve recorrer é a dos livros. Todo jovem tem certos poetas a quem admire; ele que procure comparar o que faz ao que esses poetas fizeram. Numa primeira fase, não vejo saída senão a imitação; no começo, você tem que procurar os poetas mais afins do seu temperamento e tomá-los como horizonte de referência para o seu aperfeiçoamento, seu trabalho de limpeza do texto. E há uma segunda fase em que você deve livrar-se da sombra, da tutela esmagadora desses mestres. E deve, tanto quanto possível, evitar as influências pessoais, diretas, de amizade... De amizade não, a amizade é muito fecunda, é muito bom você poder discutir com pessoas do mesmo ofício, da mesma geração, suas perplexidades, sonhos, ambições. Mas não deve se deixar esmagar nem se deixar atrelar pela personalidade de algum amigo talvez mais experiente ou mais sábio. Se você precisar de mestres, vá procurá-los nos livros: são mestres mudos e não chateiam a gente”. j o s é pa u l o pa e s


Que os jovens aprimorem sua curiosidade e que não trapaceiem. Mas isso não é tudo. O mero registro de dor de barriga e o mero despejar da lata de lixo não são suficientes. “Qualquer idiota pode ser espontâneo”. ezra pound


alberto manguel

Há áreas em que nenhum conselho vale: ninguém jamais pode servir-se do conselho de outro para fazer com que um pão com manteiga não caia com o lado da manteiga para baixo, como recriar um sonho em todos os seus detalhes, como argumentar com o Papa, como apaixonar-se. Virginia Woolf (ou talvez tenha sido Somerset Maughan) disse que para escrever um bom livro há três regras, mas que, infelizmente, ninguém sabe quais são. Forçado a dar conselho a quem quer escrever, sugiro seis coisas: 1. Ler; 2. Ler; 3. Ler; 4. Ler; 5. Ler e… 6. … Ler.


Quando eu era jovem, pensava que só devia escrever e publicar depois de ter lido uma biblioteca formada por grandes livros. Eu me obriguei a ler livros que hoje não leria mais, textos que não me deram uma gota de prazer no ato da leitura. Foi um erro, mas não me arrependo. O que eu posso dizer a um autor iniciante? Em primeiro lugar, a vida é mais complexa que a literatura, mas uma literatura consistente parte exatamente da assimilação da complexidade da vida, que inclui a literatura interessada de bons livros. Diria também que a literatura exige paciência e muito trabalho, e que a imaginação é filha desses atributos. Por fim, é preciso ter cuidado para não cair na tentação da vaidade extrema nem do experimentalismo vazio superficial. A novidade de uma obra vem da configuração do texto pelo narrador, do vínculo necessário e profundo da linguagem com o assunto, e não da moda literária ou de um compromisso neurótico de se escrever algo absolutamente original. […] A busca insana de uma “originalidade genial” pode ser algo inibidor e desastroso para um jovem. Acredito que todo ser humano tem uma experiência de vida, aquilo que Giorgio Agamben chama de “infância do ser humano”. Ele diz algo assim: a linguagem aparece como o lugar em que a experiência deve tornar-se verdade. E a literatura é a transcendência pela linguagem de uma vida empírica ou do que nomeamos realidade. Uma linguagem que transmita uma verdade interior, não mascarada nem superficial. m i lt o n h at o u m


Qual o melhor treino intelectual para o aspirante a escritor?


Eu diria que escrevesse até não poder mais quando se desse conta de que não fazer isso poderia levar à loucura. E, a seguir, que recomeçasse a escrever a mesma coisa. Eu diria: retorne ao que já disse, em busca de aprofundamento, com os meios mais eficazes, com uma experiência enriquecida, com um pouco mais de desespero. e r n e s t o s a b at o

Digamos que ele estivesse pensando em sair e se enforcar, porque chegou à conclusão de que escrever bem é tremendamente difícil. Neste caso, deveria cortar a corta sem piedade, de forma a se ver obrigado, pelo seu próprio eu, a escrever o melhor possível pelo resto da vida. Pelo menos teria a história do enforcamento para começar. e r n e s t h e m i n g way


Há dois modos de escrever. Um, é escrever com a ideia de não desagradar ou chocar ninguém […] Outro modo é dizer desassombradamente o que pensa, dê onde der, haja o que houver — cadeia, forca, exílio. m o n t e i r o l o b at o


Talento só não faz um escritor. É preciso um homem por trás do livro. Ralph Waldo Emerson


V

ocê começa quando aprende a juntar as letras; faz frases engraçadinhas que seu avô acha gênio e mostra a todo mundo. Então você se convence de que é escritor. Essa convicção representa um compromisso, desde aquela idade remota, “já que é um escritor, é obrigado a escrever”. Se os pais são medíocres intelectualmente, o exercício da suposta vocação torna-se fácil. Mas quando os pais são ou literatos ou simples letrados muito mais lhe é exigido. Você tem que apresentar originalidade ao lado da qualidade. Isso quer dizer que você, desde esses inícios, já padece a maldição do escritor: ter estilo e ideias animando esse estilo. rachel de queiroz


Diria para esse jovem escritor fazer o que lhe der na telha. Isso, se for crescidinho. Se não for crescidinho, será amparado, está assim de gente que vai disputar sua adoção. Com pátrio poder e tudo. raduam nassar



AS REGRAS

DA A RTE


Decálogo do P E R F E IT O C on t i s t a Horácio Quiroga

i

Creia em um mestre — Poe, Maupassant, Tcheckhov — como na própria divindade.

ii

Creia que sua arte é um cume inacessível. Não sonhe em dominá-la. Quando o puder, conseguirá sem que você mesmo o saiba.

iii

Resista o quanto possível à imitação, mas imite, se o impulso for muito forte. Mais do que tudo, o desenvolvimento da personalidade requer longa paciência.

iv

Alimente uma fé cega, não na sua capacidade para o sucesso, mas no ardor com que o deseja. Ame sua arte como você ama sua amada, dando-lhe todo seu coração.

v

Não comece a escrever sem saber, desde a primeira palavra, aonde vai. Num conto bem feito, as três primeiras linhas têm quase a mesma importância que as três últimas.

vi

Se quiser expressar com exatidão esta circunstância — “Do lado do rio soprava um vento frio” — não há


na língua dos homens mais palavras que essas para expressá-la. Quando for senhor de suas palavras, não se preocupe em avaliar se são consoantes ou dissonantes. vii Não adjetive sem necessidade, porque serão inúteis os babados coloridos que venha a pendurar em um substantivo fraco. Se você disser o que é necessário, o substantivo, sozinho, terá uma cor incomparável. Mas é preciso achá-lo. viii Tome seus personagens pela mão e conduza-os firmemente até o final, sem prestar atenção senão para o caminho que traçou. Não se distraia vendo o que eles podem ver ou o que não lhes importa. Não abuse do leitor. Um conto é um romance depurado de excessos. Considere isso uma verdade absoluta — ainda que não o seja. ix

Não escreva sob o império da emoção. Deixe-a morrer, depois a reviva. Se for capaz de revivê-la tal como a viveu, você chegou, na arte, à metade do caminho.

x

Ao escrever, não pense em seus amigos, nem na impressão que sua história causará. Conte como se seu relato não tivesse interesse senão para o pequeno mundo de seus personagens, e como se você fosse um deles, porque somente assim obtém-se a vida em um conto.


Alguns conselhos sobre a a r t e d e esc r eve r con t os Roberto Bol año

1

Nunca aborde os contos um de cada vez. Se uma pessoa se dedica a escrever um conto por vez, pode-se honestamente ficar escrevendo o mesmo conto até morrer.

2

É melhor escrever contos uns três ou cinco por vez. Se você tiver energia, escreva logo nove ou quinze de uma só vez.

3

Tome cuidado: a tentação de escrever contos de dois em dois é tão perigosa quanto a de tentar escrevê-los um por vez, e, o que é pior, é essencialmente como o jogo de espelhos entre os espelhos dos amantes, criando uma dupla imagem que leva à melancolia.

4

Deve-se ler Horacio Quiroga, Felisberto Hernández e Jorge Luis Borges. Deve-se ler Juan Rulfo e Augusto Monterroso e a García Marquez. Um contista que tenha um pouco de apreço por sua obra não lerá jamais Cela ou Umbral. Sim, lerá Cortázar e Bioy Casares, mas de modo algum lerá Cela e Umbral.

5

Repito mais uma vez, para o caso de não ter ficado claro: Cela e Umbral, nem pintados.


6

Um contista deve ser valente. É triste reconhecer isso, mas é assim.

7

Acontece dos contistas gabarem-se de terem lido Petrus Borel. De fato, é notório que muitos contistas tentam imitar Petrus Borel. Grande erro: deveriam imitar Petrus Borel no modo de se vestir! Mas a verdade é que de Petrus Borel não sabem nada! Nem de Gautier, nem de Nerval!

8

Bem: vamos chegar a um acordo. Leiam Petrus Borel, vistam-se como Petrus Borel, mas também leiam Jules Renard e Marcel Schwob, sobretudo leiam Marcel Schwob e deste passem para Alfonso Reyes e de aí para Borges.

9

A verdade é que com Edgar Allan Poe já teríamos de sobra.

10

Pensem no item nove. Deve-se pensar no item nove. De possível, ajoelhado.

11

Livros e autores altamente recomendáveis, Do sublime, pelo notável Pseudo-Longino, os sonetos do desgraçado e valente Philip Sidney, cuja biografia foi escrita por Lord Brooke; a antologia de Spoon River, de Edgar Lee Masters; Suicídios exemplares, de Enrique Vila-Matas.

12

Leiam esses livros e leiam também Tchekhov e Raymond Carver, um dos melhores contistas que esse século nos deu.


Regras de W i l l i a m Sa r oya n para e s c r i t o r e s a u d a z e s


Anos atrás, quando eu recebia uma sólida educação gramatical em minha cidade natal, descobri que os contos eram uma coisa estranha que os homens (por alguma razão estranha) vinham fazendo há centenas de anos, e que havia regras para se escrever contos. Comecei imediatamente a estudar todas as regras clássicas […] e por fim descobri que as regras estavam erradas. O problema é que elas me deixavam de fora e, até onde eu sabia, eu era o elemento mais importante da questão e assim criei algumas novas regras. Escrevi a Regra Número Um quando tinha onze anos e acabava de ser mandado para casa por ter falado fora de hora. E de propósito.

“Não preste atenção às regras que os outros fazem, eles as fazem para protegerem a si mesmos, e eles que vão para o inferno”. (Estava bem amargo nesse dia). Meses depois descobri a Regra Número Dois, que causou sensação. Pelo menos em mim. A regra era:

“Esqueça Edgar Allan Poe e O. Henry e escreva o tipo de conto que você está a fim de escrever. Esqueça todo mundo que já escreveu alguma coisa”. Desde aquele tempo eu acrescentei outras quatro regras e descobri que esse número era suficiente. De vez em quanto eu nem ligo para as regras, eu me sento e escrevo. Vez por outra escrevo de pé. Minha terceira regra era

“Aprenda a datilografar, para pode fazer contos tão rápido quanto Zane Grey”.


cinco conselhos

de Anton Tchekhov


Deve-se ser bom em separar os sucessos dos fracassos sem errar.

Acho que as descrições da natureza devem ser bem curtas

e sempre ser à propos. Lugares-comuns como “o sol que se punha, afundando nas águas do mar que se enegrecia, lançava seus raios de ouro púrpura etc.”, “andorinhas, dardejando sobre a superfície da água, gorjeavam alegremente” — elimine esses lugares comuns. Você tem que escolher detalhes pequenos para descrever a natureza, de maneira que, se você fechar seus olhos após ler, você possa conceber o quadro todo. Por exemplo, você pode transmitir a imagem de uma noite enluarada se você disser que na represa do moinho um caco de garrafa partida cintilava como uma estrela brilhante e a sombra negra de um cão ou lobo rolava como uma bola etc. No reino da psicologia, você também vai precisar de detalhes.

Deus o livre dos lugares comuns. É melhor logo descartar todas as descrições do estado espiritual dos personagens. Você tem que tentar que esse estado emerja claramente de suas ações. Não tente para muitos personagens. O centro de gravidade deve residir em dois deles: ele e ela. Quando você for descrever os miseráveis e os desafortunados , e quer que o leitor se apiede, tente ser um tanto mais frio — isso parece dar um tipo e pano de fundo para as lamentações de outra pessoa, contra o qual aparecerão mais claramente. Ainda que, no conto, seus personagens chorem e você suspire. Sim, seja mais frio… Quanto mais objetivo for, mais forte será a impressão que você deixará. Minha própria experiência diz que, uma vez contada a história , deve-se cortar fora o começo e o fim. São nesses lugares que os escritores mentimos mais.


REG RAS para escritores por margaret atwood

1. Leve um lápis para escrever em aviões. As canetas vazam. Mas se o lápis se partir, você não poderá apontar no avião, porque neles não são permitidas facas. Portanto: leve dois lápis. 2. Se ambos os lápis se partirem, você pode apontá-los grosseiramente com uma lixa de unha, de metal ou de vidro. 3. Leve alguma coisa sobre a qual escrever. Papel é sempre bom. No aperto, pedaços de madeira, ou o seu próprio braço, podem servir. 4. Se estiver usando um computador, sempre salvaguarde os textos novos em um pendrive. 5. Faça exercícios para as costas. A dor distrai. 6. Prenda a atenção do leitor. (Isso deve funcionar melhor se você puder prender sua própria atenção). Mas você não sabe quem é o leitor, portanto é como atirar em peixes com um estilingue no escuro. O que pode fascinar A, pode matar B de tédio. 7. Você provavelmente precisará de um dicionário de sinônimos, uma gramática ru-


dimentar e uma noção da realidade. Quero dizer com esse último: não existe almoço grátis. Escrever é trabalho. E é também jogo. Você não ganha um plano de aposentadoria. Outras pessoas podem ajudá-lo um pouco, mas, essencialmente, você está por conta própria. Ninguém o está forçando a fazer isso: você escolheu, então não venha choramingar. 8. Você jamais pode ler seu próprio livro com a ansiedade inocente que vem com a deliciosa primeira página de um livro novo, porque você escreveu a tal coisa. Você esteve nos bastidores. Você viu como os coelhos são escamoteados na cartola. Portanto, peça a um amigo ou amiga para dar uma olhada antes de mandar para alguém no mercado editorial. Esse amigo ou amiga não deve ser alguém com quem você tenha um relacionamento romântico, a não ser que você queira separar-se dele ou dela. 9. Não fique sentada no meio da floresta. Se você está perdido no roteiro ou bloqueado, refaça seus passos até o lugar em que se perdeu. E então tome o outro rumo. E/ou mude a pessoa. Mude o tempo verbal. Mude a página de abertura. 10. Rezar talvez ajude. Ou ler outra coisa. Ou a constante visualização do santo graal que é a versão completa e publicada de seu resplandecente livro.


As boas partes de um livro podem tanto vir de algo que escritor teve a boa sorte de escutar por aí ou da desgraça de sua vida maldita — e ambas as fontes são igualmente boas.

O dom mais essencial a um bom escritor é um detetor, embutido e a prova de choque, de merda. Esse é o radar do escritor, e todos os escritores tiveram um desses.

Ao escrever um romance, um escritor deve criar pessoas vivas — pessoas, e não personagens. Um personagem é uma caricatura.

Não deve-se confundir um escritor sério com um escritor solene. Um escritor sério pode ser uma águia ou abutre ou até mesmo um papagaio, mas um escritor solene será sempre uma coruja.

Se um escritor sabe o bastante sobre o assunto a respeito do qual está escrevendo, ele pode omitir coisas que sabe. A dignidade do movimento de um iceberg deve-se ao fato de somente 10% estar aparente.

Escrever não é nada demais. Só que eu faço é me sentar à máquina de escrever e sangrar.


e r n e s t h e m i n g way

Quando escrever torna-se seu vício principal e maior prazer, só a morte pode fazê-lo parar.


D E Z R E G R A S PA R A E S C R I T O R E S

*

E L MORE L E ON AR D

1.  Nunca abra um livro falando sobre como está o tempo. Se for só para criar uma atmosfera, e não a reação de um personagem às condições climáticas, você não vai querer se estender por muito tempo. O leitor tenderá a pular as páginas procurando por pessoas. Há exceções. Se você for Barry Lopez, que soube descrever o gelo e a neve de mais maneiras que um esquimó em seu livro Artic Dreams, você pode fazer   2.   Evite os * prólogos. Esses podem ser incômodos, especialmente um toda o relatório metereológico que quiser.

prólogo que se segue a uma introdução que vem depois de um prefácio. Mas prólogos são sempre encontrados na nãoficção. Um prólogo em um romance é história pregressa, e você pode soltá-la em qualquer ponto que quiser. Há um prólogo no livro Doce quinta-feira, de John Steinbeck, mas tudo bem,porque um personagem do livro fala justamente sobre do que se tratam minhas regras. Ele diz: “Gosto de muita conversação em um livro e não gosto que ninguém veia me dizer como se parece o cara que está falando. Quero descobrir como ele se parece a partir da maneira que ele fala”.

*

3. Nunca use um verbo que não seja “dizer” para conduzir um diálogo. A linha de diálogo pertence ao personagem, e o verbo é o autor metendo o seu nariz. Porém “disse” é bem menos intrusivo que “resmungou”, “pasmou”, “admoestou” ou “mentiu”. Uma ocasião notei que Mary McCarthy fechou uma linha de diálogo com “ela asseverou”, e tive de parar de   4.  Nunca use um advérbio para * modificar o verbo “dizer”…ele admoestou gravemente. Usar

ler e ir ao dicionário.

um advérbio dessa maneira (ou de quase qualquer outra) é um


pecado mortal. O escritor agora está se expondo francamente, empregando uma palavra que distrai e pode interromper o ritmo da troca. Um dos meus personagens de meus livros fala sobre como ela costumava escrever romances históricos   5.  Mantenha seus * pontos de exclamação sob controle. Você tem direito de “cheios de estupros e advérbios”.

usar não mais que dois ou três a cada cem mil palavras de prosa. Mas se tiver a manha de brincar com exclamadores do jeito que Tom Wolfe faz, você pode jogá-los aos   6.  Jamais use as palavras “subitamente” ou * “instalou-se o caos”. Essa regra não precisa de explicações.

punhados.

Tenho observado que escritores que usam “subitamente” tendem a exercer menos controle na aplicação dos pontos de exclamação.

*  7.

Use dialetos regionais ou gírias

locais com parcimônia. Assim que você começa a escrever as palavras em um diálogo foneticamente e a carregar a página de apóstrofes, você não vai conseguir parar. Observe a maneira como Anne Prouxl captura o sabor das voices do Wyoming em seu livro de contos Curto alcance.

*  8.

Evite descrições

detalhadas de personagens, o que Steinbeck cobriu. No conto de Hemingway, “Colinas como elefantes brancos”, qual é a aparência do “americano e da garota com ele”? “Ela havia tirado seu chapéu e colocado-o sobre a mesa”. Esta é a única   9.  Não se * estenda nos detalhes ao descrever lugares e coisas, a não ser

referência a uma descrição física no conto.

que você seja Margaret Atwood e consiga pintar cenas com a linguagem. Você não quer descrições que façam pausar a ação,   10.  Tente deixar de fora as partes que * os leitores costumam saltar: parágrafos grossos de posa nos

o fluxo da história.

quais você pode ver que há palavras demais. Minha regra mais importante é aquela que sintetiza todas as dez: se soa como escrita, reescreva.


* Regras para escrever

1

W I L L

S E L F

Não olhe para trás até ter escrito um rascunho completo, basta começar cada dia a partir da frase que escreveu na véspera. Isso evita aquele sentimentos de insegurança, e significa que você tem uma obra substancial antes de sentar-se para começar o trabalho de verdade que está todo na…

2 Edição. 3

Sempre leve um caderno consigo. Falo sério. A memória de curto prazo pode apenas reter informações por três minutos — você pode perder uma ideia para sempre se ela não estiver fixada no papel.

4

Pare de ler ficção — é tudo mentira, e não tem nada a lhe dizer que você já não saiba (partindo do princípio que você já leu bastante ficção no passado; se você não o fez, nem tem que estar se metendo a ser escritor de ficção).

5

Sabe aquela sensação nauseante de que não está no lugar certo e de que sua prosa está escancarada para todos verem? Relaxe, fique sabendo que essa sensação horripilante jamais o deixará, não importa o quanto você faça sucesso ou seja aclamado publicamente. Ela é intrínseca ao negócio da escrita, e deve ser desfrutada.

6

Viva a vida e escreva sobre a vida. Sobre livros há um fazer sem fim, mas há mais livros sobre livros do que o necessário.


7

No mesmo compasso, lembre-se de que as pessoas passam um bom tempo assistindo a televisão. Se você estiver escrevendo um romance com uma ambientação contemporânea, são necessários longos trechos em que nada acontece, a não ser assistir televisão: “mais tarde, George assistiu Grand designs enquanto comia biscoitos de aveia. Mais tarde ainda ele assistiu o canal de compras por um tempo…”

8

A vida de escritor é, essencialmente, confinamento solitário — se você não consegue lidar com esse fato, é melhor nem tentar.

9

Ah, e não se esqueça das pancadas ocasionais desferidas pelos guardas sádicos da imaginação.

10

Encare a si mesmo como uma pequena empresa de um homem só. Obrigue-se a exercícios de formação de equipes (longas caminhadas). Dê uma festa de natal a cada ano, na qual você fica no canto de seu quarto de escrever, gritando bem alto para si mesmo enquanto bebe uma garrafa de vinho branco. Depois masturbe-se debaixo da mesa. No dia seguinte você sentirá um profundo e coerente sentimento de vergonha.


Seis

p e r g u n ta s

de G e or ge Or we ll

Um escritor

E ele provavelmente se

escrupuloso, em cada

perguntará mais duas:

frase que escrever, irá se perguntar pelo menos quatro questões, a saber: 1. O que estou querendo dizer? 2. Que palavras irão expressar isso? 3. Que imagem ou expressão irá tornálo mais claro? 4. Essa imagem é original o suficiente para surtir efeito?

1. Eu consigo dizer isso de maneira mais curta? 2. Será que eu disse algo que é dispensavelmente feio?


conselhos i

Dez

de Ne l s o n de O l ive i ra

Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito. Os prosadores devem ler bons poemas. Os poetas devem ler boa prosa. Digo isso porque tenho notado que a maioria dos prosadores não aprecia a arte poética, assim como a maioria dos poetas não aprecia a arte da prosa. Isso não é sinal de inteligência. O escritor iniciante também precisa cultivar o gosto pela reflexão teórica. Livros de filosofia, de crítica e de história da literatura precisam frequentar sua mesa de trabalho.

ii

Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito. Ler o passado e o presente, o cânone e a atualidade. Digo isso porque tenho notado que metade dos escritores iniciantes aprecia somente a literatura contemporânea, enquanto a outra metade aprecia somente os clássicos. Isso não é sinal de inteligência. O passado e o presente precisam estar em perpétuo diálogo.

iii

Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito. Ler os brasileiros e os estrangeiros, os daqui e os de lá. Digo isso porque tenho notado que metade dos escritores iniciantes aprecia somente a literatura brasileira, enquanto a outra metade aprecia somente os estrangeiros. Isso não é sinal de inteligência. Certo, eu confesso: eu pertenço ao primeiro time, esse mandamen-


to vale pra mim. Aprecio muito mais a prosa e a lírica brasileiras do que a prosa e a lírica estrangeiras. Por isso tenho me obrigado, ao menos profissionalmente, a estar sempre em contato com os de lá. Minha tese de doutorado foi sobre a lírica portuguesa contemporânea. iv

Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito. Ler desconfiando do que está lendo, ler desconfiando do autor, do editor, do livreiro. Desconfie dos livros de sua predileção, desconfie mais ainda dos autores de sua predileção. Livros e autores, ame-os intensamente, sim, mas jamais se entregue à idolatria cega, pois os escritores são mestres na arte da sedução e do engano.

v

Ver muito. Ver de tudo. Ver sem preconceito. Cinema, dança, artes plásticas, teatro, seriados de tevê. Ouvir muito. Ouvir de tudo. Ouvir sem preconceito. Música erudita e popular, clássica e contemporânea. Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito. Quadrinhos, quadrinhos, quadrinhos. Jogar muito. Jogar de tudo. Jogar sem preconceito. Videogame, RPG, cosplay.

vi

A literatura é antes de tudo linguagem. Linguagem articulada com sensibilidade e talento. Linguagem estética, subjetiva, conotativa, que ultrapassa a linguagem ordinária, objetiva, denotativa. O escritor não deve procurar com avidez o mínimo denominador comum: apenas a linguagem que é acessível à maioria das pes-


soas. Quem faz isso são os autores de best-sellers, simples contadores de histórias, simples versejadores, não os verdadeiros escritores. vii

Evite o estereótipo, fuja do clichê, corra do chavão, não marque encontro com o lugar comum. O critério originalidade não é exclusivo apenas do desfile das escolas de samba, ele ainda faz sentido também na atividade literária.

viii

Bons sentimentos não fazem boa literatura. Afaste-se do tratamento edificante, repleto de boas intenções. A sociedade está cheia de defeitos, porém a melhor forma de propor soluções não é produzir literatura doutrinária, militante, moralista.

ix

A função da boa literatura não é entreter e deleitar, mas inquietar e provocar o leitor. Se a narrativa e o poema passam o tempo todo adulando o leitor, dando-lhe somente o que ele deseja, evitando constrangê-Io ou contrariá-Io, essa narrativa e esse poema são péssimas peças literárias.

x

Prosadores, evitem as formas consagradas, evitem o conto e o romance realista, inventem sua própria forma, a teoria do efeito único e concentrado (Poe e Tchekhov) e a do iceberg (Hemingway e Piglia) pertencem ao passado glorioso. Poetas, evitem as formas clássicas, evitem o verso de medida fixa, inventem sua própria métrica, fujam da rima, o poema regularmente metrificado e rimado pertence ao passado glorioso.



Dez regras para se escrever ZA DI E S MIT H

1. Quando ainda for criança, leia muitos livros. Gaste mais

tempo fazendo isso que qualquer outra coisa. 2. Quando for adulto,tente ler seu próprio texto como um

estranho leria ou, melhor ainda, como seu inimigo leria. 3. não romantize sua “vocação”. Ou você consegue escre-

ver boas frases ou não consegue. Não há “estilo de vida do escritor”. Tudo o que importa é o que você deixa na página. 4. evite suas fraquezas . Faça isso porém sem dizer a si mesmo

que as coisas que você não pode fazer não valem a pena serem feitas. Não mascare a insegurança com o desprezo. 5. reserve um período decente entre escrever alguma coisa e

editá-la. 6. evite panelinhas, círculos, grupos. Sua presença em uma

multidão não vai contribuir em nada à qualidade do que você escreve. 7. trabalhe em um computador que esteja desconectado da

internet. 8. proteja o tempo e o espaço no qual você escreva. Mante-

nha todo mundo distante dele, até mesmo as pessoas mais importantes para você. 9. não confunda as honras com as conquistas 10. conte a verdade, por meio de qualquer véu que tenha à

mão —mas conte-a. Renuncie à tristeza perpétua que vem de nunca sentir-se satisfeito.


1. Somente quem entra na literatura como se entrasse na religião, disposto a dedicar a essa vocação seu tempo, sua energia, seu esforço, está em condições de chegar a ser realmente um escritor e escrever uma obra que o transcenda. 2. Não há romancistas precoces. Todos os grandes, os admiráveis romancistas, foram, no princípio, escrevinhadores aprendizes cujo talento se foi sendo gestado a base de constância e convicção. 3. A literatura é o melhor que já se inventou para defender-se contra o infortúnio. 4. Em toda ficção, mesmo naquela em que a imaginação está mais livre, pode-se rastrear um ponto de partida, uma semente íntima, visceralmente ligada a uma soma de vivências de quem a forjou. Atrevo-me a afirmar que não há exceções para essa regra e que, portanto, a invenção química pura não existe no domínio literário. 5. A ficção, por definição, é uma impostura — uma realidade que não é e que, no entanto, finge sê-lo — e todo romance é uma mentira que se faz passar por verdade, uma criação cujo poder de persuasão depende exclusivamente do emprego eficaz de algumas técnicas de ilusionismo e prestidigitação, semelhantes às dos mágicos dos circos e teatros. 6. Nisto consiste a autenticidade ou sinceridade do romancista: aceitar seus próprios demônios e em servi-los na medida de suas forças. 7. O romancista que não escreve sobre aquilo que, em seu fórum recôndito, o estimula e demanda e, friamente, escolhe assuntos ou temas de uma maneira racional, porque pensa que, deste modo, alcançará melhor seu sucesso, não é autêntico e, mais provavelmente, será também um mau romancista (ainda que alcance sucesso: as listas de bestsellers estão cheias de péssimos escritores).


8. O mau romance que carece de poder de persuasão, o que o tem muito débil, não nos convence da verdade da mentira que nos conta. 9. A história que um romance conta pode ser incoerente, porém a linguagem que a plasma deve ser coerente para que aquela incoerência finja, com sucesso, ser genuína e viva. 10. A sinceridade ou insinceridade não é, na literatura, uma questão ética, mas estética. 11. A literatura é puro artifício, porém a grande literatura consegue dissimulá-lo e a medíocre o delata. 12. Para contar por escrito uma história, todo romancista inventa um narrador, seu representante plenipotenciário na ficção, ele mesmo uma ficção uma vez que, como todos os outros personagens que vai contar, ele é feito de palavras e só vive por e para esse romance. 13. O tempo do romance é um tempo construído a partir do tempo psicológico, não do cronológico, um tempo subjetivo ao qual o artesanato do romancista dá uma aparência de objetividade, conseguindo, deste modo, que seu romance tome distância e se diferencie do mundo real. 14. O importante é saber que, em todo romance, há um ponto de vista espacial, outro temporal e outro de nível de realidade, e que, ainda que muitas vezes não seja muito observável, os três são essencialmente autônomos, diferentes um do outro, e que da maneira como eles se harmonizam e combinam resulta aquela coerência interna que é o poder de persuasão de um romance. 15. Se um romancista, na hora de contar uma história, não se impõe certos limites (quer dizer, se não se resignar a esconder certos dados), a história que conta não teria começo nem fim.

Conselhos a um jovem escritor

* Mario Vargas Llosa



Decálogo mais um para escritores principiantes j ua n c a r l o s o n e t t i

i.

Não procurem ser originais. O ser distinto é inevitável quando não nos preocupamos em sê-lo.

ii.

Não tentem deslumbrar o burguês. Já não dá certo. Ele só se assusta quanto lhe ameaçam o bolso.

iii. Não tratem de complicar para o leitor, nem buscar nem reclamar sua ajuda. iv. Jamais escrevam pensando na crítica, nos amigos ou parentes, ou na doce namorada ou esposa. Nem sequer no leitor hipotético. v.

Não sacrifiquem a sinceridade literária por nada. Nem pela política nem pelo triunfo. Escrevam sempre para esse outro, silencioso e implacável, que levamos dentro de nós e que não se pode enganar.

vi. Não sigam modas, reneguem o mestre sagrado antes do terceiro canto do galo. vii. Não se limitem a ler os livros já consagrados. Proust e Joyce foram depreciados quando botaram o nariz para fora, hoje são gênios. viii. Não se esqueçam da frase, justamente famosa: “dois mais dois são quatro, mas… e se fossem cinco?” ix. Não desdenhem de temas com narrativa estranha, qualquer que seja sua origem. Roubem, se necessário. x.

Mintam sempre.

xi. Não se esqueçam que Hemingway escreveu “já fiz até leitura de trechos de romances publicados, o que vem a ser o mais baixo que pode cair um escritor.”


d e c á l o g o do escritor Stephen vi z in czey

1 n ão b e b e r á s , f u m a r á s o u c o n s u m i r á s d r o g a s Para ser um escritor você precisará de todo o seu cérebro. 2 n ão m a n t e r á s h á b i to s d i s p e n d i o s o s Um escritor é filho do talento e do tempo — tempo para observar, estudar, pensar. Portanto você não pode desperdiçar sequer uma hora no não for essencial. A não ser que tenha tido a sorte de nascer rico, é melhor se preparar para viver sem muitos bens mundanos. Sim, Balzac obtinha inspiração ao acumular enormes dívidas e comprar coisas, mas a maioria das pessoas com hábitos dispendiosos costuma fracassar como escritores. Com a idade de 24 anos, após a derrota da Revolução Húngara, dei por mim no Canadá, sem saber mais que cinquenta palavras em inglês. Quando dei-me conta de que era então um escritor sem uma língua, tomei um elevador até o topo de um arranha-céu em Montreal, com a intenção de saltar de lá. Olhando para o chão, aterrorizado pela morte e temendo mais ainda partir a coluna e passar o resto da vida em uma cadeira de rodas, decidi que, no lugar de saltar, iria me converter em um escritor em inglês. Ao fim, aprender a escrever em outra língua foi menos difícil que escrever alguma coisa que prestasse, e vivi na beira da indigência por seis anos, antes de estar pronto para escrever Em louvor das mulheres maduras. Não poderia tê-lo feito se tivesse me importado com roupas ou carros — de fato, se a única alternativa que eu deslumbrasse tivesse sido o topo daquele arranha-


-céu. Alguns escritores imigrantes que conheci arranjavam trabalhos de garçom ou vendedor para criarem “uma base financeira” antes de começar a viver da escrita; um deles hoje é proprietário de uma cadeia de restaurantes, e está mais rico do que eu jamais poderei ser, mas nem ele nem os outros voltaram a escrever. Você tem que decidir o que é mais importante para você: viver bem ou escrever bem. Não se atormente com ambições contraditórias. 3 s o n h a r á s e e s c r e v e r á s e s o n h a r á s e r e e s c r e v e r á s Não deixe que ninguém lhe diga que está desperdiçando seu tempo quando estiver olhando para o vazio. Não há outra maneira de se conceber um mundo imaginário. Jamais me sento à frente de uma página em branco para criar algo. Eu devaneio sobre meus personagens, suas vidas e suas batalhas, e quando a cena foi repassada em minha imaginação e que acho que sei o que os personagens sentiram, disseram e fizeram, tomo de caneta e papel e tento registrar o que testemunhei. Quando já escrevi e passei à máquina meu relatório eu o leio e releio e descubro que a maior parte do que escrevi está a) obscuro ou b) inexato ou c) arrastado ou d) simplesmente não pode ser verdade. Assim, o rascunho datilografado serve como uma revisão crítica daquilo que imaginei, e volto a sonhar toda a cena de um modo melhor. Foi com essa metodologia que dei-me conta de que, quando estava aprendendo inglês, meu principal problema não era o idioma, e sim, como sempre, arrumar as coisas em minha mente. 4 n ão t e r á s va i da d e A maioria dos maus livros tornam-se maus porque seus autores estão engajados em tentar justificar a si


mesmos. Se um autor vaidoso é alcoólatra, o personagem que for descrito de modo mais solidário no livro será também um alcoólatra. Esse tipo de coisa é muito entediante para os que estão de fora. Se você se considera esperto, racional, bom, um presente para o sexo oposto, uma vítima das circunstâncias, então você não conhece a si mesmo o suficiente para escrever. Parei de me levar a sério com a idade de 27 anos, e desde então tenho me encarado simplesmente como matéria prima. Eu sirvo a mim mesmo da mesma maneira que um ator serve-se de si: todos os meus personagens — homens, mulheres, os bons e os maus — são compostos de mim mesmo e do que observo.

5 n ão s e r á s m o d e sto A modéstia é uma desculpa para o desmantelo, a preguiça, a autoindulgência. As pequenas ambições inspiram pequenos esforços. Nunca conheci um bom escritor que não estivesse tentando ser um grande escritor. 6 p e n sa r á s c o n t i n u a m e n t e n aq u e l e s q u e são realmente grandes

“As obras dos gênios são diluídas em suas lágrimas”, escreveu Balzac em As ilusões perdidas. A rejeição, o desprezo, a pobreza, o fracasso, a luta constante contra as próprias limitações — são eventos chave nas vidas da maioria dos grandes artistas, e se você aspira compartilhar de sua sorte, você deve fortalecer-se aprendendo com eles. Sempre me sinto mais corajoso ao reler o primeiro volume da autobiografia de Graham Greene, A sort of life, que trata de suas primeiras batalhas. Também tive a chance de visitá-lo em Antibes, onde ele vivia em um pequeno apartamento de dois quartos (um lugar


minúsculo para um homem alto) com o luxo do ar benigno e uma vista do mar, mas sem quaisquer posses que não seus livros. Ele parecia ter poucas necessidades materiais, e tenho certeza que isso tem a ver com a liberdade interior que suas obras irradiam. Ainda que ele afirme que escreveu seus “entretenimentos” apenas pelo dinheiro, é um escritor que é guiado por suas obsessões, sem dar bola à moda ou à ideologia popular, e sua liberdade é comunicada a seus leitores. Ele nos libera do peso de seus próprios compromissos, ao menos enquanto você o lê. Isso só pode ser obtido por um escritor de hábitos espartanos. Poucos entre nós tiveram a chance de conhecer um grande homem em pessoa, porém podemos desfrutar de sua companhia quando lemos suas memórias, diários e cartas. Evite as biografias, no entanto — em especial as biografias romanceadas na forma de filmes ou séries de televisão. Quase tudo o que nos chega sobre artistas pela mídia é pura bobagem, escrita por preguiçosos que não fazem a mínima noção do que seja arte ou trabalho pesado. No lugar de assistir a Amadeus, leia as cartas de Mozart. Em relação a literatura específica sobre a vida de escritores, recomendo Um quarto só para si, de Virginia Woolf, o prefácio de Bernard Shaw para The dark lady of the sonnets, Martin Eden de Jack London e, acima de tudo, As ilusões perdidas, de Balzac.

7 n ão pa ssa r á s u m d i a s e m r e l e r a lg o g r a n d i o s o Durante minha adolescência, estudei para ser maestro e, do que aprendi com música, cultivei um hábito que acredito ser essencial para escritores: o estudo constante e diário das obras primas. A maioria dos músicos profissionais, de qualquer porte, conhece centenas de partituras de cor; a maioria dos escritores, por outro lado, só tem vagas lembranças dos clássicos — e esta


é a razão pela qual existem mais músicos habilidosos que escritores habilidosos. Um violinista que tivesse a mesma proficiência técnica da maioria dos escritores publicados jamais encontraria uma orquestra em que pudesse tocar. A verdade é que somente pela absorção das obras perfeitas — as maneiras específicas pelas quais os grandes mestres inventaram formas de desenvolver um tema, construir uma frase, um parágrafo, um capítulo — é que se pode aprender tudo o que se há para aprender sobre a técnica. Nada que já tenha sido feito pode dizer a você como fazer algo novo, porém se você compreender as técnicas dos mestres, terá uma chance melhor de desenvolver sua própria. Para usar termos do xadrez: nunca houve um grão-mestre que não tivesse decorado as vitórias de seus antecessores. Não cometa o erro comum de tentar ler de tudo para manter-se bem informado. Estar bem informado fará com que você brilhe nas festas, mas não será nada útil para seu trabalho de escritor. Ler um livro para poder conversar sobre ele não é a mesma coisa que compreendê-lo. É muito mais útil ler alguns poucos grandes romances, várias vezes, até enxergar o que os faz funcionar e como os escritores a construíram. Você tem que ler um romance por cinco vezes antes de perceber sua estrutura, o que a torna dramática, o que lhe confere o ritmo e momentum. Suas variações de andamento e escala de tempo, por exemplo: o autor descreve um minuto em duas páginas e, em seguida, cobre dois anos em uma frase. Quando você tiver compreendido o porquê, terá aprendido alguma coisa. Cada escritor escolhe seus favoritos entre aqueles dos quais acha que pode aprender mais, mas eu recomendo fortemente que não se leiam romances vitorianos, que são eivados de hipocrisia e inchados de palavras


redundantes. Até George Eliot escreveu demais sobre coisas de menos. Quando você estiver tentado a reescrever, leia os contos de Heinrich von Kleist, que dizia mais com menos palavras do que qualquer outro escritor na história da literatura ocidental. Eu o leio constantemente, e também Swift e Sterne, Shakespeare e Mark Twain. Pelo menos uma vez por ano releio algumas das obras de Pushkin, Gogol, Tolstói, Dostoievisk, Stendhal e Balzac. Na minha mente, Kleist e estes romancistas franceses e russos do século dezenove foram os maiores mestres da prosa, uma constelação de gênios nunca superados, como os que encontramos na música com Bach e Beethoven, e eu tento aprender alguma coisa com eles a cada dia. Esta é minha “técnica”.

8 n ão v e n e r a r á s lo n d r e s / n ova yo r k / pa r i s Muitas vezes encontro aspirantes a escritores que vêm de lugares remotos e que acreditam que as pessoas que moram nas capitais da mídia detêm alguma informação exclusiva sobre a arte. Elas leem as resenhas, assistem os programas de arte, para descobrir o que é importante, o que é realmente a arte, com o que devem se preocupar os intelectuais. O provinciano é muitas vezes uma pessoa inteligente e talentosa, que acaba indo atrás das noções rasteiras de algum jornalista ou acadêmico sobre o que constitui a excelência literária e trai seu talento ao macaquear imbecis cujo único talento é a empáfia. Mesmo que você more no fim do mundo, não há razão para se sentir isolado. Se tiver uma boa biblioteca em livros de bolso dos grandes escritores, e se continuar a relê-los, terá acesso a mais segredos da literatura do que podem oferecer todos os farsantes que dão o tom na cidade grande. Conheço um crítico novaior-


quino que nunca leu Tolstói, e que tem orgulho disso. Portanto, não perca tempo preocupando-se com o que está na moda, o assunto correto ou o estilo apropriado ou que tipo de coisas ganham prêmios. Qualquer um que já tenha sido bem sucedido na literatura o fez a sua maneira. 9 e s c r e v e r á s pa r a ag r a da r a t i m e s m o Nenhum escritor conseguiu agradar leitores que não estivessem no seu nível aproximado de inteligência, que não compartilhassem de sua atitude geral em relação à vida, à morte, ao sexo, política, dinheiro. Os dramaturgos têm mais sorte: com a ajuda dos atores, podem ampliar seu apelo para além do círculo de espíritos afim. Ainda assim, há alguns anos li em um jornal americano uma crítica extremamente condescendente sobre Medida por medida — a peça em si, não a montagem! Se nem Shakespeare consegue agradar a todos, porque é que você vai se dar ao trabalho? Agora eu só escrevo sobre o que me interessa. Não procuro os temas: o que quer que esteja latejando em minha cabeça será meu tema. Stendhal dizia que literatura é a arte de deixar de fora, e eu deixo de fora tudo o que não me parece importante. Descrevo as pessoas apenas em termos de suas ações, declarações, pensamentos, sentimentos que tenham chocado/fascinado/ divertido/deliciado a mim ou a outras pessoas. Não é fácil, claro, restringir-se àquilo com o que você realmente se importa; todos queremos ser vistos como pessoas que são curiosas a respeito de tudo. Quem é que não esteve em uma festa fingindo interesse por alguma coisa? Porém quando você está escrevendo, deve resistir à tentação e, quando ler em voz alta o que escreveu, deve sempre se perguntar, “isso realmente me interessa”?


Se você agradar a si mesmo — seu verdadeiro ser, não alguma noção enfeitada de si mesmo como a mais nobre das pessoas que só se preocupa com as crianças famintas da África — então terá a chance de escrever um livro que agradará a milhões. Isso ocorre porque, não importando quem você seja, haverá sempre milhões de pessoas que são mais ou menos como você é. Mas ninguém quer ler um romancista que escreve sobre algo que não leva a sério. O bestseller mais reles e o grande romance tem alguma coisa em comum: ambos são autênticos.

10 s e r á s d i f í c i l d e a g r a d a r A maioria dos novos livros que leio me parecem mal acabados. O escritor se contentou em conseguir que as coisas ficassem mais ou menos certas, e foi fazer outra coisa. Para mim, escrever tornou-se realmente estimulante quando volto a um capítulo uns dois meses depois de tê-lo escrito. Nesse ponto o encaro não tanto como o autor, mas como o leitor — e não importa quantas vezes eu tenha reescrito, ainda consigo achar frases vagas, adjetivos inexatos ou redundantes. De fato encontro cenas que, ainda que verdadeiras, nada acrescentam à minha compreensão dos personagens ou da história, e que podem, assim, ser descartadas. Nesse ponto eu reconsidero o capítulo o tempo suficiente para decorá-lo — para recitá-lo palavra a palavra a todos que estiverem dispostos a escutar. Se eu não conseguir me lembrar de alguma parte, geralmente descubro que não estava certo. A memória é um bom crítico.



FRASES FINAIS


vladimir nabo kov,

Lolita, 1955

estou pensando em au r oques

e anjos,

no segredo dos pigmentos duradouros, nos sonetos proféticos, no refúgio da arte. E esta é a única imortalidade que você e eu poderemos compartilhar, minha Lolita.


italo calv i n o ,

Se um viajante numa noite de inverno, 1979

e voc ê d i z , “um momento, estou quase terminando

Se um viajante em uma noite de inverno de Italo Calvino”.


erne st he mi n g way,

O velho e o mar, 1952

O velho sonhava com le천es.


ca r l o s f uen t es,

Cristóbal Nonato, 1987

Do céu desceu um ágil anjo, um anjo com um capacete dourado e esporas verdes, uma espada ardente, um anjo escapado dos altares indo-hispânicos da fome opulenta, da carência vencida pelo sono, do emparelhamento dos opostos: corpo e alma, vigília e morte, vivendo e dormindo, lembrando e desejando, imaginando: o menino feliz que alcança a terra triste carrega tudo isso em seus lábios, ele suporta a memória da morte, branca e extinta, como a chama que apagou-se no ventre de sua mãe: por um fugaz e maravilhoso instante, o menino que nasce sabe que essa luz de memória, sabedoria e morte foi um anjo e que este outro anjo que voa do umbigo do céu com sua espada na mão é o inimigo fraterno do primeiro: é o anjo barroco, com a espada na mão e as asas de quetzal, gibão de serpente, e um capacete dourado, o anjo golpeia, golpeia os lábios do menino que nasce na praia: a espada ardente e dolorosa golpeia seus lábios e o menino esquece, esquece de tudo esquece, e s q u e c e.


voltaire,

— T udo

Cândido, 1759

i sso está mu i to bem di to

– respondeu

Cândido, – cultivemos porém nosso jardim.


m i g uel d e c erva n t es,

Dom Quixote, 1615

S omos um s ó , a despeito e apesar do escritor fingido

e tordesilesco, que se atreveu, ou se há-de atrever, a contar com pena de avestruz, grosseira e mal aparada, as façanhas do meu valoroso cavaleiro, porque não é carga para os seus ombros, nem assunto para o seu frio engenho; e a esse advertirás, se acaso chegares a conhecê-lo, que deixe descansar na sepultura os cansados e já apodrecidos ossos de D. Quixote, e não o queira levar, contra os foros da morte, para Castela, a Velha; obrigando-o a sair da cova, onde real e verdadeiramente jaz muito bem estendido, impossibilitado de empreender terceira jornada e nova saída, que para zombar de todas as que fizeram tantos cavaleiros andantes, bastam as duas que ele levou a cabo, com tanto agrado e beneplácito das gentes a cuja notícia chegaram, tanto nestes reinos como nos estranhos; e com isto cumprirás a tua profissão cristã, aconselhando bem a quem te quer mal, e eu ficarei satisfeito e ufano de ter sido o primeiro que gozou inteiramente o fruto dos seus escritos, como desejava, pois não foi outro meu intento, senão o de tornar aborrecidas dos homens as fingidas e disparatadas histórias dos livros de cavalaria, que vão já tropeçando com as do meu verdadeiro D. Quixote, e ainda hão-de cair de todo, sem dúvida alguma. Vale.


albert camu s,

A peste, 1947

Porque ele sabia o que essa multidão eufórica ignorava e que se pode ler nos livros: o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca, pode ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e na roupa, espera pacientemente nos quartos, nos porões, nos baús, nos lenços e na papelada. E sabia, também, que viria talvez o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria seus ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz.


FIO DOR DOSTOIEVSKI ,

Crime e castigo, 1866

Mas aqui começa já uma nova história, a história da gradual renovação de um homem, a história do seu trânsito progressivo dum mundo para outro, do seu contato com outra realidade nova, completamente ignorada até ali. Isto poderia constituir o tema duma nova narrativa... mas a nossa presente narrativa termina aqui.


mac hado de a s s i s

Memórias póstumas de Brás Cubas, 1881

E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: — não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.


e ça d e qu e i ró s

A relíquia, 1887

Porque houve um momento em que me faltou esse descarado heroísmo de afirmar, que, batendo na terra com pé forte, ou palidamente elevando os olhos ao céu — cria, através da universal ilusão, ciências e religiões.


gabriel gar c í a -m a r quez

Cem anos de solidão, 1967

Entretanto, antes de chegar ao verso final já tinha compreendido que não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que Aureliano Babilonia acabasse de decifrar os pergaminhos e que tudo o que estava escrito neles era irrepetível desde sempre e por todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra.



copyright © 2011 desta edição, Ímã Editorial Direitos reservados Fontes principais The Paris Review, Rascunho, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, Magazine Littéraire, The Guardian, El País, The Believer, McSweeney’s, Bravo, Cult, Publisher’s Weekly, Todoprosa

Organização e tradução  Luciano Cardón

dados internacionais de catalogação na publicação [ cip ]

O livro do escritor : inspiração, criação, técnica | Luciano Cardón (organização) — Rio de Janeiro : Ímã Editorial, 2011.

isbn 978-85-64528-11-6

1. Escritores — Citações, máximas etc. I Título. cdd

808.882 82-84

cdu

2011 Todos os direitos desta edição reservados a LIVROS DE CRIAÇÃO

www.imaeditorial.com Edição C 1.0.0, novembro de 2011



Pa r a s e r e s c r i t or i n s p i r aç ão , co n s e l h o s , r e g ras e reflexões sobre a a rt e e a p ro f i s s ão d e c r i a r p e l a pa l av r a

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