Luiz Cláudio Ferreira de Oliveira
Visões Sobre Desenvolvimento Sustentável Associado a Mineração de Ferro, Água, Estresse Hídrico, Alterações Ambientais e Outros Dilemas do Mundo em Policrises
Luiz Cláudio Ferreira de Oliveira
Presidente do Instituto Espinhaço idealizador da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço – UNESCO
Visões Sobre Desenvolvimento Sustentável Associado a Mineração de Ferro, Água, Estresse Hídrico, Alterações Ambientais e Outros Dilemas do Mundo em Policrises
NOVEMBRO 2015
Visões Sobre Desenvolvimento Sustentável Associado a Mineração de Ferro, Água, Estresse Hídrico, Alterações Ambientais e Outros Dilemas do Mundo em Policrises 1. O Homo Faber, os Aspectos Simbólicos e Breves Conteúdos Históricos Associados ao Minério de Ferro Não é possível analisarmos os desafios que circundam a atividade da mineração de ferro e o uso de água para essa atividade, sem que façamos uma reflexão sobre os contextos que estabelecem a interação entre mineração e água, desde os primórdios da nossa civilização, quando o homem iniciou a exploração dos recursos minerais. O minério de ferro é um dos mais abundantes na geologia do nosso planeta e, talvez por isso, tenha uma ligação tão estreita com nosso processo civilizacional, tal qual concebemos e moldamos, diariamente, desde tempos imemoriais. Certo é que, sem o minério de ferro, não teria ocorrido, por exemplo, a Revolução Industrial, assim como não existiria aquilo que denominamos consciência da complexidade, própria de nós, civilização moderna. O minério de ferro é a base sob a qual está sustentado nosso modelo de civilização, “nosso mundo feito a partir do ferro”. Do ponto de vista geológico, os primórdios dos depósitos de ferro encontrados na região de Conceição do Mato Dentro ou na Serra do Espinhaço Meridional originaram-se em antigas bacias oceânicas. Essas formações ferríferas foram geradas em uma plataforma marinha, com idade estimada entre dois bilhões e um bilhão e setecentos milhões de anos. Milhares de anos se passaram até que os seres humanos trabalhassem com os depósitos de ferro ocultos sob a superfície da terra e inventassem formas de transformá-lo em implementos e objetos necessários para criar um novo mundo. 4
Antes disso, os homens tratavam o ferro como pedra, mas também o viam como uma substância preciosa, entregue a eles pelos deuses. Incrivelmente, o ferro foi descoberto primeiro nos restos de estrelas que caíam dos céus, os meteoros e meteoritos. Por isso, os povos primitivos acreditavam que o ferro possuía qualidades mágicas, ainda mais preciosas do que as do ouro. Para os sumérios, a palavra An Bar, vocábulo mais antigo conhecido para designar o que chamamos ferro, está constituída pelos signos pictográficos céu e fogo e, geralmente, era traduzido por “metal celeste” ou “metal estrela”. O ferro meteórico era conhecido nos primeiros séculos do 3º milênio a.C. e meados do 2º milênio a.C., em Creta, durante a civilização minoica (considerada a mais antiga civilização de que há registo na Europa). A origem celeste do ferro pode, talvez, ficar demonstrada pelo vocábulo grego sideros que estava relacionado com a expressão Sidus-Eris, ou seja, estrela. As antigas civilizações da Caldeia e da Assíria já utilizavam o minério de ferro há pelo menos 4000 a.C. Em 700 anos a.C., ou seja, há mais de 2.700 anos, existem registros de captação de água para viabilizar a exploração de lavras de minério na Pérsia antiga. O início da metalurgia, em escala industrial, pode ser fixado por volta dos 5
anos 1200-1000 a.C., na Armênia, entre o mar Negro e o mar Cáspio, no sul do Cáucaso. Partindo dali, essa atividade expandiu-se pelo Oriente por meio do Mediterrâneo e pela Europa Central, embora o ferro de origem meteórica ou de jazidas superficiais fosse conhecido já no 3º milênio a.C., na Mesopotâmia (Tell Asmar), no Iraque, em Chagar Bazar e Mari, na Síria e na Ásia Menor (Alaca Hüyük, na Turquia) e, provavelmente, também no Egito. A valorização do ferro é historicamente conhecida em civilizações como a indiana, a africana e em outras culturas que conheciam, há muito tempo, o uso do ferro terrestre. Em todas elas, há a lembrança e a memória fabulosa do metal celeste e a crença em seus poderes ocultos. Em conversas com os beduínos do deserto do Sinai, no Egito, vê-se que eles estão, até hoje, convencidos de que aquele que consegue fabricar uma espada de ferro meteórico tornase“invulnerável nas batalhas e pode estar seguro de abater todos os seus inimigos”. O metal celeste é alheio à terra e, portanto, é transcendente; procede de cima e, talvez por isso, é que ele ainda é tido como maravilhoso, com o poder de fazer milagres, mesmo para um O ferro sempre esteve
associado, desde tempos pretéritos, ao seu extraordinário poder mágico-religioso, inclusive entre os povos que tiveram uma história cultural bastante avançada e complexa.
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árabe de nossos dias. É interessante poder pensar sobre como esses povos se relacionam com o simbolismo presente no ferro ao longo da sua história. O ferro sempre esteve associado, desde tempos pretéritos, ao seu extraordinário poder mágico-religioso, inclusive entre os povos que tiveram uma história cultural bastante avançada e complexa. Gaius Plinius Secundus, nascido no ano 23 d.C., foi o mais importante naturalista da Antiguidade, além de escritor, historiador, gramático e oficial romano. Em sua obra Naturalis Historia, já indicava que o ferro era eficaz contra vários tipos de doenças. Encontramos crenças similares na Turquia, no Irã e na Índia e em muitos outros autores clássicos, em tempos distintos, que relataram o emprego do ferro contra os demônios em várias partes do mundo. Em épocas distintas, no nordeste da Europa, objetos de ferro defendiam as colheitas tanto das inclemências do tempo quanto dos sortilégios e até do mau-olhado. Como podemos ver, a história do minério de ferro se confunde com a própria história humana. Os registros do passado demonstram, com clareza, que foi a descoberta do ferro que tirou os seres humanos da consciência da Idade da Pedra e que possibilitou uma nova era da humanidade, a era do Homo Faber (homem que faz).
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2. Recursos Minerais e a Perspectiva de Sustentabilidade Registra a história da ocupação do território brasileiro que a coroa portuguesa incentivou numerosas e corajosas expedições para a busca de ouro no interior do Brasil, longe dos pontos setentrionais de assentamento inicial. No entanto, apenas na segunda metade do século XVII, jazidas de ouro foram descobertas nas montanhas do que hoje é o estado de Minas Gerais. A partir de então e até meados do século XIX, as jazidas de ouro de aluvião conhecidas esgotaram-se gradualmente. Após o advento da Primeira Guerra Mundial, começaram a surgir visões nacionalistas em torno dos recursos naturais, alinhados com políticas populistas. Esses sentimentos tornaram-se mais ostensivos e explícitos com o golpe político, que levou ao poder o governo de Getúlio Vargas, em 1930. Em outro momento marcante, no período que culminou com a Segunda Guerra Mundial e até mesmo durante a guerra, o então presidente Vargas aproveitou a necessidade urgente dos aliados por minerais para adotar uma política de governo ativamente intervencionista, que incluiu a nacionalização das grandes minas. A partir dessa época até os anos 1980, a mineração de grande escala no Brasil era essencialmente uma atividade gerida pelo governo. Talvez por esse e outros motivos, a atividade de mineração tenha sofrido com os caprichos da situação econômica do país e as dificuldades financeiras enfrentadas periodicamente pelo governo. Essa situação cooperou, assim, para restringir o
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potencial para novos investimentos ou a viabilização da necessária infraestrutura para a atividade minerária. A mineração tinha, à época, (assim como outros setores brasileiros) uma forte dependência da proteção, dos subsídios e de outros privilégios do governo. A contribuição da mineração para a produção total e PIB do país permaneceu modesta por muito anos: de cerca de 0,4% em 1950 subiu para apenas cerca de 1,0%, em 1980. Em meados da década de 1990, o Brasil deflagrou reformas macroeconômicas e estruturais radicais sob o comando do então presidente, Fernando Collor de Mello. A liberalização abriu, assim, a economia brasileira ao comércio internacional e eliminou boa parte do protecionismo e privilégios concedidos à indústria nacional, o que criou novas oportunidades para empresas estrangeiras penetrarem no setor de mineração brasileiro. 2.1. Velhos Modelos e Novas Dinâmicas Macroeconômicas Uma análise reflexiva sobre os mecanismos de desenvolvimento que guiam o setor produtivo (que está em radical mutação) demonstra que o setor ainda utiliza modelos mentais e práticas que, em sua maioria, são fundamentadas em perspectivas exploracionistas e que 9
não vislumbram a conexão dos meios de produção com os ambientes natural e social e, tampouco, com o território onde estão situados. Há, sem sombras de dúvida, um discurso hegemônico que replica e cristaliza uma insensibilidade impulsionadora de políticas e discursos desenvolvimentistas que desencadeiam conflitos, inseguranças e perdas sucessivas para uma grande parcela da humanidade. Alguns cientistas atribuem ao atual modelo de crescimento econômico uma natureza autofágica, razão pela qual, talvez, o crescimento econômico tenha continuamente produzido empobrecimento ao lado do enriquecimento. É comum no setor produtivo (e especialmente no setor de mineração) o desenvolvimento e a aplicação de estratégias discursivas que visam não apenas reproduzir, mas fortalecer ainda mais, o paradigma dominante que é apoiado em uma concepção de desenvolvimento pseudo-sustentável, uma vez que esse paradigma não apenas exclui, conceitualmente mais pragmaticamente, uma abordagem sistêmica que envolva outras formas de pensar e agir em relação ao ambiente natural e também àquele modificado pelo homem. Certo é que as atuais dinâmicas macroeconômicas (que estão em 10
rápido processo de mudança) criam e reproduzem um arcabouço simbólico formado por números vultuosos e quase impronunciáveis para a grande maioria da humanidade. Essa modelagem artificial da realidade nos impulsiona a deixarmos de pensar e perceber toda a vasta cadeia de processos, vidas e contextos que fundamentam a base desse modelo perverso. Assim, somos cotidianamente impulsionados a não perceber as relações de produção e as dinâmicas macroeconômicas que justificam, por exemplo, a extração e a transformação do minério de ferro, matéria que é base para uma infinidade de produtos que utilizamos no dia a dia. Esse velho modelo, em nossa visão, não permite e não propõe, nesse caso, às empresas de mineração a necessária reflexão sobre o quadro inexorável de esgotaAlguns cientistas atribuem mento dos recursos naturais não ao atual modelo de renováveis. Muito ao contrário, esse modelo propõe e fortalece, crescimento econômico para muitos, a visão de querer uma natureza autofágica, perpetuar um exploracionismo razão pela qual, talvez, fundamentado substancialmeno crescimento econômico te na busca incessante de lucro, sem, no entanto, incluir nessa tenha continuamente equação novos paradigmas que produzido empobrecimento possam dialogar com outros indiao lado do enriquecimento. cadores de sustentabilidade para as empresas e suas cadeias produtivas, integrando à economia novas visões de ética e valores ecocêntricos, criativos e diversificados, antecipando cenários, vislumbrando novas lógicas, inclusive, de mercado. Um olhar mais abrangente sobre o fato nos indica que o velho modelo de desenvolvimento não apenas restringe, mas também subtrai toda e qualquer chance de adaptação aos novos cenários do mercado mundial. 2.2 – Sedimentos de uma Bolha Especulativa: Crises e Cenários Os recursos minerais são, indubitavelmente, o exemplo mais claro de recurso natural não renovável, visto que, após o consumo, não podem ser 11
renovados. Tem-se, portanto, que a principal característica dos recursos não renováveis é a possibilidade de exaustão ou esgotamento, isto é, são recursos finitos. Hoje, as alterações ambientais, incluindo a climática, projetam, de forma imperativa, a necessidade de pensarmos alternativas para o conjunto de policrises vivenciado pela nossa sociedade, incluindo, por certo, no bojo dessas crises, a da economia. A água, o ar e a própria terra são hoje, cada vez mais, considerados bens não renováveis, no sentido da manutenção da sua qualidade, o que os torna epicentro das atenções e reflexões sobre a manutenção e continuidade da vida no planeta. A frágil rede da economia globalizada nos indica cenários incertos para a clássica relação entre oferta, demanda e o valor real de um recurso mineral, ou seja, caso não exista demanda, o seu valor desaparece – e é exatamente isso que aconteceu no mercado do minério de ferro, recentemente, em todo o planeta. Dessa forma, o bem mineral que hoje é usado e, portanto, tem determinado valor de mercado, amanhã poderá não o ter mais, não passando de um aglomerado de rochas e um projeto de mineração sedimentos (na natureza) ou de deve, para ser analisado minério processado e estocado sob o ponto de vista (nas empresas).
da perspectiva de sustentabilidade social, não apenas garantir o bem-estar das gerações presente e futura, mas também introduzir e dinamizar novas e virtuosas práticas
Para que possamos pensar sobre uma perspectiva sensata de sustentabilidade na atividade de mineração, é necessário entender que ela deve, por princípio, buscar promover um equilíbrio entre gerações, ou seja, um projeto minerário somente pode ser considerado sustentável, com base na perspectiva da geração atual, se ele minimizar os seus impactos ambientais e mantiver níveis adequados de desenvolvimento econômico com proteção ecológica e padrões de qualidade para a biosfera. Da mesma forma, um projeto de mineração deve, para ser analisado sob o ponto de vista da perspectiva de sustentabilidade social, não apenas garantir o bem-estar das gerações presente e futura, mas também introduzir e dinamizar novas e virtuosas práticas que fortaleçam e revigorem o tecido social e as estruturas culturais das comunidades e cidades onde orbitam grandes projetos minerários. No conjunto de visões que articulam o conceito de sustentabilidade em um grande projeto minerário, devem estar incorporadas a valorização e a preservação das culturas, como base para uma sólida rede de conexões que sustenta a identidade, o imaginário simbólico e a memória das comunidades, ao longo de seu processo histórico. A partir dos anos 1990, o mercado mundial do minério de ferro foi drasticamente alterado com o superaquecimento do mercado chinês e sua demanda por bens ferrosos, especialmente do setor siderúrgico. Em 2012, por exemplo, a China foi responsável pela compra de cerca de 46% do minério de ferro exportado pelo Brasil. Houve, nos últimos anos, uma grande expansão da
indústria da mineração em várias partes do mundo, especialmente no Brasil e, em particular, em Minas Gerais. O setor viveu uma bolha especulativa que elevou o preço do minério de ferro a patamares irreais e insustentáveis. Esse cenário provocou, por consequência, um quadro de operações com altos custos (que se justificava pelo alto valor de venda do minério de ferro). Devemos acrescentar a esse cenário um fato importante: a China passou a produzir parte do minério que consome na atualidade. De outro lado, como a China tem um quadro econômico com forte subsídio estatal (logo, embora concorra de igual para igual, não é uma economia “de mercado” como quer ser reconhecida, além, é claro, do descaso ambiental e do trabalhista, que por lá ainda são modelos clássicos), há um quadro singular que modificou a dinâmica do mercado mundial. A prática da mineração de ferro baseada em altos custos está, agora, fadada a desaparecer, especialmente no cenário da crise que reduziu os preços a um “padrão de normalidade” (uma vez que os preços do minério eram insustentáveis, na visão de vários especialistas), especialmente com o atual cenário de sobreoferta de minério de ferro no mercado mundial. Ou seja, o valor da commoditie caiu, mas os custos operacionais de muitas empresas ainda não
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foram reduzidos, o que implica prejuízos astronômicos em muitas operações. Talvez haja, se estivermos dispostos a pensar, uma visão equivocada de modelo. Mas, por quê? Porque a atual abordagem econômica está baseada na exportação de matérias-primas, como o minério de ferro e produtos agrícolas, deixando, assim, nosso país vulnerável à oscilações de preços fixados pela demanda internacional. Assim, ao invés de optarmos por uma economia diversificada, complexa e integrada, que poderia ser centrada no dinamismo do setor secundário, optamos por um modelo que privilegia a simplificação da dinâmica econômica, cabendo, apenas, a exportação de commodities primárias. A política ainda vigente de rendas mineiras concentra os benefícios da mineração no município minerador, criando e multiplicando um efeito ímã que, no aspecto microrregional, pode A prática da mineração ser nefasto para a economia de de ferro baseada em entorno de municípios como, altos custos está, agora, por exemplo, Conceição do Mato Dentro. Esse modelo não irradia fadada a desaparecer, para o entorno de um município especialmente no cenário minerador os mesmos benefícios da crise que reduziu os que são alcançados em seus sistemas econômicos internos. preços a um “padrão de Como consequência, há, em normalidade”. muitos casos, um claro aumento da desigualdade intermunicipal, o que afeta negativamente os objetivos de desenvolvimento regional. Uma observação mais atenta nos indica que nosso país está refém da armadilha da commoditie e não há país que tenha se desenvolvido com base no modelo primário-exportador. É preciso mudar o atual modelo para que se possa usar a mineração como fonte para a interiorização do desenvolvimento, com o objetivo de induzir inovações, por intermédio do incentivo à formação de capital humano + capital natural + serviços ecossistêmicos + serviços econômicos, resultando em adensamento de valor e conhecimento às cadeias produtivas minerais e mais 15
qualidade de vida nos municípios mineradores. Resta claro para quem milita com políticas de sustentabilidade que não haverá verdadeiro desenvolvimento enquanto não houver simultânea igualdade de oportunidades, justiça socioamabiental e repartição de benefícios.
2.3. Cenários de Escassez e Novos Paradigmas para a Mineração O atual cenário de estresse hídrico na região Sudeste do Brasil fez emergir um discurso que agora parece senso comum em relação aos impactos da atividade de mineração sobre o meio ambiente, especialmente em relação às águas, nos casos de utilização inadequada, contaminação das águas superficiais e subterrâneas, desaparecimento de nascentes, escassez de disponibilidade hídrica, entre outros. É indiscutível que a atividade de extração mineral tem o potencial de afetar a biodiversidade de uma região durante o ciclo de vida de um projeto minerário, tanto direta como indiretamente. Impactos diretos podem ser resultantes de qualquer atividade que envolva, por exemplo, supressão (em vias para acesso, construção de estradas, perfurações para exploração, construção de barragens de rejeitos, entre outros), lançamento de efluentes nos corpos hídricos ou no ar (emissão de particulados), etc. Os impactos secundários ou indiretos podem, também, ser resultado de alterações socioambientais promovidas pela atividade minerária e suas correlações e são, muitas vezes, os maiores problemas enfrentados por grandes empreendimentos minerários no país. No entanto, há também os impactos positivos para a biodiversidade e ações de preservação que são bons exemplos para as empresas mineradoras, com investimentos na proteção e na conservação de áreas naturais, criação de reservas e parques, além de pesquisa e geração de conhecimento. Hoje sabemos que desenvolvimento sustentável não deve ser uma meta, mas um processo dinâmico e de adaptação, aprendizagem e ação, o que nos indica que é necessário reconhecer, compreender as suas múltiplas interconexões e atuar nelas - especialmente naquelas entre a economia, a sociedade e o ambiente natural. Por isso, defendemos que a atividade minerária, se bem planejada e executada dentro de princípios adequados de 16
planejamento com inovação, pode fazer crescer a economia sem destruir o equilíbrio ambiental ou enfraquecer o meio social. Todavia, devemos esperar e cobrar bem mais que isso dos projetos de mineração. Devemos esperar que eles possam evoluir para o propósito de tornarem-se sólidos e eficazes instrumentos para a consolidação de um processo de desenvolvimento sustentável das regiões mineradoras, com foco em estratégias diferenciadas e inovadoras, capazes de ofertar soluções criativas para os dilemas do presente, sem comprometer o futuro das comunidades envolvidas nos projetos de mineração. É isso que devemos esperar das empresas sérias, especialmente, no setor mineral. De um certo modo, a crise que o setor vive demonstrará que não haverá espaço para velhos modelos no mundo corporativo moderno. Novamente, recorremos à analogia com o processo de ocupação do território de Minas Gerais para mostrar que, devido à incapacidade de se reinventarem, vários povoados mineiros de economia baseada em extração mineral estagnaram, foram abandonados ou desapareceram com a extinção do ouro ao longo do século XVIII e início do século XIX. Outros, no entanto, sobreviveram, pois se adaptaram e desenvolveram outras atividades tais como
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comércio, turismo e agropecuária. Tomemos como caso emblemático o quadro presente, e até em parte do futuro, de Conceição do Mato Dentro, onde o extrativismo poderá sustentar um vórtice de crescimento. No entanto, a cidade sabe que mineração não durará para sempre. Não é recomendável, portanto, colocar “todos os ovos na mesma cesta”, como ensina o ditado popular. “Por que não pensar em criar núcleos de desenvolvimento de economia criativa, com o capital social local, turismo sustentável e mesmo o espiritual, a partir da visão da própria empresa de mineração, dentro do paradigma da “renda sem emprego”, movimentando as hélices do capitalismo, que hoje estão paradas por “falta de mercado”?” Essa indagação/sugestão foi feita por um grande amigo, especialista em sustentabilidade e pode nos ajudar a encontrar uma saída para o cenário atual. Será preciso uma nova mentalidade para pensar a sobrevivência no futuro após o descomissionamento de uma mina que pretende produzir milhões de toneladas por ano de minério de ferro. Será preciso se preparar no presente para encontrar e fomentar as oportunidades de novos negócios que possam gerar renda e emprego, de forma diversificada e inovadora. O futuro da socioeconomia da região de Conceição do Mato Dentro deve ser construído desde já, no sentido de se evitar um colapso dos sistemas econômicos e sociais, especialmente em cenários de incertezas e inseguranças que abalam, também, grandes projetos. De maneira prospectiva, grandes empresas do setor de mineração poderiam desenvolver e implementar um portfólio com novos paradigmas que apoiariam outros e melhores cenários de sustentabilidade para o setor de mineração. Dentre estes, sugerimos - o desenvolvimento e a utilização de práticas éticas e sistemas inteligentes de governança corporativa; - a sinergia de programas e ações das empresas de mineração com programas e ações dos governos, apoiando políticas públicas que facilitem a contribuição do setor de mineração para o desenvolvimento sustentável; - a vinculação de considerações e perspectivas sobre o desenvolvimento sustentável ao processo de tomada de decisões corporativas; - a adoção de novos paradigmas para planejar, projetar, operar e fechar as operações das áreas de mineração, de forma a apoiar e contribuir para o desenvolvimento sustentável; 18
- o apoio a programas e políticas públicas que fomentem a defesa dos direitos humanos fundamentais e respeito a cultura, costumes e valores das comunidades onde estão inseridos os projetos de mineração; - o respeito e o apoio para o fortalecimento e a valorização da cultura, da história e dos patrimônios das comunidades locais; - a contribuição para a conservação da biodiversidade, serviços ecossistêmicos e ações de apoio para a proteção e preservação de bacias hidrográficas; - a contribuição para o desenvolvimento das comunidades envolvidas nos projetos, desde o desenvolvimento até o fechamento dos projetos minerários; - o incentivo a parcerias com governos e organizações não governamentais a fim de assegurar que programas, tais como saúde da comunidade, educação, desenvolvimento comercial local, sejam bem elaborados e efetivamente realizados; - a ampliação do desenvolvimento econômico e social buscando oportunidades para melhorar os quadros de pobreza nas regiões dos empreendimentos. Do ponto de vista econômico, a mineração é fundamental para milhões de pessoas em várias regiões do planeta. 19
Cerca de 50 países dependem significativamente da mineração. No entanto, a riqueza mineral nem sempre significa crescimento econômico positivo – a chamada teoria do “paradoxo da abundância”. As experiências ao redor do mundo mostram que é fundamental que as regiões minerárias evitem, a todo custo, esse paradoxo da abundância e seus efeitos, destacando-se a baixa taxa de investimento nos setores não extrativistas; a pouca diversificação da produção; a malversação dos recursos públicos oriundos das receitas derivadas dos recursos naturais e o crescimento autofágico.
3. Algumas Dimensões do Desenvolvimento Sustentável Associados à Água Em um projeto minerário, o avanço em cada uma das três dimensões do desenvolvimento sustentável – ambiental, social e econômico – está vinculado, de maneira clara e especial, às restrições impostas pela disponibilidade de recursos hídricos limitados e, muitas vezes, vulneráveis. Somam-se a esse cenário de Vários ecossistemas ao incertezas as dificuldades redor do mundo estão geradas por uma ausência de
em declínio. No Brasil, e em Minas Gerais, o cenário não é diferente: a Mata Atlântica está desaparecendo e o cerrado, idem.
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visão sistêmica quanto à gestão dos recursos naturais, bem como seus serviços e benefícios. 3.1 Proteção Ambiental e Serviços Ecossistêmicos A maioria dos modelos econômicos adotados nas últimas décadas não valora os serviços essenciais prestados pelos ecossistemas, levando, muitas vezes, à utilização não sustentável dos recursos hídricos e à degradação da frágil teia da vida. A poluição, devida ao não tratamento dos efluentes domésticos e industriais e ao escoamento superficial de áreas agrícolas, também enfraquece a capacidade dos ecossistemas no provisionamento de serviços relacionados aos recursos hídricos. Vários ecossistemas ao redor do mundo estão em declínio. No Brasil, e em Minas Gerais, o cenário não é diferente: a Mata Atlântica está desaparecendo e o cerrado, idem. As áreas de campos rupestres e altas altitudes, antes protegidas pelo simples isolamento, agora são alvos da expansão de agronegócios e mineração, de forma desarticulada e desorganizada, sem uma gestão básica dos elementos territoriais. Na maioria das atuais abordagens de gestão econômica e de recursos, os serviços dos ecossistemas continuam sendo subvalorados, pouco reconhecidos, subutilizados ou mesmo desconsiderados.
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O foco em programas de gestão territorial integrada, especialmente em regiões de ecossistemas frágeis e singulares, que mantenha um benéfico equilíbrio entre infraestrutura construída e natural, poderia, por exemplo, garantir a maximização dos benefícios relacionados à água e outros serviços ecossistêmicos. A argumentação econômica deveria tornar a preservação dos ecossistemas um ponto de grande relevância para os tomadores de decisão e os planejadores. A avaliação dos serviços ecossistêmicos deixa claro que os benefícios são bem mais altos que os custos de investimentos relacionados aos recursos hídricos, por exemplo. Enfim, a adoção de gestões baseadas em ecossistemas pode vir a ser um modelo fundamental para garantir a sustentabilidade, inclusive hídrica, a longo prazo, para nossa sociedade. 3.2 Pobreza e Equidade Social Enquanto o acesso ao abastecimento de água de uso doméstico é fundamental para a saúde familiar e a dignidade social, o acesso à água para usos produtivos, como agricultura e empresas é vital para a criação de oportunidades de sustento, geração de renda e contribuição para a produtividade econômica. Investir na melhoria da gestão dos recursos hídricos e serviços associados pode contribuir para a redução da pobreza e prover suporte para o crescimento econômico, tão essencial no cenário brasileiro e mineiro, especialmente em momentos de crise sistêmica, como agora. De igual maneira, intervenções em recursos hídricos relacionadas à pobreza podem fazer a diferença para milhares de pessoas, que são beneficiadas diretamente com a melhoria dos serviços de abastecimento de água e saneamento por meio de uma saúde melhor, redução dos custos com saúde, aumento da produtividade e da economia de tempo. O crescimento econômico em si não é garantia de um progresso social mais abrangente. Apesar do encurtamento da distância entre ricos e pobres em nosso país, ainda há uma grande diferença que separa esses dois eixos da sociedade, sem falar naqueles que podem e os que não podem buscar novas oportunidades. O acesso à água potável e ao saneamento é um direito humano, mas sua limitada implementação tem impacto desproporcional, em particular 22
sobre as classe menos favorecidas. Sob um novo olhar, a água tem um papel central na geração de qualidade de vida para as pessoas, e é preciso, de forma inovadora, unificar contextos que são aparentemente desarticulados, lançando, com base nesse novo olhar, a proposta da gestão integrada dos territórios, com o propósito de um amplo programa de melhoria da qualidade de vida das populações. 3.3 Desenvolvimento Econômico A água é um recurso essencial na produção da maioria dos bens e serviços, incluindo alimentos, energia e manufaturados. O abastecimento de água (em quantidade e qualidade), no local onde ela é necessária para o usuário, deve ser confiável e previsível, para apoiar investimentos financeiramente sustentáveis em atividades econômicas. Bons investimentos que sejam adequadamente financiados, operados e mantidos facilitam as mudanças estruturais necessárias para promover avanços na economia. Muitas vezes, isso significa melhoria na renda, possibilitando aumentar os gastos com saúde e educação, reforçando a dinâmica de autossustentabilidade do desenvolvimento econômico. O usufruto de benefícios pode ser ampliado com a promoção e a facilitação do uso das melhores e disponíveis tecnologias e 23
sistemas de gestão – mais produtivos e eficientes -, para o abastecimento de água, por exemplo. Esses tipos de intervenção e investimento conciliam o contínuo aumento do uso da água com a necessidade de se preservarem os ativos ambientais, dos quais dependem o provisionamento de água e a economia. Haja vista, por exemplo, a grave crise que se anuncia no setor de extração mineral,em relação à disponibilidade hídrica. Há, com os cenários de escassez, um quadro que precisa ser superado, mas que, exatamente pelo modelo vigente, exige uma mudança na visão da economia, baseada em novos cenários de escassez hídrica. Daí a clara necessidade de atuação articulada dos setores da sociedade com o objetivo de promover uma conexão entre estes dois polos, o uso pela economia e a produção de água, proteção de áreas de recarga e aquíferos e a disciplinização de seus múltiplos usos.
4. Água, Vulnerabilidade Climática, Estresse Hídrico, Serviços Ecossistêmicos e outros Desafios O homem promove ações e intervenções nos sistemas hídricos há milhares de anos. Os sumérios, há aproximadamente de 4.000 A.C. já possuíam instruções de técnicas de irrigação das lavouras. Os egípcios controlavam o fluxo do Nilo por meio de um dispositivo administrativo que analisava as relações entre a montante e a jusante do rio e planejavam as ofertas hídricas, projetando os níveis d’água durante os períodos anuais. Por volta de 3.750 a.C., diversas obras e técnicas relacionadas à água e ao saneamento já faziam parte do escopo de algumas civilizações, tais como as galerias de esgotos construídas em Nippur, na Índia; o abastecimento de água e a drenagem encontrados no Vale do Indo (atual Paquistão) em 3.200 a.C; as ações e os métodos de clarificação da água para abastecimento, pelos egípcios em 2.000 a.C., utilizando o sulfato de alumínio, entre outros. A cultura da água, ao longo do tempo, estabeleceu técnicas e ferramentas para sua administração. Assim originam-se práticas culturais da administração das águas. Citamos, como exemplo ancestral, o antigo hábito romano de 24
transportar e distribuir água, usando a técnica dos construtores de aquedutos, para assim melhor aproveitá-la e distribuí-la. De igual maneira, a análise sobre possíveis conflitos em relação ao uso de água já era pensada, desde tempos pretéritos. Por exemplo, Platão (427-347 a.C.) já percebia, em sua época, os conflitos pelo uso da água. Argumentava sobre a necessidade de uma normatização de uso e uma compensação ao prejuízo, caso algum usuário tivesse gerado um passivo para outro usuário da água. Percebemos, assim, que o uso, as técnicas e os conflitos no uso da água não são novidades da civilização moderna, muito ao contrário. Ao analisarmos o contexto histórico, percebemos que as interconexões entre água e desenvolvimento sustentável vão muito além de suas dimensões sociais, econômicas e ambientais. A saúde humana, a segurança alimentar e energética, a urbanização e o crescimento industrial, bem como as mudanças climáticas são áreas críticas de desafio, em que as políticas e ações de vital importância para o desenvolvimento sustentável podem ser fortalecidas (ou enfraquecidas) por meio da água, seu uso e gestão. Sabidamente essencial à manutenção da biodiversidade, regulação do clima, produção industrial e sobrevivência humana, a água nos mostra, com clareza, que nosso século XXI será o século da água, assim como o século XIX foi o do carvão mineral, e o século XX, o do petróleo.
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As projeções dos organismos internacionais indicam que, até 2050, a agricultura precisará produzir globalmente 60% a mais de alimentos e 100% a mais nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Sendo já insustentáveis os atuais índices de crescimento global da demanda de água pela agricultura, o setor terá de aumentar sua eficiência no uso dessa água, reduzindo as perdas e, ainda mais importante, aumentando a produtividade das culturas em relação aos recursos hídricos utilizados. A poluição da água pela agricultura, fato que pode piorar com o aumento da agricultura intensiva, pode ser reduzida mediante a combinação de instrumentos, incluindo uma regulamentação mais rigorosa e aplicada e subsídios bem definidos. No modelo vigente, a produção de energia é e será cada vez mais intensiva baseada em recursos hídricos, especialmente, em Minas Gerais e também em nosso país cuja base de geração de energia é feita por hidroelétricas. Assim, para atender às crescentes demandas de energia será gerado um aumento da pressão sobre os recursos hídricos, com repercussões sobre outros usuários, como os da agricultura e da indústria. Considerando que esses setores também demandam energia, há espaço para a criação de sinergias em todos os setores. Esse cenário, em meio à crise, pode, incrivelmente, vir a ser um quadro de oportunidades, quem sabe. Até 2050, prevê-se um aumento de 400% da demanda global de água pela indústria manufatureira, afetando todos os outros setores, com a maior parte desse aumento ocorrendo em economias emergentes e em países em
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desenvolvimento. Muitas corporações têm feito progressos consideráveis na avaliação e na redução do próprio consumo de água e das respectivas cadeias de suprimentos. As pequenas e médias empresas brasileiras enfrentam desafios semelhantes em menor escala, mas com meios e capacidades de resposta mais limitados. Os impactos negativos das mudanças climáticas sobre os sistemas de água doce provavelmente superam seus benefícios. As projeções atuais indicam importantes mudanças na distribuição temporal e espacial dos recursos hídricos e um aumento significativo na frequência e na intensidade dos desastres relacionados a eventos hidrológicos críticos, com o aumento significativo das emissões de gases de efeito estufa (GEE). A escassez de água está na linha de frente quando se consideram os desafios relacionados aos recursos hídricos. Esse cenário pode dificultar, sobremaneira, o progresso rumo ao desenvolvimento sustentável, especialmente no centro, no norte e no nordeste de Minas Gerais, onde o consumo insustentável e a sobre-exploração de recursos hídricos superficiais e subterrâneos podem contribuir para a escassez de água e ameaçar o desenvolvimento sustentável a longo prazo. As grandes prioridades para Minas Gerais devem ficar em torno das ações de fortalecimento da capacidade institucional formal para gerenciar os recursos hídricos e promover a integração sustentável da gestão desses
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recursos para o desenvolvimento socioeconômico e a redução da pobreza. Em 2014, a UN-Water – Unesco - recomendou um objetivo de desenvolvimento sustentável (ODS) específico para água, constituído por cinco áreas-alvo: 1. saneamento; 2. recursos hídricos; 3. governança dos recursos hídricos; 4. qualidade da água e gestão de efluentes; 5. desastres relacionados a eventos hidrológicos críticos. Tal objetivo específico para os recursos hídricos produziria benefícios sociais, econômicos, financeiros e outros que superam amplamente os seus custos. Os benefícios se estenderiam para o desenvolvimento de saúde, educação, agricultura e produção alimentar, energia e outras atividades sociais e econômicas. O documento final da “Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável de 2012 (Rio + 20), O Futuro que Queremos”, reconheceu que “a água está no centro do desenvolvimento sustentável”, mas ao mesmo tempo o desenvolvimento e o crescimento econômico criam pressões sobre esse recurso e desafios à segurança hídrica para os seres humanos e a natureza. Ademais, permanecem enormes incertezas sobre a quantidade de água necessária para atender à demanda de alimentos, energia e a outros usos humanos e para sustentar os ecossistemas. Essas incertezas são exacerbadas pelo impacto das alterações climáticas. A gestão de recursos hídricos é responsabilidade de muitos tomadores de decisão, nos setores público e privado. A questão que se coloca é de como a responsabilidade compartilhada pode ser transformada em algo construtivo e ser elevada a um ponto de convergência em torno do qual os diversos interessados possam se reunir e participar coletivamente em tomadas de decisão. O avanço em governança dos recursos hídricos exige o envolvimento de uma ampla gama de atores sociais, por meio de estruturas de governança inclusivas, que reconheçam a dispersão da tomada de decisão por meio de vários níveis e entidades. Paralelamente, a crise hídrica, amplamente divulgada pelos meios de comunicação, assumiu gravidade nacional, cenário que, segundo dados do 28
Relatório ANA - Conjuntura dos Recursos Hídricos – Edição 2014, foi resultado dos baixos índices pluviométricos registrados desde 2012. Em outubro de 2015, a Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais divulgou o resultado de um estudo sobre a vulnerabilidade climática no estado. Os cenários são, no mínimo, preocupantes: mais de cinco milhões de pessoas já estão diretamente afetadas pelas mudanças do clima – número equivalente a mais de 25% da população no estado, de acordo com o Índice Mineiro de Vulnerabilidade Climática (IMVC). O estudo aponta que mais da metade dos 853 municípios têm baixa capacidade de se adaptar às alterações do clima e a seus efeitos, 78% têm alta sensibilidade a essas mudanças climáticas, e 15% estão em áreas de vulnerabilidade extrema. Esse quadro, por si, já justificaria um esforço de gestão para minimizar seus efeitos nocivos para a sociedade mineira.
Mapa de vulnerabilidade às mudanças climáticas em Minas Gerias - 2015 - Governo de Minas Gerais
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Reforçam nossa reflexão as causas da crise hídrica, à qual devem ser agregados outros fatores como a necessidade de valorização dos recursos hídricos como bem público que demanda gestão e uso racional. Também destacamos a urgência de adoção de ações que promovam o aumento da oferta de água nos territórios, especialmente os minerários, dialogando diretamente com o aprimoramento de técnicas de reuso, redução do desperdício pelos diferentes setores usuários e implementação de ações de conservação dos mananciais. Está mais que evidente que a biodiversidade planetária é essencial para o bem-estar humano. Também está claro que ela contribui com recursos valiosos, assim como regula serviços em direção a um ambiente operativo seguro. Esses serviços ecossistêmicos, em sua maioria, estão na natureza de bens comuns e serviços cuja invisibilidade econômica foi, até o presente momento, uma causa importante para sua subvalorização, má administração e, por fim, consequente perda, infelizmente. O avanço em Na atualidade, sabemos que valores governança econômicos podem ser estimados para esses dos recursos serviços ecossistêmicos, e o valor atual desses hídricos exige o serviços é uma parte fundamental do capital natural. Bens naturais, tais como florestas e envolvimento de bacias fluviais são componentes essenciais do uma ampla gama de capital natural. atores sociais [...] Eles são extremamente importantes para assegurar a estabilidade do ciclo da água e seus benefícios para a agricultura e famílias, o ciclo do carbono e seu papel na mitigação climática, fertilidade do solo e sua importância na produção de culturas, microclimas locais para hábitats seguros e assim por diante. Todos são elementos cruciais para um novo modelo econômico. Nossa sociedade vem, aos poucos, percebendo que o modelo atual de produção agrícola, por exemplo, utiliza grandes sistemas de irrigação que retiram, em grande escala, água de rios ou lagos para produção de alimentos, reduzindo os fluxos disponíveis para sistemas naturais. Essas retiradas em grande escala provocam alterações físicas, químicas e geomorfológicas que afetam a produtividade biológica e as características dos ecossistemas aquáticos que, por sua vez, afetam não apenas a flora e a fauna, mas também os aspectos econômicos e sociais. 30
5. Alterações Ambientais, Água e a Mineração de Ferro É fato que o Brasil detém 12% a 16% da água doce disponível na Terra, sendo muito rico nesse serviço ecossistêmico que provê, gratuitamente, à população e à economia. Cada brasileiro poderia contar com mais de 43 mil m³ por ano dos mananciais, mas apenas 0,7% desse montante termina sendo utilizado. Nações como a Argélia e regiões como a Palestina, em contraste, usam quase a metade dos recursos hídricos disponíveis, e outras ainda, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes, precisam obtê-los por dessalinização de água do mar, um processo que ainda tem seu custo muito elevado. A situação brasileira, para os apressados, pode parecer aparentemente confortável, mas não é. Em primeiro lugar, há o problema da distribuição: a água é tanto mais abundante onde menor é a população e mais preservadas são as florestas, como é o caso da Amazônia brasileira. No litoral do país, assim como nas regiões Sudeste e Nordeste (onde se concentram 70% da população), muitos centros urbanos já enfrentam dificuldades de abastecimento, tanto em pequenas cidades quanto em regiões metropolitanas. Um tom cinza paira no horizonte com os riscos de consequências do aquecimento global. Com as crescentes emissões de dióxido de carbono (CO₂) e de outros gases do efeito estufa decorrentes da queima de combustíveis ou por outras atividades humanas, a atmosfera terrestre retém mais calor do Sol perto
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da superfície, aumentado, assim, a temperatura das massas de ar, energia que alimenta os ventos e tempestades. Hoje, qualquer cidadão percebe, com clareza, as alterações nos padrões de circulação atmosférica. As mídias derramam enormes quantidades de informações sobre regiões que poderão sofrer estiagens mais frequentes e graves, enquanto outras ficarão mais sujeitas a inundações. O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), um comitê com alguns dos maiores especialistas do país em climatologia, fez projeções sobre as alterações prováveis nas várias regiões. As alterações mais confiáveis valem para a Amazônia (aumento de temperatura de 5°C a 6°C e queda de 40% a 45% na precipitação até o final do século, com 10% de Hoje, qualquer cidadão redução nas chuvas já nos próximos percebe, com clareza, as cinco anos), para o semiárido, no alterações nos padrões de Nordeste (respectivamente 3,5°C circulação atmosférica. As a 4,5°C e -40% a -50%), e para mídias derramam enormes os pampas, no Sul (2,5°C a 3°C quantidades de informações de aquecimento e 35% a 40% de sobre regiões que poderão aumento de chuvas). Esses cenários sofrer estiagens mais mostram uma mudança radical no frequentes e graves, clima, com sérias consequências enquanto outras ficarão para a sociedade brasileira. mais sujeitas a inundações. A ausência de uma visão articulada e sinérgica que organize e dinamize as ações dos governos, da sociedade civil e da iniciativa privada afeta severamente a qualidade e a disponibilidade dos recursos hídricos em Minas Gerais, cenário que pode ser agravado nos próximos anos com a escassez hídrica e o crescente estresse climático. Todos os dias assistimos ao aumento significativo da demanda de água doce, em contraposição à queda no sistema ofertado pelos serviços ambientais da natureza. A não ser que o equilíbrio entre demanda e oferta seja restaurado, muitas regiões de Minas Gerais e do Brasil deverão enfrentar um déficit de água cada vez mais grave. O uso da água no setor industrial, desde a agropecuária até a 32
nanotecnologia, é pouco conhecido pela sociedade e muito pouco divulgado, o que fortalece uma falácia subliminar que coloca a atividade minerária como a grande vilã do uso da água em processos extrativos ou industriais. De modo geral, as pessoas pouco sabem ou não querem saber que cerca de 70% do uso da água no planeta é destinado para a agricultura. Elas também não querem saber que, no Brasil, cerca de 30% da água nos sistemas de abastecimento nas cidades é perdida, por falta de manutenção nos sistemas e qualidade precária das redes de distribuição. Assim, como contraparte nesse processo de desequilíbrio e desinformação, há hoje um forte apelo para o discurso da redução de consumo de água, ao invés da adoção do discurso da produção de água. A água é absolutamente necessária para muitos dos processos e das operações industriais. Ao mesmo tempo, ela também é causa de muitas ações que implicam custos adicionais importantes para o setor industrial. Assim, o sucesso de uma atividade de mineração depende, em grande parte, da resolução adequada de suas interações com a água utilizada em grande parte do processo minerário. Por isso, a viabilidade técnica e econômica de uma lavra está condicionada, frequentemente, ao adequado conhecimento do cenário hidrológico no qual se localiza e ao subsequente desenho das atuações hidrológico-mineiras, que será tanto mais eficiente e de menor custo quanto antes sejam adotadas pelas empresas. Não por outro motivo, as empresas conscientes planejam a atividade minerária, desde a fase de pesquisa até a de pós-fechamento, com abordagens e ferramenta apropriadas, enfrentando de frente as dificuldades que o sistema hídrico pode ocasionar, implementando as medidas preventivas e corretivas mais adequadas. 33
Não podemos esquecer que a interação água–mineração não se restringe à exploração de uma jazida, mas também abrange todos os processos de beneficiamento do minério, e que deve-se considerar que, após o cessar da atividade, os impactos hidrológicos poderão perdurar por muito tempo. Como já abordado nessa pequena reflexão, a mineração, especialmente a de ferro, é uma atividade que interfere, de forma dinâmica, nos recursos hídricos. Os usos e intervenções no ambiente natural, em regiões próximas ou em áreas diretas em um grande projeto de mineração, são enormes e se estendem ao longo de toda vida útil de uma mina. A água está presente em quase todas as etapas da engenharia mineral, principalmente na lavagem e na purificação dos minérios e nos processos industriais como resfriamento e plantas de lavagem, limpeza e descarga de materiais, além do uso direto em logística, como é o caso dos minerodutos. A atividade de lavra normalmente leva à surgência da água nas cavas, tornando necessária sua remoção por meio de bombeamento. Na mineração de ferro, o rebaixamento do lençol freático ocorre, quase sempre, ao longo de todo o tempo em que a lavra se desenvolve. Normalmente, o rebaixamento tem início em um ou dois anos antes da lavra atingir o nível d’água e prossegue até o final da vida útil de uma mina. Os principais usos de recursos hídricos na mineração são derivação ou captação direta em curso de água – para uso na planta de beneficiamento ou em logística (mineroduto); captação em barramento; poços tubulares e demais
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estruturas de captação de água subterrânea; captação de água subterrânea com a finalidade de rebaixamento de nível de água; desvio, retificação e canalização de cursos de água necessários às atividades de pesquisa e lavra. Dentre esses processos, o bombeamento de água tem por objetivo manter o nível d’água em uma determinada cota que permita a continuidade das atividades de lavra. No entanto, é importante destacar que a operação de um sistema de rebaixamento de nível d’água requer que a empresa de mineração tenha conhecimento pleno do sistema do aquífero afetado, bem como dos parâmetros hidrodinâmicos, as linhas de fluxo, as conexões hidráulicas entre aquíferos vizinhos e das áreas de recarga e descarga. No processo de operação de uma grande mina, especialmente de ferro, é essencial que as empresas de mineração criem e organizem eficientes redes de monitoramento piezométrico, fluviométrico e pluviométrico que sejam atualizadas constantemente, além, é claro, da necessidade de adoção, por parte das empresas, de processos de redução do uso de água pelos sistemas da planta industrial e de logística (como os minerodutos), bem como reuso e recirculação de água nos sistemas das plantas industriais. Existem hoje bons exemplos de reuso e reutilização de água em sistemas industriais, e eles devem servir de modelo para o setor, de forma não apenas a reduzir o consumo, mas, sobretudo, evitar a dependência em cenários de escassez. Nesses processos, entendemos que o conhecimento apropriado das práticas envolvidas em cada uma das fases de desenvolvimento da mina -
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planejamento, implantação, operação e descomissionamento – é fundamental, senão essencial, para a indicação e a aplicação dos programas e ações que devem ser desenvolvidos e mantidos pelas empresas com o objetivo de minimizar os impactos da atividade minerária nos sistemas naturais. No decorrer desses processos, podem ocorrer problemas de toda ordem, por exemplo, quando o rebaixamento altera a qualidade das águas subterrâneas ou as estruturas em uma região, gerando drenagem ácida (ao colocar sulfetos que estavam imersos em água, em contato com o oxigênio, estes oxidam e solubilizam metais pesados). Outro fator que merece ser abordado nesta reflexão é o excesso de bombeamento que pode causar zonas de depressão e afundamento nos terrenos, bem como a extinção de nascentes e o comprometimento do abastecimento de água potável nas comunidades e regiões vizinhas à área de uma mina. As experiências mais positivas no universo da mineração indicam que, se forem aplicadas as tecnologias adequadas, a água de mina pode tornar-se um importante ativo a ser integrado à gestão dos recursos hídricos. Planejar e prever, a médio e a longo prazos, a temática da água nas minas, deve ser parte do negócio de uma mineradora. Para isso, é necessária a realização de estudos muito bem documentados que estabeleçam a modelagem desses aquíferos. Um aspecto relevante desse sistema de modelagem deve ser a busca pelo balanço hídrico, com o objetivo de mensurar a contribuição de águas de diversas origens na recarga e na descarga do contexto de uma mina e da região onde está localizada. Com o agravamento da crise hídrica e os cenários previstos de estresse hídrico, especialmente para a região Sudeste (todas as projeções de clima apresentadas em centros de pesquisa, aqui no Brasil e na Europa, indicam que haverá uma redução considerável e cada vez maior do regime de chuvas para a região Sudeste do Brasil), podem-se criar áreas com déficit hídrico ou elevado índice de aridez. Assim, os excessos de bombeamento – somados a outros fatores de uso e de ocupação inadequada dos solos – podem, inclusive, promover a desertificação em determinadas regiões, se programas de mitigação não forem implantados, desde já. Esses cenários nos indicam, com clareza, que as empresas devem atuar com um rígido controle e acompanhamento do processo de rebaixamento de lençóis, além da implantação de um eficiente programa de monitoramento hidrogeológico. Outro fator essencial é que as empresas adotem técnicas de 36
simulação matemática dos fluxos subterrâneos, com o objetivo de traçar previsões sobre os quadros atuais e futuros, antecipando cenários. O uso da inteligência da informação é essencial na atualidade, especialmente, em projetos que usam a água como parte essencial do processo produtivo. Também por isso, um grande projeto de mineração não sobreviverá em cenários de crise, caso ele não faça a gestão integrada dos territórios, incluindo os hídricos, em regiões próximas às minas. Pensar a viabilidade de um projeto minerário requer, de igual maneira, pensar o planejamento da microbacia onde o projeto está inserido, ou seja, o seu território hídrico. Não haverá projeto de mineração se não houver água disponível, em quantidade e qualidade suficiente para todos os usos na microbacia. O quadro de estresse hídrico implicará a proposição de medidas inteligentes e inovadoras, não havendo mais espaço para velhas fórmulas ou planos pontuais e estanques que tenham o único objetivo de reverter quadros de insustentabilidade em grandes projetos minerários. 37
6. Mineração e Produção de Água: Perspectivas e Novos Modelos Infelizmente, a questão da interação entre água e mineração ainda é tratada como um tabu, tanto nas empresas mineradoras (que em sua grande maioria, são estruturadas e operacionalizadas em paradigmas e modelos mentais ultrapassados, ancorados em projetos socioambientais insustentáveis), quanto em determinados grupos da sociedade, especialmente, aqueles que defendem um mundo livre da mineração de ferro (ainda que estes usem, todos os dias, produtos oriundos da extração de ferro: carros, celulares, refrigeradores, aviões, eletroeletrônicos, etc.). Sobretudo agora, mais do que nunca, diante da crise no setor minerário e, especialmente, diante das várias crises associadas à viabilidade das empresas no setor, é necessário coragem, sabedoria e estratégias adequadas para fazer os ajustes que permitam superar e transpor esse momento de crises. As empresas de mineração deveriam reconhecer que, sendo a água essencial no processo de mineração de ferro – na operação da mina, no beneficiamento e no transporte –, ela deveria ser vista e tratada como parte do negócio dessas empresas, assumindo um grau de relevância na gestão de um grande negócio minerário. Ou seja, cuidar das áreas de recarga e dos mananciais que fornecem água para um projeto de mineração não deveria ser uma “boa ação” ou ação de programas ambientais estipulados pelos órgãos de licenciamento. Muito ao contrário, ações estratégicas de conservação e produção de água, nas regiões onde estão projetos minerários, deveriam ser parte do negócio das empresas mineradoras. Mais que políticas de sustentabilidade, isso, em verdade, é prova de inteligência empresarial, gestão estratégica e visão de futuro para o negócio da própria empresa. De outro lado, é preciso pensar que as empresas de mineração (que utilizam recursos minerais) deveriam ter uma política própria de compensação para o equilíbrio dos sistemas naturais. Assim, o investimento em recuperação de mananciais, APP’s e áreas de recarga deveria ser uma forma natural de as empresas cooperarem com a busca do equilíbrio desses sistemas. Em mineração, cuidar das águas utilizadas no processo minerário é, em nossa análise, cuidar do próprio negócio da mineração. Também é essencial pensarmos que um projeto de revitalização das áreas de recarga e de produção de água não significa 38
apenas cuidar das nascentes e dos cursos d’água que estão na área diretamente envolvida pelo empreendimento. Por quê? Porque os cursos d’água têm suas áreas de recarga situadas em áreas externas e, às vezes, em regiões distantes de uma mina ou de uma planta industrial. Assim, é fundamental pensar a questão da água dentro do conceito de território da microbacia e bacia e, não, dentro da região administrativa ou de direito minerário, como comumente é feito. Esse é um exercício ainda a ser reconhecido e implantado pela grande maioria das empresas mineradoras. Diante do exposto, entendemos ser imprescindível que as empresas possam, como parte integrante da atividade da extração mineral e do negócio da mineração, investir, forte e decisivamente, para 1. aumentar a cobertura vegetal nas micro e sub-bacias hidrográficas envolvidas diretamente na produção de água utilizada pelos empreendimentos, trabalhando com a perspectiva de território e bacia e, não, por regiões administrativas; 2. implantar micros e macros corredores ecológicos nas áreas vizinhas e relacionadas aos empreendimentos minerários; 3. viabilizar, por meio de parcerias e cooperações, a sustentabilidade socioeconômica e ambiental de manejo florestal na região vizinha aos projetos de extração mineral, com incentivos financeiros aos proprietários rurais das microbacias e bacias situadas, especialmente, à montante (contribuintes) das áreas de captação e/ou barramento dos empreendimentos; 4. promover a recomposição da cobertura vegetal na bacia hidrográfica dos empreendimentos, fazendo o enriquecimento vegetal com árvores nativas, especialmente, nas áreas de preservação permanente (APPs) e áreas de recarga; 5. criar e difundir programas de práticas de conservação do solo, de forma a contribuir com o lençol freático nas microbacias; 6. apoiar, talvez com pagamento por serviços ambientais, programas de produção de água, os proprietários rurais que contribuem com serviço de conservação das águas; 7. apoiar programas de gestão integrada dos territórios, incluindo, notadamente, as regiões das bacias hidrográficas e todo o conjunto de patrimônios existentes nas proximidades das regiões minerárias. 39
7. Montanhas e Águas As regiões montanhosas são o berço dos maiores rios do planeta. Os ecossistemas de montanhas, como os da Serra do Espinhaço – onde está Conceição do Mato Dentro, estão entre os mais sensíveis às mudanças climáticas e vêm sendo afetados a um ritmo mais rápido do que outros hábitats terrestres, o que pode ter consequências nefastas para a vasta cadeia de uso dos mananciais hídricos. As montanhas de quartzitos, com planaltos e depressões que formam a estrutura da Serra do Espinhaço, uma espécie de coluna vertebral do Brasil central, resguardam não apenas raros conjuntos orográficos e belezas cênicas deslumbrantes, mas, sobretudo, importantes reservas de minerais. Uma análise que promova a conexão do local com o global nos indica, por exemplo, que a atividade minerária em Conceição do Mato Dentro enfrentará dificuldades estruturais e de viabilidade, caso não se, invista decisivamente e com celeridade em um grande programa de produção de água para a microbacia (especialmente à montante) do empreendimento minerário. O fato positivo é que, no caso da região de Conceição do Mato Dentro, já foi elaborado, no ano de 2.008, por uma ONG local, um projeto que analisou as características ambientais da bacia do rio do Peixe, à montante do empreendimento minerário, antes mesmo de o projeto de mineração ter sido efetivamente implantado,
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naquele território. O fato negativo é que um projeto efetivo de “produção de água”, naquela região, não foi implantado pela empresa de mineração, até o momento. Em nossa visão é fundamental que um projeto dessa natureza seja implementado pela empresa, o quanto antes, como forma de buscar minimizar o impacto no balanço hídrico da microbacia em questão. Todos os que conhecem a dinâmica da atividade mineral, especialmente diante dos cenários de estresse hídrico e alterações ambientais – como a climática – sabem que o colapso de um projeto, por razões ambientais, pode vir a ser apenas uma questão de tempo, além de outras variáveis a serem consideradas, como questões sociais, questões relacionadas ao mercado, questões de governança interna ou questões relacionadas aos cenários de instabilidade política/administrativa. Essas são variáveis que, se combinadas e em convergência, podem fazer ruir qualquer grande projeto sobretudo de mineração, infelizmente. Desnecessário dizer que, no caso de Conceição do Mato Dentro, um cenário de paralisação do projeto de mineração seria altamente nefasto para a comunidade conceicionense e para sua região de influência. Assim, todos os esforços possíveis e identificados devem ser mobilizados para se evitar que tal fato venha a ocorrer.
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Portanto, é fundamental que as comunidades envolvidas por um grande projeto, como o de Conceição do Mato Dentro, busquem, junto aos poderes Executivo e Legislativo e suas lideranças, o apoio para uma proposta compartilhada que promova o desenvolvimento socioeconômico, articulado com a valorização da cultura e o equilíbrio dos sistemas naturais e da biodiversidade regional. A existência de hiatos na governança interna em grandes projetos de mineração pode, somado a uma crítica morosidade na tomada de decisões e ausência de ajustes e correções de rumos, gerar incertezas nas equipes desses projetos e transbordar em dúvidas para as comunidades envolvidas, sendo, assim, fatais para as empresas e seus projetos. Os cenários econômicos externos e suas múltiplas interfaces, ao se mesclarem, podem produzir fortes e exponenciais obstáculos para o avanço de qualquer projeto, mesmo aqueles que já estão em operação. Uma análise mais profunda das origens e causas dos fatores de risco em grandes projetos de mineração de ferro nos remetem, quase que invariavelmente, à adoção de modelos de governança e estratégias de gestão que são ultrapassadas, ancoradas em modelos mentais desatualizados e equivocados, com visões corporativas que se mostram deslocadas no tempo e no espaço das comunidades e dos territórios que lidam com os dilemas de um grande projeto minerário. Nesse contexto, é fundamental que as empresas de mineração possam demonstrar para os players de mercado, para as comunidades envolvidas e para os governos que, de fato, querem fazer um projeto-modelo de mineração sustentável e responsável. Caso contrário, a criticidade do momento pode vir a comprometer o conjunto de expectativas das comunidades envolvidas por um grande projeto de mineração. Há hoje uma nova geografia econômica que emerge, com uma nova 42
linguagem de negócio, de mercado e de relações com comunidades, uma nova mentalidade que pode ser observada nos diálogos entre empresas e comunidades, com novas plataformas e modelos mentais que são vistos como ferramentas de gestão, um stakeholder management eficaz e que crie relações internas e externas positivas para as empresas e seus parceiros. Esse novo modelo pode ser, quem sabe, a alternativa para que empresas de mineração possam superar e sobreviver ao dilúvio econômico por que passa o planeta. É preciso que as empresas assimilem uma nova realidade em que não há mais espaço para velhos modelos. Há um mundo novo em que as estruturas de poder, incluindo, por certo, as empresas, devem se adaptar, ou perecerão. Hoje sabemos que, caso as corporações estejam destituídas de estratégias inovadoras, de conteúdos que criem uma sinergia entre o local e o global e não tenham uma pronta capacidade de resposta aos dilemas gerados por elas próprias, elas serão combatidas e rechaçadas pela sociedade que busca o novo com conteúdo, que busca o diferenciado, que busca respostas e não dúvidas e que, sobretudo e acima de tudo, busca aquilo que não esteja vinculado com o velho modo de fazer. Esse cenário é exponencialmente vinculado às empresas de mineração, cuja herança de mazelas, discrepâncias e desequilíbrios socioambientais colocam o velho modelo, bem como essas empresas e o velho jeito de fazer, na berlinda e no gueto da economia moderna, com dificuldades que podem ser intransponíveis. Por tudo isso, pensar em projetar estratégias de conservação e políticas de adaptação específicas para as regiões montanhosas pode ser vital para o futuro das comunidades da região da Serra do Espinhaço, especialmente, os territórios minerários. Não por acaso, a Unesco já trabalhou essa temática com a campanha: 43
Nossas Caixas D’Água Globais: Assegurar os Serviços dos Ecossistemas de Montanhas sob a Mudança Climática –, divulgado na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-20), em Lima, no fim de 2014, junto a uma exposição móvel que revela os impactos das mudanças climáticas em várias regiões montanhosas do mundo. Hoje, em todo o planeta, as montanhas são o lar de 1,2 bilhão de pessoas e fornecem uma infinidade de produtos e serviços ambientais não apenas aos povos que abrigam, mas para aqueles que vivem sob sua influência. A água é o serviço do ecossistema oferecido em estado mais crítico. Além disso, as montanhas são centros únicos de biodiversidade, celeiros fornecedores de alimentos, madeira e recursos genéticos de grande importância farmacêutica
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e agrícola, além de terem grande valor cultural para os povos e serem polos de recreação e turismo. Quando idealizamos a Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, era esse o nosso sonho. A hora de realizar esse sonho é agora, a bem dos ambientes naturais e sistemas fluviais; mas também a bem das próprias empresas de mineração que, sem projetos e ações eficientes de produção de água, com propostas que promovam o balanço hídrico entre o que é usado e o que os serviços ambientais produzem no fluxo, podem ver o negócio da mineração naufragar, na aridez de regiões que outrora foram produtoras de água. Todos os cenários indicam a necessidade de mudar a prática, desde já, a bem de todos.
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