ABDIAS DO NASCIMENTO A TRAJETÓRIA DE UM NEGRO REVOLTADO (1914-1968)
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
ABDIAS DO NASCIMENTO A TRAJETÓRIA DE UM NEGRO REVOLTADO (1914-1968)
Márcio José de Macedo
Dissertação apresentada ao Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Sociologia.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Sérgio Alfredo Guimarães
São Paulo 2005
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Esta dissertação é dedicada aos 40 anos de casamento de meus pais, João Izidoro e Maria Joana. Pessoas que incutiram em mim o valor da educação e o respeito ao conhecimento e à experiência dos mais velhos. Amo vocês!
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Agradecimentos Há uma idéia compartilhada no mundo intelectual de que o trabalho acadêmico é feito de maneira bastante solitária. Penso que essa afirmação pode ser relativizada quando olho para o processo de elaboração dessa pesquisa. Houve momentos de árdua solidão, mas eles foram intercalados com outros de troca, estímulo e convivência com várias pessoas. Quero aqui expressar meus agradecimentos aos amigos que colaboraram para o surgimento, a realização e a finalização deste trabalho. Há sempre o risco de esquecer alguém, mesmo assim gostaria de citar todos nominalmente. Primeiramente ao professor, orientador e amigo Antonio Sérgio Alfredo Guimarães, por confiar em meu trabalho desde a graduação (1998), além de entender minhas angústias, meus medos e problemas e fornecer um grande exemplo de conduta profissional, acadêmica, intelectual e humana. Sem a sua pessoa, seus conselhos e as oportunidades por você proporcionadas, nada disto seria realidade hoje. Aqui expresso o meu mais sincero agradecimento. Ao Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, que me acolheu desde 1998, como bolsista de iniciação científica, e proporcionou-me um agradável ambiente de trabalho através de estrutura física, estímulo intelectual, ajuda financeira, atenção e apoio de funcionários e professores. Em especial, aos professores Lísias Nogueira Negrão e Maria Arminda Arruda Nascimento, respectivamente, ex e atual chefe de departamento. Aos funcionários e amigos da secretaria do departamento, Evania Maria Guilhon e Sá, Irany Terezinha Placedino Emidio, José Antônio Nascimento, Juliana Maria Costa (especialmente pela ajuda nas fotos!), Leci Reis da Silva, Maria Angela Ferraro de Souza, Samara Regina Bertonha e Simonia Rodrigues dos Santos Rosário. Aos vigias do prédio de Filosofia e Ciências Sociais da USP, por agüentarem meus horários loucos de trabalho. Em especial, a Chiquinho, Saulo, Wilsão e Tonhão. À professora Nadya Guimarães (USP), por ler e comentar meu projeto antes de ser enviado à FAPESP. À FAPESP e à FUSP que, em momentos diferentes, proporcionaram apoio financeiro por meio de concessão de bolsas, o que viabilizou minha dedicação exclusiva à pós-graduação e à realização desta pesquisa. Ainda relativo à primeira instituição de fomento, gostaria de agradecer às sugestões do parecerista anônimo, que em muito colaboraram para o formato final deste trabalho. À professora Lilia Moritz Schwarcz (USP), pelas sugestões de leitura antes mesmo da elaboração do projeto de pesquisa e por aceitar participar de minha banca de qualificação, fazendo uma leitura atenta, evidenciada através de valiosas críticas e comentários. Ao professor Peter Henry Fry (UFRJ), por aceitar participar de minha banca de qualificação, pelas sugestões, críticas e observações atentas na leitura de meu texto. Aos “USPior – USPIANOS PRETOS”, Uvanderson Vitor da Silva e Flávio Thales Ribeiro Francisco, pelas sugestões de leitura, conversas, discussões e
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risadas vivenciadas na famosa Cela 11, nos saudosos Clássicos e Botecão, no Escritório Central, no Samba de Bandido da Rua Dom José Gaspar, nos vários Musicaliandos, Sambarylove, Rua do Samba, Barraca do Bigode, Blen Blen Black e nas memoráveis bebedeiras das festas de São Benedito em Tietê (SP). Ao amigo Roberto Parras Ropero (Bigode), pelas conversas madrugadas afora (nos bons e maus momentos!) regadas a cervejas, “quentes” e o melhor som black de Sampa. A Karin Kössling Sant’Anna e Daniela Rosa por cederam textos de seus trabalhos ainda não publicados e que muito me ajudaram na confirmação de determinadas hipóteses. A João Batista de Jesus Felix e Laércio Fidelis Dias, por serem meus primeiros amigos na universidade, por me auxiliarem nos primeiros passos da pesquisa acadêmica e pelas brigas, discordâncias, risadas e empréstimos de grana nos sufocos! Às minhas irmãs, Marlene de Macedo e Renata de Macedo, pelo apoio incondicional. A Noel Carvalho, pelas valiosíssimas sugestões bibliográficas, pelas leituras atentas de meu texto, conversas estimulantes e, principalmente, pelo bom humor, característica que um bom intelectual não deve perder nunca. A Muryatan Barbosa, pelas discussões, sugestões e pela parceria na pósgraduação. A Daniel Pereira Andrade e Milena Mateuzi Carmo, pela amizade, pelas discussões, pelo companheirismo e pelos empréstimos de grana em momentos cruciais! À antropóloga Maria Paula Adinolfi, pelas conversas, pelos estímulos e, principalmente, pelo companheirismo acadêmico e bom humor de uma adorável ítalo-paulistana. A Amauri Faria, Suzana Faria e seu filho, Alex Vega, minha família em São Paulo. Às minhas amigas afro-americanas Kimberly MacClure, Carolyn Watson, Nicole Rousseau, La Tanya Reese, Obyanuju Anya, Rhonda Collier e à professora Kim Butler, que me fizeram entender um pouco a lógica das relações raciais nos Estados Unidos. À afro-colombiana Mary Congolino, por ser alguém tão especial e compreensiva! Às amigas alemãs Miriam Müeller e Saskia Vogel, pela leitura atenta de parte do texto, pelas baladas e pelos momentos divertidos. Aos professores Kabengele Munanga (USP) e João Batista Borges Pereira (USP), pelas conversas agradáveis, pelos conselhos e sugestões. A todos os participantes do “V Fábrica de Idéias: Curso Avançado de Relações Raciais e Cultura Negra”, ocorrido em Salvador, no inverno de 2002. Em especial, ao professor e coordenador do curso, Livio Sansone (UFBA), e sua esposa, professora Angela Figueiredo (UFBA). Ao professor José Guilherme Cantor Magnani (USP), por convidar-me a fazer parte do Núcleo de Antropologia Urbana (NAU), e aos integrantes do NAU. Ao professor Carlos Azzoni (USP), por convidar-me a tomar parte das atividades do programa “Race, development and inequality”, convênio de intercâmbio entre USP, UFBA, Howard University e Vanderbilt University.
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Ao professor Valter Silvério (UFSCar), por convidar-me a trabalhar no projeto “São Paulo Educando pela Diferença para a Igualdade”. A minha revisora, Lúcia Yoshie Sakurai, por ser rápida, profissional e “indolor”! A todos os bolsistas, monitores e professores orientadores do projeto “Dez Vezes Dez: Programa de Formação de Pesquisadores Negros em Ciências Sociais”, ocorrido em 2002 e 2003, e seu projeto piloto, realizado em 2001. Neste programa, tive o prazer e a responsabilidade de trabalhar como monitor e assistente de coordenação. A trilha sonora que acompanhou toda a elaboração desta pesquisa e a redação do texto final foi composta por jazz, soul, rap, R&B, reggae, ragga, samba, samba-rock, funk e MPB (Música Preta Brasileira). Ritmos criados nesse grande território geográfico e cultural chamado Diáspora Africana, por pretos maloqueiros como eu! Ao hip hop, por situar-me no mundo e mostrar o caminho! Marcus Garvey já dizia que é preciso saber de onde se vem para saber para onde se vai! Por fim (e nem por isso menos especial, muito pelo contrário!), à Dionne Beckford, por ter surgido em minha vida num momento tão conturbado trazendome paz, amor e carinho! D, you’re my beautiful gift of African Diaspora and, like Jill Scott sings, you “represent love”… Paz a todos!
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The power of the word is not music, but in terms of aesthetics, the music is the mirror that gives me the necessary of clarity… (…) It must look cool and easy. If it makes you sweat, you haven’t done the work. You shouldn’t be able to see the seams and stitches. I have wanted always to develop a way of writing that was irrevocably black. I don’t have the resources of a musician but I thought that if it was truly black literature, it would not to be black because of its subject matter. It would be something intrinsic, indigenous, something in the way it was put together – the sentences, the structure, texture and tone – so that anyone who read it would realize. I use the analogy of the music because you can range all over the world and it’s still black… I don’t imitate it, but I am informed by it. Sometimes I hear blues, sometimes spirituals or jazz and I’ve appropriated it. I’ve tried to reconstruct the texture of it in my writing – certain kinds of repetition – its profound simplicity… Toni Morrison, Living memory: a meeting with Toni Morrison, 1994.
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I lit a cigarette, and turned on my side, inhaling the memory of Ruth’s odor, staring at the place her body had lain – I’m happy with her. Every inch of her body is a miracle for me; maybe because her body has taught me so much about the miracle of my own. Sometimes, when I wake before she wakes, I lay as I lie now, and watch her: the square feet, which love walking the naked earth, the blunt stubborn, patient toes. And kiss them. Kneeling. I kiss her legs, her thighs, my lips, my tongue, move upward to her sex, her belly button, her breasts, her neck, her lips, and I hold her in my arms, like some immense, unwieldy treasure. I, at least, thank God that I come out the wilderness. My soul shouts hallelujah, and I do thank God. I put out my cigarette. I fall to sleep. James Baldwin, Just above my head, 1979.
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Esses espaços – que vão além da música e religião negra no que elas têm de melhor – rejeitam ideologias maniqueístas e disposições autoritárias, em favor de perspectivas morais, análises cuidadosas sobre riqueza e poder e estratégias concretas de coalizões baseadas em princípios e de alianças democráticas. Essas perspectivas, análises e estratégias nunca deixam de levar em conta a ira dos negros, porém direcionam essa ira para alvos apropriados: todas as formas de racismo, machismo, homofobia ou justiça econômica que prejudicam as oportunidades das “pessoas comuns” (para usar a memorável frase de Sly and the Family Stone e 1 Arrrested Development), para viver com dignidade e decência. A pobreza, por exemplo, pode ser um alvo para a ira negra, tanto quanto a identidade degradada. Ademais, o caráter cultural híbrido da vida dos negros levanos a ressaltar uma metáfora alheia à perspectiva de Malcolm X, porém condizente com suas atuações em público: a metáfora do jazz. Emprego aqui o termo jazz para designar não tanto uma forma de arte musical, é mais um modo de existir no mundo, um modo improvisador, de reações camaleônicas, fluidas e flexíveis perante a realidade, infenso a pontos de vistas extremistas, pronunciamentos dogmáticos ou ideologias hegemônicas. Ser um guerreiro da liberdade nos moldes do jazz significa galvanizar e ativar as pessoas desesperançosas e fartas deste mundo, criando formas de organização cujas lideranças, sujeitas à responsabilidade democrática, promovem o intercâmbio crítico de idéias e uma ampla reflexão. A interação de individualidade e unidade não se caracteriza pela uniformidade e unanimidade impostas de cima, e sim por um conflito entre diversos agrupamentos que chegam a um consenso dinâmico, sujeito a questionamento e crítica. Como acontece com o solista de um quarteto, quinteto ou banda de jazz, incentiva-se a individualidade a fim de sustentar e intensificar a tensão criativa com o grupo – uma tensão que produz níveis mais elevados de desempenho, para atingir o objetivo do projeto coletivo. Esse tipo de sensibilidade crítica e democrática opõe-se a todo e qualquer questionamento de fronteiras e limites para ser “negro”, “homem”, “mulher” ou “branco”. A ira dos negros precisa ter como alvo a supremacia dos brancos, mas também tem de perceber que a negritude per se pode abranger feministas como Frederick Douglas ou W.E.B. Du Bois. A ira dos negros não deve fazer vista grossa à homofobia, porém deve também reconhecer que a heterossexualidade per se pode ser associada aos que combatem a homofobia mas não são homossexuais – assim como a luta contra a pobreza dos negros pode receber o apoio de elementos progressistas de qualquer raça, sexo e orientação sexual. Cornel West, Questão de raça, 1994.
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Sly and the Family Stone é uma das mais famosas bandas negras da década de 60. Sua canção Everyday people (Pessoas comuns) é hoje um clássico. Foi regravada no começo do começo dos anos 90 pela banda rap Arrested Development, sob o título de People everyday (N. T.).
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Sumário INTRODUÇÃO
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I – Otelo e a revolta II – Biografia numa perspectiva sociológica III – Fontes documentais IV – De leadership à liderança V – Modernidade à la negra VI – Organização dos capítulos
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1- CAPÍTULO 01: O Jovem Abdias (1914-1943) 1.1 1.2 1.3 1.4
– Um jovem negro na “Atenas Mogiana” – Exército, Integralismo e Frente Negra Brasileira (FNB) – Tempos de incerteza e aventura – Alguns escritos do início da década de 1940 Conclusão
2- CAPÍTULO 02: O Rio de Janeiro e o Teatro Experimental do Negro 2.1 – O Rio de Janeiro e sua magia 2.2 – Um teatro negro na “Cidade Maravilhosa” 2.3 – O Imperador Jones e Eugene O’Neill 2.4 – Modernidade negra na Diáspora Africana: EUA, Caribe e Brasil 2.5 – Resenhando a produção estética sobre o TEN 2.6 – Conjuntura política e Comitê Democrático Afro-Brasileiro 2.7 – A Convenção Nacional do Negro (1945) Conclusão
3- CAPÍTULO 03: “Problemas e Aspirações do Negro Brasileiro” (1946) 3.1 – “Os pretos não estão criando nenhum problema” 3.2 – Existe um “problema do negro” no Brasil? 3.3 – O “antiisolacionismo negro” 3.4 – A elevação do povo negro: cultura e educação Conclusão
4- CAPÍTULO 04: O Quilombo impresso (1948-1950) 4.1 – Situando geográfica e espacialmente o Quilombo 4.2 – A intelectualidade “do” e “no” Quilombo 4.3 – Preconceito, democracia racial e mestiçagem 4.4 – Personalidades afro-americanas e négritude à brasileira 4.5 – Manifestações culturais e religiosas afro-brasileiras 4.6 – Política, negros e a campanha eleitoral de 1950 4.7 – O I Congresso do Negro Brasileiro Conclusão
32 32 39 53 58 64
66 66 71 77 80 89 95 99 101
104 104 108 134 137 146
150 150 154 157 172 184 186 191 193
5- CAPÍTULO 05: O I Congresso do Negro Brasileiro e desdobramentos 196 5.1 – O I Congresso do Negro Brasileiro e a “negritude polêmica” 5.2 – Esmiuçando a “negritude” e a “polêmica” 5.3 – A eleição de 1950: ”candidato de pretos e brancos” 5.4 – Sortilégio: négritude via “enegrecimento” (1951) 5.5 – Resenhando o TEN do ponto de vista político 5.6 – 1968: crítica a democracia racial e crepúsculo do TEN Conclusão
CONSIDERAÇÕES FINAIS CRONOLOGIA PRODUÇÃO DE ABDIAS DO NASCIMENTO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
196 203 218 220 224 235 239
243 247 256 259 10
Resumo A dissertação tem como objetivo reconstruir a trajetória do ativista negro Abdias do Nascimento, por meio da compreensão dos paradigmas e das concepções ideológicas que orientaram a atuação das várias fases dos movimentos negros brasileiros, em especial, a referente às décadas de 1940 e 1950, quando a atuação do autor estudado foi preponderante, tendo como organização de referência o Teatro Experimental Negro (TEN), por ele fundado em 1944, no Rio de Janeiro. Para chegar ao objetivo proposto, a estratégia adotada foi analisar Nascimento como uma liderança negra e buscar entender o seu processo de construção e legitimação, bem como as influências teóricas, ideológicas e partidárias que a informavam. Outra idéia central na análise é o conceito de “modernidade negra”, que busca entender as estratégias das populações negras no Brasil e nas várias localidades da Diáspora Africana para se inserirem na “modernidade ocidental”, elaborando uma auto-representação do grupo que, dependendo da época e do locus geográfico, leva a um afastamento ou uma reelaboração de sua herança cultural africana em conexão com a lógica colonial e de construção de nação de cada país.
Palavras chave: Abdias; Nascimento; negros; movimento; identidade.
Abstract The dissertation has as an objective to reconstruct the path of the black activist Abdias do Nascimento with the intention of understanding the paradigms and ideological conceptions that oriented the action of the several phases of the Brazilian black movements, especially regarding the 1940s and 1950s, in the which the actions of the author studied was predominant, therefore had the organization of reference the Black Experimental Theater (TEN), founded. In arriving at the objective proposed, the strategy adopted was to analyze Nascimento as black leadership and seek to understand the trial of construction and legitimacy of this leadership as well as the partisan, ideological, and theoretical influences that it informed. Another central idea in the analysis is the concept of "black modernity", that seeks to understand the strategies of the black populations in Brazil and in the several localities of the African Diaspora as being inserted in the "western modernity" elaborating a self-representation of the group that, depending on the epoch and of the geographical locus, tappet to a distance or reelaboration of its African cultural inheritance in connection with each country.
Key words: Abdias; Nascimento; black; movement; identity.
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Introdução I – Otelo e a revolta2 A imagem ao lado exposta remete a figura de Otelo, personagem central da peça homônima de William Shakespeare, numa montagem realizada pelo Teatro Experimental do Negro em 1946. A junção de uma foto de Abdias do Nascimento, interpretando Otelo,
com o
titulo
deste
trabalho
“Abdias
do
Nascimento: a trajetória de um negro revoltado” lança mão de um paradoxo que dá a medida exata para a compreensão da trajetória do autor aqui estudado e, por conseguinte, de parte dos movimentos negros brasileiros. A peça de Shakespeare, escrita no início do século XV, está inserida na fase das produções trágicas do autor inglês. A tragédia trata da história de um general mouro a serviço da República de Veneza que tem um casamento feliz com sua amada Desdemona. Sua felicidade é destruída pela cobiça de Iago, seu oficial subordinado, que movido pela ambição de tomar o lugar do mouro sugere ao ouvido do general que sua amada o trai com seu, até então, leal tenente, Cássio. Cego de ciúmes e vendo-se desonrado, o general mouro mata a esposa asfixiando-a enquanto dorme em seu leito sem nem mesmo questioná-la a respeito do “suposto” adultério. Posteriormente, Otelo descobre que havia sido vítima da trama de Iago. Como afirmou um comentador, Otelo ficou na memória de todos como o protótipo do homem apaixonado e ciumento e Iago como o do homem vil e perverso, capaz de tudo para alcançar o que pretende. Porém, gostaria de chamar a atenção para outros aspectos da peça. O primeiro deles diz respeito à condição racial de Otelo. Os críticos ingleses e, mais ainda, os americanos, procuram explicar esse paradoxo artístico de Shakespeare atenuando a cor de Otelo e de 2
Foto no topo da página de Abdias do Nascimento interpretando Otelo (Shakespeare) no Teatro Fênix, Rio de Janeiro, 1949.
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Desdemona, ao fazerem daquele um representante típico da “raça” árabe, um “mouro” do Norte da África. Mas é o próprio Otelo que se incumbe de desfazer esses escrúpulos dos comentadores modernos afirmando: “O nome dela, que era tão singelo. Com o rosto de Diana, ora se encontra com o meu próprio rosto: negro e sujo”. Diante desse aspecto, penso que Otelo é a primeira dramatização de algo que é recorrente naquilo que chamaremos de teatro negro, a saber: a problemática da inserção do “africano” ou “negro” na modernidade ocidental. Coloco os termos africano e negro entre aspas devido aos mesmos, eles próprios, já serem produto dessa modernidade. Esse tema é recorrente em vários autores (negros e brancos) e pode ser notado em várias peças elaboradas para e interpretadas pelo Teatro Experimental do Negro fundado por Abdias do Nascimento em 1944. Situando a analogia, diria que a trajetória de Nascimento até início dos anos 50 está muito mais próxima de Otelo do que a um “negro revoltado”, formulação elaborada pelo ativista a partir das influências do filósofo franco argelino Albert Camus. Otelo é um negro nobre, alguém adaptado e legitimado dentro das tradições ocidentais. Para, além disso, os traços morais do mouro são superiores em relação aos dos personagens brancos da peça. É mediante essa construção de Shakespeare que é possível ao autor fazer com que o personagem Brabâncio conceba o casamento do general com sua filha Desdemona: branca, bela e nobre patrícia. Em suma, o que quero dizer é que Otelo é um “negro”, mas não “revoltado”. Da mesma forma, o Abdias do Nascimento da fase que vai dos anos 1930 até início dos anos 1950 é um “negro” ainda destituído de “revolta”. Diferente do que fez Otelo, um “negro revoltado”, no lugar do “mouro”, mataria Desdemona não por ciúmes, mas como uma redenção as suas raízes africanas, assim como o fez Emanuel, o advogado negro da peça Sortilégio com sua esposa branca que representava os valores ocidentais. Um “negro revoltado” que estaria pronto para aderir a um ativismo pan-africanista, afrocêntrico e quilombista evidenciado em anos posteriores da trajetória de Abdias do Nascimento. ***
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Esta dissertação de mestrado em Sociologia tem como objetivo reconstruir a trajetória política de Abdias do Nascimento. Pode-se dar início a este texto questionando o porquê de um trabalho de reconstrução da trajetória deste ativista negro e qual a sua importância para os movimentos negros brasileiros do século XX. As perguntas são simples, mas centrais. Num primeiro momento, pode-se imaginar que as respostas são bastante óbvias, já que estamos falando de um homem cuja trajetória é a história de boa parte dos movimentos sociais dos negros brasileiros. Contudo, reformulando as perguntas à dificuldade implícita em ambas, fique mais evidente ao leitor. O que a vida de Nascimento representa? Qual a importância da sua biografia na atualidade? Iniciemos pelas respostas “aparentemente” mais fáceis. Boa parte da história dos movimentos sociais dos negros no Brasil ainda está por ser escrita. Porém, esse processo deve ser acompanhado conjuntamente pela elaboração de biografias de seus principais protagonistas. Assim sendo, surge a necessidade de reconstrução da trajetória de figuras como Abdias de Nascimento, José Correia Leite, Beatriz Nascimento, Guerreiro Ramos, Lélia Gonzalez, Hamilton Cardoso, Eduardo de Oliveira e Oliveira, dentre outros. O objetivo central dessas pesquisas deve ser de evidenciar as relações existentes entre os movimentos e seus protagonistas com a conjuntura social, política e cultural do país e do mundo a sua época. Dentro desta perspectiva, reconstruir a trajetória de Abdias do Nascimento, de 1914, ano de seu nascimento, a 1968, início do seu “auto-exílio”, nos possibilita observar o seu diálogo com períodos extremamente significativos de um ponto de vista local e global. Os estudos sobre movimentos negros no Brasil apontam para três momentos principais até os anos 1980, a saber: Frente Negra Brasileira (FNB) nos anos 1930; Teatro Experimental do Negro (TEN) nos anos 1940 e 1950; e Movimento Negro Unificado (MNU) no final da década de 1970 e início de 1980 (Santos, 1985; Félix, 1996; Andrews, 1998; Guimarães, 1999 e 2000; Hanchard, 2001).3 Nascimento vivenciou boa parte da história destes movimentos desde
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Recentemente, autores como Nascimento e Nascimento (2000) e Sansone (2004) têm afirmado que já existiria um quarto momento dos movimentos negros configurado na atuação das
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1931 até os dias de hoje. Seu pensamento encontra-se entrelaçado com o posicionamento político e racial, seja do TEN (do qual é fundador), seja do MNU. Este é o primeiro ponto de uma perspectiva mais geral, ou seja, a importância histórica da atuação política e artística do autor a ser biografado nas próximas páginas. Cabe, neste momento, por outro lado, uma inflexão no sentido de fechar mais o foco e evidenciar o que a trajetória desse ativista negro nos oferece como diferencial e inovador. Para isso, façamos uma analogia com o trabalho de Ginzburg (1987), no qual o pesquisador investiga o caso de um moleiro italiano queimado pela Inquisição da Igreja Católica na Idade Média, sob a acusação de heresia. A novidade que este personagem medieval traz é a de ser um mediador entre a alta cultura e a cultura popular européia. A partir do estudo de seu caso e da sua singularidade (pois este moleiro, de maneira alguma é um tipo de ocorrência histórica que possa ser generalizada), é possível observar o quanto a população européia plebéia estava mergulhada em uma cultura popular oral, que reelaborava a alta cultura dos nobres. Ao mesmo tempo, seria praticamente impossível capturar ou evidenciar a existência dessa cultura popular pelos instrumentos mais tradicionais da pesquisa historiográfica. A dificuldade aqui envolvida exige que o historiador seja dotado de extrema sensibilidade e leia nas chamadas “entrelinhas” (Ginzburg, 1987:89). Diante dessa constatação de Ginzburg em relação a Menochio, podemos repensar o caso de Nascimento a partir da sua especificidade. Outro trabalho que aqui serve de inspiração é do de Leo Spitzer (2001) que analisa a trajetória de três famílias oriundas da Áustria (Zweig-Brettauer), África Ocidental (May) e Brasil (Rebouças) com as políticas e os processos de assimilação e marginalização implementados em cada uma dessas localidades em momentos diferentes. Spitzer justifica sua opção pela biografia afirmando que “as trajetórias de vida, são de fato, moldadas, direcionadas e freqüentemente modificadas pela interação entre os indivíduos e seu meio coletivo social e
organizações não governamentais (ONGs) negras financiadas por agências internacionais a partir da década de 80. Sobre esse aspecto, ver a pesquisa em andamento de Rios (2005).
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histórico” e haveria, nesse sentido, aquilo que Sartre chamou de “internalização do externo” (Spitzer, 2001:21). Contudo, ele toma o caminho inverso, partindo do indivíduo para entender o contexto histórico, pois, “passando pela perspectiva múltipla dos indivíduos, das diferentes culturas, e fazendo um corte diacrônico, esta abordagem facilita uma compreensão mais rica e mais sutil dos muitos sentidos e implicações da emancipação, da assimilação e do ‘novo’ racismo” (Spitzer, 2001:21). Essa perspectiva nos joga dentro de uma outra problemática que é refletir sobre a biografia e trajetória dentro de uma tradição sociológica. II - Biografia na perspectiva sociológica Faz-se necessária, para os objetivos deste trabalho, uma pequena reflexão sobre o recurso da biografia na análise sociológica. Pensar a biografia nessa perspectiva transfere um problema metodológico para o campo da sociologia, pois ferramentas de pesquisa como os depoimentos pessoais, a história de vida e a biografia são utilizadas com maior liberdade e têm origem na investigação psicológica devido a seu aspecto individualizante (Kosminsky, 1986). Queiroz (1991), ao definir a história de vida, ferramenta de pesquisa que mais se aproxima da biografia, deixa clara a diferença de seu uso na psicologia e na sociologia. A primeira procuraria focar o indivíduo seguindo a compreensão de que a personalidade é moldada a partir da interação entre o indivíduo e o grupo (Queiroz, 1991). Caminho contrário toma a outra disciplina, que “tem por objeto o fato social que, a princípio, foi considerado como exterior aos indivíduos e estudados nos comportamentos visíveis dos mesmos e nas cristalizações institucionais, o interesse que apresentam a história de vida e o depoimento pessoal, para este tipo de sociologia, é limitado; servem como ilustração daquilo que outras técnicas permitiam entender” (Queiroz, 1991:154). Por outro lado, é possível afirmar que a biografia, ao menos entre historiadores, goza de uma certa simpatia nas últimas décadas. Os trabalhos de Loriga (1998), Levi (2000) e Le Goff (1999) são importantes no sentido de apresentarem usos, tendências e críticas à utilização da biografia na história. Loriga, por exemplo, vê o entusiasmo dos historiadores em relação à biografia
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como produto de uma crise da “história científica”, baseada em conceitos totalizantes de classe social ou de mentalidade, nos quais ocorreria uma subordinação das ações sociais às forças produtivas ou aos meios culturais. Levi dá a medida exata das vantagens em se apostar nessa ferramenta metodológica, pois, na sua opinião, “a biografia constitui (...) a modalidade ideal para verificar o caráter intersticial – entretanto importante – da liberdade de que dispõem os agentes, [assim] como para observar a maneira pela qual funcionam concretamente sistemas normativos jamais isentos de contradições” (Levi apud Le Goff, 1999: 24). Diante deste aspecto, é possível questionar em que sentido a biografia a ser realizada nas próximas páginas tem uma faceta sociológica. O estudo de Elias (1995) sobre Wolfgang Amadeus Mozart oferece um modelo teórico de apropriação da biografia para fins de uma análise sociológica.4 A escolha deste autor não é aleatória. Este sociólogo teve um diálogo bastante frutífero com a história, incluindo-se numa tradição alemã que congrega um grupo bastante seleto de autores como Weber e Manheim, além do próprio Elias. As obras deste último sobre a sociedade de corte e o processo civilizador, nas quais o autor trabalha o surgimento e transformação de conceitos como “cultura” e “civilização”, tiveram um grande impacto, tanto na sociologia quanto na história. Discutindo sobre as relações entre história e sociologia, Burke (1980) afirma que “nos anos 20, por exemplo, a sociologia do conhecimento de Karl Manheim era histórica no seu método. Nos anos 30, Robert Merton investigou as ligações entre o puritanismo e a ciência na Inglaterra do século XVII, um estudo de caso na tradição de Max Weber, enquanto Norbert Elias, um seguidor de Manheim, escrevia o seu grande estudo ‘O Processo Civilizacional’ (sic), um livro que poderá ser descrito como uma interpretação sociológica da história da Europa, da Idade Média em diante. Em 1941, Georges Homans publicou um livro intitulado English Villagers of the Thirteenth Century. Todos esses estudos eram importantes, mas os autores remavam contra a maré” (Burke, 1980: 19).
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Um exemplo de trabalho que segue de perto o modelo adotado por Elias é o livro de Garcia (2002).
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No seu livro sobre Mozart, Elias procura mostrar como o músico do século XVIII torna-se um “outsider” na sociedade de sua época devido a sua formação musical excepcional e prematura, as relações com a família e as aspirações como músico que não se ajustavam ao padrão esperado e cultuado na sociedade de corte. Em um dos primeiros capítulos do livro, que leva o título bastante sugestivo e paradoxal de “Músicos burgueses numa sociedade de corte”, Elias resume a sua hipótese para o que chama de “tragédia” de Mozart, além de expor sua perspectiva teórica sobre o modelo a ser adotado ali: O destino individual de Mozart, sua sina como ser humano único e, portanto como artista único, foi muito influenciado por sua situação social, pela dependência da música de sua época com relação à aristocracia de corte. Aqui podemos ver como, a não ser que se domine o ofício de sociólogo, é difícil elucidar os problemas que os indivíduos encontram em suas vidas, não importa quão incomparáveis sejam a personalidade ou realizações individuais – como os biógrafos, por exemplo, tentam fazer. É preciso ser capaz de traçar um quadro claro das pressões sociais que agem sobre o indivíduo. Tal estudo não é uma narrativa histórica, mas a elaboração de um modelo teórico verificável da configuração de uma pessoa – neste caso, um artista do século XVIII – formava, em sua interdependência com outras figuras sociais da época (Elias, 1995: 18).
Há dois pontos a comentar da citação acima. Primeiro no que se refere às críticas aos biógrafos tradicionais, ao negarem ou não perceberem que é difícil entender Mozart focalizando somente sua personalidade ou suas realizações individuais. De certa maneira, essa é uma das críticas elaboradas também por Bourdieu (2000) em relação à biografia, ou seja, exaltar a singularidade e constância de uma vida, algo que não existe, seja do ponto de vista biológico ou psicológico, sendo fruto, na verdade, de uma construção social que, de antemão, está subordinada a uma estrutura. De acordo com o sociólogo francês, "tentar compreender uma vida como uma série única e por si suficiente de acontecimentos sucessivos, com outro vínculo que não a associação de um ‘sujeito’ cuja constância certamente não é senão aquela de um nome próprio, é quase tão absurdo quanto tentar explicar a razão de um trajeto de metrô sem levar em conta a estrutura entre as diferentes estações” (Bourdieu, 2000: 189). Elias rejeita a biografia stricto sensu, como gênero literário, mas flerta com a mesma, ao fazer uma análise de trajetória que leva em conta aspectos tanto macro (estrutura social) quanto micro (alternativas, possibilidades, escolhas e configurações individuais e familiares). Este ponto nos leva ao segundo aspecto 18
importante da citação. O autor nos diz que "é preciso ser capaz de traçar um quadro claro das pressões sociais que agem sobre o indivíduo. Tal estudo não é uma narrativa histórica, mas a elaboração de um modelo teórico verificável da configuração de uma pessoa – neste caso, um artista do século XVIII – formava em sua interdependência com outras figuras sociais da época". Nesse ponto, penso que pode existir uma aproximação entre a proposta de Elias e a dos historiadores que se apropriam da biografia em novas concepções, pois, ao traçar um quadro das pressões que agem sobre o indivíduo, podemos observar as diversas possibilidades de escolhas, incertezas e hesitações que se colocam para o mesmo e que nos afastam da visão de uma trajetória sem contradições ou para que possamos entender o que, aos nossos olhos, é visto como contradição. Isso possibilitaria, ao menos em parte, o entendimento da tragédia ou fortuna de uma trajetória individual. Por fim, o estilo dessa reconstrução de trajetória a ser apresentada nas próximas páginas busca privilegiar a micro-estrutura de análise com o intuito de refletir sobre como se dá o processo de construção de uma liderança política no protesto negro brasileiro. Essas observações fecham o primeiro objetivo deste trabalho, ao mesmo tempo em que buscam justificar o porquê desta reconstrução de trajetória. III - Fontes documentais Reconstruir uma trajetória requer um questionamento sobre as fontes disponíveis para a realização do trabalho. Esse exercício deve ser realizado levando-se em conta desde o tipo de fontes (livros teóricos, depoimentos, manuscritos pessoais, artigos de jornais e revistas, peças de teatro, obras de arte etc.) até o acesso que se tem a elas (localização das bibliotecas, acesso ao acervo, estado das obras e a possibilidade de encontrar certos documentos mais antigos). Esse questionamento torna-se necessário devido ao fato de que o formato e os objetivos da pesquisa estão diretamente relacionados ao tipo de fontes que se tem disponível.
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Da bibliografia de Nascimento constam, até 2002, cerca de 132 títulos entre livros (22), artigos de jornais (43), revistas (56), manuscritos inéditos (03) e depoimentos (03). Os depoimentos são centrais neste trabalho. A primeira sistematização da história de vida do autor, realizada por ele próprio, se deu em 1976, quando se encontrava no exílio. Foi publicada numa coletânea de depoimentos de intelectuais, militantes, políticos e artistas exilados durante o período da ditadura no Brasil. O segundo depoimento é uma entrevista de Nascimento, dada em agosto de 1993 a um grupo de intelectuais, jornalistas e ativistas, que tinham a idéia de lançar um livro com depoimentos de figuras ligadas ao protesto negro no Brasil. Por fim, há o depoimento dado a Gerard Police, pesquisador da Guiana Francesa, que elaborou uma tese de doutorado sobre Nascimento. Este depoimento possui mais de 100 páginas e é fruto de dois encontros ocorridos entre o pesquisador e Nascimento no período de 1996 a 1997. No que diz respeito aos livros, às dissertações ou às teses, pode-se afirmar que a maior parte da produção volta-se para o entendimento do que foi o TEN (Costa Pinto, 1998 [1953], Maués, 1988 e Muller, 1988). Police (2000) foi o primeiro a escrever um trabalho focalizando a figura de Abdias do Nascimento. Intitulada Abdias do Nascimento: L’Afro-Brésilien Reconstruit 1914-1944, a tese de doutorado trata da vida de Nascimento no período anterior à criação do TEN. Para isso, Police fez uso do texto ficcional “Zé Capetinha”, escrito pelo autor em 1943, na prisão. O caráter autobiográfico do rascunho de romance serve como suporte para a reconstrução deste período da vida do autor. Contudo, a utilização dessas fontes fez com que nosso trabalho se restringisse à faceta pública do autor. Não foi possível adentrar a sua esfera privada, devido à ausência de fontes. É preciso agora expor quais são as chaves interpretativas utilizadas na elaboração deste trabalho.
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IV - De leadership a liderança. Acho Abdias um gênio. A gente realmente ou gosta muito dele ou não gosta nada. Foi ele quem deu um caráter mais expressivo ao movimento dos negros. Lea Garcia (1988: 136). Abdias era o líder e escolhia as peças e o elenco. Ensaiávamos até duas horas da manhã. Eu estudava durante o dia, mas a maioria dos outros atores trabalhava o dia inteiro (...). Nessa altura, eu já não concordava com a forma autoritária e pessoal com que Abdias estava conduzindo o teatro. Meu rompimento com o TEN foi deliberado, mas meu envolvimento com o teatro musical, obra do acaso. Haroldo Costa (1988: 142). Abdias foi o fundador do TEN, o idealizador, e sabia se cercar das pessoas certas, como no caso dos colaboradores e dos negros incríveis e talentosos que ele levou para o TEN. Não é propriamente um artista – péssimo ator, por exemplo – mas uma pessoa carismática, sedutora, de uma capacidade muito grande de liderança. Gosto muito dele até hoje, somos amigos. José Medeiros (1988: 149). Abdias é um homem que tem um valor muito grande, brilhante, de uma capacidade incrível de trabalho, mas é muito dispersivo. Quanto ao Teatro Experimental do Negro, que não vingou até hoje, isso se deve a dispersão de Abdias. Ele foi realmente o líder, o dono de tudo, fazia tudo sozinho, e eu acredito em equipe: uma cabeça pensa muito bem, mas duas ou quatro pensam melhor. E ele foi político, pintor, ator, escritor e diretor – muita coisa para uma pessoa, sozinha, dar conta. Ruth de Souza (1988: 128).
As frases acima são de pessoas que, num momento ou outro, tiveram ligações bastante estreitas com Abdias do Nascimento. Lea Garcia e Ruth Souza são atrizes renomadas na atualidade, cujas carreiras artísticas foram lançadas pelo teatro negro organizado por Nascimento. Haroldo Costa (ator, jornalista, cineasta e coreógrafo) e José Medeiros (fotografo) também participaram da empreita do ativista negro, de modo que suas falas podem ser consideradas de “dentro”, ou seja, possuem legitimidade do ponto de vista histórico devido à proximidade com Nascimento naquela época. Todos os depoimentos ressaltam traços da personalidade de Nascimento e a maneira de conduzir seus projetos. Há certas similaridades nas afirmações sobre o autor, que é visto como figura carismática, um líder centralizador e autoritário. Respondendo a elas, o autor retrucou:
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Era preciso ter mão firme para dirigir as atividades do TEN. A centralização de que falam era exatamente a minha dedicação ao projeto. Às vezes, o “democratismo” não dá certo. As pessoas se dispersam e não alcançamos os resultados esperados e necessários. Isso porque alguns se comprometem a fazer determinadas coisas e terminam por não fazê-las. Se eu não tivesse levado o projeto em frente, a qualquer custo, teríamos deixado de alcançar muitos resultados, e perdido muitos espaços, porque muita gente fugiu a seus compromissos e promessas (...). Por isso, muitas vezes tive de assumir a direção, organizar nosso trabalho ou mesmo infundir nas pessoas o sentido de nosso projeto, “aquele espírito”. Por isso falam também que eu tinha certo carisma... Hoje, um carisma um pouco cansado. Não imagino hoje como a gente sobrevivia naquelas condições, como eu agüentava! (Nascimento, 1988: 118).
O que nos interessa das informações é que elas lançam pistas sobre maneiras de interpretar a trajetória política, artística e intelectual de Nascimento. Assim, a porta de entrada de meu trabalho é a idéia de liderança e de como ela se personifica na trajetória do ativista negro. Sugiro dar início a esta discussão através de uma definição do termo liderança. De acordo com Johnson (1995): Liderança é a capacidade de influenciar o que acontece em sistemas sociais. Na maioria dos casos, ela se baseia em alguma forma de AUTORIDADE legítima associada a uma posição social, tais como as de gerente ou presidente, mas não necessariamente. Sociólogos interessam-se em particular pelas circunstâncias em que a liderança surge em grupos, bem como pela maneira como certos indivíduos são designados como líderes. É mais provável que eles surjam durante crises e os que mais participam – como, por exemplo, os que mais falam em discussões de grupos – serão, com maior probabilidade, os que se tornarão líderes (Johnson, 1995: 136).
Tocqueville (1998 [1840]) demonstra como as instituições norte-americanas estão estruturadas no sentido de “fabricar”, “moldar” líderes que atuarão nas mais diversas esferas da sociedade democrática. Tendo como contraponto a sua condição de aristocrata francês e a sociedade de corte, que perdia seu poder e função na França daquela época, o autor possui um olhar privilegiado na interpretação que faz dos americanos. Myrdal (1944), ao fazer a análise do que ele chamará de “um dilema americano”, referindo-se a questão racial no país, dedica a nona parte de seu trabalho a historicização e compreensão do papel da liderança política e intelectual na comunidade afro-americana. Ao mesmo tempo, o analista ressalta a importância da liderança na cultura e sociedade norteamericana: Despite the democratic organization of American society with its emphasis upon liberty, equality of opportunity (with a strong leaning in favor of the underdog), and individualism, the idea of leadership pervades American thought and collective action. The demand for “intelligent leadership” is raised in all political camps, social and professional groups and,
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indeed, in every collective activity centered around any interest or purpose – church, school, business, recreation, philanthropy, the campus life of college, the entertaining of a group of visitors, the selling of a patent medicine, the propagation of an idea of an interest (Myrdal, 1944:709).
A referência aos Estados Unidos não é aleatória. Como se verá neste trabalho, no Brasil pós-Estado Novo, o termo “democracia” se tornará uma palavra chave. Pari passu a este fato, nota-se, no protesto negro que se reorganizava àquela época, a incorporação da necessidade e busca de legitimação de novos líderes. O exemplo mais concreto do lugar onde isto teria ocorrido com sucesso era o país estadunidense. Além disso, é preciso ter em mente que os Estados Unidos, por conta de sua atuação e posterior vitória na Segunda Guerra Mundial pelo lado Aliado, havia garantido a posição de defensor da democracia e opositor da intolerância nazista contra os judeus. É necessário também levar em conta o alinhamento do Brasil ao lado Aliado no conflito, e pró-Estados Unidos no pósguerra. A relação estabelecida entre ambiente democrático, liderança e transformação social pode ser notada na fala do professor branco Joaquim Ribeiro, numa entrevista dada à coluna de Nascimento do jornal Diário Trabalhista, em 1946. Assim, afirmava ele que: Tanto o problema econômico-social, como o problema psicológico do negro, só poderão ser solucionados definitivamente num verdadeiro ambiente democrático. Enquanto não houver democracia verdadeira, essas questões serão sempre questões insolúveis. Só a democracia fornece os meios adequados de reivindicação e o clima essencial para que estas sejam atendidas. Concito, pois, os negros do Brasil a lutarem a favor da democracia (...) Encaro, aliás, com sincera simpatia o movimento chefiado por Abdias do Nascimento, Aguinaldo Camargo e outros leaders negros da nova geração. E dou absoluto apoio ao Manifesto da I Convenção Nacional do Negro Brasileiro. Reputo esta convenção uma das maiores e das mais significativas conquistas democráticas de nossa pátria. Se esta convenção já tivesse sido realizada no dia seguinte ao 13 de maio, o destino do negro brasileiro teria sido muito diferente. (...) Aquela data – 13 de maio – consagrou uma liberdade fictícia. A Convenção, ao contrário, defende a liberdade concreta, real, objetiva. É um programa dos negros e dos brancos verdadeiramente democratas (Ribeiro, 27/01/1946).
A fala de Ribeiro enfatiza o espírito e o ambiente democrático que citei acima. Ao mesmo tempo, apresenta Nascimento e Aguinaldo Camargo como leaders da nova geração, atuando por meio da I Convenção Nacional do Negro Brasileiro, ocorrida em 1945. A utilização do termo “líder” em inglês não se dá de maneira ingênua. Sinaliza, na verdade, para a experiência americana cristalizada
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nas figuras de líderes afro-americanos ou caribenhos, como Frederick Douglas (1818-1895), Booker T. Washigton (1856-1915), Marcus Garvey (1887-1940) e W.E.B. Du Bois (1887-1963). Se, àquela época, Nascimento já era considerado um leader, resta saber de onde vinha a sua legitimidade. Neste aspecto, a tipologia ideal dos três tipos puros de dominação legítima de Weber pode nos ajudar. O uso de ferramentas analíticas denominadas tipos ideais (Weber, 1982) consiste em “exagerar” ou enfatizar determinados traços da realidade social até concebê-las na sua forma mais pura. Os tipos ideais só podem ser utilizados para efeitos analíticos e, por conta disso, jamais se apresentam em situações observáveis. Em outras palavras, o tipo ideal corresponderia a uma filtragem da realidade empírica observável. Neste processo, ressalta-se determinados traços que são construídos mentalmente pelo pesquisador e servem como um tipo de “calibre” ou ferramenta comparativa dos fenômenos culturais. Nas palavras de Weber, “de fato, nunca se poderá decidir, a priori, se se trata de um mero jogo mental, ou de uma construção conceitual fecunda para a ciência. Também aqui apenas existe um critério, o da eficácia, para o conhecimento de fenômenos culturais concretos, tanto nas suas conexões como no seu condicionamento causal e na sua significação. Portanto, a construção de tipos ideais abstratos não interessa como fim, mas única e exclusivamente como meio de conhecimento” (Weber, 1982:108). Na sua tipologia ideal das formas puras de dominação legítima, Weber elenca três, a saber: dominação legal, tradicional e carismática. A primeira tira sua base de legitimidade do estatuto e “seu tipo mais puro é a dominação burocrática” (Weber, 1982:128). A segunda é tradicional “em virtude da crença da santidade das ordenações e dos poderes senhoriais de há muito existentes. Seu tipo mais puro é o da dominação patriarcal” (Weber, 1982:131). Por fim, a dominação carismática se dá “em virtude de devoção afetiva a pessoa do senhor e a seus dotes sobrenaturais (carisma) e, particularmente: a faculdades mágicas, revelações ou heroísmo, poder intelectual ou de oratória. (...) Seus tipos mais puros são a dominação do profeta, do herói guerreiro e do grande demagogo. A
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associação dominante é de caráter comunitário, na comunidade ou no séqüito. O tipo que manda é o líder. O tipo que obedece é o apóstolo” (Weber, 1982:135). Penso que aqui se encontra o pilar de minha interpretação da trajetória de Abdias do Nascimento. A liderança que o ativista negro exerce sobre o teatro por ele fundado e diante do protesto negro dos anos 1940 tem uma base carismática, de acordo com a elaboração de Weber (1982 e 1999). Para este autor, “carisma conhece apenas determinações e limites imanentes. O portador do carisma assume as tarefas que considera adequadas e exige obediência e adesão em virtude de sua missão. Se as encontra, ou não, depende do êxito. Se aqueles aos quais ele se sente enviado não reconhecem sua missão, sua exigência fracassa. Se o reconhecem, é o senhor deles enquanto sabe manter seu reconhecimento mediante ‘provas’. Mas, neste caso, não deduz seu ‘direito’ da vontade deles, à maneira de uma eleição; ao contrário, o reconhecimento do carismaticamente qualificado é o dever daqueles aos quais dirige sua missão” (Weber, 1999:324). Esta é uma dentre as duas chaves interpretativas pelas quais este estudo será conduzido. Passemos à segunda. V - Modernidade à la negra A modernidade é um conceito central nas ciências humanas para entender o mundo ocidental contemporâneo. Tendo como marco de surgimento fins do século XIX e início do XX, ela se caracteriza por uma alteração das percepções dos indivíduos em relação à sociedade e a si mesmos. Isso ocorre devido ao impacto das transformações tecnológicas trazidas pela Revolução Industrial, a emergência do individualismo concomitantemente a um contínuo descrédito do projeto racionalizante iluminista do século XVIII. Berman (1995:15-35) fala numa dialética da modernização com o modernismo, que mistura transformações tecnológicas e políticas com mudanças nas percepções psicológicas e subjetivas dos indivíduos. Esta dialética perpassaria os três momentos da modernidade, a saber, do século XVI ao XVIII, século XIX e, por fim, século XX. Cabe, nesse processo, o surgimento nas populações ocidentais do gosto pela emoção, pelo movimento, pelo tido como não racional e impulsivo.
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Refletindo sobre o contato entre negros e brancos nesse período, Guimarães (2003) formulou o conceito de “modernidade negra”. De acordo com este autor, “a modernidade negra é o processo de inclusão cultural e simbólico de negros a sociedade ocidental, mas, sob a palavra negra se escondem personas muito diversas: o escravo e o liberto das plantações; o africano, o crioulo, o mestiço e o mulato das sociedades coloniais americanos; o norte-americano, o latino-americano, o africano e o europeu do mundo ocidental pós-guerra” (Guimarães, 2003:42). Procurando datar cronologicamente o fenômeno cultural e político por ele estudado, o sociólogo afirma: Portanto, a modernidade negra se inicia, de fato, com a abolição da escravatura, nos meados do século XIX. Significa, em termos bastante gerais, a incorporação dos negros ao Ocidente enquanto ocidentais civilizados e acontece em dois tempos que às vezes coincidem, às vezes não: um primeiro, em que muda a representação dos negros pelos ocidentais, principalmente através da arte, fruto intelectual do mal-estar provocado pelas guerras e pelas lutas de classe na Europa; o segundo se inicia com a representação positiva de si, feita por negros para si e para os ocidentais (Guimarães, 2003: 42).
Haveria três vertentes deste fenômeno, que são correspondentes à distribuição dos descendentes de africanos nas várias localidades da Diáspora Africana. A partir disso, podemos falar numa vertente norte-americana e do Caribe anglófono, outra dos países latino-americanos de colonização portuguesa e espanhola e uma última, vinculada aos países do Caribe francófono. No primeiro, a integração dos negros se dará pela etnogênese de uma “cultura negra” em conexão, mas com um grau de autonomia em relação à cultura dominante. Nos países da América Latina, os negros buscarão a integração através da afirmação de um nacionalismo de bases mestiças. Já a vertente francesa ficaria num meio termo entre as duas perspectivas anteriores. Identificando os vários momentos desta modernidade nas localidades acima citadas e se referindo a sua primeira manifestação no Brasil, Guimarães afirma que “no Brasil, em 1915, aparece o Menelick, primeiro jornal negro brasileiro, ‘orgam mensal, noticioso, literário e critico, dedicado aos homens de cor’. Essa imprensa ganha força, principalmente em São Paulo, influenciada, nos anos seguintes, pelas emergentes ideologias políticas racialistas européias, assim como pela militância negra norte-americana, culminando com a criação da Frente Negra Brasileira” (Guimarães, 2003:50).
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Interessa-me analisar como a proposta de um teatro negro pode ser incluída num segundo momento desta “modernidade negra” no Brasil. Meu esforço se dará no sentido de fechar o foco sob uma trajetória individual, com o intuito de evidenciar o processo de construção de uma perspectiva crítica aos projetos de nação centrados no branqueamento ou na mestiçagem e que reelabora, ao mesmo tempo, essas duas últimas. A elaboração desta “modernidade negra” no TEN ocorre, primeiramente, através do seu advento em 1944. Um teatro composto só por negros, que buscava reverter o estigma que pairava sobre o contingente negro da população, trazendo-o para o centro da cena teatral brasileira e encenando, num primeiro momento, a peça O Imperador Jones. Este texto fora escrito por Eugene O’Neill no início do século para ser interpretada por negros, ao mesmo tempo em que se inseria no hall da moderna dramaturgia. O segundo momento da “modernidade negra” no TEN se dará no início dos anos 1950. Birman (1991) faz uma análise de duas peças escritas para o TEN: Anjo Negro, de autoria de Nelson Rodrigues (1946), e Sortilégio, de Abdias do Nascimento (1951). Uma das sugestões da autora é que essas duas peças dramatizavam um impasse nas relações entre negros e brancos, ao mesmo tempo em que lançavam uma nova perspectiva sobre a questão racial no Brasil. Minha perspectiva de análise privilegiará o texto de Nascimento, pois, esta seria a radicalização da proposta do TEN, através da manifestação de uma “cultura negra” brasileira, usada como estratégia de afirmação política e racial. Nascimento veio ao mundo sob o ideário do branqueamento no começo do século. Na juventude e no início de sua maturidade intelectual, nos anos 1940, esteve conectado à mestiçagem proposta pelas obras de Gilberto Freyre. Contudo, em fins dos anos 1940 e início dos 1950, juntamente com outros intelectuais, como Ironides Rodrigues e Guerreiro Ramos, inaugurou uma fase de atuação em que os intelectuais negros não acreditavam mais numa assimilação completa da sociedade através da introdução de todos os elementos do grupo racial dominante. Costa Pinto (1998 [1953]) está certo quando faz em seu livro uma diferenciação das “velhas” em relação às “novas” elites negras do Rio de Janeiro dos anos 1950. Se as “velhas” buscavam o embranquecimento, uma
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estratégia de ascensão individual e o não questionamento do status quo racial, as “novas” fazem o caminho contrário, ou seja, o enegrecimento ou racialização, estratégia de ascensão grupal e um certo questionamento do status quo racial. O grupo de que se estabelece no TEN é um receptáculo de influências vindas de fora do país, o que o diferencia da primeira fase dos movimentos negros brasileiros configurada na FNB. Assim como esta última, o grupo do teatro negro está conectado com o que está acontecendo na Europa e nos Estados Unidos, mas, se diferenciando da FNB, incorpora e reelabora muito mais essas influências. Contudo, o teatro negro tem, recorrentemente, sido visto e analisado como algo único, em forma de bloco (Costa Pinto, 1998 [1953], Muller, 1988 e Maués, 1988). É preciso separar as trajetórias individuais de seus principais protagonistas, como Abdias do Nascimento, Guerreiro Ramos, Aguinaldo Camargo, Sebastião Rodrigues Alves, Ironides Rodrigues, entre outros. Nesse caso, Nascimento, a partir dos anos 1950, estaria mais próximo da negritude numa concepção proposta por Bastide (1961), ou seja, uma miscigenação que não levava a um “mulatismo”, como no caso de Gilberto Freyre, mas a um enegrecimento e a uma certa valorização das manifestações culturais e religiosas afro-brasileiras. Isso levaria, de certa maneira, ao cultivo inconsciente de uma incipiente “cultura negra”, algo também diferente do que acontecia na primeira fase do protesto negro brasileiro. A peça Sortilégio (1951), de Nascimento, marca o início desta fase. Já Guerreiro Ramos estaria mais apegado ainda a uma perspectiva de integração que conduziria a um “embranquecimento cultural”, pois considera mais a possibilidade de abandono, com o tempo, dessas manifestações que ele considera primitivas (Barbosa, 2004). O trabalho que aqui se apresenta é uma tentativa de sistematização da trajetória política/ativista de Abdias do Nascimento no período que vai de 1914 a 1968. O seu mérito talvez seja de pensar uma divisão da trajetória do autor a partir de suas influências teóricas, posicionamentos políticos e história de vida. Desse modo, um dos objetivos é refletir sobre a importância de Abdias de Nascimento na formação de uma agenda anti-racista no Brasil pós-guerra.
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VI - Organização dos capítulos Para finalizar essa introdução, é necessário fazer uma breve apresentação dos temas tratados em cada parte da dissertação. No primeiro capítulo, intitulado “O jovem Abdias: 1914-1943”, a intenção é reconstruir a trajetória do autor desde os anos 1920 até o início dos 1940. A idéia presente é que essa primeira parte do texto contribua para uma contextualização do ambiente histórico e político no qual Nascimento nasce, cresce e chega à maturidade. Ao mesmo tempo, buscou-se evidenciar que a sua “formação humana” se sobrepõe a uma “formação intelectual”. Outra temática abordada nesta parte diz respeito às primeiras atividades militantes de Nascimento no Integralismo, na Frente Negra Brasileira e na organização do Congresso Afro-Campineiro. Ainda neste capítulo, mostro como o autor estava vinculado a um projeto de nação mestiço, tão propagandeado nos escritos de Gilberto Freyre, Arthur Ramos e nas idéias do integralismo, além de evidenciar o surgimento da idéia de montar um teatro negro. O segundo capítulo, intitulado “O Rio de Janeiro e o Teatro Experimental do Negro (1944-1945)”, tem início com uma contextualização do ambiente intelectual do Rio de Janeiro nos anos 1940. Segue, então, uma breve exposição do que foi o teatro negro e como a sua preocupação com a reelaboração da imagem de parte do contingente negro da população o insere na “modernidade negra”. A análise do teatro é contemplada com uma série de resenhas de trabalhos que o analisam numa perspectiva mais artística e estética do que política. Essa parte da dissertação ainda explora o que foi o Comitê Democrático Afro-Brasileiro e a organização da Convenção Nacional do Negro, ambos em 1945. Nesse último evento, o ativista inicia a aproximação com uma série de personalidades políticas e ativistas negros que constituirão sua rede de atuação no período subseqüente. No terceiro capítulo, denominado “Problemas e aspirações do negro”, será dada atenção especial aos escritos de 1946 da coluna homônima pela qual Nascimento era responsável no periódico Diário Trabalhista. A intenção é evidenciar o modo como a partir do jornal e sua circulação por um ambiente ainda bastante restrito aos negros, o autor fortalece e legitima uma ampla rede antiracista que abrigava intelectuais negros e brancos. Esse grupo havia surgido
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somente devido ao clima de redemocratização que pairava sobre o país após a queda do Estado Novo. A inclusão nessa rede supunha o compartilhamento de algumas idéias básicas, como uma certa especificidade e valorização da experiência racial brasileira como contraponto a outras. Nesse período, tem início uma tímida valorização de elementos constitutivos de uma cultura específica dos negros pautada pelos escritos de estudiosos de assuntos afro-brasileiros, como Arthur Ramos, Gilberto Freyre e Roger Bastide. No quarto capítulo, intitulado “O Quilombo impresso (1948-1950)”, a intenção é explorar a experiência de um jornal fundado por Nascimento através do teatro negro. É uma fase em que a rede formada pelo autor se solidifica e ganha um espaço próprio por meio do periódico Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro (2003 [1948]). Nele, escreviam personalidades da cena intelectual local, nacional e internacional, como Gilberto Freyre, Nelson Rodrigues, Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queiroz, Roger Bastide, Efrain Tomas Bó, George Schuyler, entre outros. Pelas matérias veiculadas é possível captar as representações que uma intelectualidade branca e bem estabelecida tinha a respeito do Brasil e da população negra num momento no qual havia a hegemonia de um ideal de nação mestiça. Por outro lado, nota-se a vinculação, tanto do ativismo negro como das personalidades intelectuais, de um imaginário de “democracia racial”, termo que dava nome a uma das colunas do jornal. Por fim, se capta também através do periódico, os primeiros contatos dos brasileiros das idéias originários do Quartier Latin, ou seja, a négritude francesa. Por fim, o último capítulo, “I Congresso do Negro Brasileiro e seus desdobramentos (1950-1968)”, busca retratar a produção intelectual e os fatos que marcaram essa última fase de sua vida no Brasil antes do auto-exílio nos Estados Unidos. Será dada atenção especial aqui ao I Congresso do Negro Brasileiro, organizado pelo TEN em 1950. A idéia presente é de que o congresso marca o início do rompimento entre Nascimento e parte de uma intelectualidade. Isso se torna mais evidente justamente três anos mais tarde, quando é editado o livro de Costa Pinto, O negro no Rio de Janeiro (1998 [1953]). Contudo, esta disputa estava sendo informada pelo contexto político da época (polarizado entre
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grupos de centro-populista e da esquerda nacionalista) além do clima internacional do pós Segunda Guerra. Após o Congresso, nota-se uma radicalização da proposta da négritude em Nascimento. Busca-se, nessa parte do capítulo, captar esta tendência por meio da análise de Sortilégio, peça escrita por Nascimento em 1951. Nesse capítulo, ainda, é realizada uma resenha das principais obras que tiveram o TEN como objeto de análise, privilegiando uma perspectiva mais política, a começar pelo livro supracitado de Costa Pinto, seguido de uma discussão crítica dessas obras. Por fim, mostro como acontecimentos ocorridos nos anos 1960 fazem com que Nascimento estabeleça uma crítica à idéia de “democracia racial” a partir da instrumentalização do conhecimento acadêmico sobre relações raciais produzido na época.
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Capítulo 01: O Jovem Abdias (1914-1943) 1.1 – Um jovem negro na “Atenas Mogiana”5 Abdias do Nascimento nasce aos 14 de março de 1914, em Franca, cidade situada no nordeste do Estado de São Paulo, a 395 quilômetros da capital paulista. Filho de uma doceira e um sapateiro é o segundo de uma família de sete irmãos.6 Seu pai, José Ferreira do Nascimento, nasceu em Pedregulhos, cidade vizinha de Franca, sendo o filho ilegítimo de um português comerciante de Formiga (MG) com uma mulher negra. A mãe de Nascimento, Georgina Ferreira Nascimento, era natural de Uberaba (MG), filha de Laureano Antonio do Vale, que se tornara famoso como chefe da Orquestra Municipal de Franca. A avó materna chamava-se Francelina. A família de Nascimento não possuía muitos recursos, e ele é obrigado a conciliar trabalho e estudos durante a infância e adolescência. Teve ocupações como entregador de pão, leite e carne nas casas das famílias ricas da cidade e ajudante em uma farmácia. Algumas passagens de sua infância são recorrentes na maioria dos seus depoimentos, como a imagem dos pais (Nascimento, 1976 e 2000). Sua mãe geralmente aparece como a figura mais próxima, que entendia e estimulava o interesse do filho pelos estudos, ao mesmo tempo em que intercedia a seu favor usando o contato com pessoas influentes da cidade. O pai, por sua vez, é retratado de maneira mais distante. Segundo Nascimento, seu progenitor 5
O quadro inserido no topo da página leva o título de “Retrato do artista quando jovem”, de Nelson Nóbrega, São Paulo, 1968.
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Busco, neste capítulo, seguir a proposta de Bourdieu (2000), em seu texto clássico “A ilusão biográfica”, de que não é possível compreender ou escrever a biografia de um indivíduo qualquer sem que tenhamos “construído os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou”; em outras palavras, é preciso haver um distanciamento histórico para que possamos analisar as ações de um indivíduo num determinado período levando em conta as conseqüências, possibilidades e valores dessa ação para o período subseqüente. Podemos dizer que o sociólogo francês faz referência a uma noção de estrutura que conduz e dá sentido à ação dos indivíduos vista a partir de um distanciamento histórico. Ao mesmo tempo, Bourdieu faz referência à necessidade de reconstrução de uma “superfície social” que vai muito além daquilo que chamamos de “contexto histórico”.
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via a educação e a cultura como vias para a frustração dos negros e, para exemplificar isto, sempre citava o caso de um médico negro da cidade, que havia se suicidado após o boicote de sua clientela. Apesar dessa tensão, que se configuraria, segundo o autor, no principal motivo para sua saída de Franca, ele retrata a família como harmoniosa e bem equilibrada (Nascimento, 2000:112). Aos sete anos, entra para a escola primária no Grupo Escolar Coronel Francisco Martins (Police, 2000), a primeira escola pública da cidade, fundada em 1905. O ingresso nesse grupo escolar se dá um ano após Antonio de Sampaio Doria (jurista, professor de psicologia, pedagogia e educação cívica na Escola Normal Secundária da Capital) dar início a uma série de transformações no ensino público de São Paulo, que se consubstanciou na modernização dos métodos pedagógicos, na obrigatoriedade do ensino primário e no incremento das escolas rurais (Candido, 1984:28).7 No ano seguinte (1922), aconteceria o fato que é sempre retratado pelo autor nas suas memórias como o “marco zero” de sua consciência racial e que ele reproduz em quase todos os textos autobiográficos ou depoimentos (Nascimento, 1976 e 2000; Police, 2000). Refiro-me ao espancamento de um colega negro por uma vizinha branca. Havia um garoto preto e órfão, meu colega de escola, mais pobre do que éramos. Certa feita, uma vizinha branca se encontrava dando uma surra no menino (nem me lembro porque); isto se passava na rua, defronte de nossa casa. Minha mãe, sempre tão doce e calma, encheu-se de fúria inesperada, correu em defesa do moleque. Esta como marcou o começo da minha consciência sobre a realidade da situação do negro no Brasil (Nascimento, 1976:26).
Em 1928, entra no curso de contabilidade no colégio Ateneu Francano. Segundo Nascimento (2000), só lhe foi possível estudar nessa escola devido à intervenção da mãe com o prefeito da cidade, que lhe arranjou uma bolsa de estudos. Nessa mesma época, começa a trabalhar em um consultório médico como atendente. O vizinho, um dentista, possuía uma biblioteca que Nascimento viria a freqüentar. No seu depoimento a Police (2000:116), ele afirma que passava o tempo lendo autores como Euclides da Cunha, Flaubert e clássicos da literatura 7
Para saber mais sobre a reforma educacional de 1920 e o pensamento de Sampaio Dória, ver Antunha (1976).
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internacional. Esse talvez tenha sido o primeiro contato mais profundo de Nascimento com a leitura. É difícil falar, no caso de nosso autor, de uma formação intelectual livresca bem delineada. Mesmo ao se referir aos anos subseqüentes, em que fazia o curso de economia, ele não cita os autores que lia. Desse modo, sou propenso a fazer sobre esse período uma reflexão semelhante à de Soares (1997) ou Garcia (2002:13-28) ao analisarem a trajetória do sociólogo Florestan Fernandes, ou a de Elias (1995) ao explicar sociologicamente a formação do músico Wolfgang Amadeus Mozart. A idéia presente nessas três análises de trajetória é a de que as primeiras experiências de vida do indivíduo, quando ainda criança, são essenciais para entender os posicionamentos e as escolhas dos mesmos no decorrer da sua existência social. Soares (1997) e Garcia (2002) seguem uma pista dada por Fernandes no ensaio biográfico “Em busca de um sociologia crítica e militante”, de 1977, em que ele afirma que a “tradição intelectualista”, identificadora dos “anos de formação” como os anos de “socialização acadêmica”, não faria sentido ou teria pouco efeito explicativo no caso da sua trajetória de vida. Nesse sentido, Garcia (2002) fala de uma “formação humana” que se sobrepõe a uma “formação acadêmica”, no caso do intelectual. Penso que esse mesmo conceito pode ser aplicado a Nascimento no sentido de que ele, em suas falas a respeito de si e sua formação intelectual, procura enfatizar fatos pessoais em detrimento da tendência vigente entre os intelectuais de falar do que lia em seus “anos de formação”. Um exemplo desta tendência é a entrevista do sociólogo baiano Guerreiro Ramos, futuro parceiro de Nascimento no teatro dos anos 1950, dada a Alzira Alves de Abreu e Lucia Lippi Oliveira em dezembro de 1981 e anexada ao livro de Oliveira (1995). Logo no início, Ramos apresenta os autores que lia à época de sua juventude intelectual na Salvador dos anos 1920. No caso de Nascimento podemos, contudo, levar em conta que, na maioria de suas entrevistas, os entrevistadores não estavam interessados na sua formação intelectual, deixando de lado indagações desse tipo e preferindo se restringir à história de vida relacionada a sua atuação artística e política.
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Outra passagem recorrente nos depoimentos do autor, por ele apresentada como a emergência de uma certa postura crítica, faz referência à recusa de um emprego de guarda-livros, provavelmente ocorrida em fins de 1928 (Nascimento, 1976: 17). O que o autor visa sempre é reunir fatos do passado que o legitimem como alguém que teve consciência do problema racial desde criança. Este fato nos remete a dois questionamentos teóricos importantes. O primeiro diz respeito à reconstrução do passado pelo autor, ou seja, a memória. É preciso ter em mente que a memória é seletiva e como afirma Le Goff, “tal como o passado não é a história, mas o seu objeto, também a memória não é a história, mas um dos seus objetos e simultaneamente um nível elementar de elaboração” (1992:49). Tendo isto em vista, pode-se afirmar que a reconstrução do passado feita por Nascimento busca sempre fornecer “provas” do seu comprometimento em relação a sua missão como liderança carismática. Nas palavras de Weber: O herói carismático não deriva sua autoridade de ordens e estatutos, como o faz a “competência burocrática”, nem de costumes tradicionais ou promessas de fidelidade feudais, como o poder patrimonial, mas sim consegue e o conserva apenas por “provas” de seus poderes na vida. Deve fazer milagres, se pretende ser um profeta, e realizar atos heróicos, se pretende ser um líder guerreiro. Mas sobretudo deve “provar” sua missão divina no “bem estar” daqueles que a ele devotamente se entregam (1999: 326).
Mais: O carisma pode ser, e naturalmente é em regra, qualitativamente singular, e por isso determina-se por fatores internos e não por ordens externas o limite quantitativo da missão e do poder do seu portador. Segundo seu sentido e conteúdo, a missão pode dirigir-se, e em regra o faz, a um grupo de pessoas determinado por fatores locais, étnicos, sociais, políticos, profissionais ou de outro tipo qualquer, neste caso encontra seus limites no círculo destas pessoas (1999: 325).
Um aspecto marcante desta fase da sua vida é a relação de sua família com a religião. Seu pai era um católico praticante enquanto a mãe, segundo o autor, seguia outras tendências religiosas (Nascimento, 1976:27). Em depoimento a Anani Dzidzienyo, o autor afirma que a mãe era espírita. “My mother was ‘espiritista’ (sic). She was suspicious at Candomble and Umbanda” (Dzidizenyo apud Police, 2000:136). Seja como for, sua formação foi católica (Nascimento, 1976; Maio, 1997 e Police, 2000) a ponto de mais tarde ele aspirar à vida sacerdotal. Segundo Police (2000), isto se deu, primeiramente, em 1935 e depois
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em 1943, quando ele cumpria pena na Penitenciária do Carandiru em São Paulo. Ainda de acordo com este autor, a relação de Nascimento com a Igreja Católica por meio de sua participação nas festividades do calendário religioso, se configuraria nos seus primeiros contatos com as expressões teatrais. Nas suas palavras, “une dernière explication de son profonde foi catholique est liée a la théâtralité des manifestations religieuses auxquelles il assistait, enfant, à Franca. Selon lui, elles ont influencé sa vocation pour le théâtre, mais ont aussi contribué à fixer en lui les images impressionnantes, aux yeux d’un jeune, sur lesquelles reposent la religiosité” (Police, 2000: 236). Todos os fatos citados acima são comuns à experiência de um jovem negro numa das inúmeras cidades do interior paulista no começo do século XX. Apenas 26 anos separam a abolição da escravidão do nascimento do nosso autor. Seus pais, porém, não haviam sido escravos, diferentemente de sua avó materna. O que isso evidencia é que as feridas oriundas do mundo escravista ainda se encontravam abertas e podiam ser sentidas. Franca, na segunda metade do século XIX, havia se tornado um importante centro cafeicultor. Assim como em boa parte das localidades que cultivavam esse produto agrícola, voltado para a exportação, a mão de obra preferida pelos fazendeiros era a imigrante, na sua maioria composta por italianos e espanhóis. Isso fazia com que a população negra, abandonando a área rural após a abolição, buscasse se estabelecer na área urbana das cidades nas primeiras décadas do século XX. De acordo com Butler (1998), entre 1890 e 1940, há uma migração em massa da população afro-brasileira do campo para as cidades do interior e, num segundo momento, para a capital. A autora afirma que “São Paulo in 1896 was still a predominantly rural state, with only 4.7 percent of its population residing in the capital. Of just under 400.000 Afro-Brazilians in the state, 10.782, or 2.7 percent of total, lived in the city. Throughout the post-abolition decades, Afro-Brazilians increasingly abandoned the countryside for urban opportunities. By 1940 the percentage of Afro-Brazilians living in the capital had risen to 12.6 percent” (Butler, 1998:69).
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O fato de a maioria dos negros residentes em São Paulo até o fim da década de 1940 não ter nascido nesta cidade se expressa também na origem dos líderes negros. Assim, por exemplo, no livro de depoimentos sobre a Frente Negra Brasileira, organizado por Barbosa (1998), dos cinco entrevistados que haviam participado da entidade, somente um havia nascido na capital paulista: José Correia Leite (1900). Francisco Lucrécio (1909) é natural de Campinas, Aristides Barbosa é oriundo de Mococa (1920), Marcelo Orlando Ribeiro (1914) nasceu em Baependi (MG), e Placidio Mota (1917) não especifica a cidade, mas conta que é mineiro (Barbosa, 1998). Em Franca, as primeiras décadas do século marcam a passagem de uma economia baseada na produção cafeeira para a economia industrial, mais especificamente a fabricação de calçados. O número de fábricas que se voltavam para esse ramo aumenta de maneira contínua e ininterrupta desde a abertura da primeira, a Calçados Jaguar, em 1921 (Police, 2000: 114). Boa parte dos melhoramentos que a cidade recebe desde o final do século está relacionada aos lucros da produção cafeeira e à residência na cidade de vários “barões do café”. O apelido dado ao município, “Atenas da Mogiana”, vem da Companhia Mogiana, responsável pelo transporte ferroviário e pela abertura de uma estação na cidade em 1887, e da tímida efervescência cultural pela qual passou a cidade entre os anos 1920 e 1940 (Police, 2000). Desse modo, vê-se que Nascimento teve, desde a infância, uma experiência de vida urbana. Além disso, vale ressaltar que os contatos de sua família foram essenciais para que ele pudesse realizar seus estudos e arranjar as ocupações que teve desde criança. Uma das minhas suposições é que os contatos se deviam à notoriedade do avô materno, que fora maestro e bastante conhecido na cidade. Por diversas vezes, em seus depoimentos, Nascimento afirma que a mãe sempre intercedia por ele com as pessoas influentes. O acesso de Dona Georgina a essas pessoas talvez se devesse primeiramente à fama de seu pai e, em segundo, aos doces que fazia e vendia para as famílias mais abastadas da cidade.
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O fato de o autor ter tido uma família minimamente estruturada do ponto de vista matrimonial e econômico é por ele colocado como um fator fundamental para que ele pudesse estudar, completando seus estudos no tempo certo. É bom lembrar que a situação da população brasileira nessa época, no que diz respeito ao acesso ao ensino, era extremamente precária. Caso focalizássemos somente a comunidade afro-brasileira, a apenas três décadas da abolição, a situação seria bem pior. Um exercício interessante é comparar a história de vida de Nascimento à de duas personalidades que se tornariam marcantes no protesto negro e no mundo intelectual brasileiro: José Correia Leite, nascido em 1900, e Florestan Fernandes, nascido em 1920. Ambos são oriundos de famílias chefiadas por mãe e sem estabilidade econômica, o que se constituiu em obstáculos que barraram o acesso dos dois aos estudos.8 O que é importante destacar, nesse período da vida de nosso autor, é a sua circulação por espaços restritos aos negros, o que, se por um lado, abriam-lhe horizontes e perspectivas para a vida, por outro, forneciam noções mínimas do drama de sua condição racial. Nascimento se forma contador no colégio Atheneu Francano em 1929, então com 15 anos. Dos sete formandos que compunham a turma daquele ano, ele era o único negro. Como nos alerta Skidmore (1976), o período que vai de 1914 a 1930 é um momento de transição “entre o racismo científico predominante antes de 1914 e a filosofia social de “fundo ambientalista”, predominante depois de 1930. Nos dois períodos, o branqueamento tinha sido o objetivo racial de facto da elite” (Skidmore, 1976:222). Se, pelo lado de alguns intelectuais, começa a surgir uma nova perspectiva de análise da situação social e racial do país, na qual a noção de raça começa a perder a centralidade, pelo lado das elites políticas dirigentes e do cidadão comum, a raça já não assustava tanto, pois o seu corolário natural seria o “embranquecimento” da população. A força deste pensamento poderia ser medida pela grande ressonância obtida na década de 1920 por Oliveira Vianna, o maior representante do projeto de “branqueamento”, segundo Skidmore (1976).
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Ver Leite (1992) e Garcia (2002).
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Para evidenciar as mudanças que ocorriam nesse período, o historiador americano cita como exemplo o surgimento do Movimento Modernista em São Paulo na década de 1910, que colocava em questão os cânones europeus de literatura seguidos pelos poetas e escritores brasileiros. Outro exemplo fornecido pelo brasilianista é a cruzada lançada por alguns em favor de melhorias sociais para a população, na qual “os propugnadores de medidas de educação e saúde pública afirmavam que doença e analfabetismo e não origens raciais ou caráter inato (como no caso do caboclo) eram a verdadeira explicação. E começavam a ser ouvidos” (Skidmore, 1976:201). Ainda em 1929, Nascimento faz sua primeira visita à cidade de São Paulo, à qual se dirige com o intuito de participar de um desfile esportivo promovido por órgãos do Estado (Police, 2000:120). Na ocasião, um dos detalhes que chamaram sua atenção foi que a Guarda Civil da capital, chefiada por um antigo vizinho da família de Nascimento em Franca, era composta apenas por homens brancos. Segundo consta, a composição racial da Guarda Civil da cidade de São Paulo incomodava sobremaneira os dirigentes das primeiras organizações do protesto negro nesta cidade. Isto resultou em uma ida de negros paulistas ao Rio de Janeiro para reclamar desse fato ao então Presidente da República, Getúlio Vargas, em 1933, que ordenou a inclusão de negros no contingente da Guarda Civil.9 A viagem para a capital do Estado despertou o jovem interiorano para novas possibilidades em relação a sua vida futura. Ao voltar para Franca, buscou convencer seus pais a permitirem sua saída de casa, o que se daria no ano seguinte, 1930.
1.2 – Exército, Integralismo e Frente Negra Brasileira (FNB). Em 1930, Nascimento entra para o Exército. Esta foi a sua estratégia para sair de casa e ir para a capital paulista. Alterou a sua idade no documento, aumentando-a, e conseguiu a passagem de trem entre Franca e São Paulo por
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Ver o depoimento do ex-frente-negrino Francisco Lucrécio a Barbosa (1998), o de José Correia Leite a Cuti (1992) e o livro de Butler (1998).
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meio de um conhecido de sua mãe, na Câmara Municipal da cidade. Chegando a São Paulo, se apresentou como voluntário no Exército, sendo designado para o Quartel Militar de Itaúna, atual Osasco, onde começou a servir como recruta no 2° Grupo de Artilharia Pesada. Ali ficaria durante seis anos e galgaria várias posições, chegando ao posto de Cabo e realizando serviços administrativos, devido ao seu grau de instrução mais elevado do que da maioria do contingente. Todavia, sua iniciação na instituição militar não foi tranqüila. Conheceu a vida dura e disciplinada das Forças Armadas através dos trabalhos que era designado a fazer. Ainda em 1930, sua mãe faleceu em Franca, algo marcante para o jovem, que havia fugido dias antes para visitar a mãe, que se encontrava enferma (Nascimento, 2000:19). Mas se a vida pessoal de Nascimento se encontrava conturbada a esta época, a conjuntura nacional e internacional não era muito diferente. O ano de 1930 se configurou como um “divisor de águas” na história nacional. Tanto é verdade que a compreensão desta década é essencial para o entendimento da modernidade brasileira do ponto de vista político, educacional, intelectual e político. Finda a República Velha, a política do “café com leite” e a dos “governadores”, sobem ao poder as oligarquias dissidentes na figura do político gaúcho Getúlio Vargas. O crack da bolsa de Nova Iorque, um ano antes, havia lançado o mundo capitalista numa grave crise econômica. O café, até aquele momento produto-base da economia brasileira agro-exportadora, tem seu preço no mercado internacional e seu volume de exportações reduzido drasticamente. Organizações políticas surgem por todo o país. Nascimento participaria de duas ao mesmo tempo: a Frente Negra Brasileira (FNB) e a Ação Integralista Brasileira (AIB), ambas com contornos de direita conservadora. Entre julho e setembro de 1932, o autor entra em combate na Revolução Constitucionalista de 1932, no batalhão do General Euclides Figueiredo, atuando como cabo pelo lado de São Paulo. Na batalha, ele conhece Sebastião Rodrigues Alves, que lutava pelo lado contrário e viria a se tornar seu grande amigo. Assim como o jovem francano, este capixaba também era negro e oriundo de uma família católica. Durante a batalha, Nascimento fica a par da existência da Legião 40
Negra, nome dado aos batalhões compostos somente por negros e que atuaram nos conflitos de 1932, em São Paulo. A Legião era formada por indivíduos que se desligaram da Frente Negra Brasileira pelo fato de a entidade se posicionar de maneira neutra em relação ao movimento revolucionário. Chefiada, primeiramente, por um advogado mulato chamado Guaraná de Santana e, posteriormente, pelo chefe militar branco capitão Gastão Goulart, contou com vários agrupamentos, inclusive femininos, e atuou em diversas áreas na frente de batalha. Calcula-se que o número de componentes atingiu por volta de 2.000 negros, na sua maioria homens (Domingues, 2003 e Kõssling, 2005). Os participantes do batalhão eram conhecidos como “Pérolas Negras”. Nascimento não foi um legionário, mas a experiência da organização parece ter fascinado o jovem, pois nas suas palavras: “Nesta revolução, eu tive também uma visão daquilo que o negro era capaz em São Paulo, se criou a Legião Negra. Agora, isso em nível militar” (Nascimento, 1993:03). Após o término do conflito, começa a freqüentar a Frente Negra Brasileira ,onde conheceria José Correia Leite e Fernando Góes (Nascimento, 1976). A “Frente”, como era carinhosamente chamada por seus associados, é considerada a primeira organização política e racial dos negros brasileiros (Guimarães, 1999, 2002, 2003; Butler, 1998; Andrews, 1991; Santos, 1985; Mitchel, 1977). Seu surgimento data de 1931, mas desde 1915 já havia uma série de periódicos informativos e entidades recreativas nas quais os negros paulistas se reuniam. A partir dos anos 1920, de acordo com Bastide (1983) e Ferrara (1981), começam a surgir jornais com maior conotação política que, em conjunto com os primeiros, mais recreativos, e os posteriores, ficaram conhecidos como Imprensa Negra. Seu papel foi fundamental na denúncia da situação da população negra na cidade de São Paulo e do “preconceito de cor” existente, fatos silenciado pelos grandes jornais da época. Como nos mostra Florestan Fernandes (1965), para o surgimento da FNB, foram vitais dois fatores inter-relacionados que afetaram a população negra na capital paulista: 1) a insistência dos negros em ficar na cidade após a abolição; 2)
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as dificuldades do meio urbano que forçaram, às duras penas, a “ressocialização do negro”. Nas palavras de Florestan:
Ao decidir permanecer na cidade, apesar de tudo, o “negro” optou por um estilo de vida, por uma concepção do mundo e por certos ideais de organização da personalidade. Sem o saber, ao longo dos anos da desventura foi assimilando, ao acaso, um pouquinho de cada coisa. Por fim, concentra-se, subjetivamente, num urbanita, embora ostentasse essa condição de forma precária, tanto psicológica quanto socialmente. Aí está a principal razão para explicar porque uns puderam idear os movimentos sociais e outros se dispuseram a segui-los; e um tão grande número tenha decidido envolver a “população de cor” num novo tipo de aprendizagem que se processava no terreno das idéias, da comunicação e da ação (Fernandes, 1965:19-20).
A ideologia que embasava a FNB era uma ideologia nacionalista de integração e assimilação, ou seja, visava à incorporação dos negros na sociedade brasileira, que se constituía naquele momento histórico e objetivava a assimilação dos valores da sociedade dominante (Pinto, 1993; Guimarães, 1999). É interessante notar como, ao mesmo tempo em que a FNB fazia a denúncia do “preconceito de cor” e buscava mecanismos para enfrentá-lo, esta elite posicionava-se através de princípios universais abstratos, enfatizando a igualdade entre negros e brancos (Fernandes, 1972:92). Desde sua fundação, a FNB sempre teve objetivos e aspirações políticas. Em 1937 ela consegue organizar-se como partido político. Contudo, nesse mesmo ano, Getúlio Vargas, através de um golpe militar, instaura o regime do Estado Novo. Todos os partidos políticos são colocados na ilegalidade. Apesar deste contratempo, a Frente Negra consegue sobreviver até meados de 1938 como uma sociedade recreativa e de assistência.10 Com o término da revolução, Nascimento passa a trabalhar no Quartel General do Comando, atuando como instrutor do “Tiro de Guerra”, função que ocuparia até a sua saída desta instituição. O seu contato com a Frente parece ser entendido pelo autor como o início de sua trajetória militante (Nascimento, 10
A maior parte das informações aqui inseridas foi retirada do livro de Fernandes (1965), A Integração do Negro na Sociedade de Classes. Contudo, existe uma produção acadêmica considerável de trabalhos que focam a FNB ou que de alguma forma resvalam na discussão da mesma, alguns exemplos são: Bicudo (1945), Bastide e Fernandes (1959), Silva (1990), Leite (1992), Pinto (1993), Barbosa (1998), Andrews (1998), Félix (2001), Silva (2003) e Domingues (2005).
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1976:27). Todavia, sua participação era limitada pela condição militar: “Eu não podia me envolver profundamente na ação, pois estava servindo o Exército, cujo regulamento disciplinar proibia qualquer participação em atividades sociais e políticas. Assim, minha participação era mais simbólica e espiritual” (Nascimento, 1976:28). Em outro momento, Nascimento evidencia as limitações impostas pelo Exército para que ele se envolvesse em questões políticas, ao mesmo tempo em que afirma um certo flerte com o comunismo dizendo que “era muito arriscado participar nos movimentos de reivindicação negra, porque soldado está proibido de se meter em política ou qualquer atividade de cunho social. Mesmo assim, eu distribuí por certo tempo no quartel exemplares do Lanterna Vermelha, jornal comunista clandestino, e fundei um jornalzinho, O Recruta, que chegou a circular por alguns números” (Nascimento, 1976:29).11 Não sabemos o que o autor quis dizer com participação “simbólica” e “espiritual”, mas isto sugere um distanciamento físico da entidade negra. Contudo, do ponto de vista psicológico, a influência e o impacto da organização negra sobre o jovem francano parece ter sido bem próxima da que ocorreu sobre os negros paulistas e paulistanos nos seis anos de existência da “Frente” (Barbosa, 1998:13). Pelo que consta, a instituição fascinava a população negra paulista pelo seu tamanho, pelo número de componentes e pela sua organização burocrática e administrativa complexa, fornecendo aos negros algo para se orgulhar num contexto histórico pautado pela pobreza generalizada e imagem estigmatizada do seu grupo racial, além da disputa no mercado de trabalho com os imigrantes europeus. Mitchell (1977), discorrendo sobre os encontros da organização, que ocorriam aos domingos, nos fornece uma amostra daquilo a que me refiro. Nas suas palavras:
The central activities of the Front were conducted in the domingueira, or the day-long Sunday meeting. One session of the meeting was deserved for oratory on racial themes, a persistent feature of these early meetings. Recent depositions by former Front members attest to the lasting impact that the domingueira had on those who took part in them. One informant declared that she had maintained a life-long preference for patronizing Afro11
O jornal ao qual Nascimento se refere é A Lanterna, periódico anarquista e não comunista (ver Kössling, 2004:114).
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Brazilian market vendors because of a “buy Black” campaign initiated in one of the domingueiras. Another informant recalled that the speeches in the domingueira also helped destroy the sense of inferiority that afflicted many Blacks. “The domingueiras,” this informant started, “gave us simple Blacks the opportunity to see intelligent and eloquent Blacks before us. The speakers gave us a sense of pride and made us realize that our poverty and suffering were not the result of our being of an inferior race. Many of us lacked confidence in ourselves in those days because of our Blackness. The speeches in the domingueira changed us for the better (Mitchell, 1977:132-133).
Em depoimentos mais extensos, como o dado a Police (2000), a luta contra a discriminação aparece na vida de Nascimento simultaneamente às farras e às aventuras da juventude. É como se ele e seu amigo, Sebastião Rodrigues Alves, estivessem se rebelando contra a sociedade paulistana preconceituosa, sem deixar de lado o aspecto lúdico da revolta. Pode-se até mesmo afirmar que esse aspecto lúdico era mais importante, e que a reconstrução que Nascimento faz de sua memória busca colocá-lo em segundo plano. Isto fica explícito pela citação abaixo:
Eu com meu amigo Sebastião Rodrigues Alves fomos num bar onde não podiam dançar negros. E o Rodrigues Alves, então, estava armado e bem armado, apontou para a orquestra e para o gerente do Danúbio Azul, como se chamava... Fez a orquestra tocar, e eu dancei, ele apontando o revólver. Essa história foi a mais fantástica, porque nós fizemos isso, a música tocou, dancei e depois nós saímos, assim... Não demos as costas para eles. Nós saímos assim, andando para trás para poder pegar um táxi se eles nos atacassem e fugimos (...) Parecia uma cena de faroeste. O Rodrigues Alves com dois revolveres, um apontando para a orquestra e o outro numa direção completamente diferente, para o pessoal lá, para a gerente do bar. E eu dançando e as mulheres louras amedrontadas... É uma história que eu esqueço de contar, porque parece muito fanfarrona (Nascimento, 2000:121).
De acordo com Maio (1992), o período que vai de 1932 a 1937 é caracterizado por imprevisibilidades no quadro político nacional. O intervalo entre a troca de oligarquias em 1930 e o estabelecimento do Estado Novo em 1938 abre um vácuo político no qual surgiram “projetos radicais” que buscavam “galvanizar a sociedade com a idéia de mudança” e estabeleciam críticas aos preceitos democráticos, à “democracia dos coronéis” e aos “descaminhos da Revolução de 30” (Maio, 1992:32). Os grupos aos quais Maio se refere eram a Aliança Nacional Libertadora (ANL) e a Ação Integralista Brasileira (AIB).
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A fundação da Ação Integralista Brasileira (AIB) se dá em outubro de 1932 com a divulgação do Manifesto Integralista, de autoria de Plínio Salgado (18951975), chefe integralista. Para Hélgio Trindade (1974), os três principais fatores que propiciaram o surgimento do integralismo foram: o nacionalismo; a revolução estética trazida pelo modernismo e a renovação espiritual (Trindade, 1974:19-37). O pós-guerra, ou seja, fins dos anos 1910 e decorrer dos 1920, assistem a um renascer do nacionalismo no Brasil e no mundo. Em terras tupiniquins passa a ocorrer uma tomada de consciência das elites em relação à realidade do país (Skidmore, 1976). Os precursores desse tipo de nacionalismo são Euclides da Cunha, Monteiro Lobato e Alberto Torres, sendo este último, segundo Trindade (1974), um dos autores mais citados pelos integralistas. O movimento modernista colaboraria para um aprofundamento do “conhecer a realidade nacional”, ao mesmo tempo em que conservaria um forte traço nacionalista. É importante ter em mente que Plínio Salgado fora modernista e, à época da fundação do integralismo, já era um escritor renomado.
As opções políticas dos modernistas se foram tanto à esquerda como à direita, enquanto na Europa o futurismo italiano se identifica ao fascismo e a maior parte dos surrealistas franceses se engaja na extrema-esquerda. A despeito dessas divergências ideológicas, todas as correntes modernistas apresentam um fundo comum: o nacionalismo (...) Na realidade, o Verdeamarelismo e a “Antropofagia”, como alguns anos mais tarde o PauBrasil, são inicialmente, manifestações estéticas, que tornar-se-ão políticas e ideológicas. O modernismo evolui a um tipo de arte em que as preocupações políticas acabam por dominar: a estética define a orientação modernista até por volta de 1926; ao passo que entre 1928 e 1939, a política domina sobre a estética. O paralelismo entre a evolução do Modernismo e a do Chefe integralista no mesmo período é claro: um e outro se deixam impregnar pela política (Trindade, 1974:37).
O terceiro fator, a renovação espiritual, diz respeito à influência do catolicismo sobre vários intelectuais no começo do século. Esse movimento se deu primeiramente na França em fins do século XIX e tinha como objetivo restaurar os valores espirituais na literatura e na filosofia para fazer frente à influência positivista e materialista dominante. O ambiente que prevalece entre esses intelectuais é de antimodernismo, antiburguesia e uma nostalgia pela Idade Média.
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As linhas mestras do trabalho de Trindade são três: entender a relação entre integralismo e Igreja Católica; entre integralismo e Forças Armadas e, por último, entre integralismo e a imigração alemã e italiana no Sul do país. De acordo com a análise deste autor, as principais clivagens entre os militantes integralistas eram: a classe social (a maior parte deles fazia parte de uma classe média urbana emergente); a idade (quase a totalidade dos militantes era composta por jovens com menos de 25 anos) e a opção religiosa (a maioria constituída por católicos).12 Em 1933, Nascimento filia-se à Ação Integralista Brasileira (AIB). Não sabemos exatamente como se deu a sua entrada, mas ele se enquadra no perfil do militante apresentado por Trindade. Tinha apenas 19 anos à época da adesão e circulava por um ambiente de classe média urbana, pois se tornara instrutor do Tiro de Guerra, lidando com jovens oriundos desta classe social, além de travar contato com os oficiais. Mais: em 1932, havia se matriculado no curso de economia da Faculdade Álvares Penteado (Police, 2000). O contato com o ambiente de classe média urbana fica evidente na citação abaixo.
Então eu era instrutor disso [Tiro de Guerra] lá em São Paulo. Isto também foi uma experiência muito boa, porque em geral quem vai para os tiros de guerra (sic) não é o povinho lá de baixo; é sempre uma camada mais... Tem mais posses econômicas, é uma classe média alta. Então eu pude lidar com um outro tipo de gente também, coisa que no Exército não fazia, porque no Exército quem vai para lá são os desprotegidos, os que não têm nada. Esses que são os soldados. Aqueles que têm um pouquinho de garantia social não vai (sic) para lá. Ou vai para a escola de oficiais ou vai para o Tiro de Guerra. E eu pude então tratar com essa gente. Foi aí também uma experiência boa (Nascimento, 2000:122).
Trindade mostra que um número considerável de oficiais das Forças Armadas, em maior número na Marinha, nutria simpatia pelas idéias integralistas de modo que uma parte deste oficialato chegou aos postos de direção local. Segundo ele, essa aproximação entre integralismo e Forças Armadas se dava graças à posição de classe dos oficiais, sua instrução mais elevada e a influência do Tenentismo. Minha hipótese é que o ambiente militar favoreceu a ligação de 12
Para saber mais sobre a composição dos militantes integralistas, ver o primeiro capítulo do livro de Trindade (1974).
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Nascimento ao movimento direitista. O que confirma nossa dedução é o fato de que o principal argumento utilizado por Nascimento para não ter tido uma participação mais atuante no protesto negro dos anos 1930 (o de ser militar), é relativizado no caso do integralismo. O seu desligamento deste movimento só se dará em 1937, após sua expulsão do Exército. Um outro fator importante a ser considerado é que Nascimento era católico. Antonio Candido, em seu texto “A revolução de 1930 e a cultura” (1984), faz uma análise bastante profunda desse momento histórico. A leitura do texto evidencia uma aproximação muito forte entre “espiritualismo católico” e as ideologias de direita (Candido, 1984:31). Ainda havia a atuação de intelectuais católicos num período caracterizado, globalmente, pela aproximação entre literatura e ideologias políticas e religiosas. Farei uso das palavras de Antonio Candido para demonstrar a força do catolicismo nesse momento. De acordo com o autor: Naquela altura o catolicismo se tornou uma fé renovada, um estado de espírito e uma dimensão estética. “Deus está na moda” disse André Gide em relação à França ao que ocorria na França e na verdade também para o Brasil (...) Muitas vezes o espiritualismo católico levou no Brasil dos anos 30 à simpatia pelas soluções políticas de direita, e mesmo fascistas, como foi o caso do Integralismo, cujo fundador, Plínio Salgado, modernista e participante do movimento estético renovador, aliou a doutrinação a uma atividade literária de certo interesse. E é curioso notar que as opções desse tipo foram favorecidas pela combinação de catolicismo, simbolismo e semimodernismo nacionalista, como nos casos de Tasso Silveira, Andrade Muricy, Mansueto Bernardi e, com alguma variação de componentes, o citado Schmidt (Candido, 1984:31).
A entrada de Nascimento para os “anauê”, saudação integralista de origem tupi que significa “você é meu parente” (Kössling, 2004), dá-se dois anos antes de tentar a vida monástica, o que comprova que o catolicismo ainda o influenciava. Neste mesmo ano, em Salvador, Guerreiro Ramos, que conheceria nosso autor no Rio em 1939, ligava-se ao integralismo. O futuro sociólogo também era um católico fervoroso e estava inserido no ambiente de classe média urbana da capital soteropolitana.13 Ele explica sua adesão dizendo que: “Quando o integralismo começou fui atraído por aquilo, vesti a camisa verde (...) Mas eu
13
Para uma discussão pormenorizada sobre a influência dos intelectuais católicos sobre a formação e as obras de juventude de Guerreiro Ramos, ver o primeiro capítulo da dissertação de mestrado de Barbosa (2004).
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militei logo no início, depois saí, não era para mim. Eu tinha uns 17 anos. Isso foi em 33, e eu ainda estava no ginásio” (Ramos, 1995:138). Nascimento, por sua vez, relata sua entrada no Integralismo da seguinte maneira:
As lutas nacionalistas e antiimperialistas, a oposição do capitalismo e à burguesia, foram os temas que me atraíram para as fileiras integralistas. Etapa importante da minha vida. No integralismo foi onde pela primeira vez comecei a entender a realidade social, econômica e política do país e as implicações internacionais que o envolviam. A juventude integralista estudava muito e com seriedade. Encontrei e conheci pessoas de primeira qualidade como um San Thiago Dantas, Gerardo Mello Mourão ou Roland Corbisier; assim como um Rômulo de Almeida, Lauro Escorel, Jaime de Azevedo Rodrigues (falecido), o bravo embaixador brasileiro num país europeu que se demitiu da carreira após o golpe militar de 1964; ou ainda Dom Hélder Câmara, Ernani da Silva Bruno, Antonio Galloti, M. Marei Guimarães e muito outros. Conheci bem perto o chefe integralista Plínio Salgado de quem em certa época fui amigo. Dentro do integralismo eu me separava do movimento negro, mantendo assim duas atividades paralelas (Nascimento, 1976:30).
O integralismo, ao que parece, teve uma influência bem maior na formação política e intelectual do ativista negro, se comparado à Frente Negra. Contudo, é preciso ter em mente que os projetos políticos destas duas organizações eram bastante próximos, além de vários frente-negrinos terem uma posição simpática ao integralismo ou participarem simultaneamente em ambas as organizações. Kössling (2004) afirma que em analogia ao lema integralista “Deus, Pátria e Família”, o jornal A Voz da Raça, periódico informativo da FNB, utilizava o cabeçalho “Deus, Pátria, Raça e Família”. A autora ainda comenta a circulação de indivíduos entre a FNB e na AIB da seguinte maneira:
A participação simultânea do afro-descendente na Ação Integralista Brasileira e Frente Negra Brasileira não se deve ao acaso. Partilhando de concepções sobre o Brasil e sobre a “raça brasileira”, ambas as organizações obtiveram a atenção dos afro-descendentes em São Paulo, e a comunidade entre estes parece ter sido intensa, como demonstram as notícias veiculadas pelo jornal integralista A Acção, de maio de 1937, que divulgou os eventos em comemoração à Abolição realizados pela FNB, que levou palestrantes integralistas às festividades (...). A grande preocupação apresentada pelos editoriais da Acção era a crítica à situação política decorrente do capitalismo. Nesse sentido, propunha uma Segunda Abolição, “elaborando uma grande força de libertação nacional, de um novo e amplo 13 de maio para o povo brasileiro...”; que não se observava, portanto, que o problema social vivenciado pelo afro-descendente era algo específico, decorrente de um sistema de exclusão racial que a Abolição não havia resolvido e que, muito ao contrário, gerara novas complicações (Kõssling, 2004:22).
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Outro traço que aproximava frente-negrinos e integralistas era um anticomunismo informado pela influência do catolicismo, que entendia esta tendência política como “obra do mal”. Este fato colocava, conseqüentemente, num pólo oposto ao da “Frente”, organizações como a Aliança Nacional Libertadora, que possuía evidentes inclinações de esquerda e foi responsável pelo Levante Comunista de 1935. É também necessário não perder de vista que os posicionamentos de direita conservadora não eram uma exclusividade da organização negra, pelo contrário, ela “esteve espalhada por toda a sociedade brasileira com o clima da época e a propaganda varguista” (Kõssling, 2004:45). O ambiente intelectual do integralismo em que Nascimento estava envolvido pode ser medido por um levantamento rápido de algumas pessoas que estavam ligadas a ele e se tornaram amigas do futuro ativista negro. Gerardo de Mello Mourão nasceu em Ipueiras, Ceará, em 1917. Foi professor, jornalista, escritor, poeta, tradutor e deputado federal. Publicou mais de 14 livros entre 1946 e 1999. Seu livro de poemas Invenção do mar ganhou o Prêmio Jabuti em 1998. Roland Corbisier é filósofo e tradutor e tem vários livros publicados na área de filosofia. Durante sua militância no integralismo, chegou à alta direção da organização, fazendo parte da “Câmara dos Quarenta”, órgão que reunia os quarentas dirigentes nacionais mais importantes do movimento. Lauro Escorel de Novaes nasceu em São Paulo em 1917. Crítico literário na juventude, escreveu nas revistas Cadernos da Hora Presente, de Tasso Silveira, e Clima, dirigido por Lourival Gomes Machado. Em 1958, escreveu seu primeiro livro, Introdução ao pensamento político de Maquiavel e, em 1973, A palavra e o rio: uma interpretação de João Cabral de Melo Neto, reeditado em 2001. Trabalhando no Ministério das Relações Exteriores foi embaixador na Bolívia, no Paraguai, no México e na Espanha. Também foi diretor do Instituto Rio Branco. Rômulo Almeida (1914-1988) foi economista e professor universitário. No segundo governo de Getúlio Vargas, chefiou uma assessoria econômica do Presidente da República. Alguns traços estruturantes da ideologia integralista marcarão Nascimento, assim como outros intelectuais e políticos que, nas palavras de Guerreiro Ramos, 49
“vesti[ram] a camisa verde”, e podem ser vislumbrados nas suas obras posteriores. Um exemplo disso é o nacionalismo, algo recorrente e extremamente valorizado na obra O Quilombismo (1981). Esse traço também é evidente nos escritos de Ramos que aspiram por uma sociologia autenticamente nacional engajada na perspectiva de transformação social.14 Uma análise bastante interessante do que significava o nacionalismo para os integralistas pode ser encontrada no terceiro capítulo do livro de Trindade (1974). Uma das facetas desse nacionalismo diz respeito ao antiimperialismo. De acordo com Trindade (1974:223-224), ele se cristaliza em duas perspectivas de análise e entendimento baseadas nos escritos de Miguel Reale e Gustavo Barroso. Barroso lançaria sua crítica ao imperialismo a partir do seu anti-semitismo (Maio, 1995) e Reale, baseando-se numa perspectiva econômica. De acordo com Guimarães (2002: 103-105)
antiimperialismo
e
anticapitalismo
são
traços
estruturantes
do
“quilombismo”. Nesse momento começam as leituras mais sistemáticas de Nascimento no que diz respeito à realidade do país. Também nessa época, ocorre uma expansão do público leitor no país, propiciado, principalmente, pela queda de um academicismo com fachada de erudição, até aquele momento predominante nas obras literárias, aliado a um alargamento do mercado editorial nacional. É importante lembrar que as grandes obras que hoje fazem parte do pensamento brasileiro estavam vindo a público naquele momento, pari passu a um crescente interesse por assuntos relacionados ao negro brasileiro. Moutinho (2004) resenhou cinco destas obras15 para sua pesquisa sobre relacionamentos interraciais e fez uma observação digna de nota para uma posterior associação com o autor aqui biografado. Afirma que:
14
Ver Ramos (1957) e a dissertação de mestrado de Barbosa (2004).
15
Os livros resenhados por Moutinho (2004:51-101) são: As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil (1891), de Nina Rodrigues; A evolução do povo brasileiro (1923), de Oliveira Vianna; Retrato do Brasil (1928), de Paulo Prado; Casa Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre; e Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda.
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Todos [os autores resenhados] compreenderam, que, no momento em que escreviam suas obras, a sociedade brasileira se caracterizava como uma sociedade miscigenada. Pensar a miscigenação como solução ou um problema que requer uma alternativa vai depender do valor que cada um destes autores atribui à “mistura” entre as “raças”. Além disso, a maneira como cada um destes autores conceitualiza e maneja a atividade sexual (assim como qualifica os ingredientes de erotismo e desejo que a presidem) vai ser preponderante para a idéia e o tipo de identidade (nacional) construída (Moutinho, 2004:99).
Possivelmente, é neste período que também tem início a leitura, por parte de Nascimento, de autores que faziam uma análise mais sistemática e forneciam, nesse momento, um caráter inovador à experiência afro-brasileira, como Gilberto Freyre e Arthur Ramos (Schwarcz, 1987). Freyre é tido como aquele que faz a passagem das análises interpretativas do país ainda calcadas na idéia central de “raça” para “cultura”, informado teoricamente pela escola culturalista do antropólogo alemão, radicado nos Estados Unidos em fins do século XIX, Franz Boas (Moura, 2004). Ao mesmo tempo em que Freyre promovia um giro de 180 graus no tipo de interpretação do Brasil, evidenciava e positivava através de sua obra as contribuições culturais dos negros para a constituição do país16. De acordo com Schwarcz (1995):
Retornando a temática das “três raças”, Gilberto Freyre oferecia uma espécie de nova racionalidade para a sociedade multirracial brasileira. Tendo como base teórica o culturalismo norte-americano – sem abandonar os pressupostos raciais dos mestres brasileiros - , a obra de Freyre celebrará a singularidade da mestiçagem, invertendo os termos da equação e positivando o modelo. “Foi o estudo de antropologia sob orientação do professor Boas que primeiro me revelou o negro e o mulato no seu justo valor – separados dos traços da raça os efeitos do ambiente ou da experiência cultural (Freyre, 1933, p. 18). O “cadinho de raças” surgia como uma nova forma de celebração do mito das raças – um novo instrumental para a utilização do mesmo termo, porém com um novo sentido –, mais evidente aqui do que em qualquer outro lugar. “Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma quando não na alma e no corpo, a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro” (Freyre, op. cit., p. 307). O brasileiro era, portanto, o resultado sincrético de uma mistura bem-feita e original, cuja cultura homogênea e particular era também mista.
16
Araújo (1994:27-41) afirma que a grande inovação teórica de Freyre é de, entre os formuladores do determinismo racial como Agassiz, Gobineau e Voltaire e o culturalista Franz Boas estabelecer uma categoria intermediária que dizia respeito ao clima, meio físico. Essa categoria possibilita uma relativização tanto do conceito de raça como de cultura. Soma-se a isso, ainda, uma concepção “neo-amarckiana” de raça, ou seja, a enorme capacidade de adaptabilidade dos indivíduos ao clima sendo capazes de alterar tanto a raça com a cultura num processo de trocas mútuas.
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Nesse contexto, Casa Grande & Senzala passava a representar e singularizar essa nova postura, esse abandono da raça em nome da cultura, uma cultura homogênea apesar de resultado de raças tão diversas (54-55).
Os principais livros de Arthur Ramos que tratam do “problema do negro”, termo originário dos trabalhos de Nina Rodrigues, vêm a público também na década de 1930. Em 1934, é publicado O negro brasileiro;17 em 1935, O folclore negro no Brasil; em 1937, As culturas negras no novo mundo; e, em 1942, A aculturação negra no Brasil. Silva (2004), resenhando a reedição de O negro brasileiro de 2001 afirma:
Do ponto de vista do mercado editorial dos estudos afro-brasileiros "O Negro Brasileiro" também representou um marco. Sua 1ª edição inaugurou a coleção Bibliotheca de Divulgação Scientífica, editada pela Editora Civilização Brasileira, que sob a direção de Artur Ramos, tornou-se nos anos de 1930, um dos principais veículos de divulgação dos estudos etnográficos sobre o negro realizados com grande força em várias partes do Brasil. O segundo volume desta coleção, publicado em 1935, foi nada menos que a tradução de O animismo fetichista dos negros bahianos, de Nina Rodrigues, com prefácio e notas de Artur Ramos. Entre 1934 e 1940, dos vinte títulos publicados nessa coleção, treze deles abordavam quase que diretamente o tema da religiosidade afro-brasileira, tornando conhecidos autores como Edison Carneiro, Gonçalves Fernandes, Manuel Quirino. Os anais de dois importantes Congressos realizados neste período, o 1o. Congresso Afro-brasileiro do Recife, organizado por Gilberto Freyre em 1934, e o 2o. Congresso Afro-brasileiro (Bahia) organizado por Edison Carneiro e Aydano Ferraz em 1937, também foram publicados pela "Biblioteca" com os títulos, respectivamente, de Novos Estudos Afro-brasileiros (com prefácio de Artur Ramos) e O Negro no Brasil (Silva, 2004).
Como afirma acima Silva, a realização e publicação dos anais dos Congressos Afro-Brasileiros realizados em Recife e, posteriormente, em Salvador também se insere neste contexto histórico em que os olhos dos intelectuais voltam-se para o contingente negro da população brasileira. Os congressos também merecem uma atenção especial pelo fato de, na realização do 1° Congresso do Negro Brasileiro, organizado pelo TEN no Rio de Janeiro em 1950, os eventos da década de 1930 serem tomados como contraponto. Contudo, essa discussão será feita de maneira pormenorizada no capítulo 05 deste trabalho.
17
De acordo com a resenha de Silva (2004), este livro de Arthur Ramos teria uma reedição em 1940, com algumas reconsiderações e mudanças.
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O interesse de Nascimento por essas leituras era o resultado do envolvimento, mesmo tímido, com a “Frente”, que traria as discussões e preocupações em relação aos negros, e o integralismo, que o forçava a refletir sobre os problemas brasileiros, centrado numa perspectiva nacionalista que era compartilhada por várias organizações, vinculadas às mais diversas correntes políticas. A carreira militar do autor teria um epílogo em 1936. Impedidos de entrar em um bar pela porta da frente, segundo o autor, devido a sua cor e a do amigo Sebastião Rodrigues Alves, houve uma discussão seguida de pancadaria.
Fui compulsoriamente excluído do Exército, depois de uma encrenca à porta de um bar – Magestic – onde me discriminaram, a mim e o Sebastião Rodrigues Alves, por causa da nossa cor. Isso aconteceu em fevereiro de 1936. Houve grossa pancadaria, apanhou o porteiro racista do bar, apanhou o delegado de ordem política e social, Dr. Egas Botelho, que endossou a proibição racista. Desaparecemos na noite, que aliás era de carnaval. Mas fomos afinal descobertos, sempre há um delator (Nascimento, 1976:29-30).
Logo depois do desligamento do Exército, Nascimento decide ir para o Rio de Janeiro. Ainda em 1936, instala-se na então capital do país. “Era a capital, sempre a gente tinha a esperança de que na capital havia mais oportunidade de vida, e eu vim para o Rio e fui morar lá no morro da Mangueira” (Nascimento, 2000:122).
1.3 – Tempos de incerteza e aventura. O período que vai de 1936 até 1943 se configura, em minha opinião, na fase final de uma certa “juventude transviada” de Abdias do Nascimento. Os principais acontecimentos são duas prisões e uma viagem por países vizinhos, esta última, ao que sugere, encerrando a primeira parte de sua vida ao mesmo tempo em que apontando as diretrizes da próxima. Após sua expulsão do Exército, segue para o Rio de Janeiro, onde se estabelece no Morro da Mangueira. Sua aproximação de manifestações culturais populares e negras, como o samba e o candomblé, aumenta, mas ele continua a circular por um universo social bastante distinto e seletivo, pois, passadas as dificuldades de estabelecimento, consegue um emprego de revisor no jornal O Radical. De posse 53
de um emprego, matricula-se na Faculdade de Economia e na Escola de Cadetes da Reserva. Em 1937 tem início o Estado Novo e, pela primeira vez, sua militância o mandaria para a prisão. É necessário ter em mente que, com o estabelecimento deste regime totalitário, a tolerância em relação ao Integralismo diminui, diferentemente do que ocorria entre 1930 e 1936, período em que existia até uma simpatia política entre o getulismo e os integralistas. Nascimento explica que: “Em dezembro de 1937 fui preso juntamente com um grupo de estudantes universitários quando distribuíamos panfletos denunciando a ditadura Vargas e o imperialismo norte-americano. Condenado pelo famigerado Tribunal de Segurança Nacional, fui mantido na penitenciária do Rio de Janeiro até abril do ano seguinte” (Nascimento, 1976:30). Na prisão, o jovem negro vive a experiência de cumprir sua pena com militantes de esquerda que haviam participado do levante comunista de 1935, como o major Trifino Correia, Agildo Barata, e Luís Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”, que se encontrava isolado dos outros presos (Nascimento 1978 e 2000). Segundo Nascimento, os dois grupos políticos ideologicamente opostos, integralistas e comunistas, se confraternizaram e passaram a promover uma espécie de seminário dentro da prisão. Ainda preso, o jovem francano escreve um uma carta se desligando do integralismo. Nascimento sai da penitenciária em abril de 1938 e, juntamente com Geraldo Campos, amigo de infância em Franca, com quem estava preso no Rio, dirige-se para a cidade de Campinas, no interior de São Paulo. Ao lado de amigos como Aguinaldo Camargo, Agur Sampaio, João Gualberto, José Alberto Ferreira e o tipógrafo Jerônimo, ele organiza o Congresso Afro-Campineiro. Esse evento inaugura a fase de militância do ativista francano mais centrada em questões raciais. No depoimento de 1976 é possível notar a tensão entre os dois períodos e os paradigmas de atuação do protesto negro, ou seja, um que afirma e comemora o 13 de Maio e outro que o recusa terminantemente.
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Organizamos, comemorando o 13 de maio, uma abolição que não houve, um Congresso Afro-Campineiro (grifo meu), com a elaboração do professor da cadeira de sociologia da Escola Normal, Nelson Omegna. Local: o Instituto de Ciências e Letras daquela cidade tão pretensiosamente racista (Nascimento, 1976:31).
A citação acima é bastante interessante, pois evidencia o ativista que participou da primeira fase do protesto negro, nos anos 1930, tentando se legitimar perante uma nova perspectiva que ele mesmo ajudou a construir. A contradição da frase fala por si mesma: como é possível comemorar algo que não houve? Ao que consta, Nascimento, àquela época, ainda se encontrava vinculado à ideologia da primeira fase do protesto negro, pois é sintomático o fato de organizar um congresso afro no 13 de maio. Mais, como já afirmei anteriormente, esse momento histórico é marcado por uma retomada dos estudos sócioantropológicos que focavam a população afro-brasileira. Exemplo maior disso são os congressos afro-brasileiros de 1934 e 1937. É bem possível, que o Congresso Afro-Brasileiro tenha sido concebido tendo como inspiração os eventos anteriormente citados, já que naquele momento não havia oposição dos ativistas negros em relação aos intelectuais e pesquisadores. Além disso, não podemos perder de vista que em 1938, a Abolição completava cinqüenta anos, algo a ser celebrado e comemorado. Contudo, não há nenhuma documentação referente a este evento. Meses depois, ele se dirige ao Rio de Janeiro com Fernando Góes, Rossini Camargo Guarnieri e José Galdino para protestar contra a proibição do footing dos negros na Rua Direita em São Paulo aos domingos. Este é, ainda, o ano do seu bacharelamento em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nascimento e Guerreiro Ramos se conhecem em 1939. Este último havia acabado de chegar de Salvador, tendo conseguido uma bolsa para estudar Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia do Rio de Janeiro.18 Comentando a amizade entre os dois, o sociólogo baiano, em uma entrevista dada em 1981, diz: “Conheci Abdias em 1939, aqui no Rio. Abdias, Geraldo de Melo Mourão e Efraim Tomás Bó são os maiores amigos que eu tive; nós nunca deixamos de ser 18
Para uma discussão pormenorizada sobre a trajetória de Guerreiro Ramos ver a dissertação de mestrado de Barbosa (2004).
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amigos. Geraldo de Melo Mourão um grande poeta, Abdias do Nascimento, que fundou o Teatro Experimental do Negro” (Ramos, 1995:172). Porém, por meio de um relato de Ramos, de 1950, contando um encontro com Nascimento em 1945 é possível capturar uma faceta da representação da figura do ativista negro no Rio de Janeiro dos anos 1940. Afirmava o sociólogo que “há cinco anos passados, o fundador do TEN (Abdias) me procurava para obter meu apoio à sua iniciativa e eu o despistei, como se despista a um demagogo e a um negro ladino. Ficou, entretanto, deste encontro, a curiosidade pelo movimento” (Ramos, 1950:35, grifos meus). Os termos utilizados para qualificar Nascimento (“demagogo” e “negro ladino”) fazem alusão a um “contra-carisma” que pairará sobre o ativista negro, seus projetos e realizações. A “revolta” será vista por uns como autêntica, sincera e verdadeira; já por outros, como uma simples estratégia para fazer dos negros uma “massa de manobra” num projeto individual de ascensão social e, por que não, política. Contudo, esses aspectos serão mais bem trabalhados nos capítulos posteriores. No ano de 1939, Nascimento trabalha no Banco Mercantil de São Paulo abrindo agências pelo interior do Estado de São Paulo. No ano seguinte, trabalharia no Rio de Janeiro como agente no censo de 1940, juntamente com o amigo Aguinaldo de Camargo. Em 1941, por intermédio de Gerardo Mamboram, encontra-se com alguns poetas brasileiros e argentinos de um grupo chamado Santa Hermandad Orquidea: Efrain Tomas Bó, Gofredo Iommi, Juan Raul Young e Napoleão Lopes filho. Resolvem viajar pela América do Sul e Nascimento junta-se ao grupo atuando como jornalista. Desejavam ir para à Europa, mas a guerra os impede. A viagem começa em Belém, seguindo para a cidade de Manaus e depois para a Colômbia, a Bolívia, o Peru, a Argentina e, finalmente, o Uruguai, no início de 1943. Nas cidades de Lima e Buenos Aires, Nascimento se estabeleceu por algum tempo. Na capital peruana, o jovem se choca ao assistir a representação da peça O Imperador Jones, de Eugene O’Neill, já que o papel de Jones é feito por um ator branco pintado de preto.
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Fui lá ver um espetáculo, quando o ator branco Hugo D’Evieri se pintava de preto para fazer o imperador Jones. Aí foi um choque para mim. Foi. Um momento como antes e depois. É, porque ali eu dei um balanço da minha vida diante daquela peça. Então me lembrei da escola onde eu era excluído, nunca podia representar nada, nunca. Eu ensaiava, ensaiava, decorava poesia, chegava lá na hora de escolher os elementos da festa, todo final de ano tinha uma festa, no meu tempo de escola, de 8, 7 anos. Então eu comecei a dar um balanço naquela coisa; eu fiquei pensando que nunca tinha visto uma peça de teatro, nunca tinha visto uma peça de teatro. Por quê? Como que é isso? Então fui ver aquilo. Nunca tinha ido ao teatro porque era uma atividade de custo proibitivo para mim. E também não tinha assim amigos da minha raça que trabalhasse em teatro, que pudesse me ajudar, me influenciar, me levar, me dar uma entrada, não tinha. Aquilo tudo me cutucou naquela hora (Nascimento, 2000:132).
Em Buenos Aires, contemplado com uma bolsa para estudar economia, Abdias dedicou-se ao teatro. Ao que parece, esse foi o seu primeiro contato mais profundo com a linguagem teatral.
E cheguei em Buenos Aires, me deram a bolsa de estudos para a escola de economia, e eu pude ficar lá um bom tempo. E aí eu assistia muito a teatro, em vez de economia. Eu não aprendi nada de economia lá, o que eu queria ver era teatro. Então fui assistir muito o Teatro Del Pueblo, que era um teatro muito especial, porque era uma espécie de escola livre. Depois dos espetáculos, a gente discutia o texto, a montagem, a direção, a interpretação, os vestuários, o cenário Era uma aula de teatro porque era o público que participava (Nascimento 2000:133).
Esses acontecimentos marcaram Nascimento a ponto de o fazer voltar para o Brasil, em 1943, com a idéia de fundar um teatro negro. Logo ao chegar em São Paulo é preso novamente, pois havia sido condenado à revelia por dois processos, ambos de 1936. Um deles dizia respeito à briga no bar que havia causado sua exoneração do Exército e o outro estava relacionado a um desentendimento com um tenente negro. Segundo Nascimento, ele teria sido preso quando faltavam apenas dois meses para prescrever sua pena. Vai para a penitenciária do Carandiru, em São Paulo, por ordem de Mascarenhas Moraes, comandante da Força Expedicionária Brasileira (FEB), por ser época de guerra. Na prisão, tem sua primeira experiência com dramaturgia, elaborando o que ele chamou de “Teatro do Sentenciado”. Estimula os presos a escreverem peças e escreve sua primeira peça (que nunca seria encenada), intitulada Zé Bacoco. Este foi seu primeiro treino como diretor de teatro. Ainda na prisão, escreve o romance Zé Capetinha e um tipo de caderno da prisão, intitulado 57
Sub mundo. Sua libertação ocorre em abril de 1944, após entrar com um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF). 1.4 – Alguns escritos do início da década de 1940 A década de 1940 marca o início da produção intelectual de Nascimento. É nesse período que suas primeiras idéias são colocadas no papel. A maioria do material é composta por artigos de jornais (Diário Trabalhista, Folha Carioca, Folha do Rio, Quilombo, A Situação, Diário do Rio, O Jornal e O Sol), de revistas (Senzala, Vamos Ler, The Crisis e Himalaya) e alguns manuscritos inéditos, nos quais fixarei minha análise nesta última parte do capítulo. Os manuscritos, com exceção de parte da novela Zé Capetinha, publicada no terceiro número do jornal Quilombo, são desconhecidos do grande público. São dois: Zé Capetinha, uma novela autobiográfica, e Sub Mundo: cadernos de um penitenciário, uma espécie de diário da prisão.19 Zé Capetinha é um texto autobiográfico em que o autor reconstrói praticamente toda a sua vida até aquele momento de maneira romanceada. O argumento central que estrutura a tese de Police (2000) é o aspecto autobiográfico do texto Zé Capetinha. O pesquisador da Guiana Francesa procura mostrar como este texto é uma versão romanceada da vida de Nascimento até 1943. Zé Capetinha é importante por apontar pistas das influências de certos autores sobre o ativista negro e sua visão de mundo naquele momento. Sendo assim, podemos encarar a novela autobiográfica como ponto de partida para a análise sociológica da trajetória do ativista através dos seus escritos. Nascimento lança mão de um recurso literário utilizado por Lima Barreto em algumas de suas obras, ou seja, a utilização de personagens que são uma espécie de “invenção/disfarce” (Candido, 1963:43-66). No caso de Barreto, a opção por esse tipo de personagem foi o principal deslize apontado por vários de seus críticos à época do lançamento de seus livros. É o que se pode apreender
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Esses documentos estão disponíveis como anexo no volume II da tese de doutoramento de Police (2000) pelo Departamento de Português da Université Rennes 2, Haute Bretagne, França. O primeiro capítulo de Zé Capetinha foi publicado no número 04 do jornal Quilombo em julho de 1949.
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da análise de José Veríssimo do romance de estréia do autor carioca e remetida ao escritor por meio de uma correspondência. Afirma Veríssimo que: Há nele [Recordações do Escrivão Isaías], porém, um defeito grande, julgo-o ao menos, e para o qual chamo sua atenção, o seu excessivo personalismo. É pessoalíssimo e, o que é pior, sente-se demais que o é. Perdoe-me o pedantismo, mas a arte, a arte que o senhor tem capacidade para fazer, é representação, é síntese, e, mesma realista, idealização (Veríssimo apud Bosi, 1978:358).
Do ponto de vista dos críticos literários, o fato de esta e outras obras serem bastante personalistas, pode levar a um empobrecimento para fins de análise literária, estética ou artística. Contudo, para uma análise de cunho sociológico ou antropológico é justamente esse detalhe que faz com que os romances sejam fonte rica para a investigação das relações sociais, políticas e raciais de uma dada sociedade. O rascunho de romance de Abdias do Nascimento possui 14 capítulos distribuídos em 347 páginas no texto original e 66 páginas no anexo de Police. Os personagens principais são José Bento (Zé Capetinha) e Benedito, ambos alter egos de Nascimento, acompanhados de Jocelina (segunda namorada branca de Zé Capetinha), Rosinha (mulata, namorada e posteriormente esposa de Benedito), Ismênia (mãe de Zé Capetinha), Sebastião Bento (pai de Zé), Felisbino (amigo de infância de infância de Zé), Rita Lavadeira (velha negra e ex-escrava que ficou louca), Dona Marilu (mulher da alta sociedade paulistana a quem Zé Capetinha é recomendado), Fernando Luiz (playboy galanteador filho de Dona Marilu), Dr. Macedo (deputado, patrão de Rosinha e sua mãe), Dr. Orestes Tancredo (amigo e admirador de Zé Capetinha, que se formara na faculdade de direito recentemente). A história gira em torno da saída dos dois jovens (José Bento e Benedito) do interior de São Paulo para capital do Estado, onde tentam a sorte. A trama se fixa nas dificuldades, aventuras e novidades enfrentadas pelos dois na São Paulo dos anos 1930. Todos os fatos importantes da vida de Nascimento, desde a sua infância até a viagem por vários países da América do Sul, estão ali retratados. Nota-se, no decorrer da leitura, uma similaridade bastante grande com dois romances de Lima Barreto: Recordações do Escrivão Isaías Caminha e Clara dos
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Anjos. Em primeiro lugar, poderíamos nos ater ao cunho autobiográfico da história, conforme já citei anteriormente. Zé Capetinha, como bem observou Police (2000), é uma versão romanceada da primeira fase da vida de Nascimento. Lembremos que várias críticas foram feitas a Lima Barreto por analistas de sua época, em especial, a citação do crítico José Veríssimo. Por outro lado, o romance de Nascimento guarda várias passagens bastante similares ao romance de estréia de Barreto como, por exemplo, a saída do jovem inteligente do interior para tentar a vida na capital, as adversidades encontradas ao chegar na cidade grande, a prisão injusta e o interrogatório do delegado, que desdenha das intenções universitárias do jovem negro. Comparando com outro romance do escritor mulato carioca, Clara dos Anjos, um dos policiais que auxiliam o delegado chama-se Buck Jones, e o vilão de Clara (...) se chama Cassie Jones. Marli, a primeira namorada de Zé Capetinha, é posteriormente seduzida por Fernando Luiz, o playboy galanteador, e acaba suicidando-se. Longe de fazer uma análise literária do texto, meu intuito é levantar as pistas de investigação que o mesmo, por ser tão autobiográfico, pode nos oferecer. Desse modo, gostaria de selecionar três passagens bastante interessantes, todas relacionadas à influência de autores brasileiros que estudavam a temática racial nos anos 1930. Lembremos que o texto foi elaborado em 1943, quando Abdias encontrava-se preso e contava então 29 anos, ou seja, no início de sua maturidade intelectual. Assim, ele diz, no momento em que o personagem principal é preso após uma briga de bar (uma alusão aqui à confusão ocorrida na vida real no bar Majestic, em 1936) e está sendo interrogado pelo delegado que o acusa de ser comunista: - Não é seu este livro de Gide? Interrogou o delegado apanhando um volume no banco. - É sim, mas que... - Pois então, cortou o delegado, que provas se necessita mais? Virando-se para os inspetores que faziam roda aos dois, a autoridade falou convictamente, balançando a cabeça: - Não resta nenhuma dúvida, é mesmo comunista! - Além de negro comunista! escarneceu Buck Jones. Vergonha da raça! Traidor do Brasil! Capetinha permaneceu calado, mas em dado momento resolveu falar.
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- Doutor, o senhor está evidentemente enganado. Este livro com que está provando meu comunismo é a Economia Política de Charles Gide, usada na Faculdade de Direito. O Gide comunista é outro, chama-se André, André Gide. - Guarde a sabedoria para quando for ao Tribunal. Já conheço bem essa lábia de vocês. - Também a peça que escrevi nada possui de comunista. Baseia-se em livros de Artur Ramos e Gilberto Freyre, professores da Universidade; será comunismo defender-se o direito que temos de viver em igualdade de condições e com a mesma liberdade de oportunidades que desfrutam os demais brasileiros? (Nascimento, 2000: 89, volume II).
Em outras duas passagens do texto, em uma carta de Zé Capetinha para Rosinha, consolando-a por ter o marido, Benedito, preso, o personagem afirma: A História Nacional rehabilita o Negro a estas imposições construtoras de um patriotismo são, comprovado pelo trabalho e pela dor. A grandiosidade sentimental do negro, o pundonor, o estoicismo e heroísmo, com que sempre se fez nos grandes estremecimentos da Pátria, estão sempre patenteados no seu afeto nacionalístico, puro e insofismável. O impulso psíquico moral, a misteriosidade mística do ritual africano e as atraências irresistíveis do sangue quente do negro, de há muito têm-se apoderado, inevitavelmente, da alma vacilante da raça branca brasileira, empolgando a sua credulidade romântica, feita de receios, na gostosíssima delícia dos cafunés, dando-lhe o coração, humilhado, ao despontar irrefragável do novo tipo da beleza futura da terra, concretisado na estética impecável da Mulata [grifo no original]. O nosso trabalho deve ser um trabalho de amorosa conciliação, enérgico, é certo, mas também seja-o uma luta de paz, de amor e de patriotismo acurados. Surja o respeito em busca de uma reivindicação justa, e, em nome da Pátria, apague-se o rancor que esse mesmo respeito suscita. Que o negro leve o beijo e o abraço do seu amor e da sua histórica dolorosidade àqueles que sempre o vilipendiaram, mas que, filhos ingratos, queiram ou não queiram, terão que sentir a superioridade paterna do Negro que os amamentou (Nascimento, 2000:92).
Ainda: Pensando nas figuras de mulher e amada que lhe alimentaram a existência de homem e de idealista, chegou à conclusão de que no campo da renovação da raça ou do congraçamento fusível da Brasilidade, entre brancos e negros, perdendo uma e outra o exclusivismo personalístico, desapareceriam ambos pela refinação sanguínea. Já percebia repontando nos horizontes do futuro o mulatogenismo, posterior representante da sabedoria e da estesia racial brasileira (Nascimento, 2000:93).
O que se pode perceber por essas passagens do romance de Nascimento, considerando o caráter autobiográfico do texto, é uma explicitação de sua vinculação a certos autores que se debruçaram sobre a problemática racial e a constituição da população brasileira nos primeiros trinta anos do século passado. São feitas claras referências a Arthur Ramos, Gilberto Freyre, além do escritor católico francês André Gide (1869-1951) que, durante os anos 1940, se vinculou ao grupo de escritores da revista Présence Africaine. Analisando a fala de alguns líderes negros e ativistas do protesto negro dos anos 1930 e 1940, podemos notar a influência de autores responsáveis pelas 61
primeiras pesquisas sobre a população de origem africana no Brasil e a problemática, central naquele momento, da constituição de um povo e de uma identidade nacional. Em seu depoimento a Barbosa (1998), o ex-militante da Frente Negra Brasileira (FNB) Francisco Lucrécio, diz sobre a época de sua atuação nesta entidade: Eu não digo movimento, como se diz agora, porque engloba tudo, não é bem isso. Não digo também “problema do negro”, porque o negro não tem problemas, ele não criou os problemas. Parece que ser branco é um status no Brasil. Abafaram todas as questões da África, religião, música, costumes. A África naquele tempo tinha uma imagem muito negativa. E ainda vivia sob o colonialismo europeu. A informação que nós tínhamos da África era mais oral, um negro passava para o outro, depois vieram alguns escritores como Nina Rodrigues, Manuel Querino, e daí surgiu a polêmica em torno da questão racial. Sou contrário a dizer “o problema do negro (Lucrécio apud Barbosa, 1998:52).
Pela fala de Lucrécio, é possível notar que os ativistas do começo do século estavam informados dos estudos do final do século XIX e início do século XX que focavam o negro e suas manifestações culturais e religiosas.20 O militante cita literalmente Nina Rodrigues e Manuel Querino, além de usar o termo “problema do negro”, que está presente nas obras do antropólogo seguidor de Nina Rodrigues, Arthur Ramos. Campos (2002), em sua dissertação de mestrado, explica que “Arthur Ramos passa a se apresentar como discípulo de Nina Rodrigues, exatamente por se atribuir a tarefa de retomar a questão racial e dar continuidade ao estudo do chamado ‘problema do negro’, em 1926, pouco antes de assumir o cargo de médico legista. De fato, data de 1932 a publicação de uma série de ensaios sobre o tema, culminando com o volume intitulado O Negro Brasileiro, em 1934” (Campos, 2002:61-62). Gostaria de comentar, sucintamente, a relação entre Nascimento e o antropólogo alagoano, radicado no Rio de Janeiro nos anos 1930, Arthur Ramos. Segundo Campos (2002) a maior parte das obras deste autor tem por objetivo explorar o que se convencionou chamar naquele momento de “problema do 20
Na verdade, o grande responsável pela divulgação das obras de Nina Rodrigues e Manuel Querino, produzidas na virada do século XIX e início do XX, foi justamente Arthur Ramos. Ele coordenou a publicação dos livros destes autores a partir de 1935. Ver Correa (1998) Ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil e a resenha de Silva (2004) das reedições dos livros de Arthur Ramos e Roger Bastide.
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negro”, algo que tem início em 1926 e se estende até 1942. Ramos se autodeclara seguidor do antropólogo maranhense Nina Rodrigues, responsável pelos primeiros estudos sobre o contingente de negros na população brasileira. A novidade, segundo Campos, das abordagens dessa temática feita pelo pesquisador alagoano é a influência de teorias psicanalíticas que faziam parte da formação do autor e era a grande novidade, do ponto de vista teórico, no começo do século. Vale assinalar que a maneira pela qual Arthur Ramos se apropria das questões já presentes em Nina Rodrigues sobre a definição do povo brasileiro e da nação (CORRÊA, 1998:150) passa a ser permeada por uma interpretação de base psicanalítica e pelas teses de Lévy-Bruhl. Na época, eram essas as influências teóricas preponderantes sobre o autor, por meio das quais ele procura estabelecer a psicologia social dos negros no Brasil e alcançar o conhecimento da alma primitiva. Portanto, falar em questão racial, para Arthur Ramos, nesse período inicial, é sinônimo de tentar compreender a constituição do inconsciente do negro em termos psicanalíticos e, conseqüentemente, sua contribuição para a composição da cultura brasileira. A chave dessa compreensão estaria na formação das culturas africanas que foram transportadas para o Brasil e no posterior contato com outras formas culturais (Campos, 2002: 62).
Campos sugere, baseado em Maio (1997), a filiação de Nascimento ao pensamento de Arthur Ramos e a idéia de democracia racial que, segundo ela, teria a sua gênese no autor alagoano. Assim ela afirma: Abdias do Nascimento parece ter-se tornado tributário do pensamento de Arthur Ramos durante as décadas de 1930 e 1940. Um bom exemplo da influência está na adoção por A. Nascimento de categorias como “mentalidade pré-lógica” e “cultura atrasada” (cf. MAIO, 1997:272), ao se referir a população de cor, expressões utilizadas por Arthur Ramos desde seu primeiro livro sobre o problema racial, O Negro Brasileiro (1934). Posteriormente, no entanto, é um dos críticos mais insistentes contra o chamado mito da “democracia racial” no Brasil (Campos, 2002:56).
Gilberto Freyre também se faz presente nos escritos iniciais de Nascimento. O termo “mulatogenismo”, que seria o futuro “representante da sabedoria e estesia racial brasileira”, aparenta estar muito próximo da idéia freyreana de um Brasil mestiço, onde todos teriam traços de uma mestiçagem biológica e cultural. Os negros, nesses primeiros escritos ficcionais do ativista negro, são vistos como indivíduos dotados de extremo sentimentalismo, misteriosidade – oriunda de sua origem africana – e que estariam contribuindo, pela mistura de sangue, para a constituição de uma estética brasileira própria: a mulata. Os termos usados para qualificar o negro são “grandiosidade
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sentimental”, “superioridade paterna” e “atraências irresistíveis do sangue quente do negro”. Conclusão Minha intenção, neste primeiro capítulo, foi apresentar a primeira fase da vida de Abdias do Nascimento (1914-1943), ao mesmo tempo em que evidenciava aspectos relevantes da história de vida do autor. Educado em instituições e circulando por espaços onde sua condição racial era sempre evidenciada, o jovem negro aos poucos vai construindo sua consciência racial, um processo que poderíamos denominar de “tornar-se negro”. Contudo, essa questão só se coloca como central em sua trajetória política e intelectual em um segundo momento, a saber, em 1938, com a organização por parte dele e de outros
amigos
do
Congresso
Afro-Campineiro,
evento
preparado
em
comemoração aos 50 anos da Abolição no país e, talvez, sob a inspiração dos congressos
afro-brasileiros
de
1934
e
1937
em
Salvador
e
Recife,
respectivamente. A influência mais forte sob Nascimento até aquele momento teria sido a da Ação Integralista Brasileira, seu primeiro espaço de atuação política, de modo que sua passagem pela Frente Negra Brasileira soa como efêmera, mas não pode ser desconsiderada. Possivelmente, foi na “Frente” que Nascimento foi despertado para a possibilidade de uma futura atuação política pela causa negra. A segunda metade da década de 1930 é marcada pela expulsão de Nascimento do Exército e sua primeira mudança para o Rio de Janeiro. Em sua passagem pela prisão (entre 1937 e 1938), desliga-se do Integralismo e aproxima-se da esquerda ao conviver com militantes que haviam participado do Levante Comunista de 1935. Ao sair da cadeia, vai para Campinas, onde organiza o congresso citado anteriormente juntamente com outros amigos, dentre eles, Aguinaldo de Camargo. Depois de passar dois anos em empregos esporádicos no interior de São Paulo e Rio de Janeiro em 1941, parte em viagem por países da América do Sul com uma confraria de poetas chamada Santa Hermandad Orquídea na função de jornalista do grupo. Em Lima, Peru, assiste a uma
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apresentação da peça de Eugenne O’Neill, O Imperador Jones, com um ator branco usando uma black face, algo que o deixa chocado. Esse teria sido o primeiro momento em que a idéia de montar um teatro negro surgiria diante de Nascimento, que considerava a situação das artes cênicas no Brasil similar ao que encontrara no Peru. De volta ao Brasil, em 1943, é preso por insubordinação no Exército e pela confusão em um bar que havia causado sua exoneração da instituição. O período de encarceramento é marcado por experiências como ator e diretor teatral. Na cadeia, escreve uma novela autobiográfica, uma peça teatral que nunca seria encenada além de um pequeno texto de reflexões sobre a vida na prisão. A novela revela um jovem de 29 anos idealista, influenciado pelo pensamento de Gilberto Freyre, Arthur Ramos e o nacionalismo das organizações políticas dos anos 1930. Em certos momentos do texto, evidencia-se um jovem essencialista, que vê os negros carregados de misticismo, erotismo e emotividade. Eis o jovem Abdias do Nascimento, que começa a delinear seu pensamento mediante influências diversas. Entram nesse leque o patriotismo e afirmação de nacionalidade, tão explícitos nos textos da Imprensa Negra, da Frente Negra Brasileira e na ideologia integralista. Em combinação a isso, se nota a leitura realizada pelo autor de intelectuais que repensavam a contribuição dos negros para a formação da identidade e nação brasileira, a saber, Gilberto Freyre e Arthur Ramos. Nascimento é libertado no início de 1944. Após algum tempo em São Paulo, parte novamente em direção ao Rio de Janeiro onde, juntamente com outras personalidades negras, inauguraria uma nova fase do protesto negro brasileiro, fase na qual veremos uma reelaboração da imagem do negro brasileiro e as primeiras e ainda tímidas delineações do que viria a se cristalizar como “cultura negra brasileira” nos anos 1970. A Cidade Maravilhosa dos anos 1940 e o teatro negro nela estabelecido são os temas do próximo capítulo.
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Capítulo 02: O Rio de Janeiro e o Teatro Experimental do Negro (1944-1945) 2.1 – O Rio de Janeiro e a sua magia21 De ex presidiário a personalidade do mundo teatral carioca. Está é a trajetória realizada por Nascimento em pouco mais de dois anos. O mesmo homem que, com 29 anos, estava encarcerado no presídio do Carandiru, condenado
por
supostos
crimes
cometidos durante sua passagem pelo Exército (1930–1936), em 1946 é tido com personalidade respeitada no mundo artístico, intelectual e político da capital do país aquela época. É possível constatar este fato pela leitura de um artigo de sua autoria publicado na revista Vamos Ler22 em outubro do referido ano. Com o título de “No teatro brasileiro”, Nascimento faz uma espécie de resenha de uma peça em cartaz no Rio de Janeiro, citando atrizes, atores e diretores brasileiros e estrangeiros. Nesse mesmo ano, ele começa a escrever no recém aberto jornal Diário Trabalhista, onde era responsável por uma coluna voltada somente para assuntos relacionados à comunidade afro-brasileira. Para entendermos a ascensão de nosso autor é necessário que dediquemos atenção especial aos anos de 1944 e 1945, quando se dão acontecimentos decisivos para a trajetória do jovem francano. Por sinal, esses dois anos são tidos como momentos significativos na história intelectual brasileira. Em 1944, é lançado o livro Testamento de uma geração,23 uma reunião de depoimentos de intelectuais e artistas renomados
21
Foto de Abdias do Nascimento e Cacilda Becker em cena de Otelo (Shakespeare) no 2º aniversário do TEN, Rio de Janeiro, 1946. 22
“No Teatro Brasileiro” in Vamos Ler. Rio de Janeiro, 22 de outubro de 1946.
23
O Testamento de uma Geração (1944). Introdução e organização de Edgard Cavalheiro. Editora Globo, Porto Alegre.
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como Afonso Arinos de Melo e Franco, Sérgio Milliet, João Alphonsus, Luiz da Câmara Cascudo, Emílio Di Cavalcanti entre outros. Como afirma Mota (1978) “apesar de muitos desses intelectuais continuarem produzindo por mais de trinta anos e terem participado, em anos posteriores, da vida política ou posições de destaque, o sentimento que perpassa os depoimentos é o de fim de período, de decadência da cultura” (1978:84). Contrapondo-se ao Testamento, Mota apresenta Plataforma da Nova Geração,24 conjunto de depoimentos lançado em 1945 publicados primeiramente no jornal O Estado de São Paulo e organizados por Mário Neme. De acordo com este autor, “os depoimentos de Edgar de Godói da Mata-Machado, Paulo Emílio de Sales Gomes, Antonio Candido e Mário Schenberg trazem consigo alguns elementos teóricos novos para se estabelecer parâmetros diferenciados dos anteriores na história da cultura no Brasil: tais participações, sem serem propriamente revolucionárias, inscrevem-se na vertente radical das ideologias do período da Segunda Guerra Mundial” (Mota, 1978:111). Em meio a essas transformações na cena cultural e intelectual brasileira, é significativo o fato de o TEN ter surgido em fins de 1944 e montar sua primeira peça em maio de 1945. Ao sair da prisão, no início de 1944, Nascimento estava decidido a implementar sua idéia de fundar um teatro negro. Sendo assim, ele tenta viabilizar sua proposta em São Paulo, estabelecendo contato com Mário de Andrade, a quem chega por intermédio do escritor Fernando Góes. A proposta, segundo nosso autor, teve pouca receptividade da parte do modernista, fato que o desanima. Não coincidentemente, Mota (1978) elege Andrade como “ponto de referência”, “consciência limite” da geração desgastada de 1944. As palavras ácidas no depoimento registrado no Testamento fornecem uma noção da situação revisionista do autor. Diz ele que: Não tenho a mínima reserva em afirmar que toda a minha obra representa uma dedicação feliz a problemas do meu tempo e minha terra. Ajudei coisas, maquinei coisas, fiz coisas, muita coisa! E, no entanto me sobra agora a sentença de que fiz muito pouco, porque todos os meus feitos derivam duma ilusão vasta. E eu que sempre me pensei, me senti mesmo sadiamente banhado de amor humano, chego no declínio da vida à convicção de 24
Plataforma da nova geração (1945). Coordenação de Mário Neme. Editora Globo. Porto Alegre.
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que faltou humanidade em mim. Meu aristocratismo me puniu. Minhas intenções me enganaram. Vítima do meu individualismo, procuro em vão nas minhas obras, e também nas de muitos companheiros, uma paixão mais temporânea, uma dor mais viril da vida. Não tem. Tem mas é uma antiquada ausência de realidade em muitos de nós. Estou 25 repisando o que já disse a um moço... (Andrade apud Mota, 1978: 107) .
Mesmo diante do desânimo do poeta modernista, Nascimento afirma que “sentiu um clima no ar” ao ler um artigo do jornalista, poeta e escritor Galeão Coutinho26 em que comentava a necessidade da existência de companhias de teatro composta só por negros. Decide então se mudar para o Distrito Federal. Essa mudança para o Rio de Janeiro tem claramente um sentido estratégico. O título deste tópico faz referência a um texto clássico do antropólogo Lévi-Strauss (1958), Le sorcie et sa magie. A idéia básica do autor francês é a de que “Il n’y a donc pas de raison pour mettre em doute l’ efficacité de certaines pratiques magiques. Mais on voit, en même temps, que l’ efficacité de la magie, implique la croyance en la magie” (Lévi-Strauss, 1958:184). Situando a analogia sugerida, diria que Nascimento muda-se para a capital do país estrategicamente, pois existia a crença de sua parte de que o projeto do teatro seria mais bem recebido no Rio de Janeiro, por conta de certo deslumbramento do autor com a capital do país, informado por um imaginário que via a “Cidade Maravilhosa” como mais cosmopolita do que a ainda bastante caipira, “Terra da Garoa”.27 Isso se dava devido, por um lado, à posição central do Rio de Janeiro, do ponto de vista político 25
Conferência-depoimento de Mário de Andrade realizada no Itamaraty em 30 de abril de 1942 e parcialmente transcrita no livro O Testamento de uma Geração (1944). 26
Galeão Coutinho (1897 – 1951) foi redator–chefe do jornal A Gazeta, escritor e tradutor. Escreveu Parque Antigo (poesia, 1920), Confidências de Dona Marcolina (novela, 1949) e Memória de Simão, o caolho (novela, 1953).
27
Discorrendo sobre as transformações ocorridas no centro da capital paulista, Frúgoli Jr. (1995) acaba por evidenciar que, nos anos 1950, São Paulo ainda se encontrava num processo de se transformar uma metrópole cultural. Afirma ele que: “Uma década mais tarde [1950], já mais integrado a vários grupos intelectuais, José Paulo Paes destaca a abertura de grandes livrarias como a Monteiro Lobato, na Avenida São João, ou o Palácio do Livro, na Praça da República, a circulação de artistas plásticos, escritores e outros intelectuais pela Barão de Itapetininga, e o rebuliço causado pelo pintor Flávio de Carvalho, que desfilou com uma saia curta pelas ruas do centro, numa São Paulo que se alçava também como metrópole cultural, mas que matinha hábitos bastante provincianos” (Frúgoli Jr, 1995:28) [grifo meu]. Um momento anterior a esse, mas que de certa maneira construiu as bases de uma cena intelectual paulistana renovada no pós-guerra, foi a empreitada de jovens ligados a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, como por exemplo, daqueles que lançaram nos anos quarenta a revista Clima: Antonio Candido, Décio de Almeida Prado, Paulo Emílio Salles Gomes, Ruy Coelho, Gilda de Mello e Souza, Lourival Gomes Machado entre outros (Ver Pontes, 1998).
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e cultural nessa época, e de outro, à inexistência de um campo teatral já bem estabelecido na capital paulista. São Paulo poderia ser considerada uma cidade estrangeira, devido ao alto número de imigrantes que constituía sua população, contudo, sua vida cultural ainda era efêmera se comparada ao Distrito Federal. O desenvolvimento do teatro paulista daria seus primeiros passos justamente nessa década, como nos ensina Arruda (2001). O ciclo analisado pela autora tem como marco de início 1942, com a fundação do Grupo de Teatro Experimental por Alfredo Mesquita e se fecha em 1964 com o Golpe Militar. Assim afirma a autora: No meio do século XX, o teatro em São Paulo celebra a sua estréia no cenário das linguagens modernas. Diferentemente da ficção, da poesia, mesmo do ensaísmo, que havia assentado as bases da renovação expressiva há pelo menos trinta anos, o gênero teatral parecia sofrer de uma espécie de paralisia, a despeito de existirem peças escritas pelos modernistas. O tempo de espera terminaria com o aparecimento das casas de espetáculos. Um novo teatro nascia na capital (Arruda, 2001:135).
A inexistência de um teatro de vanguarda, afinado com as transformações ocorridas nas outras artes, também é constatada por Pereira (1988), com a diferença de que este último se refere ao Distrito Federal daquela época. Até certo ponto, sua análise pode ser generalizada para o contexto nacional. O projeto de renovação cultural trazido pelo movimento modernista na década de 20 havia sido apropriado e implementado de maneira oficial pelo Estado Novo com relativo sucesso, no que diz respeito à literatura e a música.28 Era anseio de uma intelectualidade, afinada com as tendências modernistas, de que isso viesse a ocorrer nas artes cênicas também. Pereira (1988) elenca três tipos de teatros existentes no Rio de Janeiro até início dos 1940, a saber: o teatro de revista, o teatro sério e o que chamarei aqui de “teatro de luxo”. O teatro de revista atingia o grande público e era utilizado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) para a divulgação da imagem oficial do país, ao mesmo tempo em que esse órgão coibia o “excesso” de críticas políticas nas peças. O teatro sério, cuja denominação mais apropriada seria “chato”, sofria o controle do Serviço Nacional de Teatro (SNT), criado em 1937, e buscava montar peças que contassem a história do Brasil em moldes tradicionais 28
Parte deste processo, relacionado à música, é descrito por Vianna (1995). Para uma discussão sobre a atuação do Estado nesse processo ver o artigo de Schwarcz (1998).
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e convencionais. Por fim, o “teatro de luxo” atendia a um público mais refinado e se diferenciava dos demais por meio de uma “roupagem” moderna baseada no apuro dos guarda-roupas e da cenografia sem, contudo, abandonar o “estrelismo” ou ter uma visão inovadora do espetáculo, de acordo com Pereira. Era o teatro de bom gosto (Pereira, 1988). O teatro brasileiro não apresentava as influências das vanguardas européias que já haviam se difundido nos grandes centros internacionais, e apenas uma pequena parcela da população tinha oportunidade de visitar as metrópoles do exterior. Uma amostragem das tendências modernas no teatro era, no entanto, as temporadas promovidas no Rio de Janeiro por companhias teatrais prestigiadas, como foi o caso do conjunto do famoso ator francês Louis Janet que apresentou um repertório variado no Teatro Municipal em duas ocasiões (1941 e 1942) (Pereira, 1988:69).
Na interpretação de Pereira, faltava, “portanto, às artes cênicas, manifestações que pudessem ser apoiadas como parte do projeto de criação da cultura brasileira moderna que se impunha na gestão do ministro Gustavo Capanema à frente do Ministério da Educação e Saúde” (Pereira, 1988:69). O processo de modernização do teatro teria início com a deflagração da II Guerra Mundial, de acordo com Campedelli (1995), que faria com que vários profissionais do ramo, sintonizados com as técnicas de montagem mais contemporâneas, aportassem no Brasil, fugindo do conflito e do nazismo no chamado Velho Mundo. Alguns exemplos são os casos de Giani Rato, Adollfo Celi e Maurice Vaneau. A mudança nas artes cênicas brasileiras viria de fato em 1943, através da montagem de “Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues. A peça teve a direção do polonês Zbigniew Ziembinski que trabalhou com o grupo Os Comediantes. Zimba, como passou a ser chamado no Brasil, era expert em iluminação e encenação com formação expressionista. Como nos ensina Pereira (1988) e Magaldi (1999), é justamente na encenação da peça de Rodrigues que nasce a moderna dramaturgia brasileira, na qual a figura do diretor passa a ter destaque e centralidade. O cosmopolitismo do Rio de Janeiro, nos anos 1940, somado as mudanças que começam a ocorrer na cena teatral carioca a partir de 1943, mais o carisma e a habilidade de Abdias do Nascimento em estabelecer contatos, como veremos adiante, parecem ser os grandes responsáveis pelo estabelecimento de um teatro negro nesta cidade em 1944.
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2.2 – Um teatro negro na “Cidade Maravilhosa” É necessário ressaltar, neste momento, um ponto central nos estudos sobe o surgimento do teatro negro no Brasil que, muitas vezes, passa despercebido. A novidade trazida pelo TEN não diz respeito ao fato de ser uma companhia formada somente por negros e mestiços. Este contingente da população tinha lugar nesta manifestação artística desde o século XVIII, momento em que o teatro começa a se afastar das temáticas religiosas, já que havia sido introduzido no país no século XVI como ferramenta no processo de cristianização dos indígenas. De acordo
com
Rosa,
“muitas
companhias
possuíam
elencos
formados
exclusivamente por negros, tornando comum o uso de pintura no corpo para interpretar personagens brancos. No entanto, se uma primeira leitura desta situação nos entusiasma, devemos nos lembrar que esta larga presença negra nas companhias do período se deve exclusivamente ao fato do teatro ser considerado indigno de receber em seus elencos membros das camadas considerados superiores, nesta época, os brancos” (Rosa, 2002:24). Ainda de acordo com esta autora, o status do teatro muda a partir da vinda da corte portuguesa para o Brasil, no século XIX, tornando-se um tipo de arte mais elitizada. Neste momento, o negro passa a representar no teatro a mesma personagem que incorporava na sociedade, ou seja, o lugar de escravizado. No início do século XX, essa situação sofreria uma pequena mudança, como nos mostra a autora: A sociedade não havia assimilado uma outra visão possível para o negro, o fim do cativeiro impõe também ao personagem negro no teatro um vazio à medida que uma garantia da aparição destes personagens, a condição de escravo, deixa de existir. O que parece ter se resolvido, porém com a readaptação de alguns estereótipos, no início do século XX, com o renascimento da comédia em 1916, povoadas das empregadinhas maliciosas, moleques de recado e realizadores de pequenos serviços, e o escravo fiel, geralmente um negro velho e absolutamente prestativo. As personagens negras são aparentemente delineadas para a comprovação e legitimação da tese de inferioridade atribuída pela sociedade branca. Dessa forma vemos uma série de personagens-figurantes negros, com pouca ou nenhuma caracterização humana, comuns aos demais personagens os dramas e conflitos pessoais são pouco expressivos e muitas vezes se concretizam através da ação maléfica aos personagens centrais, leia-se brancos. Muitos são originados na condição de escravo ou descendente, o que impõe a esses indivíduos a compulsória inferioridade, sendo o teatro fiel ao retratá-los como indivíduos sem subjetividade e ricos de características e estereótipos depreciativos e vagos quanto a
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delineação de uma personalidade. Isso deixa grande parte desses personagens negros à mercê das determinações dos personagens brancos em todos os sentidos, principalmente em relação aos valores (Rosa, 2002: 35-36).
Desse modo, percebe-se que o grande problema não era a presença ou não em si de personagens ou atores negros no teatro, mas a representação que se tinha dos mesmos e os papéis que lhes eram reservados. Neste sentido, é possível até mesmo relativizar a história contada por Nascimento para explicitar o momento que lhe teria surgido o insight da necessidade de um teatro negro. O black face praticado pelo ator peruano e presenciado por Nascimento em 1941 não era prática comum no Brasil, mas a representação e os papéis reservados aos negros eram grotescos ou de submissão. Logo ao se estabelecer no Rio de Janeiro, Nascimento busca colocar em prática seu empreendimento artístico. Com isso em mente vai à busca de amizades antigas como a de Aguinaldo Camargo, que havia realizado, juntamente com ele, o Congresso Afro-Campineiro, em 1938. Além de Camargo, envolvem-se com o projeto Teodorico dos Santos, José Herbel e Tibério, este último pintor e escultor. O local de encontro é o Café Vermelhinho, localizado na região central do Distrito Federal, àquela época freqüentado pela classe artística e intelectual carioca. A atriz Ruth de Souza, que começaria sua carreira aos 17 anos de idade, na montagem de O Imperador Jones, realizada pelo TEN, fala dessa época com nostalgia: Tínhamos contato com todo mundo, com outros grupos de teatro. O Café Vermelhinho – defronte a ABI [Associação Brasileira de Imprensa] – era o ponto de encontro de artistas e intelectuais da época. Era uma coisa tão linda que hoje eu fico pensando no documento incrível que teríamos se contássemos com um vídeo naquela época. À tarde, das quatro em diante, você encontrava todo mundo ali – o pessoal do TEN, do Teatro do Estudante, e ali a gente batia papo com Portinari, Nelson Rodrigues e eu bebia o que eles diziam... Ali conheci Santa Rosa, Sérgio Cardoso, Sérgio Brito, Di Cavalcanti, Aldemir Martins. E dali saíamos muitas vezes para a casa de Aníbal Machado, onde havia reuniões todas as quintas-feiras. A casa dele estava sempre aberta. Era uma época lindíssima (Souza, 1988:124-125).
A circulação de Nascimento por esse espaço, majoritariamente branco e intelectualizado, rende vários contatos que irão auxiliá-lo, de uma maneira ou de outra, no estabelecimento do teatro negro. Nas suas palavras: “Aí, a gente se reunia no Vermelhinho, para arquitetar os planos, entrar em contato com as
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pessoas que poderiam nos ajudar – como o Aníbal Machado,29 uma espécie de ‘papa’ dos intelectuais da época. Ele, por sua vez, nos apresentou a Carlos Lacerda,30 secretário de O Jornal, onde demos uma entrevista. Finalmente a 13 de maio de 1944, fundamos o TEN" (Nascimento, 1988:108-109). A inserção de nosso autor nesse meio também era facilitada em função de seu trabalho como revisor em jornais, mas devemos considerar em muito o talento de Nascimento em constituir redes pessoais de contato, algo que começara já na sua passagem pelo integralismo, como vimos no capítulo anterior. É importante frisar a conjuntura em que o TEN dá início às suas atividades para que possamos analisá-lo de maneira crítica. O final do Estado Novo, durante o qual o protesto negro havia sido silenciado, e o processo de redemocratização, trazem consigo novamente as temáticas da identidade nacional e de um projeto de nação. Volta à baila a pergunta: o que vem a ser o Brasil? Como nos mostra Tavares (1988), os agentes que retomam essa questão são responsáveis pela “constituição de um pensamento crítico que questiona a produção intelectual realizada até aquele momento dentro e fora da academia brasileira” (Tavares, 1988:83). Analisando a partir desta perspectiva, a intelectualidade que observa com bons olhos a experiência de Nascimento e o auxilia no estabelecimento do seu projeto de teatro, assim o faz porque estaria envolvida numa tentativa de modernização ou renovação cultural do país. Contudo, a recepção da idéia de um teatro negro se dava de maneira negativa em parte da imprensa e intelectualidade cariocas. É o que se pode apreender de um artigo publicado no jornal O Globo e intitulado “Teatro de Negros”. Vejamos:
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Aníbal Machado (1894 – 1964) nasceu em Sabará (MG). Foi escritor e crítico literário influente em círculos intelectuais, tanto no Rio de Janeiro, como de São Paulo, entre as décadas de 1940 e 50. Presidente da Associação Brasileira de Escritores (1944), organizou o seu I Congresso em São Paulo (1945) e foi um dos fundadores dos grupos teatrais Os Comediantes, do Teatro Popular Brasileiro e do Tablado. 30
Carlos Lacerda (1914 – 1977) foi jornalista, empresário de comunicação, poeta, escritor e um dos fundadores da União Democrática Nacional (UDN), partido criado em 1945 e opositor do governo de Getúlio Vargas. Político bastante influente nos anos 1950 e 60 chegou ao cargo de governador do antigo estado da Guanabara entre os anos de 1964 – 1968.
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Uma corrente defensora da cultura nacional e do desenvolvimento da cena brasileira está propagando e sagrando a idéia de formação de um teatro de negros, na ilusão de que nos advenham daí maiores vantagens para a arte e desenvolvimento do espírito nacional. É evidente que semelhante lembrança não deve merecer o aplauso das figuras de responsabilidade, no encaminhamento dessas questões, visto não haver nada entre nós que justifique essas distinções entre cena de brancos e cenas de negros, por muito que as mesmas sejam estabelecidas em nome de supostos interesses da cultura. Que nos Estados Unidos, onde é por assim dizer absoluto o princípio da separação das cores e especial a formação histórica, bem se compreende se dividam uns e outros no domínio da arte como se compreende que o anseio da originalidade dos países em que todas as artes evoluíram até o máximo, como na França, por exemplo, seus pintores e escultores fossem procurar inspirações no negro, ou nas ilhas exóticas. Mas, a verdade, aliás ainda por ser largamente explanada, é que entre nós nem sequer historicamente essas distinções se fundamentaram, e, aparte dos brados da consciência universal contra a escravatura, o drama humano da abolição e a voz do poeta dos escravos, seriam artificiais quase todas as obras de arte que exploram o tempo das senzalas porquanto, via de regra, os negros escravos, em todo o país, eram mais bem tratados do que muitos que hoje vivem desamparados. Os crimes, os tormentos, eram exceções, porquanto a regra foi sempre a doçura brasileira, o fenômeno da mãe preta, dos escravos que, mesmo sobrevinda a Abolição, ficaram por quase toda a parte a serviço dos seus senhores, morreram acarinhados de todos. Sem preconceitos, sem estigmas, misturados e em fusão nos cadinhos de todos os sangues, estamos construindo a nacionalidade e afirmando a raça de amanhã. Falar em defender teatro de negros entre nós, é o mesmo que estimular o esporte dos negros, quando os quadros das nossas olimpíadas, mesmo no estrangeiro, misturam todos, acabar criando as escolas e universidades dos negros, os regimentos de negros e assim por diante. E no caso em apreço, a criação artificial do teatro que se propaga e tanto mais lamentável quanto é certo que a distinção estabelecida iria viver, aliás, falsamente, nas esferas sugestivas e impressionantes do teatro, que só deve ser um reflexo da vida dos nossos costumes, tendências, sentimentos e paixões”. Coluna “Ecos e Comentários (página editorial). O Globo, 17 de outubro de 1944.
Como primeira atividade, o TEN participou da montagem da peça Palmares, de Stela Leonardos, realizada pelo Teatro do Estudante do Brasil, em 21 de dezembro de 1944. Essa atividade se tornou possível, devido ao contato de Nascimento com Pascoal Carlos Magno.31 Comentando o primeiro encontro com Magno Nascimento afirma: Agora, eu sei que Pascoal Carlos Magno gostava de inverter as coisas, afirmando que ele fundou o TEN. Não é bem assim. Um dia, Pascoal estava dando uma conferência no Ministério da Educação e abordou a questão do teatro negro, comentando a necessidade de sua criação no Brasil. E eu, que estava na platéia, assistindo, ao lado de meus amigos, me levantei e falei: “Pascoal, você não tem mais que advogar, não, porque nós já fundamos o Teatro Negro, já existe o Teatro Experimental do Negro”. Ele então anunciou lá
31
Pascoal Carlos Magno (1906 – 1980) nasceu e viveu no Rio de Janeiro. Foi poeta, romancista, teatrólogo, diplomata de carreira, vereador pelo Distrito Federal e chefe de gabinete do governo de Juscelino Kubistscheck (1956 – 1961). Fundou, em 1938, o Teatro do Estudante do Brasil com o qual viajou por várias localidades do país. Em 1952 fundou em sua casa, no bairro de Santa Tereza, o Teatro Duse.
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do palco, fez aquela baderna , aquele carnaval. Ele era muito carnavalesco. Só que costumava fazer essa inversão (Nascimento, 1988:109).
O TEN foi muito mais do que um grupo teatral composto só por negros. Além da parte artística – com várias peças centradas na temática racial –, organizou concursos de beleza e artes plásticas, promoveu intensa atuação político-social através de convenções, conferências, congressos, seminários, cursos de alfabetização e iniciação artístico cultural para negros, editou um jornal intitulado Quilombo e alguns livros. Entre 1944 e 1968, período de existência do grupo, consta em torno de cinqüenta e uma atividades realizadas.32 Configura-se, assim, a segunda fase dos movimentos negros brasileiros (Guimarães, 1999 e 2002). Alguns o vêem como um momento menor, se comparado a FNB, nos anos 1930, e ao MNU, na virada dos anos 1970 para os 1980. Assim, por exemplo, afirma Santos, que, durante o TEN, “o movimento parecia acumular energia, para o salto que daria depois...” (Santos, 1985:289). As peças encenadas pelo TEN foram oito, a saber: Imperador Jones (1945, 1946 e 1953), Todos os filhos de Deus têm asas (1946), de Eugene O’Neill; O filho pródigo (1947, 1953 e 1955), de Lúcio Cardoso; Aruanda (1948 e 1950) de Joaquim Ribeiro; Filhos de Santo (1949) de José de Morais Pinho; Calígula (1949) de Albert Camus (na verdade um ensaio aberto em homenagem à visita de Camus ao Brasil em missão cultural); Rapsódia negra (1952) e Sortilégio (1957), de Abdias do Nascimento.33 O teatro negro ainda participou de outras cinco montagens com outros grupos teatrais: Palmares (1944), de Stela Leonardos; Terras do sem fim (1947), de Jorge Amado; A família e a festa na roça (1948), de Martins Pena; Orfeu da Conceição (1956), de Vinícius de Morais; e Perdoa-me por me traíres (1957), de Nelson Rodrigues.34 Por fim, mais sete peças foram ensaiadas, mas não chegaram a ser montadas e encenadas. São elas: A história de Carlitos (1946), de Henrique Pongetti (ensaiada em frente ao Ministério de Educação como forma de protesto pela expulsão do TEN do Teatro Fênix);
32
Ver edição especial sobre o TEN da revista de teatro Dionysos, número 28 (1988).
33
Fonte: Dionysos, número 28 (1988), pg. 239-249.
34
Fonte: Dionysos, número 28 (1988), pg. 239-249.
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Amores de Dom Perlimplim por Belisa em seu jardim (1948), de Frederico Garcia Lorca; O caminho da Cruz (sem data), de Henri Gheon; Mulato (sem data), de Langston Hughes; Auto da Noiva (sem data), de Rosário Fusco; Martin Pescador (1956), de Augusto Boal e Além do Rio (sem data), de Agostinho Olavo.35 Cinco eventos de cunho eminentemente político-ideológico aconteceram: a Convenção Nacional do Negro Brasileiro (São Paulo, 1945, e Rio de Janeiro, 1946); a Conferência Nacional do Negro (Rio de Janeiro, 1949); o I Congresso do Negro Brasileiro (Rio de Janeiro, 1950) e a Semana de Estudos sobre Relações de Raça (Rio de Janeiro, 1955).36 As outras realizações do teatro foram de caráter assistencial, social, cultural e científico. Cursos de alfabetização e iniciação cultural (1944 e 1946), concurso “Rainha das Mulatas” e “Boneca de Pixe” (1947 a 1950), concurso de artes plásticas (pintura) “Cristo Negro” (1955). A fundação do Instituto Nacional do Negro (INN), em 1949, o qual, segundo Nascimento (1988:113), teria um caráter científico e seria dirigido pelo sociólogo Guerreiro Ramos. A organização do Departamento Feminino do TEN e instalação do Conselho Nacional das Mulheres Negras (1950). O curso de “Introdução ao Teatro Negro e às Artes Negras” (1964). A instalação do Museu de Arte Negra e do curso de arte negra (1968).37 Por fim, foram editados um jornal e mais quatro livros. O periódico Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro, teve dez números e circulou entre os anos de 1948 e 1950.38 Os livros são Relações de raça (1950), Drama para negros e prólogo para brancos (1961), TEN – testemunhos (1966) e O negro revoltado (1968).39
35
Fonte: Dionysos, número 28 (1988), pg. 239-249.
36
Ver Müller (1988:35).
37
Fonte: Dionysos, número 28 (1988), pg. 239-249.
38
Os dez números do jornal foram organizados e editados em forma de livro. Ver: Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro (2003). 39
Fonte: Dionysos, número 28 (1988), pg. 239-249.
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2.3 – O Imperador Jones e Eugene O’Neill A primeira peça montada exclusivamente pelo TEN foi O Imperador Jones, de autoria do dramaturgo americano Eugene O’Neill, interpretada pela primeira vez em 08 de maio de 1945 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Para que isso fosse possível, Nascimento fez uso de todos os seus contatos pessoais com intelectuais, pessoas influentes na sociedade carioca, políticos e até mesmo com o então Presidente da República, Getúlio Vargas, com quem esteve graças a uma reunião
organizada
por
Pascoal
Carlos
Magno
entre
a
autoridade
e
personalidades do mundo teatral carioca. Convém, contudo, dar um passo atrás e nos questionarmos a respeito do porquê da escolha do teatro como meio de expressão, assim como a interpretação de uma peça de O’Neill, em específico. Como já afirmei anteriormente, baseando-me em Pereira (1988), a cena teatral da capital federal àquela época estava dividida entre vários grupos que podiam ser classificados de acordo com a sua proposta, fosse ela comercial, histórica ou de vanguarda, sendo que esta última, na maior parte das vezes, era realizada por amadores, como é o caso do grupo Os Comediantes. A busca de reconhecimento e de marcar o surgimento de um novo tipo de negro, estabelecendo um rompimento com aspectos que ligavam os negros ao passado, parece estar na base da opção de Nascimento pelo teatro e por certos autores a serem encenados. De certo modo, é isso o que se pode depreender de uma fala sua: Agora, imaginem: gente que nunca pisou em um palco – no sentido de fazer alguma coisa própria, autônoma – monta “de cara” um espetáculo da complexidade de O Imperador Jones! Mesmo sendo um texto difícil, a peça é uma grande denúncia da cultura branca na cabeça dos negros. É uma coisa que acontece também no Brasil. Era fundamental encená-la. Além do mais, havia uma descrença geral em torno do Teatro Negro. Precisávamos pegar um autor como O’Neill – que, aliás, nunca tinha sido encenado no Brasil – e calar a boca dessa gente! Ninguém acreditava que negro pudesse fazer teatro: o que se esperava dos negros eram as macacadas do Grande Otelo ou os rebolados da Pérola Negra (Nascimento, 1988:110).
A afirmação de Nascimento pode ser complementada pela observação de Pereira (1988): O fundador do TEN acreditava, então, ser necessário comprovar perante o conjunto da sociedade, o potencial da raça negra. Em alguns momentos de suas atividades teatrais, o
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fato de montar um espetáculo com negros e conseguir boa repercussão para ele valia por si só como uma consecução dos objetivos do movimento. No entanto, apesar de seu alcance limitado para suscitar transformações sociais mais profundas, a repercussão de um movimento cultural promovido por negros era um dado inovador na vida intelectual brasileira, mesmo se levarmos em conta o caminho aberto em direção semelhante pelo modernismo (Pereira, 67:1988).
Desse modo, vê-se que a escolha de uma peça de O’Neill para a primeira encenação se dá no sentido de reconhecimento e legitimação do grupo perante a sociedade carioca da época (Muller, 1988:49). Naquele momento, Eugene Gladstone O’Neill era reconhecido como o maior dramaturgo estadunidense, pois havia ganhado o prêmio Nobel de literatura em 1936. Tido como modernizador do teatro norte-americano, suas peças encarnavam boa parte dos paradoxos e da complexidade que a modernidade e a situação de ascensão econômica traziam para o país no começo do século XX, mais especificamente no pós-guerra (1918), época em que o jovem católico, filho de um proeminente ator da Broadway, James O’Neill, começara a escrever. Gassner (1996), comentando a figura do dramaturgo americano afirma: O’Neill é um dos mais imperfeitos dentre os grandes homens do teatro. Mas é estupidez ignorar sua grandeza por causa de uma imperfeição. O débito e o crédito da sua contribuição estão inter-relacionados, são inerentes a luta de um nobre espírito atormentado num mundo anárquico. Se há anarquia em sua obra, é derivada da anarquia maior da vida no início do século XX que talvez apenas um filósofo – da variedade “absoluta” ou “social” – poderia pretender resolver (Gassner, 1996:341).
Nascimento vangloria-se de ser o fundador do primeiro grupo teatral a encenar O’Neill no Brasil. Tanto é verdade que em dezembro de 1948, quase quatro anos após a peça ir ao palco pela primeira vez, ele publica no primeiro número do jornal Quilombo uma correspondência trocada com o dramaturgo da Broadway em fins de 1944. O’Neill cumprimentava Nascimento pela iniciativa do TEN e abria mão do pagamento de seus direitos autorais. Assim escreveria o teatrólogo americano: Dou-lhe minha permissão para montar “O Imperador Jones” sem nenhum pagamento a mim, e quero desejar-lhe todo o sucesso. Conheço muito bem as condições que você descreve do teatro brasileiro. Tivemos as mesmas condições no nosso teatro antes que “O Imperador Jones” fosse representado em New York em 1920 – qualquer parte de responsabilidade era desempenhada por atores brancos pintados de preto. (Isto, naturalmente, não se aplicava a comédia musical ou ao teatro de variedades, onde uns poucos negros conseguiram alcançar algum sucesso). Depois de “O Imperador Jones”, representado originalmente por Charles Gilpin e mais tarde por Paul Robeson, fazer um
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grande sucesso, o caminho estava aberto para o negro representar drama sério em nossos teatros. O que dificulta agora é a falta de peças. Mas acho que bem cedo haverá dramaturgos negros de real mérito para suprir essa falta (O’Neill, 2003 [1948]:25).
A peça de O’Neill conta a história de Brutus Jones, um negro norteamericano que viveu boa parte de sua vida trabalhando como cobrador nos trens das companhias ferroviárias americanas. Nesse meio, ele conviveria com os mais diversos tipos sociais, desde bandidos, trapaceiros e prostitutas até os magnatas que cruzavam o país para cuidar de negócios. Após um tempo encarcerado numa prisão americana, o negro se refugia numa pequena ilha das Antilhas, onde, fazendo uso de truques e da esperteza obtidos no meio ferroviário e na marginalidade em que vivia anteriormente, consegue chegar ao poder e se autodeclarar imperador. Depois de algum tempo no poder, uma revolta é deflagrada pelos nativos e Jones, com vistas a deixar a ilha, se refugia na floresta tropical. Tentando implementar seu plano de fuga, mas perdido e imaginando-se perseguido pelos que havia governado, ele revive temores primitivos da raça humana mediante o retumbar ritualístico dos tambores indígenas. É sugestiva uma das qualificações dadas por Gassner à peça, ao afirmar que a mesma é “um panorama social fornecido pela rememoração feita por Jones das experiências e sofrimentos de sua raça” (Gassner, 1996:355). Martins (1995), comentando a peça de O’Neill, coloca elementos históricos dignos de nota, afirmando: Eugene O’Neill é um dos poucos teatrólogos que, já na década de vinte, buscam alternativas para a ficcionalização do negro, em peças como The Emperor Jones, Dreamy Kid e All God’s Chillum Got Wings. (...) Encenando inicialmente em 1920, The Emperor Jones foi produzida inúmeras vezes nas décadas seguintes. A figura do negro Brutus Jones, protagonista da peça, criou controvérsias quanto à eficácia de O’Neill em moldar novos traços de caracterização para o negro. A mesma polêmica foi, na década de 60, provocada, em Nova York, pela montagem de Les Négres, de Jean Genet. Assim como este, O’Neill procurou situar, conceitualmente, o negro através de um contraponto comum, o branco, como se ambos fizessem parte de uma dualidade ontológica, imagens duplas e intercambiáveis de um mesmo fenômeno universal. Muitos intelectuais e críticos viram, na peça, um estereótipo às avessas, por meio do qual O’Neill deixava implícito que, na posição de poder, o negro agiria como o branco, estabelecendo um império e marginalizando o outro: (...) “O’Neill implicitamente sugere que não há necessidade de buscar-se a libertação do povo negro, pois, uma vez livres, eles farão o mesmo que os brancos”. Apesar de todas as objeções, as críticas reconheciam o caráter de excepcionalidade da peça, que oferecia um dos mais ricos e desafiadores papéis para o artista negro, através do qual atores como Charles Gilpin e Paul Robeson puderam exercer, com maestria, seu talento dramático (Martins, 1995:4748).
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A citação acima lança outra luz sobre a obra do dramaturgo norteamericano, ao mesmo tempo em que traz o contexto histórico no qual ela foi gestada. Pode-se afirmar que a gênese de uma “cultura-negra” ocorre justamente nessa época, a partir do momento em que negros americanos e caribenhos, fixados, respectivamente, em Nova Iorque e Paris, passam a fazer uma autorepresentação positiva de seu grupo racial (Guimarães, 2003). Contribuem para isso vários movimentos que, de uma maneira ou de outra, se relacionam com o pan-africanismo, o New Negro Movement, o Harlem Renaissance, a negrophilie e a disseminação de idéias elaboradas durante o romantismo alemão que serão todos melhor explorados no próximo tópico. 2.4 – Modernidade negra na Diáspora Africana: EUA, Caribe e Brasil As peças de um teatro realmente negro devem ser: 1. Sobre nós. Isto é, elas devem ter enredos que revelam a vida dos negros como realmente é. 2. Por nós. Isto é, elas devem ser escritas por autores negros que entendam, de nascimento e contínua associação, o que significa ser um negro hoje. 3. Para nós. O teatro deve dirigir-se primordialmente às platéias negras, sendo apoiado e mantido para seu entretenimento e aprovação. 4. Perto de nós. O teatro deve localizar-se num subúrbio negro, próximo à massa de pessoas comuns. W.E.B. Du Bois (1926)
40
A definição de teatro dada acima é do sociólogo norte-americano negro W.E.B. Du Bois, talvez a maior figura do pensamento afro-americano até hoje. Sua proposta de teatro está enraizada num esforço que se travava no início do século passado nos EUA, por parte de intelectuais negros, de repensar e dar novos rumos à comunidade negra. Incluem-se nesse processo as idéias de formulação de uma “cultura negra”, de retorno da população negra ao continente africano, ou ainda a ideologia do pan-africanismo, formulada por lideranças negras norteamericanas e caribenhas. Essas propostas tiveram muito mais eco entre os negros da América anglófona do que entre os de fala portuguesa e espanhola, como veremos. Contudo, a atuação de Abdias do Nascimento no Rio de Janeiro dos anos 1940 delineia os primeiros contornos do que viríamos a chamar nos
40
Citação retirada de Martins (1995:70) e publicada originalmente no periódico Crisis em julho de 1926 sob o título de “Krigwa players little negro theatre”.
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anos 1970 de “cultura negra brasileira”. Para evidenciar a peculiaridade dos negros tupiniquins, vale a pena trabalhar melhor a maneira como essas idéias surgem na diáspora africana ou negra e que correspondem ao que Guimarães (2003) chamou de “modernidade negra”. O termo “diáspora” foi tomado emprestado da história dos judeus, no que diz respeito à dispersão pelo mundo deste grupo étnico. O termo, recentemente, vem sendo adaptado para a análise histórica, antropológica e sociológica dos povos originários da África Negra, que foram espalhados ao redor do mundo após a implementação do sistema escravista no século XVI. A região geográfica contemplada pelo termo “diáspora africana” varia na utilização de autor para autor. Contudo, pode-se ter em mente que algumas áreas são sempre incluídas como os países que tiveram um sistema escravista e receberam escravos africanos por meio de suas antigas metrópoles, como é o caso de várias localidades nas três Américas.41 Podemos dizer que a gênese de uma “cultura negra” se dá a partir do momento
em
que
os
negros,
norte-americanos
e
caribenhos,
fixados,
respectivamente, em New York e Paris, passam a fazer uma nova autorepresentação, no começo do século passado (Guimarães, 2003 e 2004). Contribuem para isso vários movimentos que, de uma maneira ou de outra, se relacionam como o pan-africanismo, o New Negro Movement, o Harlem Renaissance, a negrophilie e a disseminação de idéias elaboradas durante o romantismo alemão.42 O Harlem Renaissance se configurou num movimento cultural e artístico de intelectuais e artistas afro-americanos que deram início a uma auto-representação do mundo negro através das mais diversas formas de artes. Ele teve como epicentro à literatura e a poesia, passou pela música – que nesse período vê o 41
O sociólogo britânico Paul Gilroy, em seu livro O Atlântico Negro (2001: 351-416), faz uma discussão sobre o uso do conceito de “diáspora africana”. Nas palavras de este autor: “Á luz desses problemas, este capítulo tenta integrar o foco espacial na idéia de diáspora que dominou as seções anteriores deste livro com a temporalidade e a historicidade da diáspora, da memória e da narratividade, os princípios articuladores das contraculturas políticas negras que crescem dentro da modernidade em uma relação distintiva de endividamento antagônico” (359).
42
Guimarães (2003) dá o nome de “modernidade negra” a este processo como um todo.
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nascimento do jazz – e chegou à pintura numa proporção menor. Várias figuras intelectuais que se tornariam influentes no mundo negro americano estavam envolvidas nesse movimento, como Langston Hughes (1902-1967), Zora Neale Hurston (1891-1960), James Weldon Jhoson (1871-1938), o jamaicano Claude McKay (1890-1948), entre outros.43 A Primeira Guerra Mundial cria um mal estar na civilização ocidental, por ter exibido uma violência exacerbada, potencializada por novas armas, e pelas modernas técnicas de guerra. Nas palavras de Walter Benjamin, a experiência de horror dos soldados foi tamanha, que eles voltaram para casa sem palavras para descrevê-la. Antes disso, entre o final do século XIX e início do XX, o romantismo alemão passaria a influenciar o pensamento europeu, no que diz respeito ao alargamento da representação da cultura européia para além do panteão grecoromano e permitindo a infiltração de elementos “bárbaros” (Munanga, 1986 e Guimarães, 2003). Mais do que a simples incorporação de uma simbologia e manifestações artísticas de origem africana pelo Ocidente, as culturas negras e africanas passam a ser vistas como uma saída, uma injeção inovadora de esperança e revitalização da cultura européia ocidental. O ápice desse pensamento se dá entre os anos 1910 e 1930 na França, com a organização de exposições de arte africana, concertos de jazz com músicos negros norte americanos e apresentações como a realizada pela dançarina negra norte americana Josephine Baker no Théâtre des Champs Élisees, em 1925. Esse movimento, impulsionado e festejado pela vanguarda intelectual e artística francesa, ficaria conhecido pelo nome de negrophilie. Nas palavras de Archer Straw esse movimento seria... (...) uma inversão que refletia a mudança de status dos negros em relação dos brancos, a qual sugeria que eles poderiam recuperar e revitalizar a cultura européia. Havia também uma preocupação particular com a autenticidade cultural negra. De modo turvo e ingênuo, achava-se que quanto mais próximo estivesse de uma origem Africana, maior o seu poder e sua força. Assim, no interior mesmo do pensamento branco liberal, os mitos racistas se perpetuavam (Archer – Straw, 2000:94 apud Guimarães: 2003:46).
43
Ver Franklin (1989) “A Renascença do Harlem” in Da escravidão à liberdade: a história do negro americano.
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Paralelo a negrophilie francesa nos anos 1910, nos Estados Unidos, mais especificamente no Harlem, New York, o Harlem Renaissance dava seu primeiros suspiros, pari passu a movimentos mais políticos como o New Negro Movement. Talvez seja exagerado falar em movement, já que não houve uma organização ou manifesto que usasse deliberadamente esse nome. O new negro fazia referência ao negro comum americano do período pós Primeira Guerra Mundial, que vivia uma nova fase política, social e econômica.44 É o negro já integrado à sociedade moderna de classes e que passa a buscar os confortos do american way of life, mesmo que para a maioria deles isso não passasse de uma grande utopia.45 Há uma relação de aproximação e distanciamento que se dá de maneira simultânea entre esses dois movimentos. Early (1999) evidencia a aproximação entre os dois movimentos ao mesmo tempo em que contrasta o Harlem Renaissancie com outros movimentos artísticos/políticos contemporâneos como o hip-hop. De acordo com este autor, o que o hip-hop e o Harlem Renaissance possuem em comum é o fato de ambos criarem uma nova estética que passa a permear as mais diversas linguagens artísticas, como as expressões musicais, plásticas e a escrita. A emergência do pan-africanismo também faz parte do contexto histórico do
começo
do
século,
momento
caracterizado
por
vários
movimentos
nacionalistas internacionalizados como o pan-arabismo, o pan-eslavismo e o panamericanismo.46 Decraene (1962) dá uma sucinta definição do movimento: O têrmo pan-africanismo constitui, por si só, um programa, como o constituem os têrmos pan-americanismo e pan-germanismo. De fato, porém, designa correntes muito diversas conforme a época em que se considera, pois ocorreu uma evolução a partir do movimento de origem anglo-saxã – nascido do Sul dos Estados Unidos e nas Antilhas Britânicas – até o movimento mais essencialmente africano que se desenvolveu, há alguns anos, às margens do Gôlfo da Guiné (Decraene, 1962: 09-10).
44
Florestan Fernandes (1965) usa o termo “novo negro” para se referir ao negro brasileiro do pósabolição, urbano e fruto de uma “ressocialização” que o contrapõe ao negro ainda social e psicologicamente vinculado à escravidão. No caso da cidade de São Paulo são os negros vinculados aos jornais da Imprensa Negra, associações recreativas e políticas como a Frente Negra Brasileira. 45
Ver Franklin (1989) “A Renascença do Harlem” in Da escravidão à liberdade: a história do negro americano. 46
Ver o livro de Larkin Nascimento (1982) O pan-africanismo na América do Sul.
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Outro ponto importante a ser destacado é que esta conjuntura histórica é caracterizada pelo auge do colonialismo europeu na África, fato que influenciaria e conduziria os posicionamentos dos principais teóricos desse movimento: W.E.B. Du Bois (1868-1963) e Marcus Garvey (1887-1940).47 Centrar-me-ei um pouco mais no primeiro. Du Bois tinha lido Johann von Herder (1744-1803),48 pois havia estudado na Universidade de Berlim, onde começara um doutoramento. Essa influência pode ser notada no título de seu livro seminal, The souls of black folk (1982 [1903]). Percebe-se no nome do livro a sugestão da existência de uma “alma negra”. Contudo, essas idéias foram mais bem trabalhadas em outros dois textos, concebidos a partir de conferências na American Negro Academy em 1897: The conservation of Races e Strivings of the Negro People.49 Nelas, sob a influência de Franz Boas, Du Bois procura dar um sentido não biológico a noção de raça e mostrar que o vínculo entre os negros, não só norte-americanos, mas da diáspora africana como um todo, se daria a partir de uma coesão espiritual.50 É difícil definir o pan-africanismo, já que o mesmo não se caracterizava por um movimento coeso e único. Há várias fases, nas quais as propostas de atuação vão mudando. Appiah (1997) evidencia isto ao mostrar que o pan-africanismo foi 47
Decraene (1962) faz uma sucinta comparação entre Garvey e Du Bois no seu livro. Du Bois é considerado até hoje o mais importante intelectual afro-americano, foi responsável pela organização de vários congressos pan-africanos, fundador da revista acadêmica The Crisis e cofundador da National Association for Advancement to the Colored People (NAACP). Decraene tende a ver Du Bois como a grande figura do pan-africanismo, e não é por menos que é dele o título de “Pai do Africanismo”. Os cinco congressos pan-africanos organizados por Du Bois foram: Paris, 1919; Londres, Bruxelas e Paris, 1921; Londres e Lisboa, 1923; New York, 1927 e Manchester, 1945. Garvey foi um ativista jamaicano radicado em New York, Estados Unidos, na década de 1910 e que divulgava idéias de retorno à África e de um imperialismo negro por meio de um continente africano armado. Recriou instituições da sociedade branca americana em moldes negros, por exemplo: uma “Casa Negra” para contrastar com a Casa Branca ou uma igreja denominada African Orthodox Church na qual os anjos eram negros e Satánas ou o demônio era branco. Early (1999) afirma que Garvey é o precursor do nacionalismo negro nos Estados Unidos, o grande modelo de inspiração para lideranças negras mais contemporâneas como Malcolm X e Louis Farrakhan. Em sua autobiografia Malcolm X afirma que seu pai era seguidor de Marcus Garvey. 48
Johann Gottfried von Herder era alemão e foi poeta, crítico literário, teólogo e filósofo. É mais conhecido devido a sua influência sobre autores como Goethe e por sua importância no movimento cultural que ficaria mundialmente conhecido como romantismo. 49
Para uma discussão mais pormenorizada ver Guimarães (2003).
50
Para uma discussão sobre a influência de Johann von Herder sobre Du Bois ver Helbling (2000). Appiah (1997) irá argumentar que, por mais que tenha tentado, Du Bois não conseguiu no início do século se desvincular de uma noção biológica de raça.
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primeiramente elaborado por intelectuais negros da diáspora africana, mais especificamente caribenhos e norte-americanos, e que tinha como elemento de coesão entre os indivíduos à noção, comum a todos, de raça. Em outras palavras, o pan-africanismo, como programa de ação política conjunta de povos negros de nacionalidades e línguas diferentes, era possível porque levava a idéia implícita de que todos, primeiramente, eram “negros” e só depois jamaicanos, martiniquenses ou norte-americanos. Quando os ideais pan-africanos são levados para o continente africano, nos anos 1950/60, por meio de líderes como o ganense Kwame Nkrumah (1909-1972), são reelaborados a partir de ideais políticos e não mais raciais. Questionando os motivos da ausência de representantes brasileiros nos primeiros congressos pan-africanos, organizados por Du Bois, Larkin Nascimento (1981) recorre a uma explicação que não me parece muito convincente: Os negros após a abolição, foram deixados expostos a todas as espécies de agentes de destruição e sem recursos suficientes para se manter. (...) É fácil compreender, nessa perspectiva, a ausência na conferência Pan-Africana e nos congressos seguintes de representantes dessa classe condenada à marginalização e à extinção. Deve ser considerado também que a aparente falta de consideração e compreensão dessa situação nos círculos dos organizadores dos eventos foi resultado tanto do controle de informações como da propaganda utópica da ”democracia racial” proveniente das camadas dirigentes brasileiras como também de uma visão limitada deles próprios (Nascimento, 1981:91).
Penso que a afirmação acima se configura em anacronismo, já que existem vários outros elementos que tiveram papel importante nessa ausência. A ideologia que embasava os jornais da Imprensa Negra e a maior entidade do protesto negro do começo do século, a Frente Negra Brasileira, era nacionalista de integração e assimilação. Em outras palavras, visava à incorporação dos negros à sociedade brasileira que se constituía naquele momento histórico e objetivava a assimilação dos valores da sociedade dominante. Eis o motivo pelo qual estes negros, dirigentes do protesto negro, em condições sociais um pouco melhores, não se apropriavam de sua herança cultural51 e ficam inteligíveis afirmações do tipo da que reproduzo abaixo:
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Contudo, é preciso registrar que a quase totalidade de estudos referentes ao protesto negro dessa época ainda se limitou a analisar a experiência dos afro-paulistas ou, para ser mais preciso,
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A África é para os africanos, meu nego. Foi para o teu bisavô cujos ossos, a est’hora a terra reverteram e em pó se tornaram. A África é para quem não teve o trabalho de cultivar e dar vitalidade a um immenso paiz como este (...). A África é para quem quizer, menos para nós, isto é, para os negros do Brasil que no Brasil nasceram, crearam e multiplicaram. Nem por brincadeira, se pense que negro brasileiro, faça alguma cousa que preste em África (...). O que faria em África essa minoria alphabetisada em meio a esse colosso de gente sem intrucção? O que faria em Áffrica essa gente sem dinheiro? O que faria em Áffrica esse povo que passa a vida inteira a saracotear ao som de rouquenhas sanfonas ou de desafinado jazz-band? (...). Não seria melhor que tu fosses mais brasileiro, isto é, que tu fosses patriota em benefício d’esta terra bemdicta que te viu nascer, que te acolhe como mãe carinhosa, esta terra que é nossa (...), é nossa já ouviu? Nossa porque fomos nós que a edeficamos, nós que lhe demos tudo até o sangue, para lhe garantir a integridade das invasões de estrangeiros. O Brasil é para os brasileiros, que quer dizer é para os negros, já ouviu? (...) nós estamos em casa (Getulino, 1924, ano II, n. 64: 20/12 apud Ferrara, 1981: 180. Também reproduzido em Guimarães, 2004).
Ironicamente, naquele momento, parte de uma elite intelectual local nascente passou a ver, de acordo com Vianna (1995), as manifestações culturais negras como expressões dos regionalismos brasileiros, informada pelos movimentos modernistas europeus (Vianna, 1995). Intrigava a Vianna de onde teria surgido o interesse de intelectuais modernistas como Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral por elementos de origem popular negro/mestiça. A pista é fornecida por Gilberto Freyre, segundo o qual, o poeta francês Blaise Cendrars teria sido o responsável pela curiosidade dos jovens intelectuais brasileiros por essas manifestações. Cendrars era a figura mais festejada do modernismo francês devido as suas amizades, influência e produção artística. O poeta tinha um interesse especial pelas manifestações culturais negras e fora um dos grandes entusiastas da negrophilie. Ele freqüentava a casa de Oswald e Tarsila em Paris, comendo e bebendo coisas tipicamente brasileiras, como feijoada e cachaça. Quando esteve no Brasil, foi recebido pelo grupo modernista e fizeram programas de uma parte dos afro-paulistas, a saber, aqueles comprometidos com valores ou aspirações de ascensão à classe média e ligados a associações recreativas e políticas. A experiência de negros paulistas ligados a manifestações culturais como o samba, os cordões (que deram origem às escolas de samba de São Paulo) e a tiririca (espécie de capoeira paulista) ou religiosas têm sido poucas vezes buscadas como objeto de análise. Pode-se dizer o mesmo a respeito do que foi a organização política dos negros desse período em outras localidades do país. Os estudos de Butler (1998) e Britto (1986), mais o artigo de Bacelar (1996), fazem grandes contribuições nesse sentido. Butler faz uma comparação da situação de negros soteropolitanos e paulistanos no período pós-abolição, Bacelar mostra o que foi a Frente Negra na Bahia e Britto pesquisou o samba em São Paulo entre 1900 e 1930.
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culturais que envolviam basicamente espaços relacionados com a cultura popular negro/mestiça. Apesar dos modernistas darem o crédito a Cendrars em lhes ter suscitado o interesse pelas coisas nacionais, Vianna irá demonstrar que essa afirmação é uma meia verdade. O poeta francês fez com que os intelectuais modernistas realizassem um estranhamento ou tomada de consciência em relação aos elementos culturais nacionais. Contudo, já haveria uma onda de regionalismo em São Paulo desde os anos 1910, após a estréia da peça de Afonso Arinos de Melo e Franco O Contratador de Diamantes (1914). Por outro lado, a influência do poeta francês foi fundamental para a retomada dessa onda regionalista de forma crítica. Bastide (1983), em seu estudo sobre os jornais da Imprensa Negra, coloca como um dos fatores explicativos centrais da situação dos negros àquela época o complexo de inferioridade racial introjetado pelo grupo por meio do preconceito e por conta da disputa no mercado de trabalho com os imigrantes. Para este autor, a submissão aos padrões nacionais e o repúdio às antigas tradições por parte dos negros são sintomáticos do complexo de inferioridade racial que este grupo vivia nas primeiras décadas do século XX. Sem querer diminuir a importância do complexo de inferioridade, mas relativizando-o, penso que há outras variáveis, também levantadas pelo sociólogo francês, que têm fundamental importância na explicação da atitude política deste contingente de negros. Guimarães (2003) argumenta que as várias modernidades negras, ou seja, o processo de organização política e auto-representação dos negros por si próprios, estão diretamente relacionados com os padrões de identidade nacional de cada região específica. O padrão latino-americano é o da mestiçagem, o anglo-saxão propicia o surgimento de subculturas negras enquanto o padrão antilhano situa-se num meio caminho entre os dois anteriores. O caso específico da América Latina fica mais evidente na citação seguinte: De um modo geral, o projeto que vingou nesses países (Brasil, México, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai etc.) foi de recriação da nação incorporando como popular, as subculturas étnicas e raciais. José Vasconcelos, no México, e Gilberto Freyre, no Brasil, representam bem tal projeto nacional de mestiçagem, superando a visão pessimista e racista do século XIX. Uma boa parte das classes médias e das elites
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intelectuais desses países já eram mestiças e viviam o que Guerreiro Ramos chamará, mais tarde, de “patologia social do branco brasileiro”. A modernidade negra, nesses países, será, pois, em grande parte confundida e subsumida à modernidade nacional (Guimarães, 2003:51).
Concluindo, deve-se ter em mente, assim como nos mostra Bastide (1983), que
há
uma
relação
íntima
entre
conjuntura
política
nacional
e
os
posicionamentos do protesto negro. Evidenciando a estratégia de integração dos negros brasileiros à sociedade moderna dos anos 1930, o sociólogo francês afirma “que a política do negro tem variado conforme as grandes correntes gerais da política nacional e que a imprensa tem refletido essas variações. Mas, não obstante é isso que nos interessa, não se tratava na realidade, senão de estratégia” (Bastide, 1983:134). É verdade que esse processo de construção e afirmação de nacionalidade brasileira toma muito mais força nos anos 1930 com o estabelecimento da ditadura getulista. Contudo, parte dos negros brasileiros nos anos 1910, entendia que uma das vias de integração à sociedade que se estabelecia era através da não preservação da sua herança cultural. Outro fator importante que deve ser considerado para esse afastamento refere-se à perseguição policial a que estas manifestações culturais e religiosas estavam submetidas, no final do século XIX e início do XX. A associação do samba com a vadiagem e marginalidade e das religiões com a magia fez com que muitos pandeiros, cavaquinhos e tambores de terreiros fossem quebrados pela polícia nessa época. Dentro dessa lógica se tornam inteligíveis afirmações como a do ativista negro Correia Leite, a saber: A religiosidade de raiz africana tinha muito pouca manifestação. No começo não havia terreiro. Praticava-se o que se conhecia com o nome de feitiçaria, em lugares muito distantes. Tudo era feito com muito sigilo. Alguns até supunham que eles estivessem sambando. Na época o samba era dança de terreiro, com batida de bumbo. Não se conheciam essas palavras “candomblé” e “umbanda”. Não se falava em orixá, pelo menos eu não ouvi, até por volta de 1943 quando se liberou o funcionamento dos centros de umbanda e candomblé. Certas influências do negro o branco não aceitava, com raras exceções. Eu nunca tive nenhum contato direto com essas manifestações. Até então os negros, sobretudo os baianos, sabiam que era proibido. Se praticasse ia preso (Leite, 1992:57).
Esses vários fatores reunidos explicam em parte o não surgimento de uma “cultura negra” no Brasil como ocorreu nos Estados Unidos, no Caribe e na França, como nos ensina Guimarães (2003), ou a filiação dos negros brasileiros a 88
movimentos como o pan-africanismo ou a idéias de retorno à África. Nos capítulos quatro e cinco deste trabalho, tentarei evidenciar como o processo de etnogênese da “cultura negra” no Brasil dá os seus primeiros passos, ainda que de maneira inconsciente, através das iniciativas de Abdias do Nascimento e seu grupo intelectual no Rio de Janeiro em fins dos anos 1940 e início dos 1950. 2.5 – Resenhando a produção estética acerca do TEN52 A produção acadêmica que busca analisar o TEN divide-se em uma parte que se volta para o seu aspecto estético e cênico e outra que privilegia os eventos e propostas políticas da companhia. Divisões e sistematizações analíticas são sempre arbitrárias e nunca dão conta da realidade efetiva, que é muito mais complexa. Contudo, elas se fazem necessárias, no sentido de facilitar o entendimento dessa mesma realidade, manifestações e instituições ao leitor, seja ele leigo ou especializado. Para os objetivos deste trabalho, optei por apresentar os dois blocos de interpretações do teatro negro em diferentes momentos. Assim sendo, nessa parte do texto resenharei obras que privilegiaram o aspecto estético. No capítulo cinco, debruçarei-me sobre as obras que se voltaram para uma abordagem mais política do teatro. Do ponto de vista estético, talvez a melhor (e primeira) análise realizada tenha sido feita por Bastide (1983 [1974]) em seu texto “Sociologia do teatro negro brasileiro”.53 O autor dá início ao texto com uma caracterização bastante ampla do teatro e relacionando as mudanças ocorridas nessa linguagem artística com as transformações da sociedade européia do renascimento até a
52
Na imagem acima encenação da peça O Filho Pródigo no Teatro Ginástico, Rio de Janeiro, 1947.
53
O artigo é produto de uma conferência realizada pelo autor em 1973 na XXV Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Foi publicado primeiramente em Ciência e Cultura, 26 (06): 551-61, jun. 1974, sob o título de “Sociologie du théâtre nègre brésilien”.
89
contemporaneidade. Desse modo, afirma o sociólogo que “o teatro negro só pode ser compreendido se integrado a crise mundial do teatro e como tentativa de superar essa crise. (...) E sob duas formas, a de teatro espontâneo e tradicional e o de teatro negro erudito e engajado” (Bastide, 1983:139). Todos os tipos de teatro negro existente, tanto no continente africano como na diáspora, poderiam, de acordo com Bastide, ser classificados dentro deste dois grupos. A partir dessa divisão, o autor busca inserir os vários tipos de “teatros negros” existentes no Brasil. Haveria, de início, o teatro folclórico negro, que se dividiria em teatro popular, trazido de Portugal pela Igreja Católica, teatro popular Bumba-Meu-Boi e o teatro africano banto e nagô das religiões afro-brasileiras. As representações dos negros nesse diversos tipos de teatro variam. Contudo, no geral, ela é negativa e não problematiza as relações entre negros e brancos, apesar de possuir, muitas vezes, uma dialética inter-racial. Contrapondo-se a esse teatro tradicional surgiria o teatro negro engajado, fomentado e elaborado por intelectuais negros. O TEN seria a versão brasileira deste tipo de teatro. Afirma Bastide que “só restava aos novos intelectuais negros uma saída: retomar dos brancos o “discurso” sobre os negros para inverter seus termos e instituir assim o único diálogo que poderia se tornar autêntico; em suma, era preciso criar o teatro negro no mesmo tipo que o teatro branco, quer dizer, como linguagem vocal e voltado a uma práxis política” (Bastide, 1983:146). O aparecimento do teatro negro engajado estaria relacionado à transição, no Brasil, da sociedade tradicional para a moderna. Na primeira, prevaleceria um teatro negro popular de base litúrgica, festiva e valor recreativo. Já na sociedade moderna, o teatro popular se folclorizaria, dando lugar a um teatro erudito de negros para brancos, com ênfase no discurso e valor pedagógico. Na opinião de Bastide, isso se explicaria pelo fato da industrialização favorecer uma maior heterogeneidade de classes e grupos sociais, além de proporcionar uma maior secularização, na qual prevalece uma visão de mundo mais prometéica e, conseqüentemente, mais ocidental do que africana. Para diferenciar o teatro negro engajado do Brasil, em relação a outras experiências diaspóricas, Bastide afirma:
90
O teatro negro brasileiro aceita o ideal de democracia racial, que é a ideologia própria do Brasil, mas há sempre uma defasagem possível entre a realidade e o ideal, que provem de curtos-circuitos na imagem que uns formulam dos outros. Portanto, é preciso ir, a cada momento, adaptando as respectivas estratégias dos jogadores, porém aceitando, ao mesmo tempo, as regras racionais do jogo. Na medida em que o teatro negro optou pelo discurso com vistas a uma práxis, ele é, antes de mais nada, do tipo estratégico – e não, como nos Estados Unidos (ou na França, com Genet), do tipo revolucionário (Bastide: 1983:149).
Visando esses objetivos, “o teatro experimental do negro do Rio de Janeiro seria levado a definir uma “alteridade” negra e a impô-la a consciência do branco como realidade que se teria que levar em conta” (Bastide, 1983:149). Por outro lado, o projeto do TEN viria perturbar a harmonia racial vigente no Brasil, baseada numa relação assimétrica entre negros e brancos, ao buscar substituí-la por uma nova forma de equilíbrio, baseada na igualdade concreta e não meramente jurídica. O confronto entre essas duas perspectivas raciais traria uma tensão que desembocaria na ambigüidade muitas vezes vista nos posicionamentos do teatro negro em relação à política racial vigente no país àquela época. Ao analisar as peças encenadas pelo TEN, Bastide afirma que a existência de poucos intelectuais negros, aliada a vigência do ideal de democracia racial no Brasil, fez com que muitas peças escritas para o teatro negro e chamadas de “negras”, fossem escritas por autores brancos. A partir disso, o autor estabelece uma classificação das peças em dois grupos. Os textos escritos por autores brancos poderiam ser subdivididos em três subgrupos, de acordo com a proposta. No primeiro subgrupo estariam peças que se ligam a uma perspectiva embranquecedora, ou seja, valorizam o negro não como “negro”, mas como homem, a partir de referências de uma tradição ocidental. São exemplos Orfeu negro, de Vinícius de Moraes, e O filho pródigo, de Lúcio Cardoso. O segundo subgrupo é composto por peças que valorizam o negro como raça ou cultura, transformando o ritual e cerimonial religioso afro-brasileiro em teatro. O negro aqui é interpretado na chave do exotismo e a negritude transforma-se em espetáculo, o que levaria a folclorização e a reificação da cultura de origem afrobrasileira. As peças que exemplificam esse grupo são Aruanda, de Joaquim Ribeiro, Castigo de Oxalá, de Romeu Crusoé e As três mulheres de Xangô, de Zora Seljan. Por fim, haveria um terceiro subgrupo, no qual as peças estariam no 91
caminho de um teatro autenticamente negro. Nele, haveria uma recusa a folclorização e o negro seria retratado no seu cotidiano, enfrentando os impasses colocados pelo sistema de relações raciais vigente em nossa sociedade. O texto que sugere esses posicionamentos é o de Nelson Rodrigues, Anjo negro. O outro grupo de peças seria composto por textos de autores negros, que apresentariam posicionamentos político-raciais claros de oposição aos projetos de nação baseados numa lógica de “embranquecimento” ou “mulatização”. Aqui haveria o surgimento de um teatro negro. As peças que exemplificam esse grupo seriam as de Rosário Fusco, Auto da noiva, e Abdias do Nascimento, Sortilégio. Bastide finda sua análise apresentando os resultados estéticos alcançados pelo TEN. De acordo com o autor, o teatro comandando por Nascimento teria conseguido realizar uma inversão na representação do negro no teatro. Este teria passado de personagem a pessoa; de símbolo a ser; e de negatividade para a positividade, criando espaço para a afirmação dos valores da negritude e para a possibilidade do negro ser brasileiro sem precisar rejeitar sua herança cultural (Bastide, 1983:154). Por outro lado, Müller (1988) analisou três peças montadas pelo TEN. As peças eram: Auto da Noiva, de Rosário Fusco; Sortilégio, de Abdias do Nascimento e O Filho Pródigo, de Lúcio Cardoso. As preocupações que conduziram a leitura do analista foram de quatro ordens: 1) os conflitos básicos que movem as peças; 2) o caráter dos personagens; 3) os valores ideológicos que permeiam as tramas e 4) o discurso que faz a organização da trama. As críticas do analista vão no sentido de que as peças estão inseridas numa realidade préestabelecida em relação a qual os personagens não podem fugir, ou seja, ser negro ou branco impõe um destino do qual não é possível escapar. Isso seria, de acordo com o autor, um aspecto empobrecedor das peças. Nas palavras de Muller, “a natureza parece aqui subordinada a uma visão abrangente que assim estreita a margem de expansão dos conflitos e dos próprios personagens” (Müller, 1988:16). Esse aspecto se daria devido ao sentido pedagógico que as peças deveriam ter, o que imporia certas marcações, dentre as quais a principal seria
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uma partilha rígida da realidade entre o “mundo dos brancos” e o “mundo dos negros”. Outra autora a se debruçar sobre a dramaturgia desenvolvida pelo TEN foi Mendes (1993). De acordo com esta analista, o teatro negro não acampou uma proposta de dramaturgia vinculada a valores da negritude em suas peças devido à quase totalidade dos autores das mesmas serem brancos, o que faria com que os valores que impregnassem as peças fossem os de “embranquecimento”. O segundo passo do TEN foi à criação de uma dramaturgia para negros, que escapasse da comicidade tosca ou anedótica. E ela foi estimulada, mas com a participação majoritária de autores brancos. (...) Além disso, a dramaturgia para negros aceita ou escolhida pelo TEN talvez tenha dado, inconscientemente,maior ênfase a imagem do exotismo ao lançar mão dos elementos da cultura religiosa negra tão familiares aos homens de cor, na suposição de que, assim, eles se sentissem em terreno conhecido. Mas isso não ajudou o TEN a formar a sua platéia negra: antes, o público que acorria aos espetáculos era praticamente de brancos, para quem os conflitos e problemas enfrentados por personagens negras teriam menos importância que a beleza plástica dos espetáculos fundamentada no aproveitamento daqueles elementos culturais e religiosos mencionados (Mendes, 1993:153).
Um outro problema apontado pela autora diz respeito ao teatro não ter estimulado platéias negras, devido ao tipo de teatro produzido, ou seja, ele não era de feitio popular. O ponto positivo, segundo a autora, foi o fato do surgimento do teatro negro representar um grande avanço na cena teatral brasileira. Indo além, Mendes afirma que haveria uma nova, e ainda tímida, maneira de lidar com a herança cultural negra, diferindo do que vinha sendo realizado até aquele momento. De acordo com ela, o TEN “marcou o começo da procura, por parte do negro, da sua identidade. O negro se volta abertamente para a sua pátria ancestral, revitalizando os valores de sua cultura, num processo que parecia descartar a idéia de brasilidade” (Mendes, 1993:173). Já Martins (1995) procurou realizar um estudo comparativo entre o teatro negro americano e as experiências de teatros negros no Brasil. Na sua análise sobre o país tupiniquim, a autora dá ênfase à experiência do TEN. Afirma ela que: Comparando-se a trajetória do Teatro Negro nos dois países em estudo, poder-se-ia, de imediato, ressaltar sua diferença de percurso: nos Estados Unidos, esse trajeto produz uma continuidade, que não se confunde com linearidade, mas que denota uma insistência efetiva e um alastramento territorial; no Brasil, ao contrário, o Teatro Negro produz um sulco ou sulcos que parecem esgotar-se em sua autonomia. Ao se pensar em Teatro Negro no Brasil é obrigatório reportar-se, quase que exclusivamente, ao Teatro
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Experimental do Negro, a sua marca mais visível no cenário brasileiro, do Teatro Popular Solano Trindade e algumas produções esparsas de escritores contemporâneos (Martins, 1995:77).
Ainda de acordo com Martins, o TEN cumpriu o seu papel pedagógico nas peças encenadas, retirando em parte a imagem e representação grotesca que as personagens negras possuíam no teatro brasileiro até aquele momento. Neste aspecto, a experiência nacional teria se equiparado a estadunidense, no sentido de utilizar a linguagem cênica para combater a ideologia do racismo. Por fim, o teatro de Abdias do Nascimento teria construído uma dramaturgia “alternativa, através da qual a negrura se erigia como um tropo figurativo relevante e distintivo em sua visibilidade” (Martins, 1995:81). Fazendo coro às observações de Mendes (1995), Martins afirma que um dos problemas do TEN era que ele não havia conseguido penetração no contingente negro da população, em sua maior parte pobre. Esse se revelaria um dos motivos que determinariam sua extinção precoce e a não criação de uma tradição plasmada em seu exemplo e iniciativa. Douxami (2001) faz uma análise das várias experiências de teatro negro ocorridas no Brasil desde a década de 1940 até fins do século XX. A autora afirma que “o TEN caracterizou-se pela mistura do cultural com o político, valorizando a cultura afro-brasileira e denunciando o racismo através da arte” (Douxami, 2001:320). Haveria no teatro negro uma mistura ordenada de formas do teatro convencional europeu com características estéticas próprias, informadas pela influência da “cultura africana”, o que desembocaria numa fusão de dança, teatro, música e poesia. Alguns exemplos das inovações estéticas e incorporadas posteriormente pelo teatro brasileiro como um todo são enumerados pela autora, como as técnicas de iluminação, a não utilização do “ponto” (pessoa escondida do público, que ajudava o ator a lembrar o texto), além da montagem de cenários realizada por Eurico Bianco e Tomás Santa Rosa, criadores de cenários em três dimensões, vários níveis e materiais diversos (Douxami, 2001:321). Douxami procura incluir o teatro negro de Nascimento como parte do movimento negro em elaboração naquela época. Segundo ela, “essa época era globalmente marcada pela busca de definição de uma identidade nacional. As reivindicações do movimento negro da época colocavam-se numa perspectiva de
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integração nacional tentando inverter a visão de ‘embranquecimento’ divulgada pelas elites do país” (Douxami, 2001:323). A autora defende que a idéia de negritude, surgida na França mediante a experiência de negros de origem africana e caribenha francófonos, teria sido reelaborada pelos intelectuais do TEN a partir dos elementos “africanos” existentes na sociedade e cultura brasileira. Baseandose em Bastide, a autora afirma que houve uma apropriação da idéia de “mulatização” tirada de Gilberto Freyre, colocando-a como uma “negrificação” para fazer frente a arianização da sociedade brasileira. Por fim, a autora afirma que teria ocorrido por parte dos dirigentes do teatro o questionamento da compreensão da idéia de democracia racial, mas não a sua essência, ou seja, a igualdade. Larkin Nascimento (2003), assim como Bastide, busca inserir o teatro negro num contexto mais amplo, afirmando que o trabalho teatral do TEN faz parte de uma certa tradição do “teatro africano” e da diáspora que, no interior das diferentes sociedades em que se realiza, compartilha semelhantes propósitos, mas configura-se numa mesma dimensão sociopolítica e pedagógica. Caberiam nesse quadro pintado pela autora experiências como o teatro negro norteamericano, o teatro negro cubano e o teatro africano. Para demonstrar a especificidade do TEN e suas ligações com as experiências teatrais diaspóricas, a autora faz uma análise da peça Sortilégio de Abdias do Nascimento. De acordo com esta analista, as interpretações sociológicas do teatro negro pecam por realizarem uma separação entre o trabalho cênico da companhia e suas iniciativas sociopoliticas, considerando uma independente da outra. O teatro utilizaria uma prática de educação alternativa e de estética didática, através de uma politização da cultura. Nestes textos haveria uma polemização e problematização das relações entre negros e brancos e uma afirmação da “cultura negra”. 2.6 – Conjuntura política e Comitê Democrático Afro-Brasileiro Após sua fundação, o TEN se estabelece, provisoriamente, na sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), localizada na Praia do Flamengo. Essa aproximação entre Nascimento, principal representante do teatro negro, e a entidade
estudantil,
aponta
uma
convivência
do
jovem
empreendedor
95
político/cultural negro com setores vinculados à esquerda brasileira. É necessário ter em mente que a UNE era um dos principais redutos do pensamento de esquerda da época e do Partido Comunista (PC). Essa aproximação, possivelmente,
remontaria
ao
período
em
que
Nascimento
havia
sido
encarcerado, entre 1937 e 1938, quando entrou em contato com militantes de esquerda. O espaço da entidade estudantil passaria a ser usado pelo grupo teatral para a realização de oficinas culturais voltadas para a iniciação teatral e cursos de alfabetização. O público freqüentador dessas atividades era composto, em sua maioria, por empregadas domésticas e negros subempregados, que buscavam os cursos com o intuito de aprender a ler e escrever. Durante a vigência do Estado Novo (1937-1945), todas as associações políticas foram colocadas na ilegalidade. Essa medida teve um impacto grande no ativismo negro, que assistiu a FNB dar seu “canto de cisne” em 1938, fato que marcou o final da primeira fase do movimento negro contemporâneo. Como nos mostram vários autores (Mitchell, 1977, Leite, 1992 e Andrews, 1998) os clubes recreativos
e
sociedades
dançantes
continuaram existir,
contudo,
estas
instituições estavam afastadas da arena política. Sintomático disso é o fato do TEN ter surgido em 1944 como apenas grupo teatral, de modo que, naquela época seus fins políticos não existiam ou não eram evidenciados. Em 1945, essa situação se reverteria. Com a queda do regime ditatorial (e até mesmo antes), em outubro de 1945 começam a ressurgir uma série de entidades com colorações políticas claras. De acordo com Mitchell (1977:141), a primeira organização a surgir nesse período foi a “Associação dos Negros Brasileiros” situada em São Paulo e tendo a frente José Correia Leite, Francisco Lucrécio, Raul Joviano Amaral e Fernando Góes. Para selar seu nascimento, a entidade lançou um documento intitulado “Manifesto em Defesa da Democracia” no qual criticava o regime getulista.54 No Rio de Janeiro, em março de 1945, Nascimento, juntamente com Aguinaldo de Camargo, Sebastião Rodrigues Alves e com o apoio da UNE, cria o 54
Para uma apreciação de parte do manifesto ver o terceiro capítulo da tese de Mitchell (1977).
96
Comitê Democrático Afro-Brasileiro, cujo objetivo principal era de lutar pela anistia dos presos políticos do Estado Novo. Nas palavras de Nascimento (1976:32), o Comitê havia sido criado para não envolver o TEN na reivindicação pela anistia. De acordo com ele, o Comitê era “uma organização ampla, que incluía pretos e brancos, mas
com a
explícita afirmação
da perspectiva afro-brasileira”
(Nascimento, 1976:32). Esse aspecto teria passado a incomodar vários componentes do grupo oriundos da UNE, de modo que o conflito começaria a ter contornos ideológicos. Em certo momento a maioria do comitê pertencia aos quadros da UNE e nós, os negros, passamos a sofrer um ataque frontal daquela maioria não negra. Ao invés de discutir questões de fundo, passaram a usar meu passado integralista como slogan de confrontação. Certa vez exigiram uma retratação pública de minha parte. Eu me neguei. Não tinha nada a declarar naquela espécie de auto-crítica sob coação. Nada havia no meu passado para lamentar ou arrepender. Não me submeteria àquela chantagem. Passei por aquilo e larguei para trás. Mudei. Foi difícil, doloroso. Aprender a vida não vestindo ou tirando a camisa verde, mas dilacerando a própria pele. Sofri racismo no meio integralista e denunciei o fascismo. Não iria agora me submeter a uma nova manobra de cunho nazi-fascista. Então eles (os donos da UNE) expulsaram a mim, ao Aguinaldo Camargo e ao Rodrigues Alves sob acusação de que éramos racistas. Esta era a questão: não podiam admitir que os negros tivessem seus problemas específicos, suas reflexões autônomas e suas lutas próprias dentro da sociedade brasileira. Teríamos de nos curvar à orientação de pessoas alheias a nossa situação, às nossas necessidades (Nascimento, 1976:32).
Ao que consta, esse foi o primeiro desentendimento entre Nascimento e um grupo de contornos ideológicos de esquerda, algo que se tornaria corriqueiro no decorrer da sua vida, como se pode observar em vários momentos dos seus escritos. O TEN funcionaria por mais um ano na sede da UNE, contudo, no início de 1946, a situação se tornaria insustentável, tendo como epílogo a saída do teatro negro daquele local.55 Para entender essas retaliações por parte da entidade estudantil, é necessário fazer um esforço de contextualização histórica ao mesmo tempo em que nos atentamos para o amplo arco de alianças feito por Nascimento para o estabelecimento do seu grupo teatral. Como o dramaturgo afirma, em 1945, a permissão de uso do Teatro Municipal para a estréia do TEN partiu diretamente o Presidente da República,
55
De acordo com Nascimento (2003) o teatro negro nunca teria uma sede própria. Ele se mudaria por mais três vezes, de acordo com esta autora, indo para a rua Mayrink Veiga, depois para a avenida Presidente Vargas e, por fim, na rua São José.
97
Getúlio Vargas. Uma semana após a encenação a peça de O´Neill, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) é fundado no Rio de Janeiro por Vargas e Nascimento estava envolvido na criação do partido, de claros contornos getulistas. Nesse mesmo ano, ele ainda entraria para o funcionalismo público. Por meio de seu exchefe, técnico no censo de 1940, Rafael Xavier, agora pessoa influente no gabinete de economia de Vargas, ele consegue ingressar nesse departamento da administração pública, ficando responsável pela organização do acervo da biblioteca. Sua função era ler e preparar resumos dos livros que iam para o acervo. Em seguida, ele passaria para o Ministério do Trabalho, onde, já usando de sua fama e experiência teatral, trabalharia em um setor responsável pela realização de shows para os trabalhadores. O último posto de Nascimento seria de tesoureiro, ainda na pasta relativa ao trabalho. Na fala abaixo, ele declara que só conseguira o emprego devido a seus contatos dentro do PTB, pois aquele era um cargo concedido mediante indicação. Esse período de ascensão no funcionalismo público durou em torno de 14 anos. Assim ele diz: Na época – hoje não é mais nada – mas naquele tempo era um dos melhores empregos do país, emprego subalterno é claro, não era de primeira categoria, mas dos empregos subalternos era um dos mais importantes, porque era emprego das amantes dos senadores, das amantes dos grandes da república, era um emprego que ganhava bem, um emprego limpo, só lidava com dinheiro. E quando fundou-se (sic) o Partido Trabalhista Brasileiro, do qual também participei, a gente fez amizade com toda aquela coisa dirigente. E foi através deles que eu pude conseguir ser nomeado tesoureiro. Quando fui para o exílio era tesoureiro (Nascimento, 2000: 128).
Os fatos descritos acima demonstram uma aproximação de nosso autor com o trabalhismo do PTB. Isso se confirma se atentarmos para o fato de que em novembro de 1946, o partido lançaria um diretório negro, algo extremamente progressista para a época. Contudo, para entendermos a aproximação de Nascimento em relação ao trabalhismo de Vargas e do PTB, é preciso se fixar em dois fatos: a Convenção Nacional do Negro, ocorrida em novembro de 1945 na capital paulista, e a entrada de Nascimento para o jornal Diário Trabalhista, periódico surgido no Rio de Janeiro em janeiro de 1946. A Convenção será tratada no próximo tópico e o capítulo seguinte será dedicado à resenha e análise dos artigos publicados na coluna de responsabilidade de Nascimento no jornal referido. 98
2.7 – A Convenção Nacional do Negro (1945) A Convenção Nacional do Negro ocorreu na cidade de São Paulo, em novembro de 1945, reunindo ativistas negros, em sua maioria, da capital paulista e do Distrito Federal. A presidência do evento foi de Nascimento. Posteriormente, haveria um outro encontro no Rio de Janeiro, em maio de 1946. Porém, a primeira reunião tem importância maior, por nela ter sido lançado o “Manifesto à Nação Brasileira”, documento que sumarizava as reivindicações dos ativistas presentes e as colocavam como propostas a serem debatidas na Assembléia Nacional Constituinte, que viria a se realizar em 1946. Este evento pode ser tido como a primeira realização de cunho eminentemente político de Nascimento, após o Congresso Afro-Campineiro de 1938, e se colocava como continuidade do trabalho desenvolvido no TEN. O objetivo da Convenção era lançar as bases para a atuação do novo ativismo negro, ao tempo em que seria o braço político do teatro depois dos problemas que haviam ocorrido com o Comitê Democrático Afro-Brasileiro. Nascimento afirma que o teatro havia organizado a Convenção “tendo em vista o sentido pragmático de sua ação” (Nascimento, 1982:37). Os nomes que assinam o manifesto nos fornecem uma idéia da rede que havia sido formada pelo fundador do teatro negro e que seria fundamental para a sua ação no ano seguinte, como veremos.56 As reivindicações aprovadas no evento político eram seis, a saber: 1- Que se torne explícita na Constituição de nosso país a referência a origem étnica do povo brasileiro, constituído das três raças fundamentais: a indígena, a negra e a branca; 2- Que torne matéria de lei, na forma de crime lesa-pátria, o preconceituoso de cor e de raça; 3- Que torne matéria de lei penal o crime praticado nas bases do preceito acima, tanto nas empresas de caráter particular como nas sociedades civis e nas instituições de ordem pública e particular;
56
Os ativistas eram Francisco Lucrécio, Ten. Francisco das Chagas Printes, Geraldo Campos de Oliveira, Salatiel dos Santos, José Bento Ângelo Abatayguara, Emílio Silva Araújo, Aguinaldo Oliveira Camargo, Sebastião Rodrigues Alves, Ernani Martins da Silva, Benedito Juvenal de Souza, Ruth Pinto de Souza, Luiz Lobato, Nestor Borges, Manoel Vieira de Andrade, Sebastião Baptista Ramos, Benedito Custódio de Almeida, Paulo Morais, José Pompílio da Hora, René Noni, Sofia Campos Teixeira, Cilia Ambrosio, José Herbel e Walter José Cardoso (Nascimento, 1982 [1945]: 60-61).
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4- Enquanto não for tornado gratuito o ensino em todos os graus, sejam admitidos brasileiros, negros com pensionistas do Estado, em todos os estabelecimentos particulares e oficiais de ensino secundário e superior do país, inclusive nos estabelecimentos militares; 5- Isenção de impostos e taxas, tanto federais como estaduais e municipais, a todos os brasileiros que desejarem se estabelecer com qualquer ramo comercial, industrial e agrícola, com capital superior a Cr$ 20.000.00; 6- Considerar como problema urgente à adoção de medidas governamentais visando a elevação do nível econômico, cultural e social dos brasileiros (Nascimento, 1982 [1945]: 59).
Muller (1988:35-50) faz uma análise do documento como um todo. O mesmo se dividia em três partes principais: intenção, meio, e as reivindicações citadas acima. De acordo com este autor, a intenção dos ativistas envolvidos seria a busca da inserção dos negros no projeto de nação que se elaborava naquele momento. O meio se daria através da ação de um grupo de pioneiros, que exigiriam, do Estado, determinadas reivindicações. Estas, contudo, de acordo com Muller, não dizem respeito a todos os negros, mas ao interesses do grupo de pioneiros o que, para o autor, daria o tom elitista do movimento. Já de acordo com Carvalho (2005), “as reivindicações são basicamente de cunho reformista, reclama-se por direitos sem entrar em choque com as leis e os poderes estabelecidos. A adequação do documento a ordem legal é patente, o que se explica por um lado pelo momento político delicado pelo qual passava o país, saindo de uma ditadura de quase uma década. Por outro, pela posição que o TEN almejava ocupar dentro da nova ordem política, o de mediador entre os negros e o projeto nacional” (Carvalho, 2005:10). A atitude de não-enfrentamento tomada pelo protesto negro daquele momento, e evidenciada nas afirmações dos dois analistas acima, são inteligíveis se nos voltarmos para o contexto político do país naquele momento. O período que vai de 1945 a 1964, ou seja, entre o fim do Estado Novo e o Golpe Militar, ficaria conhecido como “democracia populista”. É neste momento que as massas populares são incorporadas na política nacional. Como ensina Carvalho (2005), “o populismo surge, pois, como a política voltada para as massas urbanas, constituídas, fundamentalmente, por setores médios em ascensão e pelo proletariado recém egresso da área rural. Estes formavam, quase sempre, os alvos das promessas, discursos e ações dos líderes populistas” (01). Falando
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especificamente dos afro-brasileiros na lógica dos partidos populistas, Andrews afirma: Os afro-brasileiros não emergiram como uma parte importante da liderança em nenhum deles; mas a disposição, tanto dos sindicatos quanto dos partidos apoiados nos trabalhadores, de distribuir importantes benefícios materiais para as bases, de uma maneira essencialmente imparcial em relação a cor, representava algo muito novo na política brasileira. Tão nova – e tão sedutora – era a mensagem dos partidos populistas de que finalmente havia chegado a hora dos trabalhadores e dos pobres desempenharem um papel importante na política nacional, algo que nenhum partido do regime anterior havia estado disposto a reconhecer. Esse papel deveria ser desempenhado em termos definidos e cumprido pelas hierarquias do sindicato e do partido, que dirigiam suas organizações de maneira tradicionalmente paternalista e de cima para baixo. Mas a participação nesses termos era bastante preferível a absoluta falta de participação que caracterizou a Primeira República e o Estado Novo, e a maior parte dos trabalhadores negros e brancos apoiaram os partidos populistas em troca de benefícios, tanto materiais quanto psicológicos, que aqueles partidos, particularmente o Partido Trabalhista Brasileiro, eram capazes de proporcionar (Andrews, 1998:293).
Nascimento já era visto como uma liderança negra influente por partidos de tendências populistas, a aproximação dele poderia significar o voto, em potencial, de uma parcela considerável da população negra. Não é possível falar em cooptação do ativista por parte do PTB, já que o mesmo estava envolvido na fundação do partido, mas as mudanças no tratamento político dado aos negros fazia a diferença na aproximação dos líderes negros em relação a uma direita populista em detrimento da esquerda.57
Conclusão Neste
capítulo,
busquei
traçar
acontecimentos
que
marcaram
e
influenciaram a trajetória de Nascimento nos anos de 1944 e 1945. Como afirmou Mota (1978), essas duas datas apresentam mudanças substanciais nas esferas política, cultural e intelectual brasileiras. Se a geração que havia atuado nas três primeiras décadas do século estava a “aposentar as botas”, adotando a atitude revisionista tão bem exemplificada no depoimento de Mário de Andrade, havia
57
A relação sugerida entre o trabalhismo do PTB e a população negra é explorada por Souza (1971) ao analisar a eleição de 1960. Resenhas seguidas de análise dos estudos que se debruçaram sobre a relação entre raça, opção partidária e voto por ser encontrada em Guimarães (2002:79-86).
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uma outra geração que se nutria de outras influências e do momento de redemocratização do país, para olhar com entusiasmo seu futuro. O TEN surge em 1944, sem objetivos políticos claros, mas como uma proposta de inovação da cena artística e cultural brasileira: um teatro de negros no país da mestiçagem e da harmonia racial. A escolha de uma peça de O’Neill para a estréia da companhia nos remete a um contexto mais amplo, no qual a situação dos negros estava sendo pensada globalmente. Nos Estados Unidos do início do século passado, intelectuais negros buscavam dar sentido político às manifestações culturais negras, refletindo as transformações que a sociedade norte-americana vivia e que afetavam esse contingente da população. O mesmo fenômeno ocorria na França e no Caribe anglófono e francófono. Essas idéias começam a ter alguma ressonância no Brasil através do teatro negro organizado por Nascimento. No que diz respeito às análises estéticas sobre o TEN, pode-se afirmar que a mais seminal foi a de Bastide (1983 [1974]). Nela, o autor consegue inserir a experiência da companhia teatral num contexto maior, caracterizado por teatros negros folclóricos e engajados/eruditos da diáspora e do continente africano. O sociólogo francês tem a sensibilidade de entender a ambigüidade presente no TEN, atribuindo-a ao questionamento que o teatro faz das relações raciais e ao ideal de democracia racial, presente no país àquela época. Focando as peças interpretadas ou escritas para a companhia, o analista afirma que aquelas vinculadas de forma estética e política à proposta de um teatro negro nascem das mãos de autores como Nelson Rodrigues, Rosário Fusco e Abdias do Nascimento. Por fim, vale ressaltar que, a partir de 1945, a atuação política do TEN, através de comitês, convenções e congressos, tornou-se mais efetiva. Em março do referido ano, surgiria o Comitê Democrático Afro-Brasileiro, fruto de uma ação conjunta de intelectuais ligados ao TEN e a UNE. O Comitê se dissolveria devido a desentendimentos entre militantes da entidade estudantil e os ativistas negros. Ainda em novembro deste mesmo ano, ocorreria em São Paulo a Convenção Nacional do Negro, evento que teve a presidência de Nascimento. Os acontecimentos políticos que envolveram o Comitê e a Convenção sinalizam que
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os negros passam a serem vistos, tanto pela direita como pela esquerda, como atores políticos que deveriam ser levados em consideração no novo jogo político que se instaurava no país fruto do processo de redemocratização. Ao mesmo tempo percebe-se a aproximação de Nascimento em relação ao trabalhismo do PTB e de Getúlio Vargas. No próximo capítulo, analisarei artigos da coluna de Nascimento no jornal Diário Trabalhista. O conteúdo dos textos nos trará elementos para refletir sobre as questões que afligiam a população negra do ponto de vista político e racial. Pari passu a isso, veremos como o espaço público conquistado por Nascimento, através dessa coluna, é utilizado para a legitimação dele e de seu grupo como lideranças políticas dos negros cariocas dos anos 1940.
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Capítulo 03:“Problemas e Aspirações do Negro Brasileiro” (1946) 3.1 – “Os pretos não estão criando nenhum problema”58 No dia 15 janeiro de 1946, começa a circular, no Rio de Janeiro, o periódico
Diário
Trabalhista.
A
propriedade e direção do jornal eram de Eurico de Oliveira,59 que tinha como sócios Antonio Viera de Melo, Mauro Renault
Leite
(genro
do
então
presidente Dutra) e José Pedroso Teixeira da Silva. Os dois primeiros eram responsáveis pelo funcionamento do jornal, enquanto os últimos tinham participação acionária. De acordo com Ferreira, a despeito de exibir “uma orientação política de caráter trabalhista, o jornal visava, na verdade, a garantir um respaldo popular para o governo do presidente Eurico Dutra, com quem possuía ligações. Embora Eurico de Oliveira tivesse realmente compromissos com o trabalhismo, chegando a candidatar-se deputado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), em 1950, o jornal teria, no fundo, restrições às posições petebistas, preocupando-se basicamente em defender o governo” (Ferreira, 2001:1856). O fim do mandato de Dutra em 1950
58
No registro acima se vê Abdias do Nascimento tomando nota da fala do sociólogo Guerreiro Ramos numa foto que estampava a matéria da coluna “Problemas e aspirações do negro brasileiro” no jornal Diário Trabalhista de 24 de março de 1946. 59
Eurico de Oliveira (1903-1998) era natural do Rio de Janeiro e filho do jornalista Domingos Alves de Oliveira. Formado em direito pela Faculdade Cândido Mendes, trabalhou como jornalista em vários jornais do então Distrito Federal como Correio da Noite, A Pátria, Jornal do Brasil, O Imparcial e A Noite até fundar o Diário Trabalhista em 1946. Nas eleições de 1950, se candidatou a deputado pelo PTB conseguindo apenas a suplência.
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foi acompanhado da saída de Leite e Silva do jornal, cujo controle acionário passou a Pedro Moacir Barbosa de modo que, “daí em diante, a linha política do jornal tornou-se mais definida, caracterizando-se por posições abertamente trabalhistas e comprometidas com o governo de Getúlio Vargas” (Ferreira, 2001:1856). O periódico funcionaria até 1961, ano em que fechou, devido a dificuldades financeiras. Nascimento trabalhou no periódico como repórter entre os anos de 1946 e 1948. Na mesma data do lançamento do jornal, ele estrearia uma coluna voltada para a população afro-brasileira intitulada “Problemas e aspirações do negro brasileiro” na qual anunciava a abertura de uma enquête: a existência ou não de um “problema do negro” e do preconceito racial ou de cor no Brasil. É possível que nem todos os textos fossem de autoria de Nascimento, contudo, ele era o editor da coluna, o que aponta sua responsabilidade sobre os artigos ali publicados. Foi responsável por traçar os pontos básicos que deveriam dar o tom da coluna e, nessa tarefa, havia sido auxiliado por Sebastião Rodrigues Alves, Ironides Rodrigues e Aguinaldo Camargo. Eram eles: I – Finalidade essencial: valorização social do negro brasileiro, esclarecendo-se e harmonizando-se as divergências espirituais e sociais de brancos e pretos. Os assuntos serão localizados objetivamente estudando-se a situação dos pretos tal qual é. II – Campanha intensa pela alfabetização do preto e do povo em geral. Incitamento a abertura de novas escolas pela Prefeitura, mormente nas proximidades dos morros. Auxílio material e financeiro dos cursos particulares. Cursos noturnos para adultos. III – Campanha permanente às restrições impostas nas atividades privadas e públicas por motivo de cor. IV – Amplo noticiário geral das atividades afro-brasileiras. V – Demonstração, fundamentada em estatísticas, do concurso do negro em maior percentagem aos trabalhos mais árduos, particularmente os braçais, desmentindo-se a fama injusta da indolência do preto (Diário Trabalhista, 15/01/1946).
Contudo, gostaria de chamar a atenção para um artigo publicado em 30 de abril, que levava um título interessante e de duplo sentido: “Manifesto da Convenção Nacional do Negro Brasileiro: ‘Os pretos não estão criando nenhum problema’, declarou o senador Hamilton Nogueira”. A frase é ambígua no sentido de soar paternalista ouvir um senador branco dizer que “os negros não estão criando nenhum problema”, pois, era como um político respeitável que acalma o
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restante da sociedade afirmando que está tudo sobre controle.60 Ao mesmo tempo, ela nos fornece a noção exata do tipo de negociação em que o movimento negro daquela época era obrigado a se envolver. Comprovar a existência de um “problema do negro” no Brasil envolvia pleitear a tutela de figuras importantes no mundo político e social daquela época. Por outro lado, o senador referia-se ao fato de, muitas vezes de forma recorrente, os líderes negros serem acusados de estarem “criando um problema” que não existiria no Brasil, ou seja, a ocorrência do “preconceito racial” ou “de cor”. À época da aproximação entre Nascimento e Nogueira, este último encontrava-se no início de sua carreira política. Após a deposição de Vargas, em outubro de 1945, Nogueira elegeu-se senador pelo Distrito Federal a Assembléia Nacional Constituinte na legenda da União Democrática Brasileira (UDN). De acordo com Barbosa (2004:60), ele teria participado da Convenção Nacional do Negro em 1945. Em 21 de fevereiro de 1946, o então senador proferiria um discurso na Constituinte propondo a criminalização de práticas de discriminação por cor ou raça, endossando uma das reivindicações do manifesto lançado pela Convenção no ano anterior. O restante do artigo preocupa-se em divulgar a enquete promovida pela coluna, o impacto do pronunciamento do senador Nogueira na Constituinte e a publicação do manifesto da Convenção Nacional do Negro Brasileiro. Em determinada parte do texto, o manifesto afirmava, deixando evidente a contradição entre as intenções e a realidade do movimento: Temos consciência da nossa valia no tempo e no espaço. O que nos faltou até hoje foi a coragem de nos utilizarmos dessa força por nós mesmos e segundo a nossa orientação. Para tanto é mister, antes de mais nada, nos compenetrarmos, cada vez mais de que devemos estar unidos a todo o preço, de que devemos ter o desassombro de ser, antes de tudo, negros e como tais os únicos responsáveis por nossos destinos em consentir que os mesmos sejam tutelados ou patrocinados por quem quer que seja. Não precisamos mais de consultar nossos direitos, da realidade angustiosa de nossa situação e do cumpliciamento de várias forças interessadas em nos menosprezar e condicionar, mesmo, até o nosso desaparecimento (Diário Trabalhista, 30/04/1946).
60
Hamilton Nogueira (1897-1981) era natural de Campos (RJ) e formado em medicina na turma de 1918 da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Recém formado, foi trabalhar em Muzambinho (MG), onde se tornou discípulo de Jackson Figueiredo, ingressando em um movimento católico denominado Apostolado. De volta ao Rio de Janeiro em 1921, ajudou a fundar o Centro Dom Vital, principal núcleo católico do Distrito Federal até a fundação da Pontíficie Universidade Católica (PUC), em 1941. Entre 1921 e 1941 trabalharia no Hospital Pedro II, aonde chegaria a diretor.
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Neste capítulo, farei pequenas resenhas seguidas da análise de alguns escritos desta coluna no ano de 1946. Ao todo, foram publicados por volta de 56 artigos, nos quais há entrevistas com estudantes, intelectuais, políticos e profissionais das mais diversas áreas, negros e brancos, os quais respondem a enquete da coluna.61 Há ainda a publicação de notícias relacionadas ao protesto negro, principalmente do Rio de Janeiro e São Paulo. De modo geral, as temáticas dos artigos podem ser colocadas em torno de dois eixos interrelacionados: um diz respeito à discussão sobre a existência ou não de preconceito contra os negros no Brasil e outro está voltado para a valorização da educação e cultura. A distribuição dos textos resenhados seguirá essa divisão com o intuito de organizar e facilitar a leitura. No intervalo entre os dois eixos, inseri um pequeno tópico, baseado em um artigo de Abdias do Nascimento intitulado “Anti-isolacionismo negro”, que merece destaque devido a seu conteúdo. Na conclusão do capítulo, resgatarei os elementos presentes nos textos,
61
No ano de 1946, foram entrevistadas mais de 40 pessoas. Na relação a seguir, informo a ocupação das pessoas de acordo com o publicado no jornal: 15/01/1946 – José Ferreira da Costa, despachante da alfândega; 18/01/1946 – Fernando Oscar de Araújo, pequeno funcionário do DNC; 20/01/1946 – Ironides Rodrigues, aluno da Faculdade Nacional de Direito; 23/01/1946 – Sebastião Rodrigues Alves, presidente da Cruzada Afro-Brasileira de Alfabetização; 24/01/1946 – Claudomiro Tavares, advogado e presidente da União Democrática Afro-Brasileira; 25/01/1946 – Rossine Camargo Guarnieri, poeta branco e paulista; 27/01/1946 – Professor Joaquim Ribeiro, sociólogo e folclorista; 30/01/1946 – Synval Silva, compositor de música popular; 01/02/1946 – Waldemar Machado, estudante do Liceu de Artes e Ofícios; 03/02/1946 – José Pompílio da Hora, professor e vice-presidente da Convenção do Negro Brasileiro; 08/02/1946 – Deputados Baeta Neves, Rubens de Mello Braga, Segadas Viana, Benjamin Farah e Manuel Benício Fontenele; 09/02/1946 – Artur Ramos, psiquiatra e antropólogo; 13/02/1946 – Arinda Serafim, empregada doméstica; 16/02/1946 – Adhemar Homero, estudante de direito; 17/02/1946 – Aguinaldo Camargo, advogado, agrônomo, ator, filósofo e sociólogo; 28/02/1946 – Rômulo de Almeida, economista; 02/03/1946 – Gentil Punget, folclorista; 12/03/1946 – Carta de Laurindo Pompílio da Hora; 14/03/1946 – Augusto Conceição de Souza, estudante de comércio; 16/03/1946 – Ironides Rodrigues; 17/03/1946 – Fernando Oscar de Araújo, não fala o que faz; 21/03/1946 – Walter Cardoso, estudante de medicina; 24/03/1946 – Guerreiro Ramos, professor e sociólogo; 05/04/1946 – Entrevista com Ruth de Souza, emprega doméstica e atriz, Maria de Lourdes Nascimento, professora e Nair Gonçalves, empregada doméstica; 10/04/1946 – Thales de Azevedo, médico, antropólogo e professor; 28/06/1946 – Geraldo Campos de Oliveira, professor de São Paulo; 29/06/1946 – Abgail Moura, maestro da Orquestra Afro-Brasileira; 14/07/1946 – Isaltino Pimenta, pianista; 28/07/1946 – Honório Jerônimo de Santana, motorista e compositor; 01/08/1946 – Raimundo de Souza Dantas, escritor; 03/08/1946 – Herman Munoz Garrido, escritor; 16/08/1946 – Ricardo Werneck de Aguiar, tradutor de O Imperador Jones; 25/08/1946 – Solano Trindade, poeta; 08/09/1946 – Aladir Custódio, poeta; 11/09/1946 – Margalo Bruce, cantora; 12/10/1946 – Vicente Lima, escritor e 18/10/1946 – Aguinaldo de Camargo, advogado e ator.
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estabelecendo uma discussão sobre as funções, os objetivos e a importância da coluna na trajetória de Nascimento.
3.2 – Existe um “problema do negro” no Brasil? O primeiro artigo publicado leva um título sugestivo: “Os negros lutam por suas reivindicações”. É um texto de apresentação da coluna ao público leitor do jornal e tem início afirmando que não existe “preconceito de raça” no Brasil seguido de uma comparação da situação do negro brasileiro com a do negro norte-americano. A sugestão é a de que “No Brasil não existem preconceitos de raça; quando muito, recalcitram algumas restrições individuais, vencidas, entretanto e superadas pela inteligência de homens de côr quando eles, como freqüente
ocorre,
constituem
intelectos
privilegiados”
(Diário
Trabalhista,
15/01/1946). Contudo, logo em seguida, há exposição do manifesto da Convenção Nacional do Negro, ocorrido dois meses antes em São Paulo, cuja uma das reivindicações era “que se [tornasse] matéria de lei, uma forma de crime de lesapátria, o preconceito de cor e raça” no Brasil. De certo modo, apreende-se que embora o ativismo negro da convenção já desse o preconceito de cor ou de raça como uma realidade, era necessário convencer a população, negra e branca, da existência do mesmo. Três dias depois num artigo intitulado “Onde está a estrela do negro?”, a coluna dá início a enquete que questionava os entrevistados sobre a existência ou não de um “problema do negro” no Brasil. O texto tem início a partir de um quadro da situação da população afro-brasileira no Rio de Janeiro e no Brasil, dizendo que eles, os negros, estão se movimentando, se organizando. Cita a Convenção Nacional do Negro e se preocupa em retirar o caráter elitista do evento. O primeiro a ser ouvido na coluna é Fernando Oscar de Araújo, apresentado como, “pequeno funcionário do DNC” (Departamento Nacional de Comércio). O diálogo é ambíguo e interessante, o entrevistado começa afirmando que não existe “preconceito de
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cor” no Brasil, mas sim a “covardia da raça negra”. A solução para a situação dos negros, de acordo com ele, seria que os patrícios tivessem mais confiança própria. No dia 24 de janeiro, o entrevistado da coluna é Claudemiro Tavares. Advogado, presidente da União Democrática Afro-Brasileira e pertencente ao Diretório Nacional da Convenção do Negro Brasileiro, como diz a introdução do texto intitulado “É mais fácil ser doutor, do que conseguir um lugar de simples caixeiro”. Na sua opinião, o negro até conseguiria acesso à educação formal, mas o “preconceito subterrâneo” existente na sociedade impediria a sua emancipação social e econômica. Na fala de Tavares aparecerá, pela primeira vez, a crítica ao Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores), que não contaria em seu quadro de funcionários com diplomatas negros. O tópico do texto que chama a atenção para esse aspecto é bastante direto afirmando: “Na diplomacia brasileira não existe um negro”. A pergunta do entrevistador é a “deixa” para que Tavares exponha seu pensamento a respeito da alta burocracia estatal. Por outro lado, a situação do Itamaraty seria menos estranha do que outros espaços em que não se evidenciaria tanto a busca de uma certa honraria social, como deixa entrever o tópico “Até em clubes de segunda ordem negro não entra”, pois, “Muito mais do que em relação à diplomacia, causa[ria] estranheza que até mesmo em certas organizações recreativas, organizações que não honrariam a quem pertencesse ao seu quadro social, o homem de cor não [teria] acesso” (Diário Trabalhista, 24/01/1946). De certa maneira, é possível afirmar que o preconceito para Tavares era percebido e justificado nos níveis mais elevados da sociedade, espaços vedados ao ingresso da população negra, porém, não haveria justificativa para a existência deste nos espaços de sociabilidade das classes menos abastadas. O artigo termina com o entrevistado concordando com os pontos levantados pelo manifesto da Convenção Nacional do Negro. No dia seguinte, é a vez do poeta paulista Rossine Camargo Guarnieri dar a sua contribuição à coluna. O texto tem início com um esclarecimento a respeito do porquê de entrevistar um intelectual branco. Para além do engajamento deste homem em movimentos políticos, o motivo era que “o problema do negro não
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[poderia] ser resolvido e não [seria], sem a colaboração e compreensão mútua de brancos e pretos”, assim sendo, tomava-se “a iniciativa de ouvir a sua opinião a respeito da campanha que [vinha-se] mantendo” (Diário Trabalhista, 25/01/1946). Na sua fala, Guarnieri mostra uma faceta que se tornaria constante na coluna, a saber, uma comparação da situação do negro nas diferentes regiões do país. Nessa perspectiva, a cidade de São Paulo é retratada como o local onde existiria um preconceito aberto contra a população negra, mas, pari passu a esta constatação – ou por conta dela – também se configurava na região onde o ativismo negro havia feito maiores conquistas. No tópico “A libertação virá com o socialismo”, fica bastante evidente a leitura marxista que o poeta faz da questão racial como algo subordinado à luta de classes. Na sua opinião, o negro deveria se juntar aos “irmãos proletários de todas as raças”, “ingressar nas organizações de massa”, pois, só “marchando com a classe operária”, conseguiria se libertar do preconceito que o afligia. O texto termina com o poeta referenciando a Convenção Nacional do Negro como “o melhor que se fez num sentindo orgânico” em relação aos negros nos quadros da democracia. Os “partidos de massa” deveriam inserir como reivindicações na constituinte que se preparava todos os pontos levantados pelo manifesto da Convenção. Dois dias depois, o professor Joaquim Ribeiro foi convidado a participar da enquête da coluna. Sua afirmação era de que o preconceito contra os negros existiria, contudo, seria social e não racial, além de ter uma origem econômica. A Abolição, por sua vez, teria sido incompleta. Segundo o professor, a reabilitação dos negros viria de uma iniciativa que deveria partir do Estado a partir de um plano ou programa econômico-social baseado em um “serviço de assistência social a família negra” e outro que visasse a “assistência cultural ao estudante negro” (bolsas de estudo). O Ministério das Relações Exteriores, Itamaraty, é acusado mais uma vez de racismo. Tanto negros como brancos são vistos como sofrendo de uma certa patologia racial e, nestes últimos, ela se manifestaria através de vestígios do “preconceito racial” ao passo que nos primeiros ela se configuraria num “complexo de inferioridade”: “Este é o mais delicado. Se o branco, desarrozoavelmente ainda guarda vestígios do preconceito racial, o negro, por sua
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vez, também sofre de ‘complexo de inferioridade’ por se julgar descendentes de escravos. É necessário que se faça, entre eles, forte campanha de ‘higiene mental’ a fim de extinguir os resquícios dessa dolorosa ‘vivência’ que já pertence ao passado” (Diário Trabalhista, 27/01/1946). A entrevista encaminha-se para o seu final através da valorização da “democracia”, palavra e idéia chave nesse momento histórico do país, estabelecendo uma relação entre esta e a Convenção Nacional do Negro. Três dias depois, seria a vez de Sinval Silva participar da enquête da coluna. Ele é apresentado como compositor de samba, famoso por ter suas músicas gravadas e interpretadas por Carmem Miranda. A entrevista começa com o compositor valorizando a educação, considerada, por ele, uma saída para as mazelas da população negra. A culpa pela situação dos negros seria total e exclusiva dos brancos, que substituíram a mão-de-obra dos negros pelos imigrantes europeus, sendo que o primeiro nunca cultivou preconceitos de qualquer tipo. Por fim, a solução viria através da “Segunda Abolição”, mais um termo que se tornaria palavra de ordem no ativismo negro desta época, e que já estaria em vias de ocorrer tendo sido fecundada pela ação da Convenção Nacional do Negro. Ao mesmo tempo, a Convenção seria uma instituição que se diferenciaria daquelas de aspecto lúdico, voltadas para o lazer e a sociabilidade. No dia seguinte, o artigo “Pretos e brancos unidos, realizarão a construção do Brasil de a manhã” traz os pensamentos do estudante Waldemar Machado. Este texto é bastante interessante já que a entrevistado responde negativamente a enquete do jornal e depois é convencido a mudar de opinião em conversa com o entrevistador. A reportagem afirma que as afirmações do estudante a respeito da não existência de um problema do negro eram muito vagas: “Demos um aporte explicando ao nosso entrevistado que eram precisamente as desvantagens do negro por ele mesmo apontadas que se considerava como o problema do negro no Brasil, bem diferente do problema racial dos Estados Unidos” (Diário Trabalhista, 01/02/1946). Em seguida, o entrevistado conta um caso de discriminação que sofreu ao procurar emprego em uma loja. A entrevista tem seu epílogo com o estudante concordando com a existência do problema racial.
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Uma visão crítica da democracia aparecerá na entrevista de José Pompílio da Hora. O título do texto é “O negro e a democracia”, e o redator dá início a ele apresentando as honrarias sociais do entrevistado e colocando o mesmo como pertencente a “nova geração” de líderes negros bem formados e sucedidos. Pompílio era formado em direito pela Universidade de Nápoles (Itália), professor e vice-presidente da Convenção Nacional do Negro. Em seguida, o entrevistado ressalta as belezas naturais do país e da população, em detrimento da não existência de igualdade entre brancos e negros. Assim diz ele que: “Existem leis que rezam essa igualdade, no futuro próximo outros serão feitos na constituinte, mas isso quase que nada adianta, visto as leis brasileiras sofrerem da subjetividade quando na sua aplicação” (Diário Trabalhista, 03/02/1946). A crítica à democracia situa-se no tópico “Nossa pseudodemocracia”. Existiria uma falsificação do espírito democrático, o qual apresentava-se como o governo do povo, mas o que realmente ocorreria seria a exclusão da população negra dos altos cargos estatais, reservando para esta os cargos subalternos. Em síntese, “democracia para os negros tem sido o direito de limpar ruas, construir prédios onde não podem morar” (Diário Trabalhista, 03/02/1946). O artigo se encerra com o tópico “A convenção do negro e a democracia que se inaugura”, em que o entrevistado busca colocar a Convenção Nacional do Negro como a “vanguarda dos negros” e o caminho para uma verdadeira democracia. Ao mesmo tempo há um apelo ao Presidente Dutra para que resolva o problema da população negra. A valorização da população negra seria fator fundamental para o progresso do país, já que ela constituiria 75% da população brasileira. A pergunta chave era: como poderia o país “progredir, quando a maioria do proletariado [era] negro e [vivia] esquecida nos morros, nos casebres, sem higiene, subnutrida e maltrapilha?” (Diário Trabalhista, 03/02/1946). O texto “A bancada trabalhista dá todo seu apoio às reivindicações do negro” é digno de nota. Apesar do título pomposo deixar a impressão de que o partido tem conhecimento das reivindicações dos negros, ao lermos a matéria percebemos
que
os
deputados
estão
totalmente
desinformados
ou
desinteressados em relação a esse tema. O subtítulo segue a mesma linha,
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citando os políticos nominalmente: “Entrevista relâmpago na sede central do PTB – Como falaram ao ‘Diário Trabalhista’ os deputados Segadas Viana, Manoel Benício Fontenel E, Rubens de Melo Braga, Baeta Neves e Benjamin Farah”. O que se evidencia na seqüência do texto é uma discrepância entre a intenção dos responsáveis pela coluna e a realidade do partido ou dos deputados. O primeiro deputado, Baeta Neves, se esquiva da pergunta e dirige o repórter a um segundo, Rui de Almeida. Este responde a enquête do jornal afirmando que em suas veias corria sangue negro, alicerce da nacionalidade. Questionado sobre as restrições sofridas pelos negros nas Forças Armadas e na diplomacia ele respondera que quando aparecesse um caso concreto ele seria levado ao conhecimento da Câmara. O próximo deputado abordado, Rubens de Melo Braga, responde a enquete do jornal afirmando não conhecer o problema por ser do estado do Paraná, onde as restrições ao negro vistas em outras localidades do país não ocorreriam. O terceiro político, Segadas Viana, passa pelo repórter com andar apressado, mas deixa um recado, sem nem mesmo saber do que se tratava o assunto: “Confirmo tudo o que já disse antes”. Contudo, na seqüência da reportagem, o redator trata de explicar a posição do deputado que, por várias vezes, falara em favor da população negra e reconhecia a responsabilidade do Estado, tanto pela situação dos negros como na reversão da mesma. O quarto político, Benjamin Farah, não sabe o que responder e diz que falará com o repórter mais tarde. O próximo indagado, Baeta Neves, que tinha escapado de ser o primeiro a responder, tem uma saída para o problema, que soa, no mínimo, cômica: “Reitero que já tive oportunidade de dizer a imprensa sobre o assunto, isto é, que apresentarei a Câmara uma legislação especial que fique demonstrado que em nosso país não existe de fato o preconceito de cor, raça ou religião. Com essas leis se coibirá o abuso dos mais reacionários, que ainda hoje prejudicam essa grande parcela do povo brasileiro” (Diário Trabalhista, 08/02/1946). Quando o repórter já se ia embora, um último político, o deputado Manuel Benicio Fontenele, o chama e lhe diz que quando não houvesse mais ninguém para defender o negro na Câmara, ele o faria.
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No dia seguinte, a coluna entrevista o psiquiatra e antropólogo Arthur Ramos. A introdução é uma “rasgação de seda” enorme à figura de Ramos, em que o redator traça a tradição dos estudos sobre o negro, que começaria com Nina Rodrigues e continuaria com Arthur Ramos e Gilberto Freyre. Há ainda as informações de que um livro de Ramos estava sendo exposto na Rússia, além do fato do antropólogo ter recebido recentemente o título de “Amigo Número 1 do Negro”. Questionado pela enquete do jornal se existiria ou não um “problema do negro” no Brasil, termo oriundo da tradição de estudos ao qual ele se filiava, ele é categórico: “Não existe só um problema – respondeu-nos S.S. – mas vários problemas do negro no Brasil: sociológico, antropológico, biológico etc.” (Diário Trabalhista, 09/02/1946). A resposta é complementada por uma explicação a respeito da peculiaridade do problema em nosso país: E podemos responder que esse problema existe, embora de maneira diferente da de outros paises, no que concerne, por exemplo, a “linha de cor”. Não se pode deixar de reconhecer a existência de castas, quando convivem minorias étnicas variadas. No Brasil, porém, o problema das castas é atenuado e se confunde com o das classes. Em outras palavras, as discriminações a base de cor, reconhecem em última análise, causas econômicas. É preciso não esquecer que o negro no Brasil só em data relativamente recente emergiu da escravidão – esse terrível “handicap” econômico. Empreendeu a sua marcha livre desajudado de todos, não podendo concorrer com o braço estrangeiro. Até hoje sofre esse estado de coisas. O preconceito de cor é um fenômeno de racionalização histórica, ou melhor, um pretexto, uma estereotipia, que ocultam os verdadeiros fatores” (Diário Trabalhista, 09/02/1946).
Três dias depois, em 12 de fevereiro, é publicada na coluna uma carta da diretoria da União Democrática Afro-Brasileira, parabenizando o diretor do Diário Trabalhista, Eurico de Oliveira, por um artigo publicado no jornal, intitulado “Os nossos irmãos, os negros”. A carta da União enaltece o diretor por sua atitude, além de fazer uma série de denúncias em relação à situação dos afro-brasileiros e responsabilizando as instituições de ensino, as academias militares, ao Itamarati e aos empregos da área de serviços como comércio e escritório. O negro é apresentado como aquele que contribuiu para a construção e formação do país, não tendo recebido nada em retribuição. Novamente, aparece a discussão sobre a abolição como algo que precisava se completar, ou seja, a idéia de uma “Segunda Abolição”. O redator da coluna faz coro às afirmações da União Democrática, escrevendo em seqüência que não descansaria enquanto os poderes públicos não
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achassem a solução do problema dos negros e que desse combate aos racistas e reacionários que teimavam em criar uma “linha de cor” seria intransigente. No dia seguinte, a entrevistada da coluna é a empregada doméstica Arinda Serafim. Falando com a autoridade digna de um intelectual, a doméstica começa se referindo a situação do negro após a abolição e a atitude do governo de retirar famílias, em sua maioria negras, do Morro do Jacarezinho, ação que a mesma chamou de “cerco do Jacarezinho”. Ela afirma que “é necessário que a democracia se torne realidade também nos morros”, retomando aqui uma das palavras de ordem do protesto negro e do país naquele momento. Serafim valoriza a educação como meio do negro buscar consciência de si como homem e cidadão. A ausência de educação é entendida como geradora do preconceito de raça, de cor e do complexo de inferioridade. A entrevistada contesta ainda o pensamento de Freud em relação aos negros e cita Frobenius, baseando-se nos escritos de Artur Ramos. Por fim, baseando-se novamente em Ramos, ela afirma que o preconceito de cor e o complexo de inferioridade são problemas que surgem devido à divisão da sociedade em classes. Ambos se extinguiriam a partir da liquidação das diferenças econômicas. Em 17 de fevereiro, o entrevistado da coluna é Adhemar Homero, cuja ocupação não se sabe, dizendo-se apenas que foi estudante de direito na juventude. Na fala de Homero, é possível notar as mesmas críticas referentes a situação dos negros e à algumas instituições que vedariam a entrada da população “de epiderme mais escura”, a saber, Itamaraty, Escola Naval, Aeronáutica e Exército. O preconceito para o entrevistado é um fato dado, pois, na sua opinião, “cada vez mais se acentua o malfadado preconceito de cor. Não adianta querer negá-lo. É verdade que usam aproveitar alguns mulatos de talento em cargos de destaque para tentar mascarar a verdade. Porém, esta é mais forte que todas as camouflages (sic)” (Diário Trabalhista, 17/02/1946). São Paulo também aparece na fala de Homero como local onde a situação para os negros era de preconceito aberto; para provar isso, cita um crime ocorrido num restaurante chinês, quando duas ou três pessoas foram mortas e a polícia prendeu um negro, Árias de Oliveira, acusando-o de culpado. O acusado passou
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quatro anos na cadeia até ser inocentado e libertado. A entrevista termina com Homero afirmando que nada justifica as injustiças cometidas contra o negro, pois, no seu entender, todos os homens, não importando a cor da pele, são irmãos. No dia seguinte, o entrevistado da coluna é Aguinaldo Camargo, o qual é apresentado pela coluna como “advogado, agrônomo e grande ator, além de filósofo e sociólogo”, que estaria preparando um livro com o título provisório de O problema do negro brasileiro. O ator começa falando dos componentes do seu grupo que procurariam estudar as causas e soluções para o problema do negro brasileiro. Seriam eles Abdias do Nascimento, Geraldo Campos de Oliveira, Jerônimo Sebastião da Silva, José Alberto Ferreira, Lino Guedes, Agur Sampaio de Aguiar, José Pompilio da Hora, Sebastião Rodrigues Alves, José Herbel e Ironides Rodrigues. Dentre as realizações do grupo, desde os anos 1930 até a época presente, estariam a organização do Congresso Afro-Campineiro (1938), do Teatro Experimental do Negro (1944) e da Convenção Nacional do Negro Brasileiro
(1945). A Convenção,
assim como
outras
entidades negras,
trabalhariam sobre bases científicas para valorização do “homem de cor” e teria concluído pela existência do preconceito de cor no Brasil. “Os intelectuais da raça resolveram abandonar a ‘torre de marfim’ e vir lutar ombro a ombro com seus irmãos menos favorecidos” (Diário Trabalhista, 17/02/1946). Comentando a respeito do livro que viria a ser lançado, Camargo adiantava algumas das temáticas que seriam abordadas como “a de que o negro sempre teve consciência de sua liberdade e os antropólogos e sociólogos arianistas são os culpados ante a História pelos falsos conceitos pseudocientíficos sobre supostas inferioridades raciais. Todas as raças são iguais entre si, respeitando-se o momento cultural de suas evoluções através do espaço e do tempo” (Diário Trabalhista, 17/02/1946). Contrariando as afirmações de várias outras personalidades entrevistadas pela coluna anteriormente – principalmente Rossine Camargo Guarnieri –, ele não acreditava que o problema do negro se confundiria totalmente o problema do proletariado, pois, existiria o preconceito de cor “porém a posição social do indivíduo é que tende[ria] a fazer a ‘classificação étnica’ do indivíduo, mais que os característicos somáticos. O negro mais do que qualquer outra classe social, sofre
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todos os horrores do capitalismo internacional e seu problema, apesar desse profundo lastro econômico, não se [confundiria] ‘in totum’ com o problema do proletariado
brasileiro,
cuja
solução
depende[ria]
apenas
de
política
governamental” (Diário Trabalhista, 17/02/1946). Na continuação do artigo, o entrevistado continua enumerando algumas conclusões do livro como a de que “as relações dos mestiços, a quase totalidade do nosso povo, excluindo-se, naturalmente, os descendentes diretos de estrangeiros – com os negros são as melhores possíveis: o mulato, quase sempre inconsciente do papel que representa, é o tipo que mais favorece as relações entre pretos e brancos” (Diário Trabalhista, 17/02/1946). Outra solução apresentada por Camargo para a população afro-brasileira seria um êxodo dos grandes centros em direção ao campo, pois “desde que se melhore as condições de vida rural brasileira, seria um caminho prático de se arrancar milhões de seres humanos da degradação e da miséria, pois não é outra a situação de 90 por cento da população negra citadina” (Diário Trabalhista, 17/02/1946). Contudo, o maior problema da população negra seria aquele que dizia respeito à educação. “O Afro-brasileiro, sendo 75 por cento para mais da população total, é quem arca com o peso do analfabetismo. O preconceito oficial não gosta muito de revelar essas coisas, mas a verdade é essa nua e crua” (Diário Trabalhista, 17/02/1946). Por fim, Camargo afirma que é precipitado falar em “desaparecimento do tipo somático do negro brasileiro” e que a integração estava se tornando um fato real. A vitória dos Aliados na Segunda Guerra seria uma grande esperança para que esse sonho se concretizasse. “Agora estamos certos de nos integrarmos definitivamente na sociedade pátria, deixando de constituir o ‘homem marginal’ vivendo em verdadeiros quistos raciais” (Diário Trabalhista, 17/02/1946). Em 28 de fevereiro, o entrevistado é Rômulo de Almeida, economista de formação e amigo de Nascimento desde as fileiras integralistas. Almeida tem uma visão interessante sobre a questão racial. Questionado se a mesma existiria ou não, no Brasil, ele responde da seguinte maneira:
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Opino que sim, e acho contraproducente ocultá-la ou desconhecê-la, embora esta atitude seja para muitos inspirada no desejo de que não houvesse ou no intento de contribuir para que a sociedade a esqueça. Em grande parte o problema do preto é o problema do povo, do povo pobre. Mas está longe de ser apenas isto. Resiste também um preconceito que tem sido quiçá reforçado por alguns fatores: as correntes imigratórias provindas dos povos com sensível consciência de superioridade racial, os reflexos dos pruridos racistas e a coincidência de se sedimentarem os pretos na camada de inferior condição educacional, técnica e econômico fato em que mitos encontram a “evidência”, um “documento” de inferioridade da raça (Diário Trabalhista, 28/02/1946).
Contudo, na seqüência, a ambigüidade vem à tona ao fazer uma afirmação que poderia ser classificada como preconceituosa, da maneira como foi exposta: Costumo dizer, em resposta, que entre os homens mais brancos do Brasil figuram pretos em proporção espantosa. Quero dizer: se tomarmos as qualidades intelectuais e morais características do homem civilizado moderno, que tem sua expressão clássica no europeu, como sejam a universalidade do horizonte mental, o espírito lógico e sistemático, a capacidade técnica, a tenacidade e a energia na luta pelos direitos individuais ou sociais, e se procurarmos no Brasil os homens mais representativos, isto é, as nossas maiores expressões humanas, encontramos muitos pretos e mulatos (Diário Trabalhista, 28/02/1946).
Em seguida, o entrevistado demonstra que no Brasil haveria um certo paternalismo dos brancos em relação aos seus compatriotas negros, pois o “negro é, na imagem do branco padrão, mesmo de origem luso-brasileira, sobrevivente de escravo, não igual, embora se trate com ternura ou até com simpatia sexual” (Diário Trabalhista, 28/02/1946). Para, além disso, a questão racial se confundiria muitas vezes com o problema de classe. O preconceito, por sua vez, se manifestaria de forma mais forte nas relações afetivas, sendo o casamento interracial um tabu para pessoas das classes mais abastadas. Entre a população mais pobre, predominantemente negra ou mestiça, esses impedimentos seriam relativizados. Questionado sobre os procedimentos necessários para extirpar os preconceitos contra a gente negra, o entrevistado afirma que as medidas a serem tomadas deveriam se basear em constatações científicas. Para que isso fosse possível, era necessário que se realizassem mais estudos antropológicos e sociais ligados à miscigenação, aos padrões de vida, às relações econômicas e ao contato cultural entre brancos e negros. Estudos como o de Gilberto Freyre sobre Pernambuco e Donald Pierson sobre os negros em Salvador. As análises deveriam ser a base “para uma política ampla e efetiva de integração plena das 118
massas negras à civilização brasileira” (Diário Trabalhista, 28/02/1946). Pari passu, seria necessário implementar medidas imediatas no sentido de extinguir e qualificar como crime discriminações e restrições aos negros no âmbito do Estado e da sociedade civil em geral. Ao Estado, caberia facilitar o acesso de afrobrasileiros à educação de qualidade e a cargos elevados nos setores estatal e privado. Uma campanha educativa junto à sociedade também poderia ser realizada através das escolas, da imprensa, dos partidos, das igrejas e dos clubes. “Isto ao lado da existência de uma boa elite negra, perfeitamente integrada – e prestigiada – na vida brasileira afastará os últimos resquícios”. A idéia de que o preconceito existia, mas era um fenômeno estranho as nossas tradições de convivência prevalece pelo que se apreende quando ele afirma que “a solução essencial já está encaminhada pela melhor tradição brasileira, que nunca levou muito a sério o preconceito” (Diário Trabalhista, 28/02/1946). O entrevistado conclui considerando o preconceito existente de origem cultural (talvez vendo como contraponto o exemplo dos Estados Unidos), e conclamando os afro-brasileiros a agir de maneira mais enérgica caso o problema insistisse na sua permanência. Em 12 de março, a coluna publica uma carta do professor Laurindo Pompilio da Hora. A chamada para o artigo é sugestiva: “Aqui nesta terra de negros, mulatos e crioulos, onde as raças se fundem em um só bloco, existe uma luta surda e passiva contra a gente de cor, só por ser de cor” (Diário Trabalhista, 12/03/1946). O texto tem início com a afirmação de que no mundo daquela época já não haveria lugar para distinções de raça. A humanidade havia tomado um banho de sangue e, nos campos de batalha, todas as raças se uniram em busca da liberdade e da justiça. Antes mesmo de transcrever a carta do professor, a coluna aponta os dois pontos com os quais não concorda. Na sua correspondência, Pompilio fazia uma comparação entre a situação dos negros americanos e brasileiros, afirmando que os últimos “nunca criaram um movimento separatista, não porque não quisessem e não sentissem necessidade, mas porque nunca tiveram a força e a capacidade criadora, ainda que nossas leis não sejam melhores [que as] americanas neste delicado assunto” (Diário
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Trabalhista, 12/03/1946). A coluna retruca afirmando que Pompilio não tinha conhecimento da situação do negro brasileiro por haver estudado e passado a maior parte da juventude na Europa. O motivo para o afro-brasileiro não criar um movimento separatista seria outro, a saber: Porque o negro brasileiro se nunca criou movimento separatista, é porque jamais quis ou sentia necessidade de assim proceder. A linha de evolução brasileira, apesar do malfadado e indisfarçável preconceito de cor, sempre guardou um sentido de harmonia em seus contactos raciais. A força e a capacidade criadora do nosso homem de cor esta testemunhada em todos os setores das nossas atividades e só um profundo desconhecimento do que é o Brasil poderia informar o contrário (Diário Trabalhista, 12/03/1946).
O outro ponto dizia respeito a se o negro deveria ou não fazer política através das entidades negras. O professor se posicionava contrário a essa atitude afirmando que “a priori condena qualquer atividade política desta entidade [União Afro-Brasileira], porque a política gera o separatismo e o separatismo um abismo entre negros e brancos do Brasil” (Diário Trabalhista, 12/03/1946). A coluna responde da seguinte maneira ao professor: Não concordamos com essa opinião, porquanto as entidades negras que estão surgindo, a fim de atingirem o seu alvo – representado na derrubada definitiva do preconceito e na valorização social do povo de cor – tem forçosamente que incidir no campo político. Mais razão falece ainda ao professor quando sabemos que em ambiente democrático como este que estamos vivendo agora a função de política é unir e não separar. O que os negros aspiram com ardor é precisamente quebrar a separação que forças reacionárias lhe impuseram (Diário Trabalhista, 12/03/1946).
No artigo de dois dias depois, intitulado “Porque os poderes públicos não prestigiam a Convenção Nacional do Negro”, a coluna entrevista o estudante de comércio Augusto Conceição de Souza. Durante a conversa, Souza fazia referência ao incidente ocorrido em São Paulo entre comerciantes da Rua Direita e os negros que ali realizavam o seu footing aos sábados e domingos. Como se sabe, o Triângulo Central paulista foi motivo de várias polêmicas entre a população negra e os comerciantes ali estabelecidos naquela época. Certa feita, tentou-se proibir a circulação deste contingente da população no local e, num artigo de jornal, os lojistas alertavam que os negros estavam dando a São Paulo um aspecto de Havana (Andrews, 1998). O que é recorrente na fala do entrevistado é que, novamente, São Paulo aparece como o “inferno astral” para os
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negros e exemplo de lugar onde a harmonia de raças, típica do Brasil, não seria respeitada. Na parte final, o estudante procura valorizar a atuação da Convenção, citando os nomes de Sebastião Rodrigues Alves, Abdias do Nascimento e José Pompilio da Hora. No dia seguinte, o entrevistado é novamente Fernando Oscar de Araújo, que havia sido o primeiro a ser entrevistado pela coluna. Em sua fala, o entrevistado irá discordar das conclusões do sociólogo americano Donald Pierson sobre a não existência de “preconceito racial” no Brasil. A citação do acadêmico filiado teoricamente a Escola de Chicago, é importante no sentido de que os estudos de relações raciais no Brasil têm início com a sua pesquisa na Bahia, mais especificamente Salvador, entre os anos de 1935 e 1937 e que deu origem ao livro Brancos e pretos na Bahia: estudo de contacto racial (1942). Araújo começa afirmando que havia lido uma reportagem de Justino Martins, intitulado “Gafieiras do Brasil”, publicado na Revista do Globo de Porto Alegre. Ele se empolgara com o texto, mas discordava de um tópico intitulado “Um paralelo e uma conclusão”. Justino Martins explica que o professor Donald Pierson fez o “paralelo” e a “conclusão” depois de muitos anos de estudos da situação do negro no Brasil. Quanto ao “paralelo” afirmaria o professor que: Nos Estados Unidos os negros, como grupo biológico diferente dos brancos, estão se multiplicando gradativamente, enquanto no Brasil, o mesmo caso se verifica em sentido contrário, isto é, há uma notável tendência para a pressão do subtipo comum – o mulato. Especialmente no nordeste do território brasileiro, onde os negros estão sendo dizimados biologicamente pelos mulatos e estes pelos brancos... Conclusão: O preconceito existe no Brasil, mas é de classe existe (sic) e não de raças (Diário Trabalhista, 17/03/1946).
Araújo afirmava que não tinha a pretensão de negar as conclusões do sociólogo americano, mas discordava de algumas. Faz, então, uma série de afirmações a respeito dos negros americanos. Se, por um lado, lhes era negado a participação ou a integração na sociedade branca americana, por outro, eles haviam construído “um verdadeiro país de negros”, no qual tinham o direito de se educar para atuar nos mais diversos setores: ciência, literatura, artes, finanças etc. Já no Brasil, a situação do “povo de cor” seria de extrema decadência. O entrevistado conclui essa parte com uma pergunta que deixa em aberto: “sob o
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ponto de vista da evolução, do progresso e da felicidade dos pretos qual a melhor solução, a norte-americana ou a brasileira?” (Diário Trabalhista, 17/03/1946). A conclusão de Araújo encaminha-se no sentido contrário à afirmação de Pierson no que diz respeito à existência ou não de preconceito (de raça ou cor) em nosso país. O artigo finda com palavras bastante enfáticas: “Julgo que o professor não estudou tão profundamente o preconceito no Brasil ou ao contrário não quis ser indiscreto... O preconceito de cor está aí lenhando as cores do negro para quem quiser ver. O mais não significa toda a verdade...” (Diário Trabalhista, 17/03/1946). No dia 21 de março, o entrevistado da coluna é Walter Cardoso, apresentado como estudante de medicina. A introdução do texto faz um ataque ao “isolacionismo imposto ao negro travestido de mil e um disfarces igualitários” ou a “falsa legenda de igualdade” para depois afirmar que “já não é mais possível alguém dizer que a questão do preto entre nós é uma invenção de racistas negros porque nem uma voz sequer se levantou no seio da Constituinte para negar a grave denúncia do Prof. Hamilton Nogueira: ‘Há uma questão de fato: restrição da entrada de pretos na Escola Militar, na Escola Naval, na Aeronáutica e, principalmente, na carreira diplomática’” (Diário Trabalhista, 21/03/1946). O entrevistado do dia começa afirmando que a questão no Brasil não se trata “apenas de um problema de raça ou de classe, mas sim de um problema nacional”. A solução viria através da educação, educação formal para o negro que, por meio dela, poderia se elevar social e economicamente, além de romper com seu sentimento de inferioridade, pois, na sua opinião, a situação educacional e econômica da população afro-brasileira determinava uma “suposta” inferioridade. Para reforçar seu argumento, ele cita Boas, antropólogo alemão radicado nos Estados Unidos no início do século XX tido como renovador da antropologia social: “Franz Boas, entre outros, já provou à sociedade que a inferioridade de determinada tribo, surgia quando a mesma estava sob o jugo de outra, mas que mesmo assim não deixava de transparecer por outro lado os seus dotes e qualidades. Não há propriamente raça inferior e tudo depende mesmo é da situação educacional e acadêmica” (Diário Trabalhista, 21/03/1946).
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A entrevista segue com o estudante dando exemplos de grandes intelectuais negros que contrariavam as afirmações de inferioridade do negro. Cruz e Souza, Richard Wright, René Maran Dumas, Pierre Rouche e Kostantin estavam aí para evidenciar a falta de fundamento dessa idéia. “Como pode uma raça que produz tipos como os apontados ser inferior?”. A entrevista termina num otimismo que fica explícito no título do último tópico, a saber, “O reacionarismo está agonizante”. Dá-se a entender que o mundo, após o fim da Segunda Guerra Mundial, vivia um momento de afloramento democrático e que o Brasil não estaria fora disso. Três dias depois, a coluna iria entrevistar o sociólogo Guerreiro Ramos. A foto que ilustra a matéria traz Abdias do Nascimento tomando nota da fala de Ramos. A introdução do texto enfatiza o discurso realizado pelo Senador Hamilton Nogueira na Assembléia Constituinte e afirma que a sua fala havia tido repercussão nacional e em todas as camadas sociais, denunciando a existência de “preconceitos raciais” no Brasil. Na seqüência, o redator da matéria, provavelmente Nascimento, de acordo com a foto, aproveita para ratificar a existência desse fenômeno social num país tido como ausente deste tipo de conflito: “Denuncia das mais graves, quando sempre se propalou que em nossa terra jamais existiria uma questão desse gênero, sendo a nossa democracia racial e de cor objeto das referências mais elogiosas no estrangeiro, isto desde a proclamação da República” (Diário Trabalhista, 24/03/1946). Esse texto é interessante porque evidencia uma afinidade que havia nessa época, entre o sociólogo baiano radicado no Rio de Janeiro e o ativista Nascimento. Como já afirmei anteriormente, ambos haviam se conhecido sete anos antes (1939), quando Nascimento estava residindo pela segunda vez na capital federal e Ramos, por sua vez, cursava a Universidade do Brasil. Na conversa que se segue, fica explícito que os dois tinham maneiras divergentes de pensar a questão negra, principalmente no que tange a função e atuação das associações negras. Questionado sobre a “problemática do negro”, Ramos responde da seguinte maneira:
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Temos que considerar no problema do negro três aspectos: 1) o preconceito racial; 2) o preconceito de classe; 3) a irredutibilidade de mundos mentais distintos. O preconceito racial se estriba principalmente numa falsa teoria científica que admite uma diferença qualitativa entre as raças. Como referiu o prof. Hamilton Nogueira, ela se apóia em frágeis argumentos arrolados por Gobineau, Laponge e Rosemberg hoje inteiramente desmoralizados. Há uma numerosa literatura sociológica sobre o assunto dos quais destaco os trabalhos de Robert Park, E. B. Reuter, Franklin Frazier, Herskovits, Ruth Benedict, Nina Rodrigues, Gilberto Freyre, Arthur Ramos todos demonstrativos da fragilidade científica do racismo. Contudo, se o racismo há por terra como teoria científica, sobrevive ainda como uma ideologia de numerosos brancos interessados em racionalizar uma dominação política e social (Diário Trabalhista, 24/03/1946).
Em seguida Ramos faz, como de praxe entre os entrevistados, uma comparação entre a situação do negro norte-americano e do brasileiro. Segundo sua opinião, nas terras yankees o preconceito seria mais evidente, aberto e racial. “Deste modo, na grande terra de Roosevelt, o que se chama de problema do negro é um verdadeiro conflito de raças. O negro americano está segregado da comunidade para cuja grandeza ele coopera” (Diário Trabalhista, 24/03/1946). Já no Brasil, a situação seria diferente, pois “o preconceito existe, mas é mais disfarçado e o negro sofre uma discriminação menos ofensiva. Entre nós, o preconceito racial perde em importância para os outros dois aspectos da questão: o preconceito de classe e a incompatibilidade de dois mundos mentais distintos” (Diário Trabalhista, 24/03/1946). A “incompatibilidade dos mundos mentais distintos” seria provocada pela cultura compartilhada por negros das camadas populares que, de certo modo, impedia que os negros em ascensão social participassem efetivamente da cultura e do estilo de vida das classes dominantes. O sociólogo baiano explica esse aspecto e sugere aos negros um “branqueamento” sociocultural: Por outro lado, grande número de negros brasileiros ainda não se incorporou à cultura dominante no Brasil que é a européia de base latina. Existe uma cultura negra no Brasil com seu sincretismo religioso, seus hábitos alimentares, sua medicina de “folk”, sua arte, sua moral, etc. O mundo mental destes grupos é incompatível com o das classes dominantes. O negro brasileiro pode “branquear-se”, na medida em que se eleva economicamente e adquire os estilos comportamentais dos grupos dominantes. O “peneiramento” social do homem de cor brasileiro é realizado mais em termos de cultura e de “status” econômico, do que em termos de raça (Diário Trabalhista, 24/03/1946).
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A discordância entre Nascimento e Ramos se dá no que diz respeito à função e atuação das entidades afro-brasileiras. Ramos afirmava: Os meios de luta do negro brasileiro não devem ser demagógicos nem sentimentais, têm que ser adequados ao modo como se coloca o problema no Brasil. Penso que os homens de cor não devem jamais organizar-se para combater o preconceito racial. Nesta parte, sua atitude dever ser tanto quanto possível de indiferença e até humorística, nunca de indignação (Diário Trabalhista, 24/03/1946).
A fala de Ramos segue-se por mais dois parágrafos, nos quais o sociólogo valoriza a atividade teatral do TEN através da montagem da peça de O’Neill, O Imperador Jones. Segundo ele, a atuação das entidades afro-brasileiras devia seguir o exemplo das associações socioculturais de estrangeiros e descendentes destes (ingleses, americanos, alemães, franceses etc.) com fins artísticos, recreativos e de auxílio mútuo. As associações afro-brasileiras seriam um passo agigantado neste sentido. O artigo fecha-se com a resposta de Nascimento a Ramos. Peço licença para reproduzir a mesma numa citação um pouco longa, mas que dispensa comentários posteriores: Até aqui o depoimento do prof. Guerreiro Ramos. (sic) Consoante com nossa linha de conduta, respeitamos-lhe com absoluta fidelidade o pensamento e as expressões. Sejanos licito agora discordar de uma passagem da sua entrevista, aquela em que diz “(...) os homens de cor não devem jamais organizar-se para combater o preconceito racial. Neste ponto, sua atitude deve ser tanto quanto possível de indiferença e até humorística, nunca de indignação”. Realmente, aí está firmado um princípio negativista. Durante quase todo o período de após abolição, o negro rezou por essa cartilha de assistir de braços cruzados e sorriso nos lábios, à sonegação dos seus direitos de cidadão. Sua decadência atual, em grande parte, pode ser levada à conta desse comportamento contemplativo e resignado. E isso é tão verdade quando se examina o combate ao racismo no Brasil. Este se voltou com maior violência contra o negro e somente amparado na força de suas entidades ele pôde reagir, oferecendo um combate tenaz às forças declaradas ou ocultas que o traziam semi-escravizado. Inegavelmente suas realizações artísticas têm o papel mais importante nesse trabalho de esclarecimento e harmonização social. Porém não fosse a corajosa campanha iniciada por associações tais como a Convenção do Nacional do Negro Brasileiro, União Democrática Afro-Brasileira, Associações dos Negros Brasileiros (S. Paulo), União dos Negros Brasileiros (Porto Alegre), Centro Cruz e Souza (Recife) e muitos outros espalhados pela imensidão do Território Nacional e talvez a estas horas não tivessem alcançado esse avanço na luta anti-social representado pelo discurso do prof. Hamilton Nogueira. É preciso viver no seio das organizações negras para se constatar que o seu espírito de luta não é demagógico nem puramente sentimental. O que há é o aproveitamento das lições sociológicas de Gilberto Freyre e Arthur Ramos, orientando suas atitudes em bases democráticas, sem sectarismos, e longe dos ódios que isolam e separam os homens. (Diário Trabalhista, 24/03/1946).
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No dia 05 de abril, o foco da coluna volta-se para as patrícias de cor. Com o título de “As mulheres negras também reivindicam seus direitos”, o texto transcreve uma entrevista com três mulheres negras com o objetivo de entender a visão delas sobre a problemática da população afro-brasileira. Eram elas Maria de Lourdes Nascimento (socióloga/professora), Ruth de Souza e Nair Gonçalves (atrizes do TEN). A entrevista havia sido realizada durante uma homenagem ao Senador Hamilton Nogueira por seu discurso em favor da população afro-brasileira no Senado. A fala de Ruth de Souza é a primeira a ser exposta. Ela se coloca contra a partidarização do movimento negro. Em parte não gostei da maneira como decorreu a homenagem mais do que justa ao senador Hamilton Nogueira. Estávamos reunidos para prestar uma homenagem ao defensor da raça e não a um partido. Alguns trouxeram atitudes partidárias. Falo de irmãos negros, naturalmente. Atitude realmente lamentável, pois foi quebrado o espírito de união que deve presidir a nossa luta. Nossa campanha, sendo democrática deve ser de colaboração e não de ataques separadores a este ou aquele partido. Pode estar certo de que isto desagradou o grande número de convidados que ali compareceram a fim de agradecer ao ‘senador dos negros’, e não para fazer causa comum com os interesses particulares da entidade promotora da homenagem. Falo assim com esta franqueza esperando que meus companheiros de luta dêem o devido valor as minhas palavras. Estou apenas ajudando abrir caminhos e não procurando veicular intrigas ou inimizades entre nós (Diário Trabalhista, 05/04/1946).
Questionada, a atriz Nair Gonçalves afirmava que sempre fora uma revoltada. Nas suas palavras: “Não havia meios e nem oportunidades de dar expansão a funda revolta que sempre morou em mim. Revolta contra as explorações, as humilhações que tanto no passado como hoje são impostas por causa de nossa cor. Vamos continuar lutando até o fim e agora certos da vitória que já se aproxima...” (Diário Trabalhista, 05/04/1946). Já Maria de Lourdes Nascimento afirmava que os responsáveis pela situação da mulher negra aquela época eram os brancos. “Eles nos escravizaram material e espiritualmente. Violentaram a nossa tradição cultural e religiosa, e de tanta pressão psicológica sobre os negros, isto durante tantos séculos, conseguiram perverter-lhe a estrutura moral. Hoje é dificílimo conseguir-se que a massa das mulheres negras estude e lute por um melhor padrão de vida” (Diário Trabalhista, 05/04/1946). Cinco dias depois, a coluna anuncia em forma de denúncia: “A discriminação de cor é fato infelizmente verdadeiro no Brasil”. Dessa vez, a
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afirmação era feita por um letrado legitimado pela academia, o professor de antropologia da Faculdade de Filosofia da Bahia, Thales de Azevedo. O redator do artigo inicia afirmando que pessoas das mais diversas áreas já haviam participado da enquete, dando a sua opinião sobre a existência ou não de um “problema do negro” no Brasil. Mais: a questão relativa ao negro já havia sido levada a Assembléia Nacional Constituinte, através da fala do Senador Hamilton Nogueira. Contudo, o entrevistado daquele dia merecia atenção especial já que se tratava do Dr. Thales de Azevedo, médico e professor de antropologia na Faculdade de Antropologia da Bahia, com pesquisas na área de assuntos afro-brasileiros. O acadêmico começa a sua fala estabelecendo uma diferenciação entre a “discriminação de cor” e o “preconceito racial” e afirmando que no Brasil, entre nós, haveria o primeiro fenômeno social. A “discriminação de cor” ocorreria nos mais diversos âmbitos da sociedade baiana como trabalho, educação e lazer. Haveria ainda a peculiaridade da discriminação ser mais branda para os menos em comparação aos mais pigmentados. Outro aspecto ressaltado pelo professor é que a discriminação atuaria nos relacionamentos afetivos. Nas classes mais abastadas, haveria uma tendência a não se aceitar casamentos ou uniões entre cônjuges de epidermes diferentes, geralmente o padrão de uniões existentes era homem negro/mulher branca. O padrão citado também é comentado pelo acadêmico: O outro aspecto desses intercasamentos é que o cônjuge a quem ordinariamente cabe mais iniciativa na escolha do seu par, o masculino, quase sempre prefere unir-se a pessoa mais clara. Desse modo, o cônjuge mais escuro é, em mais de 50% dos casos, o marido, coisa que se passa também nos Estados Unidos, onde, segundo o professor Herskovits, a união clara contribui para a elevação social do negro. Aqui trata-se de ‘melhorar a raça’, o que faz crer que o padrão estético da generalidade da população, inclusive a de cor, é o branco (Diário Trabalhista, 10/04/1946).
Continuando,
o
professor
afirma,
definitivamente,
a
existência
da
“discriminação de cor” entre nós, aponta caminhos para a sua superação, ao mesmo tempo em que alerta para dois perigos que rondam a população afrobrasileira. Em resumo, a discriminação de cor é fato infelizmente verdadeiro no Brasil, embora sem rancores nem radicalismos. Para superá-la, como é necessário, devemos esforçar-nos por elevar os padrões econômicos, educacionais e biológicos de todo o nosso povo não
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fazendo separações em grupos de ‘Henriques’ e de brancos de tão precária pobreza como somos nós, com poucas exceções. Também é preciso resistir dedicadamente às tentativas de incitamento a luta de classes que agentes políticos e pesquisadores de temas afro-brasileiros andam a provocar sob os mais variados disfarces. Isso é tanto para os intelectuais sinceramente humanos, patriotas e democratas (Diário Trabalhista, 10/04/1946).
O texto finaliza, pelas mãos do redator, de maneira muito parecida com o início, ou seja, ressaltando as palavras do acadêmico sobre a existência de “discriminação de cor” na Bahia, afirmações vindas de alguém legitimado e renomado dentro no universo acadêmico e científico. Mediante as freqüentes afirmações de não existência desse tipo de problema nas terras do Senhor Bonfim, o redator questiona de maneira desafiadora: “Porém agora, o que dizer em face desta tremenda denúncia do professor Tales de Azevedo? Que respondam os negros, brancos ou brancos da Bahia...” (Diário Trabalhista, 10/04/1946). Pouco mais de um mês depois, a coluna publicaria um depoimento de Maria de Lourdes Vale Nascimento, lido durante as atividades em comemoração ao 13 de Maio. A introdução da matéria apresentava várias personalidades que haviam comparecido às atividades organizadas pela Convenção, entre os dias 11 e 13 de maio, na “humilde sede do Sindicato dos Mestres e Contra-Mestres de Indústrias Têxteis”. A matéria também levava um título sugestivo, retirado do depoimento: “O mais belo povo mestiço do mundo”. A depoente trata de trazer ao conhecimento de todos a situação em que viviam os negros de sua terra natal, Franca, no interior de São Paulo. Estariam os negros desta cidade submetidos a situações de discriminação e desprovidos de acesso à educação formal, saúde, moradia e empregos dignos. A elite econômica e intelectual da cidade seria composta por barões do café ali instalados. Mais: a discriminação em relação aos negros teria o respaldo policial. Como exemplo, ela citava o caso do passeio público, que tinha espaços vedados à circulação dos negros e que essa situação de segregação era garantida pelo efetivo policial local. O depoimento termina situando a mulher negra no movimento de melhoria do povo brasileiro, além de fazer uma certa ode à mestiçagem: “A mulher negra está aqui agora e estará sempre unida em carne e espírito pelo alevantamento e valorização do nosso
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grande povo brasileiro, o mais belo povo mestiço do mundo” (Diário Trabalhista, 16/05/1946). No dia 18 de julho o entrevistado da coluna seria o professor Luis Lobato. A fala do professor passa por quatro questões principais: o preconceito racial ou de cor, a socialização dos lucros das empresas, a visão do negro como “povo” e, por fim, a polêmica em torno de um partido exclusivo dos afro-brasileiros. No que diz respeito ao preconceito, Lobato achava que a base do mesmo era econômica, de modo que, “encontrada a premissa no setor econômico e, considerando que o negro brasileiro é, geralmente, pobre, o preconceito contra o negro toma um aspecto de classe social, não podendo jamais ser resolvido pelo prisma racial” (Diário Trabalhista, 18/07/1946). O professor se auto declarava socialista e propunha a participação dos empregados nos lucros das empresas. Afirmando que “o negro é povo no Brasil”, ele chegava à conclusão que “a distribuição igual nos lucros educará o povo, em geral, no sentido evolutivo para o desaparecimento do preconceito de cor, já que este é uma decorrência da própria condição econômica do negro” (Diário Trabalhista, 18/07/1946). Lobato também se colocava contra a organização de partidos políticos só de negros. Na sua opinião, essa atitude não passava de uma jogada política de supostos líderes que não tinham compromisso com os negros e procuravam beneficiar a si próprios. Não haveria recursos para realizar tal empreita, nem uma “filosofia como raça”, de modo que esses partidos só serviriam como massa de manobra dos grandes partidos, sendo, o negro, povo no Brasil. O professor completava afirmando que, por ser socialista, se postava contra a formação de partidos de qualquer raça. Por fim, convidava todos os intelectuais negros a participarem de uma mesa-redonda na qual todos essas questões seriam discutidas. Na matéria “A questão negra no Brasil não é coisa para partidos”, a coluna parecia voltar à temática relacionada à criação ou não de um partido negro, entrevistando o escritor Raimundo Souza Dantas. Contudo, não é exatamente isso que se verifica. O romancista começa afirmando que a existência de um “problema do negro” implica a existência de uma reivindicação específica. Seria um grande
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erro político, como também alarmante prova do desconhecimento do homem de cor brasileiro, afirmar-se existir em nossa terra um “problema do negro” (Diário Trabalhista, 01/08/1946). Por outro lado, isso não implicava na inexistência de “preconceito de cor” ou “preconceito racial” que, na sua opinião, não partiria do povo, mas de algumas associações e determinados setores da sociedade. Só haveria sentido, na opinião do entrevistado, falar em “problema do negro” em nosso país se a situação vivida por este contingente da população em São Paulo pudesse ser generalizada para todo o país, o que não ocorria. Isso também justificaria uma ação diferenciada dos “homens de cor”. Enfim, o preconceito, para o romancista, era uma peculiaridade de alguns centros e algumas organizações, a existência dessa idiossincrasia nacional justificava, por sua vez, a existência de um movimento negro. Para a extinção do preconceito, seria necessário o desenvolvimento de uma campanha “da prática positiva da economia, não somente econômica, mas política e humana” (Diário Trabalhista, 01/08/1946). Por fim, o escritor advertia: “A questão do negro no Brasil não é para partidos. E sei bem o que digo e digo na qualidade de membro de um grande partido do povo. A questão do negro no Brasil tem que ser resolvida pelo povo” (Diário Trabalhista, 01/08/1946). No dia 16 de agosto, o entrevistado da coluna é Ricardo Werneck de Aguiar, que fora responsável pela tradução do texto de Eugenne O´Neill, O Imperador Jones, possibilitando a encenação da peça pelo TEN no ano anterior. O título da matéria era parte da fala de Aguiar, a saber: “Creio na valorização do trabalhador”. A entrevista tem início com o redator questionando o tradutor a respeito da existência ou não de um problema do negro no Brasil. A resposta de Aguiar é de que o problema do negro estava vinculado ao “grande problema humano universal”, o negro deveria ser considerado uma criatura humana sujeita a restrições devido à pigmentação e não como componente de uma raça. O problema do negro seria, antes de tudo, um capítulo do grande problema social. Por outro lado, o tradutor acreditava na existência do preconceito de cor, algo que seria resquício da sociedade escravista, patriarcal e agrícola que anteriormente tínhamos sido. O mesmo se daria com uma certa “desvalorização do trabalho”,
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algo que atingiria os indivíduos de todas as classes no Brasil. Ainda, de acordo com Aguiar, as soluções para estes problemas caberiam a economistas, sociólogos e ao Estado. Contudo, no final, nota-se uma certa descrença quando o entrevistado completa: “Se bem que entre nós, até agora, só tenhamos podido esperar alguma coisa de Deus...” (Diário Trabalhista, 16/08/1946). Concordando com a existência de restrições deliberadas a negros em determinadas áreas, como a carreira militar ou diplomática, Aguiar discordava de que este fato deveria se tornar motivo de reivindicação dos afro-brasileiros ou “o melhor passo para a elevação das nossas classes inferiores nos quais prevalece o elemento negro”. O tradutor acreditava sim “na valorização do trabalho e do trabalhador (...) através da união, disciplina e luta das classes operárias em pro da melhoria dos seus padrões de vida” (Diário Trabalhista, 16/08/1946). Por fim, questionado a respeito dos movimentos negros brasileiros e a campanha pela Segunda Abolição, o tradutor afirmava que o movimento vinha sendo bem conduzido, pois se processava mais no terreno cultural e artístico não estabelecendo “confusões” e nem criando questões alheias ao quadro geral dos nossos problemas raciais. No dia 08 de setembro, o entrevistado da coluna seria o poeta e ascensorista Aladir Custódio, que declarava no título da matéria: “O movimento progressista do Brasil estaria incompleto se lhe faltasse à cor do movimento afrobrasileiro”. Essa entrevista é exemplar, já que o entrevistado, em sua fala, passa por todos os tópicos que vinham insistentemente sendo abordados pela maioria das personalidades questionadas pela coluna. O poeta começa por uma crítica à Abolição que, nas suas palavras, havia sido “uma grande vitória do nosso povo sobre os opressores escravocratas”. Contudo, no período pós-abolição não teria ocorrido a preocupação de se estabelecer um plano de elevação moral, econômico e cultural dos ex-escravos e seus descendentes. Ampararam e incentivaram o progresso dos imigrantes em detrimento dos negros, a maioria do povo. Em seguida, Custódio atacava aqueles que viam como um dos motivos do nosso atraso a miscigenação. Citando o antropólogo Roquete Pinto, o entrevistado
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contra argumentava que o grande problema de nosso atraso era a educação: “O homem no Brasil não precisa ser substituído, mas educado”. Buscava ainda na obra de Euclides da Cunha, Os Sertões, um exemplo de como o homem brasileiro mestiço era tenaz e valoroso. Questionado sobre a existência ou não de preconceito racial no Brasil, Custódio afirmava: “No Brasil – por força da nossa própria formação étnica – o preconceito nunca chegou a alcançar um caráter tão grande como nos Estados Unidos, onde existe uma ‘colored line’ que limita e define a raça e a cor” (Diário Trabalhista, 08/09/1946). Por outro lado, o preconceito vigente no Brasil seria “traiçoeiro e estúpido”, se processando nas carreiras diplomática, militar, nas casas noturnas e no comércio. Ele concluía que “nisto há qualquer coisa do poema ‘Eu também sou a América’ do consagrado poeta negro americano Langston Hughes: ‘quando chegam visitas, eles mandam-me comer na cozinha’” (Diário Trabalhista, 08/09/1946). O poeta volta-se, então, para a situação dos negros em São Paulo e cita o incidente ocorrido em 1944, na Rua Direita e seus arredores, na qual tentou-se proibir a circulação de negros (Andrews, 1998:270-281). Para ele isso seria, na verdade, um exemplo de preconceito econômico, mascarado de “preconceito de cor”. Na sua opinião, o preconceito era uma superstição que só a educação e uma maior aproximação social e cultural poderia extinguir através do tempo. Também seria necessário evitar a formação de quistos raciais, principalmente em partidos políticos, algo que afetaria nossa tradição de tolerância. A entrevista termina com o poeta exaltando os trabalhos das associações afro-brasileiras, pois estas não segregavam o negro, mas o colocavam mais próximo, cultural e socialmente, do branco. Elas auxiliariam no combate as restrições que impediriam a marcha “de uma nação pelo caminho largo da Democracia” (Diário Trabalhista, 08/09/1946). Quatro dias depois, a entrevistada da coluna é a cantora de rádio Margalô Bruce. O título da matéria é bastante enfático: “Existe preconceito de cor nas Estações de Rádio”. Nessa entrevista, ressaltam-se três aspectos levantados pelo redator e pela entrevistada, a saber: a existência do preconceito de cor no rádio; São Paulo como um lugar mais cruel para os negros se comparado ao Rio de
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Janeiro; e, por fim, a fascinação com os Estados Unidos como um lugar melhor para os negros. Tal fascinação revela-se por uma passagem da matéria: “Atualmente Margalô Bruce se encontra trabalhando no Mayrink Veiga. Mas não pretende ficar no Brasil onde tudo é adverso aos negros. Quer ir para os Estados Unidos, onde pensa encontrar clima mais favorável aos seus estudos, mesmo com a linha de cor” (Diário Trabalhista, 12/09/1946). Um mês depois, dia 12 de outubro, a coluna volta com a matéria “O negro em marcha”, na qual busca-se fazer um balanço ou evidenciar o “estado da arte” do movimento negro em várias partes do país. A introdução do artigo é interessante, pois é elaborada de maneira profética, no que diz respeito à importância das organizações afro-brasileiras daquela época, afirmando que “quando, daqui a alguns anos alguém se dispuser a fazer um estudo retrospectivo sobre o atual movimento afro-brasileiro, terá forçosamente, de fixar sua atenção sobre certas organizações e sobre determinados nomes”. Logo em seguida, o redator dá uma pequena definição do que seria a tão falada Segunda Abolição, a saber: o aniquilamento definitivo de todos os preconceitos raciais e de cor ainda existentes entre nós, a superação do complexo de inferioridade e o enquadramento da gente negra em todos os planos da vida social brasileira” (Diário Trabalhista, 12/09/1946). Em seguida, passa-se a mostrar a situação do movimento negro no Rio Grande do Sul, em Pernambuco, em São Paulo e, por fim, em Alagoas. Dessa parte do artigo, destaca-se novamente o fato de São Paulo ser retratada como localidade onde o preconceito de cor tomaria contornos mais violentos. Por outro lado, a cidade, de acordo com o redator, também era vista como o lugar onde o movimento negro mais teria avançado, citando o caso da Frente Negra Brasileira. Já a situação dos negros no Rio Grande do Sul seria delicada, pelo fato de os negros serem minoria na população daquele Estado, quadro complicado pela existência de “organizações racistas” e “grupos nazistas” nessa região do país. Segue-se a citação do nome de vários ativistas gaúchos que estariam lutando contra essa situação adversa. Em Pernambuco, o movimento negro teria ganhado força através da atuação do escritor e líder Vicente Lima, que teria como base de
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atuação uma associação intitulada Centro Cruz e Souza. A matéria trata de transcrever parte de um estudo do autor, intitulado “Os poemas de Solano Trindade”, no qual o autor discorre sobre a influência do negro na cultura nacional pari passu sua latente exclusão socioeconômica. O último artigo da coluna do ano de 1946 é de 18 de dezembro. Com o título “Discriminação racial no Tijuca Tênis Clube”, o artigo realiza uma entrevista com o presidente da Convenção Nacional do Negro Brasileiro, Aguinaldo Camargo, que faz uma denúncia de discriminação, ocorrida no clube acima referido. O texto tem início afirmando que até mesmo nos Estados Unidos a discriminação racial já estava sendo superada por uma nova mentalidade, vinda com o pós-guerra. Em seguida, afirmava, se referindo ao Brasil: “Aqui neste nosso Brasil Mulato, onde ninguém pode se gabar com segurança, não ter ‘pinta na testa’, a discriminação por motivo de cor epidérmica significa um dos maiores absurdos que se possa conceber” (Diário Trabalhista, 18/12/1946). Em seguida, passa-se a entrevista com Camargo, que descreve o ocorrido no clube. Durante festa dançante de uma escola, nas dependências do clube, foram barrados indivíduos negros e mestiços, que haviam sido previamente convidados. Mesmo diante da tentativa de negociação, não havia sido permitido o ingresso dos afro-brasileiros nas dependências do clube. Camargo se referia a um dos diretores, Heitor Beltrão, como indivíduo que se afirmava democrata, mas que estava
vinculado
a
uma
instituição
que
tivera
atitudes
extremamente
“antidemocráticas”. Por fim, o ativista alertava: “Não se esqueçam, senhores da Tijuca, que povo, no Brasil, quer dizer negro, mulatos, enfim mestiços, o que não pode estar sujeito a achincalhos de tal natureza” (Diário Trabalhista, 18/12/1946). 3.3 – O “Antiisolacionismo negro” No dia 09 de março, dois meses após a estréia da coluna, ocorre a publicação de um artigo de Abdias do Nascimento intitulado “Antiisolacionismo Negro”. Após algum tempo realizando entrevistas com intelectuais, estudantes e profissionais das mais diversas áreas, é o momento do responsável pela coluna deixar claro seu posicionamento no que diz respeito à problemática afro-brasileira. Idéias e posicionamentos que, com pequenas variações, também haviam sido 134
abordadas pela quase totalidade de personalidades que haviam participado da enquete, até aquele momento, e que voltariam a ser objeto de questionamento dos que participariam posteriormente. Ao mesmo tempo, Nascimento tenta se legitimar definitivamente como um porta-voz dos negros, algo que já ficara claro em seu esforço em criar uma grande rede ou frente anti-racista no Rio de Janeiro daquela época, tendo como marco a criação do teatro negro, dois anos antes. Na verdade, o artigo reproduz de maneira sistematizada as idéias utilizadas nas introduções e em boa parte das entrevistas e artigos anteriores da coluna. O autor começa afirmando a existência e a dificuldade de lidar com a problemática afro-brasileira. Segundo ele, “tratar do problema do negro brasileiro é uma das tarefas mais difíceis apresentadas pela nossa formação étnica e sociológica”. O que se notava era que “até bem pouco tempo, a paisagem afro-brasileira apresentava a fisionomia tranqüila dos povos felizes, que nada aspiravam além do que possuem. Mas na verdade, a família negra constituía aquela floresta espessa, complexa, de caminhos quase virgens” (Nascimento, 09/03/1946). A partir dessas afirmações, o autor critica uma falsa igualdade de direitos entre brancos e negros que se nutriria da crença de uma “democracia de cor”: A fictícia igualdade social de todos os brasileiros, a nossa decantada democracia de cor, tão engalanada de lantejoulas e jóias de ouropel, não resistiu à análise fria e imparcial da ciência. A sociologia e a antropologia falaram através de autoridades como Gilberto Freire e Artur Ramos, denunciando os atentados criminosos sofridos pelos negros em seu patrimônio espiritual e cultural. Muitos outros observadores e pesquisadores ergueram sua voz, entre os quais se destaca o sincero e desassombrado jornalista R. Magalhães Jr. condenando os processos ignóbeis forjados para ainda uma vez mais escravizar os descendentes do povo africano (Nascimento, 09/03/1946).
Soa minimamente estranho ouvir Gilberto Freyre ser colocado como um dos autores que questionariam a existência de uma “democracia de cor” no Brasil, quando o mesmo é tido como aquele que melhor sistematizou, através de suas obras, o conceito que viria a ganhar o nome de “democracia racial”, como nos mostra Guimarães (2002). Ainda de acordo com este autor, naquela época, havia uma fé, configurada num pacto, de que a democracia, fosse de “cor” ou “racial”, seria um fim a ser alcançado. Em outras palavras, acreditava-se que nosso processo histórico e a dinâmica das relações sociais e raciais era, de algum modo, diferenciado de países como Estados Unidos ou África do Sul e que a “questão de 135
raças” ou o “problema do negro” que existiria no Brasil poderia ser resolvido dentro do processo democrático, que tinha início naquele momento e levaria a sociedade brasileira a uma “democracia de cor” ou “racial”. Contudo, é possível que este ainda fosse um momento anterior, no qual as lideranças negras realizavam o questionamento da idéia de “democracia de cor”, como afirma Nascimento, no sentido de reivindicar, posteriormente, a participação na mesma, constituindo o pacto do qual se refere Guimarães (2002). Vejamos as palavras de Nascimento na continuação do artigo: O que aspiram os negros brasileiros? Nada mais além dos direitos que gozam os demais cidadãos do país. Muitos do que inicialmente se surpreenderam ao conhecerem a situação real que a gente negra desfruta em nossa sociedade, talvez na boa intenção de evitar o agravamento do problema, procuraram negá-lo, argumentando artificiosamente que em nossa Pátria não existe uma questão de raças (Nascimento, 09/03/1946).
A questão de raças havia surgido logo após a Abolição, pois “o que se viu, após o 13 de Maio de 1888, foi todo um povo atirado à miséria, sem nenhum recurso para que pudesse se manter e desenvolver suas possibilidades intelectuais e morais” (Nascimento, 09/03/1946). De certo modo, Nascimento avisa que há um contingente da população negra, uma classe média emergente, que bate à porta da “senhora democracia” e que “exigem a liberdade efetiva de se instruírem, viver decentemente, sem os fascismos que lhes fecharam o ingresso na diplomacia, no oficialato das forças armadas, nos cassinos; livres dessa indisfarçável atmosfera reacionária que os procura comprimir economicamente e psicologicamente, como se ele[s] não tivessem participado em todas as lutas pelo direito e pela liberdade” (Nascimento, 09/03/1946). Para que isso fosse realizado, o “negro contemporâneo brasileiro” se unira aos “verdadeiros democratas” (intelectuais, artistas, cientistas e jornalistas negros e brancos) com o intuito de destruir as barreiras que teimavam em mantê-los à margem da sociedade. O texto finda com um aviso: “As entidades afro-brasileiras guardam um sentido nitidamente democrático e antiisolacionista querendo acima de tudo unir”, de modo que, “o facho que ergueram para aclarar a semi-tréva em que acham mergulhados os negros, há de ficar na História Pátria como o grande sol democrático da Segunda Abolição” (Nascimento, 09/03/1946).
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3.4 – A elevação do povo negro: cultura e educação O eixo relacionado à valorização cultural da população negra teria início com a publicação de um artigo em 20 de janeiro de 1946. O título do texto era “Anjos branquinhos e demônios brancos”, o entrevistado, Ironides Rodrigues, era apresentado como aluno da Faculdade Nacional de Direito e um jovem intelectual talentoso, que estava escrevendo uma biografia do poeta Cruz e Sousa. Rodrigues faz um mapeamento dos, na sua opinião, maiores escritores e poetas negros do século XIX, até aquele momento. O artigo deixa a impressão de ter o intuito de evidenciar aos olhos dos afro-brasileiros as contribuições de escritores negros à literatura brasileira, ou seja, mostrar para os afro-brasileiros que existiam poetas e escritores talentosos da sua raça. Na parte relativa aos “novos”, Ironides Rodrigues não deixa de referenciar o seu grupo intelectual, citando Fernando Góis, Aguinaldo Camargo, Raimundo Souza Dantas, Lino Guedes, Abdias do Nascimento, Solano Trindade e Vicente Lima. E o epílogo é eloqüente: “Existem outros nomes, porém os citados compreendem que não há mais lugar para os ‘inocentes do Leblon’” (Diário Trabalhista, 20/01/1946). O entrevistado do dia 23 de janeiro era Sebastião Rodrigues Alves, amigo pessoal de Nascimento e presidente da Cruzada Afro-Brasileira de Alfabetização. Ele inicia sua fala estabelecendo uma comparação entre negros brasileiros e americanos: “Bem sei que nenhum brasileiro quer copiar a situação lastimável que nossos irmãos de côr desfrutam nos Estados Unidos, porque o que há de verdadeiro aqui é a falta de educação social, educação que se ensina que a harmonia só existe quando há respeito humano entre os cidadãos” (Diário Trabalhista, 23/01/1946). O problema maior, tanto de negros como o de brancos, seria a educação racial, era necessário “educar o branco para receber o negro em seu convívio social, livre do medíocre preconceito, educar o negro para participar em todos os setores da vida, sem o prejuízo do complexo de inferioridade que é uma herança da senzala e do preconceito” (Diário Trabalhista, 23/01/1946). Dias depois, a coluna anuncia o aparecimento da revista Senzala, lançada em São Paulo sob a direção do professor Geraldo Campos de Oliveira, secretário
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do Diretório Paulista da Convenção do Negro Brasileiro. O artigo exalta a iniciativa de Campos e argumenta em favor da disseminação, dentro do movimento afrobrasileiro, “de órgãos de imprensa em que possa debater seus problemas, livre de quaisquer injunções” (Diário Trabalhista, 23/02/1946). Segue-se um trecho do editorial da revista, que critica a falta de união entre os negros, no passado e no presente, como a principal causa do desprestígio social deste contingente da população. Por fim, são citados os colaboradores do primeiro número da revista, a saber: Aguinaldo Camargo, professor Luiz Lobato, Roger Bastide, José Mariano, Lino Guedes, Armando de Castro, Artur Ramos e Abdias do Nascimento. No dia 02 de março, o entrevistado é Gentil Punget, folclorista que havia aceitado o convite de Abdias do Nascimento para dirigir o coral do teatro negro. A conversa do estudioso com o repórter gira em torno das manifestações folclóricas e religiosas do povo brasileiro, em especial o segmento afro-brasileiro. O entrevistado traça sua trajetória profissional, política e acadêmica, que contava com participações em movimentos pela liberdade religiosa no Pará, sua terra natal, além da pesquisa de músicas relacionadas às religiões de matriz africana. Desses acontecimentos teriam surgido suas relações mais íntimas com o contingente negro da população brasileira. O que soa um pouco cômico na entrevista é o fato do folclorista ser chamado de “patrício” no início do artigo: “O defensor dos terreiros do Pará, Gentil Punget, aceitou o convite para dirigir o canto coral do teatro negro – declarações feitas ao ‘Diário Trabalhista’ pelo ilustre folclorista patrício”. Contudo, no decorrer da entrevista Punget se refere aos afrobrasileiros como “eles”, ou seja, não se identificando como tal: “Sinto-me perfeitamente à vontade entre os negros, pois até um dos acontecimentos mais importantes de minha vida teve relação direta com eles...” (Diário Trabalhista, 02/03/1946). No dia seguinte, a coluna exibe uma foto de alguns membros da Convenção Nacional do Negro, reunidos com o diretor do periódico, Eurico de Oliveira. O texto afirmava que a entidade inauguraria um curso de alfabetização para adultos, que seria ministrado por Aguinaldo de Camargo, José Pompilio da Hora, Ironides Rodrigues e outros. O curso teria a duração de dois anos, e seria
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voltado para associados e trabalhadores em geral. O artigo criticava a tendência vigente naquele momento de comercializar a educação e tratá-la como uma mercadoria. O redator afirma que “quando, enfim, educadores e negociantes se confundem – é de merecer o maior aplauso e o mais amplo da nossa solidariedade e do nosso apoio – iniciativas como esta, cifradas no bem da nossa coletividade” (Diário Trabalhista, 10/03/1946). O responsável pela matéria terminaa sugerindo “que o curso ora inaugurado tivesse por patrono a figura majestosa de Antonio de Castro Alves – o Cantor das Américas e Poeta dos Cativos – porque outra não é a missão dos seus fundadores que a de ‘mandar o povo pensar’ como ensinara o vote baiano na sua luminosa estrofe: ‘Oh Bendito que semeia/Livros, livros a mão cheia/E manda o povo pensar/O livro caindo nalma/É germe que faz a palma/É chuva que faz o mar’” (Diário Trabalhista, 10/03/2004). No dia 26 de abril, aparece um chamado para os trabalhos preparatórios do “Congresso dos Homens de Cor”, que seria aberto com uma fala do professor Thales de Azevedo. O congresso seria organizado pela Convenção Nacional do Negro Brasileiro e se realizaria durante o mês de maio, juntamente com as atividades comemorativas da abolição da escravatura. No decorrer do chamado, nota-se duas preocupações: o de conclamar também os não-negros à atividade e destacar o caráter apartidário da Convenção e do evento por ela organizado. No artigo “O negro e a existência de uma cultura na África”, o entrevistado, mais uma vez, é Ironides Rodrigues. Dessa vez apresentado como estudante e secretário geral da Convenção Nacional do Negro Brasileiro, ele busca em sua fala ressaltar a existência de uma civilização na África antes do contato com os europeus. É preciso não esquecer que houve uma civilização negra no continente africano. Pode-se dizer que antes do século XVIII, antes do advento das grandes explorações na África, conhecidas eram civilizações históricas do Mediterrâneo – Egito, Cartago... – e depois os grupos arabizados do norte – Algésia, Tunísia... – e uma pequena parte do litoral. Depois um mistério envolveu tudo, aguçando a curiosidade dos sábios. Duas coisas fizeram com que a conquista do branco ali se cercasse de êxito, a primeira foi a introdução nefasta do tráfico de escravos e o segundo o retalhamento da África entre as potências européias... (Diário Trabalhista, 16/03/1946).
Depois dessas afirmações, Rodrigues busca polemizar com Silvio Romero:
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Pelo que acabei de expor se verifica a falta de base das afirmações de Silvio Romero, quando afirma que “não há exemplo de uma civilização negra. A única civilização africana, a do Egito, era branca”, e mais adiante ainda hoje, nos baixos relevos e antigas gravuras egipcianas, se nos deparam ao lado de belos tipos brancos, os seus escravos negros com a mesma fisionomia dos atuais pretos de Darfur.
Para finalizar, Rodrigues anunciava que “[era] preciso que os líderes [conduzissem] o negro do Brasil pelo caminho certo de sua valorização, não permitindo que os exploradores o lancem à política partidária que somente interessa aos brancos gananciosos do poder” (Diário Trabalhista, 16/03/1946). No dia 03 de maio, é publicada mais uma chamada para as atividades em comemoração ao 13 de Maio. Nesse texto em especial, intitulado “As comemorações do 13 de Maio”, há uma preocupação em se contar a história, sucintamente, do manifesto abolicionista e do 13 de Maio. Vale dizer que as introduções dos artigos da coluna constantemente ressaltavam esse caráter pedagógico ao tentar registrar fragmentos da história afro-brasileira. Em 05 de maio, continuariam as coberturas da coluna frente às atividades da Convenção para a comemoração do 13 de Maio. As introduções dos artigos também mantêm o tom e teor pedagógico, situando a data na historiografia nacional, ao mesmo tempo em que ressaltavam a legitimidade das novas lideranças negras. Na foto do artigo intitulado “A abolição da escravatura foi uma legitima vitória dos próprios negros”, vê-se Abdias do Nascimento tomando nota da fala de Ironides Rodrigues, orador da noite. O palestrante fixaria a sua fala na existência do “preconceito de cor” na literatura brasileira, onde o negro só seria retratado como “tipo inferior, mexeriqueiro, fazendo papéis de triste figura”. Somente depois das pesquisas de Nina Rodrigues é que se estabeleceria uma nova atitude com os afro-brasileiros, na sua opinião. Em seguida, Rodrigues falaria da experiência dos negros americanos nas letras, citando autores como Richard Wright, Langston Hughes, Booker T. Washington além do escritor negro francês René Maran e da cantora soprano americana Marion Anderson. A palestra terminaria, de acordo com o redator, com o intelectual estabelecendo um paralelo entre a influência do índio e do negro na civilização brasileira, além de conclamar todos os presentes “sem distinção de tendências político-raciais [para] se unirem
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em torno de reivindicações básicas para o alevantamento do povo negro e mestiço, sem vaidades e personalismos estéreis” (Diário Trabalhista, 05/05/1946). No artigo “A marcha para a Segunda Abolição”, publicado em 08 de maio, a coluna trata de informar que uma comitiva de negros do TEN havia visitado a sede do jornal. Composta por Antonio Barbosa, Camilo Viana, Ruth de Souza, Dr. Aguinaldo Camargo, Roberto, Lucila e Natalino Dionísio, a mesma tinha o intuito de parabenizar o diretor daquele órgão de imprensa, Eurico de Oliveira, por suas iniciativas frente à população afro-brasileira, dentre elas a de manter uma coluna com assuntos de interesse deste contingente da população. A comitiva também tinha o objetivo de convidar o diretor (que estava ausente naquele dia) a tomar parte, como convidado de honra, das comemorações do 13 de Maio organizadas pela entidade. A carta entregue pelo grupo fora transcrita no corpo da matéria. Na correspondência,
os
componentes
do
teatro
faziam
referência
ao
comprometimento do jornal “pelo restabelecimento da justiça social e pelo reconhecimento dos direitos dos trabalhadores”. Afirmavam também que a existência da coluna “Problemas e aspirações do negro brasileiro” havia contribuído para o esclarecimento da população em geral sobre “a existência de sérios preconceitos raciais e de cor em nosso país”. Isso havia sido feito pela denúncia de “sociólogos” como Gilberto Freyre e Arthur Ramos, depoimentos como o do poeta Rossine Camargo Guarnieri sobre a situação dos negros em São Paulo, além do discurso do senador Hamilton Nogueira na Assembléia Constituinte. A carta findava afirmando “que o 13 de maio foi fruto do esforço de pretos e brancos em favor do respeito humano devido a seres humanos”. Era “com justo orgulho” que o nome de Eurico de Oliveira seria inscrito como um dos lutadores de vanguarda nesse movimento anti-racista da atual geração afrobrasileira por uma Segunda Abolição (Diário Trabalhista, 08/05/1946). No dia 09 de maio, a coluna publica um artigo com o título “A história do negro ainda está para ser contada”. A frase fora retirada do depoimento de Afonso Schmidt, autor do livro “A marcha”, que conta à história da fuga de escravos das fazendas de café paulistas rumo ao quilombo do Jabaquara, localizado em
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Santos. O romancista afirmava que “a história do negro ainda está por ser contada; e assim ficará por muito tempo, enquanto o negro for instruído pelo branco com preconceitos, sua mentalidade livresca, a mil léguas deste Brasil, única no mundo e no coração da gente” (Diário Trabalhista, 09/05/1946). Em seguida, o texto passa a explorar o caso de figuras negras retratadas no livro, como Preto Pio e Luzia, citando Júlio Ribeiro, de que “a Abolição em São Paulo foi Antonio Bento”. O texto segue apresentando o programa de comemorações do 13 de Maio, organizado pela Convenção, e que tinha como presidente Abdias do Nascimento. Haveria atividades como falas de professores, apresentação de trabalhos, romaria ao túmulo de José do Patrocínio, conferência sobre arte negra, apresentação do Quarteto Vocal do TEN e apresentação dos melhoramentos realizados numa escola pública que levava o nome de José do Patrocínio. No dia 11 de maio, a coluna voltava a anunciar as atividades que ocorreriam entre aquele dia e o 13 de maio, em comemoração ao aniversário da abolição da escravatura. No artigo intitulado “As brilhantes comemorações da data da Abolição”, chama a atenção à ênfase dada à presença do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, “uma das maiores figuras da sociologia de toda a América, e consagrado autor do livro ‘Casa Grande e Senzala’, o maior estudo sobre o negro brasileiro e sua influência em nossa sociedade” (Diário Trabalhista, 11/05/1946). No dia 28 de junho. é publicada uma entrevista com o professor Geraldo de Campos, editor da revista Senzala, componente do Diretório Estadual de São Paulo da Convenção do Negro Brasileiro e um dos organizadores do Teatro Experimental do Negro Brasileiro na capital paulista. A matéria “Departamento de Cultura em São Paulo não auxilia a educação do povo”, informa que, por intermédio da Convenção, teria início uma campanha de arregimentação de intelectuais negros na capital paulista. Ela se iniciaria com uma série de conferências ministradas naquela cidade por personalidades como o senador Hamilton Nogueira, os professores Arthur Ramos e Gilberto Freyre e os deputados Manoel Benício Fontenele e Claudino José da Silva. Clama-se também pela necessidade de uma imprensa negra, afirmando que “uma das necessidades da
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coletividade negra no Brasil é a manutenção de uma imprensa. Imprensa própria que divulgue os seus trabalhos, sobre os seus problemas específicos, e de como essa coletividade participa da vida nacional” (Diário Trabalhista, 28/06/1946). Exemplos de periódicos voltados para a comunidade afro-brasileira seriam o jornal Alvorada, informativo da Associação dos Negros Brasileiros, e a revista Senzala, além do mais recente de todos, O Novo Horizonte, todos de São Paulo. A entrevista finda com o professor expondo as dificuldades enfrentadas pelo teatro negro da “Terra da Garoa” nas suas relações com o poder público local. Vez por outra, a coluna deixava o tom pedagógico ou de denúncia para voltar-se para uma faceta mais cultural. É o que acontece no dia 29 de junho, quando a matéria explora a experiência da Orquestra Afro-Brasileira, organizada e dirigida pelo maestro Abgail Moura. O texto procura contar um pouco da trajetória da orquestra e depois passa para uma entrevista com o maestro. Antes disso, porém, há uma citação bastante sugestiva do sociólogo francês, radicado no Brasil a esta época, Roger Bastide, a partir de um artigo seu, publicado na revista Senzala. O texto do intelectual serve para contextualizar o trabalho da orquestra, mas parece também dar o mote de uma proposta que viria a ser seguida por Abdias do Nascimento futuramente, a saber, a valorização de traços de origem africana na cultura brasileira. Na parte selecionada pelo redator da matéria, possivelmente Nascimento (já que no mesmo número de Senzala que saíra o texto de Bastide havia um seu, sobre Zumbi), o sociólogo francês afirma: O afro-brasileiro herdou de seus ancestrais uma cultura original e saborosa. Herdou qualidades de ritmos, o gosto musical e plástico. Tal herança deve ser abandonada? Não, e isso se baseia num patriotismo bem compreendido. Isso, com efeito, tornou-se uma parte importante do patrimônio nacional e tanto no domínio erudito com grandes escritores, pensadores e artistas folclóricos. Ao defender, pois, a herança africana não se faz somente obra de fidelidade, trabalha-se para solidificar o caráter tão saboroso e a originalidade da cultura brasileira (Diário Trabalhista, 29/06/1946).
Na entrevista, Moura busca explicar as origens étnicas da música executada por sua orquestra, a partir dos ritmos, instrumentos e cosmologia de alguns deuses africanos. Por fim, o maestro ressalta as dificuldades enfrentadas pelo conjunto musical para se apresentar nas rádios e outros eventos, destacando o fato da música deles ser freqüentemente confundida com macumba.
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Quinze dias depois, é publicada uma entrevista com Altino Pimenta, pianista negro. A conversa tem início questionando o papel da elite negra, que compunha o movimento negro da época. Devia ela dedicar-se a realizações culturais ou se voltar para atividades assistências à população negra carente? Pimenta afirmava que ambas as coisas estavam sendo feitas: “O movimento negro que ora se verifica, e que é a realização da elite intelectual da massa negra, ao mesmo tempo em que cuida das realizações de caráter puramente cultural, trata também, e com grande carinho, do melhoramento do nível geral da massa” (Diário Trabalhista, 14/07/1946). Segue-se, então, uma discussão a respeito da evolução do movimento negro, de modo que, o atual seria fruto da conjuntura do pós-guerra e para o êxito do mesmo seria essencial, na sua opinião, “o apoio do branco”. Principalmente do “branco” governo e do “branco” intelectual (Diário Trabalhista, 14/07/1946). O pianista também citava a necessidade de uma “alfabetização” do branco, de modo a fazê-lo compreender que não era superior ao negro. A entrevista finda com as impressões do pianista sobre o maestro Abgail Moura e sua Orquestra Afro-Brasileira. Na opinião dele, “Abgail Moura é desses homens que necessitam a olhos vistos de dinheiro para poder desenrolar o maravilhoso novelo de seu grande talento” (Diário Trabalhista, 14/07/1946). No dia 07 de junho, a coluna volta ao seu aspecto mais cultural, informando a respeito do TEN, como diz o título: “As atividades do teatro negro”. Destaca-se, dentre as várias informações veiculadas, uma preocupação recorrente nos artigos e entrevistas da coluna em evitar que as atividades sejam tomadas como algo “isolacionista”. Afirmava o articulista que “nunca [era] demais repetir, que este Teatro Negro não é nenhum reduto isolacionista, fazendo teatro de negros em oposição ao branco. É um grupo de pessoas idealistas e realizadoras que procura dar oportunidades as pessoas de cor fazerem papéis sérios no teatro doméstico, coisa que lhes estava vedado antes (Diário Trabalhista, 27/07/1946). No dia seguinte, a coluna entrevista Honório Jerônimo de Santana, apresentado como chofer e compositor. O entrevistado morava no Rio de Janeiro, mas era baiano de nascimento, o que fez com que a conversa focasse a situação artística soteropolitana. Após citar uma série de personalidades ligadas a música
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baiana da época, Santana afirma que existia “discriminação racial” na terra de Castro Alves, algo fruto da ação de “brancos reacionários”. “No entanto, a Bahia, [caminharia] para melhores dias e em breve há de estar em igualdade de condições aos demais Estados, inclusive no setor do aniquilamento desses preconceitos de cor” (Diário Trabalhista, 28/07/1946). Dois dias depois, 02 de agosto, a coluna publica a matéria “Um livro sobre o negro na arte do Brasil”, no qual é entrevistado o escritor chileno Hermez Munhoz Garrido, que estaria preparando um livro sobre a imagem do negro na pintura internacional e nacional. O entrevistado busca traçar um panorama histórico da forma como o negro foi retratado pelas artes plásticas no decorrer da história, além de explicar qual era o objetivo e a temática que seria abordada naquela obra, que levava o título provisório de O negro na plástica brasileira. A obra seria dividida em três capítulos. O primeiro apresentaria “a arte popular primitiva da cultura africana da costa ocidental”. O segundo levaria o leitor “através das múltiplas representações do negro desde Franz Post, que lhes fixou em suas paisagens do Norte, até que estoura o movimento modernista”. Por fim, o terceiro fixar-se-ia sobre “o negro na Arte Moderna e Atual, fixando os mais representativos valores pictóricos da atualidade no Brasil” (Diário Trabalhista, 03/08/1946). Ao final da entrevista, o escritor chileno declarava que se tratava “de uma obra documental, sem tendência plástica vigorosa e destinada a demonstrar como o negro foi visto pelos artistas mais reputados, já nas favelas com suas músicas e instrumentos típicos, nas ruas da Bahia, nos engenhos ou nas construções de arranha-céus de Copacabana” (Diário Trabalhista, 03/08/1946). No dia 15 de agosto, a coluna publica a matéria “O Teatro Experimental do Negro e a cultura do povo”, na qual anunciava a visita do poeta Solano Trindade, presidente do Centro de Cultura Afro-Brasileira, junto com outros membros desta associação, com o intuito de protestar contra a interrupção de uma temporada do TEN no Teatro Fênix. O teatro negro havia sido proibido de continuar sua temporada naquele teatro pelo responsável pela casa, Vital de Castro. Solano Trindade ressaltava a necessidade de um teatro social, realizado por proletários e negros, atores que haviam contribuído significativamente para a formação da
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cultura nacional. Acusava o Estado de não patrocinar atividades relacionadas a “cultura negra” num país que se dizia democrático, pois, até num país que a democracia era parcial, como os Estados Unidos, isso ocorreria. O poeta criticava a imagem exótica a que muitas vezes o negro era renegado. Nas suas palavras: “O negro tem sido estudado, como elemento antropológico, etnológico e pitoresco. A macumba, tão condenada pelos burgueses, é para os estudiosos e “estudiosos” a primeira coisa procurada (e também pelos turistas de casa e além mar). Porém, temos que aproveitar mais do que a macumba, não sou contra ela, considero-a uma das provas de que a cultura negra não é inferior as demais culturas” (Diário Trabalhista, 25/08/1946). Trindade elenca, então, uma lista de atividades e incentivos que deveriam ser fornecidos a outras formas e modalidades de cultura negra, entidades promotoras da mesma, como as apresentações da Orquestra Afro-Brasileira, as peças do Teatro Experimental do Negro e as atividades organizadas pelo Centro de Cultura Afro-Brasileiro. Trindade terminava afirmando que “esse trabalho, essa ajuda não devia ser exclusivo do negro, mas de todos os homens de bem, brancos ou pretos, amarelos ou judeus, porque os negros do Brasil, em raríssimas exceções quer, cada vez mais que desapareçam os últimos sinais do preconceito de cor” (Diário Trabalhista, 25/08/1946). Conclusão São vários os elementos apreendidos a partir da leitura dos textos, contudo, alguns se sobrepõem. Um número significante dos artigos tem início com uma exposição que ocupa, no mínimo, metade do texto. Essa parte do texto busca retratar a situação do negro sobre a ótica dos redatores, chamar a atenção dos políticos e argumentar que o problema do negro dependia do empenho de negros e brancos para ser resolvido. Os redatores, dentre eles Nascimento, acreditavam na existência do preconceito, mas ao mesmo tempo estavam em busca de mais subsídios para convencer seu público leitor. Assim sendo, a discussão central de boa parte dos artigos e entrevistas da coluna gira em torno da existência ou não de um “problema do negro” no Brasil. A quase totalidade dos entrevistados concorda que haveria manifestações de
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preconceito contra os negros, não havia, contudo, um consenso sobre o tipo e a causa do preconceito. Fala-se em preconceito subterrâneo, aberto, racial, social, de cor e de classe. Atrelados a esses termos, muitas vezes, encontram-se outros como “discriminação de cor” e “complexo de inferioridade”. Ajustando um pouco mais a lente, percebe-se uma tendência de qualificar o preconceito existente no Brasil como “de cor”, que tinha origens econômicas e se confundiria com o preconceito de classe, que atingiria toda a população independente da pigmentação de pele. Mesmo assim, não são desprezíveis as interpretações que vêem o preconceito de cor como simples produto da questão de classes, algo que seria resolvido pela via revolucionária, na qual o negro devia se aliar ao operariado. São Paulo é retratada como local onde a ação do preconceito seria mais efetiva, muitas vezes se dando de forma aberta. O caso usado para exemplificar essa situação era a polêmica ocorrida na Rua Direita, localidade do perímetro central
da
capital
paulista,
entre
os
comerciantes
proprietários
de
estabelecimentos nesta rua e os negros paulistanos que ali realizavam o seu footing. A tentativa de restrição do passeio dos negros pelos comerciantes fora encarada como uma demonstração de preconceito aberto contra a população negra, algo só parecido com a segregação dos negros nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, a capital paulista era vista como a cidade onde o movimento teria mais se desenvolvido por conta desta situação adversa. As soluções apresentadas para a extirpação do “preconceito de cor” contra os negros eram os mais diversos, porém a via por excelência era o acesso à educação pela população negra, algo que possibilitaria chegar ao tão almejado processo de ascensão social. Haveria também a necessidade dos brancos passarem por um processo de reeducação, no sentido de se livrarem de uma falsa idéia de superioridade racial, incutida no decorrer dos anos. Ao mesmo tempo, a valorização cultural da população, promovida pelo ativismo negro, aliado ao acesso à educação formal, traria como resultado uma libertação do complexo de inferioridade racial introjetada pelos “homens de cor”.
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Caberia ao Estado assegurar o acesso da população negra à educação formal, à cultura e às instituições públicas (Itamaraty e Forças Armadas) e privadas (comércio) que restringiam a convocação e empregabilidade dos negros. Exigia-se também o estabelecimento de leis que punissem e coibissem os praticantes de discriminações contra a população negra. Essa cobrança em relação ao Estado se nutria de uma valorização da democracia, fruto do clima de redemocratização do país, pós Estado Novo e do epílogo da Segunda Guerra Mundial, na qual países representantes de regimes totalitários nazi-fascistas (Alemanha, Itália e Japão) haviam sido derrotados por nações que empunhavam a bandeira de regimes democráticos (EUA, França e Inglaterra). Nesse último grupo, exceção deve ser feita à Rússia, naquele momento, ainda URSS. O verdadeiro espírito democrático traria a igualdade entre negros e brancos, tão acalentada na idéia de Segunda Abolição veiculada pelos componentes da Convenção Nacional do Negro, a maior parte dos entrevistados. Percebe-se que o objetivo da coluna era de sensibilizar o público leitor, negro ou branco, para a existência de “preconceito”, fosse ele de raça ou de cor, no Brasil, ao mesmo tempo em que se buscava a legitimação de novas lideranças negras, vinculadas às várias organizações afro-brasileiras atuantes naquele momento no Rio de Janeiro. Essas lideranças geralmente são apresentadas como pessoas de destaque na sua área de atuação, seja profissional, artística ou acadêmica, e estariam corroborando para uma reelaboração da imagem do negro na sociedade democrática, que começava a se constituir naquele momento. Podese especular aqui que o regime pós Estado Novo que se instaurava no país nesse momento era acompanhado também por um renovação dos movimentos sociais, dentre eles o ativismo negro dos idealizadores da Convenção, os quais só achariam solução para o seu problema dentro deste novo clima político. O momento de redemocratização do país proporcionava a entrada de novos atores, reivindicando seu filão de participação na cena política que se delineava naquele momento. Ao mesmo tempo, este contingente da população era visto como nada desprezível pelos partidos políticos que entravam no pleito eleitoral de 1947. 148
Exemplo disso é que na matéria do dia 28 de novembro, a coluna trata de publicar uma convocação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) para a organização do seu Diretório Negro. Como de praxe, o artigo tem início com uma digressão pedagógica a respeito das causas históricas que levaram a população afrobrasileira à base da pirâmide social, exposta as mais diversas vissitudes. Por outro lado, ressalta-se que medidas deveriam ser tomadas com o intuito de evitar que a situação no Brasil chegasse no mesmo ponto em que se encontrava nos Estados Unidos. Por fim, o artigo afirmava que o Diretório Negro era uma oportunidade para que os próprios interessados debatessem suas questões, até mesmo, no seio da Câmara Municipal, consignando em sua chapa um lugar para o representante dessa minoria étnica (Diário Trabalhista, 28/11/1946). Fica evidente aqui a intenção do partido de lançar uma candidatura ao cargo de vereador e que o postulante tivesse um vínculo estreito ou uma posição de liderança na comunidade negra do Rio de Janeiro daquela época. A resposta de Nascimento a Guerreiro Ramos, quando este foi entrevistado pela coluna em 24 de março daquele ano, deixa evidente suas intenções através da coluna: justificar e legitimar a atuação das associações afro-brasileiras na luta contra o preconceito de cor ou racial, além da busca de melhorias socioeconômicas para os negros. Por outro lado, a experiência e os vínculos estabelecidos por Nascimento como repórter, redator da coluna, além de sua atuação como presidente da Convenção Nacional do Negro Brasileiro, abririam caminho para o estabelecimento, dois anos mais tarde, do jornal Quilombo, periódico do teatro negro, no qual a proposta da coluna é ampliada. O periódico é o tema do próximo capítulo.
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Capítulo 04:O Quilombo impresso (1948-1950) Nós saímos – vigorosa e altivamente – ao encontro de todos aqueles que acreditam, – com ingenuidade ou malícia – que, pretendemos criar um problema de raça no país. A discriminação de cor e de raça no Brasil é uma questão de fato (Senador Hamilton Nogueira). Porém a luta de Quilombo não é especificamente contra os que negam os nossos direitos, senão em especial para fazer lembrar ou conhecer ao próprio negro os seus direitos à vida e à cultura (Nascimento, 2003 [1948]:19).
4.1
–
Situando
“geográfica”
e
“espacialmente”
o
Quilombo62 Em 09 de dezembro de 1948, quatro anos e meio após a fundação do TEN, é publicado o primeiro número de Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro, uma espécie de periódico informativo do grupo teatral. Nesse momento, a proposta e experiência que Nascimento havia adquirido através de sua coluna no jornal Diário Trabalhista seriam utilizadas e ampliadas. Bastide em seu estudo sobre os jornais de negros caracterizou-os como “órgão[s] de reivindicação, solidariedade e de educação; de reivindicação, contra tudo o que seja em detrimento da elevação do brasileiro de cor; de solidariedade, porque somente a união [poderia] quebrar o preconceito de cor; de educação, porque o preto só [subiria] com mais instrução e mais moralidade, e com mais confiança no seu próprio valor” (Bastide, 1983:156).63 Ainda de acordo com o sociólogo, essas
62
Capa da reedição de Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro. São Paulo: Editora 34, 2003. 63 Os dois textos clássicos que estabelecem uma periodização da Imprensa Negra são o de Bastide (1983) e o de Ferrara (1981). O primeiro oferece a primeira periodização dos jornais do protesto negro, a saber: 1) 1915-1930; 2) 1930-1937 e 3) 1945 em diante (Bastide, 1983:133). O hiato que intercala o segundo e o terceiro período (1937-1945) corresponde à vigência do Estado Novo, que levou ao fechamento das entidades políticas de qualquer tipo e também impediu a circulação de jornais de cunho político. Essa periodização de Bastide foi realizada em 1953, data da primeira publicação de seu texto, e sofreu uma reformulação por parte de Ferrara (1981), a partir de informações fornecidas pelo militante negro José Correria Leite. A periodização de Ferrara é a seguinte: 1)1915-1924; 2) 1924-1937 e 3) 1945-1963. No geral, o primeiro momento corresponde a um momento de pouca ou nenhuma politização dos jornais algo que muda no segundo período, pois os periódicos tornam-se veículos de denúncia de situações de discriminação, reinvidicação e conscientização política. A última fase é caracterizada por uma maior influência de movimentos políticos e estéticos diaspóricos como a negritude francesa.
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eram idéias de negros da classe média que buscavam ao mesmo tempo em que divulgar esses ideais através dos jornais confirmar a sua posição de classe (Bastide, 1983:129). É dentro desta lógica que analisaremos a experiência de Quilombo. O texto que serve de epígrafe deste capítulo foi retirado do primeiro editorial do jornal. Intitulado “Nós”, nele há a crítica, dentre outras coisas, daqueles que afirmavam que o grupo vinculado ao TEN buscava criar um “problema de raça no país”. A despeito da existência da “discriminação de cor e de raça” a mensagem de Quilombo estava voltada aos próprios negros, no sentido de lembrá-los dos “seus direitos à vida e à cultura”. Apesar desta proposta, veremos que a discussão e a denúncia da existência do “preconceito de raça e de cor” tomou a maior parte das notícias veiculadas no periódico. No primeiro número do jornal, o nome de Abdias do Nascimento aparece como “diretor responsável”. Já a partir do segundo número, ao lado de Nascimento, aparecerão os nomes de João Conceição e Maria de Lourdes Vale Nascimento, respectivamente, diretor gerente e diretora secretária. O programa do periódico é digno de nota: Trabalhar pela valorização do negro brasileiro em todos os setores: social, cultural, educacional, político, econômico e artístico. Para atingir esses objetivos Quilombo propõe-se: 1Colaborar na formação da consciência de que não existem raças superiores nem servidão natural, conforme nos ensina a teologia, a filosofia e a ciência; 2Esclarecer ao negro de que a escravidão significa um fenômeno histórico completamente superado, não devendo, por isso, constituir motivo para ódios ou ressentimentos e nem para inibições motivadas pela cor da epiderme que lhe recorda sempre o passado ignominioso; 3Lutar para que, enquanto não for tornado gratuito o ensino em todos os graus, sejam admitidos estudantes negros, como pensionistas do Estado, em todos os estabelecimentos particulares e oficiais de ensino secundário e superior do país, inclusive nos estabelecimentos militares; 4Combater os preconceitos de cor e raça e as discriminações que por esses motivos se praticam, atentando contra a civilização cristã, as leis e a nossa constituição; 5Pleitear para que seja previsto e definido o crime de discriminação racial e de cor em nossos códigos, tal como se fez em alguns estados de Norte-América e na Constituição Cubana de 1940 (Quilombo, 2003 [1948]:21).
Se verificarmos com atenção, notaremos que o programa é uma reprodução das reivindicações eleitas na Convenção Nacional do Negro, em novembro de 1945, e dos pontos básicos a serem seguidos pela coluna “Problemas e aspirações do negro”, em janeiro de 1946. Se há dois anos atrás, no
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lançamento de sua coluna no Diário Trabalhista, Nascimento falava em “valorização social do negro brasileiro, esclarecendo-se e harmonizando-se as divergências espirituais e sociais de brancos e pretos”, a ladainha agora se estende um pouco mais e se propõe a “trabalhar pela valorização do negro brasileiro em todos os setores: social, cultural, educacional, político, econômico e artístico”. Nos itens 1 e 2, a mensagem parece mais voltada aos negros, não ocorrendo mais a necessidade de convencimento do público, branco ou negro, sobre a existência de preconceito de raça ou cor no país. Afirmava ele, no primeiro editorial do periódico, que “a discriminação de cor e de raça no Brasil é uma questão de fato” e o subsídio para confirmá-la vem dos discursos e posicionamento do Senador Hamilton Nogueira em relação a este problema. Já os itens 3, 4 e 5 são reproduções das reivindicações 2, 3 e 4 da Convenção. O que há de novo é a referência, no item 5, das experiências norteamericanas e cubanas na criminalização de práticas racistas. Assim como afirmam Muller (1988) e Carvalho (2005), referindo-se às reivindicações da Convenção, os objetivos colocados como missão do periódico também são de caráter reformista e não visam o enfrentamento do Estado, mas buscam a resolução do “problema do negro” através do concílio por meio de bases políticodemocráticas, jurídicas, culturais e educacionais. Em outras palavras, evitava-se o conflito. Os editoriais eram sempre escritos por Nascimento e buscavam chamar a atenção para aquilo que era visto como questões e acontecimentos latentes para a população negra no momento. As colunas que compunham o jornal tentavam dar conta da atuação dos negros, no Brasil e exterior, nas mais diversas facetas da sociedade, havendo as permanentes e as intermitentes. Gostaria de chamar a atenção para uma permanente intitulada “Democracia Racial”, cuja referência a esse termo nos fornece uma pequena demonstração da penetração desse conceito àquela época, tanto entre negros como brancos.64 Nela, eram publicados
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A idéia de “democracia racial” é um conceito-chave nos estudos de relações raciais ou estudos afro-brasileiros. A sua definição, entendimento e utilização variam de acordo com o autor, podendo fazer referência à idéia de não existência de problemas raciais no país, a igualdade de oportunidades entre negros e brancos ou um ethos que organiza as relações sociais entre os
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textos de intelectuais e políticos relacionados à questão racial e à situação da população negra no Brasil e no mundo.65 É preciso ter em mente que a valorização do ideal ou de experiência de “democracia racial” não se dava no vazio, ela era comprovada por índices e exemplos práticos de ascensão social da população negra.66 Minha intenção neste capítulo não é tentar esgotar o periódico com uma análise exaustiva dos seus 10 números. A proposta é de identificar e retirar algumas temáticas recorrentes nas várias edições do jornal para evidenciar os posicionamentos do movimento negro e dos intelectuais convidados a escrever frente às questões raciais daquela época. Encararemos o jornal muito mais como um fórum de discussão, onde vários atores sociais expressavam seu posicionamento sobre a problemática racial ou da vivência afro-brasileira do que um órgão informativo com uma proposta ideologicamente já montada. Sendo assim, reunirei as temáticas recorrentes no jornal e as trabalharei separadamente, tentando estabelecer uma relação entre as mesmas e sua importância na trajetória de Nascimento. Para isso, recortei a discussão em cinco blocos inter-relacionados: 1) Intelectualidade “do” e “no” Quilombo; 2) Preconceito, democracia racial e mestiçagem; 3) Personalidades afro-americanas e négritude a brasileira; 4) diversos grupos raciais e étnicos. Para uma discussão pormenorizada, ver Guimarães (2002:137168). 65
Das colunas intermitentes podemos citar “Livros”, “Tópicos”, “Cartas”, “Tribuna Estudantil”, “Escolas de Samba”, “Cinema”, “Música”, “Rádio”, “Negros da História”, “Fala a Mulher” (sempre escrita por Maria de Lourdes Nascimento), “Pelourinho”, “Cartaz”, “Sociais”, “Close Up” e “Notícias do Teatro Experimental do Negro”. 66
Jannuzzi (2000), no primeiro capítulo do seu trabalho, faz uma série de resenhas seguidas de um balanço crítico dos principais trabalhos sobre mobilidade social no Brasil. O autor afirma que os estudos demonstram que período que vai do começo da industrialização brasileira nos anos 30 até o final dos anos 70 é caracterizado por uma intensa mobilidade social ascendente que é experimentada por todas as classes da população. Nas palavras do autor, “por detrás da intensa mobilidade social dos últimos 50 anos estariam, como fatores estruturantes, a industrialização, a urbanização e a ampliação das ofertas educacionais porque passou a sociedade brasileira, em especial, a partir de 1940” (Jannuzzi, 2000:10). Contudo, o demógrafo mostra que a maior parte da mobilidade ascendente se deve a mudanças socioocupacionais nos “primeiros degraus da pirâmide social” e que isso não modificou um quadro de desigualdade social, já que, citando um estudo de Pastore (1979), “muitos ascenderam pouco e poucos ascenderam muito na pirâmide social” (Jannuzzi, 2000:10). Por outro lado, deve-se ter em mente que esse processo de mobilidade social ascendente, visto e vivenciado por parte da população afro-brasileira da época, fornecia subsídios para a crença na idéia de democracia racial, principalmente no que diz respeito as suas lideranças.
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Manifestações culturais e religiosas afro-brasileiras; 5) Política, negros e a campanha eleitoral de 1950 e, por fim, 6) O I Congresso do Negro Brasileiro. Vamos ao primeiro. 4.2 – A intelectualidade “do” e “no” Quilombo Uma das grandes novidades trazidas pelo periódico organizado por Nascimento, em relação aos jornais anteriores àquilo que se convencionou chamar de Imprensa Negra Brasileira (Bastide, 1983), diz respeito ao número e tipo de intelectuais convidados a contribuir para o jornal com textos.67 Porém, essa intelectualidade deve ser dividida entre aqueles que tinham uma participação mais ativa no movimento negro da época e aqueles que simplesmente expressavam suas opiniões a respeito de questões relacionadas à população negra sem, contudo, ter uma atuação política mais incisiva relacionada a esta temática. Nesta parte do capítulo, me aterei à análise da intelectualidade “do” Quilombo. Desse grupo, poderíamos citar os nomes de Abdias do Nascimento, Guerreiro Ramos, Ironides Rodrigues, Edson Carneiro, Solano Trindade, Maria do Nascimento e João Conceição. Desses, os mais atuantes eram os três primeiros.68 Nascimento tinha uma posição chave, já que era o editor chefe do jornal e responsável pela
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Das matérias assinadas do jornal (considerando artigos, entrevistas e traduções), constam cerca de 56 nomes, a saber: Renato de Almeida; Carlos Drummond de Andrade; Francisco de Assis Barbosa; J. Barbosa; Orestes Barbosa; Lima Barreto; Roger Bastide; Georges Bataille; Efrain Tomás Bó; Braga Filho; José Brasil; Ralph Bunche; Edson Carneiro; Mauro de Carvalho; Waldemar das Chagas; George Chalaby; João Conceição; Osvaldo Conceição; Haroldo Costa; Di Cavalcanti; Katherine Dunham; Paulo Eleutério Filho; Estanislau Fischlowitz; Heitor Nunes Braga; Gilberto Freyre; J.S. Guimarães; W. Hardin Hughes; Nelson Hungria; Brasilio Itiberê; Péricles Leal; Orígenes Lessa; Jael de Oliveira Lima; Guiomar Ferreira de Matos; Joviano Severino de Melo; Murilo Mendes; Edmar Morel; Abdias do Nascimento; Bráulio do Nascimento; Maria Nascimento; Hamilton Nogueira; Cleo Novarro; Nestor R. Ortiz Oderigo; Eurico de Oliveira; Henrique Pongetti; Rachel de Queiroz; Arthur Ramos; Guerreiro Ramos; Joaquim Ribeiro; Ironides Rodrigues; Nelson Rodrigues; Daniel Rops; Jean-Paul Sartre; George Schuyler; Paul Vanorden Shaw; Solano Trindade e D’Almeida Vitor (Quilombo, 2003:13-14). 68
Apesar de João Conceição e Maria Nascimento terem papéis importantes na estruturação do jornal e contribuído de maneira profícua com vários textos (o primeiro assinou 04 e a segunda 08 matérias), eles têm posições secundárias para os objetivos de meu texto. Conceição tinha um papel estratégico no periódico, já que era responsável por fazer traduções de matérias do inglês para o português e vice-versa, posteriormente tornando-se correspondente do The Pittsburhg Courier no Brasil por intermédio de George Schuyler (Quilombo, 2003 [1950]:60). Maria de Lourdes Nascimento era responsável pela coluna “Fala a Mulher”, espaço no jornal dirigido às patrícias de cor.
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elaboração dos editoriais e estruturação do jornal, decidindo o que deveria e o que não deveria ser publicado. Os editoriais e outras matérias assinadas por Nascimento somam 12. Contudo, ele foi responsável pela elaboração da maior parte das matérias não assinadas, que somam 127 (Quilombo, 2003:13-15). Na edição do jornal de número 04, apareceria a seção “Sociais”, que estréia dando destaque à família de Solano Trindade. As disposições das fotos (três) passam a idéia de uma família exemplar, que se complementa com o texto que afirmava que “todos [usavam] o sobrenome Solano Trindade, uma família feliz, ativista, superando os problemas cotidianos com a profunda confiança num mundo melhor de amanhã” (Quilombo, 2003 [1949]:48). Na coluna “Cartaz”, do sexto número, Edson Carneiro é apresentado como uma das grandes figuras intelectuais da época no estudo do negro. Discorre-se a respeito da sua trajetória acadêmico-profissional e sua família.69 Há duas fotos, uma delas com Carneiro de perfil e outra apresentando o intelectual junto de sua família (ele, a esposa e dois filhos pequenos). O texto tem início da seguinte maneira: O nome de Edson Carneiro está associado a uma fase dos estudos sobre em que o negro deixara de ser tema de ensaios literários impressionistas para tornar-se objetivo de pesquisa científica, principalmente de caráter etnográfico e antropológico. Assim, é que a obra de Edison Carneiro está na linha da de Nina Rodrigues e de Arthur Ramos. Com a morte deste último, Edison Carneiro é hoje, entre nós, o vulto mais destacado e autorizado do que se poderá chamar de Escola Baiana (Quilombo, 2003 [1950]:84).
Na coluna “Cartaz”, do nono número, o sociólogo Guerreiro Ramos é colocado em ênfase.70 Uma página inteira é dedicada ao intelectual, com uma grande foto de perfil e outras duas menores, da esposa e da família reunida (ele, a
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Nos 10 números do jornal, Edson Carneiro assinou 04 matérias, todas elas relacionadas a manifestações culturais e religiosas afro-brasileiras. São elas: “Como se desenrola uma festa de candomblé” (Carneiro, 2003 [1948]:22-23); “Liberdade de culto” (Carneiro, 2003 [1950]:65 e 60); “A pernada carioca” (Carneiro, 2003 [1950]:102) e “A teogonia negra” (excerto de Candomblés da Bahia) (Carneiro, 2003 [1950]:109). 70
Nos 10 números do jornal, Guerreiro Ramos assinou 06 matérias. São elas: “Contatos raciais no Brasil” (Quilombo, 2003 [1948]:26); “Uma experiência de grupoterapia” (Quilombo, 2003 [1949]:53); “Apresentação da grupoterapia” (Quilombo, 2003 [1950]:64); “Teoria e prática do psicodrama” (Quilombo, 2003 [1950]:76-77); “Teoria e prática do sociodrama” (Quilombo, 2003[1950]:91) e “Apresentação da negritude” (Quilombo, 2003 [1950]:117).
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esposa e a filha ainda bebê). Abdias do Nascimento traça o perfil e a trajetória de Guerreiro de maneira bastante literária. Afirmava o ativista que:
GUERREIRO Ramos é um tipo stendhaliano, uma natureza humana complexa em que os extremos se conciliam. Sua evolução cultural e espiritual tem sido uma espécie de contraponto. Espírito que ainda não se cansou de experiências, ainda inquieto e ávido com adolescente, tem muitas vezes infundido suspeita aos que conhecem superficialmente. Mas assim como no contraponto existe uma unidade temática, também na vida experimental de Guerreiro Ramos, tão rica de variações, existe uma coerência interna apreensível a quem observá-lo com simpatia. Ele é uma criatura de eleição e, por isto desconcertante para muitos. Visionário, parece um iniciado em não sei que elesuinos segredos, em não sei que inegável evangelho que lhe conferem a comprovada capacidade de exorcizar o pânico e desconcertar ameaças, de como reza um dos seus poemas inéditos (Imago), “caminhar no universo no dorso de números familiares”. Homem prático, é mestre de vida conciliador de antagonismos e interesses (Quilombo, 2003:96).
O que os textos dedicados a Ramos e Carneiro demonstram é uma tentativa de legitimação, perante a população negra, destes indivíduos como reconhecidamente importantes e influentes naquilo que poderíamos chamar de uma “intelligentsia negra” da época. Ao mesmo tempo, o estilo de vida e a trajetória desses indivíduos eram colocados como exemplos a serem seguidos pelos “patrícios de cor” no processo “de elevação do povo negro”, que tinha como base a obtenção de cultura e educação. Outro objetivo era evidenciar, através dessa coluna, status social e honorabilidade. De acordo com Bastide “o negro deseja também provar ao branco que tem sua honorabilidade, que tem sua vida mundana, que conhece as regras da polidez, em resumo, que não é um selvagem como querem muitos” (Bastide, 1983:130). Solano Trindade, ao que parece, foi a figura que menos se aproximou do grupo. Apesar de se encaixar no perfil esboçado dos anteriores (família constituída e feliz, pesquisador de questões relacionadas à população negra e atuante politicamente), havia algo que afastava Trindade do grupo e que pode ser captado em parte do texto dedicado a ele e sua família. Afirmava o redator que se poderia “discordar – como discordamos – de muitas idéias de Solano Trindade, porém é indiscutível ser ele uma das personalidades relevantes da atual geração negra que pouco a pouco vai impondo, em ambiente agradável, às vezes mesmo hostil, os valores culturais da gente negra” (Quilombo, 2003 [1949]:48). Essa discordância vinha do fato de Trindade ser comunista, filiado ao PCB e da maneira como
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encarava a questão racial, ou seja, subordinada a uma questão de classes. Em 1950, Trindade fundaria o Teatro Popular Brasileiro, num projeto conjunto com Edson Carneiro. Esta iniciativa tem sido entendida e recorrentemente analisada em contraposição ao TEN, devido ao seu aspecto popular. Por fim, a última figura a ser ressaltada nesse grupo é Ironides Rodrigues. Formado em direito, leitor voraz, aspirante a escritor e crítico literário, era responsável pela tradução dos textos em francês para português e, não só por esse motivo, parece ter sido um dos que mais se influenciou pelos textos relacionados a négritude e pelo que se passava na França na primeira metade do século. Dos quatro textos assinados por ele em Quilombo
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três apresentam
elementos que faziam referência ao movimento com sede em Paris. Além disso, Rodrigues foi responsável pela tradução de parte do texto Orfeu Negro, de Jean Paul Sartre,
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do francês para o português, além de outros textos retirados da
revista Présence Africaine e publicados no periódico do TEN. 73 4.3 – Preconceito, democracia racial e mestiçagem Em todas as edições de Quilombo houve uma ênfase muito grande na apresentação e discussão de situações de discriminação nas quais o preconceito “racial” ou de “cor” era vivenciado pela população afro-brasileira. Ao mesmo tempo, outros aspectos das relações raciais brasileiras eram comentados por personalidades tidas como especialistas em antropologia, sociologia ou detentores de certo conhecimento acadêmico, status ou poder econômico e político. Resumidamente, as discussões giravam em torno de três temáticas: preconceito (racial ou de cor); democracia racial e mestiçagem. Não ocasionalmente, esses três temas, muitas vezes, são apresentados de maneira inter-relacionada, como se verá a seguir. No editorial do primeiro número, Abdias do Nascimento presta
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Os textos são: “Benjamin de Oliveira” (Rodrigues, 2003 [1948]:20); “Exotismo literário de Paul Morand” (Rodrigues, 2003 [1949]:30); “Cruz e Sousa em outro idioma” (Rodrigues, 2003 [1950]:62) e “As memórias de Josephine Baker” (Rodrigues, 2003 [1950]:74). 72
Ver “Orpheu Negro”, resumo (Sartre, 2003 [1950]:64-65).
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Ver o texto de Georges Bataille, “Cinema e artistas negros”, transcrito de Présence Africaine número 04 e traduzido para o português por Ironides Rodrigues (Bataille, 2003 [1950]:88-89).
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reverência a duas de suas maiores influências até aquele momento, citando os antropólogos Gilberto Freyre e Arthur Ramos. Afirma o ativista que: A cultura, com intuição e acentos africanos, a arte, poesia, pensamento, ficção, música, com o expressão do grupo brasileiro mais pigmentado paulatinamente vai sendo relegado ao abandono, ridicularizado pelos líderes do “branqueamento”, esquecendo-se esses “aristocratas” de que o pluralismo étnico, cultural, religioso e político dá vitalidade aos organismos nacionais, sendo o próprio sangue da democracia (Gilberto Freyre). Podemos dizer que o desconhecimento do negro como homem criador e receptivo vem desde 13 de maio de 1888 (Arthur Ramos) (Nascimento, 2003 [1948]:19).
Percebe-se, na afirmação de Nascimento, uma crítica ao pensamento arianizante de Oliveira Vianna, colocado no texto como “líder do branqueamento”. Ao mesmo tempo, afirma-se uma busca pelo “pluralismo étnico, cultural, religioso e político” como a base da democracia, momento em que Freyre é citado. Pode-se especular a qual tipo de democracia Nascimento fazia referência: uma democracia política, termo chave na conjuntura política do país neste momento, ou uma democracia racial, idéia corrente àquela época. Em seguida, há a referência a Arthur Ramos no que diz respeito a um desconhecimento do “negro como homem criador e receptivo”. Neste momento, Nascimento faz referência às obras de Ramos que tratavam da chamada “cultura negra” do contingente afro-brasileiro da população nacional. Na mesma página do editorial, há uma foto de Nelson Rodrigues, que anunciava uma entrevista com o dramaturgo, amigo pessoal de Nascimento. O depoimento dado por Rodrigues inaugura uma das temáticas mais recorrentes no jornal: a denúncia da existência de preconceito racial ou “de cor” na sociedade brasileira. A entrevista com o “Anjo Pornográfico”, termo pelo qual Rodrigues ficaria conhecido devido às temáticas de suas peças, levava um título em forma de pergunta: “Há preconceito de cor no Teatro?”. Ao que o dramaturgo respondia da seguinte forma: É preciso ingenuidade perfeitamente obtusa ou uma má fé cínica para se negar a existência do preconceito racial nos palcos brasileiros. A não ser no Teatro Experimental do Negro, os artistas de cor, ou fazem moleques gaiatos, ou carregam bandeja ou, por último, ficam de fora. Por que esta situação humilhante? Vejamos alguns dos motivos mais nítidos. Em primeiro lugar, subestima-se a capacidade emocional do negro, o seu ímpeto dramático, a sua força lírica e tudo o que ele possa ter de sentimento trágico. Raros admitem que ele possa superar a molecagem e a cachaça. Mas tais preconceitos nada
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representam diante do preconceito maior e mais irredutível, que é o da cor (Rodrigues, 2003 [1948]:19).
O texto de estréia da coluna “Arquivo” era da escritora Raquel de Queiroz. Intitulado “Linha de cor”, havia sido publicado anteriormente no jornal O Cruzeiro, em 24 de maio de 1947. O texto questiona as afirmações do jornalista Paulo Duarte num artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo nos dias 16 e 17 de abril de 1947 e intitulado “Negros do Brasil”.74 Nele, Duarte criticava os negros que faziam footing na região central de São Paulo e responsabilizava os escritores regionalistas de criarem o imaginário de um “Brasil mulato”. As palavras do jornalista eram duras e enfáticas: Os comícios de todas as noites na praça do Patriarca e as concentrações também à noite de negros agressivos ou embriagados na rua Direita e na praça da Sé, os botequins do centro onde os grupos se embriagam, já estão provocando protestos, justíssimos protestos, até pela imprensa, pois não é possível uma cidade como São Paulo ficar a mercê de hordas grosseiras e malcriadas, prontas a se desencadearem contra qualquer branco, homem ou mulher, desde que um gesto involuntário, um olhar mesmo, possa ser mal interpretado por esses grupos brutais e violentos (Duarte, 1947).
Duarte evidencia a preocupação das elites paulistanas em relação à ocupação da região central da cidade pelos negros nos anos 1940, associando-os ao perigo e à violência. O intelectual não atacava somente os negros “agressivos” e “embriagados” da Rua Direita e da Praça do Patriarca, mas também o que ele chamava de “sociologia nigro-romântica do Nordeste” e a literatura “dos sociólogos romancistas ou dos romancistas sociólogos tidos como alunos do Sr. Gilberto Freyre; rapazes de algum talento, sem possuir, no entanto, do mestre nem a cultura nem a análise aguda deformada apenas pela sua irreprimível imaginação tropical cheia de brilho”. Esses intelectuais, de acordo com o literato paulista, insistiriam em pintar um tipo brasileiro definitivo tendendo para o negro, mas Duarte afirmava, categoricamente, do alto de sua sapiência paulista 74
Outra resposta dada ao artigo de Paulo Duarte foi o artigo “O esgar do Sr. Paulo Duarte”, publicado no Jornal Alvorada, em maio de 1947 (republicado como anexo no livro ...E disse o velho militante, de José Correia Leite). O artigo do jornalista paulista se tornou alvo de críticas das mais diversas origens: ativistas negros, escritores regionalistas e intelectuais. Visando a contornar a polêmica, o autor sugeriu financiar uma pesquisa sobre relações raciais na capital paulista. Foram convidados os professores Roger Bastide e Florestan Fernandes para a elaboração do estudo e os resultados eram publicados na revista Anhembi. Em seguida, a investigação foi incorporada e financiada pelo Projeto Unesco dando origem ao livro Brancos e negros em São Paulo (1959).
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quatrocentona: “Uma coisa, porém, existe e existirá com absoluta nitidez, a deliberação marcada pelo consenso unânime dos brasileiros lúcidos: o Brasil quer ser um país branco e não um país negro”. Queiroz, em sua resposta, busca não nomear Duarte, afirmando que “um notável escritor, a quem muito respeito e admiro, lamentou outro dia, nas colunas de um matutino paulista, a “invenção artificial do problema da gente de cor” aqui no Brasil, invenção pela qual seria uma das responsáveis esta vossa humilde servidora” (Queiroz, 2003 [1948]:20). Em seguida, a escritora trata de enumerar uma série de exemplos que comprovariam a existência do “preconceito de cor” na sociedade brasileira e, por fim, cita a experiência do TEN sob o comando de Abdias do Nascimento. Ainda na resposta de Queiroz, aparecem dois elementos que aqui nos interessam: a afirmação do povo brasileiro como mestiço e a associação do problema racial a uma questão de classes. Diz ela que: Sim, sabemos que o povo – mestiço, ele próprio – não é racista. Também não é novidade para nós que o problema de cor no Brasil está estreitamente vinculado ao problema de classe. O branco pobre é quase tão paria quanto o negro. Mas quase, apenas. Porque o branco, assim que se engravate e tenha dois vinténs no bolso, sai automaticamente da sua classe, ascende socialmente e penetra onde quiser. Enquanto o negro, de gravata ou sem gravata, é sempre negro, e nem com dinheiro, nem com educação, verá abertas diante de si as restrições acima enumeradas, e muitas que não foram citadas (Queiroz, 2003 [1948]:20, grifos meus).
O autor incumbido de estrear a coluna “Democracia Racial” foi Gilberto Freyre, com o texto “A atitude brasileira”. Nele, o sociólogo pernambucano, logo de início, define o Brasil como uma “democracia étnica”, ao mesmo tempo em que afirma a existência entre nós do “preconceito de cor”, contudo, este seria mais brando que o de outros países. Afirma ele que: Não há exagero em dizer-se que no Brasil vem se definindo uma democracia étnica contra a qual não prevaleceram até hoje os esporádicos arianismos ou os líricos, embora às vezes sangrentos melanismos que, uma vez por outra, se tem manifestado entre nós. Há decerto entre os brasileiros preconceitos de cor. Mas estão longe de constituir o ódio sistematizado, organizado, arregimentado, de branco contra o preto ou de ariano contra judeu ou de indígena contra europeu, que se encontra noutros países de formação étnica e social semelhante à nossa (Freyre, 2003 [1948]:26).
No decorrer do artigo, Freyre discorre sobre o “efeito do processo de democratização da relação entre pessoas e grupos que se vem verificando entre
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nós desde dias remotos” como produto do “cristianismo” vigente entre nós e “porventura mais fraternal que o das gentes européias do Norte”. Outros fatores seriam o contato dos portugueses colonizadores em tempos remotos “com um povo superior, de pele escura, como o mouro, pela escassez de mulheres brancas entre os primeiros colonos e pelo fato de não terem aqui resistido aos europeus, grupos indígenas de cultura já adiantada como no México e no Peru” [grifos meus]. De certa maneira, o que se percebe nessa passagem é que Freyre repõe os argumentos centrais de seu livro Casa Grande e Senzala (1933), explicando as relações raciais mais fraternas no Brasil através do argumento de que o contato dos portugueses com os mouros na Península Ibérica teria tornado os lusitanos mais tolerantes e portadores de uma certa tendência à mestiçagem, algo que possibilitaria no Brasil colonial os relacionamentos de brancos portugueses com mulheres indígenas, num primeiro momento, e com negras de origem africana, posteriormente.75 O argumento se complementa com a idéia de que as culturas autóctones indígenas no Brasil não eram tão adiantadas como a de outros grupos étnicos do continente, algo que recoloca um certo “determinismo” e “hierarquia“ de culturas a partir da concepção “culturas adiantadas” ou “povo superior”, expressão utilizada para classificar os mouros. Por fim, Freyre alertava dos perigos que rondavam a fraternidade racial brasileira: Devemos estar vigilantes, os brasileiros de qualquer origem, sangue ou cor, contra qualquer tentativa que hoje se esboce no sentido de separar no Brasil, “brancos” de “africanos”; ou “europeus” de “vermelhos”, de “pardos” ou de “amarelos”, como se o descendente de africano devesse se comportar aqui como um neo-africano diante de inimigos, e o descendente de europeus como um neo-europeu civilizado diante de bárbaros. De modo algum. O comportamento dos brasileiros deve ser o de brasileiros, embora cada um possa e até deva conservar de sua cultura ou “raça” materna valores que possam ser úteis ao todo: à cultura mestiça, plural e complexa do Brasil. Inclusive os valores africanos (Quilombo, 2003 [1948]:26) [grifo meu].
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Esse argumento é desenvolvido por Freyre no terceiro capítulo de Casa Grande e Senzala, onde o autor discutirá os antecedentes da colonização portuguesa. Araújo afirma que ali o português é discutido a partir da noção de “mestiçagem”, ou seja, “um processo no qual as propriedades singulares de cada um desses pares não se dissolveriam para dar lugar a uma nova figura, dotada de perfil próprio, síntese das diversas característica que teriam se fundido na sua composição” (Araújo, 1994:44). Essa miscigenação produziria no português um “luxo de antagonismos” sendo que a colonização portuguesa se caracterizaria por aspectos como miscibilidade, mobilidade, aclimatabilidade e plasticidade (Araújo, 1994:45).
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O penúltimo período do texto de Freyre reforça a idéia de uma “cultura mestiça, plural e complexa” vigente no Brasil e de que as contribuições de origem africana só teriam sentido ou seriam passíveis de reconhecimento quando contribuíssem para o todo que constituía a cultura brasileira, ou seja, uma idéia de cultura nacional como “síntese” e não “mosaico”. Desta forma, “o comportamento de brasileiros [inclusive os negros] deve ser o de brasileiros”, avisava o político e intelectual pernambucano tendo como contraponto o exemplo dos negros americanos ou antilhanos e seus patrícios de cor residentes na França que se insurgiam através da negritude.76 Logo abaixo do texto de Freyre, vinha a reprodução, em linhas gerais, de uma palestra realizada por Guerreiro Ramos, em 15 de julho de 1948, em homenagem ao correspondente do jornal The Pittsburgh Courier, George S. Schuyler. Em “Contactos raciais no Brasil”, Ramos discorria sobre as peculiaridades do preconceito em relação à população negra no Brasil em nove pontos. O primeiro afirmava que “o problema do negro não se apresenta de maneira uniforme no Brasil, variando de acordo com a região geográfica. O segundo, que a expressão “preconceito ou discriminação de cor” era mais apropriada a realidade brasileira do o termo “preconceito racial”. O terceiro, que, diferentemente do que ocorria nos Estados Unidos, no Brasil existiria uma “linha de casta”. O quarto ponto fazia referência a um ressentimento do negro de “classe inferior” em relação ao “homem de cor de elevada categoria social”. Já o quinto entendia que o “homem de cor brasileiro” não estava cindido entre duas culturas (européia e africana), mas “sua lealdade adere a cultura de classe dominante” e “considera como pitorescos os traços das culturas africanas”. O sexto afirmava que “mestiços” tendiam a “camuflar-se” de brancos para “disfarçar as marcas raciais” negróides, o mesmo mestiço que era classificado como “ansioso” – de acordo com Max Scheler – no oitavo ponto. O sétimo dizia que as “culturas negras” estavam passando para a “categoria de curiosidades históricas” ou em vias de serem instrumentalizadas por negros e mulatos numa indústria turística. Por fim, no tópico nove, Ramos afirmava que “o padrão estético da população 76
Discutirei à idéia de négritude neste mesmo capítulo.
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brasileira é o branco”, conseqüentemente, “os negros e os mulatos preferem casar com pessoas mais claras” (Ramos, 2003 [1948]:26). De acordo com Barbosa (2004), Ramos adotava nesse momento um instrumental teórico sociológico diferente do que vinha utilizando na sua abordagem dos problemas raciais. Assim, se “o autor tinha utilizado [até aquele momento] o instrumental teórico metodológico da Escola de Chicago, em sua palestra ao TEN, Guerreiro [Ramos] mescla uma perspectiva sociológica próxima daquela preconizada por [Donald] Pierson (Brancos e pretos na Bahia), com uma abordagem psicossociológica. Tratava-se, portanto, de uma análise que não se colocava em continuidade ou a culminação da pesquisa sobre relações raciais trabalhada no DASP [Departamento Administrativo do Serviço Público] (Barbosa, 2004:55). Afirma ainda o analista que “autor revê também algumas colocações conforme estabelecidas em sua entrevista a Abdias, em 1946.77 Primeiro, porque caracteriza o preconceito de cor como um fenômeno diferente do preconceito racial; segundo, porque defende a inexistência de uma linha de casta no Brasil. Eram duas colocações que, como sugere Marcos Chor [Maio] (1997:271), mostram o autor próximo da visão de “sociedade multirracial de classe” de [Donald] Pierson. A estas duas colocações, Guerreiro [Ramos] adiciona um viés de análise derivado da psicologia social” (Barbosa, 2004:55). Na coluna “Arquivo” do segundo número do jornal, há o artigo “Racismo, a herança de Hitler” de Daniel Rops, publicado anteriormente no periódico O Jornal, de 18 de fevereiro de 1949. O texto busca fazer uma caracterização das várias facetas do racismo verificado em episódios na África do Sul, Estados Unidos, Palestina e Índia e vincular a origem do racismo ao líder nazista. Há uma crítica afirmando se não é a “União Sul-Africana signatária dessa Declaração dos Direitos do Homem (tão enganosa sob certos aspectos, mas isso já é outra história...) que a O.N.U. [Organização das Nações Unidas], penosamente, elaborou no branco palácio do Trocadero? Como são belos os Direitos do Homem no papel! Na realidade, porém, que desgraça!”. Por fim, o autor do artigo pergunta: “Terá sido o gênio satânico de Hitler quem previu essa ressurreição 77
Ver o terceiro capítulo dessa dissertação.
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ignóbil do instinto?”. Ele mesmo responde: “Os democratas, entretanto, jactaramse de haver vencido o monstro, quando somente espalharam os seus membros por todas as partes da terra, e como sementes maléficas eles germinaram. É a herança de Hitler que dilapidamos” (Rops, 2003 [1949]:28) [grifos meus]. Na mesma página, há a transcrição de uma fala do Senador Hamilton Nogueira na qual o político condenava a discriminação e relembrava o congresso do seu projeto de criminalização de práticas discriminatórias apresentado a Assembléia Nacional Constituinte em fevereiro de 1946. Os argumentos apresentados contra o texto e, para provar a existência do preconceito racial ou “de cor”, citava o caso ocorrido com Abdias do Nascimento e Ruth de Souza no qual ambos foram impedidos pela polícia de entrar num baile de carnaval no Teatro Glória em fevereiro de 1949 (Quilombo, 2003 [1949]:28). Na coluna “Democracia Racial” deste mesmo número, há a transcrição do prefácio do livro Le métissage au Brésil de Arthur Ramos e que viria a ser publicado na França numa coleção intitulada Problémes d’Ecolegie Tropicale.78 O autor busca caracterizar o Brasil como um país mestiço surgido da contribuição de três grupos raciais. Afirma ele que “a base geral da população brasileira está constituída pela mistura inicial, no físico e na cultura, do elemento lusitano com o índio e o negro, base que viriam se enxertar novas misturas de recentes elementos de extração européia” (Ramos, 2003 [1949]:34). Haveria, contudo, uma diferenciação na maneira como a miscigenação entre os três grupos havia se processado nas distintas regiões do país. Talvez numa resposta direta a Joseph Arthur Gobineau autor de Essai sur L’Inégalite des Races Humaines (1853)79 e principal divulgador do racismo científico Ramos alertava o público francófono de que: A experiência da “mistura de raças” nos trópicos veio revelar que não havia nenhum inconveniente no resultado destas misturas. Inferioridades do produto mestiço, quando surgem, estão ligadas não ao fenômeno da mistura, mas a outros fatores deficitários de 78
Ver Ramos (1952) Le métissage au Brésil /, tradução de M. L. Modiano. Problèmes d'écologie tropicale, 1. Paris: Hermann. 79
Para uma pequena discussão sobre a estadia de Gobineau no Brasil no século XIX, a amizade com Dom Pedro II e sua influência sobre alguns autores nacionais, ver o segundo capítulo do livro de Moutinho (2004).
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meio, como desigualdades de oportunidades de educação, miséria econômica, vícios ou falhas alimentares, etc. O mestiço brasileiro é tão capaz como qualquer outro povo da terra, tenha ele os elementos culturais de que necessita para sua obra de progresso. A autocolonização nos trópicos levada a efeito pelo mameluco outrora e pelo caboclo e mulato nordestinos, de nossos dias vem demonstrar a capacidade de resistência desses elementos, seu “vigor híbrido” na expressão consagrada pelos biólogos (Ramos, 2003 [1949]:34) [grifos meus].
Essa passagem revela um Arthur Ramos oscilando entre dois paradigmas de interpretação da mestiçagem: um cultural e outro biológico. Embora sua afirmação busque fugir da explicação de base biológica, elencando fatores educacionais, econômicos e culturais, o autor “escorrega” ao dizer que a “capacidade de resistência” vem do seu “vigor híbrido na expressão consagrada pelos biólogos”. Na mesma página do artigo de Ramos, há um artigo intitulado “Discriminação nas obras sociais”. O texto denuncia a existência de discriminação de “cor” numa série de instituições de caridade do Distrito Federal daquela época. Para demonstrar o absurdo de tal ocorrência, o autor buscava se basear no ideário de um país mestiço e católico: “Porém, o que agrava esta já por si aberrante discriminação num país mestiço como o nosso, é o fato de quase todos os estabelecimentos discriminadores serem católicos” (Quilombo, 2003 [1949]:34) [grifos meus]. Na coluna “Sociais” do terceiro número, há a publicação de uma foto do então Presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, em Salvador (BA), ao lado de mulheres vestidas com trajes típicos de baianas. O título da nota é em forma de pergunta: “O Presidente não tem preconceito?”. No texto que segue abaixo da foto o redator estabelece uma relação entre “preconceito de cor”, “democracia de cor” e toma como exemplo a legislação norte-americana em favor dos direitos civis dos afro-americanos. O Exmo. Sr. Presidente Dutra, por ocasião de sua recente viagem à terra do Senhor Bonfim, deixou-se fotografar todo sorridente de braço dado às retintas e simpáticas baianas que vemos no clichê. Isso prova que S. Excia. não alimenta qualquer preconceito de cor. É o testemunho mais evidente de que as restrições ao negro, que se nota nalgumas repartições públicas, - por exemplo Itamarati e a Escola Naval, - são feitas à revelia de S. Excia., certamente com a sua desaprovação. Não seria interessante para a saúde da nossa democracia de cor que o Presidente Dutra completasse o gesto esboçado nessa fotografia, e imitasse – por que não? – o PresidenteTruman que ele acaba de visitar,
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tomando a iniciativa de resguardar constitucionalmente os direitos civis dos homens de cor? (Quilombo, 2003 [1949]:36).
Na página seguinte, há uma nota da seção “Tópicos” intitulada “A lição de Ralph Bunche”, na qual discorresse sobre a atuação do representante da ONU na tentativa de resolução do problema entre judeus e palestinos. De acordo com a nota, Bunche é um “exemplo, fornecido por um mulato claro – muito mais branco, por exemplo, do que Otávio Mangabeira ou Melo Viana – que não se envergonha de sua origem, nem tampouco da cor de sua epiderme, deve calar fundo na consciência de muito negro brasileiro que, por ter apenas um cabelinho corrido a poder de gomalinas e umas gotinhas de sangue português clareando a pele, já se julga sem nenhum compromisso com suas raízes étnicas dando-se alguns até o requinte imbecil de serem racistas”. Em seguida há a caracterização do Brasil como país mestiço ao afirmar que “Bunche mostrou com sua atitude uma dignidade que o faz merecedor das homenagens de tudo quanto é humanidade de cor: – africanos, indianos, orientais ou mestiços como nós” (Quilombo, 2003 [1949]:37). No artigo “Os arianos de Criciúma”, que havia sido publicado anteriormente no jornal O Globo de 28 de maio de 1948, o escritor Orígenes Lessa busca denunciar organizações de cunho nazista que estariam surgindo no sul do país. O autor inicia o texto questionando a idéia de “democracia racial”. Fala-se, com muito ufanismo, em nossa democracia racial. Haverá mesmo? Desconhecemos o preconceito de cor? Negros, mulatos, semi-brancos têm, no Brasil, os mesmos direitos na prática, entram em toda parte, vivem como gente? Há quem diga que sim. Há quem nos inveje essa imaginária ausência de preconceitos. Porque é imaginária. No fundo, temos prejuízo semelhantes aos dos americanos do norte, apenas atenuados em virtude do compromisso geral com o sangue negro. E mesmo no caso do “compromisso”, ou justamente por causa dele, o preconceito se mostra muitas vezes mais vivo (Lessa, 2003 [1949]:38).
Em seguida, o autor faz uma distinção entre a maneira como o sistema de relações raciais se organiza no Brasil e nos EUA tendo como epicentro a noção de brancura: E a prova mais evidente de que existe entre nós o preconceito de cor está em nossa pitoresca fuga para a brancura. Mais de uma vez assinalei esse fato. Enquanto na terra de Langston Hughes basta uma gota de sangue negro, num branco aparente, para que ele
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seja tido como negro e com maiúscula no Brasil basta uma gota de sangue branco para que o quase negro se imagina branco e brigue por isso e se ofenda com possíveis insinuações e chegue até a dar razão a Hitler, como se viu nos bons tempos do integralismo. É o grande êxodo. É o mesmo imbecil preconceito, como se houvesse glória em ser branco ou vergonha em ser negro (Lessa, 2003 [1949]:38, grifos meus).
O autor segue fazendo uma crítica dura à noção de miscigenação próxima do que entendido por Oliveira Vianna, ou seja, uma mistura que levaria a um embranquecimento e a dissolução do contingente negro da população: Tão incomodo, porém, é o contingente de sangue aos poucos disfarçados pela contínua miscigenação que muito patriota sofredor se refugia, feliz num futuro paradisíaco: dentro de cinqüenta ou cem anos não haverá mais negros no Brasil. A gente humilde se misturando na pobreza, sem distinções de cor, e outros acidentes da sociedade atual, prestarão à pátria esse grande serviço: irão alvejando a raça. E nesse dia glorioso, não teremos que nos envergonhar de nossos irmãos americanos, de cuja cretinice partilhamos à maneira nossa, e dos nossos amigos nazistas que tanto adeptos tiveram e ainda têm entre nós (Lessa, 2003 [1949]:38).
Por fim, há uma afirmação de Gilberto Freyre como “Defensor Perpétuo de Negros, Pardos e Mulato do Brasil”. D’Almeida Vitor, em seu texto “Somos todos irmãos”, busca enfatizar o Brasil inserido num processo de mestiçagem, de modo que, “a impressão que os estrangeiros têm de nós, notadamente na Europa, é que somos constituídos como povo, em sua quase totalidade por negros e mestiços. (...) À exceção dos descendentes diretos de estrangeiros, somos um povo em processo de formação étnica, decorrente de uma intensa miscigenação que através de quatro séculos se acentua diante das imigrações irregulares, desordenadas, mas constantes” (Vitor, 2003 [1949]:39). Contudo, o autor faz uma separação entre as regiões Norte/Nordeste em relação ao Sul/Sudeste, caracterizando esta região como área da população branca do país, ao ponto que a primeira corresponde ao locus dos negros e mestiços e sudeste. As diferenças de tratamento ou as discriminações de cunho racial estariam localizadas na região de maioria branca “no Norte e Nordeste as populações negras estão quase totalmente assimiladas, sendo substituídas pelo mulato, pelo moreno. Enquanto que no Sul – Rio de Janeiro e São Paulo, particularmente – o negro recebe um tratamento desumano” (Vitor, 2003
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[1949]:39). O autor finda o artigo aproximando as experiências norte-americana e brasileira no que diz respeito à questão racial e afirmando que a igualdade entre brancos e negros deveria ser buscada. “Se não tem o nosso negro, como nos Estados Unidos, a separação institucional da vida com os brancos, tem a mais humilhante separação no desprezo acintoso, no indiferentismo dos poderes públicos pela sua sorte, pela sua recuperação e capacitação social, ele que amanhã como ontem poderá tornar-se fator decisivo na economia nacional (...). A negrofobia é um problema brasileiro. Lutar contra ele mais que um dever humano é uma obrigação social: somos todos irmãos!” (Quilombo, 2003 [1949]:39). A afirmação da mestiçagem também surge no momento em que o jornal noticia o baile dos concursos de beleza organizados pelo TEN: “Rainha das Mulatas” e “Boneca de Pixe”. O baile de encerramento dos concursos “Boneca de Pixe” e “Rainha das Mulatas” de 1949, apesar do seu alto nível social, é uma festa democrática, de confraternização racial e das várias camadas de nossa sociedade, não se exigindo trajes a rigor. A gente negra não deve faltar a essa noite de gala do concurso de suas “rainhas”, pois estarão dessa forma prestigiando mais uma iniciativa em pró da valorização estética e social da qualidades mestiças da nossa civilização (Quilombo, 2003 [1949]:46) [ grifos meus].
Numa entrevista dada pela artista plástica Cléo Novarro ao jornal, é possível observar uma afirmação da “mestiçagem brasileira” no momento em que o redator faz uma caracterização da artista. Diz o jornalista que “essa Cléo Novarro que é bem um orgulho da sensibilidade e inteligência mestiça brasileira, a correr mundo, levando em seus quadros uma mensagem de amor e compreensão entre os seres humanos de todas as raças” (Quilombo, 2003 [1949]:57). O responsável por escrever na “Democracia Racial” do quinto número é o Senador Hamilton Nogueira. O texto do artigo é “Presença de Joaquim Nabuco” e nele, o político faz uma homenagem ao estadista pernambucano, discorrendo sobre sua figura e sua atuação como abolicionista. A maneira como Nogueira elabora seu texto deixa entrever a lado paternalista de como os políticos tratavam os negros àquela época, algo que lembra em muito sua frase na entrevista dada a
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Nascimento em 1946, na qual afirmava que “Os pretos não [estavam] criando nenhum problema”.80 Relembrando a infância de Nabuco o senador dizia que: Desde menino, vivendo entre os escravos do engenho de Massangama, começou a interessar-se pela sua sorte. E da sua memória nunca mais se apagou a lembrança do pretinho que lhe agarrara os joelhos implorando-lhe que fosse comprado por sua madrinha (...). Foi, indiscutivelmente, na ação, o maior de todos, se bem que se colocasse como portavoz de André Rebouças, que ele considerava o orientador e o animador silencioso da campanha abolicionista (...). Vitoriosa a luta pela emancipação, começou Nabuco a sentir a nostalgia do escravo porque reconhecia todo o bem que o preto africano trouxe para a formação do povo brasileiro (Nogueira, 2003 [1950]:61).
Para além da homenagem prestada a Nabuco, é possível identificar a filiação de Nogueira a uma corrente de pensamento que tem como pai fundador o político pernambucano e que possuía uma maneira muito peculiar de interpretar o Brasil e a questão racial. Outro autor que pode ser incluído como seguidor desta corrente é Gilberto Freyre, assim como boa parte dos políticos oriundos de uma direita populista, os quais pareciam demonstrar maior sensibilidade ao problema racial ao lado de uma relação paternalista com este contingente da população. Nesse mesmo número do jornal, é possível deparar-se com a matéria “O amor venceu o preconceito”. O artigo busca retratar a história de amor vivida entre o jogador de futebol mulato Isaac Cavalcante Vieira e a garota branca Maria Manoquio, filha de um abastado fazendeiro de São João da Boa Vista (SP). A história serve para duas coisas: 1) nela há a reafirmação de São Paulo como localidade mais problemática do ponto de vista racial, pois “é um Estado onde freqüentemente testemunhamos práticas racistas” e 2) a maior prova de que o “preconceito” era algo retrógrado seria o relacionamento amoroso entre branco(a)s e negro(a)s. De acordo com o redator “Maria e Isaac argumentaram, explicaram que amor não vê cor, que essa história de branco, preto e amarelo já acabou desde que acabaram com Hitler e Mussolini. Mas o “velho”, pai de Maria, não estava para novas teorias” (Quilombo, 2003 [1950]:67). Na seção “Tópicos”, do sexto número do jornal, há uma declaração interessante sobre o movimento negro naquela época afirmando que “o aspecto 80
Ver o terceiro capítulo dessa dissertação.
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racial do problema do homem de cor brasileiro é secundário” e que na verdade o objetivo do movimento era de “libertar o negro brasileiro de seus próprios equívocos e adestrá-lo para o jogo democrático”. Essa afirmação estava baseada na idéia de que as organizações que vieram antes do TEN eram espaços de “culturas de recalque” e o equívoco destas estava no diagnóstico do “problema racial” brasileiro. As tendências vigentes nessas entidades [podiam] “ser identificadas principalmente como messianismo, sentimentalismo, mistificação e exploração política”. Por fim, o redator afirmava que o movimento que agora se organizava não era de protesto, mas de afirmação. “Não se inspira[va] na luta de classes: [inspirava-se] na idéia de cooperação. Não [tinha] por lema, segregar; mas unir” (Quilombo, 2003 [1950]:73). O artigo da coluna “Democracia Racial” do sexto número era assinado por Estanislau Fischlowitz e levava o título “Século da questão racial”. Nele, o autor relata um incidente ocorrido em Genebra (Suíça) 1933, por ele presenciado, no qual um general alemão nazista citava o Brasil relacionando-o com a idéia de democracia racial e colocando o país como inimigo da ideologia racial do III Reich. De acordo Fischlowitz, o general alemão de nome Ley revoltara-se afirmando que era inacreditável que ele, representante da Alemanha, não tivesse [na Conferência Internacional do Trabalho] senão o mesmo voto que competia “aos países semi-selvagens de negros da América do Sul, como o Brasil”. O autor continua na seqüência relatando o ocorrido: Confesso que não entendi as profundas raízes daquele incidente. Depois de encerrada a reunião dirigi-me imediatamente a Ley e perguntei-lhe com toda a franqueza: “Afinal de contas, Ley, por que você escolheu, como tema da inauguração na ampla arena internacional do Governo Hitler, e ainda no ambiente ultraliberal e democrático do BIT, o ataque contra o Brasil? Francamente, vocês não têm maiores inimigos no mundo?” A resposta de Ley foi para mim uma revelação completa: – É preciso tornar as coisas bem claras e patentes: apesar das aparências contrárias, o inimigo número 1 da nossa corrente nacional-socialista é, justamente, o Brasil. É esse país, e alguns outros da América Latina, que constituem a própria anti-tese da nossa ideologia racista com sua mesclagem programática, com suas idéias malucas de democracia racial. Temos que acabar com esse maior perigo para com o nosso conceito de supremacia da raça branca, raça pura, raça líder (Fischlowitz, 2003 [1950]:73/78).
Logo depois, o autor se pergunta: “será que o Brasil deveria aceitar esse desafio do racismo?”. Ele mesmo responde dizendo: 170
Falar da “missão” de uma Nação relembra um tanto os misticismos da historiografia tempos passados. Entretanto, é de se indagar se realmente o Brasil não reúne vários elementos objetivos graças aos quais poderia assumir a missão de liderar, com êxito de antemão assegurado, o movimento da emancipação racial perante a qual se abrem no momento, nos primórdios do século da “questão racial” perspectivas das mais interessantes e promissoras (Fischlowitz, 2003 [1950]:78).
No artigo “O problema da criminalidade do negro”, do número 07/08 do jornal, o redator refere-se a uma palestra realizada pelo desembargador Nelson Hungria no Centro de Estudos de Medicina Legal sobre essa temática. Segundo o artigo, a palestra questionara a idéia de que o negro era inferior e os complexos que advinham deste fato, criticava o 13 de maio, a República Velha e clamava-se por exemplos práticos de uma “democracia de cor” (Quilombo, 2003 [1950]:85). Na coluna “Democracia Racial” do nono número de Quilombo, o sociólogo francês Roger Bastide assina o artigo “O movimento negro francês”. Nele, o autor explica a formação e a situação do movimento negro francês, ao mesmo tempo em que valoriza a mestiçagem como saída para o racismo, citando afirmações do escritor senegalês Leopold Sedar Senghor. De acordo com Bastide, a França estaria fazendo algo nesse campo, através da negritude, que já teria ocorrido no Brasil: a mestiçagem. Nas suas palavras: (...) as duas correntes [de pensamento e atuação política] mais interessantes, e todavia antagônicas, são a da tomada de consciência dos valores puramente africanos e da assimilação do negro à civilização ocidental. Estes dois movimentos presentemente estão se fundindo numa síntese superior, graças a criação de um grupo bastante conhecido no Brasil, PRESENÇA AFRICANA, dirigido por Alioune Diop. Talvez seja SEDAR SENGHOR quem melhor exprimiu o que será esta síntese: “A virtude da mestiçagem. Há dez anos que, da minha parte, não deixo de clamar esta verdade contra todos os nacionalismos ou racismos. De fato, todas as grandes civilizações foram civilizações mestiças. Foi o caso de Sumer, do Egito, da Índia, da China, da Grécia”. A missão da França será criar outra civilização mestiça, a qual a África traria, “com seus dons de emoção e sua espiritualidade profunda, seus ritmos, suas cores, principalmente seu sentido de mito e poder de fabulação”; e a França, “a razão, o espírito crítico, o método e também o gosto pela ação, sem que os valores espirituais não passam de sonhos, a caridade, sem a qual a fé é impotente”. Possa esta missão se cumprir ao mesmo tempo na França, pela introdução dos valores africanos, e na África, pela introdução dos valores europeus, como ela já se cumpriu no Brasil (Bastide, 2003 [1950]:97).
Em 13 de abril de 1950, o jornal O Globo publicaria um artigo intitulado “Racismo no Brasil”, que criticava o surgimento, no Rio de Janeiro daquela época, de jornais, teatros, clubes de negros “e já se fala[va] mesmo em candidatos negros ao pleito [eleitoral] de outubro [de 1950]”. De acordo com o matutino este 171
tipo de movimento deveria ser combatido, pois, “do contrário, em vez de preconceitos de brancos teremos, paradoxalmente, preconceito de pretos. A tais extremos conduzem, não o racismo (que não existe entre nós), mas o espírito de imitação mal dirigido e cuja conseqüência talvez mais nefasta seja o estabelecimento de títulos abomináveis: os indivíduos passariam a ser isto ou aquilo, a ocupar determinados cargos, não pelo valor pessoal que os recomendasse, mas por serem pretos ou não pretos” (Quilombo, 2003 [1950]:99). Respondendo a esse artigo, Nascimento escreveria um artigo intitulado “Convite ao encontro”, que fora publicado primeiramente no jornal Folha do Rio, de 6 de maio de 1950. Na sua argumentação, o ativista negro inicia referindo-se a mestiçagem dizendo que em “nosso país tudo tem a marca indisfarçável desse gostoso caldeamento de raças e o negro não tem nenhum interesse em perturbar a marcha natural dessa mestiçagem de sangue, cultura, religião, arte civilização” (Nascimento, 2003 [1950]:99). Em seguida Nascimento ataca essa idéia: Lamentavelmente, até mesmo órgãos da nossa imprensa, como “O Globo”, ainda outro dia, quando abordam essa questão é através das lentes deformadas dessa fórmula, dessa estereotipia, desse clichê. No mês passado esse vespertino criticou o movimento de valorização da gente de cor insistindo nesta tecla já gasta da inexistência de preconceitos de raças no Brasil. É verdade. Não possuímos, graças a Deus, ódios raciais entre nós. Mas negar o preconceito de cor? Nunca! E quem melhor do que o próprio diretor-redatorchefe de “O Globo”, o Sr. Roberto Marinho, tem sentido na própria carne o agulhão terrível desse prejuízo? É sabido que esse nosso patrício de cor, por força do seu talento, do seu esforço e da sua cultura conseguiu ascender até as nossas mais elevadas esferas sociais; pois apesar da sua pigmentação clara, da sua relevante posição de diretor de “O Globo”, todo mundo sabe que o Sr. Roberto Marinho, é em certas rodas da alta, como o Jockey Club, tratado pejorativamente de “mulato Roberto”, como se fosse crime ser mulato e não ser chamado “Zé da Ilha” (Nascimento, 2003 [1950]:99, grifos meus).
4.4 – Personalidades afro-americanas e négritude a brasileira Outra característica bastante evidente em Quilombo foi o contato estabelecido
com
outras
revistas,
periódicos
e
personalidades
negras
internacionais. Dentro deste contexto, pode-se afirmar que o jornal tinha um posicionamento que o diferenciava de seus antecessores da Imprensa Negra, já que havia uma relação de troca e influência mútua entre esses veículos de comunicação (norte-americanos e franceses) e personalidades (quase na totalidade afro-americanos). Aliás, a admiração em relação aos afro-americanos pode ser notada no artigo “Joe Louis no Brasil” que anunciava a tradução para o 172
português de um livro sobre o boxeador afro-americano. Em determinada altura do texto havia um tópico intitulado “Defendendo a democracia racial” onde o redator, contando uma situação presente no livro e vivenciada por Louis na Inglaterra, coloca o lutador como defensor da “democracia racial” (Quilombo, 2003 [1950]:86). Contudo, gostaria de chamar a atenção para a afirmação do redator logo no primeiro parágrafo do texto onde se afirmava que “os Estados Unidos, apesar, ou quem sabe por causa da discriminação racial, tem dado ao mundo as maiores personalidades negras. Seja na arte, na literatura, na ciência e no esporte. Em todos os setores de atividade humana, vamos encontrar, na Norte América,
negros
ocupando
lugares eminentes” (Quilombo, 2003 [1950]:86)81. Logo no primeiro número do jornal, é possível verificar esse interesse em relação aos afro-americanos,
através
de
uma entrevista com o jornalista e
escritor
afro-americano
George Samuel Schuyler (18951977)82 durante sua estada no Brasil na qual o jornalista explica a situação do negro norte-americano aos leitores de Quilombo (Quilombo, 2003 [1948]:19). As
81
Na foto acima se vê George Schuyler (ao centro) numa recepção em homenagem a ele organizada na residência de Arthur Ramos em 1948. 82
Schuyler nasceu em 1895, em Rhode Island (Providence), e lutou na Primeira Guerra Mundial. Após seu desligamento do Exército americano, mudou-se para Nova Iorque e tornou-se jornalista, escrevendo no The Messenger, periódico socialista, a partir de 1923. Publicaria três livros nesse período: The Negro Art Hokum (1926), Slaves Today: a story of Liberia (1930) e Black No More (1931). Também nesse período, estabeleceu relações com o movimento do Harlem Renaissance e flertou com tendências políticas socialistas. Em 1947, publicou The Communist Conspiracy against the Negroes e no período do macartismo, ele se tornaria um dos mais ácidos anticomunistas, o que lhe valeria o apelido de “Whittaker Chambers Negro” e o rótulo de intelectual negro conservador. Cornel West, ao fazer uma análise do surgimento de um “neoconservadorismo negro” nos EUA dos anos 90, traça uma linha histórica na qual coloca Shuyler como precursor. De acordo com o intelectual americano “o desenvolvimento de perspectivas conservadoras não é novidade na história afro-americana. O ilustre conservador negro deste século George S. Schuyler publicou durante décadas uma coluna espirituosa e mordaz no influente jornal negro The Pittsburgh Courier,
173
relações estabelecidas entre Nascimento e Schuyler são importantes, pois o jornalista se tornaria o principal contato do jornal brasileiro nos Estados Unidos. Entre os anos de 1924 e 1966, Schuyler foi editor associado, repórter e colunista do The Pittsburgh Courier, um dos primeiros jornais negros americanos a ter proeminência nacional nos Estados Unidos. Devido a sua atividade profissional jornalista pôde viajar por vários países da África e da América Latina, algo que lhe forneceu um vasto conhecimento político e social destes lugares. A foto da capa do quinto número de Quilombo trazia a foto da filha do jornalista, Philippa Schuyler, seguida de uma nota que apresentava a garota como uma artista prodígio, que tocava piano e compunha já na infância e adolescência (Quilombo, 2003 [1950]:59/60). Neste mesmo número, havia a transcrição de um artigo publicado nos Estados Unidos e de autoria do pai de Philippa.83 O texto fazia uma apresentação de Quilombo para o leitor negro americano, ao mesmo tempo em que tentava explicar aos “patrícios de cor” da América do Norte, como se dava o preconceito no Brasil. De maneira bastante didática afirmava o escritor: NATURALMENTE os problemas do Negro do Brasil não são os mesmos do Negro americano. Não há no Brasil as chamadas leis “Jim Crow” e o povo de cor lá pode votar livremente. Mas há problemas de discriminação econômica e exploração; há ainda um sistema vicioso e ridículo de castas de cor que se antepõe em muitas formas dolorosas e inconvenientes. Vocês podem resumir a diferença entre as duas grandes democracias afirmando que os Estados Unidos têm um problema racial enquanto o Brasil tem um problema de cor. Aqui uma moça completamente branca, mas com uma remota descendência negra pode sofrer por causa daquela chamada gota de sangue “negro”. No Brasil essa mesma moça seria aceita como branca e usaria o preconceito de cor sobre alguma outra moça mais de sangue negro do que ela (Schuyler, 2003 [1950]:62).
A aproximação e inspiração do jornal Quilombo em relação a periódicos negros internacionais fica explícita numa nota inserida no segundo número do jornal, intitulada “Imprensa Negra”. O texto busca informar a situação dos periódicos negros nos Estados Unidos citando uma série de jornais como Freedom’s Journal, The Pittsburgh Courier, Amsterdam Star News, People’s
e seu livro [autobiografia] Black and Conservative [1966] tornou-se um pequeno clássico da literatura afro-americana” (West, 1994:67). 83
Ver também as cartas trocadas entre Nascimento, a Biblioteca Pública de Nova Iorque e o jornal The Pittsburgh Courier através de George Schuyler (Quilombo, 2003 [1950]:29).
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Voice, Eagle, Afro-American, Journal and Guide, Defender, Call, Informer e Daily World. Entre as revistas, eram citadas Phylon, Journal of Negro Education e The Crisis. Em relação à última revista, informava o jornal que havia acabado de receber os seus últimos números tratando-se do órgão de divulgação da NAACP. De acordo com o redator, The Crisis havia sido fundada em 1910 e conseguia “manter um nível cultural elevado, estampando em suas páginas interessante colaboração sobre artes plásticas, sociologia, teatro, política esportes, enfim, sobre tudo que se relacionar com a vida dos negros” (Quilombo, 2003 [1949]:31). Outra personalidade afro-americana que recebeu grande atenção do periódico do TEN foi o cientista político Ralph Johnson Bunche (1904-1971).84 Bunche ficou internacionalmente famoso e tornou-se uma espécie de herói dos negros norte-americanos após ter obtido sucesso na mediação do conflito entre judeus e árabes na Palestina entre 1947 e 1949. No segundo número do periódico, há uma pequena nota informativa do diplomata junto a uma foto sua (Quilombo, 2003 [1950]:29). Já no quarto número, o editorial do jornal levava o título “Prêmio Nobel para Bunche”, premiação que o afro-americano receberia em 1950. O texto afirmava que o diplomata tornara-se o ídolo dos negros e sua trajetória deveria ser tomada como exemplo, ao mesmo tempo Nascimento escrevia que cumpria ao “Comitê Nobel do Senado da Noruega, em 1949, honrar o mérito, o pensamento e o esforço frutífero desse verdadeiro apóstolo da liberdade e da paz que a raça negra ofereceu ao mundo” (Nascimento, 2003 [1949]:47). No número 07/08 é publicado um texto de Bunche intitulado “Da solidariedade humana” fruto de um discurso pronunciado pelo diplomata afroamericano em 23 de outubro de 1949 na Pensilvânia (EUA), onde o afroamericano discorre sobre fraternidade humana, racial e democracia como saídas para os vários tipos de conflitos entre os homens (Bunche, 2003 [1950]:85). Seguindo a tendência de interesse, admiração e contraste da experiência racial dos afro-americanos no terceiro número do periódico Péricles Leal resenha
84
Nascido em Detroit, Michigan, Bunche fez carreira no governo americano após obter seu mestrado e doutorado na Universidade de Harvard ao mesmo tempo em que lecionava na Howard University, a mais antiga universidade negra dos EUA e localizada em Washington (DC).
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dois livros do escritor Richard Wright (1908-1960):85 Filho Nativo (1940) e Black Boy (1945) (Leal, 2003 [1949]:43). Da mesma maneira, João Conceição escreveria o artigo “Revelações Rogerianas” no qual discorria sobre o livro de J. A. Rogers (1883 –1966),86 From superman to man (1917), onde o escritor discutia a questão do complexo de inferioridade dos negros (Conceição, 2003 [1949]:79). Uma ponte entre o que acontecia nos Estados Unidos e na França, do ponto de vista racial, pode ser realizada através de duas personalidades artísticas negras: Josephine Baker e Katherine Dunham. A foto da capa do sexto número do periódico trazia Baker87 e o texto da página seguinte dizia que a dançarina era “uma das maiores negras vivas” e “um patrimônio da França, dos Estados Unidos e do mundo que a raça negra orgulha[va]-se de oferecer para a maior glória da arte e dignidade do gênero humano” (Quilombo, 2003 [1950]:72). Nesse mesmo número, Ironides Rodrigues publica a resenha “As memórias de Josephine Baker”,88 discorrendo sobre o livro que conta a trajetória de Josephine Baker. Estabelecendo uma relação entre a artista e o Brasil Rodrigues comentava a passagem da artista pelo país: Depois que acabei de ler as “Memórias de Josephine Baker” que Marcel Sauvage reuniu e Paul Colin ilustrou, eu me lembrei da Josephine que veio ao Rio e aprendeu maxixe com Araci Cortes, da Josephine que ficava na Argentina uma semana e no Brasil, mais de três meses, tanto é o amor que ela tem pelo nosso país. Em sua “Chez Josephine”, em Paris,
85
Richard Wright nasceu numa plantação do Mississipi em 1908 e em 1925 mudou-se para Memphis e depois Chicago onde, nos anos 1930, juntou-se ao Federal Writers Project. Em 1938, escreveu seu primeiro livro, Uncle Tom’s Children, que foi seguido do clássico Native Son (1940) e Black Boy (1945). No decorrer de sua carreira, Wright escreveria mais 06 livros menos conhecidos. Em 1932 filiou-se ao Partido Comunista, do qual se desligaria anos mais tarde. Depois da Segunda Guerra Mundial, radicou-se em Paris (FR), onde faleceria em 1960. Teve uma atuação importante no grupo Présence Africaine. Para uma análise da trajetória e escritos de Wright, ver o quinto capítulo do livro de Gillroy (2001). 86
Joel Augustus Rogers nasceu em Negril, na Jamaica, em 1883, e mudou para os EUA em 1906, tornando-se cidadão americano em 1917. Sua condição de mulato claro, a linha de cor e os complexos raciais associados aos negros foram os temas de seu primeiro livro, From superman to man de 1917. 87
Josephine Baker nasceu Freda Josephine Mac Donald, em St. Louis, Missouri, em 1906. Dançarina, cantora e atriz, Baker tornou-se internacionalmente famosa após uma temporada nos anos 1920 no Théâtre des Champs Elysées num espetáculo chamado La Revue Négre, que se incluía no movimento da negrophilie (ver o segundo capítulo desta dissertação). 88
Les mémoires de Josephine Baker, de Marcel Sauvage e Paul Colin, com ilustrações de Paul Colin. Simon KRA, 1927. Paris.
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as nossas músicas são divulgadas por ela, e, quando veio ao Rio, dançou uma noite a “Boneca de Pixe” com Grande Otelo (Rodrigues, 2003 [1950]:74).
A dançarina, coreógrafa e antropóloga afro-americana Katherine Dunham (1909)89 também foi outra figura bastante comentada nas páginas de Quilombo. Dunham visitou o Brasil com sua companhia de dança em 1950 e foi o pivô de um acontecimento que trouxe a tona à discussão sobre a existência de discriminação ao lhe negarem hospedagem em um hotel na capital paulista. No seu último número o jornal publicou uma conferência realizada pela antropóloga/dançarina no Brasil intitulada “O estado dos cultos entre os povos deserdados”, na qual a autora traça um panorama da situação dos negros nos EUA do ponto de vista dos movimentos religiosos e nacionalistas (Dunham, 2003 [1950]:112). Porém, gostaria de voltar-me para outros dois textos. O primeiro é do poeta e crítico de arte Murilo Mendes (1901-1975), publicado na coluna “Democracia Racial” sob o título de “Uma negra e sua equipe”. Discorrendo sobre a companhia de dançarina afro-americana, Mendes afirmava que “Katherine Dunham chega[va] ao Brasil no momento em que os negros começa[vam] a tomar consciência viva da sua posição na comunidade brasileira – e o [faziam] por meio dessa grande via de acesso que é a cultura”. Mendes chamava a atenção para o fato de “testemunhos da maior importância – entre os quais o de André Gide – lembram aos brancos que eles têm algo a aprender com os negros”. “O fenômeno da negritude avança[va] no mundo lentamente, mas apoiado na força de uma tradição milenar que tira sua origem de um contacto mais próximo com a terra, o sangue e o terror”. Contudo, alertava o analista, para que se desmanchasse a “separação entre arte negra e arte branca. Ameaça-nos uma forma de racismo às avessas. E não nos iludamos com os preconceitos existentes – mesmo no Brasil” (Mendes, 2003 [1950]:109). O texto de Freyre é o que melhor sintetiza a relação entre a dança de Dunham e o que ele entendia por negritude. O texto do antropólogo 89
Katherine Dumham nasceu em 1909, em Joliet, Illinois. Estudou na Universidade de Chicago, onde se graduou e fez seus estudos de pós-graduação (mestrado e doutorado) em antropologia, pesquisando dança caribenha, brasileira, africana e as relações destas com a dança moderna. Ficaria conhecida como “Matriarca da Dança Negra”.
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pernambucano, que levava o sugestivo título de “A propósito da negritude” e que fora escrito especialmente para o Quilombo, estabelecia uma relação entre a presença do africano no mundo moderno e suas contribuições para o mesmo, um bom exemplo deste fenômeno seria a dança da “Matriarca da Dança Negra”. Transcrevo o artigo de Freyre na íntegra: CONQUISTADORES não devem ser considerados apenas os romanos, os espanhóis, os portugueses, os holandeses, os franceses, os ingleses. Também os africanos. Grande parte do mundo moderno está colorido por sua presença. A presença de uma cultura que nunca desapareceu sob qualquer forma de pressão imperial. A presença do seu sangue que vem contribuindo pela mistura com outras raças para novas combinações de forma e de cor entre os homens. Novas expressões de beleza e de vigor humano. A dança de Katherine Dumham e dos seus companheiros nos dá em sínteses admiráveis idéias da expressão e da profundidade deste fato: o fato da presença do africano no mundo moderno como uma grande força criadora (Freyre, 2003 [1950]: 117).
O que os dois textos demonstram é que a intelectualidade brasileira estava informada a respeito dos movimentos intelectuais, artísticos e políticos dos negros naquilo que poderíamos chamar de Diáspora Africana e tinha uma leitura bastante peculiar do movimento a partir da realidade sociorracial brasileira. Vale fazer um parêntese para comentar sucintamente a respeito do surgimento da négritude francesa que nascera primeiramente como movimento literário questionando a assimilação cultural introjetada pelos negros e prega uma volta às raízes africanas. Em 1932, no Quartier Latin – bairro de estudantes universitários em Paris – surge à revista Legitime Défense. Ela teve apenas um número que foi patrocinado por estudantes negros oriundos do Caribe e da África francófona. Alguns eram Léro, René Mevil, Jules Manera e outros. A idéia principal veiculada na revista era a defesa de uma literatura negra, que assumisse a ascendência racial. Dois anos depois, 1934, surge a revista L’Étudiant Noir. Os artigos apresentados na mesma sofriam influencias do surrealismo, comunismo e pregavam a volta às raízes africanas. O surrealismo e o comunismo, segundo Munanga (1986), vinham despojados de seu caráter doutrinal e eram utilizados como ferramentas ou técnicas. Os organizadores deste último periódico eram o martiniquense Aimé Cesaire, o guianense Leon Damas e o senegalês Leopold Sédar Senghor. Aimé Cesaire, criador da palavra négritude, irá defini-la a partir de três palavras:
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fidelidade, identidade e solidariedade. Fidelidade na ligação com a terra mãe, a África. Identidade consistindo na atividade de assumir positivamente e de maneira orgulhosa a condição de negro. Solidariedade como sentimento que secretamente ligariam todos os negros do mundo uns aos outros, levando a preservação da identidade e a ajuda mútua (Munanga, 1986). A negritude nasce de um sentimento de frustração dos intelectuais negros por não terem encontrado no humanismo ocidental todas as dimensões de sua personalidade. Neste sentido, ela é uma reação, uma defesa do perfil cultural do negro. Representa um protesto contra a atitude do europeu em querer ignorar outra realidade que não a dele, uma recusa da assimilação colonial, uma rejeição política, um conjunto de valores do mundo negro que devem ser encontrados, defendidos e mesmo repensados. Resumindo trata-se primeiramente de proclamar a originalidade da organização sócio-cultural dos negros para, depois, sua unidade ser defendida, através de uma política de contra aculturação, ou seja, desalienação autentica (Munanga, 1986:57).
Contudo, neste primeiro momento, todas essas idéias se restringiam à literatura. Após a Segunda Guerra Mundial, a negritude torna-se cada vez mais um movimento não só literário, mas político se espalhando pelas colônias da África, fomentando a descolonização do continente, e por países da diáspora africana, entre eles o Brasil. Assim, é importante não perdermos de vista estes dois aspectos que o termo “negritude” convoca. O primeiro diz ao movimento literário inaugurado na primeira metade da década de 30 e o segundo se refere à ideologia. É claro que esse movimento estético se derivou da necessidade de concretização da ideologia da negritude, e é verdade também que seu propósito foi alargado de tal maneira a confundir a proposta estético-libertária com as propostas sociais, econômicas e culturais mais abrangentes que a ideologia propiciava. Autores como Decraene (1962) irão incluir uma série de acordos, aproximações e manobras políticas entre os vários dirigentes políticos africanos dentro de uma perspectiva de luta pan-africana que teria sido impulsionada pela negritude. Nesse contexto, a ideologia da negritude é uma espécie de arcabouço ideológico pelo qual os dirigentes políticos africanos se guiarão. O grupo Présence Africaine, por sua vez, reunia intelectuais brancos – como Jean Paul Sartre, Albert Camus e André Gide – e negros como Alioune Diop (Decraene, 1962). Ele teve um papel importante na abertura dessa frente mais política da negritude. O grupo lançou uma revista em 1947 com esse mesmo 179
nome e teve seu auge ao promover dois encontros de escritores negros em Paris (1954) e em Roma (1958). No momento de sua criação, a Presença Africana congregava escritores como Emanuel Mounier, Jean Paul Sartre, Albert Camus, André Gide. Publicada em novembro de 1947, o primeiro número da revista incluía um artigo de Sartre (...) Exerceu decisiva influencia no movimento pan-africano o pequeno grupo da Presença Africana, publicando certas obras que hoje se estimam essenciais. É o caso da Filosofia banto de RP Placide Tempes e Nações Negras e Cultura do Sr. Cheikh Anta Diop (Decraene, 1962:33).
O interesse de todos esses grupos está focado na problemática da inserção na sociedade Ocidental dos povos de origem africana. Há uma representação positiva das contribuições que o negro traria para a civilização ocidental que é compartilhada por esses autores. Nas palavras de Léopold Sedar Senghor: Éramos estudantes de Paris e do século XX, uma das realidades reside, sem dúvida, no despertar das consciências nacionais, mas outra das quais, ainda mais real, consiste na independência dos povos e dos continentes. Para sermos verdadeiramente nós mesmos cumpria-nos encaixar a cultura negro-africana entre as realidades do século XX. Para que fosse a nossa negritude, ao invés de uma peça de museu, o eficaz instrumento de libertação, fazia-se mister livrá-la das escórias, do pitoresco, e inseri-la no movimento solidário do mundo contemporâneo (Senghor apud Decraene, 1962:35).
É justamente nesse momento que esses movimentos começam a fazer eco na militância dos movimentos negros brasileiros. No terceiro número de Quilombo é publicada uma carta trocada entre Nascimento e direção da revista francesa Présence Africaine em abril de 1949, sugerindo a troca de colaborações entre os dois periódicos (Quilombo, 2003 [1949]:36). Contudo, essa nota só comprova algo que já vinha sendo cultivado desde o primeiro número do jornal, no qual saíra uma nota intitulada “Présence Africaine”, que afirmava de maneira bastante entusiástica: Não temos notícia de outra publicação negra que iguale em importância cultural a essa “Présence Africaine”, editada em Paris e Dakar. O escritor mundialmente famoso André Gide, – que ao lado de Albert Camus, Richard Wright, Jean Paul Sartre e outros – figura como patrono da revista, fez a apresentação num artigo apelando para que se ouvisse o que o negro tinha a dizer, desde que há séculos ele vinha sendo explorado sem uma oportunidade. E os negros da Sorbone, em Paris, ou de Dakar, Cuba, Haiti ou Norte-América estão dizendo coisas graves, seríssimas, decisivas a respeito dos temas mais variados que interessam ao comportamento do homem intelectual, vinculado a marcha perene do espírito e do pensamento em sua inquietude e insatisfação criadora (...). Présence Africaine está em seu quarto número de revista mensal significando o primeiro passo numa distância nova, uma etapa histórica na influência do pensamento negro na evolução do mundo (Quilombo, 2003 [1948]:21).
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Barbosa (2004:80-83) defende que a négritude teria chegado às lideranças negras do TEN através de um poeta argentino que fazia parte do grupo Santa Hermandad Orquídea, com o qual Nascimento tinha viajado por países da América do Sul entre 1941 e 1943. Nas palavras de Barbosa, “os ensaios que mais se aproximam da abordagem da negritude naqueles números iniciais do Quilombo não eram de membros do TEN, mas aqueles do poeta argentino Éfrain Tomas Bó: Poesia afro-americana (dezembro de 1948) e O ator negro (maio de 1949)” (Barbosa, 80:2004). Contudo, dos intelectuais negros que escreviam no jornal Ironides Rodrigues parece ter sido o mais influenciado pela négritude, algo justificado pela sua admiração pelo país europeu e pelo fato de ser, junto com Guerreiro Ramos, francófono. No artigo que escrevera no jornal sobre a biografia que preparava do poeta Cruz e Souza, há vários elementos interessantes como o autor se referindo a uma “alma negra” existente no poeta catarinense. Afirmava Rodrigues que Joaquim Ribeiro “descobriu uma certa ressonância em Cruz e Souza, semelhante a da sonoridade do idioma quimbundo. Isto arrasa as pretensões estultas de muitos poetas por aí, que só pelo de cantarem um motivo negro, querem ser poeta da raça a todo custo”. Continua o crítico, baseando-se em Carlos Dante de Morais, que “os profundos instintos musicais em Cruz e Souza, é o que há nele, de mais africano. Muitos dos poemas do cantor de “Emparedado”, há aquela sensualidade sádica muito própria do negro. Pode-se ouvir distintamente tantan, rascar de cordas, melodias graves, notas agudas, síncopes, pausas, ondulações como os cantos que a gente da senzala geme ao palôr da Lua”. Por fim, afirmava Rodrigues que era “este o ponto que os críticos ainda não descobriram, só vêem nele [Cruz e Souza] o poeta da arte pela arte e não o grande cantor social da raça negra do nosso século” (Rodrigues, 2003 [1950]:62). No mesmo número, Rodrigues faz a tradução da introdução de “Orpheu Negro”, de Jean Paul Sartre, cujo texto faz praticamente um resumo da idéia de négritude ao público leitor do jornal (Sartre, 2003 [1950]:64-65). No número 07/08, assina a tradução de um texto de George Bataille, intitulado “Cinemas e artistas negros” e retirado do quarto número de Présence Africaine (Bataille, 2003 [1950]: 181
88-89). Por fim, no nono número Rodrigues faz a tradução do prefácio da edição em espanhol do livro de poemas de Blaise Cendrars Anthologie Négre (1921),90 escrita por Nestor R. Ortiz Oderigo, no qual há uma parte em que o prefaciador argentino explica o que foi o “negrismo” ou a “negrofilia” na Paris do começo do século (Oderigo, 2003 [1950]:102). Contudo, é Guerreiro Ramos quem coloca a négritude como uma proposta de intervenção política e racial fazendo coro ao posicionamento de Roger Bastide no nono número do jornal em seu texto “O movimento negro francês” (Ramos, 2003 [1950]:97), que via na mestiçagem uma possibilidade de efetivação da négritude. Ramos, em seu artigo “Apresentação da negritude”, estabelece uma relação entre Brasil, democracia racial e negritude. Afirmava o sociólogo que: O BRASIL deve assumir no mundo a liderança da política de democracia racial. Por que é o único país do orbe que oferece uma solução satisfatória do problema racial. Com respeito aos homens de cor, oferece-lhes a sociedade brasileira praticamente todas as franquias. E se há um problema dos homens de cor em nosso país, ele consiste eminentemente em exercitá-los, pela cultura e pela educação, para usar aquelas franquias (...). Esta é a nossa profunda convicção. No momento em que lançamos na vida nacional o mito da negritude, fazemos questão de proclamá-la com toda clareza. A negritude não é um fermento de ódio. Não é um cisma. É uma subjetividade. Uma vivência. Um elemento passional que se acha inserido nas categorias clássicas da sociedade brasileira e que as enriquece de substância humana. Humana, demasiadamente humana é a cultura brasileira, por isto que, sem desintegrar-se, absorve as idiossincrasias espirituais as mais variadas. E até compõe com elas a sua vocação ecumênica a sua índole compreensiva e tolerante. A cultura brasileira é, assim, essencialmente católica, no sentido de que nada do que é humano lhe é estranho. A negritude, com seu sortilégio, sempre esteve presente nesta cultura, exuberante de entusiasmo, ingenuidade, paixão, sensualidade, mistério, embora só hoje por defeito de uma pressão universal esteja emergindo para um título de glória e de orgulho para o Brasil o de ter-se constituído no berço da negritude a doce e estranha noiva de todos nós brancos e trigueiros... (Ramos, 2003 [1950]:117).
De acordo com Barbosa, “aqui, a negritude é entendida por Guerreiro [Ramos] como um subjetividade que estaria inserida nas categorias clássicas da cultura brasileira, testemunho vivo do espírito “democrático” e “humano” desta cultura que possibilitaria ao Brasil “assumir no mundo a liderança da política da democracia racial” (2004:87).
90
Rodrigues se refere a uma edição Argentina do livro: Antologia negra. Siglo Viente. Buenos Aires.
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Por fim, vale ressaltar que a idéia de aproximação com as origens africanas fez com que a representação do continente africano tivesse uma mudança em relação à maneira como era retratado pelos jornais antecessores de Quilombo. No número 04 do periódico há uma entrevista com George Chalaby, apresentado como representante do governo etíope no Brasil na matéria “Sob os céus etiópicos” que retratava uma palestra realizada pelo entrevistado na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). O artigo irá retratar aspectos históricos, sociais e políticos do país africano, no sentido de ligar os negros brasileiros, “por vínculos mais sólidos, aos irmãos do continente africano” (Quilombo, 2003 [1949]:50). Contudo, deve-se ter em mente que a escolha da Etiópia para ser retratada no jornal não se dá no vazio. Dentro do imaginário que se construiu na Diáspora Africana no decorrer do tempo, o país herdeiro da primeira civilização cristã na África tem um posicionamento estratégico. Ras Tafari Makonen é o primeiro nome de Haile Séllaissié I, Imperador da Etiópia nos anos 1940 e 1950 e sucessor de Menelick II que, em 1896, derrotou os italianos na Abissínia tornando a Etiópia a primeira nação africana independente. Em 1928, ano da coroação de Sellassié I, o país se filia à Liga das Nações. A coroação do imperador teria sido profetizada por Marcus Garvey, numa visão em 1925. Um fato interessante para demonstrar que a Etiópia sempre foi uma referência positiva e de orgulho para os negros de todo mundo por sua vitória sob a Itália é que, como afirma Bastide, “o primeiro jornal [negro] da Capital de São Paulo de tivemos conhecimento é o Menelik, aparecido em 1915, “órgão mensal, noticioso, literário e crítico dedicado ao homem de cor”, e que tomou esse título em homenagem ao “grande rei da raça preta, Menelik II, falecido em 1913” (Bastide, 1983:131). Também era comum os imigrantes italianos se referirem aos negros como “menelicks” (Leite, 1992). No sexto número do jornal, pode-se notar um posicionamento crítico do jornal na representação do continente africano ao noticiar o filme “Atavismo”, que havia sido exibido recentemente no Rio de Janeiro. A coluna de cinema afirmava que, “ao contrário do que se esperava, ‘Atavismo’ não passava de mera propaganda imperialista britânica, tentando levar ao ridículo (tentando, apenas) as crenças dos pretos africanos, numa cupidez de espantar, sem menor sinal de
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compreensão ou interpretação das crenças religiosas dos habitantes da África” (Quilombo, 2003 [1950]:81). 4.5 – Manifestações culturais e religiosas afro-brasileiras Outra temática recorrente nas páginas de Quilombo foi a representação de manifestações culturais e religiosas de origem afro-brasileira. Nesse aspecto, também há uma inovação aos jornais anteriores da Imprensa Negra. No primeiro número do jornal há a transcrição de parte do livro de Edson Carneiro, Candomblés da Bahia, na qual o autor descreve e explica uma festa de santo aos leitores (Carneiro, 2003 [1948]:22-23). No artigo especial para o Quilombo, intitulado “Evocação do samba”, Basílio Itibere busca descrever o cotidiano de uma escola de samba no Rio de Janeiro. Com um deslumbramento digno de um turista europeu, o autor estabelece uma diferenciação entre ele, o “autor” e “homem da planície”, em relação ao seu guia, Mestre Júlio. Itibere caracterizava o “mestre de harmonia”, de “pitoresco sabor medieval”, “diretor técnico” e o “mentor espiritual das escolas de samba”. Fascinado com o que via o autor dizia que “as percussões aumentam de intensidade e de andamento e, de súbito, como uma martelada de bigorna, às vezes irrompem estridentes, guturais, maravilhosamente primitivas” (Itiberê, 2003 [1949]:31, grifos meus). No terceiro número do jornal ocorre a publicação do temário do I Congresso do Negro Brasileiro, que se realizaria em 1950, elaborado na Conferência Nacional do Negro. Do cinco tópicos selecionados, três faziam referência a manifestações
religiosas
e
culturais,
a
saber:
sobrevivências
religiosas;
sobrevivências folclóricas e línguas (Quilombo, 2003 [1949]:39). A nota “Branco de alma preta”, publicada no quarto número do periódico, evidencia como as manifestações culturais negras são respeitadas como verdadeiras representantes da “alma negra”, mas ainda não são vistas como algo que ajudariam na elevação cultural e melhora sócio-econômica do negro. Afirmava o redator que: Porque somente procurando eleger o nível cultural dos negros se estará promovendo obra de anti-racismo, e não como fazem certos cavalheiros, como o prefeito Mendes de Morais, por exemplo, que pelo simples fato de gastar a rodo com o carnaval, já se julga merecedor
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da gratidão dos pretos cariocas. Não. Essa demagogia está caduca. Quem é democrática sincero, quem não guarda sentimentos antinegro, evita a segregação o amesquinhamento do povo de cor, ajuda-o a se elevar em dignidade pessoal e coletiva e isso só se consegue com estudo e não através de carnavais, escolas de samba, terreiros de macumbas, que mesmo sendo, como de fato são legítimas manifestações da alma negra, do instinto e da sensibilidade do negro, não o ajudam a galgar posições mais elevadas nos quadros de nossa sociedade (Quilombo, 2003 [1949]:49, grifos meus).
O artigo “São João no Quilombo de Caxias” descreve a ida de Abdias do Nascimento a uma festa de São João no terreiro de Joãozinho da Goméia em Duque de Caxias (RJ) com uma série de fotos, uma delas focalizando Nascimento ao lado do sacerdote. Fazendo um esforço de contextualização vê-se que aquele não era qualquer terreiro. Pai Joãozinho da Goméia (1914-1971) foi uma figura polêmica no universo das religiões afro-brasileiras filiada a tradição angola do candomblé. De acordo com Lody e Silva “mesmo sendo muito jovem segundo os parâmetros mais aceitos pela comunidade religiosa baiana, Joãozinho tornou-se pai-de-santo com terreiro na rua da Goméia, em São Caetano, Salvador [BA]. Foi por causa do nome desta rua que João Alves Torres Filho passou a ser popularmente conhecido como Joãozinho da Goméia” (Lody e Silva, 2002:154). Em 1946 ele se transferira para o Rio de Janeiro, abrindo seu terreiro em Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense. A trajetória de Goméia seria marcada por polêmicas relacionada a sua vida privada e sua atuação na “ampliação das fronteiras e do diálogo entre as várias modalidades de ritos de candomblé e deste com a sociedade brasileira” (Lody e Silva, 2002:153). O texto que acompanhava as fotos publicadas em Quilombo afirmava que: A pequena cidade do Estado do Rio, Caxias, se transformara num grande, imenso quilombo. Seu povo é todo negro. Cada fundo de casa é um “terreiro”, em cada encruzilhada se tópa com um despacho prá Exu. Não é sem motivo que já chamam Caxias de Roma sem torres de igrejas... É um dos raros lugares onde o negro ainda pode usar o direito de praticar seu culto sem ser aborrecido pela polícia. Exceto a Bahia, em nenhuma outra cidade do Brasil se exerce com tanto fervor o culto dos “orixás” que nossos antepassados trouxeram da África (Quilombo, 2003 [1949]:58).
No artigo “Liberdade de culto”, Edson Carneiro fala da perseguição policial a que as religiões afro-brasileiras estavam submetidas (Carneiro, 2003 [1950]:65). O artigo de Carneiro, junto ao texto de Nascimento transcrito acima, corresponde a um posicionamento bastante interessante do jornal, pois essas religiões possuiriam uma forma de religiosidade “popular” e ”negra” e, assim sendo, 185
deveriam ser respeitadas e preservadas e protegidas da perseguição policial que ainda assolava essas manifestações religiosas. Esse posicionamento é confirmado pelo artigo “O problema da liberdade de culto” no qual é transcrita uma carta do Sr. Paulo Euclemetério, ex-chefe de polícia do Pará, que discorre sobre a legalização do funcionamento dos terreiros do Pará. A correspondência deixa transparecer um sentimento de culpa por parte do missivista que era filho de proprietários de escravos. Fala-se da cultura superior e primitiva, aculturação entre outras coisas, ou seja, idéias equivocadas a respeito da população negra (Quilombo, 2003 [1950]:110). A valorização das manifestações que eram vistas como afro-brasileiras podem ser vistas ainda nos artigos “A pernada carioca” de Edson Carneiro (Carneiro, 2003 [1950]:102) e “Bumba-Meu-Boi” de José Brasil (Brasil, 2003 [1950]:103). Outro artigo retirado do livro de Carneiro foi “Teogonia negra”, que discorre sobre o candomblé e outras religiões de matriz africana (Carneiro, 2003 [1950]:109). Por fim, o artigo “O negro na música brasileira (nota a desenvolver)” de Renato de Almeida, explora a idéia de que os brancos eram culturalmente superiores aos negros e índios e usa o caso da música para exemplificar. De acordo com o autor: Na imensa mestiçagem brasileira, a contribuição negra teve sempre uma importância excepcional, aproveitando do branco ou do índio, tudo quanto lhe pudesse satisfazer. Talvez por ser culturalmente inferior ao branco estar pela escravidão em posição inferior ao do índio, não pretendesse o africano impor, de uma forma direta, o que era seu. Aceitou quanto encontrou na terra, mas para utilizar todos esses elementos díspares e numerosos, teve de adaptá-los e o fez com tanta força e caráter, que os tornou legitimamente de sua propriedade (Almeida, 2003 [1950]:118).
4.6 – Política, negros e a campanha eleitoral de 1950 A inserção política do negro foi uma temática muito presente nas páginas de Quilombo, especialmente devido à ocorrência de um pleito eleitoral em 1950. Contudo, logo no editorial do primeiro número Nascimento tentava estabelecer um distanciamento entre o jornal em relação a qualquer tendência partidária afirmando que:
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Nada temos com partidos, nem os chamados democráticos, nem da direita, nem da esquerda – que sempre exploram o negro eleitoralmente (Edson Carneiro). Muito menos advogamos uma política negra, mas sim uma vontade negra de ser brasileiros com as mesmas responsabilidades de todos os brasileiros (Nascimento, 2003 [1948]:19/24).
Contudo, esse posicionamento mudaria gradativamente. É o que se percebe no terceiro número, cujo editorial se intitulava “Nós e a sucessão”. No artigo, Nascimento busca alertar a população negra a respeito da proximidade do pleito eleitoral, ao mesmo tempo em que se dirige aos partidos evidenciando o potencial do eleitorado negro. Estamos as vésperas do grande pleito de 1950. Democraticamente serão escolhidos o futuro Presidente da República, Senadores, Deputados, Governadores e Vereadores. Os possíveis candidatos já se movimentam com os olhos fixos no poder. Chegou, pois, o instante de perguntar ao Brasil: o negro deve ter voz poderosa e autônoma nessa eleição? Saibam os partidos e os candidatos que mais de um milhão de votos da massa negra pode e quer decidir a vitória (Nascimento, 2003 [1949]:35).
No quinto número, a temática retorna com bastante força, a ponto de ser aberto um “Fórum Político” no jornal, que faria “uma enquête junto as prováveis candidatos aos postos eletivos, contribuindo, dessa forma, para que os negros possam melhor estudar as idéias e a posição daqueles que pretendem ser legítimos representantes do governo” (Quilombo, 2003 [1950]:63). Ainda afirmava a coluna que “os candidatos da gente de cor serão aqueles, – negros ou brancos – que além do seu manifesto sentimento democrático, estejam vinculados realmente aos problemas das massas, às questões que preocupam as grandes zonas humanas dos trabalhadores” (Quilombo, 2003 [1950]:63, grifos meus). Chama a atenção, nesta passagem, os grifos, que evidenciam a não reivindicação do voto étnico e a associação dos negros as massas urbanas e trabalhadoras. O primeiro entrevistado da coluna foi o engenheiro e empresário Jael P. de Oliveira Lima que, segundo informações obtidas pelo jornal, viria a se candidatar a deputado federal. Logo no início da entrevista o engenheiro era questionado em relação à existência ou não de um problema racial. Jael reproduz em sua resposta aquilo que parte dos brancos mais esclarecidos e do ativismo negro pensavam a respeito da questão racial. Dizia ele que:
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No Brasil não há problema racial. Aqui vivem harmoniosamente pessoas de todas as raças, misturando sangue, suor e trabalho para o bem comum da Pátria. As teorias sobre inferioridade e superioridade de raças estão mortas. E mesmo nos Estados Unidos, a tensão entre pretos e brancos está diminuindo. Nos estados do norte, por exemplo, já quase não se nota mais os efeitos da “linha de cor”; apenas no sul o “Jim Crow” ainda é praticado, porém, sem o rigor de uns dez anos atrás. O que há no Brasil com o nome de discriminação racial é um ou outro caso isolado de ignorância que não chega a constituir propriamente um problema. Não desconheço e não nego, naturalmente, a necessidade de uma urgente ação recuperadora das grandes energias do homem de cor. Vindos da escravidão sem preparo, sem base educacional e profissional, o negro brasileiro encontrou-se sem armas para vencer, daí o baixo nível de vida que hoje desfruta. Mas isso não é sinal de incapacidade, inferioridade, falta de inteligência e energia realizadora. A gente negra é de uma vitalidade espantosa, de uma vivacidade espiritual e mental admiráveis. Precisamos ajudar essa gente boa e simples não com o olho da boca da urna, mas realizando uma obra eficiente e prática (Lima, 2003 [1950]:63).
Coincidentemente, o empresário passou a ser um dos grandes apoiadores das atividades do TEN e do jornal. Neste mesmo número há uma propaganda da construtora de Oliveira [Oliveira Lima & CIA. Ltda] de página inteira (Quilombo, 2003 [1950]:68). A nota “Prêmio Jael de Oliveira Lima”, do sexto número do jornal, anunciava que o construtor havia doado 10.000 cruzeiros em dinheiro como prêmio para o concurso “Boneca de Pixe”. Afirmava o redator que: O engenheiro é um amigo desinteressado do movimento que vimos realizando pela melhoria das condições de vida do negro. Ele não só aplaude as peças montadas pelo Teatro Experimental do Negro, prestigia as nossas iniciativas como o Instituto Nacional do Negro, o Seminário de Grupoterapia e o Museu do Negro, como estimula o desenvolvimento dos valores estéticos da civilização brasileira. Ainda agora temos a grata satisfação de anunciar o gesto fidalgo desse aristocrata de coração que é o Dr. Jael de Oliveira Lima criando o prêmio que leva o seu patrocínio na importância de Cr$ 10.000,00 em dinheiro, destinado a jovem negra que for eleita “Boneca de Pixe de 1950 (Quilombo, 2003 [1950]:82).
Outras iniciativas patrocinadas pelo empresário foram a criação de uma escola profissional para os “brasileiros de cor”, pelo Instituto Nacional do Negro (Quilombo, 2003 [1950]:87), e o oferecimento de uma sede para as atividades do TEN no 2º andar de um prédio na Rua Mayrink Veiga (Quilombo, 2003 [1950]:98). Por fim, no “Fórum Político” do sexto número do jornal, Jael de Oliveira e Eurico de Oliveira são apresentados como candidatos que defenderiam causas do povo e dos negros. Nas notícias, fica evidente uma interpelação da parte dos candidatos dos “negros” como “povo”. Esse aspecto transparece na matéria “Continuo sendo um homem do povo” na qual embora o redator se refira a Eurico de Oliveira como “um dos brancos que mais tem se debatido pelas causas dos
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homens de cor no Brasil”, em suas declarações o candidato só fala em “povo” ou “massas”. Vejamos: É necessário um despertar de consciências - prosseguiu o entrevistado. Por que, na base, estão as massas trabalhadoras e sofredoras e, no vértice, estão os senhores da vida, os exploradores, oportunistas e aproveitadores do suor alheio. (...) O povo precisa encarar as eleições como o ponto maior de sua luta contra os seus falsos defensores. Hei de trabalhar até o fim dos meus dias pelas causas da coletividade. Procurarei empregar minhas forças para despertar as massas de certo marasmo em que se vem entregando (...) (Oliveira, 2003 [1950]:75) [grifos meus].
No editorial do sexto número de Quilombo, Nascimento começa o texto intitulado “Candidatos negros e mulatos” questionando a “democracia de cor” do Brasil e que o maior teste para a sua verificação seria o pleito eleitoral a se realizar em 1950. Mesmo se os partidos lançassem candidatos negros ou mulatos, isso não bastaria para evidenciar a inexistência de “preconceito de cor” nas suas fileiras. Esse posicionamento seria reforçado pelo “Manifesto Político dos Negros Fluminenses”, publicado no número 07/08, que se tratava de uma espécie de documento lançado por políticos negros reivindicando que os partidos incluíssem em suas legendas aos menos três candidatos negros e mulatos. Ao mesmo tempo, conclamava-se a população e não votar em partidos que não tivessem candidatos negros (Quilombo, 2003 [1950]:87). De acordo com Nascimento, era necessário que houvesse uma proporção entre o número de candidatos negros e mulatos e o peso desse grupo no montante da população brasileira. Em seguida, o autor aparenta lançar de maneira discreta a sua candidatura ao ressaltar sua trajetória de realizações. Todos os negros brasileiros conhecem nossa vida pública ao serviço permanente da valorização dos nossos irmãos de cor. Nossas iniciativas e realizações culturais, com a colaboração das elites e a participação direta da massa de cor: Congresso AfroCampineiro (Estado de São Paulo – 1938); Teatro Experimental do Negro (Rio – 1944); Comitê Democrático Afro-Brasileiro (Rio – 1945); Convenção Nacional do Negro (S. Paulo – 1945 e Rio – 1946); Conferência Nacional do Negro (Rio – 1949), representam a vigilância constante que exercemos contra as injustiças praticadas contra o negro em qualquer lugar em que se manifestem, mas, acima desse aspecto de protesto, o nosso trabalho foi mais afirmativo, integrando o homem de cor brasileiro no verdadeiro caminho para sua libertação de inibições, complexos e inferioridade, e conquistando a mais importante projeção internacional que um movimento negro jamais obteve até agora no Brasil (Nascimento, 2003 [1950]:71).
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O editorial do número 07/08 leva o título de “Minha candidatura” lançando formalmente a candidatura de Nascimento a vereador. A matéria “Abdias do Nascimento: candidato de pretos e brancos, de pobres e ricos” discorria sobre a cerimônia ocorrida em 19 de abril de 1950 na qual o nome do ativista negro fora lançado como candidato a vereador no Distrito Federal. Antecipa-se em afirmar que Nascimento irá trabalhar para o bem de todos e que sua candidatura não significava necessariamente “discriminação racial” ou coisas do tipo (Quilombo, 2003 [1950]:92). Toda a cerimônia está registrada em fotos na última página deste número do jornal (Quilombo, 2003 [1950]:94). O editorial registrava que: AMIGOS meus, colaboradores e simpatizantes do movimento visando à elevação cultural econômica do negro brasileiro, resolveram lançar minha candidatura à assembléia legislativa do Distrito Federal. Justificaram seu gesto com o argumento de ser minha eleição a vereador uma etapa lógica e natural no desenvolvimento desse programa de busca de meios que acelerem o processo de integração de brancos e negros no Brasil, assegurando assim, à tática por nós usada, armas mais efetivas e poderosas na luta pela conquista desse padrão de existência ideal que libere os brasileiros de cor de complexos, tensões emocionais e das atuais desvantagens sócio-econômicas (Nascimento, 2003 [1950]:83).
Neste número do jornal, Nascimento o colocava à disposição de todos os candidatos negros e mulatos para campanha política, independente do partido (Quilombo, 2003 [1950]:87). Contudo, merece atenção o artigo de Péricles Leal (1930-1999),91 “Teatro Negro no Brasil II”. Nele, o autor faz uma análise do TEN (ou do movimento negro) a partir da palestra de Abdias do Nascimento na Conferência Nacional do Negro. Em determinada parte do texto, Leal ataca os comunistas chamando-os de “extremistas” e os associando a uma tentativa de cooptação em relação ao movimento negro: Excusado será dizer que os lutadores conscientes e responsáveis do movimento de forma alguma desejam qualquer ligação política com quem quer que seja; a luta do homem de 91
Péricles Leal nasceu em João Pessoa (PB), em 1930, e mudou-se para o Rio de Janeiro em 1948. Nesse ano, ao ganhar um prêmio de contos no Distrito Federal daquela época, conseguiu se inserir no meio jornalístico da cidade passando a escrever em vários jornais, atividade que já desenvolvia na Paraíba antes de se mudar para o sudeste. Na capital paraibana, ele tinha escrito a reportagem Um pedaço da África em Borborema, cuja explorava as origens étnicas do Estado nordestino. Também nessa época, desenvolvia outros tipos de trabalho, fazendo poemas, contos, crônicas, reportagens, e escrevendo adaptações teatrais para o rádio. Nos anos 1950, seria um precursor das telenovelas no Brasil trabalhando nas extintas TV Paulista e Tupi, nessa última, tendo escrito a novela Falcão Negro, que durou de 1954 a 1963. Posteriormente, trabalharia na Rede Globo. Faleceu em 1999, com quase 70 anos.
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cor é grande demais para cingir-se a meia dúzia de princípios mais ou menos românticos de Karl Marx ou qualquer outro, verde ou vermelho; ademais, séculos inteiros de negação ensinaram o negro, a saber, o que lhe convém. E a sua luta para manter-se afastado dos extremistas – apesar dos acenos aparentemente fraternais dos seus chefes e sequazes – tem sido, em verdade, uma das mais heróicas. Vale assinalar, contudo, que a distância tem sido mantida, não somente no Brasil, como na América, onde os extremistas empregam os seus métodos universais (vede “Native Son”, de Richard Wright, por sinal que, hoje, um renegado dos comunistas, depois de ter sido endeusado pela sua imprensa em todo o mundo...). Assim, sem servir de cobaia para os fins inconfessáveis dos agitadores políticos, e bem avisado contra eles, segue o seu verdadeiro caminho o movimento negro brasileiro (Leal, 2003 [1950]:93)
No número seguinte, ocorreria uma apresentação dos candidatos que estariam mais próximos da população negra. Eram eles: José Bernardo (PTB), mulato candidato deputado federal; Jael de Oliveira Lima (PSD), branco candidato a deputado federal; Abdias do Nascimento (PSD), negro candidato a vereador; Isaltino Veiga dos Santos (PDC), negro candidato a vereador e José Alcides (PSD), negro candidato a vereador (Quilombo, 2003 [1950]:111). Por fim, a nota “Despertar na consciência nacional”, no décimo número do jornal fecha as discussões a respeito do pleito eleitoral apresentando-se Abdias do Nascimento como candidato do Partido Social Democrático. Dizia o texto que: Um passo decisivo está aguardando o negro brasileiro. No próximo 3 de outubro, o eleitorado terá oportunidade de comparecer às urnas para sufragar os nomes dos seus representantes às casas da representação popular. Abdias Nascimento, o valoroso condutor do movimento de integração social de pretos e brancos, e que tem dedicado todas as horas de sua vida aos mais sadios princípios de sua gente, fundador do Teatro Experimental do Negro – que é uma das mais legítimas propagandas da inteligência brasileira no Exterior – além de organizador de um sem número de realizações em pró do bem estar da coletividade negra no Brasil, apresenta-se, na chapa do Partido Social Democrático, como candidato a vereador. A inclusão do nome de Abdias Nascimento entre os candidatos do partido majoritário nacional, representa algo digno de registro especial. E os homens de cor da Nação Brasileira, assim como todos aqueles que, pretos ou brancos, compreendem o valor da sua obra notável, não poderão deixar passar esta oportunidade de sufragar o seu nome (Quilombo, 2003 [1950]:109).
4.7 – O I Congresso do Negro Brasileiro A última temática recorrente em boa parte dos números de Quilombo diz respeito aos preparos para a realização do I Congresso do Negro Brasileiro, em 1950. Era o que afirmava a matéria de capa do segundo número do jornal, afirmando que “por iniciativa do Teatro Experimental do Negro, instala-se hoje a Conferência Nacional do Negro, cujo principal objetivo é formular, uma agenda de 191
temas para o 1º CONGRESSO DO NEGRO BRASILEIRO, a realizar-se em 1950, comemorativo do centenário da abolição do tráfico de escravos. Na Comissão Organizadora da Conferência, além do diretor de QUILOMBO, figuram Edison Carneiro, conhecido escritor, autor de vários livros sobre religião negra, história, etc., e Guerreiro Ramos, sociólogo de renome” (Quilombo, 2003 [1949]:27). O enclave, ainda de acordo com a matéria, deveria unir estudiosos, líderes negros, o povo em geral, mas afastar-se de partidos políticos e ideologias. Como se vê, a organização da Conferência Nacional do Negro, ocorrida entre 9 e 13 de maio de 1949 e amplamente coberta pelo jornal (Quilombo, 2003 [1949]:40-41), fortaleceu uma aproximação entre Abdias do Nascimento, Guerreiro Ramos e Edson Carneiro. Durante a realização da conferência, que contou com a participação de ativistas, políticos, intelectuais e até o representante da ONU no Brasil, foi eleito o Temário do I Congresso do Negro Brasileiro de 1949 que se encontra publicado no terceiro número do jornal. Seis tópicos norteavam o temário, a saber: “história”; “vida social”; “sobrevivências religiosas”; “sobrevivências folclóricas”; “línguas” e “estética”. Dentro de cada tópico, havia o detalhamento de cada tema (Quilombo, 2003 [1949]:39). No editorial do quinto número do jornal, intitulado “O I Congresso do Negro Brasileiro”, Nascimento enfatiza o papel prático do congresso se opondo a um evento acadêmico e criticando o aspecto etnológico de outros congressos. Ao mesmo tempo, presta tributo a Arthur Ramos, que já tinha falecido, àquela época. Essa oposição aos “congressos acadêmicos” fica mais evidente numa nota referente à formação de comissões regionais para o evento. Ali, o redator afirma que “o certame não tem ligações – senão remotas – com os Congressos AfroBrasileiros do Recife (1934) e da Bahia (1939). Esses congressos foram, em certo sentido, acadêmicos – mais ou menos distantes da cooperação e da participação popular. O Congresso de 1950 reconhece a existência de uma população de cor no país, consciente de sua importância como fato do progresso nacional, e tenta, por um lado suprir as deficiências de estudo do passado da gente negra e, por outro encontrar modos e maneiras de prover ao bem estar social dos treze
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milhões de negros e mulatos do Brasil. Assim, o Congresso realizará dois objetivos – um passivo e outro ativo, um acadêmico e outro ativo, um acadêmico e outro popular, um técnico e outro prático” (Quilombo, 2003 [1950]:73). Esse posicionamento é reforçado pela matéria “Interesse nacional em torno da próxima realização do Congresso do Negro Brasileiro”, no nono número do jornal. Novamente, se estabelece uma diferenciação em relação aos congressos afrobrasileiros da década de 1930 (Quilombo, 2003 [1950]:97). Finalizando, o editorial do décimo número do jornal “Inaugurando o I Congresso do Negro”, tratava-se do discurso pronunciado por Abdias do Nascimento na A.B.I. em 26 de agosto de 1950, na abertura do Congresso. Nele é possível apreender uma valorização da experiência brasileira como “democracia racial” pari passu a apresentação do evento e contraposição deste aos congressos do Recife e Salvador. De acordo com Nascimento, o congresso abria “uma nova fase nos estudos dos problemas das relações de raça no Brasil”. Percebe-se, na fala de Nascimento, um certo entusiasmo e perspectiva de colaboração entre ativismo negro e intelectualidade, na sua maior parte, branca. Afirmava o autor que, “sem qualquer mácula de ressentimento, os brasileiros de cor tomam a iniciativa de reabrir os estudos, as pesquisas e as discussões levantadas por vários intelectuais, principalmente pelos promotores dos I e II Congressos Afro-Brasileiros do Recife e da Bahia, respectivamente, já agora não apenas com a preocupação estritamente científica, porém aliando à face acadêmica do conclave o senso dinâmico e normativo que conduz a resultados práticos” (Nascimento, 2003 [1950]:107). Conclusão Tendo a encarar o periódico do TEN muito mais como um fórum de discussão do que um jornal com um projeto político delimitado ideologicamente. Contudo, isso não impede que possamos captar certas temáticas recorrentes nas páginas do informativo. De certa maneira, é justamente isso que os eixos temáticos elaborados acima buscam evidenciar. Do ponto de vista da sofisticação editorial e da envergadura dos intelectuais que contribuíram para o jornal Quilombo, esse periódico corresponde a um divisor de águas na Imprensa Negra
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Brasileira. Abdias do Nascimento conseguiu, através desse veículo de comunicação, dar vazão às idéias, propostas e representações de intelectuais (negros e brancos) e ativistas negros a respeito da população afro-brasileira dos anos 1940 e 1950. Ao mesmo tempo, o jornal colocou o Brasil à parte dos acontecimentos e movimentos dos negros nos Estados Unidos e na França, explorando a trajetória de personalidades afro-brasileiras e a idéia de negritude. A noção de negritude é, aliás, reelaborada por intelectuais, que a aproximam das idéias de mestiçagem e democracia racial, tão presentes no pensamento social brasileiro daquele momento. É assim que Roger Bastide afirma, citando Senghor, que a mestiçagem é uma virtude e criar uma nação mestiça era uma missão a se “cumprir ao mesmo tempo na França, pela introdução dos valores africanos, e na África, pela introdução dos valores europeus, como ela já se cumpriu no Brasil” (Bastide, 2003 [1950]:97). De certo modo, o que as matérias publicadas no jornal e selecionadas neste capítulo nos trazem é uma representação hegemônica de nação mestiça e democracia racial. Pode-se afirmar, até mesmo, que uma idéia dependa da outra. O preconceito, de “cor” e não “racial”, era visto como uma idiossincrasia de determinadas regiões onde a população afro-brasileira era minoria ou em espaços sociais em que haveria uma imbricação maior entre classe e raça. Contudo, o racismo seria um fenômeno estranho a nossa tradição histórica e social e mesmo sua existência em países como os EUA e a Alemanha nazista estaria com os seus dias contados devido à comprovação científica da não existência de raças superiores ou inferiores. Paradoxalmente, uma certa hierarquia de culturas pode ser apreendida no trato e interpretação que o jornal dá as manifestações culturais e religiosas afro-brasileiras. Apesar da necessidade de respeitar e protegê-las da perseguição policial e do estigma a que estavam submetidas, pois eram “legítimas manifestações da alma negra”, elas “não ajudariam a galgar posições mais elevadas nos quadros de nossa sociedade” (Quilombo, 2003 [1949]:49). Analistas mais cruéis com Guerreiro Ramos chegavam a afirmar que “as chamadas culturas negras” estavam “passando para a categoria de curiosidades históricas, tendendo, mesmo para desespero dos antropólogos e sociólogos, a ser
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instrumentalizadas por negros e mulatos ladinos numa indústria turística do pitoresco” (Ramos, 2003 [1948]:26). O clima político estabelecido pela democracia populista deu o tom das discussões eleitorais no jornal. Os partidos eram cobrados de inserirem candidatos negros e mulatos em suas legendas, enquanto a população afrobrasileira era apresentada aos partidos mediante o seu potencial eleitoral. Contudo, não havia o estímulo ao voto étnico considerando que “os candidatos da gente de cor” seriam “aqueles – negros ou brancos – que, além de seu manifesto sentimento democrático”, estivessem “vinculados realmente aos problemas das massas, às questões que preocupa[vam] as grandes zonas humanas de trabalhadores” (Quilombo, 2003 [1950]:63). Nesse bojo, Abdias do Nascimento disputaria o pleito para vereador pelo PSD, afirmando ser ele um “candidato de pretos e brancos, pobres e ricos” (Quilombo, 2003 [1950]:92). Por fim, essa aliança entre brancos e negros, verificada no conceito do periódico Quilombo e no pleito eleitoral de 1950, cuja base de sustentação eram as idéias de nação mestiça, democracia político-racial e reformismo, tentou ser ampliada para o I Congresso do Negro Brasileiro. O evento ocorreria em agosto de 1950, e os preparativos foram cobertos foram cobertos pelo jornal desde o segundo número (Quilombo, 2003 [1949]: 27). Em contraposição aos congressos afro-brasileiros dos anos 1930, o congresso de 1950 deveria alcançar resultados práticos que viessem “a prover o bem estar dos treze milhões de negros e mulatos do Brasil” a partir da ação conjunta de intelectuais brancos e ativistas negros. Apesar da euforia de Nascimento, veremos que, ao contrário do que se esperava, o evento se configuraria em um momento chave, no qual as tensões e divergências entre ativistas e os intelectuais ficariam evidentes.
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Capítulo 05: O I Congresso do Negro Brasileiro e seus desdobramentos (1950-1968) 5.1 – O I Congresso do Negro Brasileiro e a “negritude polêmica”92
Como se viu no final do último capítulo, Abdias do Nascimento depositava uma grande esperança no I Congresso do Negro Brasileiro. O evento ocorreu na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, entre 28 de agosto e 02 de setembro de 1950. Ao todo, foram apresentados 35 trabalhos, entre teses, indicações, contribuições (escritas e orais) e comunicações. Para reforçar a euforia de Nascimento, reproduzo abaixo parte do seu discurso na ocasião da abertura do conclave: Este I Congresso do Negro Brasileiro, promovido pelo Teatro Experimental do Negro, e que ora inauguramos em nome da sua comissão organizadora, abre uma nova fase nos estudos dos problemas das relações de raça no Brasil. (...) Porque os brasileiros de cor, patrioticamente interessados no estudo dos meios que os conduzam a sua integração definitiva na nacionalidade, através da ascensão social e econômica possibilitada pela educação e pela cultura, estão praticamente liderando a elaboração de um pensamento, precipitando e forçando a cristalização de uma política racial cujo conteúdo ideológico se encontra em nossa tradição, em nossos costumes, que nunca permitiram ou endossaram a supremacia de um grupo étnico sobe os representantes de outras raças. Observamos que a larga miscigenação praticada como imperativo de nossa formação histórica, desde o início da colonização do Brasil, está se transformando, por inspiração e imposição das últimas conquistas da biologia, da antropologia e da sociologia, numa bem delineada doutrina de democracia racial, a servir de lição e modelo para outros povos de formação étnica complexa, conforme é o nosso caso. (...) Sem qualquer mácula de ressentimento, os brasileiros de cor tomam a iniciativa de reabrir os estudos, as pesquisas e as discussões levantadas por vários intelectuais, principalmente pelos promotores do I e II Congressos Afro-Brasileiros do Recife e da Bahia, respectivamente, já agora não apenas com a preocupação estritamente científica,
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Imagem acima da mesa da sessão de encerramento do Congresso (1950). Da esquerda para a direita se vê Jorge Prado Teixeira discursando em pé e sentados Edson Carneiro, Guerreiro Ramos, Senador Hamilton Nogueira (presidente), Ruth de Souza, Milca Cruz, Abdias do Nascimento e a taquigrafa.
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porém aliando a face acadêmica do conclave e senso e normativo que conduz a resultados práticos (Nascimento, 1982 [1968]:121-122).
Na passagem acima, o ativista reafirma os pilares sobre os quais sua grande frente anti-racista e pró-elevação econômica, política e cultural do negro estava assentada: uma nova liderança negra, comprometida com a integração da população afro-brasileira nos vários setores da sociedade brasileira; a afirmação de um projeto de nação mestiço, que levaria a uma democracia racial efetiva e à continuação de um trabalho que já havia começado nos congressos afrobrasileiros dos anos 1930, mas que agora juntava o ativismo negro e uma intelectualidade branca buscando resultados práticos no sentido de melhorar a situação da população negra e não simplesmente observar e analisá-la como objeto de pesquisa. Ao mesmo tempo, a estratégia de juntar ativismo negro e homens de ciência pode ser vista como uma tentativa de criar um “escudo” de cientificidade (algo extremamente valorizado aquela época) que protegesse as lideranças negras das acusações de racismo às avessas ou de estarem criando um problema que não existiria no Brasil, realizando um congresso de negros. Em agosto de 1967, dezessete anos depois, ao escrever a introdução de O Negro Revoltado,93 livro que reúne parte das teses apresentadas no congresso, Nascimento coloca a polarização que, segundo ele, havia se instaurado no evento e fez com que os objetivos do mesmo fossem abortados. Afirma o ativista que: Nesse conclave houve liberdade plena e total a todas as manifestações pertinentes aos temas em debate. Isso deu ensejo a que as várias orientações, que ao longo dos anos, vinham se configurando a respeito dos estudos e dos comportamentos do homem de cor viessem à tona e mesmo se radicalizassem. Duas correntes mais significativas sobressaíram: de um lado, a maioria, constituída do povo negro, pessoas destituídas de títulos acadêmicos e honoríficos; e, de outro, os que se auto-intitulavam “homens de ciência” (Nascimento, 1982 [1968]:59).
Por outro lado, penso que a polarização entre “povo negro” e “homens de ciência” exposta por Nascimento, assim como os conflitos posteriores, podem ser matizados se acompanharmos a estruturação, o desenvolvimento e o desfecho do
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Esse livro de Nascimento possui duas edições, a primeira de 1968 e a segunda de 1982. A contraposição dos prefácios das duas edições é importante para entender as discussões que se deram no congresso, os conflitos, as interpretações dos mesmos por parte do autor e suas mudanças de posicionamentos entre 1968 e 1982.
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congresso. Veremos que a contextualização lança luz sobre nomes nos dois grupos, posicionamentos políticos e correntes de pensamento anteriores a 1950. Em outras palavras, vejo o congresso como o
momento em que a
incompatibilidade na aliança anti-racista e pró “elevação cultural do negro” proposta por Nascimento ficaria evidente, por conta da forma divergente de pensar a problemática negra, informada por diferentes paradigmas teóricos, ideológicos e político-partidários. O evento teve início no dia 28 de agosto, com o discurso de Nascimento intitulado “Inaugurando o I Congresso do Negro Brasileiro”. Logo em seguida, ocorreria a leitura de uma moção em homenagem a Nina Rodrigues, que incluía esse intelectual no grupo “dos brasileiros que, em todo o curso da história, fizeram justiça ao negro e ao homem de cor”. A moção continuava afirmando: Muito especialmente a Comissão Central deseja destacar os nomes de Silvio Romero, publicista que primeiro chamou a atenção dos seus patrícios para a importância social do negro brasileiro: Nina Rodrigues, mestre de toda uma geração de estudiosos, grande ponto de partida no reconhecimento do papel histórico, social e cultural dos grupos étnicos trazidos do continente africano, o de Manuel Quirino, trabalhador modesto, mas infatigável, que tanto fez para o conhecimento e a melhor compreensão de sua gente. (...) É com carinho, com emoção particular, que a Comissão pronuncia, nesta seqüência, o nome de Artur Ramos. Nele tiveram o negro e o homem de cor mais do que um analista, um amigo e um defensor (Nascimento, 1982 [1968]:123).
É bem possível que a moção tenha sido idéia de Nascimento e Carneiro, ambos da comissão organizadora do evento. Nascimento era seguidor de Ramos, reproduzindo, em parte dos seus textos anteriores, conceitos que eram retirados das obras do antropólogo (Maio, 1997:272 e Campos, 2002:56), sem contar a aproximação pessoal entre ambos. Carneiro, por sua vez, pode ser incluído como um dos intelectuais do que ficaria conhecido como Escola Nina Rodrigues. De acordo com Mariza Correa, essas figuras, “longe de formarem um grupo homogêneo de intelectuais lutando pelo progresso científico no país, como seus membros gostavam de auto-retratar, estão vinculados (por laços políticos, de
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parentesco, regionais, profissionais ou outros) a interesses, muitas vezes antagônicos entre si, os mais diferentes possíveis” (Correa, 1998:17).94 Ao examinar parte das teses do congresso e as discussões que se seguiram, percebe-se que, do seu início, em 28 de agosto, até o dia 01 de setembro, os trabalhos do conclave ocorreram de maneira relativamente tranqüila. Nota-se apenas alguns atritos entre os ativistas negros que diziam respeito a uma disputa e divergências entre organizações negras compostas por negros mais intelectualizados (TEN) em contraposição a outras compostas por ativistas oriundos de camadas mais populares e não intelectualizadas (União dos Homens de Cor – UHC).95 Ao mesmo tempo, percebe-se, pelas intervenções, pelo julgamento das teses e pelas discussões em plenária, que dois aspectos ressaltam: a necessidade de enfatizar o aspecto pragmático do congresso; e um valor absoluto na ciência, como se ela fosse uma esfera isenta de posicionamentos ideológicos, políticos e partidários. De acordo com Nascimento, a polêmica no congresso surgiria com a apresentação da tese de Ironides Rodrigues, Estética da negritude durante a qual, segundo o autor, “tanto Edson Carneiro como L. A. Costa Pinto se insurgiram, negaram a negritude e tentaram mesmo levá-la ao ridículo” (Nascimento, 1982 [1968]:99). O grupo de trabalho ao qual Nascimento se refere ocorreu no
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Uma nota social no jornal Quilombo no primeiro semestre daquele ano confirma essa hipótese: “O nome de Edson Carneiro está associado a uma fase dos estudos sobre em que o negro deixara de ser tema de ensaios literários impressionistas para tornar-se objetivo de pesquisa científica, principalmente de caráter etnográfico e antropológico. Assim, é que a obra de Edison Carneiro está na linha da de Nina Rodrigues e de Arthur Ramos. Com a morte deste último, Edison Carneiro é hoje, entre nós, o vulto mais destacado e autorizado do que se poderá chamar de Escola Baiana” (Quilombo, 2003 [1950]:84). 95
Esses incidentes estão registrados no debate em mesa redonda do dia 29 de agosto, “Há um problema do negro no Brasil”, tendo a polêmica ocorrida entre Joviano Severino de Melo (UHC) e Guerreiro Ramos (TEN). Na apresentação da tese de Guerreiro Ramos, “UNESCO e relações de raça”, em 01 de setembro, o ativista da UHC novamente questiona o sociólogo vinculado ao TEN. Em ambas as ocasiões, Ramos não se pronunciou. Para uma análise de a UHC, ver a tese de doutorado de Silva (2005). Quem presidia a mesa na discussão desta tese era o sociólogo e excolega de curso superior de Ramos, Luiz Aguiar de Costa Pinto. Outras divergências ocorreram ainda na mesa do dia 29, quando Romão da Silva defendeu a inexistência de “preconceito racial” no país, e no dia 31 de agosto, quando José Bernardo da Silva acusou os organizadores do congresso de estarem se autopromovendo (Nascimento, 1982 [1968] apud Barbosa,2004:100).
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penúltimo dia do congresso, e uma das mesas foi presidida por Costa Pinto.96 Foram apresentadas e discutidas seis teses naquela noite, sendo que duas delas eram de ativistas do TEN: Guerreiro Ramos e Ironides Rodrigues. O trabalho de Rodrigues teve como relator Abdias do Nascimento. A tese de Rodrigues, assim como outras relacionadas à idéia de negritude e que seriam lançadas em livro, se perdeu durante o posterior “auto-exílio” de Nascimento (Nascimento, 1982:11),97 o que impede que analisemos mais precisamente seu conteúdo e sua polêmica. Porém, num artigo em homenagem a Aguinaldo Camargo (devido a sua morte prematura em 1952), Guerreiro Ramos retoma parcialmente os acontecimentos da noite de setembro de 1950, afirmando que “os que participaram do Primeiro Congresso do Negro Brasileiro hão de lembrar-se da figura de Aguinaldo Camargo na noite em que se discutia a tese de Ironides Rodrigues sobre a Estética da Negritude. A palavra caiu no meio da assembléia como um espantalho. Viram nela um propósito racista de exaltação do negro. Aguinaldo foi dos poucos que percebeu o valor catártico ou psicanalítico do termo” (Ramos 1952:03 apud Barbosa, 2003:102). Costa Pinto, por sua vez, também considera a noite como polêmica, dizendo que “os vivos debates que neste conclave foram travados na noite em que esta tese [Estética da Negritude] foi discutida representam, para o Autor [Costa Pinto], a sua principal fonte direta de observação sobre o significado sociológico da negritude” (Pinto, 1998 [1953]:268-269). Porém, apesar de sabermos que a discussão foi acalorada e polêmica, devido à inexistência de documentos, ficamos sem saber seus motivos ou o modo pelo qual se deu.
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A relação completa e ordem de discussão das teses na noite de 01 de setembro foi a seguinte: “Sobre o trabalho doméstico”, de Guiomar Ferreira de Matos; “Fórmula étnica da população da cidade de Salvador”, de Thales de Azevedo; “A criminalidade negra no Estado de São Paulo”, de Roger Bastide; “UNESCO e relações de raça”, de Guerreiro Ramos; “Estética da Negritude”, de Ironides Rodrigues e “Sonho de negros”, de Roger Bastide (Nascimento, 1982 [1968]:129). 97
O livro que deveria ser publicado por Nascimento levaria o título de Negritude polêmica e seria composto pelas seguintes teses: 1) “Origem de um jogo popular”, de Veríssimo Melo; 2) “Influência da língua negra na língua portuguesa”, de Celso Alves Rosa; 3) “Axé de Varas”, de Carlos Galvão Krebs; 4) “Escultura de origem negra no Brasil”, de Mário Barata; 5) “Música folclórica”, de Darcy Ribeiro; 6) “Beleza racial do negro”, de Luís Alípio de Barros; 7) “Substituição na Feitura do Santo”, de Carlos Galvão Krebs; 8) “Estética da Negritude”, de Ironides Rodrigues; 9) “Sonho de negros”, de Roger Bastide; e 10) “Música Negra”, de Rosa Gomes de Sousa (Nascimento, 1982 [1968]:127129).
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A polarização a qual Nascimento se refere entre “povo negro” e “homens de ciência”
ficaria
evidente
na
última
noite
do
congresso,
posterior
aos
acontecimentos acima descritos. Após a leitura de um discurso de Aguinaldo Camargo e de outro, proferido por Guerreiro Ramos tomou a palavra Carlos Galvão Krebs, da representação do Rio Grande do Sul, que leu a declaração dos cientistas. O Senador Hamilton Nogueira, que presidia a mesa, disse que gostaria de assinar aquela declaração no que foi seguido por Aguinaldo Camargo e Darcy Ribeiro. Contudo, nesse momento, pediu a palavra Abdias do Nascimento: Estranhei muitíssimo o aparecimento dessa outra declaração, porque parece-me que tudo o que está nela inscrito já ficou bem estabelecido nos princípios do nosso Congresso. Tal declaração vem dar idéia de divisão dentro do Congresso. Na nossa declaração de princípios já se frisou muito bem que não somos racistas. Quero deixar bem claro que esta declaração me causa profunda estranheza e que fique consignado em ata o meu pensamento. (Palmas.) Quero prestar a minha homenagem aos negros que foram trazidos à força da África para o Brasil, sendo aqui tão espezinhados e martirizados na exploração e na violência (Leitura de uma poesia da Negritude) (Nascimento, 1982 [1968]:390).
Após a intervenção de Nascimento, o Senador Hamilton Nogueira faz o seu pronunciamento, que deveria fechar o congresso. Em seguida, o ativista Sebastião Rodrigues Alves pede a palavra ao presidente da mesa, Nogueira, para ler a declaração apresentada anteriormente por Krebs. Após a leitura, Rodrigues reafirma a posição de Nascimento, de que o texto da declaração sugeria uma divisão no conclave e aponta a “existência de um movimento subterrâneo dentro do Congresso”. Finalizando sua intervenção, se coloca como não racista e exige uma explicação da parte dos redatores do texto. Na seqüência, pede a palavra outro ativista negro, Aguinaldo Camargo, que também afirma não ser racista e “sugere” que o texto seria uma manobra de determinado grupo no sentido de “rachar” o congresso, aprofundando a suspeita levantada por Rodrigues baseada na idéia de “movimento subterrâneo”. Passo a citá-lo: De vez que foi levantado o caso de que existe algo de subterrâneo no Congresso, quero fazer uma análise. Quando se fundou o Comitê Democrático Afro-Brasileiro apareceram elementos subterrâneos. Quando fundamos a Convenção Nacional do Negro Brasileiro, em São Paulo, lá estavam esses elementos. E agora, quando termina o nosso Congresso de forma tão brilhante, eis que nos surge à última hora essa declaração trazida por pessoa naturalmente menos avisada ou de comum acordo com os responsáveis por essa moção extemporânea. Quero afirmar muito seriamente e quero que conste dos Anais o seguinte: é que no movimento negro sempre aparecem elementos de última hora com moções do tipo da que acabamos de ver. Em 1945, Raimundo Sousa Dantas, antes de se converter ao
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cristianismo, entrou no movimento com uma ordem de levar todos os negros para um determinado lugar. Esse escritor, naquela época, era analfabeto. Em São Paulo apareceu declaração idêntica feita pelo Sr Luis Lobato. E agora aqui aparece trazida pelos Srs. Edison [Carneiro], Costa Pinto, etc. Penso que elementos como o Sr.Lobato, Abataiguara, etc. têm um laço em comum para destruir o que se pretende fazer. Parecem ter um laço comum político. Nós queremos dizer que somos anti-racistas e contrários a essa corrente político-partidária. Nós precisamos é unir a família negra, unir a família brasileira, para maior felicidade do homem, conforme fiz ver em meu discurso (Nascimento, 1982 [1968]:395-6).
Em seguida, Darcy Ribeiro toma a palavra e tenta contornar a situação, sugerindo que a declaração lida por Krebs fosse tomada como a declaração final do congresso, pois a mesma havia sido assinada por todos os oradores que o precederam, inclusive pelo presidente da mesa, Senador Hamilton Nogueira. O público presente não aceita a proposta de Ribeiro e ele volta a argumentar: O que afirmei foi que o pensamento expresso nessa moção é o nosso pensamento e não o meu somente. É o pensamento de todos! Somos todos contra o racismo! Lutamos aqui unidos em harmonia pelo objetivo de encontrar melhor posição melhor para o negro na sociedade brasileira. Apelo para que se retire da Ata desta sessão final tudo que foi dito com referência a esta moção (Nascimento, 1982 [1968]:396).
Mais uma vez, o público presente não aceita a proposta de Ribeiro, contudo, ele insiste, esclarecendo melhor sua sugestão: Qualquer congressista que tenha participado dos trabalhos, qualquer de nossos colegas tem o direito aqui, como em qualquer outro Congresso, tem o direito, quero repetir mais uma vez, de exprimir o seu próprio pensamento a respeito de qualquer problema. Peço apenas o seguinte: que esta moção, que é a expressão não só do meu pensamento, mas do pensamento de todos, seja transformada em moção de todo o Congresso. Essa é minha proposta (Nascimento, 1982 [1968]:396).
Novamente, a proposta do etnólogo é recusada pela assembléia. Ribeiro reafirma seu posicionamento favorável às idéias contidas no texto lido por Krebs e se retira da discussão. Na seqüência, Abdias do Nascimento toma a palavra e adianta que leria a Declaração de Princípios do Congresso. Antes, de fazê-lo, o ativista pergunta à Assembléia se a Declaração mereceria sua fé, ao que é respondido com aplausos. Após a leitura, Nascimento toma a palavra e afirma “que somente o espírito da divisão, da confusão, é que explica[va] o aparecimento [daquela] declaração de última hora. É querer confundir a opinião pública e a nossa, a dos organizadores deste congresso” (Nascimento, 1982 [1968]:397). A voz apaziguadora vem do Senador Hamilton Nogueira que, primeiramente, busca
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restabelecer a ordem no recinto. Após expor alguns encaminhamentos de ordem Nogueira faz uma análise da situação seguida de uma sugestão: Não há discordância entre a Declaração de Princípios e a moção. Desde que vejo que a maioria dos congressistas não está de acordo com essa segunda moção, que não me arrependo de haver assinado, pois está dentro do discurso que fiz, devo dizer que a Declaração de Princípios é que é a declaração oficial do Congresso (Palmas) (...) A moção é um documento particular, que não será dado a público com o sinete oficial do Congresso, mas ninguém poderá impedir que aqueles que assinaram a moção a publiquem. Fica, pois, sendo que essa moção particular, daqueles que assumiram a responsabilidade de assiná-la. A meu ver essa é a solução lógica, porque, se não aprovada, a referida moção não pode, em hipótese alguma, ser um documento oficial do Congresso. Se houver a publicação da moção o Congresso poderá desmentir qualquer participação a respeito. Sinceramente creio ser essa a solução que deve ser dada pelo plenário. Vou por em votação. Os que estão de acordo queiram permanecer sentados. (Pausa) Está aprovado. Meus senhores, está encerrada a sessão (Nascimento, 1982 [1968]:397-398).
5.2 – Esmiuçando a “negritude” e a “polêmica” Há um problema no que diz respeito à pesquisa dessa polêmica, pois, como já disse anteriormente, o texto que supostamente gerou tal discussão, Estética da Negritude, de Ironides Rodrigues, foi perdido por Abdias do Nascimento durante seu auto-exílio. Contudo, podemos fazer o caminho contrário, localizando a maneira como a polêmica é interpretada pelos dois grupos colocados na polarização sugerida por Nascimento, ou seja, ativistas negros e homens de ciência. O que nos importa aqui é que o mesmo fato social é lido de maneira diferenciada por dois grupos, já que cada um faz parte de um locus social, ideológico e racial, que informa sua perspectiva de interpretação. Partirei da hipótese central de que Rodrigues elaborou sua tese a partir da leitura de Orfeu negro de Jean Paul Sartre (1961 [1948]). Essa sugestão é reforçada pelo fato de o autor ter feito a tradução de parte desse texto para o jornal Quilombo (Sartre, 2003 [1950]:64-65) e por uma nota de Costa Pinto, em que o autor afirma que “Ironides, no correr dos debates, [no I Congresso do Negro Brasileiro] reconheceu ter sofrido alguma influência do existencialismo de Sartre, através de um artigo, Orfeu Negro, que ele traduziu para Quilombo” (Pinto, 1998 [1953]:269). Sendo assim, o texto de Sartre será utilizado para questionar, comprovar ou descartar as interpretações de ambos para a mesma polêmica. Partindo desse ponto, a negritude será entendida como catalisadora de três 203
perspectivas diferenciadas, a saber: 1) questionadora dos posicionamentos político-partidários e ideológicos de ambos os grupos; 2) polemizadora da noção de “raça”; e 3) explicitadora da noção de diferença, o que vem a questionar um projeto de nação mestiço e, portanto, homogeneizante. A primeira explicação é levantada pelo ativismo negro ainda durante a última sessão do congresso. Sebastião Rodrigues Alves e Aguinaldo Camargo afirmavam existir um “movimento subterrâneo” no Congresso e o último acaba “dando nome aos bois”, ao se referir explicitamente a Costa Pinto e Edson Carneiro. Ambos são associados a outras pessoas, como Raimundo Sousa Dantas, Luis Lobato e Abataiguara, que haviam agido de forma semelhante em outros eventos políticos organizados pelo TEN e estavam ligados por um “laço comum político”. Por fim, Camargo afirmava que o ativismo negro ao qual ele se vinculava era contrário a esta “corrente político-partidária” e que era necessário “unir a família negra”. Resumindo, Rodrigues e Camargo diziam que o Partido Comunista Brasileiro buscava sabotar o projeto do ativismo negro posto no Congresso. Esses argumentos faziam sentido para estes ativistas pelo fato de Costa Pinto e Edson Carneiro, tidos como os idealizadores e redatores da moção, terem sido filiados ao “Partidão”. Larkin Nascimento (2003), reelaborando essa interpretação e apresentado-a de forma mais complexa, fecha um capítulo de seu recente trabalho afirmando que: Encerro o presente capítulo com a declaração [dos “Cientistas”] transcrita porque ela remete a algumas questões fundamentais, a meu ver, à compreensão das formas pelas quais se constrói e reproduz a invisibilidade da agência histórica do brasileiro afrodescendente. Os intelectuais negros interrogavam a postura metodológica que partia de uma posição estruturalista marxista e impunha ao movimento social estudado as expectativas geradas por essa abordagem, formulando-lhe julgamentos de valor de acordo com tais perspectivas e alçando esse procedimento ao patamar de um exercício de “objetividade científica” (Nascimento, 2003:274-5)
Para além do ocorrido no Congresso, é compreensível esta interpretação por parte do ativismo em outros aspectos. Primeiro, um certo ranço anticomunista no ativismo negro, devido à dificuldade por parte dos militantes de esquerda em entenderem a questão racial, sempre a colocando como subordinada a uma questão de classes. Essa tradição de anticomunismo também pode ser encontrada nas organizações negras anteriores ao Estado Novo, como nos mostra 204
o trabalho de Domingues (2005) sobre a Frente Negra Brasileira e de Kössling (2004). Esta última autora, ao fazer uma análise das fichas policiais do DEOPs, consegue mostrar o esforço, através de propaganda do Partido Comunista Brasileiro, em trazer para dentro dos seus quadros organizações negras e de afrobrasileiros. Contudo, de acordo com a historiadora, essa tentativa não vingou devido ao meio negro daquela época. O discurso comunista tocava em pontos extremamente relevantes às questões vivenciadas pelos afro-brasileiros. No entanto, o discurso comunista, por muitas vezes encontrou dificuldades para circular dentro dos movimentos negros, como a Frente Negra, enfrentando o anticomunismo e a concorrência do Integralismo que recebeu uma grande adesão de afro-descendentes. O comunismo era rotulado com o estigma de ser “contra Deus e a família”, valores importantes à comunidade afro-descendente, que possuía uma forte ligação com o catolicismo. Sob este aspecto, o comunismo tornou-se por vezes um “inimigo do negro”, justificando a participação da Frente Negra em ações anti-comunistas. (...) A rejeição frente-negrina a proposta comunista se deve a visão negativa sobre o comunismo e, principalmente, num momento em que se buscava “reabilitar” a imagem do afro-descendente e integrá-lo à sociedade (dos brancos e católicos), com os valores “Deus, Pátria, Raça e Família”. O Integralismo abarcou tal segmento valendo-se de um discurso moralista calcado no “Deus, Pátria e Família” (Kössling, 2004:120-121)
Essa citação da autora lança luz sobre as características do ativismo negro no início dos anos 1950. Boa parte do grupo era formada por católicos e exintegralistas. Esse é o caso de Abdias do Nascimento, Guerreiro Ramos e Sebastião Rodrigues Alves.98 Nascimento, especificamente, já havia entrado em contato, por várias vezes, com grupos de esquerda, como na época de sua prisão na Penitenciária Frei Caneca, no Rio de Janeiro, entre dezembro de 1937 e abril de 1938, à época da formação do Comitê Afro-Brasileiro junto da UNE (1945) e o espaço dado a militantes de esquerda na sua coluna no jornal Diário Trabalhista em 1946. Contudo, essas aproximações foram marcadas por tensões e conflitos constantes devido ao seu passado integralista. Ainda por volta de 1945, o posicionamento político de Nascimento evidencia cada vez mais sua aproximação para o que poderíamos chamar de uma posição de centro-direita. Ele foi um dos fundadores do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)
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Kössling (2005) explora de maneira minuciosa as relações entre as instituições afro-brasileiras e o integralismo num artigo recente. Em sua argumentação, utiliza-se de fichas do DEOPs que apontam o envolvimento de Abdias do Nascimento e Sebastião Rodrigues Alves com a AIB em São Paulo nos anos 1930.
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e tinha como principal aliado na sua luta pela criminalização da discriminação racial o senador Hamilton Nogueira, o “Senador dos Negros”, que era um dos principais quadros da União Democrática Nacional (UDN). Como já afirmei anteriormente, baseado em Andrews (1998:293), ao final do Estado Novo (1945), se vê a emergência de partidos populistas, que incorporam em suas projeções políticas as demandas de grupos sociais historicamente excluídos da arena política;
dentre
eles,
a
população
afro-brasileira.
Essa
incorporação
é
acompanhada pela cooptação das lideranças desses segmentos: Abdias do Nascimento é uma delas. O ranço anticomunista também pode ser percebido na crítica velada à esquerda vigente no jornal Quilombo. Essa tendência pode ser captada em alguns artigos resenhados no capítulo anterior desta dissertação, como a nota social sobre a família de Solano Trindade e a afirmação das diferenças ideológicas entre ele e a direção do jornal (Quilombo, 2003 [1949]:48) ou o ataque de Péricles Leal ao comunismo num texto em que o autor acusava a esquerda de fazer do movimento negro massa de manobra (Quilombo, 2003 [1950]:93). As relações entre Nascimento e o jornalista e escritor afro-americano George Schuyler registradas no periódico também devem ser consideradas, pois Schuyler foi um intelectual afro-americano conservador e anticomunista, notoriedade que ganhara ao publicar, em 1947, o livro The Communist Conspiracy against the Negroes e, posteriormente, sua autobiografia Black and Conservative (1966).99 Ainda pode ser incluída nessa tendência, a aproximação do jornal em relação aos candidatos as eleições de 1950, que tinham um posicionamento mais reformista, como Jael de Oliveira Lima e Eurico de Oliveira (Quilombo, 2003:73/75/82). Esse alinhamento político reformista e populista de Abdias do Nascimento também pode ser comprovado pelo partido que o autor disputaria o pleito eleitoral, o Partido Social Democrático (PSD). Por fim, outra linha em comum entre esses políticos (Hamilton Nogueira, Jael Oliveira Lima e Eurico de Oliveira) e Nascimento é uma maneira específica de pensar a problemática negra como parte da problemática nacional e herança da escravidão numa perspectiva liberal. 99
Ver o quarto capítulo desta dissertação.
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Sintomática é a homenagem de Nogueira ao fundador dessa corrente de pensamento na tradição intelectual e política brasileira, Joaquim Nabuco. Afirmava o “Senador dos Negros”, num artigo intitulado “Presença de Joaquim Nabuco”, na coluna “Democracia Racial”: O abolicionismo da escravidão africana no Brasil é, incontestavelmente, o ponto alto da atividade político-social de Joaquim Nabuco. Nem as emoções sentidas pelo sucesso da sua estréia no Parlamento Nacional, nem os debates que se sucederam sobre os diversos assuntos políticos, apaixonaram tanto o jovem deputado pernambucano, quanto à campanha de emancipação dos escravos, no período de 1877-1888. Nessa luta estava Nabuco no terreno próprio do exercício da sua vocação eminentemente social. Se os problemas políticos nos seus aspectos mais essenciais empolgavam a personalidade de Rui, e se na defesa da ordem jurídica se confirma a sua glória, os problemas acentuadamente sociais foram a grande preocupação de Joaquim Nabuco, que, concorrendo brilhantemente para a solução de alguns deles, prestou ao Brasil e à humanidade serviços que jamais poderão ser esquecidos. Desde menino, vivendo entre os escravos do engenho de Massangama, começou a interessar-se pela sua sorte. E da sua memória nunca mais se apagou a lembrança do pretinho que lhe agarrara os joelhos implorando-lhe que fosse comprado pela sua madrinha. Afrontando todos os obstáculos, afrontando toda a sorte de calúnias, não esmoreceu um só instante, pouco lhe dando que o chamassem de “anarquista”, “petroleiro” ou “comunista”. Foi, indiscutivelmente, na ação, o maior de todos, se bem que se colocasse como portavoz de André Rebouças, que ele considerava o orientador e o animador silencioso da campanha abolicionista. E com que carinho, com que admiração ele se refere constantemente ao seu grande amigo negro e a Princesa Isabel, que preferiu a queda da sua dinastia, a sua consolidação com o sangue dos escravos. Vitoriosa a luta pela emancipação, começou Nabuco a sentir a nostalgia do escravo, porque reconhecia todo o bem que o africano trouxe para a formação do povo brasileiro. Revivendo, na data que assinala um século do seu nascimento, o episódio marcante da sua atuação no cenário político de nossa terra, onde a sua presença jamais será esquecida, prestamos a nossa melhor homenagem a uma das mais ricas personalidades da história intelectual do Brasil (Nogueira, 2003 [1950]:61).
Essa citação passaria desapercebida, se Nabuco não fosse grande influência para outra figura intelectual bastante presente nos escritos de Nascimento e no jornal Quilombo: Gilberto Freyre. Além disso, na introdução do livro O negro revoltado, partes de O Abolicionismo (1883), obra clássica de Nabuco, são transcritas pelo ativista num total de cinco citações. Reproduzo-as abaixo: Teriam as classes dirigentes deste país uma irremediável incapacidade de sentir, com Joaquim Nabuco, pelo menos, [começa a citação de Nabuco] “a do maior – a do Brasil ultrajado e humilhado; os que têm a altivez de pensar – que a pátria, como a mãe, quando
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não existe para os filhos mais infelizes, não existe para os mais dignos? (Nascimento, 1982 [1968]:62). E nem o temor ao podo infamante de racista será bastante forte para abafar nossa rebeldia ante [começa a citação de Nabuco] “essa triste perspectiva, o expediente de entregar à morte a solução de um problema”, como dizia Joaquim Nabuco, que acrescentava: O processo natural pelo qual a escravidão fossilizou nos seus moldes a exuberante vitalidade do nosso povo durou todo o período do crescimento, e enquanto a nação não tiver consciência de que lhe é indispensável adaptar à liberdade cada um dos aparelhos do seu organismo de que a escravidão se apropriou, a obra desta irá por diante, mesmo quando não haja mais escravos (Nascimento, 1982 [1968]:65). Ninguém atentou para o que dizia Nabuco: A emancipação dos atuais escravos e seus filhos é apenas tarefa imediata do Abolicionismo. Além dessa, há outra maior, a do futuro: a de apagar os efeitos de um regime que, há três séculos, é uma escola de desmoralização e inércia, de servilismo e irresponsabilidade para a casta dos senhores (Nascimento, 1982 [1968]:66). A raça negra, segundo Joaquim Nabuco, “fundou, para outros, uma pátria que ela pode, com muito mais direito, chamar sua”, pois, “o que existe até hoje sobre o vasto território chamado Brasil foi levantado ou cultivado por aquela raça; ela construiu o nosso país” (Nascimento, 1982 [1968]:98).
De certa maneira, o modo de interpretar a escravidão foi reelaborado por determinados segmentos políticos e intelectuais brasileiros para entender a questão racial que emerge no país propriamente após a Abolição em 1888 e via essa temática como algo fundante na problemática nacional. De acordo com Guimarães, “a idéia do negro como ‘parte integrante do povo brasileiro’ e do Brasil como ‘uma pátria que ela [a raça negra] pode, com muito mais direito, chamar sua’ (Nabuco, 1999:23-24) vem certamente de antes de 1918, datando da campanha abolicionista. De fato, o intelectual negro brasileiro forjou e vulgarizou, desde a campanha abolicionista, uma visão positiva da contribuição dos africanos para a construção nacional e para a constituição moral do nosso povo” (Guimarães, 2004:274). O que se apreende é que resolver a problemática do negro envolvia um aspecto moral para Nabuco e, posteriormente, para os políticos brancos, intelectuais e ativistas negros que reelaboravam seu pensamento. A passagem a seguir, retirada do prefácio do livro de Nabuco, em minha opinião resume a maneira como o político e diplomata entendia a escravidão. Afirmava Nabuco que: Não tenho, portanto, medo de que o presente volume não encontre o acolhimento que eu espero por parte de um número bastante considerável de compatriotas meus, a saber: os que sentem a dor do escravo como se fora própria, e ainda mais, como parte de uma dor maior – a do Brasil, ultrajado e humilhado; os que têm a altivez de pensar – e a coragem
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de como a mãe, quando não existe para os filhos mais infelizes, não existe para os mais dignos; aqueles para quem a escravidão, degradação sistemática da natureza humana por interesses mercenários e egoístas, se não é infamante para o homem educado e feliz que a inflige, na pode sê-lo para o ente desfigurado e oprimido que a sofre; por fim, os que conhecem as influências sobre o nosso país daquela instituição no passado, e no presente, o seu custo ruinoso, e prevêem os efeitos da sua continuação indefinida (Nabuco, 1988 [1883]:23).
Paradoxalmente, diante destes posicionamentos anticomunistas do protesto negro dos anos 1940 e 1950, foram os marxistas franceses ou radicados na França que elaboraram o conceito de negritude e se reuniram em torno do grupo Présence Africaine lançando a revista de nome homônimo, um livro com uma reunião de poemas e realizando dois encontros de escritores negros na década de 1950. Jean Paul Sartre escreveu o texto “Orfeu Negro” em 1948 como prefácio de La nouvelle poésie négre et malgache, a antologia organizada por Léopold Sedar Senghor,100 que reunia os poetas negros africanos e caribenhos de fala francesa radicados em Paris (FR). Se nos poemas contidos na coletânea cristalizava-se a idéia do movimento literário da negritude, no prefácio escrito por Sartre estavam algumas diretrizes do que seria o movimento político négritude. O intelectual, que pretendia juntar marxismo e existencialismo, explicava aos leitores o que os poemas daqueles poetas negros representavam. Numa palavra dirijo-me aqui os brancos e gostaria de explicar-lhes o que os negros já sabem: porque é necessariamente através da sua experiência poética que os negros, na situação presente, deve primeiro tomar consciência de si mesmo e, inversamente, porque a poesia negra de língua francesa é, em nossos dias, a única grande poesia revolucionária (Sartre, 1961 [1948]:108).
Para, além disso, o filósofo colocava a négritude como uma espécie de “racismo anti-racista” incorporando o movimento ainda mais numa perspectiva revolucionária, na qual o “branco” era visto como simbolizando o capital e situava sua analogia ao mito grego de Orfeu e Eurídice. Sem dúvida responder-se-á que a negritude é tudo isto ao mesmo tempo e muitas outras coisas. Estou de acordo: como todas as noções antropológicas, a Negritude é um reflexo de ser e de dever-ser; ela se constitui e nós a constituímos: juramento e paixão, ao mesmo tempo. Mas há algo mais grave: o negro, afirmamos, cria para si um racismo anti-racista. 100
Léopold Sedar Senghor (1906-2001) foi político e escritor senegalês, nascido em Joal, cidade próxima de Dakar. Foi um dos criadores do movimento da négritude e presidente do Senegal desde 1960 até 1981, tendo sido reeleito três vezes.
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Não aspira de modo algum a dominar o mundo: quer a abolição dos privilégios étnicos, venham de onde vierem; afirma sua solidariedade com os oprimidos de todas as cores. De pronto a noção subjetiva, existencial, étnica de negritude “passa”, como diz Hegel, àquela – objetiva, positiva, exata – de proletariado. “Para Césaire, declara Senghor, o “branco” simboliza o capital, como o negro o trabalho... Através dos homens de pele negra de sua raça, ele canta a luta do proletariado mundial.” É fácil dizer e menos fácil pensar. E, sem dúvida, não é por acaso que os bardos mais ardentes da Negritude são ao mesmo tempo militantes marxistas. Isto não impede, todavia, que a noção de raça não torne a cruzar-se com a de classe: aquela é concreta e particular, esta universal e abstrata; uma depende do que Jaspers chama compreensão e a outra da intelecção; a primeira é produto de um sincretismo psico-biológico e a outra, uma construção metódica a partir da experiência. Na realidade, a Negritude aparece como o tempo fraco de uma progressão dialética: a afirmação teórica e prática da supremacia do branco constitui a tese; a posição da Negritude como valor antitético é o momento da negatividade. Mas este momento negativo não possui auto-suficiência e os negros que o usam o sabem muito bem; sabem que visa preparar a síntese ou a realização do humano numa sociedade sem raças. Assim a Negritude é para se destruir, é passagem e não término, meio e não fim último. No momento em que os Orfeus negros abraçam mais estreitamente esta Eurídice, sentem que ela se desvanece entre seus braços (Sartre, 1961 [1948]:145-6).
Por fim, para Sartre, a idéia de négritude trazia uma certa subjetividade negra que era questionadora de uma razão kantiana tão presente na ciência ou nas atividades técnicas. Afirmava o filósofo que: Se se quer uma interpretação social desta metafísica, dir-se-á que uma poesia de agricultores se opõe aqui a uma prosa de engenheiros. Não é verdade, com efeito, que o negro não disponha de técnica: a relação de um grupo humano, qualquer que seja, com o mundo exterior é sempre técnica, de uma ou outra maneira. (...) Só que o negro é antes de tudo um camponês; a técnica agrícola é “precisa paciência”; confia na vida; espera: “Cada átomo de silêncio é a possibilidade de um fruto maduro”, cada instante traz cem vezes mais do que o cultivador deu, ao passo que ele pôs.
Nesse momento, Sartre remete a uma nota de rodapé, onde afirma: “É nesse sentido que a idéia crítica (kantiana) expressa o ponto de vista do técnico não proletário. O sujeito encontra nas coisas aquilo que pôs. Mas nela ele nada põe, exceto em espírito, trata-se de operações de entendimento. O cientista e o engenheiro são kantianos (Sartre, 1961 [1948]:133-134). Paradoxalmente, um comunista também foi o maior crítico da négritude apropriada pelas lideranças negras brasileiras nos anos 1950. Luis Aguiar de Costa Pinto nasceu em Salvador (BA) em 1920 e se mudou para o Rio de Janeiro em 1937, junto com a família, após a morte do pai. No Distrito Federal, envolveuse com o movimento estudantil e militou na Juventude Comunista. Em 1939, iniciou o curso de ciências sociais na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), mas
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teve de interromper sua graduação por ter sido preso por oito meses devido a suas atividades políticas anti-estadonovistas (Maio, 1998:19). Em 1942, ao concluir a graduação, foi convidado por Jacques Lambert a ser seu assistente, dando início a sua carreira acadêmica. De acordo com Maio (1998), Arthur Ramos e Lambert foram as duas grandes influências acadêmicas de Costa Pinto. Em 1946, tornou-se professor da Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil. Posteriormente, o sociólogo entrou em contato com o instrumental teórico da Escola de Chicago através de um curso de Donald Pierson ministrado pelo professor americano no DASP. Através de Arthur Ramos e Pierson, Costa Pinto pleiteia a possibilidade de vir fazer seu doutorado em sociologia na Universidade de Chicago. Embora fosse aceito pela universidade e tivesse conseguido licença para se ausentar do Brasil, o governo americano negou o visto de entrada no País, pois Costa Pinto tinha sido vinculado ao Partido Comunista do Brasil (PCB) e preso por atividades políticas. Em 1947, defende tese de livre-docência sobre o ensino da Sociologia na escola secundária. Nessa época o sociólogo já apresenta “alguns elementos que estariam presentes na[s] [suas] pesquisa[s] posteriores”, ou seja, “relações raciais subsumidas à luta de classes; a crítica à ideologia da democracia racial; e a divisão geográfica da cidade do Rio de Janeiro espelhando a estrutura social” (Maio, 1998:29). Em 1949, participou, por indicação de Artur Ramos, do fórum da UNESCO que debateu o estatuto científico do conceito de raça (Costa Pinto, 1950; Maio, 1998:21). É interessante notar que os três pontos apresentados na Declaração dos “Cientistas”, de autoria de Costa Pinto e Edson Carneiro, fazem referência à idéia de raça.101 O primeiro negava a existência de “raças superiores” e diferenças 101
Outro ponto importante a ser considerado é que posteriormente, Carneiro auxiliou Costa Pinto a coletar dados para a pesquisa, que resultou em O negro no Rio de Janeiro e que fazia parte da pesquisa do Projeto UNESCO (Maio, 1997 e 1998). De acordo com Maio, a atuação conjunta de Carneiro e Costa Pinto se deu devido à “um ponto de convergência entre os dois intelectuais baianos (...) no que tange a consideração dos problemas do negro como fundamentalmente vinculados à estrutura capitalista” (Maio, 1998:31). Para, além disso, “Costa Pinto escolheu Edison Carneiro não apenas pelos méritos de suas investigações, mas por ser, ao mesmo tempo, um homem de cor que tinha ligações próximas com as lideranças do movimento negro” (Maio, 1998:31). A aproximação entre ambos pode ter surgido durante e pelos acontecimentos ocorridos no Congresso.
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de quaisquer tipos ligadas à noção de raça. O segundo apresentava a preeminência dos aspectos culturais, econômicos, sociais e políticos em detrimento do racial na interpretação dos fenômenos sociais. Por fim, o terceiro ponto afirmava o valor da ciência no combate ao racismo e dos signatários como solidários nessa luta negando qualquer atitude que contribuísse para o acirramento de “ódios e rivalidades injustificáveis” ou o renegasse “todo o cabedal de conhecimento e objetivos acumulados pela humanidade”. O texto ainda chamava a atenção para o contexto histórico da época (recém saído do “racismo Hitlerista”) e da atuação das Nações Unidas no sentido de extirpar o racismo (Nascimento, 1982 [1968]:399-400). De acordo com Maio (1998), a discussão da idéia de raça era um ponto bastante caro à Costa Pinto. Em sua participação no fórum da UNESCO, o sociólogo “questionou a aplicabilidade do conceito de raça para o entendimento das desigualdades étnicas existentes no mundo. Para o sociólogo, raça seria uma variável dependente na dinâmica dos conflitos sociais, tendo íntima relação com a dominação numa sociedade de classes e, em escala mundial, com o poder do imperialismo. (...) As diversas formas de perpetuação das disparidades sociais criariam mecanismo[s] ideológico[s] pelo[s] qua[is] se formam os preconceitos de raça, mesmo quando se apresentam etiquetas soi-disant científicas” (Maio, 1998:17-30). Minha hipótese é que a tese apresentada por Ironides Rodrigues no Congresso, que foi elaborada sob a influência da leitura de Orfeu Negro, de alguma maneira tocou nesses pontos relacionados à noção de raça e de cientificidade, algo que motivou a redação da Declaração dos “Cientistas” por parte de Costa Pinto e Edson Carneiro. De acordo com Costa Pinto “na tese de Ironides, apresentada ao Congresso do Negro, o problema é abordado do ponto de vista particular da estética. E essa aplicação consiste em afirmar que o negro, em conseqüência de atributos específicos de raça, tem uma sensibilidade hiperdesenvolvida, que o predestina à música, à poesia, à literatura, à dança, ao canto, em suma, às artes” (Pinto, 1998 [1953]:257).
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Recuperemos algumas passagens do artigo de Sartre traduzido por Rodrigues para o jornal Quilombo e vejamos como mesmo dá margem a dúbias interpretações para um não iniciado a négritude francesa. O ser é negro, o ser é fogo, nós somos ocidentais e longínquos, e temos para nos justificar: nossos costumes, nossas técnicas, nossa polidez imperceptível e nossa vegetação verde e griz. Por causa destes olhares tranqüilos e corrosivos, é que nós 102 estamos ruídos até os ossos (Quilombo, 2003:64). Eu desejaria lhes explicar, por caminho, onde fosse dar acesso todo o mundo azeviche, que esta poesia que parece ter um cunho racial, é finalmente um canto de todos os negros 103 para todos nós (Quilombo, 2003:64). O negro é uma vítima só porque é negro, mesmo sendo indígena ou colonizado ou africano deportado. E como o oprimem devido à raça é só por causa dela, é então de sua raça que ele precisa ter consciência. Durante séculos, os que tentaram em vão para que o negro fosse reduzido a um animal, foram obrigados a identificá-los como homem. Não há 104 alternativa, recurso, linha de conduta a tomar (Quilombo, 2003:64, grifos de Rodrigues). Mas o desprezo interessado que os brancos se vangloriam ter pelos negros – e que não tem equivalente na atitude dos burgueses perante o operário, – visa tocar o mais fundo do nosso coração. É preciso que os negros lhes oponham uma visão mais justa da subjetividade negra. Também a consciência de raça é então inata na alma negra, pois que este termo visto tantas vezes nesta antologia, exprime uma qualidade comum aos pensamentos e as condutas dos negros e que se chama a negritude. Ora não há, para constituir conceitos raciais, senão duas maneiras de operar: fazendo-se passar à objetividade certos caracteres subjetivos, ou melhor, tentando-se interiorizar condutas objetivamente deleitáveis; assim o negro que reivindica sua pretidão em um movimento revolucionário, colocasse de repente sobre o terreno da Reflexão, mesmo que ele queira encontrar nela certos traços objetivamente observados nas civilizações africanas ou mesmo que ele espere descobrir a Essência negra no âmago de seu coração. Assim reaparece a subjetividade, produto de reflexão consigo mesmo, fonte de toda a poesia do qual o artista deve buscar a essência. O negro que chama seus irmãos de cor para terem consciência de si mesmos, mostrando-lhes a imagem fiel da negritude, voltará para dentro
102
No original: “L’Être est noir, l’Être est de feu, nous sommes accidentels et lointains, nous avons à nous justifier de nos moeurs, de nos techniques, de notre pâleur de mal-cuits et de notre végétation vert-de-gris. Par ces regards tranquilles et corrosifs, nous sommes rongés jusqu’aux os” (Sartre, 1948:XI).
103
No original: “Je voudrais montrer par quelle voie on trouve accés dans ce monde de jais et que cette poésie qui parît d’abord raciale est finalement um chant de tous et pour tous” (Sartre, 1948:XI). 104
No original: “le noir em est victime, en tant que noir, à titre d’indigène colinisé ou d’Africain deporte. Et puisqu’on l’opprime dans as race et à cause d’elle, c’est d’abord de sa race qu’il lui faut prendre conscience. Ceux qui, durant dês siécles, ont vainement tente, parce qu’il était nègre, de la réduire à l’état de bête, il faut qu’il les oblige à la reconnaître pour un homme. Or il n’est pás ici d’échappaitore, ni de tricherie, ni de << passage de ligne >> qu’il puisse envisager” (Sartre, 1948:XIV).
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da sua alma, a que se apegará para sempre. Ele quer farol e espelho às vezes. (Quilombo, 105 2003:65, grifos de Rodrigues).
O momento do ataque mais violento de Costa Pinto ao TEN e a idéia de negritude ocorre em 1953, com a publicação de seu livro O negro no Rio de Janeiro: relações de raça numa sociedade em mudança.106 O sociólogo irá interpretar a negritude como uma ideologia (no sentido marxista de falsa consciência que mascara a realidade) utilizada pelo ativismo negro do TEN com o intuito de racionalizar sua condição racial e sua atuação de liderança legitimada por seu status de “elite negra”. Para desempenhar essa função de ideologia do movimento negro, útil como mito nas horas de ascensão, necessária como consolo e como comunhão mística entre os iniciados nas horas de adversidade, é que surgiu – e continua hoje em plena elaboração – a idéia de negritude. É preciso que se diga que os próprios intelectuais negros que falam da negritude e os brancos que em torno do tema fazem variações, jamais lhe deram uma formulação explícita e sistemática; dir-se-ia que eles “sentem” a negritude, o que seria melhor do que afirmar que eles a “pensaram”, ou, ao menos, que a formularam como corpo coordenado de idéias e interpretações sobre o problema atual do negro brasileiro. Além disso, a negritude, subproduto ideológico da situação social de uma pequena elite de negros, representa, ainda, por excelência, a formulação particular que essa clique vanguardeira dá à racionalização do seu problema e ainda guarda, portanto, nessa fase larvária de sua gestação como ideologia – da qual é possível que nunca passe – a marca muito nítida dos temperamentos, das preferências, dos estilos, das variantes pessoais de posição social e de mentalidade dos intelectuais negros de cuja cabeça brotou a idéia. A negritude, portanto, é uma ideologia por vir a ser, vivendo sua fase larvária e indefinida, algo informe, muito mais sentido do que pensado, já refletindo nitidamente uma situação social ainda longe das massas, das pugnas, das formulações pragmáticas, dos esquemas de conceitos definidos (Pinto, 1998 [1953]:255).
105
No original: “Mais puisque le mépris interéssé que les blancs affichent pour les noirs – et qui n’a pas d’équivalent dans l ‘attitude des bourgeois vis-à-vis de la classe ouvrière – vise à toucher ceux – ci au profound du coeur, il faut que les nègres lui opposent une vue plus justle de la subjectivité noire; aussi la conscience de race est-belle d’abord axée sur l’âme noire ou plutôt, puisque le terme revient souvent dans cette anthologie, sur une certaine qualité commune aux pensées et aux conduites des nègres et que l’on nomme la négritude. Or il n’est, pour constituer des concepts raciaux, que deux maniéres d’operer : on fait passer à l’objectivité certains caractères subcjetifs, ou bien l’on tente d’intérioriser des conduites objectivement décelables ; ainsi de noir qui revendique as négritude dans um mouvement révolutionnaire se place d’emblée sur le terrain de la Réflexion, soit qu’il veuille retrouver en lui certains traits objectivement consatés dans les civilisations africaines, soit qu’il espère décovrir l’Essence noire dans le puits de son coeur. Ainsi reparaît la subjectivité, rapport de soi-même avec soi, source de toute poésie dont le travailleur a dû se mutiler. Le noir qui appelle ses fréres de couleur à prendre conscience d’eux-mêmes va tenter de leur présenter l’image exemplaire de leur négritude et se retournera sur son âme pour l’y saisir. Il se veut phare et miroir à la fois ;” (Sartre, 1948:XIV-XV).
106
Resenharei o livro ainda neste capítulo.
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Ao mesmo tempo, Costa Pinto parecia desconhecer totalmente o movimento literário dos negros africanos e caribenhos radicados em Paris (FR). O material que o sociólogo utiliza para elaborar suas análises a respeito da negritude se restringe à exposição de tese de Rodrigues no Congresso, alguns artigos publicados em Quilombo e o texto de Guerreiro Ramos, Um herói da negritude (1952). Há apenas uma referência a Sartre numa nota (já citada por mim anteriormente), em que Costa Pinto afirma que Ironides Rodrigues admitiu ter sido influenciado pelo “existencialismo” do filósofo francês (Pinto, 1998 [1953]:269). Para, além disso, não há nenhuma referência ao texto de Sartre ou a coletânea de poetas negros caribenhos e africanos na bibliografia de O negro no Rio de Janeiro (ver Pinto, 1998 [1953]:301-307). Afirma o autor que “maior parte do material [referente à negritude] existente só pode ser apreciado através da observação direta e participante das opiniões, atitudes, dos estados de espírito, das discussões e manifestações verbais dos que esposam a idéia, por meio de entrevista, observações feitas no Congresso do Negro e conversas informais com líderes negros” (Pinto, 1998 [1953]:269). Assim sendo, quando explica uma suposta situação de “descoberta” da palavra negritude por parte dos ativistas do TEN, o sociólogo o faz de maneira cômica e jocosa: Esse característico, de idéia revelada, transparece um pouco, aliás, da narrativa feita por Ironides Rodrigues, perante o Congresso do Negro, sobre como a palavra foi encontrada: certa noite, Ironides, Abdias e Guerreiro, com suas respectivas esposas, divertiam-se em família, comendo, bebendo, cantando e dançando. A certa altura, alguém, levado pelo entusiasmo do momento, erguendo o copo de cerveja, grita: Viva a negritude! Fez-se silêncio e todos passaram a meditar sobre o significado do termo, pesando-o e discutindo. Estava descoberta a palavra que serviria para batizar a racionalização de seu problema quotidiano e, como diz Guerreiro, para libertá-los “do medo e da vergonha de proclamar sua condição racial (...). Tudo pré-existia, portanto, e, quando o nome brotou do berro, veio vestir uma situação já existente e concreta na ordem dos fatos, passando daí por diante, a ganhar as plumagens verbais que lhe dariam, na mente dos iniciados, a envergadura de uma concepção do mundo, de uma “cosmovisão”, semelhante à judaica (Pinto, 1998 [1953]:257).
A situação pode até ser verossímil, contudo, o problema está na maneira que Costa Pinto a interpreta. O não conhecimento do texto de Sartre e do movimento de escritores negros francófonos faz com que o sociólogo não compreenda o significado da idéia de negritude para os ativistas negros no Brasil
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e para os negros de toda a Diáspora Africana. Costa Pinto conclui sua crítica a negritude afirmando que: (...) esse exclusivismo, ou melhor, essa preeminência do sentimental na contribuição do negro às civilizações do Novo Mundo significa mesmo uma deformação e uma limitação racial e histórica das suas potencialidades que ficaram embotados, [que] pouco floresceram em conseqüência das condições adversas da sua transplantação para a América como escravo, que nasceu e marca até hoje sua trajetória e a de seus descendentes nas sociedades nacionais de que participa neste continente. Não é mera coincidência, aliás, que, aqui como nos Estados Unidos precisamente a mesma falsa interpretação do problema que leva os negros entusiasmados com a idéia de negritude à exaltar um extraordinário pendor que enxergam na raça – esse mesmo pendor, igual e falsamente interpretado nos mesmos termos da tese da negritude, como todo intrínseco à raça e “paideumática” – é apontada pelos estereótipos da sociedade branca como prova de que “negro não dá mesmo para outra coisa”, “negro só está contente com chicote no lombo, cachaça no buxo e viola na mão (Costa Pinto, 1998 [1953]:258).
Para finalizar esse tópico, é necessário explorar um pouco a idéia de negritude como explicitadora da idéia de diferença e que abala as bases de uma certa identidade nacional construída sobre um ideal de nação mestiça. Vimos que à frente anti-racista organizada por Nascimento se estruturava em cima de certos ideais compartilhados por todos os que estavam envolvidos na mesma, um deles dizia respeito à representação de nação mestiça. Isso trazia uma noção de homogeneidade ao “povo brasileiro”, algo vital no processo de construção de um ideário nacional como nos mostram autores como Anderson (1989) e Hobsbawm (1998). Anderson irá trazer a noção antropológica de nação como uma “comunidade política imaginada” na qual certos elementos são compartilhados entre todos os seus componentes. A autora afirma que “ela é imaginada porque nem mesmo os membros das menores nações jamais conhecerão a maioria dos seus compatriotas, nem os encontrarão, nem sequer ouvirão falar deles, embora na mente de cada um esteja viva a imagem de sua comunhão” (Anderson, 1989:14). Hobsbawm, por sua vez, argumenta que na pesquisa e definição do conceito de “nação” o grande problema é se pautar por “caracteres objetivos” (como língua, etnicidade ou regionalismos), pois os mesmos são questionados por uma
“heterogeneidade”
sempre
reposta
pelos
indivíduos.
Contudo,
paradoxalmente, essa afirmação do historiador inglês evidencia que os
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“nacionalismos” sempre se apresentam como homogêneos. Sendo assim, esquivando-se de uma definição fechada de nação, afirma ele que: Por essa razão as nações são, do meu ponto de vista, fenômenos duais, construídos pelo alto, mas que, no entanto, não podem ser compreendidos sem ser analisados de baixo, ou seja, em termos das suposições, esperanças, necessidades, aspirações e interesses das pessoas comuns, as quais não são necessariamente nacionais e menos ainda nacionalistas (Hobsbawm, 1998:20).
Penso que a noção de “mestiçagem” ou de Brasil como uma “nação mestiça” fornece as bases para se construir a “comunidade política imaginada”, de que fala Anderson, e que cria a “homogeneidade”, a qual se refere Hobsbawm. Contudo, deve-se ter em mente que esse não um processo isento de conflitos e tensões. Exemplo disso, é que a polêmica na qual se envolveu o escritor paulista Paulo Duarte, em 1947, dizia respeito a duas maneiras distintas de se pensar a nação e o povo brasileiro.107 Resumindo, a idéia presente é que, a partir do momento em que intelectuais e ativistas negros apresentam uma noção de diferença étnica (interpretada por autores como Costa Pinto a partir de traços raciais que inclinariam a comportamentos diferenciados), isso é visto como algo que fere esse ideário de nação baseado num sincretismo étnico e racial sumarizados na idéia de nação mestiça. O autor que melhor expressou essa idéia foi Gilberto Freyre. Recoloco aqui uma citação já apresentada no capítulo anterior. Alertava o autor que: Devemos estar vigilantes, os brasileiros de qualquer origem, sangue ou cor, contra qualquer tentativa que hoje se esboce no sentido de separar no Brasil, “brancos” de “africanos”; ou “europeus” de “vermelhos”, de “pardos” ou de “amarelos”, como se o descendente de africano devesse se comportar aqui como um neo-africano diante de inimigos, e o descendente de europeus como um neo-europeu civilizado diante de bárbaros. De modo algum. O comportamento dos brasileiros deve ser o de brasileiros, embora cada um possa e até deva conservar de sua cultura ou “raça” materna valores que possam ser úteis ao todo: à cultura mestiça, plural e complexa do Brasil. Inclusive os valores africanos (Freyre, 2003 [1948]:26).
Esse é o mesmo intelectual que pensava a negritude, momento antes do Congresso, em forma de “síntese” da mistura das várias “raças” e “culturas”. O
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Refiro-me à polêmica entre o escritor Paulo Duarte e os escritores regionalistas. Ver o quarto capítulo desta dissertação.
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melhor exemplo disso seria a dança da afro-americana Katherine Dunham. Foi a ela que o antropólogo dedicou o texto “A propósito da negritude”. CONQUISTADORES não devem ser considerados apenas os romanos, os espanhóis, os portugueses, os holandeses, os franceses, os ingleses. Também os africanos. Grande parte do mundo moderno está colorido por sua presença. A presença de uma cultura que nunca desapareceu sob qualquer forma de pressão imperial. A presença do seu sangue que vem contribuindo pela mistura com outras raças para novas combinações de forma e de cor entre os homens. Novas expressões de beleza e de vigor humano. A dança de Katherine Dunham e dos seus companheiros nos dá em sínteses admiráveis idéias da expressão e da profundidade deste fato: o fato da presença do africano no mundo moderno como uma grande força criadora (Freyre, 2003 [1950]:117).
Murilo Mendes, escrevendo também sobre a dançarina afro-americana e no mesmo número de Quilombo que Freyre, também nos dá uma pista interessante de como a reelaboração da negritude por parte dos negros brasileiros poderia ser entendida como um “racismo às avessas”. “Bingo” para o autor, que previa as polêmicas que se deram no congresso. KATHERINE Dunham chega ao Brasil no momento em que os negros começam a tomar consciência viva da sua posição na comunidade brasileira – e o fazem por meio dessa grande via de acesso que é a cultura. Testemunhos da maior importância – entre os quais o de André Gide – lembram aos brancos que eles têm algo a aprender com os negros. O fenômeno da negritude avança no mundo lentamente, mas apoiado na força de uma tradição milenar que tira sua origem de um contacto mais próximo com a terra, o sangue e o terror. (...) Retiremos do espírito a preocupação do pitoresco em face do xangô, do candomblé, da macumba e de outros ilustres ritos africanos. Ilustres digo eu. Embora primitivos? Porque primitivos. Desmanchemos também a separação entre arte negra e arte branca. Ameaça-nos uma forma de racismo às avessas. E não nos iludamos com os preconceitos existentes – mesmo no Brasil (Mendes, 2003 [1950]:109).
5.3 – A eleição de 1950: “candidato de pretos e brancos” Pode-se afirmar que última cartada de Abdias do Nascimento ainda baseada numa aliança entre negros e brancos democratas conscientes do “problema do negro” foi a sua candidatura a vereador pelo Distrito Federal na eleição de outubro de 1950. Como vimos no capítulo anterior, Nascimento não acampou uma campanha baseada no voto étnico e se apresentou” candidato de pretos e brancos, de pobres e ricos” (Quilombo, 2003 [1950]:92). Esse lema se dava por conta do aspecto reformista/populista da candidatura e buscava uma 218
aliança ampla que condizia com a sua maneira de pensar a problemática negra conjuntamente a problemática nacional. Contudo, essa estratégia não vingou. Na eleição de 03 de outubro de 1950, praticamente um mês após o término do Congresso, nem Eurico de Oliveira nem Jael de Oliveira Lima, ambos aliados políticos de Nascimento, foram eleitos. Quanto a sua candidatura, afirma o ativista que a mesma foi sabotada: Sempre ocorria idêntica trapaça contra o negro. A última hora o PSD também me torpedeou. Candidato a vereador, de surpresa o marechal Mendes de Morais, presidente do PSD guanabarino, me transferiu para a chapa de deputado federal, colocando no lugar seu chofer, o negro Rosa Branca. Ora, eu mal tinha chance de vencer como vereador, onde o número de votos era bem menor, como poderia disputar uma vaga federal? Tudo não passava de um embuste, um jogo para drenar o voto negro (Nascimento, 1976:35).
Em maio de 1952, Nascimento voltaria a se candidatar a vereador pelo Distrito Federal, dessa vez pela legenda do Partido Social Trabalhista (PST) (Police, 2000:84). Seu lema de campanha também muda significativamente usando o slogan “Não vote em branco, vote no Preto”. De acordo com o ativista desta vez “a candidatura não vingou porque exigiram [dele] um atestado de ideologia. Uma exigência arbitrária” (Nascimento, 1976:34). Continua o autor: “Entrei com mandato de segurança, alegando a inconstitucionalidade do documento, mas os tribunais arrastaram os pés, não julgaram meu recurso e não pude ser candidato do PST” (Nascimento, 1976:34). De acordo com Police (2000:84), o que ocorreu é que a polícia se recusou a fornecer um atestado de boa conduta, necessária para registrar a candidatura, devido à prisão de Nascimento em 1937, por entregar folhetos contra a ditadura de Vargas e que fora julgado e condenado pelo Tribunal de Segurança Nacional (TSN). Por outro lado, o que mais chama a atenção entre as duas candidaturas do ativista é a mudança nos slogans das campanhas. Se em 1950 Nascimento era o “candidato de pretos e brancos, pobre e ricos”, em 1952 a chamada é que para que se “não [se] vote em branco, vote no Preto”. Essa mudança, na verdade, está em sintonia com a nova perspectiva que começa a se cristalizar no pensamento e posicionamento do ativista de como entender e atuar frente à questão racial. Minha sugestão é de que a peça Sortilégio, de autoria do autor, nos ajude a compreender essa mudança. Passemos a ela. 219
5.4 – Sortilégio: négritude via “enegrecimento” (1951) Como se viu no capítulo anterior e em parte do presente, a idéia de négritude teve um impacto e influência bastante grande no ativismo negro do TEN, leia-se aqui Guerreiro Ramos, Ironides Rodrigues e Abdias Nascimento. Contudo, se nos dois primeiros, desde 1949, já há vários textos que evidenciam ou sugerem as reelaborações que estes fizeram do conceito, em Nascimento, só veremos isto em 1951, quando o ativista escreve a peça Sortilégio. Apesar de terminar o texto em janeiro do ano referido, a peça só viria a ser encenada em agosto de 1957, devido à proibição pela censura. A peça tem como personagens principais Emanuel, Efigênia e Margarida, respectivamente, advogado negro, sua ex-namorada negra e a esposa branca. Completam o elenco um coro de três iaôs (filhas de santo) e mais três orixás (divindades): Exu, Iemanjá e Omolu. É interessante a afirmação de Nascimento numa nota em que afirma que “não pretende trazer a cena à fotografia etnográfica da macumba ou do candomblé, nem a simples reprodução folclórica dos rituais negros” (Nascimento, 1959:09). Resumidamente, o enredo da peça conta o drama de Emanuel, advogado negro bem sucedido e totalmente assimilado aos valores e crenças da cultura branca ocidental. A encenação tem início com as iaôs preparando um despacho para Exu. Logo em seguida entra o advogado negro que fugia da polícia após ter assassinado a esposa branca que o traía. Caminhando por um local afastado, ele topa com o despacho. Embriagado pouco a pouco pela cachaça deixada como oferenda e somada a tensão de ter a polícia em seu encalço, Emanuel passa a ter visões que mesclam aparições dos orixás e sua vida em forma de flash back. No passado, havia abandonado Efigênia e se casara com Margarida, loura, branca, que o vivia cercando pelas ruas ainda na época do namoro com a negra Efigênia. Na noite de núpcias, descobrira que a noiva já não era mais virgem e que se casara com ele somente para limpar a honra da família. Efigênia, por sua vez, tinha a ambição de ser uma bailarina famosa e, devido a esse objetivo, se entregou virgem a um homem branco ao 17 anos enquanto namorava Emanuel. Posteriormente, a carreira de bailarina é deixada de lado e
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Efigênia acaba tornando-se prostituta, como se a Pomba Gira (Exu) tivesse possuído o seu corpo em castigo por renegar suas origens e tentar “limpar” o “sangue negro” se entregando a um homem branco. As alucinações vividas por Emanuel fazem com que ele estabeleça diálogos com a ex-namorada e com a esposa assassinada que, conjuntamente às aparições dos orixás, levam o advogado a realizar uma auto-reflexão sobre sua vida questionando os valores culturais e religiosos por ele absorvidos. Ao final da peça, o advogado recusa a cultura ocidental, através da atitude simbólica, de se despir das roupas que trajava, e afirma o universo e a cultura afro-brasileira gritando os nomes de sete Exus. Nesse momento, as filhas de santo o matam, atravessando-lhe a lança de Exu. Não pretendo aqui fazer uma analise antropológica do enredo da peça ou uma contextualização da trama a partir do universo cultural africano e afrobrasileiro. Interpretação deste último tipo pode ser encontrada em Larkin Nascimento (2003). Quanto aos trabalhos antropológicos, cito os realizados por Birman (1991) e Moutinho (2004), enfatizando a questão do relacionamento interracial e de como esse questionava o ideário de nação posto aquele momento. A primeira autora faz uma análise da peça Anjo Negro, de Nelson Rodrigues (1946), e Sortilégio. Uma das sugestões desta analista é de que essas peças dramatizavam um impasse nas relações entre negros e brancos ao mesmo tempo em que lançavam uma nova perspectiva sobre a questão racial no Brasil.
Nesse momento, já estavam cristalizadas duas perspectivas para a questão racial e emergia uma terceira, em certa medida privilegiada pelos dramaturgos que vieram a integrar o TEN. Essas perspectivas eram: o projeto, já perdendo o ímpeto e o crédito, do branqueamento; o ideário da mestiçagem, cujo mentor intelectual maior é, sem dúvida, Gilberto Freyre; e, por fim, o projeto de integração social do negro, centrado numa perspectiva igualitária e com ênfase na construção da cidadania para os homens de cor (Birman, 1991:143).
Ainda de acordo com Birman, a crítica da mestiçagem e do branqueamento é realizada através de uma “valorização do enegrecimento. As raízes africanas do candomblé surgem na peça como consciência de si”. Haveria um claro valor da “diferença no plano cultural como um meio através do qual os negros perder[iam]
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seu complexo de inferioridade” (Birman, 1991:149-153). Moutinho resume a idéia presente ao afirmar que Nascimento busca realizar uma construção do indivíduo através da manipulação de elementos étnicos. Ao utilizar um discurso étnico e reavivar as raízes africanas, Abdias do Nascimento lança mão do drama “negro” – através de uma religião que fascinou (e assustou) por ser tida como não-ocidental, como uma “sobrevivência” do “mundo primitivo” – para, pouco a pouco, desenhar o contorno do “negro” como indivíduo, fornecer o caminho de sua elaboração. Esse discurso parece operar, parafraseando Michel Foucault, uma espécie de “dispositivo de etnicidade”, possibilitado pelo cultivo de uma certa interioridade etnicizada e tomando como referência o passado africano. (...) No caso analisado, somente através do encontro com uma subjetividade “negra” perdida, aquela referida ao passado africano, que fora oprimida pelo sistema de dominação “branco”, é que este indivíduo poderia construir (e recuperar) sua força, a força da sua identidade, para viver no mundo branco, moderno. Um discurso que fez escola, como mostro em minha dissertação de mestrado (MOUTINHO, 1996), que articula cultura “negra” africanizada à noção moderna de indivíduo na tentativa de fornecer-lhe uma subjetividade própria e individual (Moutinho, 2004:157-158).
Por outro lado, nenhuma dessas análises afirma explicitamente que a peça Sortilégio pode ser encarada como uma reelaboração do conceito de négritude por parte de Nascimento,108 embora sugestão desse tipo seja feita por Nascimento em 1961.109 Quem chega mais próximo disso é Moutinho, ao afirmar que Guerreiro Ramos e Abdias do Nascimento estavam afinados numa crítica a folclorização do negro, levantando a bandeira da africanização. Fazendo uso das palavras do sociólogo baiano, a autora afirma que “é fácil perceber o que a peça [Sortilégio] tem de marcante: é o fato de ser escrita por um negro que assuma sua condição étnica, por um negro não ‘embranquecido’ pela cultura e que alcança as possibilidades de uma verdadeira estética negra” (Ramos apud Moutinho, 2004:159). Em seguida, a antropóloga afirma que a peça escrita por Nascimento aparenta ser a dramatização das idéias de outro intelectual: Roger Bastide. Nesse aspecto, penso que é difícil precisar quem influenciou quem no grupo de
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Assim como as análises anteriores da peça de Boal (1966 [1956]), Mourão (1966 [1957]), Rodrigues (1966 [1957]), Fonseca (1966 [1957]), Filho (1966 [1958]). A exceção é Florestan Fernandes (1966 [1962]), que irá afirmar que “Romeu Crusoé, Rosário Fusco e Abdias do Nascimento, os três dramaturgos ‘negros’, não atingem senão o que Sartre caracterizou como modalidades de ‘negritude objetiva’: a valorização da experiência humana e de suas fontes psicológicas, sociais e culturais no mundo do negro” (Fernandes, 1966:168).
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Na introdução da coletânea das peças escritas para o TEN, Nascimento sugere isso, mas refere-se ao teatro negro como um todo e não especificamente a sua peça. Ver Nascimento (1961:25).
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simpatizantes das idéias que chegavam da França composto por Roger Bastide, Abdias do Nascimento, Guerreiro Ramos e Ironides Rodrigues. Contudo, percebese que Bastide já assumia uma posição explícita de valorização da cultura afrobrasileira desde 1946 e contava com a simpatia de ativistas negros como Nascimento.110 Isso fica claro no artigo da coluna “Problemas e aspirações do negro” do jornal Diário Trabalhista de 29 de junho de 1946, intitulado “Abgail Moura diz: ‘A orquestra afro-brasileira realiza uma obra de recuperação artística e humana’ – Roger Bastide e o movimento negro”. Discorrendo sobre a orquestra afro-brasileira de Abgail Moura, o redator, provavelmente Nascimento, citava um trecho de um artigo de Bastide publicado na revista paulista recém lançada Senzala. No último número da revista “Senzala”, o eminente professor da Faculdade de Filosofia, Roger Bastide, escreveu: ‘O afro-brasileiro herdou de seus ancestrais uma cultura original e saborosa. Herdou qualidades de ritmo, o gosto musical e plástico. Tal herança deve ser abandonada? Não, e isso se baseia num patriotismo brasileiro bem compreendido. Isso com efeito, tornou-se uma parte importante do patrimônio nacional e tanto no domínio erudito com grandes escritores quanto no folclórico. Ao defender, pois, a herança africana não se faz somente obra de fidelidade, trabalha-se para solidificar o caráter tão saboroso e a originalidade da cultura brasileira (Diário Trabalhista, 26/06/1946).
Porém, a partir de 1948, a idéia de négritude toma forma mais concreta para intelectuais negros envolvidos com o TEN, como demonstrei no capítulo anterior, ao fazer a análise do jornal Quilombo. Nesse momento, por meio de Guerreiro Ramos, ela é entendida por uma afirmação da cultura brasileira mestiça que levava a uma inversão do “mulatismo” de Gilberto Freyre que possuía ainda aspectos arianizantes e passa a ser entendido como “enegrecimento”. De acordo com Bastide, “in a word, to sum up the thought of G. Ramos, Negritude was 110
De acordo com Peixoto (2000), Bastide, ao aportar no Brasil em 1938, iniciou um debate com os modernistas paulistas, com os quais teve uma introdução a cultura brasileira. Posteriormente, leria as obras de Nina Rodrigues, Arthur Ramos e Gilberto Freyre, que traria questionamentos quanto aos elementos africanos da cultura brasileira. Em 1944, fez sua primeira viagem ao nordeste (Salvador e Recife) e suas impressões estão registradas no livro Imagens do Nordeste Místico em Branco e Preto (1945). A intérprete afirma que “os primeiros contatos com o mundo do candomblé, na segunda metade da década de 1940, permitem a Bastide delinear um rol de preocupações que o acompanharão em seus escritos posteriores: a estrutura da mística africana, as sobrevivências africanas no Brasil, a diferença existente entre crise mística e crise histérica, as distinções entre candomblé e umbanda. Mas o que de fato irá causar forte impressão nesse momento inicial de descoberta da África é a estética afro-brasileira, o “espetáculo maravilhoso, encantador, a festa” (Peixoto, 2000:117).
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amore exact definition of Mulattism which preceded it: Mulattism defined as Negrification and no longer as aryanisation” (Bastide, 1961:86). Como vimos, a reelaboração do conceito é questionada no I Congresso do Negro Brasileiro tendo como base a tese de Ironides Rodrigues Estética da Negritude. Afirmando cada vez mais uma diferença étnica em bases raciais e defendendo a idéia de uma “subjetividade negra”, elas acabam por impossibilitar a aliança almejada por Nascimento entre ativismo negro e intelectualidade branca pró-melhoria da condição do negro em bases reformistas e democráticas. A temática da peça de Nascimento, em minha opinião, fornece as bases teóricas pelas quais o ativismo começa a se pautar nos anos 1950 e 1960. Nesse processo, tem início a valorização de uma identidade racial negra e a idéia de democracia racial começa, paulatinamente, a ser descartada como possibilidade futura. Contribuíram, para isso, as polêmicas ocorridas entre os ativistas do TEN e o sociólogo Costa Pinto, após o lançamento deste último em 1953. Contudo, é preciso ter noção que há um descompasso entre a enunciação desta perspectiva e sua efetiva implementação, em outras palavras, o radicalismo que se apresenta esteticamente na peça acima é incorporado posteriormente no campo político. De certa maneira, tinha razão Guerreiro Ramos quando, em 1952, afirmava que “durante muito tempo, a negritude será uma elaboração cultural cuja fruição se restringirá a um pequeno grupo de intelectuais. Nem as massas pigmentadas nem as elites brancóides do país estão em condições de assimilar todas as implicações deste valor” (Ramos, 1966 [1952]:106). 5.5 – Resenhando o TEN do ponto de vista político O primeiro trabalho que pode ser classificado como um daqueles que contemplam uma análise política do teatro negro de Abdias do Nascimento é o livro de Luiz Aguiar de Costa Pinto, O negro no Rio de Janeiro: relações de raça numa sociedade em mudança (1998 [1953]). O livro do sociólogo baiano radicado no Distrito Federal foi publicado em dezembro de 1953, tratando-se do relatório final apresentado pelo sociólogo a UNESCO relativo à parte da pesquisa do Projeto UNESCO no Rio de Janeiro (Maio, 1997 e 1998). A obra causou um
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grande mal estar entre as lideranças negras da época, principalmente nos dirigentes do TEN, já que o autor usou o grupo teatral e suas lideranças como objeto de estudo, citando-os nominalmente. O texto de Costa Pinto está dividido em duas partes: 1) “Situação Racial” e 2) “Movimentos Sociais”. Nessa última, o sociólogo faz um esforço analítico para entender o movimento social dos negros cariocas. Essa parte está dividida em três capítulos, a saber: a) “Associações Tradicionais”; b) “Associações de Novo Tipo” e c) “Tensões Raciais numa Sociedade em Mudança”.O título dos dois primeiros capítulos já leva consigo uma divisão analítica e caracterização das associações negras cariocas de acordo com o tipo de freqüentador e atividade da associação. No último capítulo, o pesquisador contrapõe os dois tipos de associações e faz uma análise mostrando como ambas são afetadas pelas mudanças suscitadas pelo processo de modernização que o Rio de Janeiro vinha sofrendo àquela época. Ao mesmo tempo, a variedade, diversidade, diferenças ideológicas e na maneira de atuação, gênese, além de várias outras diferenças entre as associações negras, seria produto de três ordens fundamentais de fatores: a) das variantes históricas de posição dos grupos de cor no quadro de suas relações com o branco; b) das multiplicidades de aspectos e formas particulares em que os problemas fundamentais de convivência interétnica se concretizam e c) diferenciações internas na população negra – de classe, de status, de geração, educação etc. Esse último fator permite que Costa Pinto aponte a confusão, segundo ele, realizada pelo senso comum e por parte dos pesquisadores da sua época que, ao olhar e pesquisar o negro brasileiro urbano, tenderia a aproximá-lo de uma “homogeneidade escura e exótica da senzala” (Pinto, 1998 [1953]:219). Aqui é possível vislumbrar a crítica do autor a certos segmentos acadêmicos que tenderiam a ver o negro como “um bizarro e pitoresco espetáculo”. Para isso, nas palavras de Maio “o cientista social se contrapõe aos estudos antropológicos [Nina Rodrigues, Artur Ramos e Gilberto Freyre] e históricos, que, a seu ver, estariam
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sintonizados com o passado, com o atraso das relações raciais no País” (Maio, 1998:33). Poder-se-ia dizer, de acordo com Costa Pinto, que associações tradicionais correspondem aos espaços onde se encontra um elevado contingente – arriscome a dizer, uma maioria – de indivíduos negros oriundos da classe pobre operária. Essas associações variariam entre entidades religiosas (irmandades católicas e macumba), recreativas (gafieiras, clubes recreativos, salões de bailes e escolas de samba) e de cunho social. A partir dessa classificação, o autor denomina o grupo de negros freqüentadores desses espaços genericamente de “negro massa”, onde “o que se encontra é apenas uma tomada de consciência prática, primária, imediata e espontânea da inferioridade social do negro e das limitações que, em conseqüência disso, sofre sua capacidade de plenamente participar da vida social” (Pinto, 1998 [1953]:215). As associações tradicionais são negras então à medida que são populares. O contraponto às associações tradicionais, as de “novo tipo”, eram aquelas cujos freqüentadores integravam uma pequena classe média negra constitutiva das “novas elites negras” em contraposição, às “antigas elites negras” quase inexistentes e que, à sua época, não se reuniam em associações. Nessas associações da “nova elite”, geralmente de cunho cultural, social e político, estariam disseminados os valores de classe média. Afirma o sociólogo baiano que “de elite, elite negra, que em face da massa negra age, reage e se comporta como toda elite em face de qualquer massa. Não é possível compreendê-las, por conseqüência, sem primeiro traçar, ainda que sumariamente, o perfil deste grupo de negros social e culturalmente evoluídos, que aqui estamos chamando de “elite negra” (Pinto, 1998 [1953]:235, grifos no original). Costa Pinto separa as elites negras entre antigas e novas. A diferença básica entre as duas seria a estratégia de ascensão social e a atitude perante os problemas vividos diante do fato de ser classe média e negra. As antigas elites seriam anteriores aos anos 1930, ou seja, antes do país entrar efetivamente no processo de modernização gerado pela industrialização. Os indivíduos vinculados a este grupo, optariam por uma ascensão individual que necessariamente levaria
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a uma alienação consciente em relação aos problemas de ser negro ou, quando enfrenta ou estuda os mesmos, tende a concordar com as saídas que optam pelo embranquecimento ou arianização (Pinto, 1998 [1953]:241). As novas elites negras surgem após os anos 1930 como resultado do processo de estratificação social que ocorrera desde o início do século passado e se catalisou durante o período em que Getúlio Vargas esteve no poder (19301945). O autor elege uma série de características dessas novas elites que têm relação direta com as mudanças que estavam ocorrendo na sociedade brasileira daquela época. Dentre elas, destacam-se as seguintes: 1) elas seriam fruto da diferenciação social dentro do grupo étnico como produto indireto do processo de industrialização do país; 2) as mesmas, assim como quaisquer elites, reclamam para si a função de liderança em relação às massas negras, valendo-se do discurso da consciência grupal e solidariedade racial; 3) são movimentos de cúpula que não causam, nas massas negras, nada além de indiferença e desinteresse, quando não, antagonismo e oposição. As duas últimas características, de acordo com Costa Pinto, são essenciais para entender o projeto visado pelas novas elites negras (também chamadas pelo autor de “elites agressivas”). Para evidenciar esse projeto, o autor toma como exemplo as atividades e a “ideologia” dos idealizadores da principal associação de novo tipo, o Teatro Experimental do Negro (TEN). Segundo Costa Pinto, o TEN nasceu como um grupo teatral, mas, devido aos objetivos a que se propôs com o transcorrer do tempo, acabou por tornar-se um grupo de pressão, um movimento social que organizou eventos sociais (bailes de gala e concursos de beleza) e científicos. Os dois principais intelectuais do TEN, Abdias do Nascimento e Guerreiro Ramos são utilizados, por meio de seus escritos e depoimentos, para explicitar os posicionamentos elitistas do grupo. A crítica de Costa Pinto vem no sentido de que a intelectualidade que integra as novas elites negras reivindica para si a função de liderança das massas negras e procura adestrá-las “nos estilos de comportamento da classe média” ou retirar-lhe o complexo de inferioridade perante o branco para resolver um
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problema que é seu e não das massas negras: o preconceito racial que lhe aflige por ocupar um lugar que historicamente não tem sido dela, em outras palavras, o fato dessa intelectualidade ou elite ser classe média e negra. Contudo, essa estratégia estaria fadada ao fracasso, devido à condição das massas negras que se identificariam, segundo o sociólogo, político e socialmente, muito mais com a classe do que com a raça. Segundo o autor “isso está ligado, por sua vez, ao fato de as grandes massas de cor, no Brasil estarem social e economicamente identificadas com o proletariado e tenderem fortemente – no plano associativo, político e ideológico – a atuarem na vida brasileira muito mais na órbita de sua classe do que na de sua raça” (Pinto, 1998 [1953]:245). O último questionamento de Costa Pinto em relação às novas elites diz respeito ao uso que estas fazem do conceito de negritude. O sociólogo coloca sua dificuldade de entendimento do que viria a ser a negritude já que os intelectuais do TEN falariam sempre em termos subjetivos, usando metáforas e nunca dão uma definição direta do que ela seria. Ao mesmo tempo, o autor procura mostrar que o termo “negritude” é uma palavra em voga naquele momento entre líderes e intelectuais negros das mais diversas tendências, cada um deles atribuindo-lhe um sentido distinto. Como já expus anteriormente, o sociólogo procura se basear na concepção de negritude usada pelos ativistas do TEN, que podia ser encontrada nos escritos de Guerreiro Ramos e na exposição da tese de Ironides Rodrigues no Congresso para tecer a sua crítica. De acordo com o analista, a negritude seria uma tentativa das “elites negras” de buscar uma racionalização de seu problema quotidiano e, como diz Guerreiro, libertá-los “do medo e da vergonha de proclamar sua condição racial” (Costa Pinto, 1998 [1953]:257). A conclusão de Costa Pinto se dá no sentido de não afirmar explicitamente que existe uma questão racial no Brasil:
Se por isto se entende o padrão peculiar que essa questão tem assumido no interior de outras estruturas sociais diversas da nossa; também não diremos que ela não existe, em face dos fatos aqui apresentados, seleção de muitos outros que se enquadram plenamente dentro da interpretação proposta. Diremos, isto sim, que há uma questão racial em processo de agravamento, com os característicos e as formas particulares com que a história a engendrou, e continua engendrando, dentro da estrutura social na qual ela
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se encontra e estreitamente relacionada com outras tensões também em processo nas 111 bases e no corpo desta estrutura (Costa Pinto, 1998 [1953]:295, grifos no original).
O artigo de Ricardo Gaspar Müller “Identidade e cidadania: o Teatro Experimental do Negro” (1988) é uma versão corrigida de sua dissertação de mestrado em sociologia defendida na Universidade Federal de Minas Gerais (BH) em maio de 1983. Muller estrutura seu texto em três tópicos: a análise textual de algumas peças; o projeto ideológico do grupo e, por fim, o projeto do TEN e a 111
Resta saber como foi a repercussão do livro e as críticas que Costa Pinto recebeu por parte da “elite negra”. A principal polêmica ocorreu com Guerreiro Ramos, o primeiro a criticar o trabalho como afirma Maio: “A primeira crítica de Guerreiro Ramos a Costa Pinto foi publicada antes de o livro deste último, O Negro no Rio de Janeiro, completar um mês da publicação. O artigo intitula-se “Sociologia de um Baiano Claro”, no qual o sociólogo ressalta a necessidade de se estudar os aspectos patológicos que norteariam a conduta do branco em relação ao negro. Embora não mencione textualmente Costa Pinto, este se constitui em seu personagem central (Guerreiro Ramos, 1954a). A resposta de Costa Pinto viria duas semanas depois, quando o professor de sociologia da FNFi afirma ‘que é preciso não confundir duas coisas bem diferentes e que só podem ser misturadas por má-fé: uma coisa é IDEOLOGIA RACIAL, outra coisa completamente distinta é o ESTUDO DE RELAÇÕES DE RAÇA’” (Maio, 1997:158). Em seguida ao artigo “Sociologia de um Baiano Claro”, Guerreiro publicou outro, intitulado “O Plágio” (O Jornal, 17/01/54), mas a resposta definitiva estaria pronta dois meses após a publicação e seria publicado ainda naquele semestre, com o título de “O Problema do Negro na Sociologia Brasileira” no Cadernos de Nosso Tempo, revista do IBESP (Maio, 1997). Nesse artigo, Guerreiro aprimora sua classificação dos trabalhos sócio-antropológicos de autores brasileiros e estrangeiros sobre relações raciais, algo que já havia sido iniciado em O Processo da Sociologia no Brasil (1953). Neste texto, Ramos divide a sociologia brasileira em três vertentes, de acordo com a concepção que a mesma deve ser “um instrumento de construção nacional”. Essas vertentes seriam: 1) a “autenticamente nacional” (Sylvio Romero, Euclides da Cunha, Alberto Torres e Oliveira Viana); 2) a “heteronômica, consular ou enlatada” (Tobias Barreto, Pontes Miranda, Tristão de Ataíde, Pinto Ferreira e Mário Lins); 3) um sub-ramo da sociologia “enlatada”, que estaria voltado para o estudo do negro fazendo do mesmo simplesmente “material etnográfico” (Nina Rodrigues, Gilberto Freyre, Arthur Ramos, Alfred Metraux, Donald Pierson, Roger Bastide, Emílio Willems, entre outros) (Maio, 1997). Desse modo, pode-se notar que a polêmica entre Guerreiro Ramos e Costa Pinto se insere num contexto maior, onde Ramos já vinha criticando a produção sociológica brasileira. Já Abdias do Nascimento, não aparece tanto nessa polêmica. Ele só se pronuncia tardiamente na edição de 1968 de O Negro Revoltado. O ativista acusa Costa Pinto de não devolver documentos referentes ao 1° Congresso do Negro Brasileiro que teriam sido emprestados: “Várias teses, pareceres, discursos e atas, por exemplo, foram em confiança, emprestados todos ao Sr. L. A. Costa Pinto que, nessa época, realizava um trabalho para a UNESCO sobre o negro no Rio de Janeiro. A maior parte do material emprestado jamais me voltou às mãos. O extravio desses documentos foi denunciado por Guerreiro Ramos em artigo no O Jornal (17-1-54) ao analisar a autoridade científica do Sr. L. A. Costa Pinto (...). Aliás, Gilberto Freyre também se refere a ‘antropólogos e sociólogos, alguns talvez tendenciosos (o grifo é meu [Abdias]), encarregados pela UNESCO de realizar no Brasil um inquérito sobre relações de raça’ (Prefácio à “Religião e Relações Raciais”, de René Ribeiro), o que naturalmente não se aplica nem a René Ribeiro (Pernambuco) nem a Roger Bastide e Florestan Fernandes (São Paulo); cujos trabalhos em suas respectivas áreas mereceram o respeito de todos” (Nascimento, 1982 [1968]:17). Não é minha intenção fazer aqui uma discussão detalhada sobre a repercussão do livro de Costa Pinto nas “elites negras”. Optei apenas por datar e frisar alguns pontos que considero importantes. Para uma análise pormenorizada de como a polêmica entre Ramos e Pinto, fez com que o primeiro produzisse suas principais obras sobre relações raciais ver a dissertação de mestrado de Barbosa (2004).
229
negritude. O objetivo nos três níveis de análise é enfatizar as contradições e ambigüidades que permearam o teatro negro. A primeira parte da análise de Müller foi contemplada por mim no segundo capítulo desta dissertação. No que diz respeito ao projeto ideológico do TEN, o autor elege três eventos de cunho eminentemente político organizados pelo teatro entre os anos de 1945 e 1950 para serem analisados, a saber: Convenção Nacional do Negro (São Paulo, 1945); Conferência Nacional do Negro (Rio de Janeiro, 1949) e o I Congresso do Negro Brasileiro (Rio de Janeiro, 1950). Em relação à Convenção, Müller faz uma análise do documento elaborado neste evento chamado “Manifesto a Nação Brasileira”. Esse documento se dividia em três partes principais: intenção; meio e reivindicações. Resumindo, a intenção seria a busca da inserção dos negros no projeto de nação que se elaborava naquele momento. O meio se daria através da ação de um grupo de pioneiros que exigiriam do Estado determinadas reivindicações. Contudo, de acordo com o autor, as reivindicações não diziam respeito a todos os negros, mas aos interesses do grupo de pioneiros o que, para o sociólogo, daria o tom elitista do movimento. No que diz respeito à Conferência Nacional do Negro o autor não possui muitas informações, limita-se a referir a data do evento, as delegações que compareceram, que um representante da Organização das Nações Unidas (ONU) estava presente e numa sessão foi criada a comissão central de coordenação que ficou responsável pela organização e preposição do temário do I Congresso do Negro Brasileiro. Fechando sua análise Müller volta sua atenção para o I Congresso do Negro Brasileiro, no qual busca evidenciar as contradições e as ambigüidades que teriam dado o tom do congresso. As duas maiores seriam as discussões sobre criação de uma elite negra e a integração baseada numa tradição brasileira de tolerância que só seria manchada por alguns defeitos vigentes em certas instituições como o Itamaraty, que impediria o acesso de negros em suas fileiras diplomáticas. A conclusão do autor é de que a grande ambigüidade do TEN teria sido de a partir da constatação de uma desqualificação do negro, ter proposto a criação de “consciência restauradora da sua verdade”. Isso se daria pelo resgate 230
de uma naturalidade original do negro, anterior a escravidão e desconhecida pelos sujeitos. A natureza negra – a negritude – seria recuperada pelo trabalho de uma elite negra e utilizada para a integração dos negros na sociedade que se constituía através da sua elevação moral, cultural e social. Explorando uma brecha de análise aberta primeiramente por Costa Pinto (1998 [1953]) e explorada por Müller (1988), Maués (1988) busca aprofundar as análises sobre as ambigüidades existentes no discurso do TEN, conforme diz logo no início de seu artigo, intitulado “Entre o branqueamento e a negritude: o TEN e o debate da questão racial”. De acordo com a autora, sua intenção foi “acompanhar, através da leitura desses documentos, as ambigüidades e ambivalências que parecem ser, mais do que em outros momentos, o marco do discurso negro em foco, algo que tem muito a ver com o próprio momento vivido pelo movimento dos negros, mas também com a composição e a ideologia de suas elites, que já denunciavam a violência racista da tese do branqueamento, mas ainda caiam na armadilha da visão preconceituosa sobre o negro e por aí acabavam querendo, afinal, embranquecê-lo” (Maués, 1988:92). A partir deste intuito, Maués explora vários textos de autoria de Abdias do Nascimento, Ironides Rodrigues e Guerreiro Ramos para evidenciar as contradições do discurso desses líderes negros, o projeto ideológico do grupo e as bases teóricas sobre as quais ele é elaborado. Haveria, de um lado, primeiramente a constatação do baixo nível cultural, social e econômico da maioria dos negros, condição que se originaria na escravidão e se manteria até aquele momento. Por outro lado, o negro apresentaria uma certa essência africana, “como algo inerente à própria condição do negro enquanto alguém ainda preso às raízes africanas, alguém que guardaria em si as “marcas da raça” (Maués, 1988:94). Nesse segundo aspecto, os autores que influenciaram os intelectuais eram antropólogos como Tylor e Frazer, filósofos como Lévy-Bruhl. Essa caracterização do negro lhe atribuiria certos aspectos como inerentes como a emotividade, a teatralidade, a passionalidade e a incapacidade de pensar em termos abstratos. O
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projeto da elite seria de manipulação destes aspectos do negro através do teatro de modo a inseri-lo num processo de valorização cultural, ascensão social e catártico visando expurgar o sentimento de inferioridade que lhe afligia. O problema central, segundo a autora, seria de que a elite negra ao admitir a emotividade e a passionalidade como algo inerente às culturas africanas e, conseqüentemente, aos negros brasileiros estariam compactuando com o pensamento racista que reservava lugares ao negro (emoção) e ao branco (razão) e admitiam a inferioridade de seus patrícios menos abastados. Ao final das contas, o projeto do TEN buscaria apenas domesticar esses traços primitivos a manipular os mesmos com o objetivo de efetivar a integração “adestrar(ando) gradativamente a gente de cor nos estilos de comportamento da classe média e superior da sociedade brasileira” (Nascimento, 1950:10-11). Em minha opinião, o grande problema das análises acima foi de não fazer uma pesquisa mais ampla sobre o que constitui o TEN e as várias referências teóricas e ideológicas com as quais suas lideranças dialogaram. O primeiro equívoco inicia-se em Costa Pinto, que demonstra total desconhecimento em relação à negritude francesa, como já afirmei anteriormente. Além disso, o autor tenta inserir o movimento de negros cariocas dentro de uma análise que favoreceria uma perspectiva revolucionária via luta de classes, contudo, as referências ideológicas que permeavam o teatro negro passavam bastante longe disso. Os líderes do teatro negro em sua maioria eram ex-integralistas alinhados com uma democracia populista trabalhista e reformista. Além disso, buscavam se postar como uma intelligensia negra que demandava a inserção de reivindicações da população negra num projeto de nação mestiço hegemônico aquele momento. Ainda havia a crença numa idéia de democracia racial, justificada pelo clima de legalidade democrática e pela mobilidade social ascendente de parte significativa da população. Ao mesmo tempo, Costa Pinto entende a idéia de “elite” como um projeto reacionário de uma pequena burguesia negra que busca legitimar a sua situação de classe. No que diz respeito às análises de Muller (1988) e Maués (1988), penso que as mesmas, além de reproduzirem o equívoco de Costa Pinto, ainda sofrem 232
de um certo anacronismo e confusão teórica. Há duas influências teóricas em Nascimento que são confundidas pelos analistas: 1) Lévy-Bruhl via as obras de Arthur Ramos e 2) a négritude francesa. Num primeiro momento, que vai do surgimento do TEN até por volta de 1950, podemos ver o autor se referir à população negra como possuidora de um baixo nível cultural. Os famosos trechos reproduzidos por Costa Pinto (1998 [1953]), Muller (1988) e Maués (1988) dizem respeito ao discurso de Nascimento na abertura da Conferência Nacional do Negro em maio de 1949 e mostram a filiação do autor aos conceitos teóricos de Lévy-Bruhl. Afirma o autor em determinada altura que:
A gente negra sempre se organizou objetivamente, entretanto, sob o efeito de apelos religiosos ou interesses recreativos. Os terreiros e as escolas de samba são instituições negras de grande vitalidade e de raízes profundas, dir-se-ia, em virtude de sua teluricidade. O que devemos colher desta verificação é que só poderemos reunir em massa o povo de cor mediante a manipulação das sobrevivências paideumáticas subsistentes na sociedade brasileira e que se prendem às matrizes culturais africanas. A mentalidade de nossa população de cor é ainda pré-letrada e pré-lógica. As técnicas sociais letradas ou lógicas, os conceitos, as idéias, mal a atingem. A Igreja Católica compreendeu isto e o sucesso das missões na época colonial vem daí. Não é com elocubrações de gabinete que atingiremos e organizaremos esta massa, mas captando e sublimando a sua profunda vivência ingênua, o que exige a aliança de uma certa intuição morfológica com o senso sociológico. Com estas palavras desejo assinalar que o Teatro Experimental do Negro não é, nem uma sociedade política, nem simplesmente uma associação artística, mas um experimento psico-sociológico, tendo em vista adextrar (sic) gradativamente a gente negra nos estilos de comportamento da classe média e superior da sociedade brasileira (...). Com efeito, a população de cor, em virtude do seu baixo nível cultural, não tem a preparação necessária para definir os seus próprios problemas. Precisamos ouvir os estudiosos, consultar os entendidos e ouvir os próprios negros (Nascimento, 1950: 10-12).
Por essa passagem podemos sugerir duas indagações a respeito do TEN e dos seus objetivos: a) o TEN não era somente uma entidade, sociedade ou associação artística e b) sua missão seria de empreender uma iniciativa, através de
mecanismos
psico-sociológicos,
que
levasse
a
manipulação
das
“sobrevivências paideumáticas” para propiciar a integração desse contingente da população, de baixo nível social e cultural, no estilo de vida da classe média e alta. Esse discurso do líder do teatro negro tem sido citado repetidamente em vários artigos e trabalhos (Pinto, 1998 [1953]; Mauês, 1988; Maio, 1997) como uma das
233
provas irrefutáveis da visão racista de que dotava o líder do TEN, além das ambigüidades e contradições que perpassaram a trajetória do teatro negro. Contudo, é preciso ter em mente que as referências teóricas às quais Nascimento se filia eram utilizadas ainda por antropólogos e sociólogos que se dedicavam aos estudos afro-brasileiros. De acordo com Maio (1997), é somente “na segunda edição de O negro brasileiro (1940) [que Arthur Ramos] revê a sua identificação com os postulados de Lévy-Bruhl sobre a mentalidade pré-lógica dos negros, a concepção acerca de supostas atitudes patológicas envoltas por reflexões freudianas dos rituais afro-brasileiros, incorporando a análise o modelo de aculturação, proposta por Melville Herskovits” (Maio, 1997:10). Ao mesmo tempo, Peixoto (2000) mostra como Roger Bastide fazia toda uma ginástica teórica no sentido de juntar antropologia e sociologia norte-americanas (Herskovits e Park) com sociologia francesa (Durkheim, Mauss, Halbwachs e Lévy-Bruhl) na sua análise sobre a macumba paulista em 1946 (Peixoto, 2000:99-116).112 A partir de 1948, quando a négritude começa a influenciar as lideranças do TEN, tem início uma tímida ruptura com o paradigma posto por Lévy-Bruhl em Nascimento. Como visto na análise realizada do jornal Quilombo, há uma série de representações confusas da população negra e suas manifestações culturais que vão da exaltação como pertencentes à “alma negra”, à não utilidade das mesmas como algo que ajudasse na “elevação cultural dos negros”. Com a polêmica do I Congresso do Negro Brasileiro, ocorrerá uma radicalização da proposta da négritude seguido de um afastamento das idéias de “cultura primitiva” ou “mentalidade pré-lógica”. A peça Sortilégio, de Nascimento, é o maior exemplo disso, ou seja, a construção do indivíduo através da valorização de uma identidade racial e étnica negra.
112
Sobre a influência de Lévy-Bruhl sob Roger Bastide, ver o livro de Fernanda Peixoto (2000). Para entender como a teoria de Bruhl é uma das principais referências teóricas nas primeiras obras de Arthur Ramos, ver a dissertação em antropologia de Maria José Campos (2002).
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5.6 – 1968: crítica a democracia racial e crepúsculo do TEN De acordo com Müller (1988), após o término do I Congresso do Negro Brasileiro e a realização das eleições de 1950, as atividades do teatro negro começam a se escassear. Alguns eventos, contudo, merecem destaque, como a Semana de Estudos sobre Relações de Raça (1955), o concurso Cristo Negro (1955), o curso de Introdução ao Teatro Negro e às Artes Negras (1964), a instalação do Museu de Arte Negra e do curso de arte negra (1968). Para, além disso, foram editados três livros: Drama para negros e prólogo para brancos (1961), TEN – testemunhos (1966) e O negro revoltado (1968).113 Na semana de estudos de 1955, a declaração de princípios lançada pelos organizadores do evento evidencia que as idéias de uma democracia racial e de relações raciais mais amenas continuavam a informar as lideranças negras da época. Afirmava o documento, em certa altura, que “considerava o Brasil uma comunidade nacional onde têm vigência os mais avançados padrões de democracia racial, apesar da sobrevivência, entre nós, de alguns restos de discriminação”. Assim sendo, era “desejável que o governo brasileiro [apoiasse] os grupos e as instituições nacionais que, pelos seus requisitos de idoneidade científica, intelectual e moral [pudessem] contribuir para a preservação das sadias tradições de democracia racial no Brasil, bem como para levar o nosso país a poder participar da liderança das forças internacionais interessadas na liquidação do colonialismo” (Nascimento, 1982 [1968]:105-106). Em 1957, Abdias do Nascimento freqüenta um curso do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) organizado por Guerreiro Ramos e obtém um diploma de sociologia ao apresentar a tese “Valor Sociológico do Teatro Experimental do Negro”. Nesse mesmo ano, a peça Sortilégio é liberada pela censura e a primeira montagem se dá em 21 de agosto de 1957, no Teatro Municipal do Distrito Federal sob a direção de Léo Jusi (Nascimento, 1959).
113
Fonte: Dionysos, número 28, 1988, pp. 239-249.
235
Em janeiro de 1961, dois anos após a Revolução Cubana, Nascimento viaja para Cuba a convite da Casa de Las Américas, uma instituição do governo Cubano. Lá, organiza uma exposição de fotos do TEN na biblioteca da instituição e faz uma conferência. Dois anos depois, volta ao país caribenho pela segunda vez. Em 1962, participa como ator do filme de Léon Hirzman, Cinco Vezes Favela (Escola de Samba Alegria de Viver), no episódio dirigido por Cacá Diegues. Nesse mesmo ano, é candidato a deputado estadual pela lista nacionalista de Brizola, sendo derrotado nas eleições. Em 1964, os militares tomam o poder no Brasil, depondo o governo de João Goulart. Com o golpe militar, ocorre uma inflexão política tanto para a esquerda nacionalista quanto para o populismo trabalhista (Sader e Paoli, 1986:46-88). Se os primeiros buscavam resolver o problema das desigualdades sociais pela via revolucionária, os últimos entendiam que a solução desse problema se daria pelo viés reformista. Era dentro de esta última perspectiva que as lideranças do TEN se posicionavam e, nesse aspecto, a idéia “democracia racial”, como possibilidade futura a ser alcançada, se colocava como central. A ditadura militar tornou oficial a imagem do Brasil como um país sem conflitos raciais e étnicos, contudo, impossibilitou a efetivação da proposta da democracia racial pela via democrática, o que romperia em definitivo o que Guimarães (2002) formulou como “pacto da democracia racial”. Nesse momento, ocorre uma apropriação do conhecimento e dos questionamentos produzidos pelo Projeto UNESCO sobre o sistema de relações raciais
vigente
no
país
por
parte
dos
ativistas
negros.114
Refiro-me
114
Nesse aspecto, discordo de Maio (1997), quando afirma, como uma de suas conclusões, que o impacto imediato do Projeto UNESCO no Brasil tenha sido “apenas” a catalisação de um processo de institucionalização e modernização do ponto de vista teórico do campo de ciências sociais nas décadas de 1950 e 1960 e um aumento da ajuda financeira da instituição a projetos sediados no país. Afirma ele que “o conteúdo da pesquisa propriamente dito, isto é, não obteve qualquer ressonância na sociedade brasileira. Pode-se atribuir tal fenômeno basicamente a crença generalizada de que as relações raciais no Brasil não se constituíam num problema, e sim numa solução. Enfim, acreditava-se que havia uma convivência harmônica entre as raças no país” (Maio, 1997:301). Em minha opinião, ocorreu uma instrumentalização por parte do ativismo negro do conhecimento e questionamentos produzidos pelas pesquisas patrocinadas pela UNESCO sobre o tipo de relações raciais que passou a fornecer argumentos para que o ativismo colocasse em “xeque” a “convivência harmônica”.
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especificamente às obras Fernandes (1965) e Bastide (1959).115 A última contestava a idéia vigente de democracia racial e passava a encará-la como “mito”, a partir da concepção marxista de ideologia, a qual buscaria mascarar e falsear a realidade. Dentro desta perspectiva, a democracia racial brasileira seria uma falácia. De acordo com Guimarães (2005), na introdução de O negro revoltado, Nascimento mostrará a incorporação de duas novas noções ao seu pensamento e que, se somando a idéia de négritude, passam a dar o tom de sua atuação a partir daquele momento.116 De acordo com o autor: Há, entretanto, duas noções, oriundas do mundo francófono, ambas bastante desenvolvidas por Albert Camus, que encontraram eco nos escritos de Abdias do Nascimento dos 1960 e que passaram desapercebidas pela literatura especializada até o momento. Refiro-me às noções de resistência e de revolta, bastante presentes nas ideologias que informaram as lutas de descolonização da África francesa (Guimarães, 117 2005: 02).
Para além dessas novas influências, o texto pode ser encarado como um documento que pela primeira vez, sistematiza as atividades e polêmicas nas quais Nascimento estivera envolvido até aquele momento. As influências teóricas e político-ideológicas também são citadas. Porém, minha intenção aqui é chamar a atenção para o fato de que a crítica à idéia de democracia racial passa a ser um
115
Guimarães afirma, em sua aula para professor titular em sociologia da USP, que “quando Florestan, em 1964, defende nessa casa a sua tese de titular da cadeira de Sociologia I, denunciando a democracia racial como um mito, o faz acreditando que tudo poderia ser diferente se tal ideologia tivesse realmente caído nas mãos do povo”. Em seguida, o professor puxa uma nota e usa as palavras de Fernandes: “Portanto, as circunstâncias histórico-sociais apontadas fizeram com que o mito da ‘democracia racial’ surgisse e fosse manipulado como conexão dinâmica dos mecanismos societários de defesa dissimulada de atitudes, comportamentos e ideais ‘aristocráticos’ da ‘raça dominante’. Para que se sucedesse o inverso, seria preciso que ele caísse nas mãos dos negros e dos mulatos; e que estes desfrutassem de autonomia social equivalente para explorá-lo na direção contrária, em vista de seus próprios fins, como um fator de democratização da riqueza, da cultura e do poder” (Guimarães, 2004:10-24, apud Fernandes, 1965:219).
116
Volto a lembrar que a introdução foi escrita por Nascimento em agosto de 1967.
117
Para uma discussão pormenorizada, ver o texto de Guimarães, “Resistência e revolta nos 1960 – Abdias do Nascimento” (2005).
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ponto fundamental da atuação de Nascimento, a partir desse momento, influenciado pela análise de Fernandes (1965).118 Afirma o ativista negro que: A estratégia da discriminação em nosso país, sob certo aspecto, é mais sutil e mais cruel que a praticada nos Estados Unidos, porque não permite qualquer oportunidade de defesa a vítima. Criou slogans, fabricou leis, com isto domesticou o negro. Em sua grande maioria o negro brasileiro sofre a dopagem da pseudodemocracia racial que lhe impingiram (...). Em nome dessa democracia racial que Florestan Fernandes já qualificou de mito, mesmo depois que a Unesco constatou de norte a sul a precariedade de nossas relações raciais, ainda agora, brancos e brancóides, intelectuais ou não, insistem em não querer ver o que acontece à sua frente, negando razão e fundamento aos que trabalham para melhorar nosso tipo de convivência étnica (...). Nunca é demais insistir: o slogan da democracia racial brasileira serve a discriminação disfarçada e do lento, porém inexorável, desaparecimento do negro (...). Esta aí destruído o mito de mistura de raças é contraprova do racismo. O imperativo fisiológico, as condições socioeconômicas levaram o português ao consórcio sexual com a negra. Nada prova a favor de sua proclamada índole isenta de preconceitos. Os resultados desse processo biológico aí estão a face de quem quiser ver: um simulacro de democracia racial elevado a categoria de tabu, de fetiche. Certo e verdadeiro é: a condição de escravo, isto é, de coisa (o ser humano coisificado), facilitou a miscigenação, para a desgraça do negro. Em sua origem, a miscigenação é a violência, o abuso do poder – e não sentimentos humanos e apreconceituosos dos colonizadores. Única e exclusivamente as custas da raça negra se erige esse monumento de impostura, de trágica mentira e cruel hipocrisia, denominada democracia racial (Nascimento, 1982 [1968]:73-95).
Outros elementos que podem ser encontrados no texto são: crítica aos oitenta anos de Abolição que se comemorava em 1968 (p. 66); ligação da luta dos negros do Brasil as lutas das populações negras de outras localidades da Diáspora Africana (pp. 66-67); várias citações e referências a Joaquim Nabuco em seu texto O Abolicionismo; questionamento do luso-tropicalismo, da miscigenação e do preconceito de cor como produto da luta de classes numa afirmação de Arthur Ramos (pp. 96-97); questionamento da eficácia da Lei Afonso Arinos (p. 101). Por fim, Nascimento vincula os moradores dos quilombos a noção de revolta: Os quilombos são os precursores de nossa luta de hoje, quando, arriscando a vida, recusaram a imposição do trabalho forçado, dos novos valores culturais, novos deuses, nova língua, novo estilo de vida. São eles – os quilombolas – os primeiros elos dessa corrente de revolta que atravessa quatro séculos de história brasileira (Nascimento, 1982 [1968]:102). 118
De certa maneira, a crítica já começa a ser esboçada num texto em protesto a não inclusão do TEN e outras personalidades afro-brasileiras na delegação que representou o Brasil no Festival Mundial das Artes Negras em Dacar, Senegal, 1966. Ver Nascimento (2002:321-332).
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Após a subida dos militares ao poder, em 1964, o regime vai endurecendo aos poucos até 1968, quando é implementado o AI-5. Contudo, desde o início da ditadura, já havia perseguições a intelectuais, políticos, ativistas e qualquer um que fosse qualificado como “subversivo”. A situação de Nascimento não era diferente. Ele era acusado de fazer a ligação entre o movimento negro e à esquerda comunista e, sob esse pretexto, passou a ser perseguido pelos órgãos repressores (Nascimento e Nascimento, 2000). No segundo semestre de 1968, o ativista recebe um convite da Fairfield Foundation, de Nova York, para conhecer as atividades políticas, sociais e culturais dos negros norte-americanos. Ele vai para os Estados Unidos em outubro, para uma visita de um mês. Faz algumas conferências nesta cidade e, findo o período de um mês, decide permanecer na América do Norte. É importante frisar que o autor, como ele próprio afirma (Nascimento, 1976), viveu uma experiência de “auto-exílio”, o que lhe permitia um contato maior com o que acontecia no Brasil devido as suas viagens constantes ao país e para outros lugares do mundo como o continente africano e o Caribe. Sua estada prolongada em terras estadunidenses (1968-1981) significou o crepúsculo do TEN, devido à liderança carismática e centralizadora que o ativista tinha sobre a organização. Conclusão Meu objetivo nesse quinto e último capítulo foi, dentre outros, de evidenciar como a aliança ou frente anti-racista e pró elevação cultural, política e econômica do negro não se concretizou, devido a uma série de incompatibilidades teóricas, ideológicas e político-partidárias entre o ativismo do TEN e uma intelectualidade “branca”, representada por Costa Pinto e Edson Carneiro. O conceito ou idéia de négritude, incorporado e reelaborado pela liderança negra, foi o responsável por trazer à tona essas várias divergências vistas de maneira mais clara nos dois últimos dias do I Congresso do Negro Brasileiro em 1950. A négritude, da maneira que
foi
apresentada
no
conclave,
catalisou
o
questionamento
dos
posicionamentos político-partidários de ambos os grupos, polemizou e colocou em discussão os conceitos de “raça” e “racismo às avessas” e, por fim, pôs em perigo 239
a hegemonia de um projeto de nação mestiço ao expor, sugerir e valorizar uma noção de diferença racial. O resultado desses conflitos foi um evidenciamento do que se “escondia” por trás do “povo negro” e dos “homens de ciência”, dicotomia utilizada por Nascimento para se referir ao “racha” do Congresso. O “povo negro” era o ativismo do TEN personificado nas figuras de Ironides Rodrigues, Sebastião Rodrigues Alves, Aguinaldo Camargo, Guerreiro Ramos e Abdias do Nascimento. Na sua maioria, ex-integralistas, católicos e reformistas, estes militantes tinham uma maneira peculiar de pensar a problemática do negro, que se colocava como uma continuidade dos velhos movimentos negros, mas que, naquele exato momento, passava a incorporar a idéia de négritude, a qual trazia consigo a valorização de uma subjetividade negra e um tomar consciência de si a partir da sua experiência racial. De outro lado, se encontravam os “homens de ciência” personificados nas figuras de Costa Pinto e Edson Carneiro. Ambos eram ex-comunistas que compartilhavam um entendimento da problemática negra como epifênomeno de uma estrutura e dos conflitos de classe capitalista. Para, além disso, o sociólogo baiano era produto de um tipo de intelectualidade pós Segunda Guerra que se colocava terminantemente contra qualquer posicionamento que entendesse o conceito de “raça” como determinante. Esses fatores, aliado ao desconhecimento de Costa Pinto no que diz respeito ao movimento da négritude francesa, fez com que o pesquisador se colocasse contra as propostas das lideranças negras do TEN no Congresso e elaborasse, juntamente com Carneiro, o documento que ficou conhecido como “declaração dos cientistas”. De comum, os dois grupos compartilhavam uma crítica nos estudos que viam o negro como exótico, contudo, a origem destas perspectivas era diferenciada. De acordo com Maio (1998), Costa Pinto cunhou sua crítica que ficaria conhecida como “negro como espetáculo” a partir da leitura da introdução de Sérgio Buarque de Holanda em seu livro Cobra de vidro (1944), na qual o historiador coloca uma postura crítica em relação à produção sobre temática afro-
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brasileira na década anterior. Barbosa (2004:98-99) irá demonstrar que a origem das críticas realizadas pelo ativismo negro, mais especificamente Guerreiro Ramos, sobre os estudos sobre o negro teria surgido da sugestão do escritor negro paulista Fernando Góes. A crítica de Costa Pinto se acirra e o conflito com o teatro negro se torna público após a publicação de O negro no Rio de Janeiro (1953). Neste livro, o sociólogo usa o TEN como objeto de análise, citando nominalmente as lideranças negras e critica o projeto reformista do grupo por meio de uma análise marxista que colocava como saída à perspectiva revolucionária. Para Costa Pinto, ocorreria uma sobreposição da variável “classe” sobre “raça” e a négritude seria a racionalização da situação de uma pequena classe média onde “raça” cumpriria a função de ideologia (no sentido marxista), ou seja, de mascarar a realidade efetiva. Em outras palavras, a dominação que era de classe se apresentava para essa classe média negra como sendo de raça. Os debates que se seguiram pós Congresso e lançamento do livro de Costa Pinto impulsionaram uma radicalização da proposta da négritude por parte das lideranças negras. Nascimento escreve Sortilégio em 1951, peça que esteticamente propõe uma “valorização do enegrecimento” e tomada de consciência de si por parte dos negros a partir da incorporação e manipulação de elementos culturais visando uma possível etnicização. A partir de 1953, os debates de Guerreiro Ramos com Costa Pinto fazem com que o primeiro elabore suas melhores análises sobre relações raciais estabelecendo uma crítica a um padrão estético vigente subordinado a “brancura” conjuntamente a uma revisão das correntes sociológicas que até então tinham tomado o negro como objeto de análise. De acordo com Barbosa (2004:165), Ramos, que gostava de se afirmar como mulato, deixa de lado essa perspectiva explicitando a “assunção do niger sum como devir da negritude, instância em que o negro tornar-se-ia sujeito de sua existência para além das determinações e normatizações sociais que o teriam transformado o homem de pele escura em negro na história do Ocidente” (Barbosa, 2004:166). O analista denomina esse tipo de posicionamento de Ramos
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de “personalismo negro”, ou seja, a visão humanista de Guerreiro Ramos sobre o negro. A idéia de democracia racial, que era tomada pelo ativismo como algo que se efetivaria com a integração dos negros, se mantêm forte e influente até o estabelecimento do governo militar em 1964. A ditadura militar ao mesmo tempo em que endossou e propagandeou o imaginário de um país harmonioso do ponto de vista racial, impossibilitou o estabelecimento de uma democracia racial de fato pela via democrática. É necessário ter em mente que com a subida dos militares ao poder tanto o projeto revolucionário de uma esquerda nacionalista quanto o reformista de grupos de centro-direita populistas foram abortados. A reação do ativismo negro foi uma radicalização da crítica as relações raciais no Brasil a partir da instrumentalização do conhecimento produzido pelo Projeto UNESCO na década de 1950. Em Nascimento, ela se configurará num questionamento da idéia de democracia racial informado pela obra de Florestan Fernandes (1965) entendendo a mesma como falácia. Por fim, em 1968 vê-se o “canto do cisne” do TEN com o “auto-exílio” de Nascimento nos Estados Unidos. Tem início uma nova fase na sua atuação como ativista, levando em conta que ele se torna o primeiro militante negro brasileiro a ter uma experiência de contato, em “carne e osso”, com as idéias do Atlântico Negro mediante sua vivência internacional.
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Considerações Finais
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No início de minha investigação sobre Abdias do Nascimento, minhas preocupações giravam em torno de observar as continuidades e rupturas no seu pensamento e formas de atuação. Ilustrativo disso era o título que dava nome a meu projeto de pesquisa: "Abdias do Nascimento: do ‘negro como povo’ ao negro como raça uma trajetória pelos movimentos negros brasileiros". O objetivo era fazer uma revisão bibliográfica crítica do conjunto da obra intelectual, artística, militante e política de Nascimento. O intuito desta revisão seria o de compreender os paradigmas ideológicos e as propostas políticas utilizadas pelas fases do movimento negro em que o ativista havia participado: FNB, TEN e MNU. Em outras palavras, a idéia vigente era de que, ao analisar a trajetória do autor como liderança negra, estaríamos, conseqüentemente, entendendo muitas das questões que se colocaram ao protesto negro desde os anos 1930 até a atualidade. Essa hipótese se confirmou como correta. Porém, devo confessar que minha preocupação no início da pesquisa se dava no sentido de encontrar as rupturas que marcariam Nascimento. Dentro desta perspectiva, era impossível não deixar de observar uma mudança nas várias fotos do ativista nos idos dos anos 1940 e 1950 comparando-as com as dos 1970 em diante. Ressaltava-se a troca de vestimentas tipicamente associadas ao padrão e estilo de vida ocidental – configuradas no conjunto de terno e gravata – por batas e filás alusivos à indumentária prevalecente no continente africano. Ao meu entender, isso marcava uma ruptura observável a “olho nu”. O que se verá é que na continuidade aconteceram rupturas que irão pontuar a mudança que descrevi usando o uso de roupas como analogia. Ex-integralista,
católico,
reformista
e
vinculado
teoricamente
a
interpretações do Brasil e do negro oriundas de Arthur Ramos e Gilberto Freyre: 119
Na imagem acima o desenho “Abdias e coração” de Ana Bella Geiger, 1967.
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eis o perfil do “jovem Abdias”. Características comuns também à boa parte daqueles que se juntaram ou viriam a se juntar ao seu grupo nos anos 1940, como Guerreiro Ramos e Sebastião Rodrigues Alves. O teatro negro que Nascimento fundou no Rio de Janeiro em 1944 pode ser inserido naquilo que Guimarães denominou de “modernidade negra”, por realizar uma reelaboração da imagem do negro através da linguagem cênica e uma auto-representação positiva do grupo que levava a questionar as relações raciais brasileiras. Sua
liderança
carismática
sobre
o
teatro
negro
angariou
uma
intelectualidade respeitada na virada dos anos 1940 para 1950 que expunha seus pensamentos, representações e idéias sobre a população negra no jornal Quilombo. Nomes como Gilberto Freyre, Arthur Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Raquel de Queiroz e Roger Bastide são apenas alguns dos vários que assinam matérias no periódico do teatro negro. Ao mesmo tempo, esse é o período em que a representação hegemônica do país é um Brasil mestiço e harmonioso do ponto de vista racial. O “preconceito de cor” existiria, mas era apenas uma idiossincrasia de determinadas regiões do país e certas instituições privadas ou estatais. A democracia racial, aquele momento chamada de “democracia étnica”, era uma “jóia” cultivada nos trópicos e que se colocava como solução para outros lugares no mundo, onde o problema de raças era estruturador e evidente. Ao mesmo tempo, o Brasil saía do Estado Novo e depositava uma grande esperança num termo que carregava uma certa magia denominada “democracia”. Palavra chave no mundo pós-guerra, onde a polarização entre capitalismo versus comunismo,
cada
vez
mais,
era
interpretada
como
uma
oposição,
respectivamente, entre democracia e totalitarismo. Esse contexto fez com que Nascimento vislumbrasse uma proposta de atuação criadora de uma ampla frente anti-racista e pró-melhoria da população afro-brasileira fosse do ponto de vista cultural, social, econômico e político. Em outras palavras, a integração da população afro-brasileira se apresentava como possível de ocorrer num clima democrático e com a ação conjunta das lideranças
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negras, políticos democratas e compromissados com a questão racial além de uma intelectualidade renomada. O momento de coroação disto seria o I Congresso do Negro Brasileiro. Paradoxalmente, nesse conclave ocorreu uma inflexão na qual as incompatibilidades entre os vários grupos ficariam evidentes. A idéia de négritude teve o papel de deflagradora das divergências polemizando a noção de raça, projeto de nação mestiço e cientificidade e trazendo à tona uma polarização entre grupos de esquerda nacionalista e outros de centro-direita populista reformista, que tinham maneiras distintas de entender a problemática racial. Deixando-se influenciar pelas idéias da négritude francesa, Nascimento escreveu Sortilégio (1951), peça que, nas palavras de Fernandes (1966), alcança o que Sartre chamou de “negritude objetiva”: a valorização da experiência humana e de suas fontes psicológicas, sociais e culturais no mundo do negro. Essa proposta, como bem observou Birman (1991), questionava um projeto de nação mestiço ou pautado pelo branqueamento. De certa maneira, isso já fornecia resposta para outro questionamento formulado no início de minha pesquisa: de onde vinha o racialismo explicitado no cultivo de uma identidade racial existente no protesto negro dos anos 1970? A resposta dada por parte dos analistas (Félix, 2000) e pelo senso comum era de que teria havido uma influência da ideologia racial norte-americana sobre o pensamento do autor. Minha hipótese, ao contrário disso, sugeria que um certo “essencialismo” negro já vinha sendo cultivado desde os anos 1930 pela FNB e pelo TEN por intelectuais e ativistas do movimento negro brasileiro dessa época, principalmente Abdias do Nascimento (Guimarães, 2001). Se olharmos para a argumentação que desenvolvo no último capítulo desta dissertação, essa hipótese também se confirma. O “essencialismo” de Nascimento toma força durante o regime militar, sobre uma nova roupagem, devido ao fato de a ditadura ter transformado a idéia de “democracia racial” em uma ideologia oficial. Desse modo, aparentemente, seria errôneo afirmar que Nascimento teve o seu posicionamento ideológico-racial “americanizado” durante sua permanência nos EUA (Guimarães, 2005). Pode-se dizer que a proposta do autor foi elaborada em 1951, quando redigiu o drama de
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Emanuel na peça Sortilégio. O texto será alçado a uma perspectiva política nos anos 1960, período em que a idéia de democracia racial passa a ser combatida por ativismo. Contribuem, para isso, o estabelecimento do Governo Militar – que fecha as possibilidades tanto para a direita como para a esquerda – e o conhecimento produzido pelo Projeto UNESCO – que colocava as relações raciais e o imaginário de harmonia racial em xeque. Nascimento, especificamente, irá utilizar a interpretação de Fernandes (1965) de “democracia racial” como “mito” para tecer suas críticas. Ainda em 1968, Nascimento inicia seu “auto-exílio” nos Estados Unidos, marcando um novo período na sua atuação como ativista negro, a fase pan-africanista, afrocêntrica e quilombista. Nesse aspecto, é sugestiva a citação de parte do prefácio de seu livro de 1968, O negro revoltado, com a qual gostaria de fechar esse trabalho. Afirma o autor que: Os quilombos são os precursores de nossa luta de hoje, quando, arriscando a vida, recusaram a imposição do trabalho forçado, dos novos valores culturais, novos deuses, nova língua, novo estilo de vida. São eles – os quilombolas – os primeiros elos dessa corrente de revolta que atravessa quatro séculos de história brasileira (Nascimento, 1982 [1968]:102).
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CRONOLOGIA120 1914 – Nasce em Franca (SP) Abdias do Nascimento, filho de uma doceira e um sapateiro. 1921– Entra na escola primária e começa a freqüentar o grupo escolar Coronel Francisco Martins. 1922 – Nesse ano, vê um menino negro sendo espancado pela vizinha e a intervenção de sua mãe em favor do garoto. 1922-1928 – A família é católica fervorosa e isso faz com que Abdias se incline para a possibilidade de uma vida monástica. 1929 – Participa de um desfile esportivo na capital do Estado, São Paulo. Formase em contabilidade no Ateneu Francano (escola de comércio). 1930 – Alista-se no Exército como voluntário e vai servir no Quartel General (QG) da 2◦ Região Militar – Segundo Grupo de Artilharia Pesada – em Quitaúna, atual Osasco (SP). 1932 – Entra em combate na Revolução Constitucionalista de 1932. 1933 – Filia-se à Ação Integralista Nacional (AIB) e freqüenta a Escola de Comércio Álvares Penteado em São Paulo. 1936– É exonerado do Exército por causa de uma briga em um bar (Majestic) em São Paulo. Muda-se para o Rio de Janeiro e transfere os estudos de economia para a Faculdade de Ciências Econômicas do Rio de Janeiro. 1937 – Interrompe seus estudos na faculdade de economia e entra para a Escola de Cadetes da Reserva. É preso entregando folhetos contra a ditadura de Vargas e é julgado e condenado pelo Tribunal de Segurança Nacional (TSN). Ainda na prisão, escreve uma carta se desligando do integralismo. 1938 – Sai da prisão no Rio de Janeiro e vai para Campinas (SP), onde organiza o Congresso Afro-Campineiro em maio de 1938, no Centro de Ciências e Letras. 1939 – Segundo Guerreiro Ramos, 1939 é o ano em que os dois se conhecem.
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Retirado da página: http://www.abdias.com.br/biografia (Site verificado em 02 de dezembro de 2005).
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1939-1940 – Trabalha no Banco Mercantil de São Paulo abrindo agências pelo interior do Estado de São Paulo, e depois, como agente do censo de 1940. 1941 – Volta para o Rio e parte em viagem pela América do Sul com poetas do grupo Santa Hermandad Orquidea. A viagem começa em Belém e segue por Manaus, Colombia, Bolívia, Peru, Argentina, terminando no Uruguai no início de 1943. 1943 – Volta ao Brasil. Vai para a penitenciária do Carandiru em São Paulo. 1944 – É libertado no início do ano. Vai para o Rio de Janeiro e se reúne com alguns amigos para fundar o Teatro Experimental do Negro (TEN), em 13 de outubro de 1944. 1945 – O TEN estreou no dia 08 de maio no Teatro Municipal do Rio de Janeiro com a peça O Imperador Jones. É criado o Comitê Democrático Brasileiro com elementos do TEN e da UNE. Em novembro, ocorre a primeira reunião da Convenção Nacional do Negro em São Paulo a qual teve a sua presidência. Nesta ocasião, é lançado o documento da convenção intitulado “Manifesto a Nação Brasileira”. 1946 – Atua como jornalista no periódico Diário Trabalhista, onde lança a coluna de sua responsabilidade intitulada “Problemas e aspirações do negro brasileiro”. 1948 – Em dezembro é lançado o primeiro número de Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro e Nascimento é o editor responsável do jornal. 1949 – De 09 a 14 de maio, ocorre a Conferência Nacional do Negro organizado por Nascimento, Guerreiro Ramos e Edson Carneiro. 1950– É lançado em julho o último número do jornal Quilombo. De 26 de setembro a 04 de outubro, ocorre o 1° Congresso do Negro Brasileiro. 1951 – Em janeiro, Nascimento termina de escrever a peça Sortilégio, mas a censura proíbe a encenação da peça no Distrito Federal em março. Em 03 de julho, a lei de número 1390 é ratificada por Getúlio Vargas e ficará conhecida como Lei Afonso Arinos. 1952 – Em maio, Nascimento é candidato a vereador pelo Partido Social Trabalhista (PST). O slogan da sua campanha é “Não vote em branco, vote no preto”. Ele não consegue se eleger nas eleições. 1955 – Em abril o TEN organiza o concurso do Cristo Negro. A idéia teria partido de Guerreiro Ramos e causa polêmica no Rio de Janeiro. Promoção conjunta com a revista Forma, em apoio às comemorações do XXXVI Congresso Eucarístico Internacional, realizado no Rio de Janeiro em 1955. 248
1957 – Freqüenta o curso do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) organizado por Guerreiro Ramos e obtém um diploma de sociologia ao apresentar a tese “Valor Sociológico do Teatro Experimental do Negro”. A peça Sortilégio é liberada pela censura. A primeira montagem se dá na Casa do Pequeno Jornaleiro, em agosto. 1961 – Viagem a Cuba em janeiro, tendo sido convidado pela Casa de Las Américas, uma instituição do governo Cubano (a Revolução Cubana havia ocorrido em 1959). Ele organiza uma exposição de fotos do TEN na biblioteca desta instituição e faz uma conferência. 1962 – Participa como ator do filme de Léon Hirzman, Cinco Vezes Favela (Escola de Samba Alegria de Viver), no episódio dirigido por Cacá Diegues. Candidato a deputado estadual pela lista nacionalista de Brizola. 1963 – Segunda visita a Cuba. 1964 – Golpe Militar no Brasil. Entra em contato com Leon Damas, poeta guianense e um dos fundadores da négritude francesa, que está no Brasil fazendo pesquisas para a UNESCO. 1968 – Vai para os Estados Unidos em outubro para uma visita de um mês a convite da Fairld Foundation de Nova Iorque. Faz algumas conferências nesta cidade e quando o período de um mês termina, ele decide ficar nos Estados Unidos. 1968/69 – Durante um semestre, atua como Conferencista Visitante da Yale University, School of Dramatic Arts. Inicia sua atuação como artista plástico, pintando telas que transmitem os valores da cultura religiosa afro-brasileira e da luta pelos direitos humanos dos povos africanos em todo o mundo. 1969/70 – Convidado pelo Centro para as Humanidades da Wesleyan University (Middletown, Connecticut), participa durante um ano, com intelectuais como Norman Mailer, Norman O. Brown, John Cage, Buckminster Fuller, Leslie Fiedler, e outros, do seminário A Humanidade em Revolta. 1970 – É convidado para fundar a cadeira de Culturas Africanas no Novo Mundo, no Centro de Estudos Portoriquenhos da Universidade do Estado de Nova York em Buffalo, na qualidade de professor associado, no ano seguinte titular, e lá permanece até 1981. 1973 – Participa da Conferência de Planejamento do 6º Congresso Pan-Africano em Kingston, Jamaica.
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1974 – Participa do Sexto Congresso Pan-Africano, Dar-es-Salaam, Tanzânia, como único representante da região da América Latina. 1976-77 – Convidado pela Universidade de Ife, Ile-Ife, Nigéria, passa um ano como Professor Visitante no Departamento de Línguas e Literaturas Africanas. 1976 – Participa, a convite do escritor Wole Soyinka, no Seminário Alternativas para o Mundo Africano, reunião em que funda-se a União de Escritores Africanos, em Dakar. 1977 – Participa na qualidade de observador, perseguido pela delegação oficial do regime militar brasileiro, do Segundo Festival Mundial de Artes e Culturas Negras e Africanas, realizado em Lagos. Denuncia, no respectivo Colóquio, a situação de discriminação racista vivida pelo negro no Brasil. Na Europa e Estados Unidos, participa da fundação, desde o exílio, do novo PTB (mais tarde, Partido Democrático Trabalhista - PDT). 1977 – Participa, na qualidade de delegado e presidente de grupo de trabalho, do Primeiro Congresso de Cultura Negra nas Américas, realizado em Cáli, Colômbia. 1978 – Participa em São Paulo do ato público de fundação e das reuniões organizativas do Movimento Negro Unificado contra o Racismo e a Discriminação Racial. Participa da reunião internacional de exilados brasileiros O Brasil no Limiar da Década dos Oitenta, em Stockholm, Suécia. 1979 – A convite do Bloco Parlamentar Negro (Congressional Black Caucus) do Congresso dos Estados Unidos, e do Sindicato de Trabalhadores do Correio, profere conferência na sede da Câmara dos Deputados em Washington, D.C. 1980 – Participa, na qualidade de delegado especial, do Segundo Congresso de Cultura Negra das Américas, realizado no Panamá, e é eleito pelo plenário Coordenador Geral do Terceiro Congresso. No Brasil, lança o livro O Quilombismo e ajuda a fundar o Memorial Zumbi, organização nacional voltada à recuperação, em benefício da comunidade afro-brasileira e do mundo africano, das terras da República dos Palmares, na Serra da Barriga, Alagoas. 1981 – Funda o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO) na PUC-SP. Integra a executiva nacional do PDT e funda a Secretaria do Movimento Negro do PDT, no Rio de Janeiro e a nível nacional. Participa da coordenação internacional do projeto Kindred Spirits, exposição itinerante de artes afroamericanas. 1982 – Organiza e é eleito para presidir o Terceiro Congresso de Cultura Negra das Américas, realizado nas dependências da PUC-SP com representantes de todo o mundo africano exceto o Pacífico.
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1983 – Assume a cadeira de Deputado Federal, eleito suplente pelo PDT-RJ. É o primeiro deputado afro-brasileiro a exercer o mandato defendendo os direitos humanos e civis do povo afro-brasileiro. A convite da ONU, participa do Simpósio Regional da América Latina em Apoio à Luta do Povo da Namíbia pela sua Independência, em San José, Costa Rica. Visita a antiga sede da UNIA de Marcus Garvey em Limón. Viaja também a Nicarágua, participando de sessões da Assembléia Nacional e conhecendo as populações de origem africana em Bluefields, litoral oriental do país. Em Washington, D.C., participa do seminário Dimensões Internacionais: a Realidade de um Mundo Interdependente, a convite do Bloco Parlamentar Negro (Black Congressional Caucus), na sede do Congresso Nacional dos Estados Unidos. 1984 – Cria, junto com um grupo de intelectuais e militantes negros, a Fundação Afro-Brasileira de Arte, Educação e Cultura (FUNAFRO), integrando o IPEAFRO, o Teatro Experimental do Negro, a revista Afrodiaspora, e o Museu de Arte Negra. 1985 – A convite da ONU participa do Simpósio Mundial em apoio à Luta do Povo da Namíbia pela sua Independência, em Nova York. Participa, novamente, de reunião internacional patrocinada pelo Bloco Parlamentar Negro dos Estados Unidos: a Conferência Internacional sobre a Situação dos Povos do Terceiro Mundo, na sede do Congresso norte-americano em Washington, DC. Integrando comitiva oficial brasileira, visita Israel a convite do respectivo governo. 1987. Participa, na qualidade de delegado de honra, da Conferência Internacional sobre a Negritude e as Culturas Afro nas Américas, Florida International University, Miami. Integra o Conselho de Contribuintes do Município do Rio de Janeiro. 1987/88 – Integra o Comitê Dirigente Internacional, Festival Pan-Africano de Artes e Cultura, Dakar, Senegal. Participa da direção internacional do Memorial Gorée, organização dedicada ao projeto de construção de um memorial aos africanos escravizados na ilha senegalesa que serviu como entreposto do comércio escravista. Integra a direção internacional do Instituto dos Povos Negros, organização internacional promovida com o apoio da UNESCO pelo governo de Burkina Faso e de outros países africanos e caribenhos. 1988 – Profere a conferência inaugural da Série Anual de Conferências Internacionais W. E. B. Du Bois em Accra, República de Gana, promovida pelo Centro de Estudos Pan-Africanos W. E. B. DuBois, e visita o país a convite do governo. Participa da Comissão Nacional para o Centenário da Abolição da Escravatura. Realiza exposição individual intitulada Orixás: os Deuses Vivos da África, na sede do Ministério da Educação e Cultura, o Palácio Gustavo Capanema. 1989 – Na qualidade de consultor da UNESCO para assuntos culturais, passa um mês em Angola. É eleito Presidente do Memorial Zumbi e atua no Conselho de Curadores da Fundação Cultural Palmares, Ministério da Cultura. É nomeado 251
Conselheiro representante do Município no Conselho de Contribuintes do Município do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Fazenda. 1990 – A convite da SWAPO (movimento de libertação nacional transformado em partido político eleito ao primeiro governo da nação), participa da cerimônia de independência da Namíbia e posse do Governo Sam Nujoma, em Windhoek. 1990-91 – Durante um ano atua como Professor Visitante, Departamento de Estudos Africano-Americanos, Temple University, Philadelphia. Acompanha Darcy Ribeiro e Doutel de Andrade na chapa do PDT para o Senado, sendo eleito suplente de senador. 1991 – Assume a pasta de Secretário de Estado para a Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras (SEAFRO) no Governo do Rio de Janeiro. A convite do Congresso Nacional Africano (ANC) da África do Sul, participa de sua 48a Conferência Nacional presidido por Nelson Mandela, em Durban. É nomeado membro do Conselho de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. 1991-92 – Assume a cadeira no Senado. Integra a comitiva presidencial em visita a Angola, Moçambique, Zimbabwe, e Namíbia. Participa no Primeiro Congresso Internacional sobre Direitos Humanos no Mundo Africano, patrocinado pela organização não-governamental AFRIC e realizado em Toronto, Canadá. 1993/94 – Retoma a Secretaria Extraordinária de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras. 1995 – Participa das atividades do Tricentenário de Zumbi dos Palmares, em vários estados e municípios do Brasil e nos Estados Unidos. Lança o livro Orixás: os Deuses Vivos da África, com reproduções de suas pinturas, texto sobre cultura e experiência afro-brasileiras, e textos críticos de diversos autores (africanos, norteamericanos, caribenhos, e brasileiros) sobre a sua obra de artes plásticas. É Patrono do Congresso Continental dos Povos Negros das Américas, realizado no Parlamento Latinoamericano em São Paulo, em comemoração ao Tricentenário da Imortalidade de Zumbi dos Palmares, 20 de novembro de 1995. 1996 – Recebe da Câmara Municipal de São Paulo o título de Cidadão Paulistano. 1997 – Assume em caráter definitivo o mandato de senador da República. Recebe o prêmio de Menção Honrosa de Direitos Humanos outorgado pela Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP. Realiza exposição de pintura no Salão Negro do Congresso Nacional. 1998 – Participa com um comentário ao Artigo 4º da Declaração de Direitos Humanos por ocasião do cinqüentenário desse documento da ONU em 1998, incluído em volume organizado e publicado pelo Conselho Federal da OAB. Outros artigos foram comentados por personalidades como o rabino Henry Sobel,
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Adolfo Pérez Esquivel, Evandro Lins e Silva, Dalmo de Abreu Dallari, João Luiz Duboc Pinaud, e outros. Realiza exposição de pintura (28 telas) na Galeria Debret em Paris. 1999 – Assume, como titular fundador, a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania do Governo do Estado do Rio de Janeiro. É homenageado pela Câmara Municipal de Salvador entre cinco personalidades do mundo africano: Malcolm X, Abdias Nascimento, Martin Luther King, Patrice Lumumba, Samora Machel. 2000 – Extinta a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, preside provisoriamente o Conselho de Direitos Humanos e volta a dedicar-se às atividades de escritor e pintor. Recebe o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal da Bahia. 2001 – É agraciado pelo Schomburg Center for Research in Black Culture, centro de referência mundial que integra o sistema de bibliotecas públicas do município de Nova York, com o Prêmio Herança Africana comemorativo dos 75 anos da fundação daquela instituição. A comissão de seleção dos premiados foi constituída pelo ex-prefeito de Nova York, David N. Dinkins, a poetisa Maya Angelou, o cantor Harry Belafonte, o ator Bill Cosby, a diretora da editora Présence Africaine Mme. Yandé Christian Diop, o professor Henry Louis Gates da Harvard University, a coreógrafa Judith Jamison, o cineasta Spike Lee e o reitor da Universidade das Antilhas Rex Nettleford. As outras cinco personalidades homenageadas com o prêmio em cerimônia realizada na sede da ONU foram o intelectual senegalês e ex-diretor da UNESCO M. Amadou Mahktar M'Bow, a coreógrafa e antropóloga Katherine Dunham, a ativista dos direitos civis e fundadora da Organização das Mulheres Negras dos Estados Unidos Dorothy Height, o fotógrafo Gordon Parks, e músico e fotógrafo Billy Taylor. Convidado pelo Fórum Nacional de Entidades Negras, faz o discurso de abertura da 2ª Plenária de Entidades Negras Rumo à 3ª Conferência Mundial Contra o Racismo, Rio de Janeiro, 11 de maio de 2001. É agraciado com o Prêmio Cidadania 2001, da Comunidade Bahia do Brasil, conferido em Salvador em junho. Inaugura-se em julho o Núcleo de Referência Abdias Nascimento, contra o Racismo e o Anti-Semitismo, e seu Serviço Disque-Racismo, iniciativas da Fundação Municipal Zumbi dos Palmares, Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes, Estado do Rio de Janeiro. Profere discurso de abertura do 1º Encontro Nacional de Parlamentares Negros, Salvador, Bahia, 26 de julho de 2001. Convidado pela Coalizão de ONGs da África do Sul (SANGOCO), profere palestra na mesa Fontes, Causas e Formas Contemporâneas de Racismo, Fórum das
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ONGs, 3ª Conferência Mundial Contra o Racismo, Durban, África do Sul, 28 de agosto de 2001. É agraciado com a Ordem do Rio Branco, no grau de Oficial, Brasília, outubro de 2001. É agraciado com o Prêmio UNESCO, categoria Direitos Humanos e Cultura de Paz, outubro de 2001. 2002 – Lança os livros O Brasil na Mira do Pan-Africanismo (CEAO/ EdUFBA) e O Quilombismo, 2ª ed. (Fundação Cultural Palmares). É convidado pelo Liceu de Artes e Ofícios da Bahia a ser o palestrante da segunda de suas novas Conferências Populares, continuando essa tradição centenária no seu 130o aniversário. Participa das comemorações do Dia Nacional da Consciência Negra em Porto Alegre, 20 de novembro. É homenageado pela Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia, na sua 4ª Conferência Nacional realizada em Brasília em 11 de dezembro, como personalidade destacada na história dos direitos humanos no Brasil. Exposição Abdias do Nascimento: Vida e Arte de um Guerreiro, Centro Cultural José Bonifácio, Rio de Janeiro, inaugurada em dezembro. 2003 – Discursa, na qualidade de convidado especial, na inauguração da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Brasília, 21 de março. É homenageado pela Fala Preta! Organização de Mulheres Negras de São Paulo, como personalidade destacada na defesa dos direitos humanos dos afrodescendentes brasileiros, 22 de abril. Publica em maio edição em fac-símile do jornal Quilombo (São Paulo: Editora 34). Recebe o Diploma da Camélia, Campanha Ação Afirmativa/ Atitude Positiva, CEAP e Coalizão de ONGs pela Ação Afirmativa para Afrodescendentes, Rio de Janeiro, 17 de novembro. Recebe o Prêmio Comemorativo das Nações Unidas por Serviços Relevantes em Direitos Humanos, Rio de Janeiro, 26 de novembro.
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2004 – No Seminário Internacional Políticas de Promoção Racial, recebe o Prêmio de Reconhecimento da Secretária Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro. Brasília, 21 de março de 2004. Recebe homenagem da Presidência da República aos 90 anos "do maior expoente brasileiro na luta intransigente pelos direitos dos negros no combate à discriminação, ao preconceito e ao racismo". Brasília, 21 de março de 2004. Recebe prêmio de Reconhecimento 10 Years of Freedom - South Africa 19942004, do Governo da África do Sul, abril de 2004. Profere palestra "Memorial de Luta", no Seminário O Negro na República Brasileira: Pautas de Pesquisa, promovido pelo Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afro-Descendente da PUC-Rio, maio de 2004. Participa do VII Congresso da BRASA, Associação de Estudos Brasileiros, na qualidade de homenageado no Painel sobre a sua vida e obra, realizado em sessão plenária do dia 10 de junho de 2004, na PUC-Rio. Participa do Fórum Cultural Mundial, realizado em São Paulo em julho de 2004, como homenageado no painel Abdias Nascimento, um Brasileiro no Mundo, organizado pela SEPPIR, em que é lançado oficialmente o seu nome para o prêmio Nobel da Paz, ampliando a repercussão da indicação feita pelo Instituto de Advocacia Ambiental e Racial - IARA.
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PRODUÇÃO DE ABDIAS DO NASCIMENTO Livros O Quilombismo: documentos de uma militância pan-africanista. Brasília/Rio de Janeiro: Fundação Cultural Palmares/OR Produtor Editor, 2002. 2ª ed. O Brasil na Mira do Pan-Africanismo. Salvador: CEAO/EDUFBA, 2002. Orixás: os Deuses Vivos da África. Rio de Janeiro: IPEAFRO/Afrodiaspora, 1995 (livro de arte em edição bilíngüe, com poesias, texto, 74 reproduções em cores das obras de arte do autor, e ensaios críticos de vários autores). A Luta Afro-Brasileira no Senado. Brasília: Senado Federal, 1991. Africans in Brazil: a Pan-African Perspective. Co-autoria de Elisa Larkin Nascimento. Trenton: Africa World Press, 1991. Brazil: Mixture or Massacre. Trad. Elisa Larkin Nascimento. Dover: The Majority Press, 1989. Combate ao Racismo. Brasília: Câmara dos Deputados, 1983-86, 6 vols. (discursos e projetos de lei). Povo Negro: A Sucessão e a “Nova República”. Rio de Janeiro: IPEAFRO, 1985. Axés do Sangue e da Esperança: Orikis. Rio de Janeiro: Ed. Achiamé e Rio Arte, 1983 (Poesia). Sitiado em Lagos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. O Quilombismo. Petrópolis: Editora Vozes, 1980. Sortilégio II: Mistério Negro de Zumbi Redivivo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979 (Peça de teatro). Mixture or Massacre. Trans. Elisa Larkin Nascimento. Buffalo: Afrodiaspora, 1979. O Genocídio do Negro Brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. “Racial Democracy” in Brazil: Myth or Reality. Trad. Elisa Larkin Nascimento. Ibadan: Sketch Publishers, 1977, 2ª ed. “Racial Democracy” in Brazil: Myth or Reality. Trad. Elisa Larkin Nascimento. IleIfe: University of Ife, 1976.
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É mais fácil ser doutor, do que conseguir um lugar de simples caixeiro. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 24/01/1946, página 05. Afirma o poeta Rossine Camargo Guarnieri: Em São Paulo a situação do negro é simplesmente horrível. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 25/01/1946, página 07. O professor Joaquim Ribeiro, invocando o conceito do sociólogo Sorokin, depõe: – É quase nula a mobilidade vertical dos negros. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 27/01/1946, página 07. Depois da abolição deviam ter dado ao negro um pouco da terra que ele cultivou para os senhores. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 30/01/1946, página 05. Pretos e brancos unidos, realizarão a construção do Brasil de a manhã. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 01/02/1946, página 07. O negro e a democracia. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 03/02/1946, página 07. Homenagem póstumas ao Dr. Claudomiro Tavares, presidente da União Democrática Afro-Brasileira. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 07/02/1946, página 05. A bancada trabalhista dá todo seu apoio às reivindicações do negro. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 08/02/1946, página 05. Depõe o professor Artur Ramos: Depois da luta contra racismo, ainda subsiste outra, de não menor gravidade: a luta contra a miséria, contra a doença, contra todas as formas de exploração. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 09/02/1946, página 04. Do negro tudo querem e aproveitam, e nada, absolutamente nada, se lhe dá. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 12/02/1946, página 04. A mulher negra deve tomar parte ativa nos acontecimentos políticos e sociais do país, declara ao Diário Trabalhista Arinda Serafim. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 13/02/1946, página 04.
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A hedionda injustiça contra os negros está exuberantemente provada. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 16/02/1946, página 07. Aguinaldo Camargo declara: os negros mais do que qualquer outra classe social sofre todos os horrores do capitalismo internacional. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 17/02/1946, página 04. Senzala – A magnífica revista ilustrada da coletividade afro-brasileira, editada em São Paulo. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 23/02/1946, página 05. É preciso acabar com a exclusão absoluta ou relativa nas Guardas Palacianas, nas escolas. AARA o oficialato das Forças Armadas e mesmo na diplomacia. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 28/02/1946, página 07. Todas as religiões têm um sentido de liberdade. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 02/03/1946, página 05. Antiisolacionismo negro por Abdias do Nascimento. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 09/03/1946, página 06. A convenção nacional do negro brasileiro e a luta pela alfabetização das massas operárias. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, 10/03/1946, página 06. Aqui, nesta terra de negros, mulatos e creoulos, onde as raças se fundem em um só bloco, existe uma luta surda contra e passiva contra a gente de cor, só por ser de cor. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, 12/03/1946, página 06. Porque os poderes públicos não prestigiam a Convenção Nacional do Negro Brasileiro? Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, 14/03/1946, página 07. O negro e a existência de uma cultura na África. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, 16/03/1946, página 06. O preconceito de cor está aí, lanhando as carnes do negro para quem quiser ver. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 17/03/1946, página 06. Será preciso que os racistas indígenas passem por um processo de reeducação semelhante ao que as Nações Unidas estão levando a efeito na Alemanha e no Japão. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 21/03/1946, página 06. 279
O Senador Hamilton Nogueira denunciou a constituinte uma fraude contra o negro. Problemas e aspirações do negro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 24/03/1946, página 06. As mulheres negras também reivindicam seus direitos. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 05/04/1946, página 05. A discriminação é fato infelizmente verdadeiro no Brasil. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 10/04/1946, página 04. Debate público em torno da questão negra. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 26/04/1946, página 05. Manifesto da Convenção Nacional do Negro Brasileiro. Os pretos não estão criando nenhum problema, declarou o senador Hamilton Nogueira nos debates públicos sobre a questão negra. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 30/04/1946, página 05. As comemorações do 13 de Maio. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 03/05/1946, página 05. A abolição da escravatura foi uma legítima vitória dos próprios negros. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 05/05/1946, página 05. A marcha sobre a Segunda Abolição. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 08/05/1946, página 05. A história do negro ainda está para ser contada. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 09/05/1946, página 05. As brilhantes comemorações da data da Abolição. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 11/05/1946, página 05. O mais belo povo mestiço do mundo. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 16/05/1946, página 05. O Departamento de Cultura de São Paulo não auxilia a educação do povo. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 28/06/1946, página 05. Abgail Moura diz: A orquestra afro-brasileira realiza uma obra de recuperação artística e humana. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 29/06/1946, página 04.
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Conservou a pureza era verdadeira música africana. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 14/07/1946, página 03. O desaparecimento do preconceito de cor não pode ser fruto de cambalacho político – partidário. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 18/07/1946, página 04. As atividades do teatro do negro. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 27/07/1946, página 05. O preconceito de cor na Bahia. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 28/07/1946, página 05. A questão do negro no Brasil não é para partidos. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 01/08/1946, Página 06/ 08. Um livro sobre o negro na arte do Brasil. Problemas e aspirações do negro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 03/08/1946, página 03. Creio na valorização do trabalhador. Problemas e aspirações do negro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 16/08/1946, página 03. O Teatro Experimental do Negro e a cultura do povo. Problemas e aspirações do negro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 25/08/1946, página 04. O movimento progressista do Brasil estaria incompleto se lhe faltasse a cor do movimento Afro-Brasileiro. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, 08/09/1946, Rio de Janeiro, Página 06. Existe o preconceito de cor nas estações de rádio. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 12/09/1946, página 06. O negro em marcha. Problemas e aspirações do negro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 12/10/1946, página 05. Em defesa dos afro-brasileiros. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 28/11/1946, página 05. Discriminação racial no Tijuca Tênis Clube. Problemas e aspirações do negro brasileiro. Diário Trabalhista, Rio de Janeiro, 18/12/1946, página 04. Nosso programa. In Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro. São Paulo: Editora 34, 2003 [Rio de Janeiro, dezembro de 1948, página 03]. Sr. João Conceição. In Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro. São Paulo: Editora 34, 2003 [Rio de Janeiro, janeiro de 1950, página 02].
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